SOB O SIGNO DA CRUZ, A VERMELHA FLORESCE: A origem de nas memórias paroquiais de (1840-1900)

Ana Maria Ferreira de Oliveira Profª. Msc. Maria Nely dos Santos* Prof. Msc. Uilder do Espírito Santo Celestino**

Introdução

O estudo consiste no resgate das memórias paroquiais através dos manuscritos dos Livros do Tombo e de outros documentos que remontam participação da igreja católica na formação territorial e sociocultural de Paripiranga na ; entre 1840-1900. Considera-se aqui, a necessidade de entendimento dos processos históricos que condicionaram o surgimento da povoação; tendo ano de 1840, como marco inicial por anteceder à construção Professor Marcionillo – Fonte: Acervo da Capela de Nossa Senhora do Patrocínio; o que veio a ocorrer em meados de 1846. Pessoal O estudo das memórias paroquiais registradas nos LT bem como de outros documentos de registro interno, possibilita o contato com uma gama de informações acerca dos processos administrativos e socioculturais que conduziram o povoamento e formação de Arraiais e Vilas no sertão da Bahia. Em Paripiranga, a forte influência da Igreja Católica na vida social e cultural dos habitantes, resiste às complexidades inerentes ao tempo presente; como um forte indício da atuação decisiva da Igreja na formação do Arraial de Malhada Vermelha1, que deu origem à cidade. A pesquisa documental volta-se para a coleta e a análise de fontes escritas, e atenta-se para a diversidade de registros manuscritos e impressos. A riqueza de detalhes, o capricho nos registros; a “voz” e a letra do pároco estão compaginadas, em referências diretas e indiretas, a respostas e sentimentos da comunidade no seu conjunto. Elas volvem-se, deste modo, a apresentação das comunidades por si próprias; fundindo os sentimentos e as referências comunitárias. O confronto das fontes conduziram á observação dos aspectos históricos que envolvem povoamento e organização territorial de Paripiranga no Período Imperial.

O processo de ocupação do sertão baiano e a formação de Paripiranga

O historiador Cândido da Costa e Silva em sua obra Roteiro de Vida e Morte, que consiste em um estudo sobre o a expansão do catolicismo no sertão baiano; atesta que o povoamento de Malhada Vermelha teve início em meados do XVII, por conta da expansão dos pastos para criação de gado e concessão de sesmarias. Porém, nessa região do Vaza- Barris o processo de exploração das terras sofreu alterações em decorrência dos aspectos geográficos2 e das ações da igreja católica:

A partir da trilha do gado, o rio se foi tomando uma risca por entre as sesmarias, margeantes, desdobradas através de seus tributários de que o rio do peixe é a expressão maior. Em começos do século XVII, alguns já obtinham alvará de sesmarias, em que se pese quase nunca corresponder ao título de posse uma presença desbravadora, o que se inclui, entre outros, o ato de 20 de agosto de 1733, em que o Conde de Sabugosa transfere para Mathias Curvelo de Mendonça, morador da Capitania de Sergipe, a posse da “sesmaria de Legoa e meyo de terra pelo Ryo salgado de vaza-barris a sima de comprido, e 1 delargo, P.ª Sertam, thé abara da Tábua, cujas sehavião dado no ano de 1609 a Bento da Costa machado”. O primeiro agraciado lá não foi; é verdade, porém as terras de Paripiranga àquela altura, já não se perdem por desconhecidas, de vez que alcançadas nessas demarcações3.

