UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE ECONOMIA

Vitor Crubelatti

“O PREÇO DO BELO: UM ENSAIO SOBRE A PRECIFICAÇÃO DAS OBRAS DE ARTE RARAS”

Campinas 2018

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE ECONOMIA

Vitor Crubelatti

O PREÇO DO BELO: UM ENSAIO SOBRE A PRECIFICAÇÃO DAS OBRAS DE ARTE RARAS

Monografia apresentada ao Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas, como parte dos requisitos exigidos para a obtenção do título de Bacharel em Ciências Econômicas, sob a orientação do Prof. José Ricardo Fucidji

Campinas 2018

Virtutem Forma Decorat

Leonardo da Vinci

AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus pela misericórdia;

aos meus pais Silvia e Carlos pelo apoio incondicional; aos meus primos Caio, Guilherme e Marina que, ao longo destes vinte e quatro anos de existência, me ensinam diariamente o que é família; aos meus amigos Giovanna, Matheus, Natália e Vitória pelos cinco anos de momentos inesquecíveis; aos meus amigos Elias, Daniel, Davi e Victor simplesmente por sua existência em minha vida. Sem vocês essa caminhada não faria sentido; à professora Wanda que, com todo o carinho e amor, me deu todo o suporte para que eu pudesse encontrar-me academicamente, demonstrando com louvores o que é, de fato, ser um professor.

O meu mais sincero obrigado a vocês.

RESUMO

Este trabalho realiza um estudo introdutório acerca das formas de valorização e precificação de obras de arte, mais especificamente pinturas, ditas raras. Para isso apresenta algumas das chamadas teorias do valor desenvolvidas no campo da história do pensamento econômico assimilando-as às formas pelas quais acontece a valorização de pinturas raras. O trabalho traz também algumas das discussões mais recentes a respeito da formação de valor no campo das artes, buscando definir e categorizar os diversos tipos de locais e agentes entre os quais ocorre a formação do preço das obras. Tendo em vista o fato de que o mercado da arte atualmente é responsável por volumosas movimentações de valor (aproximadamente 7% do PIB mundial em 2008), compreende-se que entender o modo pelo qual se dá a atribuição de valor a estes objetos é, além de crucial, uma tarefa extremamente complexa, pois são levados em consideração diversos fatores, sejam tangíveis ou intangíveis, para realizar a precificação de um quadro.

Palavras-chave: arte, economia da arte, teorias do valor, precificação, obras raras, estética, pinturas, valor artístico, valor monetário.

ABSTRACT

This monograph aims at an introductory and tentative study on the ways of valuing and pricing works of art, more specifically paintings, called rare. The study also proposes to bring to the debate some of the Value Theories developed by some of the greatest past economists, which we studied in the field of the history of economic thought, assimilating them to the forms by which rare paintings are valued. The present study also brings some of the most recent discussions about the formation of value in the field of the arts, seeking to define and categorize the different types of places and agents among which the formation of the art price occurs. In view of the fact that the art market is currently responsible for huge amounts of transactions (roughly 7% of world GDP in 2008), it is understood that comprehending the way in which value is attributed to these objects is, as well as crucial, an extremely complex task, since a number of factors, whether tangible or intangible, are taken into account in order to carry out the pricing of an artwork.

Keywords: art, economics of arts, value theories, pricing, rare artworks, aesthetics, paintings, artistic value, monetary value.

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Canto do Jardim de Montgeron. Claude Monet, 1877...... 18 Figura 2 - Tarde de Domingo na Ilha de Grande Jatte. Georges-Pierre Seurat, 1884 – 1886 ...... 19 Figura 3 - A Noite Estrelada. Vincent Van Gogh, 1889...... 19 Figura 4 - A Noiva do Vento. Oskar Kokoschka, 1914...... 20 Figura 5 - A pintura de 1963 de Andy Warhol intitulada "Silver Car Crash (Double Disaster)" foi vendida por US$ 108,4 milhões na Sotheby’s em Nova York...... 25 Figura 6 - Garçon à la Pipe, Pablo Picasso (1905) ...... 26 Figura 7 - The Massacre of the Innocents, Peter Paul Rubens (1636-1638). ... 26 Figura 8 - Pablo Picasso, Les femmes d'Alger (Versão "O"), 1955. Óleo sobre tela. © Succession Picasso/DACS, London 2015 ...... 27 Figura 9 - Salvator Mundi, Leonardo da Vinci, 1500. © Peter Nicholls ...... 28 Figura 10 - Nu Couche, Amedeo Modigliani, 1917. (Imagem: Rex) ...... 28 Figura 11 - Graffiti SAMO, de autoria de Basquiat e seu amigo Al Diaz nas ruas de Manhattan ...... 35 Figura 12 - , Jean-Michel Basquiat (1982) ...... 36 Figura 13 - Woman I, de Kooning (1950-52) ...... 37 Figura 14 - Untitled, Jean-Michel Basquiat (1982) ...... 38 Figura 15 - Jean-Michel Basquiat, Untitled (Devil) (1982) ...... 39 Figura 16 - Jean-Michel Basquiat, Dustheads (1982) ...... 39 Figura 17 - Jean-Michel Basquiat, Obnoxious Liberals (1982) ...... 41 Figura 18 - Jean-Michel Basquiat, Six Crimee (1982) ...... 42 Figura 19 - Jean-Michel Basquiat, Untitled (Two Heads on Gold) (1982) ...... 42 Figura 20 - Marcel Duchamp – A Fonte. 1917...... 57 Figura 21 - Marcel Duchamp – Roda de Bicicleta. 1913...... 58

SUMÁRIO

Introdução ...... 8 Capítulo 1 – Estruturando alicerces: a arte, seus conceitos e mercados. 13 1 A arte e o belo, o que são? ...... 13 1.1 A arte ...... 13 1.2 O Belo ...... 15 1.2.1. Sócrates, Platão e Aristóteles ...... 16 1.2.2 Visão kantiana acerca da estética ...... 17 2 O mercado da arte e suas formas ...... 22 2.1 Leilões ...... 24 2.2 Coleções Particulares...... 30 2.3 Museus ...... 32 3 A mega valorização de um artista: basquiat e o ano de 1982 ...... 34 Capítulo 2 – Formulando ideias: o debate no campo econômico sobre o mercado da arte ...... 44 1 As teorias do valor como ferramentas para o estudo das artes – os pioneiros do debate ...... 44 1.1 Economistas Clássicos ...... 46 1.1.1 Adam Smith ...... 46 1.1.2 David Ricardo ...... 47 1.2 Escola Marxista ...... 49 1.3 Os Marginalistas ...... 50 2 Novas interpretações acerca da arte e seu valor – o debate contemporâneo ...... 51 2.1 David Throsby e Victor Ginsburgh: conceitos da Economia da Arte .... 52 2.2 Pierre Bourdieu: a valoração dos bens simbólicos ...... 54 2.3 A abordagem da economia da arte: é possível generalizar? ...... 58 2.4 Cameron Weber: Como a Arte e a economia se cruzam? ...... 61 Capítulo 3 – Assimilando conceitos: conclusão dos estudos até aqui realizados ...... 63 1 Principais conclusões ...... 63 2 Limitações do estudo ...... 66 Referências bibliográficas ...... 67

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INTRODUÇÃO

Prevejo que dificilmente me perdoarão o partido que ousei tomar. Chocando de frente com tudo aquilo que desperta, hoje, a admiração dos homens, só posso esperar a censura universal; e não é por ter sido honrado pela aprovação de alguns sábios que devo contar com a do público: também o meu partido está tomado. Não me preocupo de agradar nem aos belos espíritos nem à gente da moda. Em todos os tempos, haverá homens feitos para serem subjugados pelas opiniões do seu século, do seu país e da sua sociedade. Isso faz, hoje, o espírito forte e o filósofo que, pela mesma razão, não passasse de um fanático do tempo da Liga. É preciso não escrever para tais leitores, quando se quer viver além de seu século. (ROUSSEAU, 1749, p. 16).

É desta forma que Rousseau inicia uma de suas obras mais famosas, intitulada “Discurso sobre as ciências e as artes” que foi escrita em 1749. Conquistou com ela o prêmio da Academia de Dijon em 1750 acerca do tema: "Se o restabelecimento das ciências e das artes contribuiu para purificar os costumes". Rousseau chega a conclusão, no ensaio, de que a ciência e as artes foram corruptoras do homem. Nessa obra é possível ver de forma germinal a concepção de filosofia social que Rousseau construíra: o conflito entre as sociedades modernas e o estado de natureza. Na visão exposta por Rousseau, essas atividades não merecem elogio algum. Para ele, a arte é uma apologia à ignorância, amolece o espírito e é uma das principais corruptoras da sociedade. A crítica à ciência é mais histórica. Ele afirma que as civilizações que passaram a se dedicar a elas, ao invés de outras atividades, como as de subsistência, começaram a decair, e um exemplo dado é a Grécia. Critica até mesmo o iluminismo e sua tentativa de livrar o mundo dos conhecimentos da religião a partir da lógica e da ciência. Não obstante, atualmente é quase um consenso considerar as ciências e as artes atividades de cunhos técnico e teórico bastante profundos e que, de certa forma, são atividades muito importantes para o desenvolvimento de uma sociedade, seja na esfera cultural ou na tecnológica. Em outras palavras, criar algo valioso em ambas as áreas tem um enorme peso intelectual, histórico, e mesmo social. Séculos após as reflexões de Rousseau, a forma pela qual as pessoas vêem e entendem a arte mudaram. Juntamente com isso, o mercado e suas formas de mensuração a respeito das artes também se alteraram drasticamente. 9

As ciências e as artes são, hoje, entendidas de forma muito diferente da que ele propunha em seu artigo. Segundo Koellreutter, as “obras de arte têm valor sempre e exclusivamente para pessoas; na verdade, só para pessoas de uma determinada época ou de um determinado círculo cultural” (KOELLREUTTER, 1999). O autor também traz um conceito interessante acerca do valor de uma obra:

Valor é sempre valor para uma determinada pessoa ou para um determinado grupo de pessoas. Portanto, valor relativo. Dessa forma, para os índios que vivem hoje no Xingu, por exemplo, ou para as tribos originárias ainda existentes, nem a Heroica de Beethoven, nem uma obra de Chopin, Liszt, Stravinsky, Schoenberg ou Ligeti representam para eles valores. (KOELLREUTTER, 1999).

A respeito da valoração das obras de arte, o autor complementa este entendimento trazendo o conceito de “apreciador”:

O valor de uma obra de arte depende primeiramente de sua função na sociedade, ou seja, do homem que a apreende, do apreciador, do consumidor. Por função entendo aqui ser eficaz, de uma determinada forma, dentro de um dado contexto. A compreensão de uma obra de arte, no entanto, só é possível quando esta puder ser entendida por um apreciador com sensibilidade artística e estética. A sensibilidade no campo da arte depende, por sua vez, da inteligência, do ambiente sociocultural, da língua, da tradição, da cultura, da educação e de outros fatores similares. (KOELLREUTTER, 1999).

