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ADMINISTRAÇÃO Revista da Administração Pública de

MACAU, 2017 116

AdministraÇÃO Revista da Administração Pública de Macau

Quatro números por ano

Director: Kou Peng Kuan

Director Executivo: Wu Zhiliang

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Os leitores podem aceder às versões chinesa e portuguesa da Revista “Ad- ministração” no seguinte endereço electrónico: http://www.safp.gov.mo; se- leccione a caixa “Informação dos serviços” e escolha a rúbrica “Revista de Administração Pública de Macau”. 117

Número 116 (2.º de 2017) • Volume XXX • June de 2017

SUMÁRIO

119 Esclarecimento analítico sobre o relacionamento entre o poder governativo global das Autoridades Centrais e a autonomia de alto grau das regiões administrativas especiais Leng Tiexun

133 O Desenvolvimento económico e social e a acção da assistên- cia e da caridade em Macau na segunda metade do Século XX Lou Shenghua

177 O Sistema de assistência social multi-abrangente e com múlti- plos suportes de Macau Yin Yifen

197 O Português Na China – Um Caso de Sucesso Carlos Ascenso André

203 Algumas Notas de Iure Condendo Sobre a Distribuição Di- nâmica do Ónus da Prova no Direito Probatório Material da Região Administrativa Especial de Macau Hugo Luz dos Santos Wang Wei

235 Conservação, divulgação e sucessão de “Patuá” para o seu desenvolvimento contínuo em Macau do ponto de vista de utentes de “Patuá” Luís Miguel dos Santos

255 Abstracts 118

Os trabalhos publicados na revista Administração são da exclusiva responsabilidade dos seus autores. Os trabalhos publicados em “Administração” podem, em princípio, ser transcritos ou traduzidos noutras publicações, desde que se indique a sua origem e autoria. É, no entanto, necessário um pedido de autorização para cada caso. Administração n.º 116, vol. XXX, 2017-2.º, 119-131 119

Esclarecimento analítico sobre o relaciona- mento entre o poder governativo global das Autoridades Centrais e a autonomia de alto grau das regiões administrativas especiais Leng Tiexun*

Em 27 de Maio passado, o Presidente do Comité Permanente da As- sembleia Popular Nacional, Zhang Dejiang, destacou, de modo particu- lar, no discurso proferido na Conferência para a Celebração do 20.º Ani- versário da Aplicação da Lei Básica de , realizada no Grande Palácio do Povo, que a retomada do exercício da soberania de Hong Kong é uma retomada completa de soberania que abrange o poder gover- nativo e, em consequência, as Autoridades Centrais são titulares do poder governativo global em relação à Região Administrativa Especial de Hong Kong. Com base nisto, a Lei Básica de Hong Kong estabelece o modo do exercício do poder governativo das Autoridades Centrais em relação à Região Administrativa Especial de Hong Kong: uma parte dos poderes é directamente exercida pelos órgãos de soberania centrais, enquanto outra parte é exercida pela Região Administrativa Especial de Hong Kong, nos termos da Lei Básica, no uso das competências delegadas pela Assembleia Popular Nacional, sendo esta porção genericamente conhecida pela au- tonomia de alto grau. A defesa do poder governativo global das Autori- dades Centrais corresponde à defesa da soberania nacional, bem como à fonte da autonomia de alto grau daquela Região. Este trecho do discurso do Presidente da Assembleia Popular Nacional tem sentido prático extre- mamente relevante para uma interpretação correcta das relações entre o poder governativo global das Autoridades Centrais em relação às regiões administrativas especiais e a autonomia de alto grau de que goza a mesma Região, bem como para clarificar as ambiguidades e entendimento in- completo das relações em causa.

I. Relações entre o poder de gestão de assuntos estatais e o de gestão de assuntos locais Em termos da natureza do poder, as relações entre o poder gover- nativo global das Autoridades Centrais sobre as regiões administrativas

* Professor adjunto do Centro de Estudos “Um País, Dois Sistemas” do Instituto Politéc- nico de Macau. 120

especiais correspondem às relações entre o poder de gestão de assuntos nacionais e o de gestão de assuntos locais. A titularidade da soberania de um país relativamente a um seu terri- tório implica a posse de um poder governativa global deste país em rela- ção ao mesmo território, poder que integram as competências de gestão global nas áreas política, económica, cultural e social, o que é um senso comummente aceite ao nível do direito internacional. Neste sentido, o poder governativo é do nível estatal, tratando-se de um poder de gestão de assuntos estatais e de um poder jurisdicional e de ordenamento de um território subjugado à plena soberania nacional, sendo na realidade, um poder oriundo do exercício da soberania por um Estado soberano num território a que ele pertence. Neste globo terrestre em que existem muitos países, o exercício do poder governativo num certo território por um cer- to país tem por base a titularidade da soberania daquele país em relação ao mesmo território. Este relacionamento íntimo entre a soberania e o poder governativo faz com que este último que se coloca ao nível estatal se revista de vestígios e marcas de soberania. Justamente neste sentido, o poder governativo do nível estatal constitui um poder soberano, tendo aquele como pressuposto e alicerce a existência da soberania e tratando- -se, também, de um modo de destaque e exercício da soberania. Ao país cabe a titularidade do poder governativo enquanto poder so- berano, sendo vedado o seu gozo por autoridades locais que fazem parte integrante daquele. Num estado, especialmente num estado unitário, as autoridades locais só podem gozar do poder de gestão de assuntos locais, não podendo gozar de poderes soberanos que são da exclusividade do país. O país é o titular do poder governativo em relação ao território que lhe pertence, poder este que é exercido, em regra, pelos órgãos centrais es- tatais, nomeadamente pelo governo central, em representação do país. O exercício deste poder governativo em relação ao seu território pelos órgãos centrais estatais, nomeadamente pelo governo central, em representação do Estado, significa na prática, que o Estado exerce a soberania no terri- tório que lhe pertence, sendo bastante nítidas as características soberanas. O facto de ser um estado unitário implica que no nosso País exis- tem uma única soberania e uma única Constituição, bem como um só supremo órgão de autoridade, um governo central. E o País detém o po- der governativo global em relação ao território que lhe pertence. Assim, é susceptível de proceder à divisão administrativa do seu território com 121 dimensões diferentes e de categorias diferentes, de acordo com os factores políticos, económicos, nacionais e históricos. Criam-se, assim e em face disso, os correspondentes órgãos dotados de poder político com o ob- jectivo de fazer gestão com eficácia. O referido poder governativo global do país em relação ao território que lhe pertence concretiza justamente o exercício da soberania pelo Estado em relação ao mesmo território. Nor- malmente, o poder governativo global em relação ao território que lhe pertence é exercido por órgãos centrais estatais em nome do país. A criação nos termos da Constituição do País das regiões adminis- trativas especiais dotadas de um estatuto especial pressupõe que sejam garantidas a soberania nacional, unidade e integridade territorial do País. As mesmas Regiões são divisões administrativas em que são postos em prática regimes especiais político, económico, cultural e social. Em con- formidade com a Constituição e as leis básicas, as regiões administrativas especiais são partes inalienáveis do País, ficando directamente subordina- das ao Governo Popular Central. Tendo isto em conta, é certo que o País possui o poder governativo das regiões administrativas especiais, o que é justificado pelo gozo da soberania das regiões administrativas especiais em relação às mesmas regiões e é também justificado pelo facto de as mesmas serem subordinadas à plena soberania nacional. Este poder governativo é uma expressão do poder de gestão de assuntos estatais, sendo em regra exercido por órgãos centrais estatais que representam o Estado. Por força da Constituição e das leis básicas, as Autoridades Centrais que directa- mente exercem poderes sobre as regiões administrativas especiais são a Assembleia Popular Nacional e seu Comité Permanente, o Presidente da República, o Governo Popular Central e a Comissão Militar Central. . Em virtude da implementação das linhas “um país, dois sistemas”, o exercício do poder governativo global pelas Autoridades Centrais em relação às regiões administrativas especiais reveste-se de particularidades que se expressam de modo concentrado pelo modelo de exercício do poder governativo estabelecido nas leis básicas. Neste modelo, uma parte dos poderes é directamente exercida por órgãos de soberania centrais, enquanto outra parte é exercida pelas regiões administrativas especiais nos termos das leis básicas no uso das competências delegadas pela Assem- bleia Popular Nacional, sendo esta última parte conhecida pela autono- mia de alto grau. De harmonia com as leis básicas, as regiões administra- tivas especiais gozam, nos termos da lei, de poderes executivo, legislativo e judicial independente, incluindo o de julgamento em última instância, 122

todos delegados pela Assembleia Popular Nacional, poderes estes que são delegados nas regiões administrativas especiais e constituem o teor de alto grau de autonomia. Em relação a este alto grau de autonomia das regiões administrativas especiais, cabe às Autoridades Centrais o poder de supervisão legalmente previsto. Estas particularidades no campo do exercício do poder governativo global das Autoridades Centrais em rela- ção às regiões administrativas especiais demonstram de modo suficiente que esse alto grau de autonomia de que gozam estas últimas é delegado pela Assembleia Popular Nacional, sendo poderes delegados nos governos locais pelas Autoridades Centrais, que por natureza são poderes de gestão de assuntos locais. Enquanto poderes de gestão de assuntos locais, o alto grau de autonomia das regiões administrativas toca apenas os assuntos locais das próprias regiões, não podendo envolver os assuntos relaciona- dos com o exercício da soberania, tais como acções soberanas de âmbito diplomático e de defesa nacional. Pois, esses assuntos relacionados com o exercício da soberania fazem parte do poder governativo global a ser exer- cido directamente pelas Autoridades Centrais, não integrando o leque do alto grau de autonomia das regiões administrativas especiais. A autonomia de alto grau concedida às regiões administrativas es- peciais é uma espécie de poder de gestão de assuntos locais. Ao fim e ao cabo, esta situação é predeterminada pela forma de Estado do nosso País que é um Estado unitário. Nesta forma de Estado unitário, os poderes de todos os governos locais, incluindo os poderes das regiões administrativas especiais são delegados pelas Autoridades Centrais nos termos da lei, sen- do os poderes delegados nos governos locais limitados àqueles que tem a ver com os assuntos locais das próprias regiões. Aos órgãos de soberania centrais cabem todos e quaisquer poderes de gestão dos assuntos relativos ao exercício da soberania, tais como os diplomáticos e da defesa nacional que envolvam as mesmas regiões. Em confronto com os poderes delega- dos nas demais regiões administrativas, muito embora a autonomia de alto grau das regiões administrativas especiais se revista de certas particu- laridades (por exemplo, o poder legislativo, poderes judicial independente e de julgamento em última instância, bem como a autoridade para a emissão da moeda), esses poderes não deixam de ser poderes de assuntos locais. Neste sentido, a autonomia de alto grau das regiões administrativas especiais não difere dos poderes atribuídos às demais divisões adminis- trativas, uma vez que se reveste de características de assuntos locais e está dependente do poder governativo global das Autoridades Centrais, não havendo lugar à oposição contra o mesmo poder governativo. 123

II. Relações entre o poder inerente e o poder delegado Em termos da origem dos poderes, as relações entre o poder gover- nativo global das Autoridades Centrais sobre as regiões administrativas especiais e a autonomia de alto grau destas mesmas corresponde às entre o poder inerente e o poder delegado. Analisando segundo o critério da origem, os poderes distinguem- -se em poder inerente e poder não inerente. O termo “inerência” refere- -se àquilo que é próprio e não é derivado de ninguém. O poder inerente, numa interpretação literal e intuitiva, refere-se ao poder originariamente pertencente a certa entidade e que não é concedido por qualquer outra entidade. A entidade, desde que subsista, é sempre titular do poder em causa. Pelo contrário, caso um poder de que goza uma entidade não seja próprio desta, mas é concedido por qualquer outra entidade, o mesmo poder jamais é inerente, mas sim não inerente. Relativamente a esta ma- téria, um estudioso proveniente do Interior da China refere que o poder inerente pressupõe a inexistência de concessão por qualquer outro poder político no âmbito de um país, por outras palavras, o poder inerente é aquele que é adquirido, desde sempre, por certo poder político através de um certo meio e, cabe a este a titularidade e o exercício do mesmo poder. Por outro lado, entende-se por poder não inerente aquele cuja titularida- de e exercício não pertencem a uma certa entidade ou, aquele cujo exercí- cio cabe a certo poder político que não é dono do poder mas sim são-lhe atribuídos por certo poder político a titularidade e o exercício do mesmo, mediante certos mecanismos (tais como divisão ou delegação de poderes, entre outros), em determinado condicionalismo e para fazer face a certas necessidades.1 No entanto, o referido estudioso da origem do Interior da China que apresentou essa justificação ou definição relativamente ao po- der inerente não avançou no sentido de esclarecer qual a forma por que é adquirido e exercido o poder inerente. Analisando ainda com base no critério da origem dos poderes, há também estudioso que defende que os poderes se distinguem em poderes originários e poderes processuais. Segundo essa distinção, o poder ori- ginário refere-se àquele derivado da natureza substancial e da estrutura

1 Colectânea de Teses para a Comemoração do 10.º Aniversário da Lei Básica de Macau, edição do Gabinete da Comissão da Lei Básica de Macau do Comité Permanente da Assembleia Popular Nacional, , Editora Minzhu Fazhi da China, 2010, pág. 100. 124

orgânica da comunidade política que se encontra na sua modalidade relativamente primitiva, enquanto o poder processual se refere às com- petências na posse e exercidas por diversos órgãos estatais e titulares dos cargos destes, que são alocadas no seio do sistema de órgãos estatais pela entidade dotada do poder originário nos termos da Constituição e da lei. No ponto de vista do referido académico, o poder originário manifesta- -se num poder inerente do titular das relações políticas ou directamente oriundo do atributo material daquela entidade, não sendo criado através de qualquer direito positivo. Pelo contrário, o poder originário determina e modula o direito positivo em vigor. Assim, o poder originário faz parte do poder político, não se tratando de um poder legalmente definido. Cita-se como exemplo, são originários o poder exercido pela Assembleia Nacional Francesa após 1789, bem como o exercido pela Conferência Consultiva Política do Povo Chinês a partir de 1949. No seio do sistema do poder estatal, o poder originário é o supremo poder. Num Estado uni- tário, o poder originário pertence ao Estado globalmente considerado e só pode pertencer a um cerne político que subjuga e representa o mesmo Estado, cerne que é, aliás, o poder político central ou governo central. Na perspectiva das autoridades centrais, entre estas e os poderes locais não existem discussões relativas à divisão de poderes, estando em causa apenas o âmbito de delegação de poderes nos poderes locais. O âmbito dos po- deres a delegar depende da vontade das autoridades centrais que decidem por forma unilateral, não tendo lugar a luta por competências.2 Das características das manifestações do poder originário que é ine- rente a uma entidade de determinadas relações políticas ou que é deri- vado do atributo material da respectiva entidade, o mesmo poder refere- -se, na realidade, ao poder inerente. Se bem que o poder originário seja um poder político e não um poder legalmente previsto, o poder inerente é também um poder político e não um poder legalmente previsto. Sig- nifica isto que o poder procede das normas jurídicas em vigor, sendo o poder inerente que condiciona e origina o direito positivo e não o sentido contrário. As características do poder inerente expressam-se de modo mais demarcador no processo histórico da elaboração da Constituição e da criação da nova ordem jurídica na sequência da expropriação do poder político por novas forças políticas através da revolução. Para além das refe-

2 Tong Zhiwei, Da Forma de Estado, 2.ª edição, Beijing, Editora da Universidade Beijing, 2015, pág. 260. 125 ridas Assembleia Nacional Francesa após 1789 e Conferência Consultiva Política do Povo Chinês a partir de 1949, constituem exemplos os modos de exercício de poderes pelos Congresso Continental e Convenção Cons- titucional de Filadélfia na época da Guerra da Independência dos Estados Unidos da América, bem como a feitura da Lei Constitucional Provisória pelo Senado Provisório em Nanjing da China em 1912. Ao retomar o exercício da soberania sobre Hong Kong pelo Governo da República Popular da China, foi retomado também o exercício do po- der governativo global em relação ao mesmo território. E será este poder governativo global do Governo Chinês um dos tipos de poder inerente? Julgamos que a resposta deve ser afirmativa. O mesmo poder governativo do Governo Chinês é próprio deste, não sendo necessário, nem sendo susceptível de ser atribuído por qualquer outra entidade estranha. Com base na titularidade da soberania de Hong Kong, cabe naturalmente ao Governo Chinês a titularidade do poder governativo global em relação a Hong Kong. E o exercício do poder governativo global em relação a Hong Kong pelo Governo Chinês demonstra, de modo prático, o exer- cício da soberania sobre Hong Kong pelo mesmo. Assim, o exercício da soberania sobre Hong Kong pelo Governo Chinês e o exercício do poder governativo global em relação ao mesmo território são duas faces da mes- ma moeda. A partir da retomada do exercício da soberania sobre Hong Kong, se bem que o poder governativo global exercido pelo Governo Chinês seja considerado um dos tipos de poder inerente e que seja uma consequência necessária resultante da titularidade da soberania do Governo Chinês so- bre Hong Kong e da retomada do seu exercício, qual será o significado da expressão “as Autoridades Centrais assumem, nos termos da lei, o poder governativo global que lhe é atribuído de harmonia com a Constituição e Lei Básica de Hong Kong”, consagrada no Livro Branco intitulado “A Prática de ‘Um País, Dois Sistemas’ na Região Administrativa Especial de Hong Kong”? Ou, numa outra forma de expressão, o poder governativo global retomado pelo Governo Chinês em relação a Hong Kong existe antes ou depois da adopção da Constituição e da Lei Básica de Hong Kong? Como foi explanado supra, o poder originário defendido por estu- dioso do Interior da China refere-se de facto ao poder inerente. Na opi- nião do mesmo estudioso, o poder originário surge antes do estabeleci- mento da lei vigente, não resulta do direito positivo de qualquer tipo. No 126

entanto, na sequência da implantação de um novo Estado e da formação de uma nova ordem jurídica pelo respectivo órgão político no uso do po- der originário, o poder originário, para além de uma porção reservada na mão do cidadão na modalidade de direitos políticos, deve infiltrar-se no ordenamento jurídico e expressa-se nas normas jurídicas. Uma vez que haja manifestação pelas normas jurídicas, o poder originário transforma- -se em poder processual (ou seja, competências alocadas pelos órgãos do poder originário no seio do sistema orgânico do Estado, exercidas e movimentadas por diversos órgãos e oficiais estatais), que é, em termos concretos, competências dos órgãos estatais. Numa sociedade de direito, a manifestação directa e o desenvolvimento das funções do poder origi- nário são extraordinárias ou excepcionais, ou ainda, situações anormais; mas, uma expressão e desenvolvimento das suas funções jurídico-políticas na modalidade do poder processual são uma situação normal.3 Esta men- talidade analítica é de certo modo inspiradora para a nossa interpretação sobre a realidade da retomada do exercício do poder governativo global em relação a Hong Kong pelas Autoridades Centrais. O poder governa- tivo global sobre Hong Kong, cujo exercício foi retomado pelo Governo Central em nome do Estado, enquanto uma modalidade de poder origi- nário, teria sido usufruído e exercido pelo Governo Central, a partir da implantação do Governo Central em representação do Estado, uma vez que o País não reconhece os tratados desiguais impostos ao povo chinês pelo Reino Unido. O facto objectivamente existente relativo à titulari- dade da soberania de Hong Kong não sofreu alterações em face da sua ocupação pelo Reino Unido. Só que, o País foi impedido do exercício da soberania de Hong Kong pelo facto da ocupação desse território. Em consequência, o exercício do poder governativo foi também vedado. No momento da reunificação de Hong Kong com a Pátria, altura em que o Governo Chinês retomou o exercício da soberania sobre o mesmo territó- rio, o que foi retomado foi o exercício da soberania, mas não a soberania em si mesma. Segundo a mesma lógica e no caso da retomada do exercí- cio do poder governativo global em relação a Hong Kong pelo Governo Chinês, o que foi retomado não foi o poder governativo global, mas sim o exercício do poder governativo global. Neste sentido, o Governo Chi- nês possui a soberania sobre Hong Kong e goza também do poder gover- nativo global do mesmo território já antes da adopção da Constituição

3 Tong Zhiwei, Da Forma de Estado, 2.ª edição, Beijing, Editora da Universidade Beijing, 2015, pág. 261 e 262. 127 e da Lei Básica de Hong Kong, muito embora o exercício da soberania e poder governativo global tenham sido impossibilitados em face das ques- tões legadas pela história. Tendo isto em conta e na perspectiva da origem primitiva do poder, o poder governativo global do Governo Central sobre Hong Kong nasce em simultâneo com a soberania da China sobre Hong Kong. O facto objectivo existente de que Hong Kong tem sido parte do território da China desde os tempos mais remotos determina que o poder governativo da China em relação a Hong Kong seja racionalmente uma espécie de poder originário ou poder inerente que precede a adopção da Constituição e da Lei Básica de Hong Kong. A titularidade da soberania e do poder governativo global da China sobre Hong Kong não nasceu após a feitura da Constituição e da Lei Básica de Hong Kong. Claro é que, se bem que à China caiba a titularidade da soberania e do poder go- vernativo global sobre Hong Kong, o exercício dos mesmos, em especial o do poder governativo global deve obedecer à lei, o que é uma exigência intrínseca em qualquer sociedade de direito. Assim, na sequência de o Governo Chinês ter assumido o compromisso relativo às linhas e políticas a praticar após a retomada do exercício da soberania sobre Hong Kong, foi necessário fazer a Lei Básica de Hong Kong de harmonia com a Cons- tituição, com o objectivo de estabelecer os regimes a aplicar à Região Administrativa Especial de Hong Kong e de garantir a concretização das linhas e políticas fundamentais do País em relação ao mesmo território. O regime de região administrativa especial consagrado na Lei Básica de Hong Kong regula, entre outras, o relacionamento entre as Autoridades Centrais e a Região Administrativa Especial de Hong Kong, cujo cerne é a alocação de poderes, ou seja, o âmbito dos poderes a exercer pelas Autoridades Centrais em relação à Região Administrativa Especial de Hong Kong, os poderes delegados nesta última e o modo de fiscalização do exercício desses poderes pela Região Administrativa Especial de Hong Kong por parte das Autoridades Centrais. Deste modo, a referência a “as Autoridades Centrais assumem, nos termos da lei, o poder governativo global que lhe é atribuído de harmonia com a Constituição e Lei Básica de Hong Kong”, consagrada no Livro Branco intitulado “A Prática de ‘Um País, Dois Sistemas’ na Região Administrativa Especial de Hong Kong” não se contradiz à afirmação de “o poder governativo global, en- quanto poder inerente ou poder originário, das Autoridades Centrais em relação a Hong Kong precede à adopção da Constituição e Lei Básica de Hong Kong”, pois a primeira afirmação refere-se ao exercício do poder governativo global em conformidade com a lei e a regra de direito e com 128

fundamentação legal e a segunda afirmação refere-se à origem primitiva do poder governativo global que é inerente ao sujeito do poder e precede à adopção da Constituição e da Lei Básica de Hong Kong. Relativamente à autonomia de alto grau de que gozam as regiões ad- ministrativas especiais, este poder não é inerente às próprias regiões, pois a sua única origem é a delegação pelas Autoridades Centrais. Em termos mais concretos, este poder é atribuído pela Assembleia Popular Nacional através das leis básicas. Esta situação é predeterminada pela forma de Estado do nosso País que é um Estado unitário. Nesta forma de Estado unitário, todos os governos locais do País, incluindo as regiões adminis- trativas especiais, não gozam de poderes inatos. Todos os poderes seus são decorrentes da delegação pelas Autoridades Centrais; os governos locais gozam de tantos poderes quantos aqueles que lhes forem concedidos, não havendo “poderes remanescentes”. Como são poderes delegados pelas Autoridades Centrais, a autono- mia de alto grau dada às regiões administrativas reveste-se de caracterís- ticas nítidas de um poder atribuído, tratando-se de poderes atribuídos e não de poderes inerentes. O esclarecimento deste aspecto favorece o nos- so entendimento correcto sobre a autonomia de alto grau das regiões ad- ministrativas especiais. Por um lado, essa autonomia, independentemente do seu grau, tem sempre seus limites, pois não se trata de uma autonomia completa. Então, quais são os seus limites? Tudo depende do disposto nas respectivas leis básicas. O exercício da autonomia de alto grau por parte das regiões administrativas não pode ultrapassar o estipulado nas leis básicas: fora do âmbito dos poderes delegados às regiões administrativas especiais nos termos das respectivas leis básicas, às regiões não cabe a ini- ciativa da sua constituição. Por outro lado, independentemente do grau de autonomia, esta não deixa de ser uma autonomia local, não estando dispensada a sua fiscalização. Em relação a essa autonomia de alto grau, às Autoridades Centrais cabe o poder de fiscalização nos termos das leis básicas.

III. Relacionamento entre poderes de base e poderes derivados Em termos da sequência dos poderes, o relacionamento entre o poder das Autoridades Centrais em relação às regiões administrativas 129 especiais e a autonomia de alto grau das regiões administrativas especiais corresponde ao relacionamento entre os poderes de base e os poderes de- rivados. Quanto às questões legadas pela história relativas a Hong Kong e Macau, o Governo Chinês, pretendia resolvê-los, fazendo face às realida- des do status quo internacionais, do Interior da China, de Hong Kong e de Macau e de acordo com as políticas estatais fundamentais de “um país, dois sistemas”, com vista a realizar uma unificação pacífica do País. De harmonia com as linhas de “um país, dois sistemas”, ao voltar a assumir o exercício da soberania sobre Hong Kong e Macau pelo País, criam- -se regiões administrativas especiais mediante a aprovação de leis básicas, autorizando-as a exercer um alto grau de autonomia e a gozar de poderes executivo, legislativo e judicial independente, incluindo o de julgamento em última instância. A razão pela qual o País foi capaz de autorizar as regiões administrativas especiais a exercer um alto grau de autonomia é justamente porque as Autoridades Centrais possuem o poder governativo global em relação às regiões administrativas especiais. A autonomia de alto grau de que as regiões administrativas especiais gozam é justamente derivada do poder governativo global das autoridades centrais. Podemos imaginar, caso as Autoridades Centrais não tivessem possuído o poder go- vernativo global em relação às regiões administrativas especiais, que seria possível autorizar as mesmas a exercer um alto grau de autonomia? Nesta linha, a negação do poder governativo global das Autoridades Centrais em relação às regiões administrativas desenraizaria a autonomia de alto grau das mesmas regiões. Tomando como exemplo a Lei Básica de Hong Kong, o seu artigo 2.º estipula expressamente: “A Assembleia Popular Nacional da República Popular da China autoriza a Região Administrativa Especial de Hong Kong a exercer um alto grau de autonomia e a gozar de poderes execu- tivo, legislativo e judicial independente, incluindo o de julgamento em última instância, de acordo com as disposições desta Lei.” Esta norma demonstra, de modo suficiente, que a autonomia de alto grau da Região Administrativa Especial de Hong Kong não é um poder inerente àquela Região e que a sua única origem é simplesmente poderes delegados pelas Autoridades Centrais. Neste sentido, entre as Autoridades Centrais e a Região Administrativa Especial de Hong Kong existe uma relação de delegação de poderes, mas não uma relação de divisão de poderes. Na terminologia do direito do Estado, delegação de poderes e divisão de 130

poderes são dois conceitos diferentes para referir dois tipos de relações ao nível de poderes. Entende-se por delegação de poderes a atribuição de poderes pertencentes a si próprio a uma entidade não soberana. Esta enti- dade delegada só goza daqueles poderes que não detinha sem a delegação, enquanto a divisão de poderes refere-se a uma partilha entre dois ou mais órgãos soberanos. No âmbito da delegação, a entidade delegada tem a obrigação de exercer os poderes em cumprimento das regras de delegação, enquanto aos órgãos soberanos cabe a fiscalização sobre se o exercício dos poderes está ou não em conformidade com as mesmas regras. No que diz respeito à divisão de poderes, dois ou mais órgãos soberanos exercem, de modo separado e independente, os poderes de harmonia com as regras da divisão; caso haja discussão relativa à pertença de poderes, ela será resolvida segundo o modo combinado preexistente, não havendo lugar à fiscalização de uma por outra parte. Na área da delegação, os poderes da entidade delegada têm como limite o âmbito da delegação, sendo reser- vados, logicamente, todos os poderes não delegados na mão do respectivo órgão soberano. E, por conseguinte, não dará lugar aos problemas sobre poderes remanescentes.4 Estas diferenças entre a delegação de poderes e a divisão de poderes demonstram, de modo claro, que a delegação por qualquer entidade ou indivíduo pressupõe a titularidade dos poderes em causa. A Assembleia Popular Nacional da República Popular da China, enquanto supremo órgão de soberania, autoriza, mediante a aprovação da Lei Básica, a Região Administrativa Especial de Hong Kong a exercer um alto grau de autonomia e a gozar de poderes executivo, legislativo e judi- cial independente, incluindo o de julgamento em última instância, sob o pressuposto de que as Autoridades Centrais são titulares desses poderes. Esta situação é o dever ser no âmbito do relacionamento entre as Auto- ridades Centrais e os governos locais num Estado unitário. O Tribunal de Última Instância da Região Administrativa de Hong Kong também reconhece esta posição ao proceder à interpretação da Lei Básica. A título exemplificativo, no acórdão do Tribunal de Última Instância relativo ao caso de Lau Kong Yung proferido em Dezembro de 1999, foi afirmado que o poder de interpretação do Comité Permanente da Assembleia Po- pular Nacional previsto no número um do artigo 158.º da Lei Básica de Hong Kong é global e não se sujeita a nenhuma limitação, enquanto a

4 Wang Shuwen e Wu Jianfan, Introdução à Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau, Beijing, Editora da Universidade Renmin Gongan da China, 1994, pág. 136. 131 autorização para os tribunais daquela Região interpretarem as disposições da Lei Básica no julgamento dos casos também demonstra que o mesmo poder de interpretação do Comité Permanente da Assembleia Popular Nacional é global e não se sujeita a nenhuma limitação. Só nesta cir- cunstância é que o Comité Permanente da Assembleia Popular Nacional reúne condições para autorizar os tribunais da Região a interpretar, no julgamento dos casos, as disposições da Lei Básica.5 Nesta linha, o facto das Autoridades Centrais autorizarem as regiões administrativas especiais a exercer um alto grau de autonomia e a gozar de poderes executivo, legislativo e judicial independente, incluindo o de julgamento em última instância baseia-se na titularidade do poder gover- nativo global das mesmas Autoridades em relação às regiões administrati- vas especiais. E ainda por cima, a autorização para o exercício de um alto grau de autonomia é um teor relevante do poder governativo global em relação às referidas regiões subordinadas às Autoridades Centrais. Além disso, o poder governativo das Autoridades Centrais sobre a Região Ad- ministrativa Especial de Hong Kong abrange também o exercício directo do poder governativo em relação aos assuntos da mesma Região pelas Au- toridades Centrais nos termos da lei, tais como a gestão dos assuntos das relações externas e da defesa da Região, bem como o poder de fiscalização do exercício dos poderes no âmbito da autonomia de alta grau pela mes- ma Região. Para além dos três aspectos supracitados, o relacionamento entre o poder governativo global das Autoridades Centrais e a autonomia de alto grau da região administrativa especial expressa-se também noutros aspectos. A título exemplificativo, ao nível da estruturação do regime de região administrativa especial, o poder governativo global das Autorida- des Centrais e a autonomia de alto grau da região administrativa especial constituem parte integrante do mesmo regime, sendo indispensáveis para a implementação dos princípios “um país, dois sistemas”, “Hong Kong governado pelas suas gentes”, “Macau governado pelas suas gentes” e “alto grau de autonomia”, sendo ambos intimamente ligados, indivisíveis, mu- tuamente infungíveis e hierarquizados e, formando um conceito comple- to do poder governativo das regiões administrativas especiais.

5 Palestras e Discursos relativos às questões sobre a Lei Básica da Porta-voz e Responsáveis dos Órgãos das Autoridades Centrais, edição dos Gabinetes da Comissão da Lei Básica de Hong Kong e de Macau do Comité Permanente da Assembleia Popular Nacional, Bei- jing, Editora Minzhu Fazhi da China, 2011, pág. 178.

Administração n.º 116, vol. XXX, 2017-2.º, 133-176 133

O Desenvolvimento económico e social e a acção da assistência e da caridade em Macau na segunda metade do Século XX Lou Shenghua*

O encontro Oriente - Ocidente e a coexistência da história e da modernidade são características da cidade de Macau; de igual modo, são considerados cariz fundamental do sector filantrópico de Macau. Na segunda metade do Século XX, à medida do desenvolvimento económico e social e da entrada no período de transição de Macau, o subjectivo, o objectivo, o conteúdo e a forma da filantropia em Macau mudaram, transformando-se de assistência popular de mútua ajuda para a assistência de intervenção governamental.

I. O desenvolvimento económico e social de Macau na segunda metade do Século XX Entre 1949 e 1999, a economia de Macau sofreu subidas e descidas consoante as mudanças no ambiente exterior. No início da década de 50, por causa do desencadeamento da guerra da Coreia de Norte, e na con- sequência da aplicação do controlo comercial pelos EUA, as exportações comerciais de Macau foram afectadas, excepto a exportação de pequenas quantidades de panchões para os EUA; não foi permitida a entrada de outras de mercadorias no mercado dos EUA, de forma que se verificou uma decadência da indústria artesanal tradicional, nomeadamente do sector do incenso e da indústria fosforeira de Macau, com a redução de cinco fábricas de fósforos para uma, o número de fábricas em Macau pas- sou de 166 no ano 1947 para 107 no ano 1957, o volume de exportações diminiu de 5.490 mil no ano de 1950 para 920 mil no ano de 1954. As fábricas fecharam e os trabalhadores ficaram desempregados. Nas décadas de 60 e 70, a economia de Macau passou momentos de altos e baixos. Entre 1957 e 1962, a indústria de Macau recuperou uma vez que Portu- gal aprovou a lei que permitiu que os produtos de Macau entrassem nos outros territórios sob administração portuguesa, de forma houve atracção de investimento de alguns empresários para Macau. No ano 1962, com a

* Professor catedrático do Instituto Politécnico de Macau. 134

aquisição da exclusividade da exploração de jogos pela Sociedade de Tu- rismo e Diversões de Macau, o surgimento do sector de turismo e jogos promoveu o desenvolvimento do sector de transportes e da construção. Aliás, entre 1967 e 1968, com a desconfiança causada pelo incidente “1, 2, 3”, a economia de Macau sofreu de novo uma descida, o mercado de- primido, a população e o número de turistas reduzido e o capital fugido para o exterior. Até à década de 70 e 80, acompanhando a reforma e a abertura da China interior e o ampliação das quotas das exportações, a economia de Macau começou novamente a subir. A indústria transfor- madora (vestuário, textil, electrónico e brinquedo), o turismo, o sector financeiro e a construção desenvolveram-se conjuntamente. No ano de 1989, havia 2.184 fábricas em Macau, a produção industrial atinguiu o valor de 13.481 milhões, enquanto no ano de 1961 apenas havia 172 fábricas. Entre 1976 e 1981, o valor total da produção de Macau teve um aumento anual de 16,7% em média, tornando-se um dos territórios da taxa de aumento económico mais elevada do mundo, o valor do PIB per capita registou constantemente aumentos, sendo de USD11300 per capita no ano de 1992, que ocupava o 14º lugar em todo o mundo. Pode dizer-se que, com a descolagem económica, Macau entrou numa “época de ouro” para o seu desenvolvimento económico.1 A partir da década, de 70, a receita tributária do governo passou a crescer, o que consequente- mente garantia o aumento do nível do bem-estar dos cidadãos. Macau é uma cidade de imigrantes; afectados por guerras e calami- dades nos territórios vizinhos, os imigrantes da China Interior e do Su- deste da Ásia representam a maior percentagem na população de Macau. No início da década 50, os imigrantes da China Interior refugiram-se da guerra civil chinesa no final da década de 40 e entraram a Macau. Em 1950, Macau tinha a população de 187.772 pessoas. No ano de 1953, a população de Macau cresceu para 200 mil pessoas. Entre do final da década de 50 e o início da década de 60, na consequência dos três anos de desastres naturais da China Interior, muitos imigrantes da China Inte- rior vieram para Macau. Conforme dados estatísticos, em Dezembro de 1958, eram 43.493 os refugiados provenientes da China Continental que permaneceram em Macau.2 Ao mesmo tempo, na década de 60, em vir-

1 Wang Qi-chen e Zheng Weiming, Quatrocentos Anos da Economia de Macau, Fundação Macau, Macau, 1994, pp. 173-175. 2 Beatriz Basto da Silva, Cronologia de Macau- Século XX (1950-1988) (traduzido para a língua chinesa por Si Lei), Macau, Fundação Macau, 1999, pp. 45. 135 tude da instabilidade política do Sudeste da Ásia, desencadeou-se a onda “anti-China” em países como a Indonésia; muitos chineses ultramarinos foram obrigados a regressar à China, alguns deles vieram e permaneceram em Macau. Na primeira metade do ano, de 1962 havia 55.000 chineses ultramarinos que entraram em Macau.3 Entre os três anos de 1960 a 1962, a população de Macau registou um aumento de 100.701 pessoas, isto é, em cada ano cresceu 33 mil pessoas em média. Durante a “revolução cultural” da China Interior, muitos residentes da China Interior fugiram para Hong Kong e Macau, a população de Macau atingiu 248,636 pessoas no ano de 1970, a qual era apenas de 160.299 pessoas no ano de 1960. Entre os três anos de 1967 para 1970, a população de Macau aumentou para 43,517 pessoas; em cada ano cres- ceu 14,505 pessoas em média. Ao mesmo tempo, os chineses ultramari- nos regressados à China Interior foram perseguidos fugiram para Macau, entre os anos de 1970 e 1975; os chineses ultramarinos regressados à China que vieram para Macau atingiram 15 mil pessoas. No final da década de 70, com a política da reforma e abertura da China Interior, foi anulada parcialmente a restrição de saída dos residen- tes, acelebrou-se o aumento da população de Macau, muitas pessoas en- traram em Macau clandestinamente. Por exemplo, na “acção do dragão” do ano de 1989, havia cerca de 1.600 jovens e mais de 2.500 estudantes que se encontraram ilegalmente em Macau e que foram registados; no incidente “3.29” de 1990, havia 45.000 pessoas indocumentadas que fo- ram registadas, para as quais, foram emitidos títulos de residente a 25.000 pessoas. Ao mesmo tempo, entre os anos de 1978 para 1988, havia 8.608 refugiados do Vietnam que chegaram a Macau, 433 filhos de pais oriun- dos do Vietnam nasceram em Macau.4 A população de Macau atingiu 426,400 pessoas no ano de 1986.

Tabela I Imigração da China Interior para Macau entre os anos de 1978 para 1992

Imigrante Imigrante Trabalhadores Ano legal da China ilegal da China Total não residentes Interior Interior

1978 - 4.123 - -

3 Diário de Macau, Manual de Macau, Macau, Diário de Macau, 1983, pp. 20. 4 Zheng Tianxiang, Huang Jiushun, entre outros, População de Macau, Macau, Fundação Macau, 1994, pp. 141. 136

Imigrante Imigrante Trabalhadores Ano legal da China ilegal da China Total não residentes Interior Interior 1979 - 6.345 - - 1980 - 5.067 - - 1981 - 3.044 - - 1982 5.171 4.655 - 9.826 1983 6.620 3.933 - 10.553 1984 4.720 3.273 - 7.993 1985 1.784 3.945 - 5.729 1986 1.689 4.264 - 5.953 1987 1.533 6.563 - 8.096 1988 1.478 5.241 4.393 11.112 1989 1.463 3.148 5.688 10.299 1990 1.493 4.815 -29 6.279 1991 1.579 4.486 7.042 13.107 1992 1.447 4.540 3.994 9.981

Fonte: J. Castro Pinto: A População de Macau: Estrutura e Dinâmica, Revista da Admin- sitração Pública de Macau, n.º 1 do ano 1994 (Número 23), pp. 230.