A evolução histórica de Paripiranga ocorre em vários períodos. O primeiro período compreende a chegada dos índios primeiros habitantes da região, sendo eles os Índios Tapuias, fundando nas Matas, o Aldeamento da “Cerca Verde”. O segundo compreende a penetração dos colonos, com a distribuição de Sesmarias. Ainda são muito escassas as informações acerca dos povos que habitaram Paripiranga antes da chegada dos senhores de terras. Nos registros paroquiais existem apenas menções á sua existência, e a relação conflituosa com os posseiros. Em 1982, Cândido da Costa e Silva relata dificuldade em encontrar fontes mis precisas acerca da dos índios que habitaram Paripiranga até meados do século XVIII:

É bem provável que na fase de ocupação do espaço pela pecuária, os Kiriri do Coité se tenham refugiado em seus brejos de altitude, ou melhor, no sítio onde hoje está concentrando o seu núcleo urbano. Atestam as urnas funerárias (porrões de barro contendo ossos, colares de dentes e artefatos plumários), indiscutíveis vestígios de sua cultura, extraídos do ventre da terra ainda em 1972, por tratores que executavam trabalhos de terra planagem em área do antigo Engenho Coité. Daí são expulsos pela frente

agrícola humanamente mais compacta que se desdobra como momento segundo e mais agressivo do povoamento, porque com propósitos mais definidos de se fixar4. A narrativa de João Batista de Souza, habitante de Paripiranga no final do século XIX; publicada no semanário O Ideal em 1953; confirma o que nos diz o autor, ao tratar de suas memórias de juventude no final do século XIX, e transcrever o depoimento de uma das mulheres que compunham a expedição de exploração e povoamento das terras que hoje correspondem ao município de Paripiranga:

[...] Mas na minha verde idade, conheci uma centenária, ascendente da família Dória, que com 116 anos de idade naquela época, contava ter sido uma das que primeiro pisaram terras de Paripiranga, na companhia do capitão encarregado de perseguir e expulsar, como o fês com os índios selvagens do lugar. Começando logo que chegou, a construção de um barracão, onde todos ficaram alojados. Dizia: - Eu tinha apenas 16 anos de idade, na época. Tudo aqui era mata. Apenas habitada pelos bugres. Não longe do nosso acampamento, foi encontrada uma lagoa oculta no meio da mata. É a atual “Lagoa Escondida [...]5.

Pela narrativa acima exposta, Paripiranga teve seus primeiros habitantes naquele destacamento, isto é, em fins do século XVIII, em 1795, ou 1796. Chamou-se a princípio, “Malhada Vermelha” e pertencia ao município de . No final do século XVII e início do XVIII, já começa a organização de alguns sítios e fazendas de gado, espalhadas das Matas do Coité6 para o sertão. Como a fama da fertilidade das terras da região logo se espalhou, a cada ano, chegavam colonos dos mais diversos cantos da Bahia, de Alagoas, e de Sergipe. No mesmo período, surgia à beira da Estrada Real7, entre as Matas do Coité e da Moita, achava-se um homem chamado Simão Dias, que em pouco tempo se destacava como criador, produtor e comerciante. Aos poucos, surge á beira da venda do Simão Dias, uma feirinha; amplamente frequentada pela população vizinha, composta por empregados, roceiros, vaqueiros e descendentes de Manoel de Carvalho Carregosa; todos já ali domiciliados com suas famílias e bens; além dos passageiros em busca de descanso e de mantimentos que suprissem as principais necessidades nas longas viagens. Já estabelecido com o seu Engenho Santa Cruz, José Vitorino de Meneses vê o fruto de o seu trabalho brotar nas Matas do Coité. Mais ao norte, logo surge o Engenho Coité de Joaquim José de Carvalho, sobrinho de Manoel de Carvalho Carregosa. Assim, o “Ciclo da cana-de-açúcar”; chegou ás matas de Simão Dias e do Coité, pelas mãos dos Carvalho e dos