Por isto, para Koellreutter, para que haja valor na arte e exista um público consumidor, pressupõe-se que exista também um mercado da arte. A partir de um outro ponto de vista, Tatiana ferraz nos diz que “os negociantes de arte inserem o artista na economia social transformando os valores estéticos em valores econômicos” (FERRAZ, 2015). Em outras palavras, “isso implica a mobilização de outros agentes culturais legitimadores – instituições, museus, críticos de arte, curadores, historiadores, museólogos e especialistas da área em geral – que, junto com os negociantes, formam redes complexas de circulação de capital econômico e simbólico em torno da produção artística” (FERRAZ, 2015). Conceitualmente, Ferraz divide o mercado de arte em alguns campos: “o de “quadros por dúzia”, que geralmente são obras de caráter figurativo, respondem aos imperativos do gosto majoritário e aproximam-se dos bens 10

correntes de consumo, não artísticos; o de arte “antiga”, cujos valores estéticos e financeiros estão mais que estabilizados e cujas razões para flutuações residem no campo da autenticação e da expertise; e o de arte “contemporânea”, caracterizado pelas incertezas quanto aos valores estético e financeiro. Sendo essas últimas consideradas investimentos de alto risco mas que, implicam também, por sua vez, altos lucros” (FERRAZ, 2015). A partir de análises da dinâmica dos mercados da arte, a autora chega a algumas conclusões e cita até um caso bastante conhecido. Para Tatiana, “o crescente mercado de arte não se explica pelo aumento do gosto pela arte – nem por parte dos colecionadores, nem por parte dos galeristas, mas pelos altos lucros a curto prazo. O exemplo paradigmático é o fenômeno Milhazes: a artista que teve uma obra vendida em 2001 e leiloada em 2008 cuja valorização alcançou 6.000%. Como bem durável, diferentemente de outras commodities, a arte permite que quem nela invista não corra o risco de ter seu patrimônio desvalorizado. São raras as depreciações de valor. A arte vira um bem altamente rentável; por ter alta liquidez, passa a circular dentro da lógica do mercado de ativos, cujos mecanismos são regulados tão somente pela lei de oferta e procura” (FERRAZ, 2015). Pensando agora nas formas pelas quais as obras de arte têm seu valor imputado, devemos recorrer às teorias do valor que outrora foram desenvolvidas por economistas. Em sua mais famosa obra, intitulada Princípios de economia política e tributação, David Ricardo, no começo do século XIX, objetiva apresentar uma teoria da dinâmica distributiva envolvendo renda da terra, lucro do capital e salário do trabalhador. Em certo ponto de sua obra, mais aproximadamente no capítulo XVII “Impostos Sobre os Produtos Não-Agrícolas”, ele traz de maneira breve o caso das obras de arte:

Certos vinhos especiais, produzidos em quantidade muito limitada, e certas obras de arte, que por sua qualidade ou raridade adquirem um valor fantástico, serão trocadas por quantidades muito diferentes dos produtos do trabalho em geral, dependendo da riqueza ou da pobreza da sociedade ou de possuir ela tais produtos em abundância ou escassez, ou ainda de estar ela num estado de civilização atrasado ou avançado. [...] Além disso, o trigo e outros produtos agrícolas podem aumentar em quantidade pelo emprego de mais capital na terra e, portanto, o seu preço não é de monopólio. Existe concorrência entre os vendedores assim como entre os compradores. Isso não acontece 11

na produção daqueles vinhos especiais e daquelas valiosas obras de arte das quais falávamos anteriormente: a sua quantidade não pode aumentar e o seu preço é limitado unicamente pelo poder de compra e pelo desejo dos compradores. (RICARDO, 1817)

Ou seja, Ricardo dizia que um produto terá o seu valor de acordo com toda a quantidade de trabalho empregada na produção. Entretanto, alguns produtos fugiam a norma, de acordo com o trecho acima: objetos raros, obras de artes, vinhos finos, etc. White (1999), ao revisitar os economistas ingleses em seu artigo “Obscure Objects of Desire?: Nineteenth-Century British Economists and the Price(s) of ‘Rare Art’” faz uma síntese extremamente interessante acerca de como ocorre a formação do preço das tais “obras de arte raras”. Ao final do artigo, ele chega a conclusão de que os preços das obras de arte flutuam mais ou menos sem rumo e suas oscilações imprevisíveis podem ser exacerbadas pelas atividades daqueles que tratam objetos artísticos como investimentos:

While classical economics devoted considerable attention to the concept of natural [i.e., long-period] value... In the market for the visual arts... there exists no such equilibrium level, so that the prices of such art objects are strictly unnatural in the classical sense. Their prices float more or less aimlessly and their unpredictable oscillations are apt to be exacerbated by the activities of those who treat such art objects as investments. It does seem odd not to have mentioned here that the classical economists, such as Ricardo, were quite clear that a long- period analysis could not depict a “natural value” for such commodities and that a systematic or determinate theoretical explanation of market prices continued to be elusive. (WHITE, 1999).

Trazendo este debate para um contexto mais atual, em fevereiro de 2015 o quadro “Nafea Faa Ipoipo” pintado em 1892 pelo pintor francês Paul Gauguin foi arrematado pelo preço de US$ 300 milhões por um comprador do Catar. Em 2012 acontecera algo bem parecido: “Les Joueurs de Cartes”, uma pintura de 1890 do artista Paul Cézanne, foi leiloada por US$ 259 milhões por um comprador do mesmo emirado do Oriente Médio.

Historicamente, obras de arte têm sido comercializadas por altos preços em casas de leilões ou mercados secundários. Entretanto, a valorização destes objetos é fundamentada não somente em seu valor histórico ou conteúdo, mas também na especulação de investidores. Não obstante, há atualmente inúmeros indicadores internacionais que atualizam de forma corrente os diversos índices 12

de preços e valores das obras de arte. Alguns exemplos são: Artfacts, Artnet, Artprice, sem deixar de citar a plataforma nacional Catálogo das Artes. De forma geral, estes índices são medidos pelos lances no mercado secundário.

Chegamos então ao entendimento que “a sofisticação da formação do valor da arte como mercadoria e o crescente interesse do mercado pela produção contemporânea não escapam ao entendimento de que fazem parte dos processos recentes de financeirização da cultura" (FERRAZ, 2015).

A partir dessas situações, ficam os questionamentos: qual a fonte de valor de uma pintura? Por que algumas delas valem tanto? Por que compradores pagam tanto? Seria possível entender a dinâmica da precificação de objetos raros por meio das teorias do valor existentes?

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Capítulo 1 – Estruturando alicerces: a arte, seus conceitos e mercados.

1 A ARTE E O BELO, O QUE SÃO?

O campo das artes, tratado aqui de maneira introdutória, possui diversos conceitos que, num primeiro momento, podem confundir o leitor. Posteriormente, neste trabalho, serão levantados diversos conceitos do campo de estudos da estética, teorias da história da arte, termos do mercado da arte e, por fim, conceitos econômicos ligados ao campo das artes. A partir de toda essa situação, faz-se necessário introduzir brevemente esses conceitos para tentar familiarizar o leitor com o assunto que será tratado. Neste primeiro capítulo buscar-se-á entender alguns conceitos teóricos e históricos da arte: ela como objeto de estudo e o campo da estética. Sempre que possível serão incluídas imagens e quadros para elucidar e exemplificar ao leitor o que foi dito.

1.1 A arte

A concepção do que é arte sempre foi muito heterogênea na história da civilização. Para uns ela é uma forma de comunicação:

Em minhas exposições, parto do princípio de que a Arte, primeiramente, é um meio de comunicação, um veículo para a transmissão de ideias e pensamentos, daquilo que foi pesquisado e descoberto ou inventado, um meio de comunicação que faz uso de um sistema de sinais. Portanto, por assim dizer, de linguagem artística. Isso porque todos os sistemas de sinais — artísticos ou naturais — são, em última análise, linguagens. (KOELLREUTTER, 1999).

Para outros autores, esse conceito sequer existe:

Uma coisa que realmente não existe é aquilo a que se dá o nome de Arte. Existem somente artistas. Outrora, eram homens que apanhavam terra colorida e modelavam toscamente as formas de um bisão na parede de uma caverna; hoje, alguns compram suas tintas e desenham cartazes para os tapumes; eles faziam e fazem muitas outras coisas. Não prejudica ninguém chamar a todas essas atividades arte, desde que conservemos em mente que tal palavra pode significar coisas 14

muito diferentes, em tempos e lugares diferentes, e que Arte com A maiúsculo não existe. Na verdade, Arte com A maiúsculo passou a ser algo de um bicho-papão e de um fetiche. Podemos esmagar um artista dizendo-lhe que o que ele acaba de fazer pode ser muito bom no seu gênero, só que não é "Arte". E podemos desconcertar qualquer pessoa que esteja contemplando com prazer um quadro, declarando que aquilo de que ela gosta não é Arte, mas algo muito diferente. (GOMBRICH, 2000).1

Percebe-se então que conceituar a ideia do que é arte torna-se, de fato, uma tarefa bastante árdua e complicada. Entretanto, pode-se facilmente separar certos tipos de manifestações que em algum momento da história foram chamadas de arte e essa arte como conhecemos se apresenta de diversas formas e linguagens. A partir dos escritos dos autores Hegel e, num próximo momento Ricciotto Canudo, instituiu-se no meio acadêmico uma lista das formas de arte em que consta: • Música: sons e ritmos combinados em função do tempo; • Dança: movimentos corporais associados ou não à música; • Pintura: inserção de cores e suas variantes em uma superfície; • Escultura: criação de imagens em materiais; • Teatro: atores encenando uma situação; • Literatura: criação de histórias e escritos com palavras; • Cinema: reprodução de imagens em movimento A partir dessa lista de formas de arte, pode-se procurar intuir um conceito de arte. A arte hoje é entendida como o desenvolvimento da criatividade humana sobre valores estéticos e que sintetiza emoções, histórias, sentimentos e a cultura. É um conjunto de procedimentos utilizados para realizar obras, e no qual se aplica certos conhecimentos. Na definição vernacular, a arte é uma “atividade que supõe a criação de obras de caráter estético, centradas na produção de um ideal de beleza e harmonia ou na expressão da subjetividade humana” ou também como “A capacidade criativa do artista na expressão e transmissão da inteligência, sensações ou sentimentos; criatividade, talento”.

1 “Arte” aqui refere-se à ideia filosófica de arte; e “arte” é apenas o correspondente empírico, real e imperfeito, dessa ideia. 15

1.2 O Belo

Ao conceber a estrutura deste estudo, ficou claro que se fazia necessário entrar no campo de trabalho da estética. A concepção do belo nas artes pode, de certa forma, ser visto como o motor da precificação e valorização de pinturas (o objeto principal deste trabalho), visto que, de forma similar, o papel do crítico de arte é em grande parte também influenciado por questões estéticas. Entretanto, como se pode definir o que é o belo? Isto é, pode-se definir o Belo? Existirá alguma classificação ou pré-requisito que dite e classifique o belo nas artes?

Estética é um termo que começou a ser usado desde Baumgarten (1750) para designar uma disciplina que se ocupa da arte e do belo. Essa designação tem a sua origem na palavra grega "aesthesis" que significa percepção. A reflexão sobre a arte na modernidade relaciona o belo com a percepção sensorial. (GREUEL, 1994)

Ainda de acordo com o autor:

A arte e o belo podem ser tratados e investigados basicamente em três sentidos: 1. A obra; 2. O artista (o ato de produção); 3. O apreciador. Estética significa, portanto, de uma forma geral, investigar a natureza do belo ou da arte sob os três critérios mencionados. (GREUEL, 1994)

No item anterior, a arte foi apresentada sob diversas óticas. Entretanto, utilizemos aqui a ideia de que a Arte é, de certa forma, a expressão material de algo que se queira manifestar. O belo, por sua vez, pode ser entendido mais precisamente como algo que tenha “forma perfeita e proporções harmônicas, que é agradável aos sentidos, elevado, sublime, bom, generoso, ameno, aprazível, sereno” (FERREIRA, 1975).

Qualidade atribuída às obras humanas – sendo discutível se se aplica também à natureza – que por isso são dotadas de caráter estético. Esta qualidade se anuncia por meio de fatores subjetivos (emoção estética, sentimento e percepção do belo, e todos os fenômenos psicológicos ligados à sua criação) que levam a busca da definição das demonstrações concretas que os suscitam (a análise das obras de arte, conceitos de gosto, harmonia, equilíbrio, perfeição [...]). (FERREIRA, 1975, p.196)

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Abaixo abordaremos alguns autores que tratam acerca do belo e suas definições. A ideia é apresentar este conceito sob algumas óticas diferentes para então prosseguirmos nosso estudo acerca do preço das obras de arte. Os autores estudados nos darão até certo ponto uma ideia melhor do que é entendido por belo e como este é agregado às pinturas. Em um ponto mais avançado de nosso estudo, perceberemos que a estética é um dos valores artísticos que agregam valor a uma obra de arte. Seria este conceito imutável e único ao longo da história ou ele acompanha padrões de beleza que caminham junto com nossa sociedade? Os quatro autores escolhidos para guiar nossas discussões (Kant, Platão, Sócrates e Aristóteles) foram selecionados com base em sua grande influência no campo da filosofia da arte. Foi a partir deles que o que o conceito de belo foi se desenvolvendo e até criar novas teorias. A seleção destes nomes foi baseada no manual de Iniciação à Estética de Ariano Suassuna.

