Orquestra Jazz De Matosinhos & Fred Hersch
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4 Dez 2016 Orquestra 21:00 Sala Suggia – Jazz de CICLO JAZZ Matosinhos & Fred Hersch Pedro Guedes e Carlos Azevedo direcção musical Fred Hersch piano Fred Hersch sobre o concerto com a Orquestra Jazz de Matosinhos https://vimeo.com/193796503 A CASA DA MÚSICA É MEMBRO DE desperta a curiosidade e sugere uma panóplia Fred Hersch é uma figura incontornável da de caminhos a calcorrear demoradamente.1 música nos últimos quarenta anos. Da música? Do jazz, da improvisação, do piano e da compo- O tema “Days Gone By” (arranjo de Pedro sição. Nasceu em 1955 e o piano não tardou Guedes) foi lançado inicialmente no disco muito. Progredindo a passos largos nos estudos Forward Motion (Chesky Records, 1991), onde clássicos não resistiu ao encanto do jazz e cedo participavam, além do líder Fred Hersch no (1977) surpreenderia nesta música ao ser convi- piano, Rich Perry no saxofone tenor, Scott dado para tocar com Art Farmer. Tudo o que se Coley no contrabaixo e Tom Rainey na bate- seguiu fez com que rapidamente se tornasse ria. Apresenta uma melodia que flutua em notas um pianista de referência. A forma como desen- longas sobre uma harmonia que cruza tona- volve a improvisação a várias vozes, passando lismo e modalismo, fazendo lembrar um pouco por melodias paralelas, por contrapontos e o pensamento por trás de temas como “Dolphin por corais, é um abraço entre o século XVII e o Dance” (composição de Herbie Hancock) com século XX: as melodias “certinhas” mas com os a sua alternância entre momentos de movi- compassos “tortos”; a harmonia tonal objectiva mento com outros de acordes mais estáticos. com desvios excêntricos; a composição mas Do álbum Songs Without Words vem com mais improvisação – ou vice-versa! “Song Without Words #4: Duet” (arr. Pedro Na sua discografia e em apresentações ao Guedes), que estabelece um clima sonoro que vivo, Fred Hersch tem vindo a recorrer com por momentos nos transporta para o chorinho, maior frequência a dispositivos instrumen- tanto no ritmo como na fluidez e no fôlego com tais pequenos (preferencialmente o tradicio- que se mantém em constante movimento. Se nal trio com contrabaixo e bateria), passando a harmonia também nos poderia reportar ao frequentemente pelo duo e o solo. De notar os Barroco, somos constantemente recorda- seus discos em duo com guitarra (Julian Lage dos da sua origem muito mais recente pelos e Bill Frisell), explorando uma orquestração que desvios surpreendentes aos caminhos espe- não costuma ter muitos adeptos e demons- rados. A versão em duo com Julian Lage (no trando as possibilidades de interacção e pale- álbum Free Flying) também merece destaque. tas tímbricas entre dois instrumentos vistos Entre as faixas do álbum Heartsongs algumas vezes como incompatíveis. (e também do posterior At Maybeck) está o Assim, a possibilidade de ouvir as suas tema “Heartsong” (arr. Pedro Guedes), que composições, com uma escrita que visita regu- apresenta um motivo melódico que vai apare- larmente a música erudita (com o contraponto cendo em sítios diferentes. A melodia, leve e e com os equilíbrios dinâmico e tímbrico que em modo maior, trazendo algumas reminis- associamos à música de câmara), serem adap- cências do quarteto europeu de Keith Jarrett, tadas a uma orquestra de jazz inevitavelmente 1 O alinhamento aqui apresentado está sujeito a alte‑ rações e será interpretado por ordem ainda não defi‑ nida no momento da edição deste programa de sala. As indicações de autoria dos arranjos referem‑se, naturalmente, aos arranjos para big band inter‑ pretados esta noite, e não às gravações originais das composições. 3 é cantável e extremamente subtil a ligar unifor- bida a analogia com as rodas de um carro que, memente os acordes, por mais inesperados pelo seu desenho, parecem girar em sentido que estes possam soar. contrário a determinadas velocidades. Auditiva- Acompanhado de John Hébert no contra- mente sentimos uma ausência de apoio rítmico baixo e Eric McPherson na bateria, Fred Hersch que acompanha em paralelo a harmonia – cujo editou em 2014 o álbum Floating, que continha chão se nos escapa, com pouco repouso, isto uma composição sua intitulada “Arcata” apesar das progressões tonais a que os ouvidos (arr. Carlos Azevedo). Trata-se de um tema estão habituados mas que conduzem frequen- centrado numa tonalidade menor (que vai temente ao sítio menos óbvio. ocasionalmente visitando tonalidades longín- Gravado ao vivo, o álbum Free Flying apre- quas voltando depois sempre a casa), que parte senta música tocada em duo pelo próprio de uma ideia melódica geradora que vai sendo pianista e pelo guitarrista Julian Lage. Uma transposta. A espaços, ouve-se uma resposta das composições da autoria de Fred Hersch melódica mais grave dada pelo contrabaixo em é “Stealthiness” (arr. Carlos Azevedo), que uníssono com a mão esquerda de Hersch. O assenta formalmente num típico blues menor final surpreende e a atenção especificamente de 12 compassos mas que apoia uma melo- dada a este detalhe é transversal a