Menezes que investiram nas “fábricas”, composta pelo uso de tração animal; tendo como instrumentos de trabalho apenas machado e o carro de boi; onde o serviço era todo ele artesanal, desde a derrubada das matas virgens até a edificação das casas de engenho, com sua complexa e rudimentar estrutura. Tudo isso em locais mais distantes da costa. O bom desempenho dos engenhos Santa Cruz e Coité atraíram a vinda de maior número de colonos e a organização de vários sítios e fazendas e com a fundação de mais um Engenho; dos Fraga Pimentel. Até que já no final do século XVII um pequeno povoado começa a surgir nas imediações do riacho e do Engenho Coité; à sombra de uma planta de mesmo nome. Silva (1982) destaca as forças do individualismo agrário como fator que concorre para a mais forte apropriação privada da terra, dos recursos e da renda agrícola. É um envolvimento e concorrência vinda do capitalismo comercial e da sociedade rentista que com o forte apoio das câmaras dos concelhos põe em causa esta sociedade e economia agrária, tradicional, de forte base social – comunitária. E sofre também a forte concorrência da organização eclesiástico-paroquial, que na freguesia e igreja matriz quer concentrar o essencial do funcionamento da vida social-paroquial à volta da igreja e do pároco.

Matriz de Nossa Senhora do Patrocínio: a igreja como centro da vida cultural e instrumento de construção de identidade

ARRAES (2012) trata da urbanização do sertão nordestino entre os séculos XVII e XIX, vinculando-a ao que chamou de Curral de Reses; onde tece as questões que envolvem o fenômeno urbano no interior do nordeste açucareiro, no que tange à atuação pecuária extensiva no processo de povoamento, garantia da posse da terra e desenvolvimento de aglomerados urbanos que foram se formando ao longo dos caminhos abertos pela pastagem do gado. Com o passar do tempo, as essas trilhas são usadas pelas autoridades coloniais e clericais para erguer aldeamentos missioneiros; que na visão do autor, corresponde aos Currais de almas. Visando o bem material e espiritual da Igreja e da Ordem de Cristo e a conversão dos nativos. Curral de almas busca esclarecer a ação da Igreja Católica, unida ao Estado português, no que cerce a fixação e congregação tanto dos índios que habitavam a região, quanto dos sertanejos nômades, em busca do melhor lugar para assentar moradia.

O Engenho de Coité ficava bem próximo da linha divisória, em redor dessa pequena povoação a circulação de pessoas e mercadorias ente Coité e Matas de Simão Dias era intensa; tanto que os fiéis de Coité frequentavam a igreja de Snt’Ana, e nela cumpriam todos os sacramentos da fé católica, por não haver ainda tempo religioso erigido no lugar, e por ser esta, a igreja mais próxima. Este povoado não foi muito além, em decorrência de algumas inconveniências trazidas pela política da época, com ressonância já aos problemas de jurisdição. Os Confrontos eram liderados pelos moradores mais influentes do Coité, ávidos maior autonomia, afirmação do seu prestígio na região, e estimulados pelas altas autoridades baianas de ; temerosas pela perda das terras sob sua jurisdição, logo travam uma intensa e nada amistosa discussão com os religiosos e os políticos das Vilas de Lagarto e de Simão Dias; que insistiam em anexar as terras do Coité aos limites de sua paróquia; uma vez que atendiam aos anseios das almas cristãs dos moradores. Cândido da Costa e Silva ressalta ser essa disputa “coisa que nunca preocupou o povo, sempre distantes das esferas de decisão e estranho às sutilezas canônicas”8. Cresce nesse embate, a necessidade de definir e se fazer respeitar os limites paroquiais da povoação. Em 22 de junho Em 1846, o Vigário de Bom Conselho, Caetano Dias da Silva, encaminha correspondência ao Presidente da Província da Bahia, informando da construção da Capela nas Matas do Coité: [...] “Nas Mattas desta Freguesia, acha-se o Major José Antonio de Menezes, erigindo outra, mas ainda não apresentou dote, o que pretende fazer e eu exigirei, achando-se Ella pronta” [..]9. Próximo ao local escolhido já existia uma malhada10 edificada em terrenos de coloração muito avermelhada, no local que hoje corresponde ao Largo Dois de Julho; usada como abrigo para vaqueiros e gado vindos do sertão. Com a construção da Capela, a povoação recebe o nome de Malhada Vermelha, porém o nome Coité continuou a ser usado. Desde a sua construção a Capela de Nossa Senhora do Patrocínio sofreu grandes reformas, por conta do desenvolvimento da Vila e do crescimento da população e do número de fiéis. Dentre essas reformas, destaca-se a de 1888, ano em que a Vila de Patrocínio do Coité passa ser município. Como primeiro intendente de Patrocínio do Coité, O vigário Vicente Valentim da Cunha deu início à ampliação e construção das torres:

Em 1847 o nosso povoado era só um renque de casas em mau estado; logo depois vamos encontrar, em 1872, a vila transformada, com a Praça da Matriz rodeada de casas e mais duas ruas, a Rua do Carrapicho, em descida

ao Tanque da Missão, e Rua da Lama, reflexo palpável do surto de desenvolvimento que invadiu a região. Quando a Freguesia foi criada, em 1871, tivemos a vinda do Padre Vicente Valentim da Cunha. O Padre Vicente, tempos depois, tornou-se o primeiro intendente de Patrocínio do Coité; com a emancipação político, em 1888, conseguiu recursos para reconstrução da Igreja, reformas estas que só vieram ser efetivadas em 1903, já com o Padre Dr. João de Matos Freire de Carvalho. Segundo dados históricos, a data que está gravada no alto da Igreja Matriz, com o ano de 1888, homenageia o ano da nossa independência política, efetivada em 1° de fevereiro de 1888, com a Eleição e posse da nossa primeira Câmara e primeiro Intendente. Em toda a nossa história a Igreja Matriz de Paripiranga teve seu papel importante para o desenvolvimento da Comunidade11.

No campo administrativo, a influência da igreja se dava de tal forma que os limites territoriais das povoações que se formavam, a exemplo de Patrocínio do Coité, eram traçados pelos representantes diretos da igreja, no caso o Pároco. Cabia ao Pároco, o registro para coleta de tributos, para condução dos fiéis nas práticas da fé católica, e auxílio das autoridades nas questões politico-administrativas, que atestava o prestígio e a autoridade da igreja, como instância mediadora das questões sociais; como mostra a transcrição feita do LT da paróquia de Nossa Senhora do Patrocínio, de parte da ata escrita pelo Pároco João de Mattos Freire de Carvalho, prestando contas a seus superiores de direito, sobre os limites da paróquia de Nossa Senhora do Patrocínio:

Certifico que, revendo o Livro do Tombo desta parochia, á folha 30 encontrei o seguinte lançamento feito por mim, a saber: “Limites da Parochia do patrocínio do Coité, Cópia: “Lei de 22 de Maio de 1871, N. 1168. Francisco José da Rocha, Vice-Presidente da Província. Faço saber a todos os seus habitantes que a Assembléia Provincial decretou e eu sancionei a lei seguinte: Art. 1º Fica creada uma freguesia com denominação de Nossa Senhora do Patrocínio do Coité, cuja matriz será a capella de mesmo nome, desmembrada da Freguesia de bom Conselho dos Montes do Boqueirão [...]12.

A influência da igreja na demarcação de terras era tal, que os limites das paróquias correspondiam aos limites territoriais das povoações, pois estavam sob influência da Igreja Católica, e todos os habitantes, considerados seus fiéis, já que o Pároco acumulava as funções religiosas e político-administrativas. Silva (1982) salienta que, como as populações sertanejas construíram suas manifestações religiosas longe dos olhos da Igreja, dada as dificuldades de acesso e à ausência frequente de parocos e demais ministros da igreja; o sertanejo recriou o catolicismo de acordo