1.2.1. Sócrates, Platão e Aristóteles

Ao longo de toda a história da sociedade ocorreram diversas revoluções nas maneiras de agir, pensar e se expressar e de certa forma percebe-se que essas mudanças de modos acompanharam seu contexto histórico e cultural local. A arte, ao contextualizá-las, no formato que seja, passa então a ser uma grande expressão desses diferentes modos. Sendo assim, faz-se crucial entender a evolução do conceito de estética e do belo nos diferentes grupos sociais, culturas e épocas. Além de Immanuel Kant, outros autores também trataram o campo da estética em suas obras, acrescentando ideias e alinhando conceitos sobre o que seria de fato o belo não só nas artes, mas também na estrutura antropológica. Vejamos a seguir alguns deles. Sócrates pode ser entendido como o pioneiro dos filósofos a considerar e desenvolver sobre a estética. Em um de seus livros, há um questionamento e problematização acerca dos atributos que geralmente são categorizados ao que é o belo. Ainda ali Sócrates não dá uma definição completa e categórica sobre o belo pois julga-se sem condições de dar uma explicação para o belo em si. 17

Platão por sua vez entendia que os objetos possuíam, de forma intrínseca, uma proporção e harmonia, buscando entender e classificar estes atributos. De maneira sintética, podemos definir que “a beleza para Platão está muito distante do nosso conceito moderno. Como valor estético, em primeiro lugar, ela é entendida como algo inteiramente separável dos outros valores” (MUNIZ, 2010). Além disto, sobre o conceito de juízo de valor numa obra de arte, o autor ainda continua dizendo que “quando dizemos que uma obra de arte é bela, não queremos implicar nesse juízo nenhum valor ético, ou epistêmico, ou útil. Em segundo lugar, o valor estético está sempre ligado ao modo como experimentamos certas coisas, ao tipo de sensação, emoção, satisfação, elevação, prazer, que no próprio ato de experimentação revela seu valor intrínseco” (MUNIZ, 2010).

Platão, como grande representante do pensamento grego, apresentou uma teoria do belo, porém, completamente oposta à visão que vem se articulando na modernidade. No diálogo O Banquete, Platão descreve, referindo-se a sábia de Mantinéia, Diotima, como o belo só pode ser contemplado em sua perfeição numa atitude que exclui por completo todo e qualquer vestígio sensório. O homem vive, segundo Platão, inicialmente confinado ao mundo dos fenômenos sensoriais. Aí ele pode despertar em si o Eros, o amor, inicialmente apenas voltado para o belo manifesto num determinado corpo. Ele progride na medida em que consegue se convencer que o belo num corpo é o mesmo em todos os corpos. Quando ele aprende a enxergar o belo também nas almas e nas instituições, ele se prepara para um grau de sublimação que contempla o belo nas ciências. (GREUEL, 1994)

Por sua vez Aristóteles, diferentemente de seu mestre Platão, tira o belo do campo do intangível e abstrato o trazendo para o campo do concreto. A partir desta nova concepção de beleza este conceito não era mais entendido como algo inatingível e impossível de mudar, sendo agora passível de evolução, ao mesmo tempo que também dá um importante passo no campo da estética: desassocia a ideia do belo do perfeito.

1.2.2 Visão kantiana acerca da estética

Ao entrar no campo de estudos da estética, é imprescindível e fundamental que se traga a visão kantiana acerca da estética e do belo. Em sua obra crítica “Observações sobre o sentimento do belo e do sublime” (1764), 18

Kant realiza um estudo sobre as formas do belo e do sublime (diferenciando estes dois conceitos) para desenvolver temas de dos campos social e antropológico levando em consideração conceitos empíricos do ser humano e não apenas aspectos racionais. Desta forma, Kant aponta para “uma dupla diferenciação no que se refere à questão da arte, ou seja, um juízo de caráter estético e outro de natureza teórica” (LEAL, 2015). Na primeira seção de sua obra, Kant começa diferenciando os conceitos de sensação e sentimento2. O primeiro pode ser entendido como um prazer meramente sensível considerando as satisfações individuais, como por exemplo o ato de cozinhar, ler ou caçar. Já o sentimento pode ser entendido como algo que se pode desfrutar mais demoradamente sem saciedade ou extenuação, pressupondo-se uma sensibilidade da alma diferente das sensações individuais que excluem o pensamento. O sentimento é de duas espécies: o belo e o sublime. Ambos estes sentimentos agradam o apreciador, porém de maneiras diferentes. Para Kant, o belo provoca uma sensação de alegria e de vitalidade, sendo geralmente caracterizado por cores vivas e alegres e por representações do dia. O sujeito que experimenta o sentimento do belo geralmente esboça traços alegres e sorridentes. As figuras 1 e 2 abaixo dão uma ideia do que seria a transmissão do sentimento do belo nas artes.

Figura 1 - Canto do Jardim de Montgeron. Claude Monet, 1877.

2 O autor utiliza a expressão feines gefühl, na tradução literal: sentimento refinado. 19

Figura 2 - Tarde de Domingo na Ilha de Grande Jatte. Georges-Pierre Seurat, 1884 – 1886

Já o sublime, por sua vez, também provoca satisfação ao apreciador, porém acompanhada por um clima denso e até um certo assombro, sendo geralmente caracterizado por cores mais frias e tristes, muitas vezes representando o período noturno. A pessoa que experimenta o sublime traz consigo uma expressão séria com um semblante rígido. Abaixo, algumas obras que retratam o sentimento do sublime (figuras 3 e 4).

Figura 3 - A Noite Estrelada. Vincent Van Gogh, 1889. 20

Figura 4 - A Noiva do Vento. Oskar Kokoschka, 1914.

A presença do estudo de Kant é de fato necessária nesse campo de conhecimento a partir do momento em que ele realiza “uma análise aprofundada da arte e sua composição enquanto presença inquestionável na vida do homem, apontando uma dupla diferenciação no que se refere à questão da arte, ou seja, um juízo de caráter estético e outro de natureza teórica” (LEAL, 2015). De acordo com Kant, no campo das artes, mais especificamente pinturas, é predominante a apreciação por meio do juízo de gosto. Contudo, essa mesma apreciação, de acordo com Julie Leal, não é capaz de dar uma explicação para o propósito com o qual a obra é concebida. O apreciador sente o prazer estético ao visualizar uma pintura, como lembra Julie e diz Kant:

Logo, é na capacidade universal de comunicação do estado da mente na representação dada que, como condição subjetiva do juízo de gosto, deve estar fundamentado esse juízo e ter como consequência o prazer face ao objeto. (KANT, 1995)

Entende-se então que o objeto, a pintura no nosso caso, traz consigo uma interpretação acerca do que ele representa e isto está intimamente ligado à pessoa que o vê e o interpreta, isto é, ao indivíduo apreciador. Porém, muito 21

embora a individualidade seja um fator importante para a interpretação da obra, resultando no gostar ou não, o maior determinante deste gostar está intimamente ligado a um desejo e vontade da generalização do conceito de belo. Nas palavras de Julie, “o juízo de gosto não é inerente a um só homem ou a um grupo específico de indivíduos, mas sim algo que está presente em todos os seres humanos indistintamente” (LEAL, 2015). Escreveu Kant:

Para distinguir se algo é belo ou não, referimos a representação não através do entendimento ao objeto [Objekt] com vista ao conhecimento, mas mediante a imaginação ao sujeito e ao seu sentimento de prazer ou desprazer. O juízo de gosto não é, pois, nenhum juízo de conhecimento, por conseguinte, não é lógico, mas estético, pelo que se entende aquilo cujo fundamento de determinação não pode ser senão subjetivo [nicht anders als subjektiv]. Toda a referência [Beziehung] das representações, mesmo a das sensações [Empfindungen], pode, porém, ser objetiva (ela significa nesse caso o real de uma representação empírica); só não pode sê-lo a referência ao sentimento de prazer e desprazer, mediante o qual não é designado absolutamente nada no objeto [Objekt], mas no qual o sujeito sente-se a si próprio [sich selbst fühlt] do modo como é afetado [affiziert wird] pela representação. (KANT, 1995)

Julie Leal nos mostra que, para Kant, o conceito de belo “não está relacionado ao deleitamento que o objeto pode vir ou não a proporcionar ao sujeito, assim como também não pode ser associado à concepção de que vem a ser, ou não, algo bom, uma vez que o belo independe de qualquer interesse considerado sensível – assim como da concepção de racional –, que queira situá-lo no campo puramente sensorial, ou seja, denominá-lo de bom ou ruim” (LEAL, 2015). Ainda nas palavras da autora, ela conclui que, “dessa forma, pode- se afirmar que o belo está desatrelado de qualquer tipo de conceituação que tente impor delimitações sob esses dois vieses, o do aprazível e do bom, posto que o sentimento de belo, ao proporcionar a experiência estética ao homem, faz com que este, por sua vez, não consiga definir com exatidão o seu sentimento diante da obra de arte que expressa o belo” (LEAL, 2015).

Aquilo que é puramente subjetivo na representação de um objeto, isto é, o que constitui a sua relação ao sujeito, e não ao objeto, é a sua qualidade estética. (KANT, 1995)

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O belo para Kant, por fim, pode ser entendido como uma certa “singularidade que não pode ser fechada em um conceito determinador” (LEAL, 2015). Isto porque um conceito é algo universal e aplicável, e por outro lado, o artista, assim como lembra Julie, concebe obras as quais não podem ser reproduzidas e esta não repetição da obra de arte é intrínseca ao entendimento do que é o belo, onde o sentimento gerado pela obra é único para o apreciador, ou seja, “não há um sentimento em relação ao belo que possa ser denominado de idêntico ao que outra pessoa sente diante da obra de arte, por isso a complexidade de se buscar uma conceituação que abarque essa multiplicidade de percepções” (LEAL, 2015). Ainda de acordo com Julie Leal, “o belo existe e se efetiva, inegavelmente, mas em medidas diferentes para cada indivíduo. A universalidade do fenômeno está na partilha deste sentimento de comunhão no que diz respeito ao belo, que se pode denominar de estado de alma, que, conforme a filosofia kantiana, seria o resultado da interação entre imaginação e entendimento referentes à obra de arte. Mas o prazer que se sente nesse referido estado de alma não se encontra no objeto em si, mas na representação efetuada pelo sujeito, importante peça nesse processo estético, pois o objeto artístico é apreendido através das faculdades cognitivas que são acionadas no jogo estético e sua apreensão” (LEAL, 2015).

Cabe, a partir dessas reflexões sobre o que constitui a Arte e algumas noções do que é o Belo, transitar para a temática econômica, tratando dos conceitos pertinentes ao mercado de arte.

