A SOLIDÃO DE RAMBO Suspeitas De Corrupção E Conluio Com As Milícias Desmontam Wilson Witzel
Total Page:16
File Type:pdf, Size:1020Kb
EDIÇÃO 166 | JULHO_2020 vultos da república A SOLIDÃO DE RAMBO Suspeitas de corrupção e conluio com as milícias desmontam Wilson Witzel ALLAN DE ABREU Witzel, com seu trompete, nos anos 1970: o governador e o presidente hoje se acusam mutuamente de manipular a polícia, mas, quando aliados, tentaram juntos derrubar o chefe da PF no Rio CREDITO: ÁLBUM DE FAMÍLIA o receber a notícia de que seu impeachment tomava corpo na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, o governador Wilson A Witzel (PSC) passou a enfrentar a mesma desorientação daquele verão longínquo quando se perdeu no meio do mato. Tinha 23 anos e acabara de chegar à Zona da Mata de Minas Gerais, onde o Batalhão de Artilharia do Corpo de Fuzileiros Navais do Rio de Janeiro faria um exercício militar que o jovem segundo-tenente adorava: simular um combate na selva. Seus superiores o chamavam de “tenente Uítzel”, mas, entre os praças, seu apelido era “Rambo”, pelo seu hábito de levar uma faca presa na panturrilha. Seriam quatro dias exaustivos e excitantes, mas o tenente, encarregado de liderar um dos grupos, saiu de lá enlameado e humilhado, e no ano seguinte sua carreira militar estava encerrada. No segundo dia dos exercícios, a equipe de Witzel deparou com uma encruzilhada. Nessas circunstâncias, o manual militar prevê que o líder escolha uma entre duas alternativas: ou a equipe se divide em dois grupos para que cada um vá numa direção, ou todos seguem um mesmo caminho. Witzel, porém, tomou uma decisão heterodoxa. “Vocês todos vão para aquele lado, e eu vou sozinho por esse aqui”, disse, segundo a recordação de um dos colegas, que hoje trabalha em Brasília e não quer ser identificado para não se atritar com o governo. Horas depois, os onze integrantes do grupo chegaram de volta ao acampamento dos fuzileiros, mas o tenente estava sumido. Passou-se um dia, e nada de Witzel aparecer. O churrasco que deveria encerrar o exercício militar foi cancelado. O capitão de fragata Renato Lins Furtado, comandante dos fuzileiros, já cogitava mandar toda a tropa de volta para o Rio de Janeiro e providenciar uma operação de busca e salvamento, quando, no segundo dia de espera, o tenente Witzel surgiu no horizonte. Estava cansado, coberto de lama, com fome e o semblante assustado. Chegou explicando- se: “Escorreguei num barranco e minha pistola saiu do coldre. Fui procurá-la e me perdi.” O comandante Furtado estava furioso, pois tudo começara com a decisão errada na encruzilhada, e esbravejou: “Uítzel, quando chegarmos ao quartel, vou comer a sua bunda!” Pouco tempo depois, em julho de 1992, quando seu contrato de três anos expirou, o tenente Wilson José Witzel foi dispensado da Marinha. Seus serviços militares, nas regras que disciplinam os oficiais do Centro de Preparação de Oficiais da Reserva (CPOR), poderiam ter sido estendidos por mais cinco anos – era o que Witzel desejava. Como sonhava em seguir a carreira militar, a demissão precoce marcou sua vida. Casado havia dois meses com uma capitã da Marinha, Sônia de Souza Marques, doze anos mais velha, Witzel ficou sem rumo. “Ele sempre gostou muito dos símbolos militares, do modo de vida militar”, disse um parente próximo, que não quer ser identificado para não abalar sua boa relação com o governador. “Por isso, deixar a Marinha causou nele uma frustração imensa, que ele só conseguiu superar de alguma maneira quando entrou para a política.” té reunir seu apoio eleitoral decisivo – da família Bolsonaro e das milícias –, Witzel bateu em muitas portas. Quando começou a A pensar em trocar a magistratura pela política, procurou a cúpula do MDB. Na época, ele presidia a Associação dos Juízes Federais do Rio de Janeiro e do Espírito Santo (Ajuferjes). Com esse cartão de visitas, teve encontros com o ex-governador Sérgio Cabral, com seu sucessor Luiz Fernando Pezão e com o presidente da Assembleia Legislativa, Jorge Picciani – todos hoje varridos do mapa político pela Operação Lava Jato. Os contatos não prosperaram como Witzel pretendia, mas renderam-lhe uma aproximação com o empresário Mário Peixoto, íntimo dos caciques do MDB fluminense e dono de contratos fabulosos com o governo estadual, que somavam mais de 1 bilhão de reais. Sem sucesso com a turma do MDB, Witzel recorreu a uma figura que conhecera em Brasília, quando presidia a Ajuferjes: o pastor evangélico Everaldo Dias Pereira, presidente do PSC, que lhe abriu as portas do partido para abrigar a candidatura ao governo do Rio. Em março de 2017, Witzel filiou-se ao PSC e, onze meses depois, deixou a magistratura. “O pastor Everaldo anteviu que a figura do juiz de direito teria muita projeção naquela disputa eleitoral, por causa da Lava Jato e do juiz Sergio Moro. Por isso, acreditou no Witzel”, disse um integrante da campanha do governador. Na época, a