com suas necessidades, experiências e influências culturais. Assim, ao adentrar as terras do sertão baiano, a Igreja, de algum modo, criou espaço para que as pópulações que ali se formaram recriassem o catolicismo adaptando-o aos aspectos culturais que já traziam consigo. Silva (1982) destaca ainda que a enorme profusão de capelas na paisagem rural é naturalmente a expressão por excelência das formas de povoamento no lugar ou na aldeia e da sua constituição social e económica de base. À volta da capela, se estruturarão ainda muitas vezes atos sociais importantes destas comunidades: a festa devota e festiva ao santo e outros atos festivos e religiosos ao longo do ano, as procissões, votos e romarias; a persistência no largo da capela, de comércio, feira e mercado e também a realização de certos atos de divertimento profano. A vida dos cristãos sertanejos está alimentada em grande escala pela mística da cruz, decorrente da perspectiva penitencial que orientou a sua formação, reforçada pelo regime de privações e sofrimentos constitutivos do seu mundo... Não o bastante, a mensagem, atua nessa mística um outro elemento, de peso não desprezível e sentido afirmativo. Desempenha certa função encorajante nas dificuldades e impasses. A força para persistir. Para esperar contra toda esperança. Para lutar, não se entregando ao cansaço, ao desânimo, ao desespero13.

A Construção de Capelas nos mais longínquos cantos da província e o aglomerado de fiéis que ao redor delas buscava proteção divina e sucesso na labuta diária, na perspectiva de desenvolvimento social e econômico, esbarra nas dificuldades estruturais. Os párocos nomeados muitas vezes rejeitavam a missão ou demoravam-se por pouco tempo nas povoações, por não habituarem-se ás condições de prática e vivência a qual eram submetidos. Numa situação em que os limites paroquiais ainda não existiam e a população ainda dispersa, não permitia ao pároco o conhecimento e o “controle” da sua paróquia e do seu “rebanho”. Na então povoação de Malhada Vermelha, após a construção da Capela, a igreja encontrou dificuldade em encontrar um padre que assumisse de forma permanente os assuntos espirituais e administrativos do lugar. Silva relata em sua obra, como se deu o processo de escolha do pároco e as dificuldades por ele enfrentadas:

Sem bens patrimoniais que cobrissem as necessidades do culto e do pároco e a indigência de uma pobre capela, não atraía á nova paróquia, o interesse dos presbíteros. O primeiro indicado recusou. O segundo esteve por dez meses. Só em maio de 1873, abre-se o período dos dois paroquiatos que serviram de referencial a este nosso estudo. Ambos formados no antigo regime. O primeiro, Padre Vicente Valentim da Cunha, Originário do Recôncavo baiano (Bom jardim – 1847), de família pobre, esteve á frente da

comunidade até 1894, quando a implantação da República lhe criou dificuldades junto ás lideranças liberais, que o ameaçaram de expulsão, montado de costas, em um lombo de boi. Temeroso da humilhação abrigou- se em um sítio do líder conservado que discretamente lhe agenciou a partida14.

A convivência ente colonos e representantes da igreja nem sempre foi harmoniosa nos tempos de Patrocínio do Coité. Os párocos relutaram e aceitar a missão de conduzir “rebanhos de almas” em locais onde a população em geral era pobre e vista como pouco civilizada aos olhos da arquidiocese dada as condições de vida serem muito precárias, dada a não poderia prover a igreja dos de suas necessidades consideradas vitais, de modo a garantir aos párocos o conforto e o colhimento desejado. A situação apresentada pelo autor no texto acima, se repetiu em outros momentos com os padres enviados para o já distrito de Patrocínio do Coité, após a partida do Padre Vicente Valentim, que mesmo após envio Arcebispo da Bahia de monção de apoio por parte de facção política local, defendendo o seu paroquiato e apelando junto ao bispo para o seu retorno; o padre Vicente permaneceu distanciado do então distrito, e m seu lugar, foi enviado, como Vigário encomendado, permanecendo por quatro anos, o Padre Delphim Antunes de Souza; que assim como o Padre Vicente Valentim, teve que sair às pressas e às escondidas; por conta de ameaças da população revoltada com a atitude do pároco em expulsar um grupo de zabumbeiros negros, convidados pelos jovens a apresentarem-se durante a celebtração em homenagem á padroeira. O caso do padre Delphim é mencionado pelo jornalista Francino Silveira Déda, em uma de suas crônicas de memórias publicada no jornal O IDEAL de 1954:

[...] E nesse vai mais não vai, a população quase em peso ficou ao lado dos mordomos e em gente à casa do Padre eram ditos impropérios e alguns lembravam até aquela velha história de “montar padre em Boi”. O Hespanhol assustara-se e sem ser visto, fugiu da Vila e veio para o Engenho Baixão” deste Município; daí tomou condução até o Engenho “Oteiros” no extremo deste município; e daí dizendo seguir para a Bahia, não deu notícia15.

O texto de Francino nos dá claros exemplos dos aspectos bastante singulares do catolicismo implantado no sertão baiano e que se manifestou em Paripiranga, desse os primórdios de sua formação cultural; com a incorporação de elementos e crenças oriundas das manifestações africanas e indígenas, que de tão enraizadas na sociedade e nas crenças religiosas na população como componentes de sua identidade enquanto povo, não admitem a interrupção abrupta, ou a intromissão forçosa.

A participação dos párocos na vida dos paroquianos se deu de forma tão intensa, que os LT guardam registros de acusações e ameaças vindas de personalidades influentes e grupos políticos da Vila, dirigidas aos párocos. Em um dos casos, o Padre João de Mattos Freire de Carvalho, escreve ao Arcebispo Primaz da Bahia, informando a construção de uma residência particular na zona rural da cidade; o que segundo ele, eram necessidade, “Pelas injustiças e perseguições a que tenho sofrido na minha paróquia, vi-me obrigado a construir uma propriedade rural em outra, distante uns quinze minutos de viagem...”16. O padre João de Matos ao citar a condição de seu relacionamento com os habitantes da cidade, demonstra a situação conflituosa vivida pelos primeiros párocos, e justifica a construção da propriedade fora dos limites da paróquia, como refúgio e medida de segurança, diante da realidade nada amistosa desenhada. Porém as indisposições entre os pároco e parte da população, não impediam a o crescimento da fé entre os fiéis, que se faziam presentes em brande número em todos os ritos e cerimoniais na matriz.

Considerações finais

A evolução histórica de Paripiranga ocorre em vários períodos. O primeiro período compreende a chegada dos índios, primeiros habitantes da região; sendo eles os índios Tapuias, fundando nas Matas o aldeamento da “Cerca Verde”. O segundo compreende a penetração dos colonos, com a distribuição de sesmarias. No processo de ocupação e estruturação social, destacam-se num primeiro momento, as forças da pecuária extensiva, que cederam espaço para o individualismo agrário, como fator que concorreu para a mais forte apropriação privada da terra; aliadas à violência no trato com indígenas e á condução da igreja. Paripiranga chega ao século XX como cidade nascida e estruturada aos pés da cruz. A influência da religião se fez presente em todos os aspectos de sua estrutura administrativa e sociocultural; como fator determinante na construção do ideal de pertencimento. Um sentimento de identidade, que se construiu a partir da aglutinação sutil, ainda que oficialmente negada, de hábitos e valores católicos e de elementos culturais dos nativos e dos negros que deram ao catolicismo implantado na cidade, e bem como em todo o sertão, aspectos singulares e de riqueza cultura incalculável.

Referências Bibliográficas

AMARAL, Hermenegildo Braz do. História de limites- Bahia/Sergipe. Ed. 1916, Arquivo Público, Salvador/BA. ARRAES, Damião Esdras A. Curral de reses, curral de almas: urbanização do sertão nordestino entre os séculos XVII e XIX. Dissertação (Mestrado), Universidade de São Paulo / Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, São Paulo, 2012.