2 O MERCADO DA ARTE E SUAS FORMAS

Ao tratar do mercado de arte, é válido lembrar que estamos lidando com a exibição (ora, pois a exibição também é uma forma de criação de valor ao passo que institui tendências), especulação e comercialização de diversos objetos: quadros, cerâmicas, esculturas e objetos. Entretanto trataremos aqui única e exclusivamente das pinturas e suas formas de comercialização. No artigo intitulado “Mercado de Arte e Mecenato: Brasil, Europa, Estados Unidos”, Durand levanta algumas características do mercado mundial da arte. 23

Ele caracteriza esse mercado como uma fatia sui generis do mercado de bens luxuosos e que a posse, consequentemente, causa efeitos de distinção social:

O mercado de obras de artes plásticas [...] constitui uma esfera relativamente específica do mercado dos bens de (alto) luxo cuja posse e modo de consumo produzem efeitos de distinção social. Ele estrutura-se em um circuito internacional e em um conjunto de circuitos nacionais (que, por sua vez, se subdividem em regionais e locais) de importância muito desigual entre si, dadas as diferenças de capital econômico em circulação e/ou de aura de reconhecimento como centros de produção artísticos que existem entre países do Ocidente, suas regiões e cidades. (DURAND, 1986)

Durand divide o circuito das artes em internacional e nacional, sendo, este último, subdividido em circuitos nacionais dos países ricos e circuitos nacionais dos países emergentes. O chamado circuito internacional engloba as nações capitalistas ricas, também conhecidas como os países de primeiro mundo: Inglaterra, Estados Unidos, França, Itália, Alemanha, Suíça, Canadá, Holanda e Japão. Estes países são os protagonistas mundiais e nestes “opera um punhado de galerias com filiais e salas de leilão em todos ou quase todos os países do circuito” (DURAND, 1986). Este seleto grupo de países constitui um chamado mercado internacional da Arte, onde ocorrem as supremas trocas de objetos artísticos. Nas palavras do autor, este mercado “abriga em si as transações mais vultosas, que comumente têm por base as obras mais consagradas na história da arte, que por sua vez é especialização cultural bem típica desses mesmos países” (DURAND, 1986). Já os circuitos nacionais englobam os mercados nacionais dos países capitalistas ricos e os mercados nacionais dos países capitalistas emergentes. Este primeiro grupo dispõe, nas palavras do autor, “hoje de redes de galerias suficientemente amplas e diversificadas para acolher qualquer tendência artística” (DURAND, 1986) nos países do bloco dos desenvolvidos. Já o segundo grupo possui números bem menores em comercialização, relações de troca, volume de vendas ou em tempo de maturação do mercado. É nesse segundo grupo que se encontra o Brasil. Nos tópicos abaixo serão discutidos alguns dos principais agentes destes circuitos da arte: Leilões, Coleções e Museus. Agentes os quais são importantíssimos na formação dos preços e valor das obras. É claro que existem 24

diversos outros agentes, porém faz-se necessário neste primeiro momento tratar apenas destes três principais.

2.1 Leilões

O leilão é definido como um local em que são vendidos objetos a quem oferece o maior lance, isto é, a maior quantia a ser paga pelo tal objeto. No artigo “Leilão de “objetos de arte”: uma instância púbica de reclassificação de objetos”, o autor Roberto Veiga traz algumas visões sobre o quais são, de fato, as funções dos leilões e qual seu papel na valorização das obras de arte raras:

Desta forma, para [Charles W.] Smith (1990), o leilão surge, funcionalmente, para resolver problemas de ambiguidades e incertezas de definição ao: 1. definir e resolver situações ambíguas, especialmente, questões de valor e preço; 2. definir e resolver questões de propriedade, de alocação de bens e sua classificação adequada; 3. definir e resolver quem pode participar na resolução destes problemas, e os meios pelos quais isto deve ser feito. (VEIGA, 2001)

O autor ainda continua:

Vale dizer, para Smith, o pregão é um rito de passagem (l990: 48), me- canismo adequado para lidar com essas situações marcadas por indeterminações, operando a transformação do objeto, ao incorporá-lo a um novo sistema de classificação, de propriedade e de valor. Leilões implicam em muito mais do que obter um maior preço, ou determinar direitos de propriedade de bens. Eles estabelecem as identidades sociais desses objetos. (VEIGA, 2001)

Prática antiga, os leilões têm seus primórdios há séculos atrás quando uma das casas de leilões mais conhecidas, a Sotheby’s, foi fundada no ano de 1744. Entretanto, a profissão de leiloeiro surgiu séculos antes, mais especificamente no ano de 1556, que é quando surge o cargo de “meirinho leiloeiro”, nome dado ao funcionário público que era responsável pelo leilão. Outra curiosidade é que o famoso pintor Rembrandt vai a falência no ano de 1656 e cria o primeiro leilão para fins de recuperação financeira. Atualmente, existem duas grandes casas que dominam o mercado dos leilões no mundo: Sotheby’s e Christie’s. A primeira vem se consolidando há 25

séculos neste mercado. Inicialmente, a Sotheby’s surgiu na Inglaterra, pioneiro centro comercial e de inovação do mundo das revoluções industriais. Em 1964, abre um escritório em Nova York, o coração do novo comercio mundial. A partir daí a Sotheby's comprou a Parke-Bernet, a maior casa de leilões de arte do país, iniciando um grande programa de expansão com a empresa se tornando a primeira casa de leilões internacional a realizar vendas em Hong Kong (1973), Rússia (1988), Índia (1992) e França (2001) e a primeira a ter presença na China. (2012).

Dos anos 80 aos anos 2000 foram registraram diversos preços recordes na Sotheby's em obras-primas do século 20, incluindo Garçon à la Pipe, que foi vendida na casa de Nova York por 104,2 milhões de dólares no ano de 2004 e Silver Car Crash (Double Disaster) do artista Andy Warhol por 108,4 milhões de dólares em 2013. Enquanto isso, em Londres, o The Massacre of the Innocents, datada de 1636-1638, de Peter Paul Rubens alcançou 49,5 milhões de libras em 2002, estabelecendo um recorde para pinturas antigas.

Figura 5 - A pintura de 1963 de Andy Warhol intitulada "Silver Car Crash (Double Disaster)" foi vendida por US$ 108,4 milhões na Sotheby’s em Nova York.

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Figura 6 - Garçon à la Pipe, Pablo Picasso (1905)

Figura 7 - The Massacre of the Innocents, Peter Paul Rubens (1636-1638).

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Já a casa de leilões denominada Christie’s abriu suas portas em 1766 por James Christie obtendo um enorme êxito nos negócios logo neste período. Séculos depois ela continua se consolidando no mercado da arte, sendo que em 2015 registrou vendas que totalizaram $ 7,4 bilhões de dólares.

Alguns dos grandes valores arrematados pela Christie’s são bastante recentes: em 2015, Les Femmes d'Alger ("Version O"), de Pablo Picasso, fora arrematado por US$ 179.4mi, colocando-a como recordista de valor na casa. Ainda naquele ano, no mês de novembro, Nu Couché, de Amedeo Modigliani, acabou sendo vendido na sede de NY pelo valor de US$ 170.4mi, o que a colocou em segundo lugar das obras mais caras vendidas em leilão. Entretanto, no ano de 2017, uma outra obra surge para bater de forma estrondosa o recorde de valor não só na casa como no mundo: a pintura Salvator Mundi, de Leonardo da Vinci, fora arrematada pelo valor de $450,3 milhões de dólares (aproximadamente R$1,8 bilhão de reais).

Figura 8 - Pablo Picasso, Les femmes d'Alger (Versão "O"), 1955. Óleo sobre tela. © Succession Picasso/DACS, London 2015

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Figura 9 - Salvator Mundi, Leonardo da Vinci, 1500. © Peter Nicholls

Figura 10 - Nu Couche, Amedeo Modigliani, 1917. (Imagem: Rex)

Após mais de dois séculos, o negócio de leilões de arte continua sendo um duopólio nos 250 anos de história. A indústria é dominada pela Sotheby's e pela Christie's Inc.

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Tabela 1 - Os dez maiores valores já pagos por pinturas em leilões

Data da Quadro Artista Preço (mi) Leilão venda Salvator Mundi Leonardo da Vinci 15/11/2017 US$ 450,3 Christie's Les Femmes d'Alger (O) Pablo Picasso 11/05/2015 US$ 179,4 Christie's Nu couché Amedeo Modigliani 09/11/2015 US$ 170,4 Christie's Three Studies of Lucian Freud Francis Bacon 12/11/2013 US$ 142,4 Christie's Skrik (O grito) Edvard Munch 02/05/2012 US$ 119,9 Sotheby's Untitled Jean-Michel Basquiat 18/05/2017 US$ 110,5 Sotheby's Nu au plateau de sculpteur Pablo Picasso 04/05/2010 US$ 106,4 Christie's Silver car crash (double Andy Warhol 13/11/2013 US$ 108,4 Sotheby's disaster) Garçon à la Pipe Pablo Picasso 05/05/2004 US$ 104,2 Sotheby's Nurse Roy Lichtenstein 09/11/2015 US$ 95,37 Christie's Fonte: g1.globo.com; Elaboração própria.

No artigo “Quanto Vale a Arte Contemporânea?”, Tatiana Ferraz traz uma abordagem diferente sobre o propósito dos leilões e o caráter exclusivista das obras de arte raras:

O leilão parece ser a representação per se do modus operandi do mercado no seu atual estágio – movido pela lógica do capital financeiro. A sequência de lances, desde o valor de referência anunciado pelo leiloeiro no início do pregão, é o fascínio do jogo especulativo, e pode atingir preços nunca imaginados. O elemento "agora ou nunca", presente na atividade leiloeira, alimenta ainda mais a disputa durante o pregão. Na arte, o grau de exclusividade dá o tom das oportunidades de negócio, algo que Harvey notou igualmente no mercado internacional de vinhos – a exemplo do terroir francês. Tal como o mercado de arte, o comércio de vinhos se apoia no seu caráter "especial" a fim de obter vantagens rentistas na venda de seus produtos. (FERRAZ, 2015)

Sobre este último ponto, David Harvey no livro “A produção capitalista do espaço” trata, no oitavo capítulo intitulado de "A arte da renda: a globalização e transformação da cultura em commodities", da possibilidade de se transformar mercadoria e, consequentemente, lucro, qualquer forma de serviço ou mercadoria que seja única, isto é, rara, devido a sua condição de exclusividade ou escassez:

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O negócio do vinho está interessado em dinheiro e lucros, mas também envolve cultura em todos os seus sentidos (da cultura do produto até as práticas culturais que cercam seu consumo e o capital cultural que pode evoluir tanto entre produtores, como entre consumidores). A incessante busca por rendas monopolistas impõe a procura de critérios de especialidade, singularidade, originalidade e autenticidade em cada um desses domínios. Se não puder se estabelecer a singularidade pelo apelo ao “terroir” e à tradição, ou pela descrição direta do sabor, outros modos de distinção deverão ser invocados para estabelecer alegações e discursos monopolistas, idealizados para garantir a veracidade dessas alegações (o vinho que garante a sedução, ou o vinho que evoca a nostalgia e o fogo da lenha são tropos publicitários correntes nos Estados Unidos). (HARVEY, 2005)

David Harvey ainda ressalta o caráter monopolista das relações capitalistas no comércio de bens culturais:

Na prática, o que constatamos no negócio do vinho são diversos discursos concorrentes, todos com alegações diferentes e verazes sobre a singularidade do produto. No entanto, e aqui volto ao meu ponto de partida, todas essas mudanças e vaivéns discursivos, assim como muitas das mudanças e reviravoltas ocorridas nas estratégias para controlar o mercado internacional do vinho, possuem, em sua raiz, não apenas a busca do lucro, mas também a busca das rendas monopolistas. Nisso, a linguagem de autenticidade, originalidade, singularidade e qualidades irreplicáveis especiais avulta em abundância. A generalidade do mercado globalizado gera, de modo compatível com a segunda contradição que identifiquei anteriormente, uma força poderosa, que procura garantir não apenas a continuidade dos privilégios monopolistas da propriedade privada, mas também as rendas monopolistas que resultam da descrição de mercadorias como sendo mercadorias incomparáveis. (HARVEY, 2005)

2.2 Coleções Particulares

Há quem entenda que o colecionismo está intimamente ligado ao sentimento do colecionador, reduzindo o ato de colecionar a algo pura e simplesmente impulsionado por emoções e gostos estéticos. Entretanto, no Brasil, a atividade de colecionar evoluiu bastante ao longo dos anos. Deixou de ser uma atividade amadora e tomada pelo sentimentalismo e passou a ser vista como um dos instrumentos para a valorização e especulação do preço das obras de arte. Atualmente as maiores e mais valiosas coleções de obras de arte estão nas mãos de banqueiros. Para Dayana Zdebsky de Cordova (2017), existe um perfil específico para a grande maioria dos colecionadores brasileiros: 31

Se o colecionador – utilizo aqui o termo no masculino não por mera convenção de nossa língua, mas porque, em sua grande maioria, dentro do escopo de minha pesquisa, tratam-se de homens (brancos) – já é uma figura desejada e ao mesmo tempo distante, inalcançável, para grande parte dos atores da arte contemporânea em locais onde o mercado de arte se faz mais presente (no caso brasileiro, Rio de Janeiro e, principalmente, São Paulo), ele o é ainda mais nas cidades periféricas ao mercado. (DE CORDOVA, 2017).