opção de associar-se à família Bolsonaro nem era cogitada. Ao contrário. Como na década de 1990 até tentou filiar-se ao PSDB (mas foi barrado pelo tucanato), Witzel ensaiou apoiar Ciro Gomes, então pré-candidato presidencial pelo PDT. No início de 2018, Witzel encontrou-se com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). Propôs ser candidato a vice numa eventual chapa com o ex-prefeito Cesar Maia, pai de Rodrigo. O presidente da Câmara não lhe deu bola. (Depois da eleição, o DEM de Rodrigo Maia aderiu ao governo Witzel: comanda uma secretaria, a de Infraestrutura e Obras, e uma autarquia, a Imprensa Oficial.) Witzel não desanimou, pelo contrário: exalava autoconfiança e já se imaginava como cabeça de chapa. Conseguiu uma planta baixa do Palácio das Laranjeiras, residência oficial do governador fluminense, e marcou a caneta o quarto que cada membro da família ocuparia. Em busca de apoio, procurou até o ex-prefeito Eduardo Paes, que viria a ser seu adversário na eleição de outubro, e o ex-governador Anthony Garotinho, que se encontrava solto, entre uma prisão e outra. Não conseguiu nada e continuou candidato de si mesmo. No dia 20 de agosto, menos de dois meses antes do primeiro turno, uma pesquisa do Ibope mostrava que Witzel tinha 1% das intenções de voto. No dia 19 de setembro, a vinte dias da eleição, outra pesquisa do Ibope informava que o ex-juiz agora tinha 2% dos votos. Com seu candidato naufragando, o PSC resolveu contratar a Agência Yxe de Comunicação e Eventos, empresa de marketing digital que pertence a Gutemberg de Paula Fonseca, um ex-árbitro de futebol. Apesar dos péssimos números de Witzel, Fonseca achou que havia ali um grande potencial e procurou Flavio Bolsonaro, então candidato ao Senado, seu conhecido de outras campanhas. “Eu disse ao Flavio que o perfil do candidato Witzel era o melhor para ele se associar: ex-juiz, ex- militar. Tinha tudo a ver com os Bolsonaro”, contou ele, em conversa com a piauí numa tarde de janeiro. Flavio gostou da ideia. Em fevereiro de 2017, recebera a visita de Witzel em seu gabinete, mas nunca mais o vira. Fez então uma reunião com Witzel e aprovou a aliança. Concordava que um juiz de passado militar tinha tudo para dar certo. Fechado o acordo, Flavio, então candidato ao Senado, começou a levar Witzel em seus atos de campanha. Neles, o ex-juiz distribuía folhetos em que aparecia ao lado do presidenciável Jair Bolsonaro e do próprio Flavio. O marketing digital da campanha de Witzel criou então cerca de 850 grupos no WhatsApp para divulgar vídeos e mensagens do candidato. Intensificaram-se as entradas ao vivo no Facebook e no Instagram. Witzel adotou as camisetas amarelas, passou a incentivar a abertura de escolas militares e prometer “defesa jurídica” a policiais que matassem em confronto. No domingo anterior ao primeiro turno, participou do ato em que dois bolsonaristas partiram uma placa de rua simbólica, que levava o nome da vereadora assassinada Marielle Franco. Um dos presentes, Rodrigo Amorim, candidato a deputado estadual pelo PSL que também atuara na aproximação do ex-juiz com Flavio, festejou em bolsonarês castiço: “A gente vai varrer esses vagabundos. Acabou Psol, acabou PCdoB, acabou essa porra aqui. Agora é Bolsonaro, porra”, disse. Enquanto a plateia vibrava ao fundo da imagem, Witzel, que filmava tudo com o celular, virou o aparelho para a sua direção e declarou: “É isso aí, pessoal, olha a resposta.” (Semanas mais tarde, Witzel pediu desculpas à família de Marielle. Com 140 666 votos, Amorim foi o deputado mais votado do Rio de Janeiro.) Com o apoio dos bolsonaristas, incluindo milicianos, Witzel começou a crescer nas pesquisas. No dia 25 de setembro, duas semanas antes do primeiro turno, tinha entre 4% e 7% dos votos. No dia 3 de outubro, a quatro dias da votação, oscilava entre 7% e 9%. Fonseca decidiu então acionar nas redes sociais cerca de 200 mil robôs – ou “equipamentos de inteligência artificial”, nas suas palavras. Ao mesmo tempo, simpatizantes de Witzel conseguiram o apoio da Igreja Universal do Reino de Deus. A dois dias da votação, pastores da igreja receberam quatro picapes carregadas de material de campanha e distribuíram a propaganda em 350 templos no estado. A milícia também mostrou serviço. Em Gardênia Azul, na Zona Oeste do Rio, os paramilitares contrataram moradores locais para agitarem bandeiras e distribuírem santinhos de Witzel e Bolsonaro. Na véspera da votação, Witzel tinha cerca de 14% das intenções de voto. Abertas as urnas, explodira: teve 41,28% dos votos. No segundo turno, que disputou contra Eduardo Paes, Witzel deu um passeio. Elegeu-se com 59,87% dos votos válidos. Ganhou em 89 dos 92 municípios do Rio, mas perdeu na capital. uando foi dispensado pela Marinha, em 1992, Wilson Witzel começou a dar aulas de informática para crianças, entrou no curso Q de direito do Instituto Metodista Bennett e dedicou-se a fazer concursos públicos.