Entre 1960 e 1993, a população total de Macau aumentou 226 mil pessoas, destas, os imigrantes aumentaram 122,8 mil pessoas. No ano de 1981, da população de 261.806 pessoas, aquelas que nasceram da China Interior representavam 48,9%, e as que nasceram em Macau apenas re- presentavam 39,8%. Entre 1981 e 1985, a imigração de 32.879 pessoas da China Interior para Macau, mais a entrada de grande número de imi- grantes ilegais, causou grave problema de desemprego e outros fenómenos de desequilíbrio social. Em 1982 foram amnistiados 29.800 imigrantes ilegais chineses, trabalhando em fábricas de Macau. Seguiu-se, nos anos imediatos, a legalização de crianças e jovens (9.111) em idade escolar e seus pais (4.200). 5

5 Beatriz Basto da Silva, Cronologia de Macau-Século XX (1950-1988) (traduzido para a língua chinesa por Si Lei), Macau, Fundação Macau, 1999, pp. 133 e 146. 137

Macau situa-se no Mar do Sul da China, frequentemente é afectada por tufões e por inundações causadas por tufão. Pior ainda, dado que, na altura, muitos habitantes carenciados de Macau residiam na zona de cabanas de madeira, que foram facilmente destruídas por incêndios em quase cada ano ocorriam incêndios. No ano de 1951, na consequência de quatro incêndios graves, houve inúmeros residentes que ficaram sem abrigo e sem nenhum bem. Numa palavra, quer a entrada de refugiados, quer os desastres de tufões e incêndios, tudo precisava de assistência social. Com a subida de económia de Macau na década de 80, criou-se a base material para a ele- vação da assistência social e do nível do bem-estar dos residentes.

II. Conteúdo e âmbito da assistência social e da filantropia 1. Ajuda mútua das associações Construir ou participar e tornar-se membro de uma associação, receber ajuda da associação na qualidade de membro desta, é um caminho com que um residente de Macau pode superar as dificuldades da vida. No início da década de 50, com o estabelecimento da nova China, um conjunto de associações patrióticas que eram a favor da nova China foram criadas sucessivamente. Em Janeiro de 1950, com a reunião das associações de operários de diversos sectores de Macau foi estabelecida a Federação das Associações dos Operários de Macau (FAOM). No mesmo ano, foram fundadas a Associação Geral das Estudantes Chong Wa de Macau (AECM) e a Associação Democrática de Mulheres de Macau. No ano 1956, a Associação de Bem-estar dos Moradores de Macau foi estabelecida. A par disso, a Associação Comercial de Macau (ACM), sob a liderança de Ho Yin, também se dedicou aos trabalhos de desenvolver a economia local, proteger o interesse dos empresários, promover a relação laboral e garantir o bem-estar dos residentes de Macau. Ao mesmo tempo, associações que eram a favor de Taiwan, nomeadamente a Federação dos Professores Livres Chong Wa, concediam periodicamente apoio financeiro às escolas de Taiwan, e subsídios aos professores destas escolas. A Associação dos Grupos dos Operários de Macau criou uma organização chamada “Associação do Bem-estar dos Compatriotas Ultramarinos de Macau”; após o falecimento de um membro, os familiares deste podiam receber uma quantia a título de condolência. 138

Na década de 50 e 60, para ajudar os membros desempregados e proteger o bem-estar dos operários, a Federação das Associações dos Operários de Macau desenvolveu uma grande quantidade de actividades de ajuda mútua. Em Julho de 1951, com o fim de angariar fundos para os membros desempregados, esta Associação organizou uma comissão de 73 pessoas; as suas actividades de angariação foram entusiasticamente apoiadas pelos operários de todos os sectores. Até ao final das actividades, no dia 20 de Setembro desse ano, foram angariados fundos no total de 120 mil patacas. Ao mesmo tempo, a Associação diligneciou no sentido de verificar e registar a situação dos membros desempregados, e preliminarmente definiu três meios para ajudar os membros desempregados: 1. distribuir arroz; 2. subsidiar a viagem para os membros desempregados regressarem à sua terra; 3. Oferecer emprego. Em consequência, distribuiu 40 quilos de arroz a cada membro desempregado, subsidiou 66.000 com patacas para construir a construção de irma Escola para Filhos e Irmãos dos Operários e 10,000 para ampliar a Clínica dos Operários. A Companhia de Bobinas de Mosquito Pou Suet de Macau foi fechada no início do ano de 1965 e cerca de 300 operários ficaram desempregados. A Associação organizou reuniões para lhes expressar simpatia e solicitude e distribuiu arroz num total de 6.000 quilos para os membros desempregados.6 No ano de 1958, a Associação iniciou a construção do Ginásio dos Operários, os operários de todos os sectores foram convocados para trabalho voluntário. Na altura, mais de 20.000 pessoas participaram com trabalho voluntário, de forma foi que poupada a despesa com as obras no valor de 30.000 patacas. No ano de 1960, a Associação concedeu apoio adequadp aos operários com dificuldades. Por exemplo, ajudou os operários afectados pelo incêndio da Avenida do Almirante Lacerda e pela explosão da fábrica de panchões de Taipa, atribuiu-lhes cobertores para se defenderem do frio.7 Além de ajudar os operários com dificuldades de vida, a Associação também ajudou os compatriotas de Macau que morreram devido a acidentes e desastres. Por exemplo, no ano de 1960, a Associação e outras quatro grandes associações empenharam-se nos trabalhos de assistência social para ajudar as vítimas do desastre da Avenida do Almirante Lacerda

6 Jornal Tai Chung de Macau, Anuário Industrial e Comercial de Macau 1965-1966, Ma- cau, Jornal Tai Chung, 1966, Livro IV, pp. 3. 7 Jornal Tai Chung de Macau, Anuário Industrial e Comercial de Macau 1961, Macau, Jornal Tai Chung, 1961, Livro IV, pp. 11. 139 e os agricultores atingidos pelo furacão na zona do hipódromo. No fim do ano de 1961, a nova zona de aterros e a Rua de Entre Campos sucessivamente foram atingidas pelo incêndio; esta Associação e outras consolaram e prestaram apoio para superar as dificuldades. Além da FAOM, outras associações também se dedicaram à ajuda mútua. No dia 4 de Fevereiro de 1950, foi criada a Lutuosa dos Empre- gados dos Correios e Telecomunicações. A Lutuosa fundou uma cantina económica para os sócios, uma colónia de férias para os filhos dos só- cios, um Clube Recreativo situado no Bairro dos C.T.M., que promovia anualmente a festa do Natal para as crianças filhas dos sócios, prestava assistência e concedia um importante subsídio de luto à família do sócio faleciado.8 A Associação Geral das Mulheres de Macau (AGMM, antigo nome da “Associação Democrática de Mulheres de Macau) também atribuiu aos seus membros diversos subsídios, nomeadamente subsídio médico, subsídio de nascimento, subsídio de casamento, subsídio de funeral, fundo de conforto, a fim de os ajudar. A partir de 1959, no fim de cada ano tem distribuia arroz e fundos de conforto aos membros carenciados, ajudou os membros com dificuldades a solicitar subsídios ao governo ou às entidades de caridade social. No ano de 1960, houve 290 membros da AGMM que receberam subsídio de nascimento e 9 que receberam o subsídio de casamento. Durante o ano de 1960, o subsídio médico distribuído pela AGMM beneficiou 5.492 pessoas; além disso, registou 190 membros falecidos que, com a concessão do subsídio de luto ajudou os familiares dos membros falecidos a suportar os gastos de funeral. Além disso, a AGMM organizou cursos de costura de nível básico, médio e avançado, que registaram 80 participantes.9 Além de conceder subsídios aos membros, a AGMM também visitou os seus membros antes do Festival da Primavera, fornecendo arroz às mulheres membros carenciadas. A Associação de Educação de Macau (AEM) atribuiu aos membros carenciados subsídios, nomeadamente subsídio de desemprego, subsídio médico, subsídio de nascimento, de luto e de casamento, etc.. O abono

8 Beatriz Basto da Silva, Cronologia de Macau-Século XX (1950-1988) (traduzido para a língua chinesa por Si Lei), Macau, Fundação Macau, 1999, pp. 3. 9 Jornal Tai Chung de Macau, Anuário Industrial e Comercial de Macau 1961, Macau, Jornal Tai Chung, 1961, Livro IV, pp. 15. 140

temporário incluiu o subsídio a professores. Quando um membro se encontraia doente e precisava de ir a médico, podia receber subsídio da AEM exibindo o recibo do médico e medicamentos (Hospital Kiang Wu, Clínica dos Operários, Associação do Bem-estar dos Moradores). Os membros aposentados e carenciados recebiam subsídio uma vez no fim de cada ano. Sendo associações de educação, a AEM e a AECM proporcionavam diversos subsídios aos seus membros. Além disso, organizavam os cursos de costura e de malha. No dia 2 de Dezembro de 1960, a Associação de Educação de Macau estabeleceu a Associação do Bem-estar dos Professores. Em Fevereiro de 1952, a AECM criou um Fundo de Subsídios de Estudantes e publicou a política dos subsídios. Os membros podiam solicitar bolsas, subsídioa e abonos. Em termos de bem-estar, além da concessão de subsídios, a AECM preocupana-se com a vida dos membros e oferecia roupas de inverno para os membros carenciados. A Associação de Amizade dos Jovens prestava o subsídio médico, o subsídio de casamento e de luto, apoiando determinadamente as acções de bem-estar social. As associações de moradores normalmente organizanam actividades de bem-estar dos moradores. Por exemplo, a Associação de Mútuo Auxílio dos Moradores de Mong-Há, fundada no ano de 1956, além de conceder subsídios de luto, bolsas, subsídios de nascimento e subsídios de conforto para as internados, também angariou fundos para ajudar as vítimas do incêndio da Ilha Verde. A Associação de Bem-estar dos Moradores, fundada no dia 20 de Setembro de 1956, atribuiu aos membros subsídios de casamento, de nascimento, de luto, bolsas, subsídios de consolação aos internados.10 Além dos estatutos, algumas associações têm estipulado regulamentos sobre o bem-estar dos membros. Por exemplo, o Regulamento de Subsídios da Associação de Auxílio Mútuo dos Vendilhões de Macau11 prevê que os membros tenhem direito a receber subsídios de nascimento, de luto, de casamento e bolsas; aos membros que recebam tratamento médico na Clínica dos Operários, na Clínica dos Moradores ou nas

10 Jornal Tai Chung de Macau, Anuário Industrial e Comercial de Macau 1970-1971, Ma- cau, Jornal Tai Chung, 1971, Livro IV, pp. 23. 11 Edição Especial para Comemoração do 45º Aniversário da Fundação da Associação de Au- xílio Mútuo dos Vendilhões de Macau, Macau, Associação de Auxílio Mútuo dos Vendi- lhões de Macau, 2002, pp. 52. 141 tratamento especial no Hospital Kiang Wu, podem receber subsídio médico e os internados podem receber fundos de consolação. Para as associações de conterrâneos, a ajuda mútua é o principal objectivo das suas actividades. Por exemplo, a Associação dos Conterrâneos de Apelido Ho, fundada no ano 1933, regulou, após o seu estabelecimento, que o sócio com filho recém-nascido recebo o subsídio de 10 patacas; para o sócio falecido em Macau concedia o subsídio de luto de 50 patacas aos seus familiares. Um sócio pagava a quota na quantia de 2 avos por mês; a mesma associação tinha mais de mil sócios. A Associação dos Conterrâneos de Sai Chio de Macau, fundada em 1947, organizou actividades de assistência, tais como concessão de subídio de nascimento, recomendação para entrada na escola, subsídios para receber tratamento médico, oferta de medicamentos e subsídios para idosos. No ano de 1964, aumentou a quantia dos subsídios e das bolsas de estudo. O subsídio de nascimento aumentou de 7 patacas para 15 patacas, e o subsídio para idosos de 120 patacas para 140 patacas.12 A par da assistência mútua dentro das associações, entre estas associações também havia apoio entre umas a outras. No dia 22 de Abril de 1958, a Associação de Beneficência do Hospital Kiang Wu (ABHKW) organizou uma reunião de personalidades dos diversos sectores na Câmara, de Comércio para apresentar o relatório do hospital e angariar 2 milhões de patacas para ampliar os trabalhos da Associação, tendo sido estabelecida uma comissão preparatória. Os objectivos de angariação de fundos eram os seguintes: 1. liquidar o défice que constava no ano corrente no montante de 400 mil; 2. o défice do ano de 1958 e o de 1959 foram cerca de 400 mil; 3. utilizar 1.200 mil para construção do edifício do departamento de internato e do departamento de doenças pulmonares e aquisição dos repectivos equipamentos.13 Após o estabelecimento da Comissão Preparatória, esta foi apoiada por todas as associações e pelos diversos sectores sociais. No dia 21 de Maio de 1958, a FAOM estabeleceu a “Comissão de Apoio à Angariação de Fundos do Hospital Kiang Wu”, para responder e apoiar o Hospital Kiang Wu. A Associação de Alimentos respondeu com a angariação de 5,000 patacas para o

12 Jornal Tai Chung de Macau, Anuário Industrial e Comercial de Macau 1964-1965, Ma- cau, Jornal Tai Chung, 1965, Livro IV, pp. 25 e 27. 13 Jornal Tai Chung de Macau, Anuário Industrial e Comercial de Macau 1958-1959, Ma- cau, Jornal Tai Chung, 1959, Livro V, pp. 4. 142

Hospital Kiang Wu. No dia 27 de Junho de 1958, o Clube de Operários organizou um bazar de caridade para apoiar o Hospital Kiang Wu, os operários compraram produtos para apoiar activamente o Hospital Kiang Wu. No dia 3 de Julho de 1958, a Associação de Educação dos Operários angariou cerca de 73.700 patacas. Com o apoio de outras associações, no final do ano de 1958, a ABHKW angariou cerca de 1.600 mil, para aliviar as suas dificuldades económicas.

2. Assistência aos carenciados afectados por desastres

Na segunda metade do século passado, em Macau ocorreuram vários desastres, especialmente furacões e incêndios. Cada desastre provocou inúmeras vítimas, pelo que a assistência aos carenciados, vítimas de desastre, constituiu normalmente o conteúdo da caridade social. Por exemplo, em Dezembro de 1950, o incêndio na Ilha Verde destruiu 500 cabanas de madeira, cerca de 2.000 vítimas ficarem sem abrigo. O Director da Associação Comercial de Macau, Ho Yin, orientou a ACM, a ABHKW e a Associação de Beneficência Tung Sin Tong (ABTST) para desenvolver trabalhos de assistência, angariar fundos e ajudar as vítimas; o Hospital Kiang Wu enviou pessoal para tratar as vítimas. Com o apoio de todos os sectores, foram angariados fundos de mais de 100 mil e roupas, e forum ajudadas as vítimas, a resolver o problema da alimentação e do alojamento. Cerca de um mês depois, foram reconstruído mais de 400 cabanas de madeira para serem atribuídas às vítimas, de maneira a que estas pudessem voltar a ter abrigo. Durante os 3 meses de Outubro a Dezembro de 1951, em Macau ocorreram 4 incêndios. Na madrugada de 16 de Outubro, na Avenida do Almirante Lacerda houve um incêndio que destruiu 30 casas, uma idosa faleceu no incêndio, o incêndio durou várias horas, causando danos que ultrapassaram um milhão. No dia 1 de Dezembro ocorreu um incêndio no armazém de gasolina da Ilha Verde, que durou 9 horas, consumido cerca de 1.500 barris de gasolina, e causando prejuízos de um milhão. No dia 4 de Dezembro, o Armazém de Fósforos Cheong Meng, na Avenida do Almirante Lacerda, foi novamente atingido por um incêndio, após ter sido atingido no dia 16 de Outubro. No dia 7 de Dezembro, aconteceu um incêndio na Rua de Cinco de Outubro que destruiu 6 casas e causou a perda de 100 mil patacas. Em Janeiro de 1955, as cabanas da Ilha Verde foram atingidas pelo incêndio; cerca de 90% das cabanas foram queimadas, toda a zona estava em ruínas e 3 pessoas morreram, 5 ficaram feridas e houve milhares 143 vítimas, sendo a situação bastante trágica. A ABHKW, em conjunto com a FAOM, a ACM e a ABTST, organizaram a devida assistência, tendo sido foi fundada a “Comissão Preparatória para Assistência às Vítimas do Incêndio da Ilha Verde”. Além de alojar as vítimas temporariamente no Templo Lin Fng, os feridos foram transportados para o hospital, médicos e enfermeiras foram destasados para os locais de acolhimento de vítimas (Templo Lin Fong) para tratamento, ao mesmo tempo foram angariados fundos para construir as cabanas, os telhadas de zinco e ferro, cada uma no valor de 400 patacas, com o esforço de vários meses, bem como foram construídas mais de 500 cabanas para alojar as vítimas. Além disso, as igrejas católicas constuíram cerca de 200 casas de tijolo para serem alugadas às vítimas com uma renda económica.14 Nos anos de 1960 e 1961, em Macau ocorreram dois incêndios, um no dia 11 de Outubro de 1960 na Avenida do Almirante Lacerda e o outro no dia 2 de Maio de 1961 na Travessa das Pedrinhas da Ilha Verde. O primeiro destruiu 20 casas e 10 cabanas, causou danos de 1.200 mil patacas; o segundo consumiu 89 cabanas e sampanas, as vítimas desabrigadas atingiram 420 pessoas. Após os dois incêndios, os residentes de Macau mostraram o espírito de ajuda mútua; além da Comissão Central de Assistência Pública (CCAP) que ofereceu camas de lona e cobertores de algodão às vítimas, as quatro grandes associações, a ACM, a FAOM, a ABHKW e a TST, em conjunto desenvolveram trabalhos de assistência, nomeadamente registo de vítimas, distribuição de subsídios e roupas, e senhas para alimentos, entre os outros. Mais de 480 vítimas foram bem tratadas. Além das autoridades de Macau que planearam a reconstrução da zona de calamidade, as vítimas foram de imediato alojadas, a questão de alimentação foi resolvida, as vítimas adultas cada uma recebeu um fundo de socorro público e subsídios das quatro grandes associações, no total de 100 patacas, as crianças com idade de menos de 15 anos cada uma recebeu 50 patacas, a distribuição total foi de 35.100 patacas; a CCAP atribuiu a cada vítima 20 quilos de arroz. No dia 4 de Maio, as quatro grandes associações registaram 139 famílias vítimas e 424 indivíduos vítimas, sendo os danos cerca de 50 mil patacas; as personalidades diversos sectores também expressaram solidariedade às vítimas. No dia 8 de Maio, o Director da ACM visitou a CCAP para discutir a reconstrução das habilitações da zona afectada na Ilha Verde.

14 Beatriz Basto da Silva, Cronologia de Macau-Século XX (1950-1988) (traduzido para a língua chinesa por Si Lei), Macau, Fundação Macau, 1999, pp. 39. 144

Foi prometida a construção de 60 cabanas e telhadas de zinco e ferro. No dia 10 de Maio, as quatro grandes associações reuníram outra vez para discutir as questões da reconstrução das habilitações na zona afectada pelo incêndio da Ilha Verde e decidiram formas de assistência e distribuição de fundos de socorro, nomeadamente 20 patacas por adulto, 10 patacas por criança, e 400 patacas para quem tivesse que perdido a sampana, 60 patacas para quem precisasse de reparar a sua sampana, ascendendo a distribuição ao montante total de 5,170. No dia 15 de Maio, as quatro grandes associações dirigiram-se à zona afectada pelo incêndio da Ilha Verde para distribuir fundos de socorro, 130 residentes proprietarios de sampanas foram beneficiados. No dia 12 de Junho, a Casa de Beneficência Kou Tak Seng concedeu um terrenno na Ilha Verde, a fim de construir casas de pedra para as vítimas do incêncio.15 No ano de 1962, houve mais desastres causados por acidente em Macau do que nos anos anteriores; as associações fizeram todo o possível por dar mais assistência e consola. Por exemplo, no dia 20 de Agosto de 1962, a Associação dos Agricultores de Macau visitou a Areia Preta de Coloane, para entregar donativos e expressar solidariedade aos agricultores que tinham sofrido danos por causa da seca. No dia 4 de Novembro, ocorreu uma exploção na Fábrica de Panchões Iek Long da Taipa; no dia 26 de Novembro, a zona nova de aterro foi atingida por um incêndio, 20 casas de madeira foram queimadas, mais os acidentes em Janeiro de 1963, nomeadamente o incêndio na Rua de Entre Campos e no Pátio do Espinho, o colapso no estaleiro de obras do Teatro Man Seng da Praia Grande, o desmoronamento de casas na Travessa da Propriedade de Ha Wan, a ACM, a ABHKW, o Conselho de Administração da Tung Sin Tong, a FAOM e outras associações sucessivamente expressaram a sua solidariedade e dedicaram-se à assistência às vítimas desabrigadas, que puderam ser alojados e alimentadas.16 No dia 19 de Março de 1972, as casas de madeira na Rua Norte do Patane foram atingidas por um incêndio, mais de 300 pessoas ficarem sem abrigo, os bombeiros e milhares de moradores esforçaram-se no combate ao fogo. No dia 22 de Março, a AEM, a ACM e as associações

15 Jornal Tai Chung de Macau, Anuário Industrial e Comercial de Macau 1961, Macau, Jornal Tai Chung, 1959, Livro IV, pp. 1 e 39-41. 16 Jornal Tai Chung de Macau, Anuário Industrial e Comercial de Macau 1963, Macau, Jornal Tai Chung, 1959, Livro I, pp. 2-3. 145 de moradores expressaram solidariedade às vítimas do Fai Chi Kei. No dia 20 de Janeiro de 1976, ocorreu o incêndo feroz nas casas de madeira da Travessa das Pedrinhas da Ilha Verde, houve 146 famílias e cerca de 700 pessoas cujas casas ficaram queimadas. As vítimas foram registadas e acolhidas no lar de abrigo e receberam cobertores. No dia 21 de Janeiro, os responsáveis das associações, nomeadamente a FAOP, a ACM, a Associação dos Moradores e a Tung Sin Tong, preocuparam-se com as vítimas e expressaram a sua solidariedade, nomeadamente ofereceram arroz e roupas, fundos, etc. No Hospital Kiang Wu as vítimas receberam tratamento médico gratuito. No dia 28 de Janeiro, pessoas caridosas sociais entregaram às vítimas atingidas um donativo no montante total de 182,000. No dia 6 de Janeiro de 1979, ocorreu um incêndio na zona de Lam Mau Tong, cerca de 40 cabanas de madeira foram queimadas, 150 pessoas ficaram sem abrigo. No dia 22 de Outubro, a zona de cabanas de madeira de Lam Mau Tong foi novamente atingida pelo maior incêndio após a guerra, 600 casas foram queimadas, 4.000 pessoas ficaram sem casa. No dia 27 de Outubro, Lam Mau Tong ficou em ruínas, a autoridades pretenderam recuperar a zona, construir estradas e projectar construções urbanas; o governo de Macau também planeou a construição de casas económicas para as vítimas. No ano de 1984 a Rua dos Navegantes da de Coloane foi atingida pelo fogo, muitas casas ficaram queimadas e mais de 80 pessoas ficarem sem casa. Posteriormente, com a doação do governo e de pessoas caridosas, Song Hou Chang, da Associação de Moradores foi responsável pela supervisão das obras, três meses depois as vítimas conseguiram mudar para nova casa.

No dia 14 de Novembro de 1986, aconteceu uma explosão no posto de gasolina, na Travessa das Pedrinhas da Ilha Verde, 3 casas foram queimadas, 10 pessoas ficaram feridas, das quais 4 gravemente, com a vida em perigo. A explosão chamou a atenção de todos os sectores, as associações e os moradores fizeram doações para apoiar as vítimas, e solicitaram que as autoridades averiguassem por um acidente. No dia 23 de Julho de 1987, as cabanas da Areia Preta também foram atingidas por um incêndio, 3 cabanas de madeira foram queimadas, ninguém foi ferido, mas os prejuízos foram enormas, 30 habitantes ficaram sem abrigo e foram acolhidos no lar de abrigo da Ilha Verde. No dia 27 de Setembro de 1990, um incêndio atacou a zona de cabanas de madeira na Rua dos Currais de Toi San; após o incêndio, o responsável da União Geral das Associações dos Moradores de Macau (UGAMM), Lao Kuong 146

Pu, e outros visitaram as vítimas e desenvolveu o trabalho de salvação em conjunto com o governo. No dia 6 de Março de 1991, um incêndio queimou na zona de cabanas de madeira em Mong Ha, dezenas famílias perderam o domicílio. Após o desastre, a UGAMM, em parceria com o Fundo de Beneficência dos Leitores do Jornal Ou Mun, a Tung San Tong, o Clube de Leões, a Associação dos Agricultores de Macau, entre outros, começaram o trabalho de assistência social na primeira hora. No dia 11 de Novembro de 1995, o maior incêndio dos últimos anos varreu a zona de cabanas de madeira do Fai Chi Kei, 80 cabanas foram queimadas, 100 famílias e 300 pessoas perderam o domicílio. A UGAMM participou com todo o empenho na assistência às vítimas e na recuperação da vida normal. Os tufões e os tempestades são calamidades frequentes em Macau. Nos anos de 1954 e 1960, a Areia Preta do Hipódromo, subúrbio de Macau, foi afectada pelo furacão, as ondas ferozes abateram o dique, as hortas ficaram inundadas, causando prejuízos aos agricultores. A ABHKW e a ACM, a FAOM e a TST consolaram as vítimas e prestaram assistência, para que as vítimas recupraram a produção. Além disso, propuseram às autoridades a construção do dique para garantir a produção das terras agrícolas e a segurança dos agricultores. No dia 17 de Agosto de 1971, a passagem, 30 milhas a Leste de Macau, do devastador tufão Rose, provocou o afundamento, em Hong Kong, do barco Fatshán, da carreira Macau-Hong Kong, tendo-se salvo apenas 4 dos seus 80 ocupantes. O navio não teve tempo de recolher ao porto de Macau, onde estaria seguro, dada a velocidade com que o tufão se aproximou.17 No dia 18 de Agosto, mais de, uma centena de familiares das vítimas solicitaram à Companhia de Gestão de Embarcações Sun Tak a recolher dos corpos, responsabilizando-a pelas indemnizações. O Gerente Geral da Companhia, Stanley Ho, declarou que cada tripulante vítima receberia, além do seguro laboral no montante de 10.000 Patacas, uma pensão da Companhia, no montante de 5.000 patacas. No dia 25 de Agosto, 6 tripulantes mortos do barco Fatshán foram sepultados em Macau. Os tripulantes do barco “Chong Shan” e “Macau” ajudaram a tratar do funeral das vítimas. No dia 1 de Setembro, a Associação dos Marítimos de Macau ajudou a Cruz Vermelha da China a distribuir

17 Beatriz Basto da Silva, Cronologia de Macau- Século XX (1950-1988) (traduzido para a língua chinesa por Si Lei), Macau, Fundação Macau, 1999, pp. 91. 147 fundos de solidariedade às vítimas do barco “FatShán”, no valor de 5.000 patacas a cada uma. No dia 9 de Setembro de 1983, o tufão “Ellen” atacou Macau, passando pelo Sudeste de Macau. Afectadas pelo tufão de sinal 10, as embarcações do porto interior sofreram danos graves, cerca de 50 juncos afundaram-se, 300 juncos ficaram severamente danificados, os danos atingiram cerca de 20 milhões de patacas, 200 pescadores ficarem sem abrigo, precisando de ajuda. No dia 12 de Setembro, a Associação de Auxílio Mútuo dos Pescadores de Macau decidiu prestar assistência aos pescadores vítimas, a FAOM ofereceu um fundo no montante de 10.000 patacas, a Tung Sin Tong ofereceu arroz e cobertores. No dia 16 de Setembro, houve 8 vítimas do tufão, 9 pessoas desaparecidas foram todas salvas, pessoas caridosas foram entusiasmadas um auxílio às vítimas com um donativo de 500 mil patacas. No dia 28 de Maio de 1982, chuvas torrenciais das maiores do século, que se prolongaram por 3 dias, provocaram em Macau inundações, desabamentos de terras, desmoronamentos, cortes de telecomunicações e prejuízos materiais calculados em cerca de um milhão de patacas. A situação nas ilhas foi pior, as hortas e mais de 200 cabanas foram inundadas, centenas de pessoas ficaram sem abrigo, as vítimas da Taipa solicitaram a assistência, o Governador de Macau foi visitá- las, mais de 500 vítimas receberam assistência das autoridades e das associações de moradores. No dia 2 de Junho, para acorrer aos danos causados pelas chuvas torrenciais, o Governador de Macau decidiu a criação de um Fundo de Emergência, no valor de um milhão de patacas, para indemnizar dos danos dos cidadões causados pela calamidade, foi fundada uma comissão temporária para administrar o uso do mesmo fundo. No dia 16 de Julho, o governo atribuiu uma compensação de 428.100 patacas a cerca de quarenta famílias afectadas pelas inundações provocadas pelas Chuvas torrenciais de Maio último.18 Para ajudar os residentes carenciados, as associações em conjunto empenharam-se na assistência. No ano de 1952, a economia de Macau continuou a piorar. Com base na situação dos desempregados e das necessidades reais, a FAOM organizou uma conferência convidando as outras associações e os representantes das associações dos operários, para discutir sobre a forma de assistência aos desempregados e a questão

18 Beatriz Basto da Silva, Cronologia de Macau- Século XX (1950-1988) (traduzido para a língua chinesa por Si Lei), Macau, Fundação Macau, 1999, pp. 138-139, 141. 148

da população pobre, tendo sido fundada a “Comissão de Assistência aos Operários desempregados e Compatriotas Pobres”. Na altura, personalidades de renome, como Ho Yin, Ko Ho Ning e Leong Cheong, participaram , contribuindo com dinheiro e esforço. Em Setembro e Dezembro desse ano e Maio do ano seguinte, sucessivamente três vezes distribuíram arroz. Houve mais de 10.000 famílias que receberam arroz. No dia 10 de Junho de 1954, para a celebração do Dia de em Macau, foi realizada a distribuição, por meio da Assistência Pública, de 3.000 rações melhoradas da Sopa dos Pobres.19 Em Fevereiro de 1955, a indústria e o comércio de Macau entraram em queda, a sociedade encontrara em recessão, o número de desempregados aumentou, os cidadãos passavam uma vida difícil. No dia 15 de Fevereiro, as quatro grandes associações organizaram uma “Reunião de Angariação para a População Pobre de Macau”, com objectivo de angariar fundos de assistência, o que foi apoiada com grande entusiasmo de todas as personalidades sociais. No dia 29 de Maio, a “Reunião” atribuiu bilhetes de arroz a 57.000 habitantes pobres (cada bilhete dava direito a 8 quilos de arroz), num total de 456.000 quilos de arroz, que podiam ser recebidos em Macau, Taipa e Coloane. No dia 1 de Dezembro de 1960, o tempo ficou subitamente frio, os membros da direcção da Tung Sin Tong visitaram as zonas onde se encontrava a população mais pobre para oferecer roupas de inverno, cobertores e mantas, num total de 500 conjuntos.20 No dia 27 de Dezembro de 1971, 20 associações de moradores visitaram os habitantes pobres. No dia 23 de Janeiro de 1972, os moradores de diversos bairros consolaram os compatriotas pobres e ofereceram fundos de solidariedade. No dia 19 de Janeiro de 1975, a AGMM consolou membros pobres e atribuiu arroz. A Tung Sin Tong também ofereceu materiais aos residentes pobres, atribuindo mensalmente arroz a 1.000 famílias carenciadas e indivíduos; nas festas ou inverno, doava outros bens às pessoas com necessidades, por exemplo, bolos lunares na Festa do Meio de Outuno, cobertores, roupas, carne e peixe salgado no inverno. Nos casos de calamidades ou acidente, atribuia artigos diários para superar a dificuldade. No ano de 1991, Tung Sin Tong distribuiu um total de 102.035 quilos de arroz, 773 cobertores e

19 Beatriz Basto da Silva, Cronologia de Macau- Século XX (1950-1988) (traduzido para a língua chinesa por Si Lei), Macau, Fundação Macau, 1999, pp. 30. 20 Jornal Tai Chung de Macau, Anuário Industrial e Comercial de Macau 1961, Macau, Jornal Tai Chung, 1961, Livro IV, pp. 37-38. 149

1.119 camisolas. Os indivíduos ou famílias com necessidades podiam requerer na sede da Tung Sin Tong, após verificação, aglumas serviços. A Caritas de Macau era também uma instituição que concedia apoio material, especialmente arroz a mais de 300 famílias e pessoas; no ano de 1991 gastaram um milhão de patacas neste serviço. Para os que não tinham domicílio, devido às calamidades ou à pobreza, a partir da década 60 do século passado, o governo português de Macau construiu casas económicas para os residentes com necessidades. No dia 5 de Outubro de 1963, as autoridades portuguesas de Macau realizaram a cerimónia de inauguração de dois edifícios de casas económicas construídos especialmente para as famílias carenciadas para celebrar o 53º Aniversário da República Portuguesa. No dia 27 de Junho de 1964, o governo português de Macau anunciou que ia construir um “dormitório público” perto da Ilha Verde. No dia 6 de Julho de 1967 foi construído um edifício de 70 moradias para a população pobre. No dia 5 de Março de 1970 foi inaugurado o 1º Bloco (70 moradias) do Conjunto Residencial, construído pelo Instituto de Acçõ Social (IAS) do Governo de Macau para os necessitados.21 Até o ano de 1970, foram construídas e administradas 2.058 moradias pelo Instituto de Acção Social, onde habitavam 9.990 residentes, nomeadamente, 100 moradias no bairro da Ilha Verde, com 500 residentes; 734 moradias no bairro de Tai San, com 3.830 residentes; 448 moradias em Fai Chi Kei, com 2,250 habitantes; 312 moradias no bairro do Hipódromo, com 1.560 habitantes; 70 moradias no Edifício D.ª Angélica Lopes dos Santos, com 350 habitantes; 70 moradias no Edifício Dr. Artur Tamagnini Barbosa, com 320 pessoas; 70 moradias no Edf. D.ª Julieta Nobre de Carvalho, com 320 habitantes; 16 moradias no Lar de Acolhimento de Refugiados de , com 80 habitantes; 32 moradias na Habitação Social de Seac Pai Van, com 180 habitantes; 6 moradias da Habitação Económica da Taipa, com 36 habitantes; 200 moradias no Edifício dos Moradores da Taipa, com 1.100 habitantes.22 No dia 31 de Maio de 1979, o Secretário-Adjunto para os Assuntos Sociais, Dr. José Carlos Bizarro Mercier Marques, declarou que o governo começou a fazer investigação com outras entidades para a reso- lução da questão da habitação da população pobre de Macau, planeando

21 Beatriz Basto da Silva, Cronologia de Macau- Século XX (1950-1988) (traduzido para a língua chinesa por Si Lei), Macau, Fundação Macau, 1999, pp. 64, 68, 78, 83. 22 Jornal Tai Chung de Macau, Anuário Industrial e Comercial de Macau 1970-1971, Ma- cau, Jornal Tai Chung, 1971, Livro IV, pp. 3-4. 150

constuir 2.000 moradias, para alojar 8.000 pessoas. No dia 20 de Julho de 1980, o Secretário-Adjunto para os Assuntos Sociais, Dr. José Carlos Bizarro Mercier Marques, manifestou que para melhorar o ambiente da habitação, o governo planeou ampliar os edifícios para moradores, deci- dindo construir 3.600 moradias; as moradias de Lam Mo Tang e de Fai Chi Kei seriam reconstruídos, as cabanas do bairro de Toi San seriam de- molidas e seriam construídas habiações económicas. Em Junho de 1982, o Governador de Macau inaugurou os edifícios da primeira fase, 118 fogos e 12 lojas, do bairro de habitação social do Fai Chi Kei, “experiência piloto” para o desenvolvimento e melhoria das fases posteriores. No dia 14 de Fevereiro de 1984, foi inaugurada a primeira torre habitacional do Bairro Tamagnini Barbosa.23 No dia 9 de Dezembro de 1985, a Directora do Instituto de Acção Social, Deolinda Violeta das Neves, revelou que 3 edifícios para moradores do Kai Chi Kei seriam construídos e lançados ao uso no ano seguinte e que iria publicada a renda e as condições de entra- da. No dia 25 de Março de 1986, o Instituto de Habitação atribução 50 moradias económicas do Governo e mais de mil residentes requereram o registo. No dia 24 de Janeiro de 1987, o governo planeou destruir as existentes 5.000 cabanas em Macau, e construir 6 edifícios de moradias económicas no Fai Chi Kei. No dia 23 de Abril, começaram as obras de demolição no bairro de Mong Ha para a construção de um novo edifício. Após a constatação das condições degradantes em que vivia a população alojada neste bairro (improvisado no Campo Desportivo para realojar as vítimas do incêndio do Lamau em 1980), foi decidido proceder à edifica- ção, nesse local, de uma bairro social. Assim, entre Julho de 1986 e Maio de 1987 foi feito o levantamento da população aí residentes – cerca de 3 000 pessoas-, preparado o alojamento transitório, lançado o concurso para o projecto do bairro, lançado o concurso para a obra, adjudicada a obra, demolidas as construções aí existentes e iniciada a obra com o lan- çamento da 1.ª pedra. Este projecto, orçado em MOP38 milhões, com- preendi a construção de 620 fogos e de todos os equipamentos sociais necessários.24 No dia 8 de Março de 1988, a Directora do IAS manifestou que pretendia utilizar MOP 70 milhões para a construção de edifícios no Fai Chi Kei. No dia 16 de Maio, o Secretário-Adjunto Dr. Francisco Luís

23 Beatriz Basto da Silva, Cronologia de Macau- Século XX (1950-1988) (traduzido para a língua chinesa por Si Lei), Macau, Fundação Macau, 1999, pp. 139 e 152. 24 Beatriz Basto da Silva, Cronologia de Macau- Século XX (1950-1988) (traduzido para a língua chinesa por Si Lei), Macau, Fundação Macau, 1999, pp. 183. 151

Murteira Nabo visitou o bairro de Fai Chi Kei e declarou que o governo aprovou um orçamento de cem milhões para construir novos edifícios e melhorar as condições de vida dos residentes, pretendendo acrescentar mais de 1.000 moradias dentro de 4 anos. No dia 6 de Dezembro de 1988, quando o Governo de Macau presidiu à cerimónia de inauguração do Bloco Novo do Bairro Mong Ha, enfatizou que os residentes deviam participar no desenvolvimento económico, aqueles que viviam nas cabanas de madeira iriam ter novas casas, o governo ia construir mais moradias económicas. No final da década de 70 e no início da década de 80 do século passado, muitos vietnamitas, vítimas da guerra sino-vietnamita, entraram em Macau, que enfrentou à grande quantidade de refugiados vietnamitas; o governo e as associações populares construíram com entusiasmo campos de refugiados para estes ficarem alojados e também angariaram fundos e materiais para ajudá-los. No dia 12 de Dezembro de 1978 e durante dias seguidos, vieram barcos de refugiados para Macau, os campos de refugiados estavam todos cheios. No ano de 1978, foi aberto o Centro de Refugiados de Ká-Hó, recebendo desde logo 169 indochineses vindos para Macau. No dia 26 de Junho de 1980, o número dos refugiados vietnamitas que permaneciam em Macau era cada vez mais elevado. Nos barcos antigos no mar da Taipa, mais de 400 refugiados aguardavam a ser alojados. No dia 29 de Março de 1981, o barco de refugiados vietnamitas tevem acidente quando pretendia entrar no mar de Macau, tendo ficado encalhado na baía do Hotel Lisboa, tendo muitos refugiados desembarcado. No dia 31 de Maio, refugiados vietnamitas, cuja identificação se desconhecia, chegaram a Macau. Mais de 2.000 pessoas aguardaram para ser alojados pelas autoridades. No dia 10 de Junho, o Centro de Acolhimento Temporário do Porto da Taipa acolheu mais de 5.000 refugiados. No dia 11 de Junho, sob a ameaça de tempestade tropical, as autoridades tomaram a decisão urgente de evacuar os refugiados da Taipa, dos quais 1.500 mulheres e crianças foram temporariamente alojados na Ilha Verde. No dia 28 de Julho, a Associação Católica de Beneficência recebeu uma doação das pessoas caridosas para a construção do lar de refugiados da Areia Preta. Em Agosto de 1981 acomodava 1.650 e, ao fim de 4 anos contava, entre chegadas e partidas, com um movimento de 3.331 refugiados.25

25 Beatriz Basto da Silva, Cronologia de Macau- Século XX (1950-1988) (traduzido para a 152

3. Asistência médica Na segunda metade do século passado, o serviço de assistência médica de Macau foi prestado em conjunto pelo governo e pelas instituições civis, incluindo as instituições médicas das associações de caridade, das associações sociais, das clínicas das igrejas e das clínicas não lucrativas, das clínicas privadas e dos laboratórios. Na altura, eram três os principais hospitais que prestavam serviços médicos, dos quais, o Centro Hospitalar Conde de São Januário (CHCSJ), dirigido pelo sector público, foi construído no dia 6 de Janeiro de 1874, inicialmente como um hospital militar, só prestando serviços para os militares, posteriormente aos funcionarios governamentais e aos indivíduos de nacionalidade portuguesa de Macau, Após ser ampliado no dia 29 de Novembro de 1989, o alvo dos serviços estendeu-se a todos os cidadãos de Macau. Os outros dois hospitais eram o Hospital Kiang Wu, subordinado à ABHKW, e o Hospital de S. Rafael, anexo à Santa Casa da Misericórdia. O Hospital de S. Rafael, conhecido como o “Templo da Cura”, foi construído quando a Santa Casa da Misericórdia foi fundada em Macau, no ano 1569, e foi primeira hospital ocidental na China e em toda a Ásia a oferecer tratamento médico segundo a medicina ocidental. Antes da consrução do Hospital Kiang Wu, no ano 1871, foi o único hospital geral em Macau. No início, não tinha equipamentos completos, e foi apenas aberto aos portugueses, fornecendo serviço médico gratuito. Posteriormente foi também aberto aos chineses. Em 1834, o nome da instituição passou a ser “Hospital dos Cidadãos”. Em meados do século 20, em virtude da existência do CHCSJ e do Hospital Kiang Wu, a importância do Hospital de S. Rafael era reduzida. Em 1975, este foi fechado. Dos três hospitais, é o Hospital Kiang Wu que tem a história mais longa, a maior dimensão e o âmbito de serviços mais completo, e que insistia na caridade de oferecer tratameto médico e medicamentos aos cidadãos carenciados. O Hospital Kiang Wu foi constituído em 1871. No início só prestava serviços de medicina chinesa, até 1892. O Dr. Sun Yat Sen, que se tinha formado no Colégio de Medicina do Hospital Memorial de Alice veio para Macau trabalhar no Hospital Kiang Wu, na altura em que começou a disponibilizar serviço de medicina ocidental. Em 1935, o Doutor O Lin tomou o cargo de médico ocidental voluntário e professor voluntário do Instituto de Enfermagem Kiang Wu,

língua chinesa por Si Lei), Macau, Fundação Macau, 1999, pp. 124. 153 dedicando-se à construção do hospital, altura em que veio a desenvolver- se numa instituição médica de clínica geral, emergência, operações cirúrgicas e internato. Além dos três hospitais, havia três clínicas gerais de grande dimensão, nomeadamente a Clínica Tung Sin Tong, de natureza caritativa, a Clínica para Operários, anexa à FAOM, e a Clínica de Medicina Chinesa, anexa à Associação de Bem-estar dos Moradores. As três clínicas proporcionaram grande quantidade de serviços clínicos aos cidadãos.