DANTAS. Mônica Duarte. (Povoamento e ocupação do sertão de dentro baiano: Itapicuru (1549-1822). Penélope, nº 23. USP. São Paulo. 2000. pp. 22. SANTOS, Márcio Marcio Roberto Alves dos. Fronteiras do Sertão Baiano: 1640-1750. Monografia (graduação). USP. São Paulo. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas; São Paulo; 2010.

SILVA, Cândido da Costa e. Roteiro da vida e da morte: um estudo do catolicismo no Sertão da Bahia. São Paulo: Ática, 1982. 88 p.

PINSKY, Carla; LUCA, Tania Regina de (Org.). O historiador e suas fontes. São Paulo: Contexto, 2009. 366 p.

Fontes

Jornal O IDEAL (1953-1960) Arquivos da Paróquia de Nossa Senhora do Patrocínio – Paripiranga (1889-1945) Arquivos da Paróquia de Bom Conselho – Cícero Dantas (1845-1945) Acervo do Laboratório de Ensino e Pesquisa em História da UniAGES. Acervo Digital da Biblioteca e do Arquivo Nacional – Relatórios dos Presidentes de Província e Relatórios de Trabalhos do Conselho Interino de Estado.

Notas

 Formanda em História pela Universidade federal de Sergipe. Pós-graduanda em Ensino de Cultura Afro- Brasileira e Africana pela Faveni.  Professora do Dep. de História da Universidade federal de Sergipe (Orientadora) Professor do Dep. de História da Universidade federal de Sergipe (Co-Orientador) 1 Primeira denominação de Paripiranga no início do processo de povoamento, em decorrência da coloração avermelhada das suas terras; ricas em ferro. 2Terras férteis para a prática da agricultura que aos pouco foi substituindo as pastagens e a prática da pecuária 3 SILVA, Cândido da Costa e. Roteiro da vida e da morte: um estudo do catolicismo no Sertão da Bahia. 1882. Pag. 17. 4 Idem. SILVA 1982. P.09.

5 SOUZA, João Batista de. Paripiranga: Especial para O IDEAL. O Ideal. An0 II, nº. 66. P. 1-4. 01 de agosto de 1954. Paripiranga, Bahia. Acervo do LEPH – UniAGES. 6 Nome dado ao território onde surgiu o Engenho Coité (assim chamado pela existência em abundância, da planta de mesmo nome) e iniciou-se o processo de povoamento e ocupação da terra, na divida com Simão Dias. 7 Rodovia João de Matos Carvalho que liga Paripiranga a Simão Dias nos dia atuais. 8 Idem. SILVA 18. 9 PARÓQUIA DE CÍCERO DANTAS. Livro de Tombo Nº II, Compilação. p. 5 - 5 v. Acervo da Paróquia de Nossa Senhora do Bom Conselho. Cícero Dantas. Bahia. p. 42 10 Barracão que servia como ponto de paragem e descanso para trabalhadores da agricultura, dos engenhos e vaqueiros condutores dos rebanhos. 11 TRATADO DE LIMITES BAHIA/ SERGIPE. Correspondência oficial do Estado. 1916 . p. 395. 12 PARÓQUIA DE NOSSA SENHORA DO PATROCÍNIO. Livro do Tombo II. 1897. Paripiranga. Bahia. p. 17-19 v. Acervo Digital do LEPH - UniAGES. 13 SILVA, Cândido da Costa e. Roteiro da vida e da morte: um estudo do catolicismo no Sertão da Bahia. 1982. p. 60. 14 SILVA, Cândido da Costa e. Roteiro da vida e da morte: um estudo do catolicismo no Sertão da Bahia. 1882. p. 29 15DÉDA, Francino Silveira. Freguesia. O Ideal. ano II. nº 55. P. 3. De 16 e maio de 1954. Acervo do LEPH - UniAGES. 16 PARÓQUIA DE NOSSA SENHORA DO PATROCÍNIO. Livro do Tombo II. 1897. Paripiranga. Bahia. p. 11 v. Acervo Digital do LEPH - UniAGES