A importância do colecionador para a formação de preços das obras de arte tem se mostrado cada vez mais significativa, ao passo que o fato dele adquirir uma obra pode ser entendido como uma forma de sinal ao mercado, validando a peça enquanto ativo:

O poder do colecionador de arte para o mercado reside, em parte, na sua presença como cliente preferencial das galerias. Trata-se de alguém que, ideal e potencialmente, realiza compras frequentemente e, de acordo com a expressividade/reconhecimento de sua coleção, é capaz de valorizar artística e financeiramente aquilo que adquire. Seu investimento enquanto um comprador especializado pode funcionar como indício e lastro da qualidade de obras e artistas. São clientes valiosos dentro do mercado de arte, protegidos por seus provisores, com quem podem manter relações de fidelidade, comprando obras de arte apenas com eles. Galerias de pequeno porte têm poucos colecionadores em sua cartela de clientes e, como as demais, não os expõem a qualquer um (como, por exemplo, uma pesquisadora antropóloga não atuante no mercado), seja para não incomodá-los com curiosos ou pessoas não galeristas desejosas de vender obras de arte, seja para não correr o risco de migrarem para outras galerias. A discrição e um certo segredo fazem parte das estratégias de negócio da arte contemporânea, assim como a exposição e a publicização de certas situações ou informações (como acontece, por exemplo, quando os galeristas acionam o nome de certos colecionadores e suas respectivas aquisições para fomentar novas vendas). (DE CORDOVA, 2017).

Fica claro para a autora que o colecionador, quando possui reconhecimento do mercado, tem a capacidade de valorizar no âmbito artístico e financeiro as obras que adquire. Essas aquisições servem como norte para o mercado da arte em geral que, a partir destes movimentos, cria preços e valores para as obras que são adquiridas por estes influenciadores.

A autora, em seu artigo intitulado “Colecionadores, coleções particulares e o mercado brasileiro de arte contemporânea”, lista uma série de perfis de 32

colecionadores. Para de Cordova (2017), “alguns são compradores compulsivos de arte, dizem adquirir obras obsessivamente. E isso pode chegar a ser patológico e demandam cuidados terapêuticos”. Esta primeira categoria encaixa- se no perfil de comprador, majoritariamente pelo sentimento que a obra lhe proporciona. Uma segunda categoria de colecionadores seria a de sujeitos que “veem na compra de arte uma forma de investir dinheiro, compram e revendem a curto/médio prazo” (de Cordova, 2017), utilizando da obra de arte como objeto especulador. Essa segunda classe seria caracterizada como uma classe de investidores.

Dentre compradores e investidores, o colecionismo também agrega outros grupos e situações, tais quais são citadas pela autora:

Existem também pessoas que veem no colecionismo uma espécie de atividade redentora frente a grandes infortúnios da vida, às experiências avassaladoras como a morte de um ente querido. Tem gente que, a partir de sua experiência de colecionismo, dedica-se integralmente à arte trabalhando na organização de feiras, abrindo galerias ou institutos. Outros, a partir de seus trabalhos com arte, começam a colecionar (“não posso vender aquilo que eu não compraria”, me disse um vendedor). Tem também quem compre obras de arte para “construir-se socialmente como alguém”. Algumas pessoas escolhem e compram arte “sozinhas”, sem a consultoria direta de nenhum outro expert que não os galeristas. Outras, recorrem a serviços de curadores e advisers da arte. (DE CORDOVA, 2017).

2.3 Museus

Presentes na sociedade há muitos séculos, os museus trazem consigo diversos significados e propósitos., já sendo usado na antiguidade como local destinado para o estudo das artes e ciências. Na literatura, o local chamado museu tinha uma outra finalidade:

É de conhecimento corrente que a palavra museu origina-se na Grécia antiga. Mouseion denominava o templo das nove musas, ligadas a diferentes ramos das artes e das ciências, filhas de Zeus com Mnemosine, divindade da memória. Esses templos não se destinavam a reunir coleções para a fruição dos homens; eram locais reservados à contemplação e aos estudos científicos, literários e artísticos. (JULIÃO, 2006, p.1).

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Entretanto, o conceito contemporâneo de museu passa a ser outro: é entendido como um local ou instituição focada em preservar peças de arte para fins de conservação ou apreciação do público. É na revolução francesa que o museu passa a ter outro significado. De acordo com Choay (2001), houve basicamente dois movimentos para a completa transformação deste conceito:

O primeiro, cronologicamente, é a transferência dos bens do clero, da Coroa e dos emigrados para a nação. O segundo é a destruição ideológica de que foi objeto uma parte desses bens, a partir de 1792, particularmente sob o Terror e o governo do Comitê de Salvação Pública. (CHOAY, 2001)

De acordo com Ferraz (2015), os museus atualmente exercem também uma outra função: legitimador da transformação dos valores estéticos em valores econômicos. Isto fica claro no excerto abaixo:

Os negociantes de arte inserem o artista na economia social transformando os valores estéticos em valores econômicos. Em termos práticos, isso implica a mobilização de outros agentes culturais legitimadores – instituições, museus, críticos de arte, curadores, historiadores, museólogos e especialistas da área em geral – que, junto com os negociantes, formam redes complexas de circulação de capital econômico e simbólico em torno da produção artística. (FERRAZ, 2015).

Em outras palavras, a articulação museu e mercado condiciona e cria o valor à arte, uma vez que a valorização estética e a valorização econômica estão extremamente atreladas uma a outra. Entende-se então que “a certificação do valor estético condiciona o preço, ainda que o preço seja, por sua vez, um dos critérios de certificação do valor estético" (QUEMIN, 2004).

Essa certificação do valor estético é realizada por meio de uma das mais importantes funções que os museus, na concepção contemporânea, exercem: o aceite, isto é, a interpretação e integração da obra ao mundo da arte contemporânea. Almeida (2009) nos mostra de maneira muito clara de que forma ocorre a constituição da reputação da obra:

É a construção de uma reputação assente em atributos como: a trajetória do artista, o capital social adquirido, a visibilidade, a dedicação, a consistência e imagem de marca artística, bem como a 34

singularidade dentro de alguns limites, que permitem ao artista adquirir notoriedade e conferir valor às suas criações. Além da reputação e da notoriedade, será necessário também que a obra seja aceite, isto é, seja interpretada, decodificada e integrada no mundo da arte contemporânea. Este será o papel fundamental dos mediadores entre a produção e a recepção da arte, como o são os críticos, os galeristas, os diretores de museus, entre outros agentes. (ALMEIDA, 2009).

No verbete “Museums”, escrito por Víctor Fernández-Blanco e Juan Prieto-Rodríguez para o Handbook of Cultural Economics, é explicitada com mais clareza a função econômica do museu, isto é, o museu como agente econômico:

Following an economic point of view […] we offer a definition that considers the museum as an economic agent. We posit it as an organization that follows a general path specified by economic behavior, that is, the maximization of an objective function under a set of economic and institutional restrictions. From this perspective, we allow room for various objectives, including the maximization of attendance and the maximization of profits; as such, our definition acknowledges that such goals require efficient management and that economics can help to achieve them. (BLANCO & RODRÍGUEZ in TOWSE, 2003, p. 290)

Além disto, os autores subdividem as funções dos museus em três categorias: coleção, o que inclui a identificação, documentação, expansão e preservação do conteúdo do museu; exposição, que acata uma experiência puramente estética de entretenimento, bem como para educação, treinamento e pesquisa; e outros serviços, sendo que o conteúdo desta categoria é muito mais amplo e variado, incluindo o merchandising. Tal serviço é visto como uma das mais importantes fontes de financiamento dos museus.

3 A MEGA VALORIZAÇÃO DE UM ARTISTA: BASQUIAT E O ANO DE 1982

Um dos questionamentos deste trabalho é o porquê certas obras valem tanto, se comparadas a bens comuns e com uma (aparente) utilidade maior? Ao falar de obras com altos preços, um artista recentemente tem se destacado no cenário das artes: Jean Michel Basquiat. Nos últimos anos, as obras deste artista 35

(já falecido) têm se valorizado de maneira estrondosa, muito embora estejam na contramão de tudo o que se tem dito até agora sobre conceitos estéticos e do belo na arte.

Jean-Michel Basquiat nascera em 22 de dezembro de 1960 na cidade de Nova Iorque. Possuía, por parte de pai, ascendência haitiana e de mãe, porto- riquenha. Basquiat iniciou a vida artística desde cedo, quando ainda era uma criança, sempre pintando e mostrando aptidão fora do comum com o mundo artístico. Entretanto, foi só aos 17 anos de idade que ele começou a exibir sua arte pelas ruas, quando ele e um amigo, Al Diaz, começaram a grafitar pelas ruas de Manhattan:

This recognition of his role first manifested itself in street actions wherein, under the tag name of SAMO, he transformed his own observations into pithy text messages inscribed on the edifices of the urban environment. (HOFFMAN, 2005).

Figura 11 - Graffiti SAMO, de autoria de Basquiat e seu amigo Al Diaz nas ruas de Manhattan

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Aos dezenove anos começou a participar de diversas exposições e teve também sua imagem amplamente divulgada pela mídia. Poucos anos depois, em 1980, Basquiat foi bastante elogiado pela crítica ao participar de uma famosa exposição em Nova Iorque: a Times Square Show. Este último evento colocou- o nos holofotes do país e, mais tarde, do mundo, pois considera-se que foi uma crítica escrita por Jeffrey Deitch que o impulsionou para os olhos do mundo:

Critic and art consultant Jeffery Deitch said, “I went to the Times Square Show practically every day.” He reported that hordes of people came out of the 42nd Street subway to check out the building. Other commentators noticed what they called the unusual mixture of downtown hipsters and Harlem youngsters with local Times Square slimesters milling around the entrance. In Deitch’s opinion one of the strongest rooms was the one Jean Michel Basquiat had painted; his wall painting held together the other works there. His review of the Times Square Show in Art in America briefly singled out Jean-Michel’s work. “A patch of wall painted by SAMO, the omnipresent graffiti sloganeer, was a knockout combination of de Kooning and subway spray paint scribbles.” Willem de Kooning was a master of Abstract Expressionist painting handling. When Deitch was at the show he noticed that, unlike in SoHo, there was very little abstract art there, and he thought SAMO’s painting “one of the best of these abstract works.” Deitch had asked about the work and was told that SAMO was Jean- Michel Basquiat. Deitch looked for him, but no one could find Jean- Michel at the opening. (FRETZ, 2010, p. 56)

Abaixo, conseguimos notar com mais clareza certos traços que remetem a uma das influências de Basquiat: de Kooning.

Figura 12 - Untitled, Jean-Michel Basquiat (1982) 37

Figura 13 - Woman I, de Kooning (1950-52)

Entretanto, é em 1982 que Basquiat produz várias de suas pinturas mais famosas. A essa altura de sua vida, Jean-Michel tinha apenas 21 anos e havia acabado de mudar sua área de trabalho: das ruas para um local físico específico, isto é, um estúdio em Nova Iorque. Além de um estúdio (no porão da galeria de SoHo), Basquiat recebeu também uma série de telas e acesso a todos os materiais de que precisava, incluindo tintas de alta qualidade. É a partir dessa soma de fatores que surgem suas mais famosas e, atualmente, mais caras, pinturas.

Um exemplo prático da potencialidade dos trabalhos de 1982 de Basquiat: ele pintou a tela abaixo, que seria vendida mais tarde naquele ano por US$ 4000. 38

Figura 14 - Untitled, Jean-Michel Basquiat (1982)

Essa mesma pintura, no ano de 2017, foi leiloada por US$ 110 milhões para Yusaku Maezawa, um bilionário japonês. De acordo com o jornalista Jonathan Jones, o preço é coerente com o que a tela tem por significado e, em suas palavras:

It is a painting that bleeds history. Jean-Michel Basquiat’s Untitled (1982) portrays a black skull scarred with red rivulets, pitted with angry eyes, gnashing its teeth, against a blue graffiti wall on which someone has been doing their sums. Perhaps the street mathematician was calculating how many Africans died on slave ships in the 18th century, or how many people lived in slavery in America, or how many young black men have been killed by police guns in the last few years. (JONES, 2017)

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Quando a pintura Untitled (1982), foi vendida por US $ 110,5 milhões na casa de leilões Sotheby's (quantia que representa uma valorização de mais de 10.000 vezes seu valor original após ajustada a inflação), essa soma quebrou o recorde anterior de Basquiat: 57,3 milhões de dólares em 2016 por outro trabalho também de 1982: Untitled (Devil).