Na década de 60, as instituições do governo de Macau e as instituições médicas privadas, o pessoal médico e os serviços médicos constam no seguinte quadro:

Tabela 2 Estatítica das instituições médicas e do pessoal de saúde de Macau no ano de 1960

Pública Privada Total

Instituição Hospital 2 2 4 médica Centro de cuidados de saúde 1 1

Centro contra cancro 1 1

Centro de Saúde 2 2

Posto de assistência 15 3 18

Centro contra a tuberculose 1 1

Posto contra a toxicodependência 1 1

Casa de maternidade 3 2 5

Manicómio 2 2

Instituto de doença mental 1 1 2

Posto de eletroterapia 1 2 3

Laboratório de análises químicas 1 1 2

Laboratório de análise química 1 1 2

Laboratório de análise farmacêu- 2 2 tica industrial 154

Pública Privada Total

Pessoal de Médico 19 59 78 Saúde Veterinário 1 1 2

Analista químico 2 10 12

Farmacêutico 3 8 11

Enfermeiro 83 51 134

Administrativo 14 23 37

Outros 193 135 328

Total 315 281 596

Fonte: Jornal Tai Chung de Macau, Anuário Industrial e Comercial de Macau 1960, Ma- cau, Jornal Tai Chung, 1961, Livro VI, pp. 3.

Em termos de instituições médicas e de pessoal de saúde, o governo e o sector privado representavam mais ou menos a mesma percentagem. Existiam dois hospitais governamentais e dois privados; além disso, o go- verno também tinha centros de cuidados, centros de saúde, centro contra tuberculose, centros contra a toxicodependência, manicómios, entre outros. O governo tinha mais 12 postos de assistência que os privados, enquanto as instituições privadas incluíam centro contra o cancro, labo- ratório de análises farmacêuticas industriais, e mais um posto de eletrote- rapia do que o governo. Em termos de pessoal de saúde, o governo tinha número semelhante ao do sector privado. As instituições privadas tinham mais 40 médicos do que o governo; de igual modo mais farmacêuticos e analistas químicos do que o governo. Aliás, o governo tinha mais enfer- meiros e outro pessoal do que o sector privado.

Tabela 3 Estatística de assistência médica no ano de 1960

Número Resultado da assistência de pessoas Operações Exames de sujeitas à Não cirúrgicas raios X Curados Melhorados Mortos assistência melhorados médica CHCSJ 3.459 638 904 540 314 432 139 155

Número Resultado da assistência de pessoas Operações Exames de sujeitas à Não cirúrgicas raios X Curados Melhorados Mortos assistência melhorados médica Hospital S. 2.191 125 890 45 55 474 36 Rafael Hospital 940 379 47 5 70 infantil Hospital 498 90 445 24 3 2 Militar Hospital 10.443 1.630 4.952 1.435 1.019 1.125 494 Kiang Wu Total 17.531 2.483 6.746 2.844 1.459 2.039 741

Fonte: Jornal Tai Chung de Macau, Anuário Industrial e Comercial de Macau 1961, Ma- cau, Jornal Tai Chung, 1961, Livro VI, pp. 3-4.

Em termos da situação de assistência médica, o Hospital Kiang Wu tinha registado um maior número de pessoas sujeitas a assistência mé- dica, a operações cirúrgicas, a Raios X, respectivamente, representando 59.6%, 65.6% e 73.4%, o que ultrapassava o CHCSJ e outras institui- ções médicas. O desenvolvimento de assistência médica do Hospital Kiang Wu consta a seguir:

Tabela 4 Estatística de assistência médica do Hospital Kiang Wu

Clínica Internato

Ano Gratuita Clínica Total Baixa Alta especial

1949 76.278 16.165 92.443 5.748 4.799

1950 82.154 27.034 109.188 7.480 6.287

1951 90.869 30.062 120.931 8.113 6.905

1952 110.445 31.140 141.585 8.446 7.396

1953 131.336 42.403 173.769 8.681 7.654

1954 213.016 65.157 278.173 9.146 8.194 156

Clínica Internato

Ano Gratuita Clínica Total Baixa Alta especial 1955 181.864 66.117 247.981 10.186 9.289 1956 179.371 71.946 251.317 10.698 9.901 1957 195.726 85.713 281.439 11.116 10.231 1958 185.648 87.363 273.011 11.254 10.360 1959 181.101 91.484 272.585 10.579 9.693 1960 163.806 96.474 260.280 10.108 9.324

Fonte: Jornal Tai Chung de Macau, Anuário Industrial e Comercial de Macau 1961, Ma- cau, Jornal Tai Chung, 1961, Livro VI, pp. 5-6.

Pelos vistos, desde o ano de 1949 até ao ano de 1969, o número de pessoas que receberam tratamento clínico no Hospital Kiang Wu cresceu de 92.443 para 260.280, o que representou um aumento de 181,6%, do qual, a clínica gratuita e a clínica especial respectivamente aumentaram 114,7% e 496,8%; em termos de internamento, o número de pessoas que tiveram baixa ao hospital aumentou 75.9%, e o número dos que tiveram alta aumentou 94.3%. No ano 1989, o número de pessoas inter- nadas no Hospital Kiang Wu foi o triplo do CHCSJ. Na década de 90, o número de assistência médica anual do Hospital Kiang Wu ultrapassou em muito o número registado no CHCSJ. A com- paração do número de assistência médica dos dois hospitais entre os anos 1995-1999 consta na Tabela 5.

Tabela 5 Estatística de assistência médica do Hospital Kiang Wu e do CHCSJ Unidade: Pessoa

Número de pessoas sujeitas ao Número de pessoas internadas serviço clínico 1 Ano Hospital Hospital CHCSJ CHCSJ Kiang Wu Kiang Wu

1995 16.164 12.204 549.249 203.381

1996 14.915 12.944 556.467 232.907

1997 14.097 13.068 552.232 253.191 157

Número de pessoas sujeitas ao Número de pessoas internadas serviço clínico 1 Ano Hospital Hospital CHCSJ CHCSJ Kiang Wu Kiang Wu

1998 14.446 12.495 606.562 266.132 1999 14.410 12.290 582.150 262.405

Fonte: Ng Ion Sang, História da Associação de Beneficência do Hospital Kiang Wu, Ma- cau, ABHKW, 2001, pp. 177.

No ano de 1995, o número de pessoas sujeitas ao serviço de urgência no Hospital Kiang Wu atinguiu mais de 540 mil, o que representava 2,7 vezes o número do CHCSJ; posteriormente com o lançamento dos cen- tros de saúde de governo, onde se registaram aumentos de prestação de serviço clínico e urgência, que em 1999 atingiu mais de 260 mil pessoas, no mesmo ano o Hospital Kiang Wu atendeu na clínica e na urgência mais de 580 mil pessoas, o que correspondia a 2,22 mais vezes do que o CHCSJ. Pelo exposto, sendo um hospital privado, o Hospital Kiang Wu desempenhava um papel importante para prestar serviços médicos aos cidadãos de Macau. Sendo diferente do Hospital Kiang Wu, que tem serviço de clínica gratuita e onerosa, a Clínica da Tung Sin Tong tem prestado serviços mé- dicos e oferecido medicamentos gratuitamente. No ano de 1957, prestou gratuitamente serviços médicos a 144.614 pessoas; ofereceu 77.094 pre- parações de medicamentos chineses para serem cozidos e 16.603 prepa- rações de medicamentos produzidos; ajudou gratuitamente 167 casos de parto; deu gratuitamente 3.715 vacinas. No ano de 1960, prestou servi- ços médicos a 130.621 pessoas; ofereceu 103.625 preparações de medica- mentos, que valeram um total de 76.625,49 patacas; deu 4.915 vacinas, que custaram um total de 597,9 patacas; ajudou 81 casos de parto; ofe- receu 14.188 garrafas de álcool herbal para lesão externas, que custaram um total de 2.184,02 patacas.26 No início, limitada pela insuficiência de recursos, aplicava o regime de concessão restritiva de “oferta de assistên-

26 Jornal Tai Chung de Macau, Anuário Industrial e Comercial de Macau 1958-1959, Macau, Jornal Tai Chung, 1959, Livro V, pp. 12. Jornal Tai Chung de Macau, Anuá- rio Industrial e Comercial de Macau 1961, Macau, Jornal Tai Chung, 1961, Livro IV, pp. 14-15. 158

cia médica e medicamentosa”. A partir de 1953, foi anulada a restrição, passando a aplicar o regime sem restrição de “oferta de assistência médica e medicamentosa”, regulando que “independente da nacionalidade e do estatuto social, quem está doente pode receber gratuitamente serviços médicos e medicamentosas”. A partir daí, os serviços médicos prestados por Tung Sin Tong foram ampliados rapidamente, o número de clínicas anexas foi ampliado de uma para três, a farmácia de medicina chinesa subordinada foi melhorada. Na década de 90, as suas clínicas atenderam mais de cem mil pessoas anualmente, cada dia ofereceu serviços médicos e medicamentosos com quatrocentos e até quinhentos registos em média.27 A Clínica dos Operários foi estabelecida pela FAOM no dia 15 de Março de 1951. No início, tinha equipamentos simples, com médico, enfermeira, funcionário apenas, num em total de 4 pessoas; posterior- mente, os médicos que zelavam pela saúde dos operários prestaram serviços gratuitamente, durante manhã e meio-dia, cada dia apenas ser- vian entre 20 e 30 pessoas. Depois, a Clínica dos Operários contratou mais médicos, enfermeiras e funcionários, adquiriu mais equipamentos, ampliou o espaço, prolongou o tempo de serviço e acrescentou secções. Com o aumento de pedidos de serviço, a sede antiga não era suficiente para satisfazer as necessidades. Em Julho de 1955, mudou para a nova sede situada na Rua do Campo n.º 6. Em Maio de 1959, foi aberta a Clínica dos Operários da Taipa, a fim de atender os operários e os seus familiares da Taipa e Coloane. Posteriormente, foram abertas a Clínica da Areia Preta e a Clínica de Ha Wan. Estas clínicas dedicaram-se aos trabalhos de cuidados preventivos de saúde, nomeadamente a distri- buição gratuita de vacinas, de vacinas contra à difteria e a cólera. Para defender destas doenças, muitas vezes as enfermeiras e os funcionários das clínicas faziam visitas à Escola para os Filhos e Irmãos dos Operários e às famílias dos operários para ministrar vacinas.28 No ano de 1998, as 4 Clínicas dos Operários (da sede e as outras três) atenderam 180 mil pessoas.29 O atendimento durante mais de 10 anos após a abertura da Clínica dos Operários consta na Tabela seguintes.

27 Chan Su Weng, Edição Especial do 100º Aniversário de Tung Sin Tong, Macau, Direc- ção de Tung Sin Tong, 1992, pp. 86-89; Chan Su Weng, Edição para a Celebração do 11’º Aniversário de Tung Sin Tong, Macau, Direcção de Tung Sin Tong, 2002, pp. 165. 28 Jornal Tai Chung de Macau, Anuário Industrial e Comercial de Macau 1978-1979, Ma- cau, Jornal Tai Chung, 1979, Livro IV, pp. 438-439. 29 Edição Especial para a Celebração do 50º Aniversário da Federação das Associações dos Operários de Macau, Macau, FAOM, 2000, pp. 59. 159

Tabela 6 Número de pessoas atendidas na Clínica dos Operários durante dez anos

Ano Número de pessoas atendidas

1951 16.400

1952 31.000

1953 37.300

1954 44.900

1955 54.800

1956 65.500

1957 72.900

1958 80.100

1959 74.500

1960 81.700

Fonte: Jornal Tai Chung de Macau, Anuário Industrial e Comercial de Macau 1961, Ma- cau, Jornal Tai Chung, 1961, Livro VI, pp. 19.

A Associação de Bem-estar dos Moradores foi fundada no dia 25 de Setembro de 1956, e foi aberta a “Clínica de Medicina Chinesa dos Moradores”. A Clínica recebia apenas 40 centavos pela inscrição, 60 cen- tavos para medicamentos, sendo a consulta gratuita. Para os membros a inscrição era gratuita, para os moradores apresentados para a associação de operários e outras associações, a taxa de inscrição era reduzida para 30 centavos. No ano de 1960, atendeu mais de 18.000 pessoas (das quais 2.211 eram membros), o que representou um aumento de 30% mais do que no ano anterior. Prestou serviços médicos a mais de 46.000 pessoas em 3 anos.30

4. Educação A educação básica é o serviço público básico a que os residentes têm direito. No entanto, durante um longo tempo, as autoridades por- tuguesas de Macau, que aplicavam a administração colonial, não cum-

30 Jornal Tai Chung de Macau, Anuário Industrial e Comercial de Macau 1961, Macau, Jornal Tai Chung, 1961, Livro IV, pp. 17. 160

priram a função de proporcionar o serviço de educação aos residentes (especialmente aos residentes chineses), pelo que, as associações civis e as instituições religiosas assumiram o trabalho de fornecer educação básica aos residentes de Macau, de forma que a educação de Macau mostrava uma natureza civil e caridosa. As informações estatísticas sobre as escolas classificadas, conforme o orgão regulamentador, até final do Século 20 constam na Tabela 7.

Tabela 7 Número de escolas de Macau classificadas conforme o órgão regulamentador do ano 1999/2000

Nível do curso Órgão PE PE&P PE&P&S P P&S P&TP S TP Total regulamentador Económica 2 1 2 2 1 8 Associação Cultural 1 1 1 3 Ética 2 2 Caritativa 1 2 1 4 1 3 1 1 14 Total 3 6 2 6 1 6 2 1 27 Governo 6 1 9 5 2 23 Diocese de Macau 3 10 3 2 5 4 1 28 Instituições privadas 1 1 1 3 1 7 Empresas públicas 2 2 Organização de colaboração 1 4 1 1 7 Outros 4 10 3 2 5 3 3 30 Total 18 34 9 23 12 14 7 7 124

PE = Pré-escolar, P = Primário, S= Secundário, TP= Técnico- profissional Fonte: Direcção dos Serviços de Estatística e Censos: Mapa 10 da Estatística de Educação 1999/2000

A Tabela 7 demonstra que das instituições educativas de Macau, as associações civis e o Diocese de Macau desempenharam um grande papel. As associações civis próprias são instituições educacionais diversificadas, as suas escolas representaram 22% do total das escolas ordinárias, de forma que constituíram a segunda maior força para a organização educa- cional. Salvo as instituições religiosas de Macau, as escolas fundadas pelas associações civis são diversificadas, incluindo as instituições de ensino ex- clusivo pré-escolar, primário, secundário, bem como as instituições gerais 161 que compreendem o ensino infantil, primário, secundário ou técnico- -profisional. Segunda a Tabela 7, conclui-se que todos os tipos de associa- ções de Macau se dedicam à área educacional. Destas, as escolas criadas pelas associações de caridade representam mais de metade de todas as escolas regulamentadas pelas associações; segundo a história do desen- volvimento da área educacional de Macau, distingue-se que a educação de Macau tem sido explorada pelas associações civis, especialmente as de cariz caritativo. Em Macau, há um longa história em termos de organização da edu- cação pelas associações civis. No início da década de 50, com a mudança da situação política da China Interior, foi estabelecido um conjunto de associações chinesas em Macau, para as quais, a educação foi uma activi- dade relevante. A FAOM, a AGMM, a AECM e as associações de mo- radores fundaram instituições educacionais gratuitas ou com taxa baixa, para ajudar os filhos das famílias pobres. Logo após a fundação da FAOM, esta convidou a ACM, a AEM e as associações de chineses ultramarinos para criarem a “Associação Promotora da Educação dos Operários de Macau”. No mesmo ano, foi estabelecida a Escola para os Filhos e Irmãos dos Operários (EFIO). No início, a Escola tinha 228 alunos, dispensando a propina-em cada mês apenas recebia uma quantia para água e acessórios no total de 50 centavos. Em Março de 1952, a nova sede da Escola, na Estrada do Repouso, foi lançada para utilização. A partir dos meados da década de 50, até ao início da década de 60, a Escola ampliou o espaço, criou o infantário e outras três sescções para responder às necessidades sociais. Na medida do desenvolvimento da Escola para os Filhos e Irmãos dos Operários, a FAOM também apoiou as associações subordinadas para criar escolas para os filhos dos operários. A partir de 1950, foram criadas mais de 10 escolas deste género31, nomeadamente a Escola Primária para os Marinheiros, criada pela Associação dos Marinheiros; a Escola Primária da Associação de Bancos de Macau; a Escola Primária da Associação da Indústria de Aviação; a Escola para os Filhos da Associação de Carpintei- ros; a Escola Primeira da Associação de Cereais; a Escola para os Filhos dos Operários do Sector do Varejo; a Escola para os Filhos de Encanadores e Electricistas; a Escola para os Filhos dos Pescadores; a Escola para os Filhos da Associação de Turismo; a Escola paraos Filhos da Associação de Cons-

31 Lao Sin Peng, História da Educação de Macau, Beijing, People's Education Press, 1999, pp. 88. 162

trução Naval; a Escola para os Filhos dos Agricultores; a Escola para os Filhos dos Operários dos Salgados e Assados, bem como as escolas noctur- nas criadas pela Associação dos Operários de Produção de Fósforos e pela Associação dos Operários da Fábrica de Fósforos Cheong Meng. Além da FAOM, outras associações também criaram e ampliaram várias escolas. A AGMM criou a Escola para os Filhos dos Membros da AGMM, e mais duas escolas nocturnas femininas; A AECM, com mandato da Associação dos Chineses Ultramarinos, criou a Escola Nocturna Templo Tin Kai; A Associação Comercial de Macau ampliou o seu Curso de For- mação Comercial para a criação da Escola Comercial Nocturna; criou também a Escola de Alfabetização da Ilha Verde, que posteriormente foi alterada para Escola Primária da Ilha Verde; A Associação dos Conterrâneos de Apelido Ho criou a Escola Chong I, posteriormente criou uma Filial; A Associação dos Conterrâneos de Apelido Lam criou a Escola Se- cundária Cheong Lam; As associações de moradores, as associações de operários e de agri- cultores da Taipa, Coloane, Zona Nova do Aterro sucessivamente criaram a Escola dos Moradores da Taipa, a Escola dos Filhos dos Moradores de Coloane e a Escola dos Moradores da Nova Zona do Aterro. Na década de 80, as escolas criadas pelas associações civis tornaram- -se elementos fundamentais do sistema educativo básico de Macau. Quer o número das instituições, quer o número dos estudantes e dos professo- res, ultrapassa as escolas geridas pelo governo.

Tabela 8 Estatística do número de escolas, de estudantes e de professores de Macau no ano de 1980

Infantil Primária e Secundária Secundária Técnica Profissional

Pública Privada Total Pública Privada Total Pública Privada Total Pública Privada Total

Nº de institui- 1 49 50 6 35 41 2 35 37 2 13 15 ções 163

Infantil Primária e Secundária Secundária Técnica Profissional

Pública Privada Total Pública Privada Total Pública Privada Total Pública Privada Total

Nº de profes- 4 303 307 94 638 732 80 484 564 20 47 67 sores

Nº de estu- 76 7965 8041 1739 31595 33334 580 12101 12681 281 1980 2261 dantes

N.B.: A escola privada refere-se à escola não governamental, criada por associação civil ou por instituição religiosa. Fonte: Jornal Tai Chung de Macau, Anuário Industrial e Comercial de Macau 1980-81, Macau, Jornal Tai Chung, 1981, pp. 528.

Nomeadamente, a Escola para os Filhos e Irmãos dos Operários, criada pela FAOM sucessivamente abriu a 1ª, 2ª e 3ª Filial, bem como a escola nocturna para os operários, na segunda metade da década de 50; na década de 60, criou a secundária elementar; em 1978 criou a secun- dária complementar e foi construído um edifíio para a secção secundária. Na década de 90, a Escola para os Filhos e Irmãos dos Operários com- pletou a infantil, a secção primária e a secundária. Foi a primeira que ensinou a disciplina de computadores em Hong Kong e Macau. A Escola insistia em receber os filhos dos operários, auxiliava os estudantes pobres, dispensava-lhes as propinas ou cobria propinas de valor baixo, e concedia bolsas de estudo. Em 1997, a Escola integrou a rede escolar de ensino gratuito do governo de Macau, mantendo o auxílio aos estudantes pobres e prestando educação imparcial e qualificada. No ano de 1999/2000 ti- nha 3.551 alunos. A Tung Sin Tong dedicou-se ao ensino gratuito a partir de 1924. No início foi denominada Aula Livre da Tung Sin Tong; posteriormente forneceu aulas primárias. Em 1968 foi construído o prédio da Escola Pri- mária Tung Sin Tong, altura em que chegou a abrir a escola primária noc- turna; no ano de 1987 abriu cursos nocturnos de formação profissional para adultos, especialmente os cursos de computador, contabilidade, lín- gua portuguesa, língua inglesa e mandarim, os quais vinham a ser aper- feiçoados para responder às necessidades sociais; em Outuno de 1991 foi inaugurado o prédio da secção secundária, e o infantário mudou-se para o novo prédio na Zona dos Aterros do Porto Exterior em 1996. Assim, o Colégio Tung Sin Tong pode fornecer ensino gratuito até aos 15 anos, da infantil até à secundária complementar, construindo um sistema escolar 164

básico completo. Na altura, era a única escola que dispensava as propinas e outras despesas para 15 anos de ensino. No ano lectivo de 1999/2000 tinha 1.047 estudantes. Para encorajar a dedicação e o entusiasmo no estudo, o Colégio Tung Sin Tong tem constituiu a Comissão de Fun- dos para o Estudo Universitário, que atribui bolsas especiais, subsídios e empréstimos aos estudantes. A Escola Kiang Peng32, anexa à ABHKW, foi fundada pela fusão da Escola Livre de Kiang Wu aberta em 1892 e da Escola Peng Man para Chineses Ultramarinos criada por Sio Ieng Chou, Fong Zok Lam e Choi Cheong em 1924. A Escola foi ampliada em 1956, tinha cerca de 2.000 alunos, o número de turmas e de professores aumentou respectivamente de 27 para 34 e de 24 para 46. Tornou-se uma instituição escolar geral incluindo ensino pré-escolar, turmas preparatórias do ensino primário e ensino primário. A partir da década de 80, a Escola passou a ter 37 turmas e 2.100 alunos. No ano de 1990, a ABHKW organizou um sarau de caridade a fim de angariar fundos para a construção do prédio escolar, o qual veio a ser inaugurado em 1992. EM 1992 começou a construir a secção secundária. Em 1993 a Escola foi aprovada pelo governo para abrir o Centro de Formação Profissional Kiang Peng, disponibilizando aulas de computador, contabilidade e mandarim, auxiliando os jovens que tinham interesse na aprendizagem, com um local de estudo situada na própria Es- cola. Para desenvolver o sector educativo caritativo, em 1993, a ABHKW solicitou junto da Direcção dos Serviços de Educação a concessão de um terreno para construir a secção secundária, pedido esse que foi atendido. A ABHKW conseguiu obter a concessão de um terreno e um subsídio de 50% para despesas de construção. O restante foi angariado pela própria Associação. Com o esforço de vários anos, em Setembro de 1997, a sec- ção secundária da Escola foi inaugurada. A partir daí a Escola Kiang Peng tornou-se uma escola geral. Além disso, em 1923 a Escola de Enferme- gem de Kiang Wu foi criada pela ABHKW. Conforme estipulado nos re- gulamentos disposições da Associação de Enfermeiras Chong Wa, foram organizadas aulas de diferentes disciplinas. A partir da primeira edição de 1923 até à 66ª edição de 1999, na mesma Escola formaram-se 1.428 en- fermeiras profissionais, as quais foram trabalhar para instituições médicas

32 Escola Primária Kiang Wu fundiu-se com a “Escola Primária Peng Man de Macau” para criar a “Escola Primária Civil Conjunta Kiang Wu”, designada simplesmente por “Escola Primária Kiang Peng”. Posteriormente, sendo gradualmente ampliada, no iní- cio de 1992 alterou o nome para “Escola Kiang Peng”. 165 de Macau. Em 1999, foi aprovado pelo governo de Macau alterar o nome da escola para “Escola de Enfermagem Kiang Wu de Macau”. A AGMM criou a Escola da Associacção Geral das Mulheres de Ma- cau (nome original Escola para os Filhos dos membros da AGMM). No início apenas tinha 4 turmas preparatórias, 4 professores e mais de 100 alunos. No final do Século 20, passou a ter 28 turmas de 9 níveis, mais de 50 professores e funcionários e mais de 1.200 alunos. A Escola Seong Fan, da Associação Comercial de Macau, criada pela ACM, anteriormente era um curso de formação comercial. Em 1954 foi criada a secção secundária elementar e a secção secundária complementar em 1982. A Escola ofereceu o ensino secundário aos jovens fora da esco- la, de maneira a que os jovens que trabalhavam auferissem oportunidade de receber o ensino secundária, constituindo-se assim pioneira na recupe- ração do ensino secundário em Macau. A Escola Primária da Ilha Verde, subordinada à ACM, foi fundada no final de 1950. Na altura, na sequên- cia do incêndio na Ilha Verde, todos os sectores da sociedade fizeram doações para a reconstrução de casas; os residentes propuseram establecer uma escola onde os seus filhos pudessem estudar. A ACM respondeu à proposta, criando a Escola Primária Popular da Ilha Verde. No início apenas ensinava do 1º ao 4º ano. O Director da ACM, Ho Yin, assumiu o cargo de Director da Escola. No inverno de 1954, a Escola foi queima- da pelo fogo. O novo prédio construído pela ACM foi inaugurado em 1955; a Escola mudou o nome para “Escola Primária da Ilha Verde”. Em 1985 começou a disponibilizar ensino pré-escolar e primário. No ano de 1996/1997, tinha 6 turmas de ensino pré-escolar e preparatório para a primária, 12 turmas de ensino primário, 1.051 alunos e 28 professores. A Escola dos Moradores de Macau, criada em Outubro de 1995 pela União Geral das Associações dos Moradores de Macau, solicitou a concessão de um terreno para a construção de uma escola geral para res- ponder às necessidades dos moradores da Zona Norte. A Escola disponi- bilizou ensino pré-escolar, preparatório para a primária e primário. Além do ensino básico, as associações civis de Macau também se de- dicam a outros tipos de actividade educacional, nomeadamente ao serviço de creche, ao técnico profissional, ao ensino especial, ao ensino superior e a educação cívica. Em termos de educação organizada pelas instituições religiosas, a Igreja Protestante Presbiterana Cumberland Macau foi estabelecida em 166

1950 na Rua do Almirante Sérgio n.º 68. Funcionava na mesma Igreja a escola infantil e primária Kam Pa Lon (Cumberland). Em 1950, a Igreja Evangélica de Macau foi estabelecida na Avenida de Horta e Costa n.º 98 e 100, tendo anexa uma escola na qual ensinava só a catequese. No mesmo ano, a Igreja Luterana foi estabelecida na Rua do Dr. Pedro José Lobo n.º 1 e 3. Tinha anexa uma escola, a Escola S. Paulo, de ensino infantil e primário. Em 1955, foi fundado pelo Bispo D. Policarpo o Co- légio Mateus Ricci, situado na Rua do Bom Parto, n.º 21. De início com ensino primário, apenas, veio a alargar o plano de estudos ao secundário e complementar em 1962. Crescendo, acrescentou-se-lhe o edifício da Rua do Chunambeiro (1959), em 1962 o da Travessa do Colégio, n.º 2 e em 1966 mais um pavilhão no Chunambeiro. Em 1960 foi estabelecida a Igreja Protestante Metodista Livre da China na Rua de Afonso de Albu- querque n.º 34. Tinha anexa uma escola, Chon Lei.33 Em 1960, o Departamento de Administração de Ensino da Diocese de Macau era responsável pelas acções educacionais nas escolas primárias, secundárias e profissionais, nomeadamente o Seminário de S. José, o Colégio Diocesano de S. José, o Colégio Santa Rosa de Lima, o Colégio Sagrado Coração Canossiano, o Colégio Yuet Wah, o Colégio Yuet Wah (Sec. Inglesa), o Colégio Dom Bosco, o Instituto Salesiano, a Escola de Nossa Senhora de Fátima, a Escola Cheng Un, a Escola de Santa Teresa do Menino Jesus, o Colégio Hio Meng e o Colégio Mateus Ricci.34

5. Outros serviços sociais profissionais Com o desenvolvimento económico da sociedade de Macau, os residentes têm cada vez mais necessidades de diversos serviços sociais profissionais. Assim, logo as associações civis e as instituições religiosas começaram a fornecer este género de serviços. Os serviços de cuidados a idosos são seviços de cuidados à co- munidade, de apoio ao domicílio e lares de idosos, com objectivo de satisfazer as necessidades dos idosos, assegurar que estes recebam tratamento adequado, e organizar actividades de diversões, desportivas

33 Beatriz Basto da Silva, Cronologia de Macau- Século XX (1950-1988) (traduzido para a língua chinesa por Si Lei), Macau, Fundação Macau, 1999, pp. 6, 39, 52. 34 Jornal Tai Chung de Macau, Anuário Industrial e Comercial de Macau 1961, Macau, Jornal Tai Chung, 1961, LivroI V, pp. 29. 167 e de aprendizagem para enriquecer os últimos anos da vida dos idosos. A instituição de serviços de idosos mais antiga em Macau foi criada pela Igreja Católica. Mais de um século atrás, a Santa Casa de Misericórdia (SCM) começou a desenvolver serviços para idosos. O Albergue era um lar da SCM que acolhia mulheres e crianças indefesas. O Albergue da SCM antigamente foi chamado “Casa dos Pobres”. Durante a invasão japonesa, muitos portugueses de Shanghai fugiram para Macau. Na altura o Albergue acolhia muitos refugiados e pobres, tornando-se um santuário. Posteriormente, o Albergue tornou-se a um lar de idosos, dos quais a maioria era feminino; o número dos acolhidos chegou a ultrapassar cem pessoas. Em Junho de 1999, as idosas do Albergue mudaram-se para o novo lar da SCM. O Lar de Nossa Senhora da Misericórdia (LNSM) foi construída em 1925; passando um longo tempo sem reparação, encontrava-se em crise de colapso. No ano de 1998 o antigo Lar que tinha apenas 34 camas foi reconstruído e passou a ter um novo prédio. Os internados do Albergue mudaram para o novo Lar; no mesmo ano, o Albergue foi fechado oficialmente. O novo Lar da SCM destinava-se a idosos, tanto do sexo feminino como do masculino, tendo capacidade para 123 camas. Para tratar os idosos do lar, eram contratados médicos, enfermeiras, fisioterapeutas, assistentes sociais, prestando aos idosos sem apoio familiar um conjunto de serviços essenciais, como sejam alimentação, higiene, tratamento de roupas, cuidados de saúde regulares, ocupação, animação e lazer, por forma a promover o bem-estar físico, psíquico e social dos idoso.

A Casa de S. Francisco Xavier foi estabelecida em 1965. Anterior- mente era um Centro de Enfermagem para Bebés fundado pelas Irmãs Canossianas em 1907 e originalmente concebido para acolher bebês abandonados. Ao longo dos anos, o Centro ampliou o serviço aos idosos e, quando a procura de serviços para idosos aumentou, o governo de Macau patrocinou a reestruturação do Centro para servir de Casa para idosos. Em 1988, a Caritas de Macau assumiu a gestão da Casa e foi responsá- vel pelos assuntos administrativos e financeiros. O Lar tem um centro para idosos que fornece um ambiente de vida confortável para mulheres idosas, com serviços que abrangem refeições e hospedagem, terapia de reabilitação, enfermagem e cuidados pessoais. A Casa tem uma sala de fisioterapia que se destina ao desenho de exercícios físicos adequados à saúde de idosos, bem como o desenho de exercício para reabilitação física dos idosos, de modo a elevar o nível de saúde destes. 168

Em 1968, o Asilo de Santa Maria foi fundado pelo padre Luis Ruiz Suarez, SJ. Naquela época, o objetivo era fornecer abrigo a mulheres ido- sas indefesas; devido ao aumento das mudanças e demandas na sociedade, foram internados alguns pacientes que careciam de cuidados familiares, e em 1975, o endereço acima mencionado foi expandido para o edifício atual de 5 andares. Além disso, para aumentar a qualidade do serviço, em 1989-1990, foram executados trabalhos de reparações. Além da adição de instalações sanitárias e embelezamento do meio ambiente, também foi acrescentada uma sala de fitness e recrutados mais médicos, enfermeiros, assistentes sociais, profissionais de saúde etc., a fim de aperfeiçoar os ser- viços de alojamento, tratamento médico, reabilitação, diversões e lazer, consulta, etc. O Asilo Betânia, originalmente foi um asilo para refugiados, estabe- lecido pelo Instituto de Assistência do governo, foi alterado para lar dos idosos pelo padre Luis Ruiz Suarez, S.J. em 1970. Havia apenas insta- lações limitadas e era principalmente para idosos que não tinham apoio familiar. O Lar foi reconstruído e um novo prédio de 4 andares foi inau- gurado no dia 6 de Outubro de 1978, para atender à crescente população idosa em Macau. Proporciona um ambiente confortável de residência e uma diversidade de serviços para atender às diferentes necessidades dos residentes idosos de sexo masculino. Ao mesmo tempo, destina-se a de- senvolver os seus talentos e habilidades através de uma série de atividades sociais e de lazer, e a torná-los integrados na comunidade para que eles possam ter uma vida alegre. O Centro de Idosos da Ilha Verde, anexo à Caritas de Macau, foi estabelecido em 1983 pelo padre Luis Ruiz, S. J. Na época, o padre Luiz emprestou algum espaço da Clínica de S. Paulo como centro de recreação para idosos. Em 1991, este centro mudou-se temporariamente para o Asilo de Betânia, devido à Clínica de São Paulo ter sido demolida. Em Agosto de 1992, o Instituto de Acção Social de Macau (Serviço de Pre- vidência Social) atribuiu esse local atual ao centro que gradualmente se tornou num Centro de serviços múltiplos. No dia 23 de Junho de 1985 foi criado o Centro Yee Hong pela União Geral das Associações de Moradores de Macau (UGAMM), que se destina a idosos de idade entre 55 e 60 anos. O Centro estipula que os idosos participem em actividades sociais, especialmente o “Grupo de Atenção a Idosos”. Através de se preocupar em e descobrirem os proble- mas da comunidade e até participarem na resolução de problemas nome- 169 adamente segurança, trânsito, prédios velhos, higiene, barulho, os idosos podiam contribuir desta maneira para a sociedade. No dia 26 de Outubro de 1991, a UGAMM e o Instituto de Acção Social em conjunto criaram o Centro de Dia do Porto Interior, para providenciar actividades de dia, apoio a trabalho doméstico e apoio a idosos isolados. No dia 24 de Abril de 1996, para fornecer um melhor ambiente e vários serviços diários a idosos isolados, foi criado o primeiro centro de serviços gerais “Centro de Serviços de Idosos da UGAMM”. Além de organizar actividades de di- versões, por exemplo visitas, viagens, palestras sobre saúde, festas de ani- versário, visitas a instituições, também fornece serviços especiais, nomea- damente consultas psíquicas, limpezas de roupas e de domicílio, compras, apoio às consultas médicas, e cuidados pessoais. No dia 23 de Fevereiro de 1999, foi inaugurado o Centro Yee Hong da Zona Norte anexo à UGAMM, no 6º andar do Centro de Habitação Provisório Norte da Ilha Verde. Em 29 de Novembro, para alargar os serviços aos idosos e oferecer serivços de cuidados a idosos mais diversificados, o IAS e a UGAMM em conjunto criaram o Centro de Dia para Idosos Lok Ieong.