várias dia muito pouco óbvia, bastante angular, alter- composições de Hersch. nando entre passagens rápidas e respostas A segunda faixa do álbum Songs Without “bluesy”. As improvisações são muito interac- Words traz-nos “Song Without Words #2: tivas no registo em duo, não se limitando à habi- Ballad” (arr. Carlos Azevedo) que, como o tual primazia do solista sobre o acompanhador. próprio título indicia, se trata de uma peça A faixa “Stuttering” (arr. Mike Holober) foi lenta e de sonoridade mais escura. É harmoni- editada em 2003 no disco Live At The Village camente muito rica dentro de uma tonalidade Vanguard, onde Drew Grass no contrabaixo e que se mantém ao longo da peça, alternando Nasheet Waits na bateria acompanhavam Fred entre o seu lado maior e menor com movimen- Hersch. É uma composição em ritmo terná- tos subtis e demorados das vozes internas num rio num andamento leve que se caracteriza constante contraponto que só engrandece o pelo uso e não uso do “recheio harmónico” – carácter cantável da melodia. apoiando-se numa textura que começa com Fred Hersch gravou no disco Heartsongs duas vozes (aguda e grave), que se multipli- (Sunnyside, 1989) uma composição sua em cam ao longo do caminho. A melodia do tema ritmo ternário – “Rain Waltz” (arr. Carlos usa um jogo intrincado de notas repercutidas Azevedo) –, num andamento típico de valsa jazz, e respirações assimétricas, o que nos faz olhar acompanhado de Michael Formanek no contra- com compreensão para o título “Stuttering” baixo e Jeff Hirshfield na bateria. Apesar de a (“gaguez”, em português). meio do solo de piano haver uma modulação Estreada num concerto em trio no clube para um compasso quaternário mais rápido e Village Vanguard em Agosto deste ano, “Begin num tradicional swing, o que é mais notório na Again” (arr. Mike Holober) é uma das mais faixa é a figura rítmica que é repetida no contra- recentes composições do pianista e perma- baixo e que provoca a ilusão de que a música nece ainda inédita, pelo que esta será uma não está num compasso ternário; não é desca- 4 oportunidade para a conhecermos (quase) em primeira mão. “The Orb” (arr. Mike Holober) fez parte de My Coma Dreams, uma peça de teatro conce- bida por Herschel Garfein e baseada num episódio de vida do próprio Fred Hersch, que em 2008 entrou em coma induzido no decurso de uma batalha clínica contra uma pneumo- nia particularmente severa. As composições e o piano de Hersch dirigiam um ensemble de dez músicos. Tem a particularidade de ser uma das composições do repertório deste concerto que parte de um dispositivo instru- mental mais alargado. Alive At The Vanguard, editado em 2012, reflecte uma apresentação ao vivo do trio de Fred Hersch (com John Hébert no contra- baixo e Eric McPherson na bateria). Entre as composições de Hersch então interpreta- das está “Havana” (arr. Mike Holober), uma peça centrada numa cadência ternária com influências da música afro-cubana – como não podia deixar de ser ao olharmos para o título. Numa tonalidade menor, a harmonia recorre a processos característicos do estilo e pisca o olho à história, sobretudo do século XIX. No final do tema é audível uma secção em que a harmonia estabiliza (contrapondo-se ao ritmo que se torna mais binário e marcado), prepa- rando uma nova iteração da forma, como rampa de lançamento. ÓSCAR MARCELINO DA GRAÇA, 2016 5 -iorquino. O álbum de 2011 Alone at Vanguard Fred Hersch piano recebeu nomeações para Melhor Álbum de Jazz e Melhor Solo Improvisado de Jazz Aclamado pela New York Times Magazine nos Grammy Awards. Em 2014, foi nomeado como “um artista singular entre os pionei- novamente para um Grammy pelo seu solo no ros da sua arte, um inovador de um jazz sem tema “Duet” de Free Flying, um álbum com o fronteiras e individual – um jazz para o século guitarrista Julian Lage que recebeu uma clas- XXI”, o pianista Fred Hersch equilibra as suas sificação de 5 estrelas da DownBeat. Mais qualidades internacionalmente reconhecidas recentemente, a Palmetto lançou Solo (2015) como instrumentista e compositor com reali- e Sunday Night at the Vanguard (2016). zações significativas como líder, colaborador e Em 2003, Hersch gravou Leaves of Grass conceptualista teatral. (Palmetto), uma obra em grande escala sobre Soma já mais de três dúzias de álbuns, poesia de Walt Whitman, para vozes (Kurt como líder e co-líder, a solo ou em pequenas Elling e Kate McGarry) e um octeto instru- formações que, para além do seu celebrado mental; o disco foi apresentado no Zankel Hall trio, incluem um quinteto e a pouco conven- do Carnegie Hall com lotação esgotada. O seu cional Pocket Orchestra. Sobre o recente aclamado projecto teatral de 2010, My Coma álbum Floating (Palmetto), êxito de vendas Dreams (baseado em visões que teve durante que o reuniu com os companheiros de longa um estado de coma que durou dois meses), data John Hébert (contrabaixo) e Eric McPher- destina-se a um actor/cantor, 11 instrumentistas son (baterista), o crítico Nate Chinen do New e animação/multimédia, e foi lançado em DVD York Times escreveu: “Hersch tem vindo a fazer pela Palmetto.