Figura 15 - Jean-Michel Basquiat, Untitled (Devil) (1982)

Seu terceiro maior recorde de leilão foi de US$ 48,8 milhões no ano de 2013, também com uma pintura de 1982: Dustheads.

Figura 16 - Jean-Michel Basquiat, Dustheads (1982) 40

A partir de todo esse histórico, os trabalhos do artista datados de 1982 (ou até mesmo do fim de 1981 ou começo de 1983), período cuja vida de Basquiat mudou completamente, tornaram-se os mais desejados pelos colecionadores e, consequentemente, os mais valorizados em sua produção de aproximadamente uma década. A pergunta é: por quê?

Tabela 2: Maiores valores leiloados de obras do Basquiat

Obra Valor Leiloado Untitled (1982) $110.500.000 Untitled (Devil) (1982) $57.285.000 Dustheads (1982) $48.843.752 The Field Next to the Other Road (1981) $37.125.000 Untitled (1981) $34.885.000 Untitled (1982) $29.285.000 Untitled (diptych) (1982) $28.928.434 Untitled (1981) $26.402.500 Untitled (Yellow tar and feathers) (1982) $25.925.000 Undiscovered genius of the Mississippi Delta (1983) $23.685.000 Untitled (1981) $20.092.132 Fonte: artnet.com. Elaboração Própria.

De acordo com Alexxa Gotthardt, colaboradora do site Artsy, estilisticamente falando, as pinturas de Basquiat datadas do período de 1982 misturaram as linhas enérgicas e vigorosas de seu trabalho de rua com seu profundo conhecimento da história da arte (muito embora Basquiat tivera abandonado a escola aos 17 anos, ele possuía muitos livros de história da arte). Basquiat tinha se debruçado sobre a grande arte nos museus de Nova Iorque desde a juventude (aos seis anos de idade, ele era um “membro júnior” de carteirinha do Museu do Brooklyn e visitava o Met regularmente durante a adolescência). Em pinturas únicas, ele combinou alusões à vida urbana de Nova York, como placas de funilarias e as quadras onde as crianças brincavam de “skelly” um jogo de rua, com gestos expressivos inspirados por seus antecessores expressionistas abstratos, como Jackson Pollock. Este período é definido por muitos críticos como a época do primeiro trabalho maduro de Basquiat. 41

Ainda para Alexxa, as linhas arrojadas, as grandes figuras centrais e a paleta de cores vivas de suas pinturas de 1982 também se misturam com a empolgação de um artista atingindo seus objetivos e sendo reconhecido pelo grande mercado da arte pela primeira vez ao passo que seus colegas já o haviam consagrado como o melhor artista da comunidade e estes holofotes no trabalho de Basquiat inspiraram uma confiança crescente nas suas pinturas. Há de fato uma clareza de visão e narrativa no trabalho de 1982 que fala sobre sua crescente confiança. Os níveis de audácia e entusiasmo capturados nas obras de Basquiat atingiram o pico em 1982 (e, em alguns casos, apareceram no final de 1981 e início de 1983). De acordo com estudiosos do artista, em 1984 Basquiat começou a sentir a pressão de seus revendedores e começou a brigar com eles. Essa tensão criou uma certa falta de energia e foco em seu trabalho.

Outros trabalhos bastante valorizados de 1982:

Figura 17 - Jean-Michel Basquiat, Obnoxious Liberals (1982)

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Figura 18 - Jean-Michel Basquiat, Six Crimee (1982)

Figura 19 - Jean-Michel Basquiat, Untitled (Two Heads on Gold) (1982)

O sucesso e das obras de Basquiat vêm se consolidando de alguns anos para cá, dadas as grandes valorizações que foram constatadas em suas obras nas audições das grandes casas de leilão. A tabela abaixo mostra alguns dos 43

preços de obras do Basquiat e como eles evoluíram desde a ultima vez que foram leiloadas:

Tabela 3: Variaçãio dos preços de algumas obras do Basquiat

Obra Preço Anterior Preço Atual Variação % Baby Boom (1982) $ 1.160.000,00 $ 35.000.000,00 2917% Three Delegates (1982) $ 6.700.000,00 $ 18.000.000,00 169% Untitled (Solanamum) (1984) $ - $ 14.000.000,00 Crisis X (1982) $ 2.850.000,00 $ 8.500.000,00 198% Untitled (1986) $ 3.000.000,00 $ 4.550.000,00 52% Big Sun (1984) $ 1.100.000,00 $ 4.500.000,00 309% Untitled (Head) (1982) $ - $ 2.600.000,00 Untitled (Skull) (1982) $ 580.000,00 $ 1.850.000,00 219% Fonte: artnet.com. Elaboração Própria.

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Capítulo 2 – Formulando ideias: o debate no campo econômico sobre o mercado da arte

A ideia a partir deste capítulo é tentar aproximar o atual debate ao campo econômico. Até aqui foi visto que o conceito de Arte se expressa de diversas maneiras e o que se entende por Belo passou por diversas transformações ao longo dos séculos. O mercado da arte, por sua vez, possui diversas esferas de atuação diferentes, cada uma delas com um público e um propósito. Algumas das esferas que o trabalho englobou foram: leilões, coleções particulares e museus. Cada uma delas possui um papel no circuito das artes e, por consequência, atua de alguma forma na formulação do valor das obras de arte. A principal pergunta que tentaremos responder nesta seção, então, é: quais são as teorias de valor usadas pelos economistas de arte que podem ajudar a entender a formação do preço das obras de arte?

1 AS TEORIAS DO VALOR COMO FERRAMENTAS PARA O ESTUDO DAS ARTES – OS PIONEIROS DO DEBATE

Tomaremos como base para esta seção o artigo “On The “Value Paradox” In Art Economics” de Cameron Weber. Para o autor, diferentemente de como pensavam seus precursores da pesquisa econômica da arte, o chamado campo da economia cultural traz consigo alguns pontos que unem a visão do que é o valor na arte. De acordo com Cameron, os estudos clássicos de valor têm uma visão em comum: eles entendem que a arte é diferente de outros bens econômicos para a sociedade. É entendido que a arte contém propriedades que lhes dá um valor diferente de seu valor de troca, e este é o chamado paradoxo do valor para Weber:

The motivation for this research is found in Mark Blaug ([2001] 2007, p. 125), “Where Are We Now in Cultural Economics?” who writes that “cultural economics lacks a single dominant paradigm or overarching intellectual theme that binds all of its elements together.” I find that Professor Blaug’s thesis does not fully capture the pre-analytical visions of those researching and writing on the economics of the arts. Our claim, fortified with examples, is that indeed cultural economics does share a common “bond.” This common bond is the belief that art is 45

different than other economic goods in society. Art contains properties that give value beyond exchange value; I call this shared pre-analytical vision the “value paradox” in art economics (more on which below). It is important that we highlight these non-exchange values, which also go beyond individual use value, in order to fully capture the importance of cultural goods (in our case, art) in human flourishing for both the individual and the collective. (WEBER, 2017).

Para Cameron, essa visão acerca da unicidade dos bens artísticos é compartilhada tanto por economistas ortodoxos, que para o autor são definidos como aqueles que usam as ferramentas da economia neoclássica, quanto por economistas heterodoxos, os quais usam abordagens mais sociológicas, filosóficas e de economia política. Ambos estes grupos entendem que a arte é diferente de outros bens econômicos (recursos escassos) porque a arte (e outros patrimônios culturais) possuem esse chamado paradoxo do valor: um valor além do valor de troca.

Desde os primórdios da história do pensamento econômico, diversos estudiosos buscam solucionar o grande impasse que é calcular o valor de um dado bem. Algumas escolas de pensamento marcaram a história ao desenvolver modos de olhar e interpretar o valor. Os principais pioneiros a pensar o valor como objeto de estudo foram: os mercantilistas que entendiam que o valor econômico é fruto de metais preciosos (geralmente ouro) mantidos pelos governos nacionais; os fisiocratas, que acreditavam que o valor vinha da produção agrícola; os economistas clássicos que, por sua vez, acreditavam que o valor vinha dos custos de produção do bem; os marginalistas que mudam a concepção até então objetiva do valor para uma concepção subjetiva, na qual as percepções individuais de valor dos sujeitos (relações de oferta e demanda) guiam a geração de valor e, por fim, a escola marxista, cujo pensamento entende que o valor é definido pelo tempo de trabalho socialmente necessário à produção de uma mercadoria.

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1.1 Economistas Clássicos

1.1.1 Adam Smith

Considerada uma de suas maiores obras, Adam Smith escreve em A Riqueza das Nações - Investigação Sobre Sua Natureza e Suas Causas diversas considerações que mudariam os rumos da teoria econômica dali para frente. O autor traz a ideia de que a riqueza das nações é determinada, essencialmente, pela produtividade do trabalho. Entretanto, apesar da vastidão de conteúdos que a obra traz, nos prenderemos apenas à parte do conceito de valor. Acerca deste assunto, Adam Smith termina o capítulo quatro (A Origem e o Uso do Dinheiro) com a seguinte consideração, também conhecida como o paradoxo do valor:

Importa observar que a palavra VALOR tem dois significados: às vezes designa a utilidade de um determinado objeto, e outras vezes o poder de compra que o referido objeto possui, em relação a outras mercadorias. O primeiro pode chamar-se “valor de uso”, e o segundo, “valor de troca”. As coisas que têm o mais alto valor de uso frequentemente têm pouco ou nenhum valor de troca; vice-versa, os bens que têm o mais alto valor de troca muitas vezes têm pouco ou nenhum valor de uso. Nada é mais útil que a água, e, no entanto, dificilmente se comprará alguma coisa com ela, ou seja, dificilmente se conseguirá trocar água por alguma outra coisa. Ao contrário, um diamante dificilmente possui algum valor de uso, mas por ele se pode, muitas vezes, trocar uma quantidade muito grande de outros bens. (SMITH, 1996, p. 85-86).

Tem-se então uma primeira concepção do conceito de valor para Smith ao atribuir ao bem utilidade e poder de compra, e é a partir daí que ele divide o valor em valor de uso e valor de troca. Algo interessante a se notar é o exemplo que ele utiliza para ilustrar os conceitos de valor. A partir deste exemplo, podemos facilmente encaixar nosso objeto de estudo, as obras de arte, nesta explicação: um quadro raro pode não possuir valor de uso, porém nota-se que elas constantemente possuem um altíssimo valor de troca.

A origem do valor para Smith é o trabalho produtivo e é somente por meio dele que se pode comparar o valor dos bens. É a partir disto que Smith diferencia preço real (trabalho contido na mercadoria) e preço nominal (quantidade de dinheiro paga pelo bem):

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Por conseguinte, somente o trabalho, pelo fato de nunca variar em seu valor, constitui o padrão último e real com base no qual se pode sempre e em toda parte estimar e comparar o valor de todas as mercadorias. O trabalho é o preço real das mercadorias; o dinheiro é apenas o preço nominal delas. (SMITH, 1996, p. 90).

Entretanto essa colocação parece não se aplicar a bens raros como certas obras de arte, uma vez que seu preço (nominal) é absurdamente maior que o trabalho nela contido. O trecho abaixo ainda deixa o conceito de preço da arte obscuro:

No mesmo tempo e no mesmo lugar, o preço real e o preço nominal de todas as mercadorias estão exatamente em proporção um com o outro. Por exemplo: quanto mais ou quanto menos dinheiro se receber por uma mercadoria qualquer no mercado de Londres, tanto mais ou tanto menos trabalho se poderá, no mesmo tempo e no mesmo lugar, comprar ou comandar. No mesmo tempo e lugar, portanto, o dinheiro é a medida exata do valor real de troca de todas as mercadorias. Assim é, porém, somente no mesmo tempo e no mesmo lugar. (SMITH, 1996, p. 93).