No dia 17 de Julho de 1988, a FAOM abriu a instituição para ido- sos “Casa dos Pinheiros”. Em Outubro do ano seguinte, o Centro para Idosos de Mong Ha, cujo espaço e equipamentos foram fornecidos pelo governo à administração da FAOM foi inaugurado. Os residentes idosos de Macau podem inscrever-se nestes duas instituições conforme a zona onde moram. Os serviços fornecidos incluem almoço económico, jogos de xadrez, leitura de livros e jornais, equipamentos para exercício, lanche, festas de aniversário, visitas e viagens, palestras sobre saúde, testes de pres- são arterial, etc.. Além disso, o Centro para Idosos de Mong Ha lançou o serviço de auxílio domiciliário; em Outubro de 1995, em conjunto com a Casa dos Pinheiros organizou uma equipa de apoio domiciliário, dedicando-se aos idosos que careçam de apoio familiar. Em Janeiro de 2003, o Centro de Idosos Mong Ha lançou o “serviço de apoio comu- nitário para idosos isolados”. Os técnicos sociais visitam e contactam os idosos isolados para conhecerem as suas necessidades e prestarem os servi- ços necessários. O Centro de Serviços para Idosos Kin Yee da FAOM foi inaugurado no dia 26 de Novembro de 1999. É uma instituição de servi- ço social que se destina aos idosos isolados, integrando a função de centro de idosos e dormitório. Além de organizar actividades de diversões para enriquecer a vida dos idosos, também dispõe de um sistema de vigilância e de participação de urgência, normalmente conhecido como “Campainha 170

de Alarme para Socorro” (inclui a função de socorro e detector de fumo), que fornece apoio domiciliário e assistência urgente de 24 horas para os moradores do bloco B e C do Edf. Ka Choi Lei.

Os serviços para a reabilitação de deficientes é normalmente presta- do em Macau pelas instituições religiosas e pelas associações e alguns dis- ponibilizados pelo governo. O Centro de Reabilização da SCM começou a funcionar em 12 de Outubro de 1960. Durante meio século ajudou os indivídios com deficiência grave visual a integrarem-se na sociedade e terem uma vida normal. O Centro foi fundado com o apoio da Socieda- de Ultramarina da Fundação Americana para os Cegos, e ficou sujeita à supervisão e administração da SCM, a partir de 1963. De facto, a SCM começou a prestar apoio aos cegos de nacionalidade chinesa em 1900, altura em que a SCM começou a subsidiar as irmãs canossianas de forma a que estas pudessem ajudar os cegos que a elas recorriam. Cumprindo o objectivo da SCM relativamente às acções sociais, o Centro auxiliou cerca de 50 cegos a participar em actividades de diversões e reabilitação. Os indivíduos portadores de deficiência grave visual com idade superior a 16 anos podem solicitar o serviço. Os membros do Centro têm geralmente idades entre 24 e 70 anos.

O Centro de Santa Lúcia de Ká-Hó destina-se a fornecer cuidados residenciais aos indivíduos de sexo feminino portadores de doenças men- tais, a organizar atividades comunitárias e atividades individuais ou de grupo. Em 1963, nas duas pequenas instalações ao lado da leprosaria de Ká-Hó, começou a cuidar de algumas pessoas mais pobres. Em 1977, o Padre Hu Ziyi utilizou o dinheiro angariado para a construção de um prédio de 3 andares, expandindo as instalações; em Outubro do mesmo ano, o Centro foi denominado oficialmente com o nome de Centro de Santa Lúcia, prestando serviço residencial aos indivíduos portadores de deficiência mental, deficiência física e doença psíquica. A partir de Feve- reiro de 1990, as Franciscanas Missionárias de Maria (FMM) começeram a ajudar na gestão do Centro, gradualmente, de modo que o Centro recebia exclusivamente pacientes psiquiátricos femininos. Desde Janeiro de 1993, as Irmãs da Caridade de Santa Ana começaram a ajudar na ad- ministração do Centro, que posteriormente passou a ser uma unidade de reabilitação subordinada à Caritas de Macau. Nos últimos anos, com fi- nanciamento e assistência do Instituto de Acção Social, o Centro tornou- -se uma forma mais abrangente das casas de reabilitação psiquiátrica. 171

O Centro Luz do Sol da Caritas de Macau (anteriormente conhe- cido como Oficina de Abrigo de Deficientes) foi criado em 1986 com a missão de ajudar as pessoas com deficiência a entrar no mercado de tra- balho. Agora o Centro oferece vários tipos de formação destinada a pes- soas com deficiência para melhorar a sua capacidade laboral e responder às futuras perspectivas de emprego. O Centro ocupa-se das pessoas com deficiência que variam de 16-55 anos de idade e a formação ministrada inclui projectos gráficos de computador, processamento de textos, emba- lagens em geral, etc. para descobrir a potência dos membros e alargar as oportunidades de emprego. Os serviços incluem também aconselhamen- to Casework, atividades em grupo e atividades de lazer, encontro com os membros familiares e trabalho de propaganda da comunidade, aconselha- mento sobre emprego, formação, encaminhamento e acompanhamento.

O acolhimento de vadios e mendigos iniciou-se no ano de 1951. No dia 8 de Setembro de 1951, o governo português de Macau criou um centro de apoio e abrigo para vadios e mandigos, a título experimental, na Taipa, que se destinava a acolher vadios maiores de 16 anos de idade. No dia 20 de Maio de 1961, o Centro de Recuperação Social (antigo Abrigo de Mendigos e Vadios criado em 1954) passou a ficar sob a res- ponsabilidade do Corpo de Polícia de Segurança Pública de Macau. No dia 17 de Novembro de 1962, o governo concedeu gratuitamente um terreno para ampliação do Centro de Recuperação Social da PSP, na Tai- pa.35 A Casa Corcel, anteriormente um centro é agora desabrigados de Macau, foi inaugurada em 28 de Julho de 1994, num local de dois anda- res recuperados. Em 2005, o Governo realizou obras de remodelação, o novo edifício foi concluído em 2006. Após a reconstrução, o centro um prédio de 7 andares, tanto para os sem-abrigo do sexo masculino, como do feminino para lhes proporcionar um ambiente de vida confortável, e o centro foi renomeado Casa Corcel. O estabelecimento da Casa Corcel por objectivo melhorar as condições de vida dos desabrigados, e ajudá- -los a retornar a uma vida normal e a reintegrarem-se na sociedade. O alvo do serviço da Casa Corcel são os vadios com idade igual ou superior a 18 anos, detentores do cartão de identificação de Macau ou quaisquer outros documentos legais que atribuam a residência em Macau. Tanto os

35 Beatriz Basto da Silva, Cronologia de Macau- Século XX (1950-1988) (traduzido para a língua chinesa por Si Lei), Macau, Fundação Macau, 1999, pp. 8, 53, 60.. 172

homens quanto as mulheres são bem-vindos, desde que sejam capazes de manter a higiene pessoal e cuidar da sua própria vida diária.

Na década de 80 e 90, em Macau começaram a desenvolver serviços comunitários, de maneira que foram estabelecidos centros comunitários. No dia 12 de Outubro de 1989, o Centro Comunitário Mong Ha foi estabelecido como o primeiro centro cumunitário de Macau, uma insti- tuição lançada juntamente pelo IAS e UGAMM. O Centro dedica-se a organizar cursos de formação de voluntários, diversos tipos de palestras, exposições, seminários e actividades abrangentes e turmas de interesse, bem como a promover a educação cívica, com vista a responder às ne- cessidades sociais. No dia 28 de Janeiro de 1994, a UGAMM criou o Centro Comunitário de Iao Hon no 4º andar do Novo Mercado do Iao Hon, tendo como objectivo melhorar a qualidade da vida dos moradores, e fornecer serviços comunitários abrangentes e complexos. No dia 29 de Março de 1995, o Centro Comunitário da Ilha Verde, subordinado à UGAMM, foi inaugurado e lançado em funcionamento para prestar serviços aos residentes e melhorar o seu ambiente. No dia 15 de Novem- bro de 1999, foi realizada a cermónia de inauguração do Centro Co- munitário da Taipa, da UGAMM. O Centro Comunitário de Toi San, da FAOM, foi lançado em funcionamento no dia 20 de Maio de 1997, sendo um centro comunitário complexo sem fins lucrativos. O espaço e os equipamentos foram fornecidos pelo governo, a FAOM é responsável pela administração. O Centro tem como objectivo preocupar-se com a sociedade, participar e servir a sociedade, contactar os residentes nos bair- ros, dedicar-se à melhoria do ambiente dos bairros, e elevar a qualidade da vida dos residentes. O alvo do serviço compreende as pessoas de todas as idades, nomeadamente os idosos de meia idade, jovens e crianças. O Centro disponibiliza serviços de guarda temporária de crianças, cuidados aos idosos, serviços de apoio a mulheres; conciliação de conflitos laborais, aconselhamento jurídico, acompanhamento das queixas dos residentes dos bairros, auxílio aos residentes em visita aos deputados para a resolu- ção de dificuldades, apoios concretos e aconselhamento psicológico.

O serviço familiar é um tipo de serviço que ficou popular na década de 80 e 90. O Centro de Serviços Familiares da UGAMM era antiga- mente o “Centro de Mulheres e Crianças da UGAMM”, estabelecido em Abril de 1988. Com as mudanças sociais e a alteração da estrutura fami- liar, as pessoas têm cada vez mais necessidade de serviços familiares; os trabalhos relacionados com a mulher e a criança estão normalmente liga- 173 dos aos serviços familiares, pelo que o Centro ampliou o âmbito dos ser- viço, procurando reforçar a educação familiar e estimular a função fami- liar, com o objectivo de promover a harmonia familiar. Com o apoio dos serviços governamentais relacionados, no dia 15 de Novembro de 1998, o Centro de Serviços Familiares da UGAMM foi inaugurado. Com base nos trabalhos a que anteriormente se dedicava, toma a propaganda e a promoção da educação da vida familiar como prioridade de trabalho, desenvolvendo trabalhos de aconselhamento e de grupo. Além de ter atenção aos grupos vulneráveis, também criou o “Fundo de Apoio Emer- gente” e o “Fundo de Apoio à Família Monoparental”, para pessoas de famílias monoparentais e de famílias carenciada, com vista de prestar-lhes atenção e ajudá-las a superar as dificuldades. O Centro de Serviços Fami- liares da AGMM foi criado em 1999; fornece serviços de aconselhamento pessoal, matrimonial e familiar, aconselhamento por grupo e transferência de casos para ajudar os indivíduos e as famílias a resolver os problemas, educação familiar, educação parental, organizações de actividades filiais, fortalecer a função familiar, prevenir problemas familiares; preocupar-se com os grupos vulneráveis, visitar as famílias monoparentais e as famílias carenciadas, ajudar as família e crianças imigrantes para se integraram na sociedade, prestar aconselhamento jurídico, ajudar os indivíduos a conhecerem os seus direitos e obrigações sob o sistema jurídico vigente, organizar equipas de voluntários, criar o espírito de preocupação com a sociedade e de mútua-ajuda, organizar cursos de formação e de interesse para adultos e crianças e alargar os conhecimentos e enriquecer a vida, desenvolver a educação comunitária, estimular os residentes à intervir na comunidade e na defesa dos próprios direitos, fornecer serviços de apresentação de emprego e ajudar os desempregados a resolver o problema do emprego.

O serviço juvenil é outra a área que as associações se dedicam. No dia 10 de Agosto de 1986, O Centro Juvenil da UGAMM realizou a cerimónia de abertura. o Centro fornece aos jovens educação cívica, workshop, formação em liderança, actvidades de lazer, cursos de formação e de interesse. A partir de 1993, cada ano o Centro organiza em plano de prémios para jovens que participam no serviço social. O Centro de Jovens da FAOM é um espaço que a FAOM criou para os jovens de Macau. O Centro, estabelecido em 1998, é uma organização sem fins lucrativos para os jovens de Macau, onde podem fazer amizades, desenvolver actividades saudáveis, conhecer a sociedade e discutir as questões sociais, 174

estimular a responsabilidade de servir a sociedade, e treinar e crescer através da participação nas actividades. O Centro Residencial Arco Iris foi constituída em 31 de Março de 1998. Financiado pelo Instituto de Acção Social e gerido pela Caritas de Macau, o cento é uma casa para adolescentes em função semelhante à família. O Centro tem por finalidade fornecer cuidados de curto ou longo prazo e aconselhamento a adolescentes abandonados, dos que não cuidam, da família ou têm conflitos com a família ou som o ambiente social, levando-os a ficar longe e à beira de se tornarem adolescentes problemáticos. O Centro tem por objectivo fornecer alojamento e aconselhamento a jovens para que possam restabelecer uma vida disciplinada, bem como crescer num ambiente adequado de educação, amor, companheirismo e carinho; ajudar os adolescentes a re-estabelecer seu ritmo de vida, orientação de valores, relações interpessoais e auto-confiança. O objetivo final é fazer os adolescentes do centro aprender a cuidar de si próprios e serem independentes para que eles possam voltar às suas famílias quando a situação tal proporcionar.

O serviço a novos imigrantes é um serviço novo lançado pela UGAMM. A partir da década de 80, com o crescimento constante do número de imigrantes da China Interior, facilmente surgem diversos problemas quando estes enfrentam diferentes sistemas sociais e formas de vida. Em Março de 1999, a UGAMM abriu o departamento de serviço geral ao novo imigrante, fornecendo serviços incluindo o acompanhamento de casos, aulas de língua, volunários, aconselhamento familiar, actividades para conhecer a comunidade, actividades de educação cívica, grupo de mútua-ajuda entre novos imigrantes, consulta telefónica, formação laboral, entre os outros. Os serviços são destinados aos imigrantes da China Interior que residem em Macau há menos de 3 anos.

As associações também fornecem serviço de voluntários. A partir da década de 50, os membros da direcção e os funcionários das associações de moradores trabalharam para resolver dificuldades dos moradores, sendo considerados os primeiros voluntários em Macau. Os voluntários dividem-se em voluntários idosos, adolescentes, femininos e profissionais. O Centro Comunitário de Toi San da FAOM normalmente organiza equipas de voluntários de diferentes camadas de idade para servir os residentes e forncener serviços variados aos trabalhadores da zona norte. 175

III. Conclusão

A acção de assistência e caridade está estritamente ligada ao desen- volvimento económico e social. Na segunda metade do Século 20, a eco- nomia flutuava com a mudança do ambiente exterior: desde a decadência no início da década de 50 ao desenvolvimento súbito nas décadas de 60 e 70, até à entrada na “Era Dourada” da descolagem económica na década de 80. Ao mesmo tempo, Macau é uma sociedade típica de imigrantes, os refugiados em grande número tornaram-se parte integrante e importante da população de Macau. Macau situa-se perto do Mar do Sul da China, de modo que muitas vezes é afectado por tufões, inundações e tempes- tades causadas por tufões. Tanto a entrada de refugiados, como os desas- tres naturais de tufão e incêndio, são as causas que tornaram a tarefa de assistência social de Macau muito pesada na segunda metade do Século XX. No entanto, acompanhando a prosperidade económica de Macau na década de 80, e o aumento das receitas tributárias e o bem-estar do go- verno, Macau foi capaz de assegurar a melhoria do nível de bem-estar dos residentes, constituindo a base material do desenvolvimento das acções de assistência social e de caridade.

Em termos de conteúdo e âmbito da assistência social e caridade de Macau na segunda metade do Século XX, constituir ou participar em associações para se tornar membro delas, e receber assistência, é um meio com que os residentes de Macau superam as dificuldades da vida. Em segundo lugar, ao enfrentar variados desastres de incêndio e tufão, salvar e ajudar as vítimas é um conteúdo frequente da assistência social. Por um lado, as associações em conjunto apoiaram e assistiram os residentes carenciados; por outro lado, a partir da década de 60, o governo português de Macau construiu residências económicas para as pessoas desabrigadas devido desatres ou à pobreza. Em segundo lugar, as instituições médicas criadas pelas associações civis e as do governo em conjunto fornecem serviços de higiéne e de saúde. As associações civis têm desempenhado um papel semelhante ao governo em termos do número de instituições e de pessoal médico. O Hospital Kiang Wu, como hospital privado, forneceu inúmeros serviços de higiene e de saúde. Em terceiro lugar, as associações e as instituições religiosas assumiram a função de prestar ensino básico aos residentes de Macau. Em Macau, é de longa história as associações civis dedicarem-se à educação. A FAOM, a AGMM e a AECM e as associações de moradores, logo no início da 176

sua constituição, começaram a criar instituições educacionais gratuitas ou de taxas baixas, para ajudar os filhos das famílias carenciadas. Além da educação básica, as associações civis também se dedicam à área da educação infantil, profissional, especial e superior. De igual modo, os diferentes grupos religiosos de Macau também estabeleceram escolas primárias, secundárias e profissionais. Por final, com o aumento constante de necessidade de serviços sociais profissionais, as associações civis e as instituições religiosas começaram a fornecer serviços sociais profissionais, nomeadamente cuidade a idosos, reabilitação de deficientes, serviço comunitário, serviço familiar, serviço juvenis e serviços voluntários, entre outros. Administração n.º 116, vol. XXX, 2017-2.º, 177-195 177

O Sistema de assistência social multi-abrangente e com múltiplos suportes de Macau* Yin Yifen**

Desde o retorno de Macau à Pátria, que o Governo da Região Admi- nistrativa Especial de Macau, adiante designada por RAEM, tem insistido na implementação do princípio “servir melhor a população”, dando prio- ridade à melhoria do seu bem-estar e à partilha dos frutos obtidos com o desenvolvimento económico. No que se refere à assistência e ao apoio social, o Governo da RAEM empenha-se, constantemente, no combate à pobreza e no apoio às camadas mais vulneráveis da sociedade. Assim, após o regresso de Macau à Pátria, os benefícios na saúde passaram a abranger a maioria da população, a escolaridade gratuita foi alargada de modo a aliviar as despesas de educação suportadas pela população e o acesso à habitação de certas famílias mais pobres é assegurado com a dis- ponibilização pelo Governo das habitações sociais de renda mais baixa. O Governo da RAEM oferece, hoje em dia, uma diversidade de serviços de assistência social abrangentes e de apoio material, tanto às famílias de bai- xos rendimentos como às famílias mais pobres ou mais vulneráveis com necessidades específicas, envidando todos os esforços para ajudar os indi- víduos e agregados familiares que se encontrem em situação de carência económica, melhorando os diversos benefícios sociais que visam assegurar o bem-estar da população, e construindo assim um sistema de assistência social multi-abrangente e com múltiplos suportes.

I. Apoio social destinado às famílias mais pobres

Actualmente, as principais medidas de assistência social adoptadas pelo Governo da RAEM que se destinam às famílias mais pobres com-

* O presente trabalho foi elaborado com base na tese apresentada no “Seminário de As- sistência Social nas Comunidades Chinesas” que teve lugar em Outubro de 2016, com a organização conjunta da Filial de Assistência Social da Associação de Segurança Social da China e do Centro de Estudos de Segurança Social da Universidade Nanjing, com as devidas adaptações. ** Centro de Estudos Económicos, Políticos e Sociais do Instituto Politécnico de Macau. 178

preendem a atribuição de subsídios, o “Plano de Apoio Comunitário ao Emprego”, o “Projecto de Serviço sobre Vida Positiva”, o serviço de acon- selhamento a indivíduos e famílias e o apoio em caso de sinistro.

1. Subsídios

A atribuição de subsídios tem como objectivo “assegurar o apoio so- cial a indivíduos ou a agregados familiares que se encontrem em situação de carência económica resultante de factores de natureza social, de saúde e outros que exijam um apoio específico, no sentido de ir ao encontro das suas necessidades básicas”. É muito claro a quem se destinam os subsídios em análise, isto é, aos “indivíduos e agregados familiares que se encon- trem em situação de carência económica”. Actualmente, os subsídios do Governo da RAEM para este efeito classificam-se em três tipos: subsídio regular, subsídio eventual e subsídios especiais.

1) Subsídio regular

O subsídio regular é atribuído mensalmente a indivíduos ou a agregados familiares que se encontrem em situação de carência económica. Nos termos do Regulamento Administrativo n.º 6/2007 que estabeleceu o “regime do subsídio a atribuir a indivíduos e a agregados familiares em situação de carência económica”, regra geral, o montante do subsídio regular resulta da diferença entre o valor dos rendimentos mensais do indivíduo ou o valor da soma dos rendimentos mensais do agregado familiar e o valor do respectivo risco social; aliás, em casos especiais, o montante assim apurado pode ser aumentado de acordo com as circunstâncias concretas. Também está consagrado nas disposições legais que o subsídio é conferido por um período máximo de doze meses, podendo ser renovado por igual ou diferente período. Durante o mês de Janeiro de cada ano é atribuída aos beneficiários do subsídio regular uma quantia adicional de montante igual ao mesmo subsídio.

No âmbito da atribuição do subsídio regular, podem requerer este subsídio os indivíduos que preencham, cumulativamente, os seguintes requisitos: ser portador de bilhete de identidade de residente da RAEM; ter residência ininterrupta na RAEM nos últimos dezoito meses; estar numa situação de carência económica confirmada e aprovada pelo 179

Instituto de Acção Social, adiante designado por IAS (vide o mapa de risco social); não possuir outros imóveis além da casa de morada da família e deter depósitos bancários e dinheiro em numerário cujo montante total não exceda o valor previamente definido (vide a fórmula de cálculo do limite máximo dos depósitos bancários e dinheiro em numerário).

Assim, com vista a apurar o valor atribuído a cada indivíduo ou agregado familiar beneficiário do subsídio regular, é indispensável ficar esclarecido qual o risco social de Macau. Desde o retorno à Pátria, o valor do risco social de Macau tem registado sucessivos aumentos, tendo sido criado um mecanismo de actualização periódica do valor do risco social conforme a variação do índice de preços. Actualmente, o montante mínimo de sobrevivência é de 4050 patacas, 7440 patacas, 10250 patacas, 12460 patacas, 14070 patacas, 15680 patacas, 17290 patacas e 18870 patacas para agregados familiares constituídos por uma única pessoa, por duas pessoas, por três pessoas, por quatro pessoas, por cinco pessoas, por seis pessoas, por sete pessoas e por oito ou mais pessoas. Veja-se o “Mapa 1: Risco social de Macau (entrado em vigor a 1 de Janeiro de 2016)”:

Tabela 1 Risco social de Macau (entrado em vigor a 1 de Janeiro de 2016)

N.º de elementos do agregado familiar Risco social (em patacas)

1 $4,050.00

2 $7,440.00

3 $10,250.00

4 $12,460.00

5 $14,070.00

6 $15,680.00

7 $17,290.00

Igual ou superior a 8 $18,870.00

Para efeitos de atribuição do subsídio regular, além dos rendimentos mensais dos requerentes é também factor de ponderação fundamental o montante total dos depósitos bancários. Assim, o Governo da RAEM estabeleceu uma fórmula de cálculo do limite máximo dos depósitos ban- 180

cários e dinheiro em numerário para fundamentar a decisão da atribuição ou não do subsídio regular. Veja-se o “Mapa 2: Fórmula de cálculo do limite máximo dos depósitos bancários e dinheiro em numerário”.

Tabela 2 Fórmula de cálculo do limite máximo dos depósitos bancários e dinheiro em numerário

Situação individual ou familiar Fórmula de cálculo

Família normal RS X 6=A

Indivíduo com idade inferior a 65 anos que viva sozinho RS X 10=A

Indivíduo com idade superior a 65 anos que viva sozinho RS X 12=A

Nota: “RS” = risco social; “A” = limite máximo dos depósitos bancários e dinheiro em numerário.

Em 2015, mais de 7500 pessoas de um total de 4637 agregados familiares beneficiaram do subsídio regular do Governo da RAEM e o valor total atribuído atingiu cerca de 250 milhões de patacas1.

2) Subsídios especiais

A par da atribuição mensal do subsídio regular a indivíduos ou a agregados familiares que se encontrem em situação de carência económica, o Governo da RAEM atribui também subsídios especiais a agregados familiares com necessidades específicas. Nos termos legais, os subsídios especiais são atribuídos a indivíduos ou agregados familiares que revelem necessidades específicas. O tipo, os critérios e formas de atribuição e os montantes dos subsídios especiais são aprovados por despacho do Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura. O valor atribuído a título de subsídio especial não é computado para efeitos de cálculo do rendimento mensal do indivíduo ou do agregado familiar. Os subsídios especiais compreendem o apoio para actividades de

1 Vide “Subsídio para idosos e subsídio de invalidez a subir; Pavilhão para a Família e Residência para Deficientes Mentais em construção”, em “Diário de Macau”, 27 de Fevereiro de 2016, p. A07. 181 aprendizagem, o apoio para cuidados médicos específicos, o apoio de invalidez e os montantes estão indicados nos Mapas 3, 4 e 5 abaixo.

Tabela 3 Apoio para actividades de aprendizagem

Situação Montante (em patacas)

Frequência no jardim-de-infância ou escola primária 200 (por pessoa por mês)

Frequência do ensino secundário 400 (por pessoa por mês)

Frequência do ensino superior 600 (por pessoa por mês)

Tabela 4 Apoio para cuidados médicos específicos

Situação Montante (em patacas)

Viver sozinho e não ter familiares na RAEM 1000 (por mês)

Ter familiares na RAEM 800 (por mês)

Tabela 5 Apoio de invalidez

Situação Montante (em patacas)

Viver sozinho e não ter familiares na RAEM 800 (por mês)

Ter familiares na RAEM 600 (por mês)

3) Subsídio eventual O subsídio eventual é atribuído a indivíduos ou a agregados familiares que se deparem com uma das seguintes circunstâncias causadoras de carência económica ou de agravamento da sua situação económica: pagamento de funerals, situação resultante de calamidade pública ou sinistro, aquisição de equipamentos diversos de auxílio para pessoas com deficiência ou para pessoas doentes, realização de obras indispensáveis em habitações, aquisição de mobiliário e equipamento doméstico básico, prestação de cuidados a menores em situação de risco, 182

aquisição de material de enfermagem, aquisição de serviços de transporte indispensáveis, etc.

2. “Plano de Apoio Comunitário ao Emprego” e “Projecto de Serviço sobre Vida Positiva” A par da atribuição dos subsídios sociais às camadas mais vulneráveis, o Governo da RAEM empenha-se em reforçar o apoio ao emprego dos beneficiários destes subsídios, de modo a assegurar-lhes um emprego que poderá melhorar a sua qualidade de vida. A este respeito, o Governo da RAEM lançou em 2016 o “Plano de Apoio Comunitário ao Emprego” e o “Projecto de Serviço sobre Vida Positiva” com o objectivo de reforçar o espírito “ajudar os outros é ajudar-se a si próprio”, dando formação profissional e incentivos aos beneficiários dos subsídios sociais que apresentam capacidade de trabalho para que eles se possam reintegrar no mercado laboral e consigam sair do limiar da pobreza através do seu próprio esforço em vez de lhes dar apoio financeiro ao longo do tempo. O “Plano de Apoio Comunitário ao Emprego” é promovido sob a forma de cooperação entre o IAS e determinadas associações de Macau, com o objectivo de fornecer oportunidades aos indivíduos que reúnem as condições necessárias para poderem fazer estágios nas instituições de assistência social, dando-lhes um subsídio adequado, de modo a que estas pessoas ganhem confiança e capacidades para desempenhar uma profissão e, consequentemente, possam vir a ser reintegrados no mercado laboral. “No que diz respeito aos serviços sociais de Macau, na prática, o IAS procura, através da prestação de apoio técnico, concessão de apoios financeiros e alienação de instalações, equipamentos e outros materiais necessários, incentivar a participação social e, para tal, foram estabelecidas estreitas parceiras de cooperação entre os serviços públicos e as associações para responder às necessidades da sociedade”. 2 O “Plano de Apoio Comunitário ao Emprego” é exactamente um plano de apoio e assistência social, fruto da cooperação estreita entre o Governo e as instituições não-governamentais de Macau, que procura possibilitar aos desempregados de longa duração poderem vir a ser reintegrados no mer- cado laboral. A meta principal é fornecer oportunidades aos indivíduos

2 Zhen Bingliang, “O Desenvolvimento dos Serviços Sociais em Macau e as Respectivas Inspirações”, em “China Civil Affairs”, n.º 6 de 2012, pp. 27-29. 183 de idade compreendida entre os 25 e 59 anos, que beneficiam dos subsídios sociais do IAS e que apresentam capacidade de trabalho, para prestarem serviços sociais durante um determinado período de tempo, de modo a recuperarem as suas capacidades e confiança no trabalho e terem uma boa preparação para enfrentar a sua futura vida profissional. Assim, os indivíduos qualificados devem, por um lado, prestar serviços 24 horas por semana nas instalações das instituições colaboradoras do “Plano de Apoio Comunitário ao Emprego”, tais como a Federação das Associações dos Operários de Macau, a Cáritas de Macau, a Associação Geral das Mulheres de Macau ou nas unidades subordinadas à União Geral das Associações de Moradores de Macau ou noutros lugares por esta última indicados e, por outro lado, participar em cursos de formação, activida- des comunitárias e sessões de aconselhamento de 3 a 6 horas por semana. A duração de cada edição do “Plano de Apoio Comunitário ao Emprego” é de 6 meses e poderá ser prolongada até ao máximo de 18 meses após a devida análise e avaliação caso a caso. A cada participante é atribuído um subsídio mensal de valor não superior a 2 mil patacas durante o período da prestação efectiva de serviços.

Quanto ao “Projecto de Serviço sobre Vida Positiva”, o IAS, mediante apoio ao emprego e recorrendo à plataforma da procura e oferta de emprego disponibilizada pela Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais, procura encontrar um emprego adequado para cada um dos beneficiários dos subsídios sociais que apresente capacidade de trabalho, incentivando-os a sair do limiar da pobreza através do seu próprio esforço. Percebe-se que o “Projecto de Serviço sobre Vida Positiva” é uma acção subsequente ao “Plano de Apoio Comunitário ao Emprego”, pois dá o avanço necessário à saída do limiar da pobreza aos beneficiários dos subsídios sociais. Com a participação no “Plano de Apoio Comunitário ao Emprego”, os beneficiários dos subsídios sociais podem ganhar certa capacidade de trabalho e confiança em reintegrar-se no mercado laboral, embora o seu rendimento possa continuar a situar-se num nível abaixo do mercado. Neste caso, podem recorrer ao “Projecto de Serviço sobre Vida Positiva”, que se destina aos indivíduos de idade compreendida entre os 25 e 59 anos que beneficiam dos subsídios sociais do IAS e que apresentam capacidade de trabalho, onde lhes será dado aconselhamento profissional individual, com seguimento por telefone; assim, o apoio ao emprego contará também com o benefício de um acompanhamento posterior mesmo depois de se conseguir um emprego. Com vista a 184

estimular esta iniciativa dinâmica de integração dos participantes do “Projecto de Serviço sobre Vida Positiva” no mercado laboral, pode acontecer que estas pessoas depois da sua entrada no mercado de trabalho possam vir a usufruir de um rendimento de valor um pouco mais elevado face ao valor do risco social; contudo poderão continuar ainda a receber o subsídio por um determinado período. O montante e o prazo do subsídio a atribuir a cada indivíduo são definidos conforme o seu salário e o valor total dos rendimentos do seu agregado familiar, de acordo com a forma de cálculo estabelecida pelo IAS. Veja-se o “Mapa 6: Forma de cálculo do subsídio a atribuir ao abrigo do Projecto de Serviço sobre Vida Positiva”.

Tabela 6 Forma de cálculo do subsídio a atribuir ao abrigo do Projecto de Serviço sobre Vida Positiva

Coeficiente Limite máximo deter- Valor do risco N.º de elementos do aplicado na minado para aprova- social ajustado agregado familiar aprovação ção dos rendimentos * (a) (b) (a x b)

1 4,050.00 1.5 6,080.00

2 7,440.00 1.45 10,790.00

3 10,250.00 1.4 14,350.00

4 12,460.00 1.35 16,820.00

5 14,070.00 1.3 18,290.00

6 15,680.00 1.25 19,600.00

7 17,290.00 1.2 20,750.00

=> 8 18,870.00 1.15 21,700.00

II. Apoio social destinado às famílias de baixos rendimentos

Relativamente às famílias de baixos rendimentos, que não preencham os requisitos de concessão de subsídios sociais mas que sofrem uma determinada pressão económica, o Governo da RAEM decidiu 185 atribuir duas vezes por ano o “subsídio especial para a manutenção de vida a três tipos de famílias em situação vulnerável” e lançou em 2009 o “Plano de Apoio Alimentar a Curto Prazo”, com o intuito de ajudar a aliviar as dificuldades económicas das famílias mais necessitadas.

1. Subsídio especial para a manutenção de vida destinado a três tipos de famílias em situação vulnerável A par de dar apoio financeiro às famílias mais pobres, o Governo da RAEM tem vindo a criar outros apoios sociais para chegar mais perto das camadas mais necessitadas da população. Em 2013, o Governo da RAEM, através do “Projecto de Concessão do Subsídio Especial para a Manutenção de Vida”, começou a atribuir-se duas vezes por ano o subsídio especial aos três tipos de famílias em situação vulnerável (famílias monoparentais, com doentes crónicos e com deficientes) que já são beneficiárias do apoio económico regular ou cujo rendimento não ultrapassa o múltiplo determinado do valor do risco social (1.8 vezes no ano 2016). Assim, os montantes atribuídos em 2016 são os que constam do “Mapa 7: Subsídio especial para a manutenção de vida a três tipos de famílias em situação vulnerável”.

Tablea 7 Subsídio especial para a manutenção de vida a três tipos de famílias em situação vulnerável

N.º de elementos do agregado familiar Montante do subsídio (em patacas)

1 2450

2 3700

3 5100

4 6200

5 7000

6 7800

7 8600

Igual ou superior a 8 9400 186

Em Maio de 2016, com o intuito de aliviar a pressão dos três tipos de famílias acima referidos que apresentavam uma situação financeira vulnerável, o Governo da RAEM efectuou o primeiro pagamento do subsídio especial referente ao ano de 2016 aos 4066 agregados familiares qualificados para o receber (dos quais 1980 agregados familiares eram beneficiários do apoio económico regular e os restantes 2086 agregados familiares formularam o seu pedido através das associações / instituições colaboradoras), tendo o valor total atingido aproximadamente 16.1 mi- lhões de patacas. Em Agosto de 2016, efectuou-se o segundo pagamento do subsídio especial para apoiar os 4166 agregados familiares qualifica- dos referente ainda a este ano (dos quais 2008 agregados familiares eram beneficiários do apoio económico regular e os restantes 2158 agregados familiares formularam o seu pedido através das associações / instituições colaboradoras), sendo o valor orçamentado para este efeito aproximada- mente de 16.5 milhões de patacas. Importa salientar que da análise aos agregados familiares de baixos rendimentos abrangidos pelos três tipos de famílias em situação vulnerável, verificou-se que alguns eram já benefici- ários de subsídios sociais do Governo da RAEM, enquanto os restantes, que não beneficiavam dos subsídios do Governo, formularam o seu pe- dido junto das associações / instituições colaboradoras. Isto porque estas associações / instituições têm um conhecimento mais profundo da vida e das necessidades destas famílias quando comparada com a informação de que dispõe o Governo e, como tal, conhecem necessariamente melhor quais são os serviços que estas famílias realmente procuram, o que permi- te que o fornecimento de serviços vá de encontro exactamente às necessi- dades concretas destes agregados familiares.

2. Plano de Apoio Alimentar a Curto Prazo

Em Julho de 2009, o Governo da RAEM lançou o “Plano de Apoio Alimentar a Curto Prazo” com o objectivo de proporcionar alimentos de primeira necessidade, durante um curto período de tempo, aos indivíduos de baixos rendimentos e que não estão abrangidos pela rede de subsídios ou aos beneficiários dos subsídios sociais e suas famílias que sofreram uma alteração inesperada da sua vida. A meta principal é fornecer alimentos básicos durante um curto período às pessoas pobres, assim como aos indivíduos ou agregados familiares que enfrentam um desequilíbrio inesperado e súbito nos seus rendimentos, de modo a aliviar 187 a sua pressão económica. Os bens a distribuir compreendem os principais alimentos, tais como arroz, flocos de aveia, macarrão e outras massas bem como alimentos complementares, tais como enlatados, bolachas, ovos e frutas. Os destinatários dividem-se em duas categorias: a primeira abrange os indivíduos ou agregados familiares de baixos rendimentos com residência em Macau que não estão abrangidos pela rede de subsídios do IAS e que se encontram desempregados, os sem-abrigo, os indivíduos que estão à espera da aprovação do seu pedido de subsídios sociais, ou os imigrantes recém-chegados que não residem em Macau por um período superior a 18 meses consecutivos ou, ainda, as famílias que enfrentam, por qualquer motivo, mudanças drásticas nas suas vidas; a segunda refere-se aos indivíduos ou agregados familiares, ambos beneficiários dos subsídios sociais, que enfrentam alterações drásticas na sua vida.

Com vista a dar apoio a um maior número de pessoas necessitadas, assim como a elevar a eficiência dos serviços prestados ao abrigo do “Plano de Apoio Alimentar a Curto Prazo”, o Governo da RAEM decidiu entre- gar a gestão dos serviços às associações locais. Assim, em 26 de Setembro de 2011, a gestão do Banco Alimentar foi adjudicada à Cáritas de Macau, que é uma instituição não-governamental que se empenha em oferecer serviços sociais diversificados a diferentes indivíduos assim como agrega- dos familiares que deles necessitam nos bairros comunitários. Ao longo dos anos, após a entrada em funcionamento do Banco Alimentar, têm-se realizado constantemente trabalho de campo que se traduz em estatísticas e pesquisas sobre os efeitos obtidos, de modo a ajustar em tempo útil e de forma adequada os serviços oferecidos às necessidades mais prementes das famílias no intuito de chegar com ajuda a mais pessoas carenciadas. Os alimentos do Banco Alimentar são adquiridos a fornecedores que colabo- ram nesta iniciativa, através de concurso público, e o respectivo contrato de aquisição estabelece certas regras sobre o preço e a distribuição dos alimentos, de modo não só a assegurar a estabilidade do preço e a entre- ga dos alimentos, como também a garantia a segurança alimentar. Além disso, o Banco Alimentar tem os seus próprios critérios na distribuição de alimentos de acordo com a situação concreta de cada destinatário. Por exemplo quando se trata de uma família, os alimentos são fornecidos tendo em conta o número de elementos que a constitui; quando se trata de uma família com uma criança de idade igual ou inferior a um ano, é também incluído leite em pó. Deste modo, pretende-se responder às ne- cessidades efectivas de cada tipo de família de baixos rendimentos. 188

III. Apoio social destinado às famílias mais vulneráveis com necessidades específicas

1. Subsídio de invalidez e serviços destinados às pessoas deficientes

1) Subsídio de invalidez Em 2011, a Assembleia Legislativa de Macau aprovou o Regime do Subsídio de Invalidez e dos Cuidados de Saúde Prestados em Regime de Gratuitidade. Trata-se de uma lei que se preocupa com os benefícios sociais a prestar às pessoas deficientes e é também uma acção relevante promovida pelo Governo da RAEM no sentido de dar avanço ao aper- feiçoamento do regime de segurança social para as pessoas deficientes. De acordo com a lei que define o Regime do Subsídio de Invalidez e dos Cuidados de Saúde Prestados em Regime de Gratuitidade, o subsídio de invalidez é atribuído pelo Governo da RAEM aos residentes permanentes de Macau que preencham os requisitos estabelecidos, sendo pago uma vez por ano. Em Setembro de 2016, analisado o parecer da Comissão para os Assuntos de Reabilitação, o subsídio de invalidez foi dividido em duas modalidades e atribuído do seguinte modo: aos indivíduos avaliados como portadores de deficiência ligeira ou moderada é atribuído um sub- sídio de invalidez normal no valor anual de 8 mil patacas; aos indivíduos avaliados como portadores de deficiência grave ou profunda é atribuído um subsídio de invalidez especial no valor anual de 16 mil patacas. Em 2016, cerca de 9800 pessoas deficientes preencheram os requisitos para lhes serem atribuídos os subsídios de invalidez normal e especial, tendo sido atingido o valor total de aproximadamente 110 milhões de patacas.