Para Smith, fica claro que o trabalho é a medida real do valor de troca de todas as mercadorias. Acerca dos preços reais das coisas, Smith afirma que:

O preço real de cada coisa — ou seja, o que ela custa à pessoa que deseja adquiri-la — é o trabalho e o incômodo que custa a sua aquisição. O valor real de cada coisa, para a pessoa que a adquiriu e deseja vendê-la ou trocá-la por qualquer outra coisa, é o trabalho e o incômodo que a pessoa pode poupar a si mesma e pode impor a outros. (SMITH, 1996, p. 87).

1.1.2 David Ricardo

David Ricardo agrega diversos pontos ao recém fundado campo da economia política. Sua obra mais conhecida, Princípios de Economia Política e Tributação, foi publicada pela primeira vez em 1817.

Já no primeiro capítulo de Princípios, Ricardo responde o chamado Paradoxo do valor (citado acima) de Adam Smith:

A água e o ar são extremamente úteis; são, de fato, indispensáveis à existência, embora, em circunstâncias normais, nada se possa obter em troca deles. O ouro, ao contrário, embora de pouca utilidade em comparação com o ar ou com a água, poderá ser trocado por uma grande quantidade de outros bens. A utilidade, portanto, não é a 48

medida do valor de troca, embora lhe seja absolutamente essencial. Se um bem não fosse de um certo modo útil — em outras palavras, se não pudesse contribuir de alguma maneira para a nossa satisfação — , seria destituído de valor de troca, por mais escasso que pudesse ser, ou fosse qual fosse a quantidade de trabalho necessária para produzi- lo. (RICARDO, 1996, p. 23-24).

Logo, Ricardo conclui que, ao passo que as mercadorias possuem utilidade, seu valor de troca deriva de duas fontes: sua escassez e a quantidade de trabalho necessária para obtê-la. Entretanto, diferentemente de Smith, Ricardo categoriza um seleto grupo de mercadorias que têm seu valor determinado somente pela escassez:

Algumas estátuas e quadros famosos, livros e moedas raras, vinhos de qualidade peculiar, que só podem ser feitos com uvas cultivadas em terras especiais das quais existe uma quantidade muito limitada, são todos desta espécie. Seu valor é totalmente independente da quantidade de trabalho originalmente necessária para produzi-los, e oscila com a modificação da riqueza e das preferências daqueles que desejam possuí-los. (RICARDO, 1996, p. 24).

Essas mercadorias, como já dito, fazem parte de um grupo muito seleto e restrito frente ao que é trocado no mercado todos os dias. Mais à frente, Ricardo diz que os bens comuns podem aumentar em quantidade pelo emprego de mais capital na terra, algo que não acontece com os ditos “bens raros”:

Isso não acontece na produção daqueles vinhos especiais e daquelas valiosas obras de arte das quais falávamos anteriormente: a sua quantidade não pode aumentar e o seu preço é limitado unicamente pelo poder de compra e pelo desejo dos compradores. (RICARDO, 1996, p. 182).

Acerca do preço destes objetos específicos, David Ricardo faz a seguinte consideração:

Certos vinhos especiais, produzidos em quantidade muito limitada, e certas obras de arte, que por sua qualidade ou raridade adquirem um valor fantástico, serão trocadas por quantidades muito diferentes dos produtos do trabalho em geral, dependendo da riqueza ou da pobreza da sociedade ou de possuir ela tais produtos em abundância ou escassez, ou ainda de estar ela num estado de civilização atrasado ou avançado. (RICARDO, 1996, p. 181).

Fica claro para nós que (isto já adiantando o até mesmo os autores clássicos que ainda trataremos nesta seção) o pensamento de David Ricardo é 49

o que mais se adequa ao que estamos estudando aqui. Não somente pelo tratamento direto acerca do valor nas artes, mas também pelo entendimento acerca do que vale uma obra, ao dizer que o valor desta é independente do trabalho necessário para produzi-la (o que de fato se observa quando levamos em conta o preço das obras) e que ele oscila com a modificação da riqueza e preferência (veremos isto mais a frente) de quem as adquire. David Ricardo ressalta também que o preço da obra é limitado unicamente pelo poder de compra e pelo desejo do comprador, efeito o qual se notou quando estudamos os mercados da arte, mais especificamente os leilões e coleções particulares.

1.2 Escola Marxista

Diferentemente do pensamento clássico, Marx busca entender o valor de maneira distinta: olhar para o conceito de valor atrelado ao trabalho. Além disso, diferencia valor e preço, definindo este segundo como a expressão do valor em termos de uma quantidade determinada do equivalente geral. Marx em O Capital, cujo primeiro volume foi publicado em 1867, define o conceito de valor para uma mercadoria como:

Seu próprio valor é determinado pelo tempo de trabalho requerido para sua produção e se expressa numa dada quantidade de qualquer outra mercadoria em que esteja incorporado o mesmo tempo de trabalho. Essa determinação de sua grandeza relativa de valor ocorre na fonte de sua produção, na permuta [Tauschhandel] direta. Quando entra em circulação, como dinheiro, seu valor já está dado. (MARX, 2011, p. 227)

Percebe-se que, para Marx, as trocas ocorrem baseadas no tempo de trabalho despendido para que a mercadoria fosse produzida. Além do mais, para que uma mercadoria seja aceita no mercado é necessário que ela também tenha o chamado valor de uso:

A utilidade de uma coisa faz dela um valor de uso. Mas essa utilidade não flutua no ar. Condicionada pelas propriedades do corpo da mercadoria [Warenkörper], ela não existe sem esse corpo. Por isso, o próprio corpo da mercadoria, como ferro, trigo, diamante etc., é um valor de uso ou um bem. Esse seu caráter não depende do fato de a apropriação de suas qualidades úteis custar muito ou pouco trabalho 50

aos homens. [...] O valor de uso se efetiva apenas no uso ou no consumo. (MARX, 2011, p. 158).

Marx, então, passa a nos dar algumas pistas sobre como ocorre a atribuição de valor para os bens ao desenvolver os conceitos de valor-trabalho e valor de uso como pre requisito de aceitação do bem. Entretanto, algumas peças ainda não se encaixam, pois teoricamente uma obra de arte não possui valor de uso específico mas carregar um grande valor de troca. Marx diz que uma mercadoria, para ser aceita no mercado, precisa possuir valor de uso:

Uma coisa pode ser valor de uso sem ser valor. É esse o caso quando sua utilidade para o homem não é mediada pelo trabalho. Assim é o ar, a terra virgem, os campos naturais, a madeira bruta etc. Uma coisa pode ser útil e produto do trabalho humano sem ser mercadoria. Quem, por meio de seu produto, satisfaz sua própria necessidade, cria certamente valor de uso, mas não mercadoria. Para produzir mercadoria, ele tem de produzir não apenas valor de uso, mas valor de uso para outrem, valor de uso social. (MARX, 2011, p. 164).

1.3 Os Marginalistas

Several observations may be made about the treatment of the arts and culture during the early years of neo-classical marginal economics. First, the marginalists made far more references to the arts than did their classical predecessors, but less as interesting and exceptional special cases than as manifestations of the general case. Favorite illustrations from the arts used in presentations of economic theory stressed the unique and non-reproducible nature of many artworks. Examination of these cases demonstrated that the price of all consumption goods was demand rather than cost determined. For example, Carl Menger wrote: “A large number of goods cannot be reproduced (antiques, and paintings by old masters, for instance) and thus, in a number of cases, we can observe value but no possibility of reproduction. For this reason, any factor connected with reproduction cannot be the determining principle of value in general” [Menger ([1871] 1950, p. 147)]. (GOODWIN em GINSBURGH & THORSBY, 2006, p. 53)

A revolução marginalista, ocorrida por volta de 1870, foi encabeçada pelos trabalhos de Walras (Éléments d’économie politique pure, 1874–1877), Jevons (The Theory of Political Economy, 1871) e Menger (Grundsätze der Volkwirtschaftslehre, 1871).

De acordo com Weber (2017), a revolução marginalista muda a concepção de valor na economia: aos olhos dos clássicos, era visto como uma 51

quantidade objetiva baseada nos insumos (terra, mão-de-obra e capital) e no trabalho. Para os marginalistas, essa concepção de valor passa a ser vista como um valor baseado em percepções individuais sobre os bens econômicos. A revolução marginalista foi, em parte, baseada na filosofia utilitarista, onde o bom é medido em prazer e o mau medido em dor. Em outras palavras, as pessoas tentam maximizar o bom e minimizar o mau.

2 NOVAS INTERPRETAÇÕES ACERCA DA ARTE E SEU VALOR – O DEBATE CONTEMPORÂNEO

Considera-se que a Economia seja uma ciência relativamente nova, tendo seus primórdios nos trabalhos de Smith e Ricardo. Entretanto, quando falamos de economia da arte, percebe-se que este é um campo ainda mais recente e pouco explorado. De acordo com Weber (2017), o primeiro livro sobre economia da arte que se tem conhecimento é Volkswirtschaft und Kunst de 1903, de Carl Kindermann. Após isso, surge o Journal of Cultural Economics que é publicado desde 1977, sendo atualmente editado pela Associação de Economia Cultural Internacional (ACEI), fundada em 1993:

In 1977 the Journal of Cultural Economics was founded by William Hendon and his colleagues at the University of Akron and in 1979 the first of what was to become a regular series of biennial international conferences was held (in Edinburgh). By the early 1990s, a sufficiently large body of work had accumulated to warrant an overview and assessment of the field in the Journal of Economic Literature [Throsby (1994)]. This survey reflected on the expanding variety of issues in the arts that had engaged the attention of economists up to that time. It began by pointing to the origins of demand for the arts as lying in the peculiar processes of taste formation and cumulative consumption that make the arts an “experience good”. Markets for art objects and for artistic labor were also covered, as well as issues in the performing arts and in public policy. Throsby’s overall evaluation of the state of cultural economics at that time foresaw a further expansion of the domain of interest in the field in the future. (GINSBURGH & THORSBY, 2006)

Weber, em seu ensaio “On the “Value Paradox” in Art Economics”, traz um excerto de Frey: “the birth of art economics as a discipline of its own within 52

modern economic science can be dated exactly with the 1966 publication of Baumol and Bowen’s ‘Performing Arts - The Economic Dilemma’.” (FREY 2003).

David Throsby (1994) fez uma revisão da literatura sobre economia da arte no Journal of Economic Literature e, em 2003, o Handbook of Cultural Economics (Towse, 2003) foi publicado. É a partir destas publicações que a economia da arte começa a ganhar corpo e respaldo científico, sendo agora considerado um programa de pesquisa estabelecido no campo de estudos da economia.

Abaixo faremos algumas leituras que consolidaram o campo de economia da arte como uma verdadeira área de estudo. Nomes como David Throsby, Pierre Bourdieu e Ruth Towse serão bastante citados ao longo deste estudo, pois tiveram (e ainda têm) grande influência e peso na formação dessa área de estudo.

2.1 David Throsby e Victor Ginsburgh: conceitos da Economia da Arte

No Handbook of the Economics of Art and Culture, David Throsby e Victor Ginsburgh buscam realizar um grande apanhado de textos de diferentes autores acerca da chamada Economia da Arte. Não obstante, no primeiro capítulo da obra que é de autoria dos próprios, são levantadas uma série de questões sobre alguns dos principais conceitos abordados neste campo de pesquisa. Os autores buscam, num primeiro momento, definir alguns atributos e características dos que são os chamados Bens Culturais (arte visual, escultura, artesanato, escrita criativa, composição musical, etc.). Para eles, os bens culturais podem ser definidos como:

• São bens de experiência: o gosto por eles cresce à medida que são consumidos em maior quantidade; estão, portanto, sujeitos a um chamado vício racional; • Têm algumas propriedades de bens públicos: no agregado, os bens culturais produzem externalidades positivas ou benefícios difusos que podem ser exigidos por si mesmos; 53

• Resultam de processos de produção nos quais a criatividade humana é um insumo importante; • São veículos de mensagens simbólicas para aqueles que os consomem, isto é, são mais do que simplesmente utilitários, mas possuem, além disso, algum propósito comunicativo maior; • Contêm, pelo menos potencialmente, alguma propriedade intelectual que é atribuível ao indivíduo ou grupo que produz o bem; • Incorporam ou dão origem a formas de valor que não são plenamente expressas em termos monetários e que não podem ser reveladas em mercados reais ou contingentes.