2) Serviços destinados às pessoas deficientes Através da cooperação entre as instituições não-governamentais e os serviços públicos, o Governo da RAEM presta apoio e assistência neces- sária às pessoas deficientes bem como às suas famílias, com o objectivo de ajudar as pessoas deficientes a ultrapassarem os obstáculos que enfrentam, elevar a sua autoconfiança, explorar e desenvolver as suas potencialidades e melhorar a sua qualidade de vida. Por outro lado, o Governo também presta apoio técnico às associações e disponibiliza recursos logísticos para as instalações sociais que oferecem serviços às pessoas deficientes. 189

Os serviços de apoio às pessoas deficientes compreendem a transferência para lares de deficientes e a transferência para centros de reabilitação: os destinatários do primeiro caso são os indivíduos portadores de deficiência física grave ou mental sem capacidade de auto-administrar a sua vida e que necessitem de ser internados em lares para deficientes subsidiados pelo IAS; no segundo caso, destina-se aos indivíduos portadores de defi- ciência física ou mental que necessitem dos serviços oferecidos pelos cen- tros de reabilitação subsidiados pelo IAS, para poderem aprender a auto- -administrar a sua vida e receber formação profissional.

2. Subsídio para idosos e serviços destinados aos idosos

1) Subsídio para idosos A fim de demonstrar o carinho e a preocupação com os residentes de idade mais avançada de Macau, nomeadamente os idosos que vivem so- zinhos, e difundir o espírito de respeito para com a população da terceira idade, o Governo da RAEM começou a atribuir o subsídio para idosos em 2005. O valor actual do subsídio para idosos é de 8 mil patacas por ano. Em 2016, cerca de 7100 pessoas reuniram as condições necessárias para serem beneficiários do subsídio para idosos e o valor total atribuído rondou 560 milhões de patacas.

2) Serviços destinados aos idosos Com os esforços conjuntos do Governo da RAEM e das institui- ções não-governamentais locais foi criado, ao longo dos últimos anos, um sistema de serviços de apoio a idosos que abrange a segurança social, cuidados de saúde, benefícios sociais, garantia de habitação pública e edu- cação contínua. Após o retorno de Macau à Pátria, começaram a surgir uma série de serviços destinados a idosos, sobretudo aos idosos que vivem sozinhos, e houve um avanço progressivo, desde aquela época até hoje, nomeadamente na atenção dada ao estado mental e à saúde psíquica, nomeadamente no que diz respeito ao aparecimento de sintomas de de- pressão nos idosos que vivem sozinhos, assim como no apoio à superação de barreiras sociais que enfrentam no dia-a-dia. Em 2005, o Governo da RAEM procedeu à reorganização das equipas de assistência social no sen- tido de formar a “Equipa de Serviço de Cuidados Domiciliários Integra- dos e de Apoio”. Por outro lado, o Governo da RAEM tem vindo a pro- 190

mover gradualmente o “Programa de Apoio a Idosos Isolados”, uma “Rede de Serviços Carinhosos a Idosos” e o “Serviço de Teleassistência Peng On Tung”. Nos últimos anos, o Governo da RAEM tem vindo a reforçar o apoio dedicado aos serviços comunitários para idosos, promovendo o seu desenvolvimento e a melhoria das instalações e dos serviços prestados. Assim, entraram em funcionamento, nos últimos anos, dez instituições de serviços para idosos e foi reservada uma zona nos novos aterros para a construção de novas instalações de assistência e apoio a idosos.

3. Aconselhamento a indivíduos e famílias

O aconselhamento a indivíduos e famílias destina-se aos indivíduos e agregados familiares que se encontrem em dificuldade e que necessi- tem de aconselhamento e informações para a sua vida quotidiana que vão desde o apoio psicológico ou emocional e o apoio interdisciplinar até uma rede de apoios mútuos a famílias monoparentais. Os serviços prestados no âmbito da rede de apoios mútuos a famílias monoparentais compreendem: visitas domiciliárias às famílias monoparentais no sentido de se inteirarem da sua situação e necessidades; aconselhamento e acom- panhamento às famílias e a grupos específicos; promoção de actividades de carácter educativo e recreativo e formação de voluntários. No âmbito do apoio a famílias monoparentais, em 2015 o IAS lançou a “Rede de Serviços de Assistência às Famílias Monoparentais”, no sentido de ajudar estas famílias a construir uma rede estável de ligações e de auxílio mútuo de modo a superarem em conjunto as dificuldades que enfrentam.

4. Apoio em caso de sinistro

O apoio em caso de sinistro compreende, nomeadamente, a presta- ção de apoio material e pecuniário aos sinistrados, conforme a gravidade do sinistro e a situação das vítimas. Este apoio é dado no ingresso no Centro de Sinistrados e no fornecimento especializado de aconselhamen- to psicológico a sinistrados que revelem instabilidade emocional. Os des- tinatários são indivíduos ou famílias que sofreram um acidente público ou devido a calamidades naturais, tais como cheias, incêndios, desaba- mento de prédios ou tufões, necessitando de ajuda de primeiros socorros, dos serviços de protecção e de abrigo ou de bens da primeira necessidade ou até de aconselhamento psicológico. 191

IV. Estreitas relações de cooperação entre o Governo e o sector privado O Governo da RAEM criou, sucessivamente, o Conselho de Acção Social, a Comissão para os Assuntos do Cidadão Sénior, a Comissão para os Assuntos de Reabilitação, a Comissão de Luta contra a Droga e o Conselho para os Assuntos das Mulheres e Crianças, com vista a integrar os elementos representativos das instituições não-governamentais nos órgãos responsáveis pela elaboração de políticas sociais a adoptar pelo Go- verno. “No que diz respeito à estrutura do sistema de assistência social de Macau, Sua Excelência o Chefe do Executivo é a pessoa responsável pela elaboração das políticas de assistência social, fiscalização e avaliação da sua implementação e cabe aos conselhos e comissões para os assuntos sociais, compostos por representantes de vários serviços públicos e instituições não-governamentais e, ainda, por pessoas de reconhecido mérito na área dos serviços sociais, emitir parecer para apoiar a decisão de Sua Excelência o Chefe do Executivo relativamente à adopção das políticas e à avaliação das respectivas circunstâncias concretas.” 3 O apoio do Governo da RAEM às instituições não-governamentais de assistência social compreende, principalmente, três vertentes: a pri- meira vertente refere-se ao apoio técnico, que implica principalmente o apoio ao funcionamento diário e à formação do pessoal, e o apoio técnico e informático às instituições não-governamentais de assistência social; a segunda vertente refere-se à atribuição de apoio financeiro, incluindo o subsídio regular às instalações sociais, o subsídio destinado à aquisição de materiais e obras de manutenção e o subsídio especial. Em 2010, o valor investido pelo Governo da RAEM na área do serviço social totalizou 970 milhões de patacas, sendo a maior parte deste valor, cerca de 400 milhões de patacas, destinada às instituições não-governamentais de assistência so- cial e no ano seguinte este valor atingiu 450 milhões de patacas, continu- ando a ocupar a maior fatia da verba disponibilizada aos serviços sociais4; a terceira vertente refere-se à concessão de instalações, equipamentos e materiais. Neste âmbito, o IAS encarregou as instituições não-governa- mentais de assistência social da prestação de determinados serviços sociais,

3 Zhen Bingliang, “O Desenvolvimento dos Serviços Sociais em Macau e as Respectivas Inspirações”, em “China Civil Affairs”, n.º 6 de 2012, pp. 27-29. 4 Zhen Bingliang, “O Desenvolvimento dos Serviços Sociais em Macau e as Respectivas Inspirações”, em “China Civil Affairs”, n.º 6 de 2012, pp. 27-29. 192

disponibilizando-lhes instalações, equipamentos e materiais necessários. Através da adopção destas três medidas de apoio, o Governo da RAEM assegura uma gestão regular ao fornecimento dos serviços de assistência social por parte das instituições sociais não-governamentais. Importa sa- lientar que, no âmbito do apoio financeiro, o Governo da RAEM, atento às mudanças sociais verificadas em Macau e ao aumento dos custos de funcionamento das instalações sociais e à perda dos recursos humanos na área do serviço social devido ao desenvolvimento económico, aprovou um novo regime de concessão de apoio financeiro à prestação de servi- ços sociais com o intuito de oferecer melhores condições para que sejam criadas equipas profissionais mais sólidas e estáveis de modo a responder às necessidades da procura destes apoios e assim promover o crescimento dos serviços sociais prestados. O novo regime de concessão de apoio fi- nanceiro, por um lado, prevê a atribuição de subsídios para fazer face às despesas administrativas correntes com actividades e com pessoal e, por outro, estabelece regras sobre as eventuais receitas obtidas com o trabalho desenvolvido pelas instituições sociais não-governamentais, procedendo assim ao controlo das despesas e receitas destas instituições. Tendo em conta a quantidade de instalações sociais existentes, repara- -se que a grande maioria destas instalações se estabeleceram através de instituições não-governamentais. Existem, hoje em dia, 249 instalações sociais em Macau, das quais apenas 8 são subordinadas ao IAS e, por isso, dependem directamente do Governo da RAEM, nomeadamente: o Cen- tro de Sinistrados da Ilha Verde, o Centro de Dia da Praia do Manduco, o Centro de Convívio Fai Chi Kei, o Centro de Avaliação Geral de Reabilita- ção, o Centro de Serviço de Desintoxicação e Tratamento de Manutenção – Aconselhamento Juvenil na Ilha Verde, o Centro de Serviço de Desin- toxicação e Tratamento de Manutenção – Tratamento por Medicamentos na Areia Preta (Metadona), a Divisão de Prevenção e Tratamento do Jogo Problemático do Centro de Educação da Vida Saudável – Casa de Vontade Firme. Veja-se o “Mapa 8: Instalações sociais existentes em Macau”:

Tabela 8 Instalações sociais existentes em Macau

Serviços de assistência social Instalações sociais Quantidade

Apoio às famílias Centro de serviço social 5 (Total: 35) Centro de serviço familiar 18 193

Serviços de assistência social Instalações sociais Quantidade

Centro de abrigo provisório 4

Instituição de aconselhamento e 1 assistência

Centro de sinistrados 1

Rede de auxílio mútuo para famílias 5 monoparentais

Serviço integrado destinado aos 1 imigrantes recém-chegados a Macau

Apoio aos jovens e crianças Creche 53 (Total: 69) Lar para jovens e crianças 9

Equipa de intervenção comunitária 5 para jovens

Complexo de apoio a jovens e 2 famílias

Apoio aos idosos Lar para idosos 18 (Total: 63) Serviço de cuidados domiciliários 5 integrados e de apoio

Serviço para idosos que vivem sozi- 2 nhos

Centro de actividades diurnas para 11 idosos

Centro de convívio para idosos 24

Serviço de teleassistência Peng On 1 Tung

Centro de serviços integrados para 2 idosos

Serviços de reabilitação Lar de reabilitação 9 (Total: 34) Centro de dia 10

Oficina protegida 2

Centro de formação profissional 6

Centro de educação / centro de 2 educação pré -emprego 194

Serviços de assistência social Instalações sociais Quantidade

Serviço de autocarro de reabilitação 2

Centro de avaliação 2

Serviços integrados 1

Serviços comunitários Centro de serviços comunitários 14 (Total: 17) Apoio alimentar a curto prazo 3

Prevenção e tratamento da Lar de desintoxicação 4 toxicodependência Serviço de desintoxicação 2 (Total: 14) Serviço de prevenção do abuso de 5 drogas

Serviços adicionais de desintoxicação 3

Prevenção e tratamento do Aconselhamento de combate ao 9 transtorno do jogo transtorno provocado pelo jogo (Total: 14) Prevenção e tratamento do 5 transtorno provocado pelo jogo

Apoio à reinserção social Serviço de reabilitação 1 (Total: 3) Serviço de apoio a jovens 2

Total 249

V. Conclusão O apoio social prestado pelo Governo da RAEM compreende três vertentes: o apoio às famílias mais pobres, às famílias de baixos rendimen- tos e às famílias mais vulneráveis com necessidades específicas. Este apoio não se limita apenas a apoiar as famílias mais pobres, mas o seu alcance é alargado também ao apoio social. O apoio que é dado pelo Governo de Macau às famílias foca-se especificamente na prestação de uma diversi- dade de apoios às famílias mais pobres, às famílias de baixos rendimentos e às famílias mais vulneráveis com necessidades específicas, constituindo assim um sistema de assistência social multi-abrangente e com múltiplos suportes. Com este sistema de assistência social multi-abrangente, conse- guiu-se assegurar uma rede de apoio seguro e confiável junto das camadas mais vulneráveis da população de Macau, pois estas comunidades com maiores dificuldades na vida podem beneficiar de apoio e assistência do 195

Governo nas várias vertentes e a vários níveis. Dando como exemplo, os idosos com rendimento inferior ao risco social podem receber o “subsídio para idosos” e também o “subsídio económico regular”, de modo a terem assegurados os seus direitos sociais básicos e, neste contexto, se estes ido- sos forem doentes crónicos ou portadores de deficiência e preencherem os requisitos exigidos, poderão receber também o “apoio para cuidados médicos específicos” ou o “subsídio de invalidez”, conforme o caso. Em articulação com a implementação do sistema de assistência social multi-abrangente, foram estabelecidas em Macau estreitas cooperações entre o Governo e as instituições não-governamentais bem como cooperações interdepartamentais, de modo a oferecer uma rede de assistência social cada vez mais segura para os residentes. Na implementação das várias políticas e medidas de assistência social, o Governo necessita do apoio das instituições não-governamentais, assim como de serviços prestados por profissionais bem formados para que seja assegurado o sucesso das acções a desenvolver e, assim, concretizado, de forma efectiva e eficiente, o combate à pobreza. A grande participação das instituições não-governamentais na área da assistência social e as boas relações de cooperação entre o Governo e estas instituições são características únicas e muito relevantes do sistema de assistência social multi-abrangente de Macau.

Administração n.º 116, vol. XXX, 2017-2.º, 197-202 197

O Português Na China – Um Caso de Sucesso

Carlos Ascenso André*

De 23 a 28 de Julho, o Português foi centro de todas as atenções em Macau; na imprensa escrita, na rádio, na televisão, em entrevistas, em es- paços noticiosos ou telejornais, em crónicas, em língua portuguesa ou em chinês, Macau foi assunto dominante.

E não era caso para menos. Em Macau reunia-se o XII Congresso da Associação Internacional de Lusitanistas. No Instituto Politécnico de Macau juntavam-se cerca de centena e meia de congressistas, vindos de cerca de 80 universidades e de 18 países, com comunicações que trata- vam de literatura (portuguesa, literaturas africanas de língua portuguesa, literatura brasileira), de língua portuguesa (linguística, políticas de língua, didáctica), de história, de política, da sociedade e de tantas outras verten- tes da actividade científica e académica que podem tocar, directa ou indi- rectamente, os estudos de língua portuguesa.

Ali estava parte da elite dos estudiosos de tudo quanto respeita aos países que têm como expressão a língua portuguesa, entre eles Helder Macedo, de Londres, Ettore Finnazzi-Agró, de Roma, Roberto Vecchi, de Bolonha, Isabel Pires de Lima, do Porto, Elias Torres Feijó, de Santiago de Compostela, Onésimo Teotónio de Almeida, de Providence, EUA, Benjamin Abdala Júnior, de São Paulo, Claudia Pazos Alonso, de Oxford, Cristina Robalo Cordeiro, de Coimbra, para citar, apenas, alguns nomes.

Era o XII Congresso de uma Associação nascida em 1984 em Poi- tiers, França, e que junta os seus associados em reunião magna cada três anos; antes de chegar a Macau, passara já por Leeds, Coimbra, Hambur- go, Oxford, Rio de Janeiro, Providence, Santiago de Compostela, Madei- ra, Faro, Cabo Verde.

A importância da Associação Internacional de Lusitanistas, a maior de todas as associações do género dedicadas aos estudos de língua portu-

* Professor Pleno do Instituto Politécnico de Macau e Professor da Universidade de Coimbra. 198

guesa, justifica, só por si, a atenção que a comunicação social e as instân- cias de poder deram ao congresso realizado em Macau; mas outras razões houve para o destaque dado em Macau a este evento; entre elas, o signi- ficado que assume a realização do congresso em Macau e a simbologia de que se reveste.

É inquestionável que Macau é uma porta de eleição para a grande China, de que é parte integrante; além disso, é visível o grande investi- mento que Macau faz na língua portuguesa, o empenhamento político das autoridades de Macau e do Governo Central da República Popular da China e o desejo de fazer do território uma plataforma entre a China e os países de língua portuguesa; por outro lado, é conhecido o crescimento exponencial que o estudo do Português vai conhecendo em Macau e no interior da China.

A presença do XII Congresso da AIL em Macau, portanto, constitui o reconhecimento da comunidade académica internacional, não apenas do invulgar crescimento do Português no interior da China e em Macau, como também do grande investimento dos vários poderes nesse mesmo crescimento – do Governo Central da República Popular da China e do Executivo da Região Administrativa Especial de Macau, a par do de mui- tas outras entidades.

Vale a pena, a pretexto do momento em que tantos reputados espe- cialistas dos estudos de língua portuguesa se reuniram a Oriente, reflectir um pouco sobre o que tanto espanto e perplexidade causa a incautos ob- servadores e a académicos de todo o mundo.

E a maior perplexidade é, sem dúvida, esta: em menos de uma dúzia de anos, o ensino do Português em universidades chinesas conheceu um dos maiores e mais rápidos desenvolvimentos que já alguma vez havia experimentado em todo o mundo: de seis universidades onde se ensinava português há dez anos atrás, passou-se, surpreendentemente, para trinta e sete, tantas são aquelas onde hoje o Português existe, em cursos de licen- ciatura ou em regime opcional.

Este crescimento está longe de atingir os números que se verificam em outros países não lusófonos, como, por exemplo, os Estados Unidos da América, talvez o país fora do universo da lusofonia onde o Português conhece a maior expansão. Mas os Estados Unidos são de há muito um destino de emigração para portugueses, brasileiros e caboverdianos, por 199 exemplo, e possuem, portanto, uma grande comunidade lusófona, o que, manifestamente, não acontece na China, onde apenas em Macau a co- munidade portuguesa ou de língua portuguesa tem algum significado.

E, mesmo assim, o Português é muito procurado um pouco por toda a parte no interior da China.

Façamos um pouco de história, embora sucintamente.

Iniciado na década de sessenta do século XX, em Pequim, o ensino de Português sofreu, não muito depois, uma suspensão quando da Revo- lução Cultural. Retomado nos anos setenta, não tinha ultrapassado as seis universidades até ao início do presente século: duas em Pequim, Shan- ghai, Tianjin e Nanqin. Foi quase no final da primeira década que teve lugar o início de uma verdadeira explosão, que está ainda longe de atingir o seu ponto mais alto.

Só na capital, Pequim, há nove universidades onde se ensina o Portu- guês. Não muito longe, ensina-se, ainda, em Tianjin, em duas universida- des, e em várias instituições de ; só em Shijiazhuan são três aquelas que têm licenciaturas em Português.

Se fizermos o caminho do litoral, de Norte para Sul, vemos cursos de língua portuguesa, a nível de licenciatura ou, pontualmente, como opção, em Harbin, em Changchung, em Dalian, em Nanqin, em Shanghai, em Hangzhou, em Shaoxing, em Fuzhou, em , em Zhuhai, neste caso em três universidades.

No interior, abriram já licenciaturas em Português em Lanzhou, em Xi’an, em Chongchin, em Changsha, em Nangchang, em Ganzhou, em Wuhan.

E anuncia-se para breve em Shandong, em Chengdu e em outra universidade de Shanghai, num processo quase imparável.

O ritmo era, de alguma forma, inesperado. Em dez anos, passou- -se de seis para trinta e sete instituições, de dúzia e meia de docentes para mais de duzentos, de três ou quatro centenas de estudantes para um nú- mero que rondará os dois mil.

Estes números sobem exponencialmente se incluirmos Macau na contagem, dado que, em Macau, o número de estudantes de Português, só no ensino superior, pode atingir os mil, em várias instituições. 200

É, como lhe chamou Li Changsen, uma verdadeira “erupção vulcânica”.

Este súbito e vertiginoso crescimento não aconteceu sem problemas que resultam exactamente da dimensão e da rapidez; parte deles tem a ver com a impreparação do sistema para um alargamento tão veloz: imprepa- ração no que respeita ao pessoal docente e impreparação no que respeita a meios auxiliares da actividade pedagógica. Dito de outra forma: os do- centes que tiveram de fazer frente à procura eram (são) demasiado jovens e não encontravam no mercado materiais adequados ao exercício da sua missão.

Falemos dos docentes, antes de mais; possuem um enorme entusias- mo, uma dedicação exemplar à sua tarefa e, na maior parte dos casos, são senhores de uma notável proficiência na língua portuguesa. Mas carecem, eles mesmos o reconhecem, de preparação específica para o ensino do Português como língua não materna. Em suma, necessitam de formação.

Quanto aos meios auxiliares de ensino, isto é, os materiais de apoio à actividade pedagógica, os que existem no mercado, e muitos são, não foram concebidos para o ensino de português a chineses; muito menos a chineses em situação de imersão na sua língua materna.

Este é o desafio com que o sistema se vê confrontado e que cria par- ticulares responsabilidades a Macau. Tenha-se presente que o Executivo da RAEM, em consonância, de resto, com o Governo Central, definiu para Macau a missão estratégica de servir de plataforma entre a China e os países de língua portuguesa. Uma missão importante, se tivermos, também, em conta que a cooperação com esses países é um dos objectivos da política externa da República Popular da China.

Em boa verdade, essa missão, antes de ser atribuída a Macau pelo poder político, já o era pela História. Ser mediador no diálogo entre Oriente e Ocidente é, de há muito, parte integrante da identidade de Macau e como que é algo que faz parte do seu ADN, dos seus genes. Ma- cau, portanto, herda essa função de uma história de séculos, além de para ela ter preparação especial em razão, também, da sua situação geográfica.

A vontade política junta-se, pois, à identidade do território e à sua herança da História, o que lhe aumenta a responsabilidade.

Macau tem sabido corresponder a essa responsabilidade, no plano local e no plano nacional. 201

A nível local, é visível o aumento da procura do Português em todos os graus de ensino e, ainda, em cursos não conferentes de grau. A aposta política, assumida ao mais alto nível, de “fazer de Macau uma base de ta- lentos bilingues” terá resultados a curto prazo.

A nível nacional, é cada vez mais visível o apoio que Macau está a dar, desde há vários anos, ao ensino do Português no interior da China.

Nesse domínio, o Instituto Politécnico de Macau tem assumido uma função de liderança: bolsas de estudo a estudantes do continente para es- tudarem ou realizarem cursos breves em Macau, acções de formação para jovens docentes chineses, umas realizadas no IPM, outras em universida- des chinesas do interior, produção de materiais.

Nos últimos anos, realizaram-se já mais de duas mil horas de for- mação, as quais abrangeram quase duzentos formandos chineses. Publi- caram-se vários livros. Criou-se um portal que permite interagir com os professores do continente. Realizam-se anualmente concursos na área do Português (Concurso de Debate e Concurso de Declamação de Poesia), que envolvem sempre várias instituições do interior da China e todas as de Macau.

De resto, a criação, em 2012, do Centro Pedagógico e Científico da Língua Portuguesa representou uma aposta do IPM nessa missão estraté- gica e visou servir, antes de mais, o objectivo de apoiar o desenvolvimento do ensino do Português em Macau e no interior da China. Desde então, mais se estreitaram os laços com as instituições do continente; vinte e oito foram já visitadas e são cada vez mais as que cooperam com o IPM com regularidade.

Ao mesmo tempo, em Macau, a oferta na área do Português, por parte do IPM, tem vindo a aumentar. Ao curso de Tradução Chinês- -Português e Português-Chinês somou-se, há dois anos, a Licenciatura em Português e Relações Comerciais China Países Lusófonos e, este ano, uma licenciatura em Português, especialmente vocacionada para a formação de professores.

Paralelamente, aumenta, de ano para ano, o quadro de parcerias en- tre instituições chinesas e instituições de países de língua portuguesa, um processo onde o papel do IPM tem sido determinante. 202

O futuro terá de passar pelo reforço de todas estas linhas de acção: Produção de materiais, em versão impressa e em versão online, mais fáceis, estes, de disponibilizar para utilização no interior da China. No caso de materiais impressos, a parceria estabelecida com a Commercial Press, de Pequim, que permite editar toda a colecção Português Global no interior da China e, portanto, mais acessível para os estudantes chineses do continente, é um bom exemplo do que deve ser feito. Reforço da parceria com instituições congéneres de países de língua portuguesa, nomeadamente com vista a proporcionar um período de tempo dos seus estudantes em situação de imersão na língua que apren- dem. Insistência na formação de docentes, formação inicial e formação contínua, por forma a alcançar-se um corpo docente fortemente qualifi- cado. Foi o reconhecimento de todo este esforço que levou a Associação Internacional de Lusitanistas a realizar o seu XII Congresso em Macau. Congresso que se saldou por êxito assinalável a todos os níveis. O Congresso teve, também, a resposta justa por parte dos docentes da China: pela primeira vez participaram nas actividades científicas da Associação professores de instituições chinesas: oito do interior da China e dez de Macau, todos com comunicações de elevada qualidade científica. A aposta estava ganha; mas, o que é mais importante, o rumo do futuro está assegurado. Administração n.º 116, vol. XXX, 2017-2.º, 203-233 203

Algumas Notas de Iure Condendo Sobre a Distribuição Dinâmica do Ónus da Prova no Direito Probatório Material da Região Admi- nistrativa Especial de Macau Hugo Luz dos Santos* Wang Wei**

I A distribuição dinâmica do ónus da prova no direito probatório material de Macau e de Portugal: a sua importância, de iure condendo, no âmbito do processo civil do futuro e os seus critérios de concretização1 As insuficiências detectadas na distribuição fixa ou estática dos ónus probatórios – unicamente alicerçadas na função desempenhada pelo facto na norma subjacente ao direito invocado e, portanto, alheias à maior ou menor facilidade probatória de uma das partes em conflito – importam para a prova de certos factos uma dificuldade inaceitável2. Uma primeira reacção a estas dificuldades surgiu na América Latina, designadamente na Argentina pelo punho de PEYRANO, o qual desen- volveu a teoria da distribuição dinâmica do ónus da prova. A teoria assen- ta na utilização de um critério de distribuição diverso e necessariamente dinâmico, destacado por JEREMY BENTHAM, o qual propunha que na distribuição dos ónus probatórios deveria ter-se em conta não a função que o facto desempenha na norma – elemento, esse, necessariamente fixo e estático – mas, antes a consideração da parte a quem fosse, em concreto, mais fácil produzir a prova de determinado facto3.

* Magistrado do Ministério Público. ** Professora Auxiliar da Faculdade de Direito da Universidade de Macau. 1 Este artigo segue as regras anteriores ao novo acordo ortográfico. 2 Elizabeth Fernandez, “A prova difícil ou impossível”, in: Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor José Lebre de Freitas, Comissão Organizadora: Armando Marques Guedes; Maria Helena Brito; Ana Prata; Rui Pinto Duarte; Mariana França Gouveia, Volume I, Coim- bra Editora, Coimbra, (2013), p. 828. 3 Elizabeth Fernandez, “A prova difícil ou impossível”, in: Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor José Lebre de Freitas, cit., p. 828. 204

O método de distribuição das cargas probatórias subjectivas seria, as- sim, híbrido, contando, à partida com uma distribuição geral e abstracta perfeitamente previsível que poderia ficar abalada no caso concreto, se e de cada vez que a particularidade do mesmo o exigisse, atenta a especial dificuldade de prova do facto objecto do ónus em causa4. Com efeito, e como afirmámos noutro local5, à análise da norma de direito substantivo não devem presidir somente os elementos literais, atenta, as mais das vezes, a falta de clareza da norma de direito substanti- vo, sendo essa a razão pela qual a mais autorizada doutrina processualista propugna o recurso a “elementos racionais”6, cuja acuidade mais se faz sentir em campos temáticos baseados em conhecimentos científicos7, onde estejam em causa os direitos dos consumidores – a parte mais frá- gil –, cujo ónus probatório, onde a prova se afigure difícil8, ou mesmo impossível,9 esvaziaria o conteúdo essencial da sua tutela jurisdicional efectiva. Por isso se compreende a razão pela qual a mais autorizada doutrina advogue, nos casos de dificuldade manifesta na prova de determinados factos, a inversão do ónus da prova ou, pelo menos, uma redistribuição mais equilibrada do ónus da prova10, e, no âmbito desta, a mobilização da teoria da distribuição dinâmica do ónus da prova.

4 Elizabeth Fernandez, “A prova difícil ou impossível”, in: Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor José Lebre de Freitas, cit., p. 829. 5 Neste sentido, Hugo Luz Dos Santos, “Plaidoyer por uma “distribuição dinâmica do ónus da prova” e pela “teoria das esferas de risco” à luz do recente Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 18/12/2013: o (admirável) “mundo novo” no homebanking?, in: O Direito, Ano 147.º, III, (2015), passim, texto que, com assinaláveis atualizações temáticas, doutrinais e jurisprudenciais, seguiremos de muito perto, neste apartado. 6 Neste sentido, José Lebre De Freitas, “A propriedade de prédio confinante na norma do art.º 1380.º, n.º 1, do Código Civil. Facto constitutivo e facto impeditivo”, in: Cadernos de Direito Privado (CDP), n.º 30, Abril/Junho 2010, cejur, Coimbra Editora, Coimbra, (2010), p. 24, nota 14. 7 Neste sentido, Elizabeth Fernandez, “A prova difícil ou impossível”, in: Estudos em Ho- menagem ao Prof. Doutor José Lebre de Freitas, cit., pp. 811-813. 8 Procedendo à indicação dos factos difíceis de provar, na doutrina argentina, Jorge W. Peyrano, “La prueba difícil”, in: Debido Proceso-Realidad y debido processo – El debido processo y la prueba, AAVV, Buenos Aires, (2003), pp. 329-330. 9 Elizabeth Fernandez, “Desvio de poder: mito ou realidade?”, in: Cadernos de Justiça Administrativa (CJA), n.º 93, Maio/Junho 2012, cejur, Coimbra Editora, Coimbra, (2012), p. 11. 10 Neste sentido, Elizabeth Fernandez, “Desvio de poder: mito ou realidade?”, in: Cader- nos de Justiça Administrativa (CJA), cit., p. 25. 205

De acordo com a teoria da distribuição dinâmica do ónus da prova, cujo precursor, no seu desenho actual, foi, como se disse, o preclaro pro- cessualista argentino JORGE W. PEYRANO, o ónus probatório deveria ser distribuído não por causa da função que os factos desempenham no processo, mas, antes, em função do conceito de prova mais fácil, atribuin- do-o, especificamente, à parte que está casuisticamente em posição mais favorável de o demonstrar11. Deste modo, a concreta distribuição do ónus probatório deve au- tonomizar-se da natureza que os factos assumem no desenho processual (factos constitutivos ou impeditivos) quando e se essa natureza tornar impossível ou difícil a prova desses factos naturalísticos12. O que bem se compreende. Com efeito, a forma de distribuição do ónus da prova que acima se enunciou, não leva em conta as consequên- cias dessa repartição, nomeadamente com o efeito distributivo do ónus da prova. Consequentemente, em várias situações, o ónus da prova resul- ta atribuído a uma parte para quem é manifestamente difícil, ou mesmo praticamente impossível, demonstrar a ocorrência da versão onerada com o facto13. Para fazer face a este problema, alguns AA14 têm avançado uma solu- ção que se situa no âmbito da livre apreciação da prova. Por isso, sugerem que o julgador tenha em conta, no momento de apreciar as provas, que o onerado estava numa posição particularmente difícil para conseguir demonstrar os acontecimentos, devendo ser menos exigente na altura de considerar provados os factos principais, em comparação com o que aconteceria se tal dificuldade não se verificasse15. Continuando a acompanhar de muito perto o pensamento de MI- CAEL TEIXEIRA, tal raciocínio não pode ser sufragado, por duas ordens de razões.

11 Neste sentido, Micael Teixeira Por uma Distribuição Dinâmica do Ónus da Prova, Instituto do Conhecimento AB, Coleccão Estudos, N.º 2, Almedina, (2014), pp. 297-298. 12 Neste sentido, muito recentemente, Jorge W. Peyrano, “La prueba difícil”, in: Civil Procedure Review, Volume 2, n.º 1, January/April, 2011, (2011), pp. 86-96. 13 Micael Teixeira, Por uma Distribuição Dinâmica do Ónus da Prova, cit., p. 302. 14 No que toca à dificuldade de provar a ocorrência de factos negativos, Leo Rosenberg, La carga de la prueba, Bosch, Madrid, (2003), p. 378; Miguel Teixeira de Sousa, Sobre o ónus da prova em processo civil, Coimbra, (1998), p. 141. 15 Micael Teixeira, Por uma Distribuição Dinâmica do Ónus da Prova, cit., p. 304. 206

A primeira consiste na circunstância de, nas regras da experiência co- mum, que devem orientar a apreciação das provas, não ser possível incluir a eventual dificuldade que a parte onerada teve em recolhê-las. Efectiva- mente, se essa parte conseguir, apesar dos obstáculos, apresentar algumas provas, estas devem ser apreciadas como quaisquer outras, tendo em conta os conhecimentos da vida, da lógica, da regularidade ou da norma- lidade dos acontecimentos, critérios que indicam objectivamente a credi- bilidade das provas. Como tal, a título de exemplo, caso certa testemunha apresente incoerências no seu discurso, internas ou em comparação com outros meios de prova verosímeis, o julgador deve desvalorizar o respetivo depoimento, apesar da dificuldade probatória16. Além disso, será muito provável que, se certa parte se deparar com dificuldades probatórias, não consiga apresentar quaisquer provas para demonstrar a versão factual com que está onerada. E, neste caso, não existirão provas para apreciar, pelo que, também por este motivo, de nada serviria a menor exigência no que respeita à apreciação das provas17. Depois, mesmo que se entenda que a dificuldade em produzir a prova deva aligeirar a exigência do julgador com vista à consideração dos factos como provados, não podemos partilhar da opinião de que esse ali- geiramento fosse correcto, pelo menos no âmbito do direito privado. Isto porque, a medida da prova exigível neste âmbito é já a menos exigente que se pode conceber, ou seja, a prova preponderante. Esta não pode, portanto, ser aligeirada sob pena de se estar a considerar como provado um facto que, pelo contrário, se deveria tomar como não provado, por in- suficiência probatória, visto que a medida da prova seria inferior a 50 18% . Por conseguinte, é no âmbito da distribuição do ónus da prova, e não no âmbito da apreciação da prova, que a dificuldade de provar deve ser tida em conta, podendo aqui ser encontrada uma solução eficiente para aquele problema. Face ao exposto, e tal como já se referiu, a noção que constitui a base do funcionamento da distribuição dinâmica do ónus da prova é a da facilidade em produzir a prova, cujos linhas programáticas gizaremos sob a epígrafe i) cláusula geral - a facilidade relativa de produzir a prova; ii)

16 Micael Teixeira, Por uma Distribuição Dinâmica do Ónus da Prova, cit., p. 304. 17 Micael Teixeira, Por uma Distribuição Dinâmica do Ónus da Prova, cit., p. 304. 18 Micael Teixeira, Por uma Distribuição Dinâmica do Ónus da Prova, cit., p. 304. 207 a proximidade e o controlo dos factos; iii) os conhecimentos técnicos e o exercício de uma actividade enquanto profissional; iv) o acesso aos meios de prova. No que se refere à cláusula geral de facilidade relativa de produzir a prova, está implícita nesta a existência e a identificabilidade de casos em que exista um desequilíbrio entre as capacidades probatórias de cada par- te19, para que se atribua o ónus à parte que apresente a maior facilidade probatória20. Como tal, a aplicação desta forma de repartição do ónus da prova pressupõe que se concretize a cláusula da maior facilidade relativa de produzir a prova21. Numa tentativa de densificar a cláusula geral de facilidade relativa de produzir a prova, serão agrupados 3 (três) casos tipológicos, acima identificados em ii), iii) e iv), em sede dos quais será possível identificar as circunstâncias que podem determinar a existência de desigualdade na capacidade de produção da prova entre as partes. No que respeita ao critério da proximidade e do controlo dos factos, os casos em que com maior nitidez se verifica uma clara proximidade e con- trolo dos factos da parte a quem aproveita a versão privilegiada em relação à parte contrária (onerada com a prova) são algumas situações de ressarcimento de danos resultantes do incumprimento das chamadas obrigações de meios, nomeadamente no que diz respeito à prova dos requisitos da ilicitude22

19 Na doutrina argentina, Inés White, Cargas probatorias dinâmicas, Buenos Aires, (2012), p. 68. 20 Na doutrina argentina, Abraham Vargas, Cargas probatorias dinâmicas. Sus perfiles, Buenos Aires (2013), p. 10. 21 Micael Teixeira, Por uma Distribuição Dinâmica do Ónus da Prova, cit., p. 307. 22 Verdadeiramente, a ilicitude da actividade do médico será afirmada se concluirmos que a mesma consubstancia uma violação das leges artis impostas a um profissional prudente da respectiva categoria ou especialidade, mas não será necessário aquilatar se, na execução ou inobservância dos deveres que lhe são exigíveis, o médico actuou com diligência, cuidado ou prudência impostos a um profissional medianamente diligente, zeloso e cuidadoso, uma vez que tal juízo terá lugar ao nível de culpa. No fundo, a ilici- tude traduz-se numa desconformidade objectiva face aos comandos da ordem jurídica e a culpa num juízo de censurabilidade subjectiva à conduta desviante do lesante/deve- dor; neste sentido, Filipe Albuquerque Matos, “Responsabilidade civil médica: breves reflexões em torno dos respetivos pressupostos”, in: Cadernos de Direito Privado (CDP), n.º 43, Julho/Setembro 2013, (2013), p. 62; afirmando, ainda que noutro âmbito temático, a insuficiência do carácter residual da responsabilidade civil delitual, Manuel Carneiro Da Frada, Teoria da Confiança e Responsabilidade Civil, Coimbra, (2004), 208

(incumprimento)23, da culpa e do nexo de causalidade24. Nestes casos, por- tanto, a distribuição dinâmica do ónus da prova aconselha à inversão do ónus da prova25/26. Assim, no âmbito da classificação das obrigações como sendo de meios ou de resultado, adoptando o entendimento de PEDRO MÚ- RIAS/LURDES PEREIRA27, ambas as obrigações se caracterizam pela

pp. 271 e ss; na doutrina alemã, Fikentscher/Heinemann, Schuldrecht, 13. Auflage, (2015), pp. 736 e ss. 23 A jurisprudência dos tribunais superiores portugueses tem sistematicamente caminhado no sentido de que: não tendo sido provado o incumprimento dos deveres objectivos de cuidado por parte do médico, ou seja, a ilicitude, haverá lugar à absolvição do réu-médico (Acórdão do STJ, de 18/09/2007); a falta de prova da ilicitude determina a absolvição dos médicos, uma vez que não tendo havido prova do incumprimento ou do cumprimento defeituoso das leges artis, não se pode, por isso e subsequentemente, lançar mão da presun- ção de culpa do art.º 799.º, n.º 1, do CC (Acórdãos do STJ, de 2/10/2008/15/10/2009). No acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 1/7/2010, o Supremo Tribunal de Justiça considerou que a autora não tinha logrado fazer prova do exigível nexo de causalidade en- tre o diagnóstico errado e o agravamento das lesões sofridas. Todos os arestos encontram-se disponíveis em www.dgsi.pt. A posição de desvantagem do paciente lesado resulta, como parece ficar claro, da dificuldade inerente à actividade probatória; neste sentido também, Mafalda Miranda Barbosa, “A jurisprudência portuguesa em matéria da responsabilidade civil médica: o estado da arte”, in: Cadernos de Direito Privado (CDP), N.º 38, (Abr./Jun. 2012), cejur, Braga, (2012), p. 17. 24 No direito comparado, discreteando sobre as diferenças quanto ao ónus da prova entre responsabilidade contratual e extracontratual. Na doutrina alemã, Heinemann, Beweis- lastverteilung, (2015), 73-140. Fazem referência à mesma distinção Rödl, Die Spannung der Schuld, Duncker & Humblot, Berlim, (2014), CANARIS, Die Behandlung nicht zu vertretender Leistungshindernisse nach § 275 Abs. 2 BGB beim Stückkauf, JZ (2004/5), 214-225, e Lobinger, Die Grenzen rechtsgeschäftlicher Leistungspflichten, Mohr Siebeck, Tübingen, (2014). Na doutrina inglesa, Treitel, The law of contract, 13.ª ed., Sweet & Maxwell, Londres, (2015), 780-781. 25 Micael Teixeira, Por uma Distribuição Dinâmica do Ónus da Prova, cit., p. 309. 26 Não podemos, na verdade, ignorar os múltiplos obstáculos colocados ao paciente en- quanto leigo para alcançar a demonstração dos pressupostos da responsabilidade do médico: desde logo, o difícil acesso aos registos clínicos, assim como a onerosidade coenvolvida na convocação de peritos. A inversão do ónus da prova alivia significa- tivamente a posição do paciente enquanto credor da obrigação de indemnizar; neste sentido, Filipe Albuquerque Matos, “Responsabilidade civil médica: breves reflexões em torno dos respetivos pressupostos”, in: Cadernos de Direito Privado (CDP), n.º 43, Julho/Setembro 2013, (2013), p. 65. 27 Pedro Múrias/Lurdes Pereira, “Obrigação de meios, obrigação de resultado e custos de produção”, in: Estudos em Memória do Professor Doutor Paulo Cunha, Almedina, Coim- bra, (2012), pp. 999 e ss. 209 referência a um resultado28, sendo que, nas de meios, a obrigação consiste na tentativa adequada de causar esse resultado, nas de resultado consiste

28 Existem algumas actividades médicas onde se pode visualizar a assunção de verdadeiras obrigações de resultado: a cirurgia estética de embelezamento e a odontologia, para além de outras situações. Quanto à cirurgia estética de embelezamento, há realmente quem sustente, com o fundamento de o médico intervir em corpo são, a sujeição do tratamento dos danos deste âmbito registados aos cânones das obrigações de resul- tado, ao invés de quanto sucede no campo da cirurgia estética reconstrutiva, onde se deve seguir o regime-regra delineado na existência de uma obrigação de meios. A colocação de próteses, ou certas operações onde os objectivos a alcançar não depen- dem senão da competência técnica dos médicos, pode configurar-se como obrigações de resultado. Porém, certas actividades dentárias mais complexas, porquanto não se encontram dependentes de factores diversos do estrito cumprimento das leges artis, devem considerar-se incluídas na categoria das obrigações de meios. Em face de quanto acabámos de mencionar, parece fazer sentido, tal como defende uma certa orientação doutrinal, a necessidade de abandonar uma perpectiva global da actuação do médico, considerando cada fragmento individualizável da mesma, e, desta forma, atendendo à álea que o caracteriza, poder-se-ão distinguir obrigações fragmentárias de actividade e obrigações fragmentárias de resultado (neste sentido, Filipe Albuquerque Matos, “Res- ponsabilidade civil médica: breves reflexões em torno dos respetivos pressupostos”, cit., p. 68, no mesmo sentido, Rute Teixeira Pedro, A Responsabilidade Civil do Médico – reflexões sobre a noção de perda de chance e a tutela do doente lesado, Coimbra, Coimbra Editora, (2008), pp. 98-99). Concluindo, a referida doutrina defende a admissibilida- de da presunção de culpa do médico-réu-devedor no âmbito das obrigações de meios (art.º 799.º, n.º 1, do CC ou 493.º, n.º 2, do CC- configurando a actividade médica, como uma actividade perigosa – vide o caso das transfusões de sangue – cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 13/3/2007, relator Nuno Cameira, disponível em www.dgsi.pt ). A doutrina tem enfatizado que, no âmbito da responsabilidade civil por acto médico, nas obrigações de meios aquilo que está in obligatio é a realização de uma actividade médica, de acordo com os padrões de diligência exigíveis a um profissional da respectiva categoria. Desta feita, se na sequência da intervenção médica se regista- rem ou agravarem os danos do paciente, presume-se a culpa do profissional de saúde, independentemente deste não se ter comprometido a alcançar o resultado da cura. Não faz sentido afirmar que nestas situações a presunção de culpa não se revela aplicável em virtude do devedor não se ter vinculado à obtenção de um resultado; neste sentido, Filipe Albuquerque Matos, “Responsabilidade civil médica: breves reflexões em torno dos respetivos pressupostos”, cit., p. 68; contra, no sentido de que a presunção de culpa não se aplica em sede das obrigações de meios, Miguel Teixeira De Sousa, “Sobre o ónus da prova nas Acções de Responsabilidade Médica”, in: Direito da Saúde e Bioética, Lisboa, AAFDL, (1996), p. 137, M. ROSÁRIO NUNES, O ónus da prova nas acções de Responsabilidade Civil Médica por Actos Médicos, (2005), p. 48; na jurisprudência, Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 19/4/2007, Acórdão do Tribunal da Re- lação do Porto, de 20/07/2006, ambos disponíveis em www.dgsi.pt. 210

na efectiva produção do resultado, em consequência do comportamento do devedor. Consequentemente, é natural que, nas primeiras, pressupon- do que houve alguma tentativa, a demonstração de que esta foi culposa- mente inadequada à produção do resultado e de que existe um nexo de causalidade (naturalístico e adequado) entre aquela inadequação e a pro- dução do dano, é claramente mais difícil do que a prova dos mesmos ele- mentos nas obrigações de resultado, nas quais o incumprimento consiste na própria não verificação do resultado e é essa situação a (supostamente) determinar a ocorrência do dano29. De facto, é em sede dos casos de incumprimento de obrigações de meios, mormente no âmbito da prestação de cuidados médicos, que se suscita primacialmente a questão da distribuição do ónus da prova através da distribuição dinâmica. Com efeito, na prestação destes serviços médicos, em particular quando estejam em causa intervenções médicas susceptíveis de causar danos graves (nomeadamente as intervenções cirúrgicas), surgem dificul- dades probatórias no que respeita à demonstração da ilicitude, a culpa e o nexo de causalidade motivadas pelo afastamento e pela ausência de controlo que o paciente, enquanto parte onerada com a prova, tem sobre o facto danoso. Pelo contrário, será o médico que estará mais próximo e que assumirá o controlo sob a intervenção, por vezes mesmo de forma absoluta, sem qualquer possibilidade de o paciente poder sequer presen- ciá-la, nomeadamente nos casos em que esteja anestesiado. Além disso, o médico tem obviamente acesso a dados clínicos e a conhecimentos técnicos relativamente ao facto danoso de que o paciente, à partida, não dispõe30. Por isso, de acordo com o critério da distribuição dinâmica do ónus da prova, este deverá, no que diz respeito à prova da não verificação daqueles elementos (inobservância dos requisitos da responsabilidade civil por acto médico, concretamente, a ilicitude, a culpa e o nexo de causalidade entre o facto e a produção do dano) caber ao réu-médico31.

29 Micael Teixeira, Por uma Distribuição Dinâmica do Ónus da Prova, cit., p. 310. 30 Micael Teixeira, Por uma Distribuição Dinâmica do Ónus da Prova, cit., pp. 310-311. 31 Os tribunais superiores argentinos têm reafirmado esta prática, sendo paradigmático o acórdão da Corte Suprema de Justicia de la Nácion, de 10 de Dezembro de 1997 (Ana Maria Pinheiro). Com efeito, desta decisão, que se refere à responsabilidade civil por 211

De facto, tendo este presenciado e controlado a intervenção cirúrgica e conhecendo melhor os procedimentos e os possíveis resultados da mes- ma, estará naturalmente em melhores condições de apresentar provas que sejam coerentes e persuasivas de que, por exemplo, respeitou as leges artis aplicáveis ao caso e actuou com a diligência e o zelo exigíveis a um profissional medianamente diligente e zeloso na sua especialidade médica (não verificação da culpa nem da ilicitude) e/ou de que os danos verifica- dos não eram de todo previsíveis ou que se ficaram a dever a uma causa diferente da intervenção médica (não verificação do nexo de causalidade). Deste modo, a maior facilidade probatória do médico não é afectada por ele ficar onerado com a prova de um facto negativo, pois poderá demons- trar a não-causalidade através da prova de algum facto positivo que tenha maior facilidade em demonstrar (por exemplo, a prova do cumprimento de todas as boas práticas aplicáveis ao caso)32. Além dos danos causados em resultado de actos médicos33, vários

acto médico (realização de um parto), podemos, acompanhando a doutrina citada na nota anterior, destacar a seguinte passagem «no tema da mala praxis médica deve acatar-se, em princípio- o antigo aforismo processual ónus probandi incumbit actore, assim como são aplicáveis, nesta sede, as normas de culpa subjectiva. No entanto, como a maioria destes casos se referem a situações extremas de muito difícil demons- tração, assume uma enorme importância o conceito de «distribuição dinâmica do ónus da prova» ou «prova partilhada», que onera quem se encontre em melhores condições de apresentar em juízo os elementos tendentes à obtenção da verdade objectiva (os mé- dicos ou o hospital, por terem conhecimentos técnicos e participado directamente no facto danoso)». 32 Micael Teixeira, Por uma Distribuição Dinâmica do Ónus da Prova, cit., p. 311. 33 Após um longo e intenso debate legislativo, a Assembleia Legislativa de Macau apro- vou, nos termos da alínea da alínea 1) do art.º 71.º da Lei Básica da Região Adminis- trativa Especial de Macau, a criação da Lei n.º 5/2016 que, por sua vez, instituiu o novo regime jurídico do erro médico. A referida Lei n.º 5/2016, que foi aprovada no dia 12 de Agosto de 2016, entrou em vigor 180 dias após a data da sua publicação (art.º 43.º, da Lei N.º 5/2016) O novo regime jurídico do erro médico tem como finalidade a salvaguarda dos direitos e interesses legítimos dos utentes e dos prestado- res dos cuidados de saúde (art.º 1). Todavia, a modalidade da responsabilidade civil dos prestadores dos cuidados de saúde (art.º 20.º) prevista no regime jurídico do erro médico – a responsabilidade civil por actos ilícitos – coloca o utente numa posição processual desfavorável em relação aos prestadores dos cuidados de saúde. Com efeito, estando a responsabilidade civil dos prestadores dos cuidados de saúde sujeita ao regi- me jurídico da responsabilidade civil por factos ilícitos (art.º 20.º), colocou-se o utente numa posição de fragilidade (desde logo, no que respeita a prova dos factos ilícitos), uma vez que o mesmo terá de fazer prova de todos os requisitos da responsabilidade 212

outros casos se podem enumerar em que, da mesma forma, a distribuição dinâmica do ónus da prova aconselha que se atribua este ónus a uma parte distinta daquela que o suporta de acordo com a distribuição decorrente do art.º 342.º, do Código Civil de Macau de 1999 e do art.º 335.º, n.º 1 e 2, do Código Civil de Macau de 199934, também esta parte não é a que se

civil extracontratual, a saber, i) facto voluntário; ii), a ilicitude; iii), a culpa; iv), o dano; e v), o nexo de causalidade entre o facto voluntário e a produção do dano; o que, atento o facto de, por regra, estarmos em face de um utente que, compreensivelmente, não domina a complexidade da actividade médica, torna essa prova muito difícil ou (quase) impossível. E esse desequilíbrio na produção da prova previsto no novo regime jurídico do erro médico da Região Admmistrativa Especial de Macau, que está a cargo do utente, é agravado, em certa medida, pela própria formatação do ónus da prova pre- vista no Código Civil de Macau de 1999, que tem subjacente a teoria das normas de Leo Rosenberg. Com efeito, o Código Civil de Macau, seguindo o exemplo do BGB (Bürgerliches Gezetzbuch) alemão, preocupa-se em delimitar, em termos inequívocos, a diferença entre facto constitutivo e facto impeditivo (art.º 335.º, n.º 1 e 2, do Código Civil de Macau). De harmonia com a denominada teoria das normas, que teve em leo rosenberg o principal defensor, há que identificar o que é a regra e o que é a excepção na norma de direito substantivo e esta tarefa do intérprete está facilitada quando a excepção é introduzida por palavras como “excepto”, “salvo se”, “a não ser que”, “mas”, constantes, nomeadamente, e sem preocupação de exaustividade, e.g., no art.º 493.º, n.º 3, art.º 495.º, art.º 498.º, art.º 502.º, n.º 1, art.º 902.º, n.º 1, art.º 904.º, n.º 1, todos do Código Civil de Macau. Todavia, nos casos em que o Código Civil de Macau faz essa distinção a tarefa do intérprete está facilitada. A verdadeira dificuldade surge, porém, quando, por um lado, a lei não prevê qualquer distinção entre o que constitui regra e o que constitui excepção e, por outro lado, mesmo quando essa distinção é feita, a lei acabe por fazer recair sobre a parte processualmente mais fraca (o utente) o ónus da prova dos factos constitutivos que alega, ou seja, o erro médico do prestador dos cuidados de saúde (factos ilícitos), tornando essa prova, em face da dificuldade que lhe é inerente, muito difícil ou mesmo impossível. Para aligeirar esse desequilíbrio, o legis- lador de Macau poderia ter levado em conta alguns contributos de direito comparado, nomeadamente referentes aos mecanismos simplificadores da actividade probatória do lesado em matéria da responsabilidade civil por acto médico, tais como o recurso às máximas da experiência resultantes da regra do “id quod plerumque accidit” em Itália; da prova prima facie ou de primeira aparência (Anscheinbeweis) na Alemanha; da res ipsa loquitur ou do dano desproporcionado; das presunções “graves, precises et concordantes” (art.º 1353.º, do Code Civil) em França, e, por último, da teoria da perda de chance. 34 Note-se que, em todos os exemplos a que se fez referência no texto, acompanhando de muito perto a doutrina citada nas notas que antecedem, a teoria da distribuição dinâmica do ónus da prova determina apenas que, em comparação com o critério dis- tributivo deste ónus da prova que consta do art.º 342.º, n.º 1 e 2, do Código Civil de Portugal de 1966 e do art.º 335.º, n.º 1 e 2, do Código Civil de Macau de 1999, haja inversão do ónus probandi relativamente àqueles factos principais em que se verifique 213 encontra mais próxima ou que possui o controlo efectivo do facto cuja demonstração está em causa. Enunciados de forma breve poderemos avançar os seguintes exemplos: a) a atribuição ao demandado, parte no negócio (razão da maior proximidade e do controlo do facto), do ónus da prova de que este não fora simulado, em acção judicial em que um terceiro vise a declaração de nulidade do negócio simulado35; b) a im-

que a parte onerada segundo aquele preceito do Código Civil de 1966 e do Código Civil de Macau de 1999 não seja a que apresente maior facilidade probatória. Ora, tal nem sempre se verificará relativamente a todos os factos principais cuja prova é relevan- te nos exemplos acima avançados. Concretizemos, acompanhando a doutrina citada, com o exemplo da responsabilidade civil por actos médicos: a prova da inexistência de culpa ou de ilicitude ou de que o dano não se ficou a dever à intervenção mé- dica (nexo de causalidade), por ser comparativamente mais fácil ao médico do que a versão contrária seria ao paciente, cabe, segundo a distribuição dinâmica do ónus da prova, ao médico, verificando-se, a este respeito, uma inversão da distribuição deste ónus da prova que resultaria do art.º 342.º, n.º1 e 2, do CC; diferentemente, a prova da verificação do facto voluntário e do dano, visto ser mais fácil ao paciente do que a versão inversa seria ao médico (critério da proximidade e controlo dos factos), cabe, segundo a ideia de que tratamos, ao paciente, mantendo-se aqui o resultado distribu- tivo decorrente do referido preceito legal; MICAEL TEIXEIRA, Por uma Distribuição Dinâmica do Ónus da Prova, cit., p. 312 nota 112. 35 Pretendendo o recorrente inculcar a ideia de que ocorreu um acordo simulatório entre ele, e o recorrido, consistente em, por codilho entre ambos, com intenção de acarretar prejuízo para a autora original, traduzido na execução do imóvel dado como garantia do mútuo, ter o primeiro usado em seu benefício a quantia mutuada, sendo tal facto do conhecimento do recorrido, incumbia-lhe provar ter exorbitado ou extravasado os poderes que haviam sido conferidos por aquela através do mandato, sem o que não se poderá concluir pela existência de simulação (Neste sentido, recentemente, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 20/10/2015, relatado pelo Conselheiro Gabriel Cata- rino, disponível em www.dgsi.pt). Com efeito, a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, tem entendido maioritariamente que, por força da aplicação da proibição contida no art.º 394.º, n.º 1, do CC ao acordo simulatório e ao negócio dissimulado, quando invocados pelos simuladores (n.º 2 do mesmo preceito), é vedado o recurso a testemunhas para a prova quer do pacto simulatório quer do negócio real, em caso de simulação relativa, quando o negócio aparente esteja titulado por documento autêntico ou particular. É, pois, de permitir o recurso a testemunhas para a prova da simulação quando não for arguida pelos simuladores, ou seja, quando for invocada por terceiros (n.º 3 do citado art.º 394.º), excepção que se justifica pela dificuldade que teriam terceiros de obterem documentos probatórios da trama simulatória, justamente dada essa sua qualidade. Todavia, esta proibição não reveste carácter absoluto, vindo a juris- prudência a admitir, de há muito, a prova testemunhal quando por documentos haja um princípio de prova escrito desse acordo simulatório. (Neste sentido, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 04/05/2010, relatado pelo Conselheiro Cardoso de Albuquerque, disponível em www.dgsi.pt). 214

putação do ónus da prova à parte que se prevalece do regime aplicável à pessoa colectiva, nomeadamente a consciência e a intencionalidade do abuso daquela (bem mais próximos da parte que se prevalece deste regi- me), sempre que esta não decorra de uma prescrição legal concreta36; c) em acção que vise a impugnação pauliana de acto oneroso, a atribuição

36 De facto, nos casos em que a lei prevê a desconsideração da personalidade colectiva para efeitos determinados (cfr., por exemplo, os arts.º 84.º, n.º 1 e art.º 270.º F, n.º 4 do CSC) não se exige, à partida, a prova de requisitos com elevada dificuldade pro- batória. Pelo contrário, sempre que a superação da personalidade colectiva assente em prescrições legais mais genéricas, como ocorre com o abuso de direito, surgirão dificul- dades probatórias a que a distribuição dinâmica procura atender; Micael Teixeira, Por uma Distribuição Dinâmica do Ónus da Prova, cit., p. 312 nota 114; na doutrina espa- nhola, Carlos Pastor, Cargas Probatórias Dinâmicas, Buenos Aires, (2012), pp. 419 e ss. Aqui, quando a desconsideração da personalidade jurídica assenta em grupos de casos de extracção essencialmente doutrinal e jurisprudencial (v.g., mistura de patrimónios sociais e pessoais; património da sociedade comercial utilizado para fins pessoais dos só- cios; apropriação de bens da sociedade comercial por parte dos sócios; descapitalização provocada), as coisas, do ponto de vista da distribuição do ónus da prova, complicam- -se ainda mais: porquanto se a descapitalização, diferentemente da subcapitalização, se verifica quando os recursos disponibilizados pelos sócios – adequados e suficientes ao exercício da actividade societária – se perdem no decurso da exploração e do desenvol- vimento da actividade societária, e, no caso da descapitalização provocada, como acto voluntário dos administradores, implica, ou a “Existenzvernichtung” (“a aniquilação da existência” da empresa societária) ou a “HaftungsDurchgriff” (“os sócios de uma deter- minada sociedade comercial são chamados a responder, perante os credores da mesma, pelas dívidas da sociedade comercial”), como é que se distribui o ónus da prova nestes casos?; sobre a temática da desconsideração da personalidade jurídica, na doutrina alemã, Jochen Vetter Die neue dogmatische Grundlage des BGH zur Existenzvernichtun- ghaftung, BB, (2007), 1965 e ss; Neste sentido, na doutrina alemã, Friedrich Kübler/ Heinz – Dieter Assmann Gesellschaftrecht. Die privatrechtlichen Ordnungsstrukturen und Regelungsprobleme von Verbändes und Unternehmen, 9. Auflage, C.F. Müller, Heildel- berg, (2014), pp. 370 e ss; na doutrina portuguesa, Maria De Fátima Ribeiro, A Tutela dos Credores da Sociedade por Quotas e a “Desconsideração da Personalidade Jurídica”, Tese de Doutoramento, Coimbra, Almedina, (2009), pp. 134 e ss; mais recentemente, Diogo Costa Gonçalves, “Apontamentos sobre a desconsideração da personalidade jurídica no projecto de Código Comercial Brasileiro”, in: Revista de Direito das Socie- dades (RDS), Ano VII (2015), Número 2, Almedina, Coimbra, (2016), pp. 297-325; Maria De Fátima Ribeiro, “A desconsideração da personalidade jurídica: as realidades brasileira e portuguesa”, in: Direito das Sociedades em Revista (DSR), Março 2016, Ano 8, Volume 15, Almedina, Coimbra, (2016), pp. 29-58; na doutrina de Macau, Augusto Teixeira Garcia, “Grupos de sociedades e desconsideração da personalidade jurídica em Macau”, in: Um diálogo consistente. Olhares recentes sobrre temas do Direito Português e de Macau, Fundação Rui Cunha/Associação de Estudos de Legislação e Jurisprudência de Macau, STA Lawyers, Macau, China, (2016), pp. 47-68. 215 do ónus da prova da não verificação de má fé ao devedor, visto ser este a participar nesse acto (art.º 612.º, n.º 1, do CC); d) numa acção que vise o cancelamento ou a transferência de um nome de domínio.pt na internet, atribuir ao demandado (titular do domínio) o ónus da prova da existência de direitos ou interesses legítimos na utilização do nome e de que o domínio não fora registado nem utilizado de má-fé (art.º 43.º, n.º 2, alíneas b) e c) e § único do Regulamento de Registos de Domínios.PT); e) em qualquer acção judicial em que seja relevante determinar a ocor- rência de um acto de concorrência desleal ou publicidade ilícita, onerar o demandado com o ónus da prova da veracidade das suas declarações publicitárias ou de efeito concorrencial, visto que estará muito mais pró- ximo dos elementos que permitem atestar essa veracidade37; f) em acção judicial proposta por um terceiro beneficiário de um contrato de seguro contra o segurador (parte do contrato, mais próxima do mesmo), atri- buir a este o ónus da prova da inexistência ou ineficácia do contrato de seguro38; g) em acção de preferência legal intentada nos termos e para os efeitos contidos no art.º 1380.º, n.º 1 e do art.º 18.º, n.º 1, do Decreto- -Lei n.º 384/88, de 25/10, o ónus da prova deverá impender sobre o ad- quirente do prédio alineado, na medida em que, por ser um facto pessoal, este está em melhores condições processuais (prova mais fácil) de provar que é proprietário de um prédio que confina com o prédio alienado – facto positivo e constitutivo39; h) nas acções sobre o reconhecimento da

37 Refira-se que a repartição do ónus probandi que a distribuição dinâmica aconselha nestes dois casos é a que se encontra expressamente prevista no ordenamento jurídico espanhol, nomeadamente no art.º 217.º, n.º 4 da Ley de Enjuyciamiento Civil (LEC). Entre nós existem também algumas normas que apontam no mesmo sentido (art.º 16.º, n.º 5 do Código da Publicidade, relativo à publicidade comparativa), mas, em regra, continua a caber ao autor o ónus da prova da falsidade das declarações do demandado (art.º 317.º, n.º 1, art.º 318.º, do CPI, art.º 10.º, do Código da Publici- dade); Micael Teixeira, Por uma Distribuição Dinâmica do Ónus da Prova, cit., p. 313 nota 126. 38 Micael Martins Teixeira, Por uma Distribuição Dinâmica do Ónus da Prova, cit., p. 313. 39 É corrente afirmar-se na jurisprudência que constituem requisitos deste direito de preferência: a) que tenha sido vendido, dado em cumprimento, um prédio rústico, ou que se projecte a sua venda ou dação em cumprimento; b) que o preferente seja pro- prietário de prédio confinante com esse; c) que o prédio alienado ou alienando tenha área inferior à unidade de cultura; d) que o adquirente não é proprietário de nenhum prédio que confine com o prédio alienado. O adquirente deve ser onerado com o ónus 216

propriedade privada sobre domínio público hídrico (n.º 1 do artigo 15.º da Lei n.º 54/2005) não deverá ser o interessado que pretenda obter o reconhecimento da sua propriedade sobre parcelas de leitos ou margens das águas do mar ou de quaisquer águas navegáveis ou flutuáveis, a pro- var documentalmente a entrada no domínio privado, por título legítimo, do respectivo terreno em data anterior a 31 de Dezembro de 1864 ou a 22 de Março de 1868, tratando-se de arribas alcantiladas; mas, ao invés, deverá ser o Estado-Administração, a provar que aquelas parcelas, nas datas acima referidas, não se encontravam em domínio privado, mas sim no domínio público, visto que o Estado-Administração estará muito mais próximo dos elementos probatórios que permitem atestar essa realidade fáctica através de registos cadastrais, notariais e registrais40/41, sendo certo que, nos casos em que a lei garante a admissibilidade de outros meios de prova (v.g., testemunhal), essa prova volve-se em uma prova impossível na medida em que não haverá, em bom rigor, ninguém ainda vivo que possa atestar que aquelas parcelas, nas datas acima referidas, já se encontravam em domínio privado.

Relativamente ao critério dos conhecimentos técnicos e o exer- cício de uma actividade enquanto profissional, é mister afirmar-se que o outro tipo de fundamento que pode explicar a maior facilidade

da prova de demonstrar que é proprietário de um prédio confinante com o alienado, uma vez que, em harmonia com o que normalmente acontece com os factos negati- vos, a verificação do pressuposto de que o adquirente não é proprietário de nenhum prédio que confine com o alienado dependeria, se o ónus da alegação e da prova fosse do preferente, da verificação que não ocorreu qualquer facto constitutivo do direito de propriedade do adquirente sobre qualquer prédio que confine com o alienado. Não é duvidoso que, estando a cargo do adquirente, a prova será muito mais fácil do que estando a cargo do preferente. É-o sobretudo porque estão em causa factos pessoais do adquirente: este está em melhores condições do que qualquer outro para os trazer ao processo; neste sentido, José Lebre De Freitas, “A propriedade de prédio confinante na norma do art.º 1380.º, n.º 1, do Código Civil. Facto constitutivo e facto impeditivo”, cit., p. 22. 40 Este caso tipológico poder-se-ia denominar de critério do monopólio ou senhorio dos meios de prova. Todavia, porque ainda não tivemos oportunidade de o densificar con- venientemente (o que ficará para uma outra ocasião), não autonomizaremos, por ora, tal situação-tipo. 41 Aproximadamente neste sentido, José Miguel Júdice/José Miguel Figueiredo, Acção de Reconhecimento da Propriedade Privada sobre Recursos Hídricos, Coimbra, Almedina, 2ª edição, (2016), passim. 217 relativa de produzir a prova é o acesso aos conhecimentos técnicos re- levantes na demonstração de algum elemento cuja prova seja relevante, embora o lesado beneficie de uma inversão do ónus da prova quanto à culpa do devedor (art.º 799.º, n.º 1, do Código Civil de 1966 e do art.º 788.º, n.º 1, do Código Civil de Macau de 1999). Este factor de facilidade probatória surge frequentemente, embora não necessariamente, associado ao exercício de uma actividade profissional, visto que sendo a parte um profissional, este deverá ter um acesso mais fácil, rápido e completo aos respectivos conhecimentos técnicos e ao modo concreto de proceder nessa actividade, o que poderá colocá-lo numa posição de vantagem probatória42, sendo exemplos frisantes: um electricista que seja demandado pelos danos decorrentes de um incêndio que o autor alega ser o resultado de uma má instalação eléctrica, ou de um canalizador a quem sejam pedidas responsabilidades por uma inundação que o autor apresenta como sendo o resultado de uma errada reparação na canalização realizada pelo réu. Em ambos os casos, o profissional estará, em princípio, em melhores condições de demonstrar a licitude da sua acção do que o autor em provar a ilicitude da actuação da parte contrária43; novamente recorrendo aos exemplos das obrigações de meios, onerar a agência de avaliação do risco de crédito com a prova de que não actuou com culpa nem ilicitude e de que não se verificou o nexo de causalidade adequada, em acção em que esta seja demandada pela entidade avaliada ou por ter- ceiros destinatários dessa informação44.

Em sede do critério dos conhecimentos técnicos e o exercício de uma actividade enquanto profissional, as coisas estão um pouco mais facilitadas, quer porque a lei já prevê a inversão do ónus da prova quan- to à culpa do devedor (art.º 799.º, n.º 1, do Código Civil de Portugal, e art.º 788.º, n.º 1, do Código Civil de Macau de 1999), quer porque a teoria da distribuição dinâmica do ónus da prova seria aplicada, justa- mente, do ponto de vista da inadmissibilidade de ónus da prova a cargo do consumidor quanto ao mau funcionamento do sistema informático de homebanking (art.º 70.º, n.º 1 e 2 do Regime dos Sistemas de Pa- gamento (RSP), porquanto é o prestador de serviços de homebanking

42 Micael Teixeira, Por uma Distribuição Dinâmica do Ónus da Prova, cit., p. 314. 43 Micael Teixeira, Por uma Distribuição Dinâmica do Ónus da Prova, cit., p. 314. 44 Micael Teixeira, Por uma Distribuição Dinâmica do Ónus da Prova, cit., p. 314. 218

quem tem maior facilidade em demonstrar a versão factual que lhe aproveita, ou seja, a de que a utilização fraudulenta do serviço de home- banking por parte de terceiros não se deveu ao mau funcionamento do sistema informático.

Esta conclusão é reforçada pela ideia de que estão em causa factos pessoais do prestador de serviços de homebanking: este está em melhores condições do que qualquer outro (incluindo o consumidor-autor) para os trazer ao processo, na medida em que são factos pertencentes à sua “esfera de risco”45, entendido como critério suplementar de distribuição do ónus da prova, ou, melhor dizendo, são factos pertencentes ao “círculo de vida” em que o facto se produz46/47.

A esta luz, acolhe-se a denominada teoria das esferas de risco48, que preconiza uma ligação umbilical entre o ónus da prova e a dicotomia obrigações de meios/obrigações de resultado49, e cuja aplicação (até agora) cingida à responsabilidade civil por acto médico, poderá ser mobilizada para o âmbito do Direito Processual Civil de Portugal e de Macau50.

Relativamente ao critério do acesso aos meios de prova, é mister afirmar-se que o que é relevante na distribuição dinâmica do ónus da prova é a capacidade das partes poderem aceder aos meios de prova rele- vantes para a demonstração dos factos em causa, devendo aquele ónus ser atribuído à parte que, com maior facilidade relativa, conseguir aceder aos

45 Neste sentido, José Lebre De Freitas, “A propriedade de prédio confinante na norma do art.º 1380.º, n.º 1, do Código Civil. Facto constitutivo e facto impeditivo”, cit., p. 22, nota 10. 46 Neste sentido, na doutrina alemã, Baumgärtel, Beweislastpraxis im Privatrecht, Köln, Karl Heymannns Verlag, (2014), p. 218. 47 Neste sentido, entre nós, monograficamente, pedro múrias, Por uma distribuição fun- damentada do ónus da prova, Dissertação de Mestrado, Lisboa, Lex, (2000), p. 134. 48 Neste sentido, Pedro Múrias, Por uma distribuição fundamentada do ónus da prova, cit., p. 137. 49 Neste sentido, na doutrina alemã, pioneiramente, PRÖLSS, J., Die Beweislastverteilung nach Gefahrenbereichen, VersR, 33 (A), (1964), pp. 901-906. 50 Parecendo expressar a admissibilidade de aplicação da teoria das esferas de risco a ou- tros âmbitos temáticos, Pedro Múrias /Maria De Lurdes Pereira, “Obrigação de meios, obrigações de resultado e custos de produção”, in: Centenário do Nascimento do Pro- fessor Doutor Paulo Cunha, Estudos em Homenagem, Coordenador: António Menezes Cordeiro, Almedina, Coimbra, (2012), p. 1012. 219 mesmos51: esta questão pode levantar-se em qualquer tipo de casos, de modo que não se justifica a realização de exemplos. Refira-se, contudo, que este constitui o único factor de dificuldade probatória que o legislador reconheceu de forma genérica e a que atribuiu um regime efectivamente dirigido à protecção da parte com maior difi- culdade relativa de produzir a prova e à descoberta da verdade, que consta essencialmente dos arts.º 344.º, n.º 2, do CC de 1966, do art.º 337.º, n.º 2, do Código Civil de Macau de 1999 e art.º 417.º, n.º 2 do CPC de 2013. Na verdade, decorre da conjugação daqueles dois preceitos legais, entre outras, a prescrição de que, caso uma parte tenha acesso exclusivo ou facilitado a um meio de prova, pode a parte contrária pedir ao juiz (ou pode este fazê-lo oficiosamente) que ordene àquela a apresentação desse meio (v.g. um documento; o fornecimento da identidade de uma teste- munha; o acesso a determinado local). Caso a parte a quem a ordem se dirige se recuse a cumpri-la, existem duas consequências: primeiramente, o juiz deverá levar em conta essa recusa no âmbito da livre apreciação da prova, como um factor contributivo para a demonstração da versão do facto desfavorável à parte incumpridora (art.º 417.º, n.º 2, do CPC); depois, caso o incumprimento da ordem implique a impossibilidade de a parte contrária (onerada com a prova) provar a versão do facto que a fa- vorece, então o ónus da prova é invertido, passando a ser suportado pela parte incumpridora52. Como bem afirmam Jorge Morais Carvalho/Micael Teixeira, esta ideia justifica-se dado que, deste modo, se estimula a efectiva produção de prova e a procura da verdade material, onerando a parte com maior facilidade probatória, bem como se promove a igualdade material entre as partes, dando a ambos maior igualdade na possibilidade de fazerem valer a posição em juízo. Isto porque a parte com maior facilidade probatória pode efectivamente demonstrar a versão do facto que lhe aproveita e a parte contrária, apesar de ter menor facilidade em provar, pode sempre beneficiar de uma decisão de ónus da prova, caso a outra parte não consiga realizar a prova.53

51 Micael Teixeira, Por uma Distribuição Dinâmica do Ónus da Prova, cit., p. 316. 52 Micael Teixeira, Por uma Distribuição Dinâmica do Ónus da Prova, cit., p. 316. 53 Neste sentido, Jorge Morais Carvalho/Micael Teixeira, “Crédito ao consumo-ónus da prova da entrega de exemplar do contrato e abuso do direito de invocar a nulidade”, in: 220

Porquanto, por um lado, no plano de direito substantivo, só desse jeito será possível repôr a equivalência subjectiva entre a prestação e a contraprestação contratualmente fixada pelas partes54/55/56, e, por outro, no plano do direito adjectivo, garantir a prossecução do princípio da efectividade57, do dever de verdade processual58/59, e da justa composição do litígio em prazo razoável60, enquanto corolários do princípio da celeri- dade61 e da economia processuais62.

Cadernos de Direito Privado (CDP), n.º 42, Abril/Junho 2013, cejur, Coimbra Editora, (2013), Coimbra, p. 47. 54 Neste sentido, Catarina Monteiro Pires, “A Resolução do contrato por incumprimento e impossibilidade de restituição em espécie”, in: O Direito, Ano 144.º (2012), Volume III, Director: Jorge Miranda, Almedina, Coimbra, (2013), p. 669. 55 No mesmo sentido, na doutrina alemã, Claus-Willem Canaris “Aquivalenzvermutung und Äquivalenzwahrung im Leitstungsstörungsrecht des BGB”, in: Festschrift für Her- bert Wiedemann, Beck, München, (2002), pp. 4-5. 56 No mesmo sentido, Catarina Monteiro Pires, “A prestação restitutória em valor na resolução por incumprimento”, in: Estudos em Homenagem a Miguel Galvão Teles, Vo- lume II, Almedina, Coimbra, (2012), p. 703. 57 Neste sentido, Miguel Mesquita, “A flexibilização do princípio do pedido à luz do mo- derno Processo Civil”, in: Revista de Legislação e Jurisprudência (RLJ), Ano 143.º, 3983, Novembro-Dezembro 2013, Director: António Pinto Monteiro, Coimbra Editora, Coimbra, (2013), p. 143. 58 Neste sentido, José Luís Bonifácio Ramos, “Questões relativas à Reforma do Código de Processo Civil”, in: O Direito, Ano 144.º, 2012, Volume III, Director: Jorge Miran- da, Almedina, Coimbra, (2013), p. 669. 59 Neste sentido, José Luís Bonifácio Ramos, “Desígnios do “novo” Código de Processo Civil”, in: O Direito, Ano 145.º (2013), Volume IV, Director: Jorge Miranda, Almedi- na, Coimbra, (2014), p. 814. 60 Neste sentido, Miguel Teixeira de Sousa, “Apontamentos sobre o princípio da gestão processual no novo Código de Processo Civil”, in: Cadernos de Direito Privado (CDP), n.º 43, Julho/Setembro 2013, cejur, Coimbra Editora, Coimbra, (2013), p. 10. 61 Neste sentido, Isabel Alexandre, “A fase de instrução e os novos meios de prova no Código de Processo Civil de 2013”, in: Revista do Ministério Público (RMP), n.º 134, Ano 34, Abril-Junho 2013, Coimbra Editora, Coimbra, (2013), p. 21. 62 Neste sentido, Carlos Lopes do Rego, “O Princípio do Dispositivo e os Poderes de Convolação do Juiz no Momento da Sentença”, in: Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor José Lebre de Freitas, Comissão Organizadora: Armando Marques Guedes; Ma- ria Helena Brito; Ana Prata; Rui Pinto Duarte; Mariana França Gouveia, Volume I, Coimbra Editora, Coimbra, (2013), p. 833. 221

II O funcionamento e âmbito de aplicação da teoria da distribuição dinâmica do ónus da prova e futuros caminhos “de iure condendo”: a distribuição dinâmica do ónus da prova e o princípio da gestão processual (art.º 6.º, n.º 1, do CPC) no novo Código de Processo Civil de 2013 Esclarecido o fundamento teleológico em que repousa a doutrina da distribuição dinâmica do ónus da prova, é necessário concretizar quer a forma de funcionamento deste critério-reitor, bem como o seu âmbito de aplicação.

Conforme acima se deixou antecipado, e revertendo a nossa atenção para a concretização para o funcionamento da teoria da doutrina dinâ- mica do ónus da prova, esta consiste em atribuir o ónus da prova à parte que pode produzir a prova dos factos que lhe aproveita com maior facili- dade relativa.

A “ratio” dessa facilidade probatória radica não só na vantagem de onerar a parte para quem a prova é de produção mais fácil (isonomia processual), mas, e sobretudo, porque a oneração dessa parte com maior facilidade probatória fomenta, do mesmo passo, a efectiva produção de prova (verdade aproximativa de índole material) como densifica, natural e necessariamente, os cânones de um processo materialmente justo e equi- tativo (art.º 20.º, n.º 1 e 4, da CRP e do art.º 6 § 1.º, da CEDH, art.º 36.º, n.º 1, da Lei Básica de Macau).

A forma de aferição dessa facilidade probatória terá de ser realizada ex ante, ou seja, é essencial que se determine qual a parte que, anterior- mente ao processo, nomeadamente aquando e após a ocorrência dos factos, se encontrava em melhores condições relativas de vir a efectuar a prova, em função dos critérios concretizadores acima identificados, inde- pendentemente de essa parte ter aproveitado a sua posição de vantagem probatória para poder efectivamente, no momento da produção de prova, encontrar-se em melhores condições para provar a versão que lhe é favo- rável63.

63 Micael Teixeira, Por uma Distribuição Dinâmica do Ónus da Prova, cit., p. 323. 222

Concretizando: o modo de funcionamento da teoria da distribuição dinâmica do ónus da prova tem como pólo irradiador não só conside- rações de natureza processual (isonomia processual, em função do rito da produção de prova), como considerações de natureza material, uma vez que a distribuição mais equilibrada do ónus da prova, em função da possibilidade concreta de produzir mais facilmente aquela prova, propicia a verdade material, e, por aí, ocasiona a emergência de um processo civil que se polariza na existência de decisões materialmente mais justas e equi- tativas.

No que tange ao âmbito de aplicação da teoria da doutrina dinâ- mica do ónus da prova, o seu campo de actuação processual polariza-se no universo da dúvida subjectiva, que se contrapõe à dúvida objectiva64.

A dúvida subjectiva, por seu turno, ocorre em função da multitude de contingências processuais que, em cada caso, se fazem sentir.

Consiste, portanto, na dúvida que poderia, em abstracto, ser evi- tada, mas que se verifica porque as partes (ou o juiz) não aproveitaram devidamente as possibilidades de produção de prova, seja porque não apresentaram as provas de que dispunham ou porque não conservaram ou reuniram as provas quando tiveram oportunidade de o fazer. Assim, caso a dúvida em causa seja subjectiva, estaremos perante um caso em que a prova poderá ser efectuada, pelo que será útil e vantajoso incentivar as partes a conservá-la e produzi-la. E, sendo a prova possível, será muito provável (embora seja também possível que tal não aconteça) que uma das partes tenha maior facilidade em produzi-la do que a outra, sendo igualmente útil e vantajoso que se estimule essa parte a produzir a prova.

64 Efectivamente, pode acontecer que a dúvida se apresente, no processo, como uma cer- teza, no sentido em que se demonstra que é impossível, em função do «estado actual dos conhecimentos», determinar a ocorrência de certo facto, ou mesmo que as partes acordem nessa impossibilidade. Trata-se de um tipo de dúvida mais raro, que se poderá verificar, por exemplo, a propósito da demonstração do nexo de causalidade natura- lístico, nos casos em que a prova desse elemento se afigure especialmente difícil. Nisto consiste a dúvida objectiva. Neste sentido, Pedro Múrias, Por uma distribuição funda- mentada do ónus da prova, cit., pp. 31-33. Micael Teixeira, Por uma Distribuição Dinâ- mica do Ónus da Prova, cit., p. 324; na jurisprudência, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 13/3/2007, relatado pelo Exmo. Senhor Conselheiro Nuno Cameira, disponível em www.dsgi.pt. 223

É, portanto, neste âmbito – da dúvida subjectiva - que a distribuição di- nâmica do ónus da prova deverá ser aplicável65/66.

65 Micael Teixeira, Por uma Distribuição Dinâmica do Ónus da Prova, cit., p. 324. 66 Refira-se que a doutrina da distribuição dinâmica do ónus da prova tem recebido assi- nalável acolhimento na Argentina, berço da mesma, mesmo em face da falta de consa- gração legal desta doutrina, à semelhança, do que sucede de resto, em Portugal. Com efeito, de acordo com Inés White, no aresto da Corte Suprema de Justicia de la Ná- cion, datado de 21 de Junho de 1957 relativo a um caso de enriquecimento ilícito de funcionários, é expressamente mencionado que é o funcionário quem se encontra em melhores condições de provar que o seu enriquecimento é lícito (trata-se de um exem- plo que integraríamos na classe dos casos em que a distribuição dinâmica se justificaria pela proximidade e controlo do facto) relativamente à situação do Estado, que teria maiores dificuldades em provar que o enriquecimento do primeiro é ilícito. Importa salientar que a falta de consagração legal desta teoria nunca se apresentou como um impedimento para a sua aplicação, mesmo em face da existência de uma previsão legal idêntica à do art.º 342.º, n.º 1 e 2 do Código Civil de 1966 e ao art.º 335.º, n.º 1 e 2, do Código Civil de Macau de 1999 (art.º 377.º, §§ 1.º e 2.º do Código de Processo Civil e Comercial Argentino). De facto, a jurisprudência e a doutrina têm-se baseado, em relação a este aspecto, na circunstância da lei não ser a única fonte de Direito, na necessidade de assegurar um processo justo e equitativo, na procura da verdade mate- rial, na proibição do abuso dos direitos processuais, entre outras justificações para de- fender um critério de distribuição do ónus da prova distinto daquele que a lei proces- sual prevê. Refira-se, contudo, que a consagração legal da distribuição dinâmica do ónus da prova tem sido incentivada neste país, chegando mesmo a constar de algumas propostas legislativas, nomeadamente no art.º 361.º, § 3 do Anteprojecto do Código de Processo Civil e Comercial da Cidade Autónoma de Buenos Aires; Micael Teixeira, Por uma Distribuição Dinâmica do Ónus da Prova, cit., p. 324; neste sentido, na doutri- na argentina, Beatriz Ruzafa, Las Cargas Probatorias, Buenos Aires, (2012), pp. 374 e ss; Carlos Carbone, Cargas Probatorias, Buenos Aires, (2013), pp. 206 e ss; Jorge Peyra- no, La Doctrina, Buenos Aires, (2011), pp. 88-90. Do outro lado do Atlântico, no Brasil, o texto do anterior ordenamento processual civil remonta ao ano de 1973, e embora tenha comportado diversas reformas, nunca houve discussão tão acerba sobre a necessidade de alteração das regras do ónus da prova como a que se gerou em torno do Projecto de Lei n.º 8.046/2010, em apreciação na Câmara dos Deputados, e que dará origem ao novo Código de Processo Civil do Brasil de 2015. No texto proposto em 2010 ao Senado Federal, aprovado e encaminhado no mesmo ano para a Câmara dos Deputados do Brasil, os deputados propuseram a adopção da forma híbrida do ónus da prova, que versava assim: art.º 357.º, “O ónus da prova, ressalvados os poderes do juiz, incumbe: I- ao autor, quanto ao facto constitutivo do seu direito; II- ao réu, quanto à existência de facto impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor”; art.º 358.º, “Considerando as circunstâncias da causa e as peculiaridades do facto a ser pro- vado, o juiz poderá, em decisão fundamentada, observado o contraditório, distribuir de modo diverso o ónus da prova, impondo-o à parte que estiver em melhores condi- ções de produzi-la”. A referida proposta de alteração legislativa, em matéria de direito 224

probatório material, caracterizava-se pela mistura do ónus estático, dinâmico e inversão do ónus da prova. Com efeito, ergue o ónus estático como regra, de modo a tutelar a “segurança jurídica”, porém, confere ao juiz a possibilidade legal de, com base em con- siderações de justiça material, distribuir de modo diverso, mediante despacho devida- mente fundamentado, o ónus (anteriormente) estático da prova e atribuí-lo à parte que estiver em melhores condições de produzi-la. Este Projecto de Lei foi alvo de duras (e nem sempre serenas) críticas por parte de um sector autorizado da doutrina brasileira. Com efeito, em apertadíssima síntese, a referida doutrina aduziu que a proposta legis- lativa estava eivada de “impropriedades”, avançando como argumento decisivo para a sua antítese, o facto de a técnica legislativa misturar o ónus estático, dinâmico e inver- são do ónus da prova. Ora, refere a dita doutrina, que a inversão do ónus da prova é uma excepção à regra da distribuição estática do ónus da prova; sendo certo que a dis- tribuição dinâmica do ónus da prova também se traduz numa “excepção geral”. Por conseguinte, o juiz teria acentuadas dificuldades em definir qual o modelo principal e qual o modelo subsidiário (se o da inversão do ónus da prova; se a distribuição dinâmi- ca do ónus da prova), e, principalmente, em congraçar ambos os modelos de distribui- ção do ónus da prova; ver, com mais detença, na doutrina brasileira, Eduardo Henri- que de Oliveira Yoskikawa, “Considerações sobre a teoria da distribuição dinâmica do ónus da prova”, in: Revista de Processo, Ano 37, Volume 205, Março de 2012, (2012), pp. 134-149; Marcelo Pacheco Machado, “Ónus estático, ónus dinâmico e inversão do ónus da prova: in: Revista de Processo, Ano 37, Volume 208, Junho de 2012, (2012), passim; JOÃO BATISTA LOPES, “Ónus da prova e teoria das cargas dinâmicas no novo código de processo civil, in: Revista de Processo, Ano 37, Volume 204, Fevereiro de 2012, (2012), pp. 231-242. O legislador brasileiro, aparentemente sensibilizado pelo ror de críticas desferidas pela doutrina, alterou a proposta legislativa, e apresentou, em Novembro de 2013, um outro texto legislativo, expurgado das soluções normativas mais polémicas, aditando, para o efeito, o art.º 380.º que versa assim: “O ónus da pro- va, ressalvados os poderes do juiz, incumbe: I- ao autor, quanto ao facto constitutivo do seu direito; II- ao réu, quanto à existência de facto impeditivo, modificativo ou ex- tintivo do direito do autor”, § 1.º “Nos casos previstos em lei ou diante de peculiarida- des da causa, relacionadas à impossibilidade ou à excessiva dificuldade de cumprir o encargo nos termos do caput ou à maior facilidade de obtenção da prova do facto con- trário, poderá o juiz atribuir o ónus da prova de modo diverso, desde que o faça por decisão fundamentada. Neste caso, o juiz deverá dar à parte a oportunidade de se desi- mcumbir do ónus que lhe foi atribuído. § 2.º A decisão prevista no § 1.º deste artigo não pode gerar situação em que a desimcumbência do encargo pela parte seja impossí- vel ou excessivamente difícil”. Embora tenha mantido a forma híbrida (desta vez: está- tica como regra e inversão do ónus da prova como excepção – também neste sentido, Carolina Cristina Miotto, “Ónus probandi: uma breve análise da distribuição estática e dinâmica do ónus da prova e a incidência nos sistemas processuais civis português e brasileiro”, in: Scientia Ivridica, Revista de Direito Comparado Português e Brasileiro, Se- tembro/Dezembro 2014, Tomo LXIII – Número 336, (2015), pp. 509-530), o legisla- dor brasileiro deixou cair, pelo menos aparentemente, a dinamização do ónus da prova, 225

Por conseguinte, a aplicação, in vivo, da teoria da distribuição dinâ- mica do ónus da prova possibilita, como se disse, a existência de decisões processual e materialmente justas e equitativas.

Para alcançar tal fim, o juiz tem de ter o domínio de facto do pro- cesso, e do conglomerado juridicamente relevante que lhe subjaz, logo na fase embrionária do mesmo.

e consagrou, sim, uma flexibilização da distribuição estática do ónus da prova de uma forma mais alargada. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça do Brasil, espe- cialmente em casos de direito do trabalho, tem aplicado, de uma forma mais ou menos pacífica, a teoria da distribuição do ónus da prova; constituindo exemplo paradigmáti- co o Acórdão do STJ, REsp 1286704/SP, Relatora Ministra Nancy Andrighi, DJ e 28/10/2013 que reza assim: “embora não tenha sido expressamente contemplada no CPC, uma interpretação sistemática da nossa legislação processual, inclusive em bases constitucionais, confere ampla legitimidade à aplicação da teoria da distribuição dinâ- mica do ónus da prova, segundo a qual esse ónus recai sobre quem tiver melhores con- dições de produzir a prova, conforme as circunstâncias fácticas de cada caso”. De resto, o novo Código de Processo Civil do Brasil de 2015, apesar do tropel de acerbas críticas acima elencadas, consagra expressamente a teoria da distribuição dinâmica do ónus da prova no art.º 373.º, § 1. Por fim, no país vizinho, em Espanha, a Ley de Enjuiciamiento Civil Espanhola conta desde a sua mais recente revisão com um preceito que canoniza – ainda que de forma mitigada – a frisada teoria da distribuição dinâmica do ónus da prova. Por um lado, o art.º 217.º, nos seus n.º 1, 2 e 3, distribuem em con- formidade com a função desempenhada pelos factos no processo e à semelhança do previsto no art.º 342.º e 343.º, do Código Civil de 1966 e do art.º 335.º, n.º 1 e 2, do Código Civil de Macau, os respectivos ónus probatórios (teoria das normas e distribui- ção estática do ónus da prova). Por seu turno, os n.º 4 e 5 do mesmo preceito, estabe- lecem critérios especiais de distribuição do ónus da prova, respectivamente, nos proces- sos em que se alega a concorrência desleal, a publicidade ilícita e a discriminação em função do sexo. Nestes casos concretos, o legislador, reconhecendo de modo prévio a alta dificuldade ou mesmo a impossibilidade de prova por parte da parte que é onerada com aquela demonstração, atribui – contrariamente ao que decorreria da aplicação do critério geral – o ónus da prova ao demandado. Finalmente, o n.º 7 do art.º 217, esta- belece que, para aplicação das regras contidas nos números anteriores do mesmo artigo, o tribunal deverá ter em conta a disponibilidade e a facilidade probatória que corres- ponde a cada uma das partes no litígio, querendo significar que, casuisticamente, o tri- bunal poderá corrigir a distribuição antes efectuada pela lei quando e se, em concreto, isso se justificar, atendendo à inerente e natural dificuldade probatória de determinado facto ou à dificuldade concreta que um dado sujeito concreto com a mesma tem de de- monstrar determinada realidade; neste sentido, Elizabeth Fernandez, “A prova difícil ou impossível”, in: Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor José Lebre de Freitas, cit., p. 830. 226

Porquanto, a aplicação da teoria da distribuição dinâmica do ónus da prova implica, natural e necessariamente, um domínio precoce do processo e do seu desenho factual juridicamente relevante; atenta, desde logo, a necessidade de o juiz avaliar qual das partes processuais – quando e se a distribuição dinâmica do ónus da prova se aplique – está em me- lhores condições probatórias de produzir aquela prova.

Vale dizer: a expressa – e futura - previsão legal da distribuição di- nâmica do ónus da prova no direito probatório material de Portugal e de Macau requererá ao juiz, como se disse, um esforço adicional de conheci- mento atempado e precoce do processo, reportado a um momento muito anterior à realização da audiência final e, por conseguinte, à prolação da sentença: essa é, também, no essencial, a ratio legis imanente ao princípio da gestão processual que perpassa o Código de Processo Civil de 2013 de Portugal.

Com efeito, em face da reforma do Código de Processo Civil, re- alizada pela Lei 41/2013, de 26/6, o legislador português, seguindo a tradição processualística do modelo anglo-saxónico, introduziu um me- canismo processual que possibilita o contacto precoce do juiz com o pro- cesso, denominado, justamente, de gestão processual (art.º 6.º, n.º 1, do Código de Processo Civil).

Por conseguinte, a - futura e desejável – consagração legal da distri- buição dinâmica do ónus da prova poderá ser congraçada com o princí- pio da gestão processual, uma vez que aquela à semelhança desta, polari- za-se, ponderadas as particularidades do caso concreto, na prossecução de uma justa composição do litígio em prazo razoável.

Porquanto, à luz do princípio da gestão processual o juiz tem o dever de dirigir activamente o processo e de diligenciar pelo seu andamento célere, promovendo, para o efeito, uma multitude de diligências que se polarizam no prosseguimento, sem escolhos, da acção judicial.

Para alcançar esse fim, o juiz direccionará a actividade jurisdicional para o indeferimento de actos processuais manifestamente dilatórios ou impertinentes, bem como para a adopção, exercido o legalmente com- petente direito ao contraditório, de mecanismos de simplificação e agi- lização processual que garantam a justa composição do litígio em prazo razoável. 227

Não é difícil captar a origem do princípio da gestão processual. Com efeito, a atribuição ao juiz de poderes de gestão processual qua- dra-se com a tendência (internacional) para substituir um processo rígido e eminentemente ritualístico por um processo ágil, simplificado (o que não significa que se prescinda de um mínimo de formalismo processual) e, essencialmente, adaptável ao caso concreto. Na ordem jurídica de matriz anglo-saxónica, a gestão processual tem como equivalente funcional o case management (Rule 1.4., 3.1., 29.2 das CPR).67/68 A gestão processual visa diminuir os custos, o tempo e a comple- xidade do procedimento69. Esta gestão processual pressupõe um juiz empenhado na resolução célere e justa da causa e traduz-se num aspecto substancial70 – a condução do processo – e num aspecto instrumental – a adequação formal (art.º 547.º, do CPC de Portugal). Assim, o dever de gestão processual procura ajudar a solucionar a “equação processual”: uma decisão justa do processo com os menores custos, a maior celeridade e menor complexidade que forem possíveis no caso concreto71.

67 Neste sentido, Miguel Teixeira de Sousa, “Apontamento sobre o princípio da gestão processual no novo Código de Processo Civil”, in: Cadernos de Direito Privado (CDP), n.º 43, Julho/Setembro 2013, cejur, (2013), p. 10; na doutrina anglo-saxónica, An- drews, The Modern Civil Process, Tübingen, (2008), pp. 48 e ss. 68 Sobre o case management, na doutrina inglesa, NEIL ANDREWS, “A new civil proce- dural code for England: party control going, going, gone”, in: Civil Justice Quarterly, (2000), January Issue, pp. 1-5. 69 A Justiça tem um cariz de serviço público e, nessa medida, tem de ser, ao menos em parte, e sem que se ceda a tentações de um economicismo tutelar de (estranho) sabor posneriano, guiada por considerações de eficácia, eficiência e contenção de custos; neste sentido, na doutrina francesa, e. Severin, “Comment l´espirit du management est venu à l´administration de la justice”, in: La Nouveau Management de la Justice et l´indépendance des juges, Paris, Dalloz, (2011), p. 54. 70 A doutrina alemã faz a destrinça terminológica entre gestão formal (formeller Ver- fahrensleitung) e a gestão material (materieller Verfahrensleitung), Rosenberg/Schwab/ Gottwald, Zivilprozessrecht, 17. Auflage, C.H. Beck, München, (2010), p. 408-410. 71 Neste sentido, Miguel Teixeira de Sousa, “Apontamento sobre o princípio da gestão processual no novo Código de Processo Civil”, in: Cadernos de Direito Privado (CDP), n.º 43, Julho/Setembro 2013, cejur, (2013), p. 10, que seguiremos de muito perto, mesmo textualmente; na doutrina anglo-saxónica, Zuckerman, Reforms of Civil Proce- dure in Comparative Perspective, Torino, (2005), pp. 147-151. 228

Quanto ao aspecto substancial do princípio da gestão processual, é possível avançar os seguintes exemplos: i) promover as diligências neces- sárias ao normal prosseguimento da acção e recusar o que for imperti- nente ou dilatório (art.º 6.º, n.º 1 do CPC), falando-se, a este propósito, num “poder de direcção do processo”72 ou num “poder de correcção do processo”73; ii) promover oficiosamente pelo suprimento da falta de pres- supostos processuais susceptíveis de sanação, determinando a realização de actos necessários à regularização da instância ou, quando a sanação dependa de acto que deva ser praticado pelas partes, convidando estas a praticá-lo (art.º 6.º, n.º 2, do CPC); iii) a programação, após a audição dos mandatários, dos actos a realizar na audiência final, estabelecendo o número de sessões e a sua possível duração e designando as respectivas datas (art.º 591.º, n.º 1, alínea g), do CPC)74; cabe ainda nos poderes de direcção do tribunal, a opção pelo juiz: iv) por uma perícia colegial (art.º 468.º, n.º 1, alínea a), do CPC); v) o proferimento por escrito do despacho saneador (art.º 595.º, n.º 2, do CPC); vi) o conhecimento do incidente de falta de autenticidade do documento (art.º 450.º, n.º 2, do CPC); vii) a remessa do processo para a mediação, sempre que nenhuma das partes a tal se oponha (art.º 273.º, n.º 1, do CPC); viii) a realização de uma tentativa de conciliação entre as partes em qualquer estado do processo (art.º 594.º, n.º 1, do CPC)75.

72 Um sector da doutrina espanhola, mais relutante em relação à intervenção activa e gestora do juiz, e, portanto, simpatizante de um modelo liberal de processo civil, em que impera a dialéctica processual, e, por conseguinte, a maior ou menor habilidade processual das partes, admite, ainda assim, um mitigado poder-dever de direcção for- mal do processo; neste sentido, Montero Aroca, “Il processo civile come stumento di giustizia autoritaria”, in: Rivista di Diritto Processuale, Padova, Cedam, (2004). pp. 562-568; a doutrina brasileira, em sentido oposto, enfatiza que o aumento dos poderes do magistrado, no que concerne à gestão processual e à direcção activa do processo corre na direcção do reforço das garantias processuais das partes e de um processo jus- to, neste sentido, Maíra Galindo, Processo Cooperativo, Curitiba, Juruá Editora, (2015), pp. 73-86. 73 Expressões colhidas na doutrina alemã, Henke, Juristichen Zeitung (JZ), (2005), pp. 1024-1029; com diferenças terminológicas, Stürner, Festschrift für Walter Gerhard, Köln, (2004), pp. 954-969. 74 Que apresenta iniludíveis semelhanças com um outro instituto jurídico de direito comparado, mormente do direito francês, na circunstância com os contrats de procédure (art.º 764.º § 3, do NPC); ver, com interesse, na doutrina francesa, CADIET, RTDPC, Volume 62, Parte 3, (2008), pp. 15-27. 75 Exemplos colhidos em Miguel Teixeira de Sousa, “Apontamento sobre o princípio da gestão processual no novo Código de Processo Civil”, cit. p. 11. 229

Quanto ao aspecto instrumental do princípio da gestão processual, o seu núcleo irradiador é perpassado pela ideia de que o dever de condução do processo atribui ao juiz um poder-dever de simplificar e de agilizar o processo, isto é, um poder-dever de modificar a tramitação processual ou os actos processuais – case management -, de modo a promover um anda- mento célere do processo. A simplificação implica uma tramitação menos pesada do que aquela que consta da lei; a agilização, por seu turno, envolve uma forma mais fácil de atingir a justa composição do litígio: nuns casos, a agiliza- ção pode traduzir-se numa simplificação da tramitação, mas, noutros, a agilização pode envolver a prática de actos não previstos na lei. A título de exemplo do carácter instrumental da gestão processual, temos: i) a adequação da tramitação processual quando as testemunhas são inquiri- das pelo juiz (art.º 40.º, n.º 3, do CPC); ii) a determinação pelo juiz da submissão da petição inicial a despacho liminar (art.º 590.º, n.º 1, do CPC); iii) a junção de documentos com vista a permitir a apreciação de excepções dilatórias ou do mérito da causa (art.º 590.º, n.º 2, alínea c), do CPC); iv) nos arts.º 37.º, n.º 4, e art.º 266.º, n.º 5, do CPC, encontra-se uma forma radical de agilização processual: é com base nesta agilização que se permite que o juiz determine a separação de várias cau- sas que se encontram reunidas num único processo76. Para obter a simplificação ou a agilização, o juiz dispõe do poder de adequação formal. O juiz deve adoptar a tramitação processual adequa- da às especificidades da causa e adaptar o conteúdo e a forma dos actos processuais ao fim que visam atingir, assegurando um processo equitativo (art.º 547.º, do CPC)77. Portanto, o juiz pode alterar a tramitação legal

76 Exemplos colhidos em MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, “Apontamento sobre o prin- cípio da gestão processual no novo Código de Processo Civil”, cit., p. 11. 77 A tramitação do processo declarativo comum comporta, depois da fase dos articulados, uma fase de gestão processual. Nesta encontra-se regulada quer uma gestão inicial – destinada, designadamente, a providenciar pelo suprimento das excepções dilatórias (art.º 590.º, n.º 2, alínea a), do CPP) e a controlar os articulados das partes (art.º 590.º, n.º 1 e 2, alínea b), 3 e 4, do CPC) – quer uma gestão subsequente – respeitante, no- meadamente, à dispensa da audiência prévia (art.º 593.º, n.º 1, do CPC), à escolha de uma ou várias opções nas acções de valor não superior a metade da alçada da Relação (art.º 597.º, do CPC) e à programação da audiência final (art.º 591.º, n.º 1, alínea g), do CPC). A adequação formal, enquanto acto de gestão processual, pode ser ordenada pelo juiz a qualquer momento da tramitação da causa, mas ela é normalmente deter- 230

da causa – tanto prescindindo da realização de certos actos impostos pela lei, como impondo a prática de actos não previstos na lei - e pode ainda modificar o conteúdo e a forma dos actos processuais78: neste âmbito, a adequação formal é a expressão prática da pura gestão processual79.

Revertendo à temática que nos interpela - a distribuição dinâmica do ónus da prova e a necessidade imperiosa de prolação de decisões material e equitativamente justas -, importa perguntar qual é o momento proces- sualmente mais adequado para o juiz exercer esses poderes de gestão pro- cessual, principalmente no que respeita à comunicação às partes proces- suais da distribuição do ónus da prova mais adequado ao caso concreto.

Em face da reforma do Código de Processo Civil de 2013 de Portu- gal, que obriga o juiz a ter um domínio precoce e atempado do processo e dos contornos jurídico-factuais que o compõem, por força, desde logo, do princípio da gestão processual, esse momento processual deverá ser a audiência prévia.

Com efeito, a fase da audiência prévia, regulada no art.º 591.º do CPC é crucial para o juiz gerir, da melhor maneira possível, os factos rele- vantes do processo. Note-se que o juiz aparece, na audiência prévia, num primeiro plano, tal como na fase inglesa ou norte-americana do pretrial, abrindo caminho para o diálogo com os advogados, questionando se existe acordo ou se é possível esclarecer certo ponto mais obscuro, deter- minando, também, a matéria que necessita de ser provada. O trabalho de filtragem, levado a cabo na audiência prévia, reveste-se de grande impor- tância, pois abre caminho para uma audiência final mais pacífica ou, se quisermos, mais previsível. Na verdade, de todos os actos de gestão pro-

minada na fase de gestão processual. Na verdade, a adequação formal pode ser decidida quer na audiência prévia (art.º 590.º, n.º 1, alínea e), do CPC), quer no despacho que substitui essa audiência (art.º 593.º, n.º 2, alínea b), e art.º 597.º, alínea d)). Nesta úl- tima hipótese, há que entender, nomeadamente pela remissão daqueles preceitos para o art.º 6.º, n.º 1, que a agilização processual não é válida sem a prévia audição das partes; neste sentido, MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, “Apontamento sobre o princípio da gestão processual no novo Código de Processo Civil”, cit., p. 13. 78 MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, “Apontamento sobre o princípio da gestão proces- sual no novo Código de Processo Civil”, cit., p. 12. 79 Neste sentido, na doutrina italiana, MARCO DE CRISTOFARO, “Case management e riforma del processo civile, tra effettività della giurisdizione e diritto costituzionale al giusto processo”, in: Rivista di Diritto Processuale, Padova, Cedam, (2010), p. 283. 231 cessual, importa realçar o resultante da alínea c) do art.º 591.º, n.º 1, do CPC: desprovido de questionário, torna-se crucial que a gestão processual passe pela clara identificação do objecto do litígio e pela enunciação das grandes questões essenciais que integram os temas da prova. É funda- mental que, através do diálogo, seja delimitada a matéria controvertida do processo, ficando cada advogado ciente dos factos que tem de provar (e, logo, dos factos que não tem de provar). Assim, exemplificando, numa acção fundada em acidente de viação, o juiz identifica como temas da prova, os danos sofridos por um dos veículos e a respectiva quantificação, os prejuízos decorrentes da privação do uso, os gastos em que a autora in- correu em virtude do acidente, as lesões corporais e as dores sofridas pela autora, bem longe do antigo questionário eivado de questões sobre factos muito concretos. Parece-nos aceitável e útil, na linha do case management inglês, que o juiz, após identificar os grandes temas controvertidos, alerte os advogados para a distribuição do ónus da prova que lhe pareça mais adequada ao caso80.

É aqui que faz sentido falar-se na divisão tripartida gestão processual (art.º 6.º, n.º 1, do CPC), audiência prévia (art.º 591.º, do CPC) e dis- tribuição dinâmica do ónus da prova.

Com efeito, como acima se deixou antevisto, a reforma do Códi- go de Processo Civil de 2013 atribuiu ao juiz um conjunto de poderes- -deveres, quer de índole material, quer de índole processual.

Esse plêiade de poderes funcionais conferidos ao juiz, colima-se, por um lado, do ponto de vista adjetivo, ao andamento célere - e sem esco- lhos - do processo, e, por outro lado, do ponto de vista substancial, à jus- ta composição do litígio num prazo razoável (art.º 6.º, n.º 1, do CPC).

Deste modo, o princípio da gestão processual, sendo um equivalente funcional do case management inglês e norte-americano, comporta no seu âmbito teleológico um conjunto de possibilidades (desenhadas ou não no figurino legal) que permitem alcançar esse fim, pelo que deve o juiz, na audiência prévia, após a audição das partes processuais (art.º 6.º, n.º 1,

80 Neste preciso sentido, que seguimos textualmente, MIGUEL MESQUITA, “O Prin- cípio de Gestão Processual: o «Santo Graal» do Novo Código de Processo Civil?”, in: Revista de Legislação e de Jurisprudência (RLJ), ano 145.º, N.º 3995, Novembro- -Dezembro 2015, (2016), p. 96. 232

do CPC), alertá-las para a distribuição dinâmica do ónus da prova que lhe pareça mais adequada e equilibrada, em função das particularidades do caso concreto, sob pena de nulidade processual inominada (art.º 195.º, n.º 1, do CPC). Por conseguinte, no caso concreto da distribuição dinâmica do ónus da prova, a gestão processual assume uma feição marcadamente material ou de mérito81, na medida em que o juiz, na audiência prévia, já senhor de todos os contornos juridicamente relevantes do processo, identifica o objecto do litígio, enumera as grandes questões essenciais que integram os temas da prova e, seguidamente, comunica às partes a distribuição do ónus da prova que, em face do desenho factual do processo, lhe pareça não só mais adequada mas, essencialmente, mais equilibrada do ponto de vista da facilidade probatória em que uma das partes tem de produzir aquela prova. Por conseguinte, como acima se apontou, tanto ali - no domínio da aplicabilidade, ao caso concreto, da distribuição dinâmica do ónus da prova - como aqui - no domínio da gestão processual e, ergo, da audiência prévia -, exige-se ao juiz, por um lado, a adaptação do processo às parti- cularidades do caso concreto, e, por outro lado, porque assim é, um do- mínio do processo reportado a um momento processual muito anterior à audiência final; e, logo, ali como aqui, verifica-se a mesma ratio legis82 que presidiu à reforma do Código de Processo Civil de 2013: a justa compo- sição do litígio em prazo razoável, com base num processo civil voltado para a materialidade subjacente e não para o formalismo bacoco e estéril, e cuja suficiência processual e material densifica, a todas as luzes, o direito

81 No mesmo sentido, MIGUEL MESQUITA, “O Princípio de Gestão Processual: o «Santo Graal» do Novo Código de Processo Civil”, cit., p. 94. 82 Neste sentido, sobre a analogia legis, JOSÉ PINTO BRONZE, “A analogia como link noético e bypass noemático entre a igualdade e a metodonomologia”, in: Revista de Legislação e Jurisprudência (RLJ), Ano 142, N.º 3979, Março – Abril de 2013, (2013), pp. 231 e ss. 233 a uma tutela jurisdicional efectiva e diferenciada83/84/85 (art.º 20.º, n.º 1 e 4, da CRP, art.º 268.º, n.º 4, da CRP, art.º 36.º, n.º 1, da Lei Básica de Macau).

83 Sobre a tutela jurisdicional diferenciada, que radica na garantia constitucional do processo equitativo estabelecida no n.º 4, do art.º 20.º da Constituição da República, e que “permite que a uma “diversidade de direitos” corresponda uma “diversidade de remédios jurisdicionais”; neste sentido, RUI PINTO, “Urgência procedimental e o di- reito à tutela jurisdicional efectiva no art.º 382.º, n.º 1, do Código de Processo Civil – Anotação ao Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 9/2009, de 31.3.2009, Agravo Alargado 4716/17”, in: Cadernos de Direito Privado (CDP), n.º 31, Julho/ Setembro 2010, Cejur, Braga, Coimbra Editora, (2010), p. 50. Na jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH), entre muitas outras decisões, TEDH Frydlender/France (27/06/2000); TEDH Delgado/França (14/9/2000). 84 Neste sentido, referindo-se ao “princípio geral do alterum non laedere: o dever que todo o sujeito da ordem jurídica tem de abstenção de actuação adequada à lesão de qualquer direito alheio”, monograficamente, RUI PINTO, A questão de mérito na tutela cautelar. A obrigação genérica de não ingerência e os limites da responsabilidade civil, Tese de Doutoramento, Coimbra, Coimbra Editora, (2009), pp. 433 e ss. 85 Sobre esta questão, no cruzamento reflexivo com a “diversidade de remédios jurisdi- cionais”, na doutrina italiana, PROTO PIZANI, Lezione di diritto processuale civile, 8ª edição, Napoli, Jovene, (2014), p. 50.

Administração n.º 116, vol. XXX, 2017-2.º, 235-254 235

Conservação, divulgação e sucessão de “Patuá” para o seu desenvolvimento contínuo em Macau do ponto de vista de utentes de “Patuá” Luís Miguel dos Santos*

I. Introdução

1. Contexto da investigação

No dia 15 de Julho de 2005, o Centro Histórico de Macau entrou na lista do Património Mundial Cultural da UNESCO e foi designado como o 31.º sítio do Património Mundial da China. Após o sucesso da entrada do “Centro Histórico de Macau” na lista do Património Mundial, o governo da Região Administrativa Especial de Macau da República Po- pular da China, adiante designado simplesmente por governo da RAEM, não só promoveu os projectos do património cultural de Macau nas ins- tituições de ensino público e privado, como também organizou uma série de grupos de visita guiada nas comunidades para que os residentes locais e os turistas possam conhecer a história de Macau. Nos últimos anos, o país define Macau como “Centro Mundial de Turismo e Lazer” e enfatiza o desenvolvimento da “indústria cultural e turística” além da indústria de jogo. Assim, cada vez mais é acordada a consciência da protecção e da divulgação do património cultural na sociedade.

O Centro Histórico de Macau é um conjunto de 22 edifícios históri- cos e 8 largos, incluindo o espaço e as ruas que ligam os largos e os edifí- cios históricos. De facto, com a promoção efectiva do governo da RAEM e da educação comunitária, a população de Macau tem formada forte consciência em relação à protecção do “património cultural material”1.

* Doutorado em educação, mestrado em Administração, Administração de Empresas, em Educação em Língua Inglesa, em Direito. 1 O património cultural material é a testamunha cultural tangível, incluindo os imóveis e móveis classificados. O património cultural intangível é a habilidade tradicional, o costume popular e a arte e os expectáculos que passam de geração em geração e que têm uma ligação estreita com a vida diária. 236

No entanto, uma vez que no ano de 2005, a UNESCO não inte- grou o “património cultural imaterial” de Macau na Lista de Património Mundial Cultural, as escolas e as comunidades não lhe deram importân- cia e a população não tinha conhecimento profundo neste aspecto. O governo da RAEM, para melhor conservar testemunhos com va- lor de civilização ou de cultura portadores de interesse cultural relevante, após várias rondas de discussões com os representantes da área e das co- munidades, e os especialistas, no ano de 2013 estabeleceu e promulgou a Lei n.º 11/2013 - Lei de Salvaguarda do Património Cultural. O objec- tivo da presente lei é estabelecer o regime de salvaguarda do património cultural da RAEM. O artigo n.º 3 estipula que integram o património cultural o património cultural tangível, que inclui bens imóveis classifi- cados e bens móveis classificados, e o património cultural intangível. Em relação aos objectivos da salvaguarda do património cultural intangível, são expostas 6 alíneas no art.º 70 da mesma lei, nomeadamente: 1) Promover a continuidade e especificidade local das manifestações do património cultural intangível; 2) Assegurar a sua diversidade e recriação permanente; 3) Salvar o património cultural intangível em risco de perda iminente; 4) Reforçar a consciência dos residentes da RAEM quanto à sua cul- tura e identidade; 5) Respeitar e valorizar as contribuições das comunidades, grupos ou indivíduos para a cultura de Macau; 6) Encorajar os residentes da RAEM, as instituições e as organiza- ções de cultura, arte, educação e investigação científica a participarem activamente na salvaguarda, continuidade e divulgação do património cultural intangível. Em relação ao âmbito do património cultural intangível, a mesma Lei estipula no artº 71º, noº 1 que abrange as seguintes manifestações culturais: 1) Tradições e expressões orais, incluindo a língua como meio de transmissão deste património; 2) Expressões artísticas e manifestações de carácter performativo; 3) Práticas sociais e religiosas, rituais e eventos festivos; 237

4) Conhecimentos e práticas relativos à natureza e ao universo; 5) Competências no âmbito das práticas e técnicas artesanais e tradi- cionais. Até 2015, o inventário do património cultural intangível contava com 10 manifestações, nomeadamente: 1) Ópera Yueju (Ópera Cantonense); 2) Preparação do Chá de Ervas; 3) Escultura de Imagens Sagradas em madeira; 4) Música Ritual Taoista; 5) Naamyam Cantonense (Canções narrativas); 6) Festival do Dragão Embriagado; 7) Crença e Costumes de A-Ma; 8) Crença e Costumes de Na Tcha; 9) Gastronomia Macaense; 10) Teatro em Patuá. Quanto às acções de proteger o “património cultural intangível”, a mesma Lei prevê no seu art.º 76º, noº1, al. 5) o registo através de meios gráficos, sonoros ou audiovisuais para fins de identificação, documenta- ção e estudo da manifestação do património cultural intangível. Entre as 10 manifestações do “património cultural intangível”, uma grande parte encontra-se na margem do desaparecimento.

2. Objectivo de investigação A presente investigação visa analisar e estudar a sucessão, a divulga- ção e a conserva de “Patuá”, que é a língua usada no “Teatro em Patuá”, uma das manifestações do “Património cultural intangível” confirmada pelo RAEM. Em conformidade com o Resultado do Censo Demográfi- co publicado no ano de 2011 pela Direcção dos Serviços de Estatística e Censos2, Macau tinha uma população total de 552.503 pessoas no ano de 2011, sendo a população de descendentes portugueses de 3.485 pes-

2 Direcção dos Serviços de Estatística e Censos, 2011, Resultado do Censo Demográfico de 2011. 238

soas (0,6%). De acordo com o Altas of the World’s Languages in Danger publicado no ano de 2010 pela UNESCO, o “patuá” de Macau é con- siderada uma língua que está extremamente em perigo de desaparecer, actualmente apenas há cerca de 50 pessoas, na maioria idosas, que a usam como língua diária ou primeira língua. Embora na fase actual, o governo tem tomada uma série de medidas de conservação e protecção do “patuá” de Macau em termos de lei, mas não existem medidas e acções evidentes e eficazes que o possam pôr em prática, nem fundamentos jurídicos. Pelo que, a presente investigação pretende, através de 8 indivíduos fluentes em “patuá”, a partir de ponto de vista deles, analisar e conhecer como propor de forma efectiva ao go- verno, às instituições educacionais, às organizações não governamentais, às organizações sem fim lucrativo, perservar, divulgar e dar continuidade ao “patuá” de características especiais de Macau.

II. Sobre o “patuá” e a situação actual do “patuá” O “patuá” referido no “Teatro em patuá”, é uma língua usada em Macau, misturando o malaio, o espanhol, a língua indonésia, o hindi, o japonês, entre outros, quando os portugueses se dirigiram à Ásia no século XVI para realizar a administração colonial. Esta língua misturada com características coloniais foi usada pelos macaenses de Macau que aqui residiam, e os macaenses acrescentaram uns termos cantonenses a esta língua, que se tornou a conhecida “patuá”. Em termos de classifica- ção linguística, o “patuá” difere do português moderno e nem pertence ao chinês moderno. O “patuá” é influenciado pelo português antigo e pelo chinês moderno, especialmente o cantonense. Segundo o linguísta famoso de português do século XX, Sebastião Rodolfo Delgado, o “patuá” não devia ter relação com línguas indo-europeias em termos geográficos, mas o “patuá” reflecte uma grande influência do português antigo, par- ticularmente em termos de gramática, léxico, fonologia, etc.. Entende-se que existem três causas, uma é a origem idêntica do “patuá” com o portu- guês; a segunda é a evolução similar da reconstrução, da modificação e da constituição lingústica, a terceira é o contacto comercial frequente entre o Portugal e a Índia e o extremo oriente, pelo que, o léxico do extremo oriente tornou-se parte do léxico português ortodoxo. Assim, o léxico do extremo oriente mistura-se com o “patuá”, tendo semelhanças com o por- tuguês ortodoxo.3

3 Delgado, S.R. (1919). Glossário Luso-asiático (Vol. 11). Buske Verlag. 239

A partir da segunda metade do século XIX, o cantonense e o inglês em Macau produziram uma grande influência nos macaenses de Macau. À medida da expansão colonial do Reino Unido entre os séculos XVII e XVIII e do desenvolvimento da revolução industrial do Reino Unido no século XIX, elevou-se a posição internacional do ingês, que se tornou uma língua internacional para o comércio e a academia. Com a admi- nistração colonial do governo britânico em Hong Kong, o inglês foi por- tador de uma posição comercial e social nos territórios de Hong Kong e Macau.4 Na primeira metade do século XIX, o “patuá” tornou-se a língua di- ária dos macaenses. No entanto, na segunda metade do século XIX, o go- verno de Lisboa começou a ter atenção à questão da educação da língua portuguesa no território de Macau. Porque o governador que vinha para Macau não era capaz de usar o “patuá” para comunicar com os residentes locais e os macaenses, então, entendeu-se necessário promover a educação da língua portuguesa ortodoxa aqui. O governo português em Macau fez propaganda que o “patuá” era uma língua usada pelos residentes se- cundários, de forma que uma parte das escolas, residentes e estudantes não tinham vontade de utilizar o “patuá” como língua diária. Aliás, não obstante a propaganda negativa do governo, o “patuá” continuava a ser a língua diária duma parte dos macaenses. Até meados do século XX, afectada pelos elementos de tecnologia informática, elementos políticos e o desenvolvimento de Hong Kong sob administração britânica, a popula- ridade do “patuá” em Macau era menor do que o cantonense, o inglês e o português ortodoxo; o número da população que utiliza o “patuá” como a língua materna baixou rapidamente.

III. Método de investigação 1. Interpretação A interpretação é um paradigma muito usado nas disciplinas de es- tudo das ciências sociais, este método é também usado neste projecto em causa.5 O investigador aplica o paradigma de interpretação para analisar a

4 Saxena, M., &Omoniyi, T. (2010). Contending with globalization with world Englishes. Bristol: Multilingual Matters. 5 Burrell, G., & Morgan, G. (1979). Sociological paradigms and organizational analysis: Elements of the sociology of corporate life. London: Heinemann. 240

conduta dos indivíduos e conhecer o entendimento, o valor e os seus co- nhecimentos sobre certos assuntos. A conduta não existe só, mas muitas vezes é afectada pelos valores e pelos costumes dos indivíduos.

2. Método indutivo geral Esta investigação aplica o método indutivo geral para recolher os da- dos.6 Este método de estudo permite que os entrevistados possam parti- lhar as suas opiniões e entendimento sobre o “patuá”, independentemente das restrições do local, tempo e papel. De facto, sendo os entrevistados todos macaenses nascidos em Macau, eles têm a experiência de vida, o contexto de emprego, a profissão, a identificação e o sexo diferentes. Além disso, a idade e a razão de aprender o “patuá” variam evidentemen- te. Pelo que, o método indutivo geral pode resumir de, um ponto de vista mais amplo as questões estudadas neste projecto sobre os indivíduos que dominam o “patuá”.

3. Método de entrevista em profundidade A investigação em causa tem como ponto de partida os utentes do “patuá”, discutir o uso do “patuá” em Macau, de maneira a propor ao go- verno, às instituições educacionais, às organizações não governamentais, às associações não lucrativas que se dediquem à conserva do “patuá” que constitui numa das características de Macau. A entrevista em profundida- de é um método que é frequentemente usado e eficaz para recolher dados no âmbito das ciências sociais. Sendo diferente do usada em questioná- rios, a investigação em causa concentra-se em conhecer as experiências de vida durante várias décadas e as suas opiniões sobre o patuá dos entrevis- tados, pelo que, o estudo com a entrevista frente a frente é mais efectivo do que o questionário.7

4. Forma de recolha de dados O investigador fez entrevistas individuais, em meado de 2017, frente a frente com 8 indivíduos que falam frequentemente o “patuá”. As entre-

6 Thomas, D. R. (2006). A general inductive approach for analyzing qualitative evaluation data. American journal of Evaluation, 27(2), 237-246. 7 Seidman, I. (2006). Interviewing as qualitative research: A guide for researchers in educa- tion and the social sciences (3rd ed.). New York, NY: Teachers College Press. 241 vistas tiveram a duração de 60 e 90 minutos, uma vez que o investigador não queria dar qualquer restrição que limitassem a partilha de experiência de vida dos entrevistados, pelo que, fez as perguntas abertamentes permi- tindo a partilha de qualquer espécie e partilha, possibilitando ao máximo a recolha de dados.8

5. Limitação do número de entrevistados e método de amostragem O investigador aplica a estratégia de amostragem proposta para reco- lher a resposta dos 8 entrevistados que dominam fluentemente o “patuá” às perguntas envolvidas nesta investigação. A amostragem proposta sig- nifica fazer o estudo tendo em vista um grupo particular de pessoas.9 De facto, em conformidade com o Atlas of the World’s Languages in Danger publicado pela UNESCO em 2010, os indivíduos que dominam fluente- mente o “patuá” são muito raros. Pelo que, os 8 indivíduos com quem o investigador pôde fazer entrevista são evidentemente representativos. Para garantir a protecção dos elementos pessoais dos entrevistados após a publicação do relatório, são aplicados pseudónimos aos entrevis- tados para protegar a privacidade, mas o sexo, a idade, a profissão e o do- mínio de língua são verdadeiros.

Tabela I Elementos pessoais base dos entrevistados

Língua Língua diária Nome Sexo Idade Profissão materna Afonso Masculino 70 Funcionário público Patuá Português, cantonense, reformado inglês Bruno Masculino 75 Funcionário público Patuá Português, cantonense, reformado inglês Carlos Masculino 73 Funcionário público Patuá Português, cantonense, reformado inglês

8 Clandinin, D.J. & Connelly, F.M. (1987). Teachers’ personal knowledge: What counts as personal in studies of the personal.Journal of Curriculum Studies, 19(6), 487−500. 9 Creswell, J. (2012). Qualitative inquiry and research design: Choosing among five ap- proaches. (3rd ed.). Thousand Oaks, CA: SAGE Publications. 242

Língua Língua diária Nome Sexo Idade Profissão materna

David Masculino 68 Funcionário público Portu- Patuá, cantonense, reformado guês inglês

Erica Feminino 72 Funcionário público Portu- Patuá, cantonense, reformado guês inglês

Filipa Feminino 69 Dona de casa Patuá Português, cantonense, inglês

Joana Feminino 70 Dona de casa Patuá Português, cantonense, inglês

Sofia Feminino 74 Dona de casa Patuá Português, cantonense, inglês

6. Língua da entrevista

Os entrevistados acima mencionados são todos macaenses nascidos em Macau, que dominam fluentemente o “patuá”, o português e o can- tonense. Embora o nível do inglês dos aludidos entrevistados não seja fluente, não têm problema para a comunicação diária. E alguns deles não são capazes de expressar as suas experiências de vida em uma única língua, pelo que o investigador primeiro fez perguntas em cantonense e os entrevistados responderam em português, cantonense ou inglês. Não obstante, uma vez que o investigador não falava nem percebia o “patuá”, durante as entrevistas não foi usado o “patuá” na comunicação. Além disso, uma vez que a língua da redação deste relatório original é o chinês padrão e o chinês tradicional, o diálogo em cantonense, inglês e português entre o investigador e os entrevistados é todo traduzido para o chinês padrão e em língua escrita.

7. Processo de análise de dados

A pesquisa quantitativa induziu uma série de dados, depois fez a classificação para análise detalhada do tema significativo. Os dados quantitativos podem ser interpretados em três passos, nomeadamente: 1. interpretar os dados segundo as questões de estudo; 2. codificação aberta (open coding); 3. codificação axial(axial coding). Aos passos acima men- 243 cionados, o investigador pode interpretar os dados dispersos da entrevista em temas significativos.10

8. Conserva e confidencialidade da informação Para melhor manter confidenciais todos os dados pessoais dos entre- vistados e o conteúdo da entrevista, todos os dados são guardados num computador protegido por senha e num cofre fechado com senha; estes os dados apenas podem ser consultados pelo próprio investigador, qual- quer outro indivíduo não pode consultá-los sem consentimento.11

IV. Resultado da investigação Os 8 entrevistados para a investigação em causa são macaenses de Ma- cau, dos quais, 6 entrevistados falam o “patuá” como a língua materna. As opiniões dos utentes do “patuá” sobre como preservar, divulgar e dar continuidade ao “patuá” para o desenvolvimento contínuo em Macau são objectivos desta investigação. Ao analisar o conteúdo da entrevista, o investigador divide os dados dos entrevistados em três temas de signi- ficado diferente. O primeiro tema é a dificuldade de recrutar professores de “patuá” de nível elevado; o segundo é o pouco interesse e intenção dos jovens para aprender o “patuá”; o terceiro é o desinteresse do governo português de Macau e do governo da RAEM pelo “patuá”. A tabela 2 em abaixo mostra a resposta dos entrevistados aos temas supracitados.

Tabela 2 Resposta dos entrevistados sobre as temas supracitadas

Desinteresse do gover- Dificuldade de recrutar Pouco interesse e in- no português de Macau professores de “patuá” tenção dos jovens para e do governo da RAEM de nível elevado aprender o “patuá” pelo “patuá”

Afonso ✓ ✓

Bruno ✓ ✓ ✓

10 Saldaña, J. (2013). The coding manual for qualitative researchers (2nd ed.). Thousand Oaks, CA: SAGE Publications. 11 Maxwell, J. (2013). Qualitative research design: An interactive approach (3rd ed.). Thou- sand Oaks, CA: SAGE Publications. 244

Desinteresse do gover- Dificuldade de recrutar Pouco interesse e in- no português de Macau professores de “patuá” tenção dos jovens para e do governo da RAEM de nível elevado aprender o “patuá” pelo “patuá”

Carlos ✓ ✓ ✓

David ✓ ✓

Erica ✓ ✓ ✓

Filipa ✓ ✓ ✓

Joana ✓ ✓ ✓

Sofia ✓ ✓ ✓

Os residentes de Macau de nova geração escolhem normalmente o chinês, o inglês e o português; é fácil compreender que tenham pouco interesse em aprender o “patuá” porque tem pouca utilidade, até só se usa para comunicar com os idosos. (Afonso)

1. Dificuldades de recrutar professores de “patuá” de ní- vel elevado

Os entrevistados nesta investigação são os macaenses idosos de Ma- cau, cuja idade varia entre 68 e 75; a sua profissão é funcionário público ou dona de casa. Uma vez que os entrevistados têm idade avançada, são relativamente dotados de conhecimentos profundos sobre os problemas históricos, sociais, de administração política e de relação entre Macau e Portugal. Em primeiro lugar, os 8 entrevistados declaram todos que foi difícil recrutar professores de “patuá” de nível elevado e elaborar um manual de ensino na época da administração portuguesa e após o retorno de Macau. O Afonso, o Bruno e a Sofia declaram que: Na década de 50 e 60, os professores da secção primária e secundá- ria das escolas portuguesas eram provenientes de Portugal, que falaram naturalmente apenas o português; uma pequena parte deles sabiam falar o dialeto da sua terra de Portugal, portanto, não havia possibilidade de ensino regular do “patuá´” nas escolas. (Afonso) 245

Os professores provenientes de Portugal não eram capazes de ensi- nar o “patuá”, porque tinham estudado em Portugal antes de virem para Macau. Em Portugal não há nenhum curso de língua crioula, não sendo estranho que apenas ensinassem o português. (Bruno) Em Portugal não há um sistema de ensino da língua crioula para professores. Além disso, em Portugal teoricamente apenas, se considera o português ortodoxo como a língua oficial. De facto, no sul e no norte de Portugal existem vários dialetos; por exemplo, em algumas cidades perto de Espanha falam dialeto que tem sido influenciado pela língua espanho- la. Mas estes dialetos não se usam em circunstâncias oficiais. Portanto, normalmente os professores apenas ensinam o português ortodoxo utili- zado pelo governo de Portugal quando vêm para Macau. (Sofia) O David e a Filipa encontraram, quando estudavam na escola pri- mária e secundária, uns professores que dominavam o português não ortodoxo, por causa da naturalidade destes professores, tendo declarado que: Cheguei a conhecer uma professora proveniente de Moçambique que ensinava na escola primária. Ela nasceu em Moçambique; após acabar o curso de formação de docentes em Portugal, veio para Macau ensinar português. Em virtude da sua experiência especial, tinha muito interesse no “patuá”. Aliás, a sua especialidade era o português ortodoxo, por isse, apenas podia estudar o “patuá” na qualidade de estudante, mas não era possível ensinar o “patuá”. (David) Na escola secundária, tinha uma professora de Moçambique, que falava fluentemente o português e o dialeto de Moçambique. Na esco- la primária também tinha uma professora dos Açores, que dominava o português e a rima, o léxico e a gramática especial dos Açores. Estas duas professoras compreendiam e respeitavam a especialidade do “patuá”, até nos encorajaram ao uso do “patuá” nos tempos livres para comunicar com elas. (Filipa) Carlos, Erica e Joana entenderam que era difícil atrair professores de qualidade elevada para ensinar o “patuá”, porque não existia qualquer curso de formação de docentes, nem um manual de “patuá” elaborado por instituições educacionais e por orgãos governamentais. Uma disciplina, mesmo que não tenha qualquer valor prático ou sentido de existência, pode ser estudada na escola secundária ou na uni- 246

versidade. Não podemos ignorar a sua posição académica por não exis- tir uma disciplina com significado. Para os portugueses, o “patuá” tem sentido académico, mas valor de existência baixo. Mas não pode negar- -se o significado da sua existência. Em primeiro lugar, antes da década de 80 faltava em Macau um curso de formação para docentes desta língua; o governo organizava-o e ensinava também o português ortodoxo. Em segundo lugar, os editores locais ou de Portugal não tinham interesse em publicar um manual ou livro do “patuá”. O governo português de Macau também não apoiava a publicação de um manual em “patuá”, pelo que, o “patuá” era ensinada apenas em família. (Carlos) Principalmente, os professores provenientes de Portugal ensinavam o português ortodoxo, não conheciam o “patuá”, sendo impossível ensinar o “patuá” nas escolas portugueses. Além disso, para o governo português de Macau não era agradável o uso do “patuá” pelos macaenses, pois tam- bém o considerava uma língua secundária. Nestas circunstâncias, não havia escolas que ensinassem o “patuá”. (Erica) Há 50 anos atrás, eu tinha uma professora proveniente de Portugal que ensinava na escola secundária e que se interessava pelo “patuá”. Ela pretendia publicar com um outro professor de português um manual so- bre gramática e vocabulário de “patuá”. Porém, o governo português de então estava a discutir sobre a questão da reforma do curso de português; assim, o manual de “patuá” não conseguiu ser publicado. (Joana)

2. Pouco interesse e intenção dos jovens em aprender o “patuá” Do mesmo modo que o tema anterior, todos os entrevistados decla- ram que hoje em dia os jovens de Macau têm pouco interesse e intenção em aprender o “patuá”. Esta questão pode dividir-se em três subtemas, nomeadamente: 1) o desinteresse na utilização do “patuá” na sociedade; 2) ser o “patuá” a língua dos idosos; 3) a grande diferência entre a gramática e o vocabulário do “patuá” e do português.

1) Desinteresse da utilização do “patuá” na sociedade As entrevistadas Joana e Erica declaram que nas últimas décadas na comunidade de Macau o número de pessoas e a frequência do uso do “patuá” são duas situações inferiores ao uso do português. Além disso, as 247 escolas portuguesas locais usam o português como a língua de ensino, os funcionários dos órgãos governamentais utilizam o português como a lín- gua oficial, pelo que, o número de pessoas e a frequência do uso do “patuá” são inferiores ao cantonense e ao português. Há 50 anos atrás, a língua ensinada nas escolas era o português. Na altura os alunos costumavam estudar num ambiente em que se falava o português. Mesmo que houvesse um curso extracurricular de “patuá”, a maioria dos alunos não tinha intenção de aprender. Ainda por cima na sociedade utilizava-se principalmente o e o português e, assim, os alunos não tinham interesse em aprender. (Joana) Hoje em dia, mesmo nos órgãos governamentais, cada vez menos as pessoas dominam o português, muito menos o “patuá”. Nas ruas há muitos anos que não se ouve falar frequentemente o “patuá”. Além disso, o número de pessoas que usa o português também é muito inferior após o retorno de Macau. (Erica)

2) Ser o “patuá” a língua dos idosos Sabe-se através da conversa com os entrevistados que actualmente quem fala fluentemente o “patuá” são os idosos ou os de meia idade; os jovens de Macau já não sabem comunicar em “patuá”. Carlos, David, Fi- lipa e Sofia que têm experiências semelhantes, declaram que: Aprendi o “patuá” quando era pequeno, os colegas da escola primá- ria não aprendiam, apenas um ou dois colegas falavam em casa com os fa- miliares e com os avós. Mas na escola ou nas ocasiões públicas, ninguém falava o “patuá”. (Carlos) Os filhos dos oficiais de Portugal não aprendiam o “patuá”. Pelo que, na escola apenas poucos colegas entendiam o “patuá”. Mesmo os macaen- ses nascidos em Macau não falavam fluentemente o patuá”. (David) Agora sou uma velha; quando era pequena quem usava “Patuá” eram os meus avós. Os meus pais falavam mas não nos encorajaram a aprender, de maneira que a minha irmã mais velha e o meu irmão mais novo não sabem falar o “patuá”. Quando tive os meus filhos, não exigi que apren- dessem. Aprender uma língua é escolha deles. (Filipa) Agora os meus netos não aprendem o “patuá”, porque os meus filhos não sabem falar esta língua. Mais ainda, na escola e na sociedade não há 248

meios para aprendê-la, continuando apenas a ser falada entre os nossos idosos. (Sofia)

3) A grande diferência entre a gramática e o vocabulário do “patuá” e do português O famoso linguísta português do Século XX, Sebastião Rodolfo Del- gado, refere que o “patuá” foi influenciado em grande medida pelo por- tuguês antigo, em termos de gramática, léxico e rima; tem certa seme- lhança com o português antigo, pelo que, mesmo os que bem dominam o português, sem estudo suficiente da língua, não conseguem utilizar o “patuá”. Afonso e Bruno manifestam que: O “patuá” e o português são diferentes em vocabulário, gramática e tom. Aprender o “patuá” como segunda língua, carece de bases de portu- guês antigo e conhecimentos da história de Macau; apenas com conhe- cimento parcial, é insuficiente para compreender os elementos históricos profundos. (Afonso) O “patuá” é um produto histórico da cultura colonial multicultural e da grande época marítima, enquanto o português ortodoxo de Portugal não tem qualquer sinal colonial. Em muitas colónias portuguesas fala-se o português com características locais. O “patuá” é um tipo de português com característica do Sudeste e do Sul Asiático, elementos de que o por- tuguês ortodoxo não dispõe. (Bruno)

3. O governo português de Macau e o governo da RAEM ignoram o “patuá” Os utiliazdores do “patuá” eram macaenses nascidos em Macau, os oficiais, os imigrantes e os seus descendentes basicamente não tinham qualquer conhecimento do “patuá”. A administração e os principais car- gos do governo português de Macau eram assumidos pelos funcionários públicos provenientes de Portugal, não lhes agradando o uso do “patuá” pelos macaenses de Macau. Até à década de 80, após a assinatura da Declaração Conjunta dos Governos de Portugal e da China, o governo português de Macau conduziu as escolas privadas de ensino não superior a ensinar o português com incentivos de ensino gratuito, mas a série de políticas acima referidas apenas se limitava ao português ortodoxo, e não ao “patuá”. 249

Até ao retorno de Macau e ao estabelecimento da RAEM, o governo central da China definiu Macau como “plataforma de cooperação econó- mica e comercial entre a China e os países de língua portuguesa”, visando construir relações económicas e comerciais entre Macau e os países de língua portuguesa; aliás, o português de que aqui se trata é o português ortodoxo. Bruno, Erica e Filipa partilham a mesma opinião sobre a ati- tude do governo português de Macau em relação ao ensino do português nas escola e sobre o “patuá”:

Anteriormente o governo português de Macau sempre encorajou os cidadãos de Macau a aprender o português; após a assinatura da Declara- ção Conjunta dos Governos de Portugal e da China, ainda foram lança- das políticas preferenciais, isto é, os residentes chineses com experiência de anos de estudo do português podiam ter preferência na entrada na ad- ministração pública. Porém, seja antes do retorno ou depois, a oportuni- dade de aprender o “patuá” foi muito menor do que o português. (Bruno)

Os cursos de português ou de tradução dos institutos de ensino superior e da Escola Técnica da Direcção dos Serviços de Assuntos Chi- neses ensinavam o português; provavelmente havia aulas leccionadas por professores de nacionalidade brasileira, mas o ensino do “patuá” não era aceite nos cursos. (Erica)

Quando era jovem, o governo e a escola não permitiam que os alu- nos utilizassem o “patuá” para comunicar entre si ou com o professor dentro da escola, caso falassem “patuá”, muito provavelmente seriam re- gistados negativamente. Pelo que, antigamente as crianças só podiam usar o “patuá” fora de escola e quando falavam com os familiares. Isto restrin- gia grandemente a circulação do “patuá”. (Filipa)

Nos últimos anos, após ampla consulta, o governo aprovou a Lei de Salvaguarda do Património Cultural e o “Teatro em Patuá” foi definido como o património cultural intangível de Macau. Vários entrevistados desejam que o governo tome acções práticas para conservar o “patuá” de forma mais eficaz. Joana e Carlos manifestam que:

Agora o governo convida os indivíduos que dominam o “patuá” para participarem uma vez por ano no teatro em “patuá” durante o Festival de Artes. Este tipo de conservação ajuda a longo prazo. Muitos cidadãos e turistas apreciam o nosso teatro, mas apenas apreciam. Como será se esta língua continuar? O governo já determinou esta língua e a sua cultura 250

como património cultural. Mas então porquê não toma medidas para as novas gerações a aprenderem? (Joana)

Amigos meus têm filhos que desejam aprender o “patuá” e a sua cul- tura. Mas o governo e as instituições privadas apenas fornecem o curso de português, e não de “patuá”. Se o governo não for o primeiro a organizar o curso, como é possível promover e conservar o “patuá” de forma eficaz? (Carlos)

V. Discussões

No quarto capítulo anterior, são expostas as opiniões dos 8 entrevis- tados que dominam fluentemente o “patuá”, e o porquê de o “patuá” não ser capaz de circular efectivamente em Macau e a possibilidade de as ins- tituições educacionais, as organizações não governamentais, as associações não lucrativas proporem em conjunto ao governo conservar, promover e dar continuidade ao “patuá” com características de Macau. Entendem que principalmente existem três causas, nomeadamente, a dificuldade em recrutar professores de “patuá” de nível elevado, o pouco interesse e intenção dos jovens em aprenderem o “patuá” e o desinteresse do governo português de Macau e do governo da RAEM no “patuá”.

1. A dificuldade em recrutar professores de “patuá” de nível elevado

Os aludidos 8 entrevistados abordam de modo diferente a questão da falta de professores e manuais de “patuá”, bem como a dificuldade de atrair editoras para a impressão. Em primeiro lugar, em Macau sob a administração portuguesa, houve muitas associações que organizaram cursos de formação de docentes para os infantários, escolas primárias e es- colas secundárias, mas não há registos de cursos de formação de docentes para o ensino do “patuá”. Naquela época, os professores das instituições de ensino não superior que ensinavam português eram provenientes de Portugal e a maioria dos professores de português falavam só o português ortodoxo. Além disso, o curso de formação de docentes em Portugal não tinha a componente de instrução para os estudantes aprenderem os lín- guas das províncias ultramarinas; portanto, não houve um regime para o ensino do “patuá” nos seus cursos. 251

Em segundo lugar, dois entrevistados manifestaram que tinham en- contrado professores nascidos nos territórios ultramarinos de Portugal. Embora estes não falassem o “patuá”, encorajaram-nos a comunicar com os familiares utilizando a sua língua. Por falta de ensino básico e de for- mação de adultos em “patuá”, mesmo os professores provenientes dos ter- ritórios ultramarinos de Portugal não eram capazes de aprender o “patuá” em Macau. Em terceiro lugar, as instituições privadas e os organismos gover- namentais tomaram atitudes negativas sobre a publicação de manuais e publicações em “patuá”. Houve um académico que exigiu aos organismos governamentais e às editoras que produzissem manuais e publicações em “patuá”. Mas porque o governo se oponha fortemente ao uso do “patuá” pelos residentes de Macau na comunicação social, não foi permitida a pu- blicação deste tipo de materiais. Em termos de instituições privadas, dado que Macau é uma sociedade onde a maioria da população é chinesa, as publicações em “patuá” e em português não davam lucro. Assim, os edi- tores privados também tinham uma atitude negativa sobre a publicação desta espécie de materiais. As aludidas três justificações explicam porquê em Macau era difícil haver professor de “patuá” de elevada qualidade e manuais da língua. De há muito que os jovens não eram capazes de aprender o “patuá” na escola, de modo que é esta a situação actual.

2. Pouco interesse e intenção dos jovens em aprenderem o “patuá” Em primeiro lugar, quer o governo português quer o governo da RAEM após o retorno, escrevem e utilizam nas ocasiões públicas o portu- guês ortodoxo. Todos os entrevistados enfatizam que os serviços governa- mentais apenas utilizaram o português como a língua oficial ou a língua não oficial de comunicação. Após o retorno, nos termos do art.º 9º da Lei Básica, além da língua chinesa, pode usar-se também a língua portu- guesa nos órgãos executivo, legislativo e judiciais da Região Administra- tiva Especial de Macau, sendo também o português língua oficial. Mas o português referido no art.º 9º da Lei Básica é o português ortodoxo, em vez do “patuá”. Pelo que, em Macau, onde a maioria da população é chinesa, em conformidade com a disposição da Lei Básica, na maioria das ocasiões utiliza-se o chinês como a língua de comunicação. Mesmo que 252

haja situações em que se utiliza o português, o português ortodoxo torna- -se a segunda língua oficial do governo.

Em segundo lugar, a partir do século XX, o governo português de Macau não encorajava os residentes de Macau a aprender e utilizar o “pa- tuá” como língua de comunicação. Alguns entrevistados manifestaram que os seus pais não encorajaram o uso do “patuá” em casa, até consi- deravam que o “patuá” poderia afectar o seu trabalho. Portanto, nem todos os macaenses de Macau nascidos em meados do século XX falam o “patuá”. Para a geração mais jovem não há programas para estudar siste- maticamente o “patuá”; assim o “patuá” já é classificado como a língua de idosos.

Em terceiro lugar, uma vez que o português ortodoxo e o “patuá” são muito diferentes em termos de gramática e de vocabulário, aprender o “patuá” é como aprender uma nova língua, em vez de um ramo do português não ortodoxo. Além disso, quando se aprende o “patuá” ainda se deve ter conhecimentos básicos do português antigo e da história de Macau. Os filhos de alguns oficiais provenientes de Portugal não tiveram muito interesse na história de Macau, o que afectou a circunstância do “patuá” em Macau.

As aludidas três justificações explicam porquê os jovens têm pouco interesse e intenção de aprender o “patuá” a partir da década 40 do século XX até aos dias de hoje, isto é, o governo português de Macau, o governo da RAEM e os sectores da sociedade não encorajam os jovens a aprende- rem o “patuá”, enquanto que aprender o “patuá” carece de base linguís- tica, cultural e histórica. Pelo que, desde o século passado o número de estudantes de “patuá” é muito inferior ao dos estudantes de português.

3. O desinteresse do governo português de Macau e do governo da RAEM no “patuá”

Nos programas de ensino básico e de ensino superior, o governo por- tuguês de Macau e o governo da RAEM principalmente promoveram o ensino do português, em vez do ensino do “patuá”. De facto, na época da administração portuguesa muitos oficiais provenientes de Portugal e seus filhos apenas estavam por curtos ou médios períodos de tempo em Ma- cau e, assim, não escolhiam o “patuá” como segunda língua. Além disso, as pessoas provenientes de Portugal conseguiam comunicar na sociedade 253 de Macau em português, não havendo motivação especial para aprender o “patuá”. Nos últimos anos, o governo da RAEM começou a dar atenção à importância do “patuá”. São convidadas pessoas para apresentarem várias sessões de “teatro em patuá” no Festival de Artes organizado anualmente, assim mostrando a importância do “patuá” para Macau. Um entrevistado manifesta que o governo da RAEM deve ainda esforçar-se por oferecer e promover sistematicamente programas de formação e educação do “patuá”, a fim de remediar as faltas de muitos anos.

VI. Conclusão e sugestão Durante mais de 400 anos Macau desempenhou sempre o papel de intermediário nas transacções comerciais e um local onde a cultura oriental e a ocidental se encontram, possuindo as vantagens imcompará- veis da cultura chinesa, portuguesa e do Sudeste Asiático. Em termos de população, embora a população portuguesa não represente a maioria da população de Macau actual, a sua existência para a história de Macau e a sua língua são partes importantes integrantes.12 Após analisar o resultado desta investigação, o investigador apresenta duas sugestões. Primeira, o governo da RAEM confirmou esclarecidamente a im- portância do “patuá” desde o ano de 2013, sendo este o primeiro passo do seu desenvolvimento contínuo. No entanto, a conservação sustentável do “patuá” é mais importante do que a conservação passiva. A Direcção dos Serviços de Educação e Juventude e o Instituto Cultural, entre outros serviços da RAEM, devem produzir uma série de manuais, dicionários, gravações de áudio, DVD, diversas espécies de publicações para leitura, livros de histórias infantis e mústica infantil em patuá para encorajar o público a conhecer e a criar interesse no “patuá”. De facto, não é fácil levar o público a aceitar alguma coisa nova num curto tempo; por isso, o governo da RAEM deve promover a existência do “patuá” em Macau a longo prazo e o seu desenvolvimento sustentável. Segunda, além de publicar materiais de ensino do “patuá” e promo- ver o estudo do “patuá”, a DSEJ e as respectivas entidades podem criar

12 Cheng, M. B. C. (1999). Macau: A cultural Janus. Hong Kong: Hong Kong University Press. 254

cursos de formação de professores de “patuá”. Para atingir o objectivo do desenvolvimento sustentável, não pode deixar de se fomar uma equipa de professores de “patuá” com qualidade. Actualmente o número de pessoas que dominam fluentemente o “patuá” é cada vez mais reduzido. Assim, os respectivos serviços devem coordenar os professores e os alunos para participarem em programas de formação na língua e de formação de docentes, com vista a aliviar o fenómeno da falta deste tipo de pessoas no futuro. Por outro lado, o governo da RAEM pode colaborar com as instituições de ensino superior para organizar cursos de língua e cursos de formação de docente em “patuá”, para formar um grupo de indivíduos com habilitações literárias de alto nível que dominem o “patuá”. Através de ensino básico e do ensino superior, pode promover o desenvolvimento contínuo do “patuá” em Macau. Conclui-se que o “patuá” e os macaenses não são a minoria mais notória na comunidade de Macau que tem a população chinesa como a maior parte, mas é um fenómeno muito raro na zona do Sul da Ásia. A par do “Centro Mundial de Turismo e Lazer” e do “Fórum para a Coo- peração Económica entre a China e os Países de Língua Portuguesa”, e ao mesmo tempo da promoção adequada da diversificação da estrutura industrial de Macau, o governo da RAEM e os sectores sociais devem empenhar-se em conservar o património cultural intangível singular de Macau. De facto, não é possível conservar e promover efectivamente o património cultural intangível, incluindo o “patuá”, contando simples- mente com o governo da RAEM. O público e os interessados na história e na cultura de Macau devem cooperar e apoiar o governo da RAEM em proteger o património cultural imaterial de Macau. Administração n.º 116, vol. XXX, 2017-2.º, 255-257 255

Esclarecimento analítico sobre o relacionamento entre o poder governativo global das Autoridades Centrais e a auto- nomia de alto grau das regiões administrativas especiais Leng Tiexun (pp. 119) China’s resumption of the exercise of sovereignty over Hong Kong is to resume the exercise of complete sovereignty including the power of jurisdiction. The Central Authorities of China have comprehensive jurisdiction over the Hong Kong Special Administrative Region (SAR). The high degree of auton- omy of the Hong Kong SAR is authorized by the National People’s Congress through the Basic Law. The comprehensive jurisdiction of the Central Au- thorities and the high degree of autonomy of the SAR are two different pow- ers. Regarding the nature of the power, the former is the power for governing the national affairs and the latter is the power for governing the local affairs; regarding the source of the power, the former is an inherent power and the latter is an authorized power; regarding the sequence of the power, the former is a fundamental power and the latter is a derivative power.

O Desenvolvimento económico e social e a acção da assistência e da caridade em Macau na segunda metade do Século XX Lou Shenghua (pp. 133) Charity is closely related with socioeconomic development. In the second half of the twentieth century, Macao economy adjusted herself to changing of the uncertain international environment. Meanwhile, refugees streaming and natural disasters such as typhoon and fire brought Macao a great deal of relief work. Then Macao charity activities include establishing association to relief each other, providing disaster relief, medical and health services, basic education and professional social service such as geriatric care, disability rehabilitation ser- vice, community service, domestic service, youth Service and volunteer work.

O Sistema de assistência social multi-abrangente e com múltiplos suportes de Macau Yin YiFen (pp. 177) Macao social assistance system can be divided into three categories that include social assistance to poor family, to low-income families and to specific vulnerable groups. Social assistance to poor family covers financial assistance, community employment assistance program, a positive life service program. 256

Among them, there are general economic aid assistance, special assistance and sporadic aid assistance in financial assistance; Social assistance to low-income families covers three disadvantaged families living allowance, special subsidies for short-term food; Social assistance specific vulnerable groups covers dis- ability services, elderly services, individual and family counseling services and disaster service. In order to cope with the operation of the multiple social assis- tance model, Macao has formed a cooperation model between the government and the civil society, providing a better social safety net for the public.

O Português Na China – Um Caso de Sucesso Carlos Ascenso André (pp. 197) The last week of July 2017, Macau received one of the most important academic meetings of lusophone studies, on a multidisciplinary level (Portu- guese language and cultures, literatures, history, sociology, theatre, cinema and so on of Portuguese speaking countries). More than 150 university professors and researchers from 80 universities and 18 countries came to Macau for the XII Congresso da Associação Internacional de Lusitanistas, that happens each three years. This is a good pretext to have a look over the Portuguese in China: the last 10 years Portuguese had a fantastic boom - from 6 universities ten years ago, Portuguese is now present in 35 universities, 23 of them as maior; in those universities more than 2,000 students learn the language; and this is just the beginning; soon this number can touch maybe 3,000. In this process, Macau has an important mission – it is a legacy of History and it is also a strategic decision of political authorities. And IPM assumed that mission in several ways. This article shows how the study of Portuguese language grew up in mainland China in recent years, the perspectives for the next future, the mis- sion of Macau in that process and the challenges to be faced by universities of mainland and of Macau.

Algumas Notas de Iure Condendo Sobre a Distribuição Dinâmica do Ónus da Prova no Direito Probatório Material da Região Administrativa Especial de Macau Hugo Luz dos Santos / Wang Wei (pp. 203) The present article intend to, in light of Macau Legal Framework and comparative law of Portugal, Brazil, , Argentine, Germany, France, 257 shed light about the prominence of dynamic distribution of burden of proof theory especially within the scope of medical tort law. We further assert in this article that dynamic distribution of burden of proof theory is duly needed in order to deepen the legal protection of the pa- tient in the ambit of medical tort law.

Conservação, divulgação e sucessão de “Patuá” para o seu desenvolvimento contínuo em Macau do ponto de vista de utentes de “Patuá” Luís Miguel dos Santos (pp. 235) Macau is a well-known city where the east met the west. In mid-2005, United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization (UN- ESCO) has announced that The Historic Center of Macau has become one of the World Cultural Heritage locations in China. Further in 2013, after a large number of discussions with different organizations and parties in the Macau community, the Macau SAR government established the “Cultural Heritage Protection Law” to protect and promote the importance of both tangible and intangible cultural heritage in Macau. As for the intangible cultural heritage of Macau, “Macanese Patua Drama” is listed as one of the intangible cultural heritage items. According to the Atlas of the World’s Languages in Danger published in 2010, only 50 Macanese Patua language speakers are alive in the current global society. The purpose of this research is to understand how to protect, promote and pass down the traditional Macanese Patua language for sustainable development from the perspective of Macanese Patua language speakers in Macau. The research discovered three main themes, which are: 1) Difficult to attract a high level of Patua language teachers; 2) Young residents do not have the interests to learn Patua language; 3) The Portuguese-Macau government and the Macau SAR government do not focus on the development of Patua language. The result of this research tends to provide sustainable recommen- dations to the government, educational institutions, NGOs, and NPOs to protect, promote and pass down the traditional Macanese Patua language for sustainable development.