Essas características nos mostram que os bens culturais são, de fato, objetos completamente diferentes de estudo frente aos bens comuns. Entretanto, é no último ponto que reside nosso debate: Como se forma o preço de tais bens culturais, mais especificamente das pinturas?

Entretanto, é no capítulo 6 desta obra (Value and the valuation of art in economic and aesthetic theory) que se discorre acerca da formação dos preços e valores para bens culturais. Da autoria de Michael Hutter e Richard Shusterman, o capítulo trata, num primeiro momento, da concepção de valor artístico, isto é, do valor que a obra possui e que não pode ser medido em termos monetários. Hutter e Shusterman enunciam alguns dos tipos de valores artísticos:

• Visão moral ou religiosa da arte: visto pelo seu poder de edificar e elevar espiritualmente, ainda pode fazer parte do valor artístico de uma obra. Não necessariamente a visão moral deva ser verdadeira ou totalmente aceitável por parte do avaliador, mas deve pelo menos ser considerada razoável, madura e coerente para representar valor. • Expressividade: A expressão requer um meio através do qual o eu possa ser expresso, e as pinturas, ricas em potencial perceptivo e semântico, fornecem uma matriz soberba para tal expressão, que é a exacerbação de algo anterior - uma emoção, uma ideia específica etc. • Comunicação: O poder comunicativo da arte para compartilhar sentimentos e ideias entre artistas e seu público é parte do valor artístico. A qualidade emocional da arte, o apelo vivencial direto e o vínculo com o 54

prazer lhe conferem uma grande atratividade que promove uma comunicação fácil, rápida, poderosa e generalizada. • Caráter social e político da arte: Obras de arte normalmente incorporam os significados e ideais da sociedade em que são criadas; até mesmo obras que têm uma mensagem revolucionária devem depender, até certo ponto, de significados e valores compartilhados, ou então seriam ininteligíveis e totalmente rejeitadas. • Estética: Enfatiza certos valores formais ou de design incorporados na arte: unidade, harmonia, complexidade, equilíbrio, intensidade, tensão dramática, etc. • Técnica pessoal: Um tipo específico de valor artístico poderia ser chamado de valor técnico-artístico. Esse valor está relacionado à habilidade, técnica ou inovação técnica exibida por uma obra de arte. • Valor histórico da arte: diz respeito ao valor que uma obra de arte tem para a história da arte, seja fornecendo evidências de inovação, seja técnica, estilística ou em termos de novos conteúdos.

Dito isto, começamos a conseguir responder algumas das questões que iniciaram este projeto. Visto que os valores artísticos acima contribuem para o preço de uma obra, é possível entender porque uma pintura que muitas vezes não é tão atraente esteticamente possui um preço tão alto. Os próprios autores do capítulo dão um exemplo disto:

Though some viewers find Picasso’s Desmoiselles d’Avignon a very unattractive painting, its artistic value in terms of art-historical value (as the harbinger of cubism) cannot be denied. Physical rarity, because very few other surviving exemplars of its period or style have been found, adds to appreciation. (HUTTER & SHUSTERMAN em GINSBURGH & THORSBY, 2006, p. 199)

2.2 Pierre Bourdieu: a valoração dos bens simbólicos

Bourdieu inicia sua obra “As Regras da Arte” fazendo uma distinção entre os bens simbólicos (provindos do campo artístico ou literário) e os bens comuns. O autor entende que estes bens se encontram num universo autônomo e dependente com relação às esferas econômica e política, ao passo que acaba por confirmar a tese que trouxemos anteriormente: aquilo que Throsby e 55

Ginsburgh chamam de valor artístico e o valor mercantil dos bens simbólicos são relativamente independentes:

Esse universo relativamente autônomo [...] dá lugar a uma economia às avessas cujo valor propriamente simbólico e o valor mercantil permanecem relativamente independentes. (BOURDIEU, 1996, p. 162).

Para Pierre Bourdieu, o campo artístico traz consigo uma estrutura diferente dos bens comuns em sua concepção econômica: seus modos de produção e circulação obedecem à duas logicas inversas: por um lado, Bourdieu define a lógica econômica dos bens simbólicos como uma economia anti- econômica, isto é: a produção da arte pura nega e dispensa o interesse econômico (venda, lucro e curto prazo), isto é, é a arte pela arte. Essa Arte pura privilegia uma “produção que não pode reconhecer outra demanda que não a que ela própria pode produzir” (BOURDIEU, 1996). Por outro lado, a lógica capitalista se adentra também na indústria artística que enxerga o comercio dos bens simbólicos um comercio como os outros. É dada uma ênfase à difusão dos trabalhos artísticos, ao sucesso imediato e ajusta a produção à demanda dos consumidores. Acerca do valor mercantil de uma obra, Bourdieu cita a percepção de Marx acerca do tema, fazendo algumas ressalvas:

Como se vê, é ao mesmo tempo verdadeiro e falso dizer (com Marx, por exemplo) que o valor mercantil da obra de arte não tem relação com seu custo de produção: verdadeiro, se se leva em conta apenas a fabricação do objeto material, pelo qual o artista (ou pelo menos o pintor) é o único responsável; falso, se se entende a produção da obra de arte como objeto sagrado e consagrado, produto de uma imensa empresa de alquimia simbólica na qual colabora, com a mesma convicção e lucros muito desiguais, o conjunto dos agentes lançados no campo de produção, isto é, os artistas e os escritores obscuros assim como os "mestres" consagrados, os críticos e os editores tanto quanto os autores, os clientes entusiastas não menos que os vendedores convictos. Contribuições ignoradas pelo materialismo parcial do economicismo, basta leva-las em conta para ver que a produção da obra de arte, ou seja, do artista, não é uma exceção à lei da conservação da energia social. (BOURDIEU, 1996, p. 196).

O autor ainda continua:

Sem dúvida, jamais a irredutibilidade do trabalho de produção simbólica ao ato de fabricação material operado pelo artista apareceu de maneira tão evidente quanto hoje. O trabalho artístico em sua nova 56

definição torna os artistas mais do que nunca tributários de todo o acompanhamento de comentários e de comentadores que contribuem diretamente para a produção da obra por sua reflexão sobre uma arte que muitas vezes incorpora, ela própria, uma reflexão sobre a arte, e sobre um trabalho artístico que comporta sempre um trabalho do artista sobre si mesmo. (BOURDIEU, 1996, p. 196).

Sobre este segundo trecho, Bourdieu traz a discussão da geração de valor à obra por meio das críticas e da imputação de um significado por meio dos recipientes da arte. Bourdieu ainda completa dizendo que os discursos sobre a arte, com a forma de críticas e interpretações é um momento da produção, sentido e valor da obra:

com as grandes exposições internacionais e a multiplicação das galerias com sucursais múltiplas em diversos países etc., tudo concorre para favorecer a instauração de uma relação sem precedente entre os interpretes e a obra de arte: o discurso sobre a obra não e um simples adjuvante, destinado a favorecer-Ihe a apreensão e a apreciação, mas um momento da produção da obra, de seu sentido e de seu valor. (BOURDIEU, 1996, p. 197).

A partir desta consideração, o autor traz um excerto de uma entrevista com Marcel Duchamp, quando questionado sobre o significado de suas obras que revolucionaram a arte no movimento dadaísta:

- Para voltar aos seus ready-made, eu acreditava que R. Mutt, a assinatura da Fountain, era o nome do fabricante. Mas, em urn artigo de Rosalind Krauss, li: R. Mutt, a pun on the German, Armut, or poverty3. Pobreza, isso mudaria inteiramente o sentido da Fountain. - Rosalind Krauss? A moça ruiva? Não é isso absolutamente. Pode desmentir. Mutt vem de Mott Works, o nome de uma grande empresa de instrumentos de higiene. Mas Mott era muito próximo, então transformei-o em Mutt, pois havia histórias em quadrinhos diárias publicadas então, Mutt and Jeff, que todo mundo conhecia. Havia portanto, de saída, uma ressonância. Mutt, um gordinho engraçado, Jeff, um magro alto... eu queria um nome diferente. E acrescentei Richard... Richard, fica bem para um mictório! Veja, o contrário de pobreza... mas nem mesmo isso, apenas R.: R. Mutt.

3 R. Mutt, um trocadilho com o alemão Armut, ou pobreza. 57

- Qual a interpretação possível da Roda de bicicleta? Pode-se ver nela a integração do movimento na obra de arte? Ou um ponto de partida fundamental, como os chineses que inventaram a roda? - Essa máquina não tem intenção, a não ser de me livrar da aparência da obra de arte. Era uma fantasia. Eu não a chamava de uma "obra de arte". Queria acabar com a vontade de criar obras de arte. [...] - E o livro de geometria exposto as intempéries? Pode-se dizer que é a ideia de integrar o tempo no espaço? Jogando com a palavra "geometria no espaço" e o "tempo", chuva ou sol, que viria transformar o livro? - Não. Como também não a ideia de integrar o movimento na escultura. É apenas humor. Abertamente humor, humor. Para denegrir a seriedade de um livro de princípios.

De acordo com a transcrição acima, percebe-se que o argumento de Bourdieu é confirmado, ao passo que se pode notar que a crítica em torno de algumas das obras de Duchamp (figuras 20 e 21) criava interpretações para simbolismos, existentes ou não, nas obras. Essas interpretações, direta ou indiretamente, criam significados às obras e, dessa forma, criam valor. Na entrevista acima, Duchamp é bombardeado com questões acerca de teorias especulativas sobre o significado de algumas de suas obras, mas esquiva de todas e até surpreende o entrevistado ao responder que nada daquilo tinha um significado específico.

Figura 20 - Marcel Duchamp – A Fonte. 1917. 58

Figura 21 - Marcel Duchamp – Roda de Bicicleta. 1913.

Bourdieu conclui que a imputação de significado é um processo característico do processo de valorização e circulação da obra:

Apreende-se aí, diretamente revelada, a injeção de sentido e de valor operada pelo comentador, ele próprio inscrito em um campo, e pelo comentário, e pelo comentário do comentário - e para a qual contribuirá por sua vez o desvendamento, ingênuo e ardiloso a um só tempo, da falsidade do comentário. A ideologia da obra de arte inesgotável, ou da "Ieitura" como mascara, pelo quase desvendamento que se observa com frequência nas coisas da fé, que a obra é feita não duas vezes, mas cem vezes, mil vezes, por todos aqueles que se interessam por ela, que tem um interesse material ou simbólico em a ler, classificar, decifrar, comentar, reproduzir, criticar, combater, conhecer, possuir. (BOURDIEU, 1996, p. 198).

2.3 A abordagem da economia da arte: é possível generalizar?

A obra Handbook of Cultural Economics da economista britânica Ruth Towse reune uma série de artigos da economia cultural com o intuito de difundir os trabalhos da área para estudantes, professores e pesquisadores.

No artigo intitulado “Art Prices”, Dominique Duvauroux busca mostrar como se formam os preços das obras de arte. Ao partir do pressuposto da formação de preço de uma commodity, que é definido por suas propriedades físicas, data e local de produção, o autor passa a esboçar como se dá a formação do preço de bens artísticos: 59

This definition underlines the three types of variables to be taken into account in understanding the prices of the works of art. In the first instance, the price of a work of art depends on its physical properties: size, materials used, date of creation, and of course the name of the creator. However, the same painting or print will have different prices depending on the date and place of sale. (DUVAUROUX in TOWSE, 2003, p. 43).

Fica claro que para o autor o preço de uma obra de arte depende de suas propriedades físicas, isto é, tamanho e materiais. Além disto, a data de criação, nome do artista, data de venda e local da venda também são variáveis que representam uma significância na formação do preço da obra. Ao pensar especificamente em pinturas (nosso objeto de estudo), percebe-se que o preço destas se baseia em algumas características específicas: primeiramente, os atributos físicos e materiais utilizados na obra, como o tamanho do quadro, tipo de tela, tipos de tintas, pinceis, pigmentos e etc.; em segundo lugar, o tema tratado na pintura, como cenas históricas, retratos, paisagens, pinturas abstratas e etc.; em terceiro lugar, uma das características mais importantes, que é a assinatura do artista, que de certa forma acaba funcionando como uma marca.

Percebeu-se que ao longo da história estas três características têm se alternado como principal determinante do preço de uma obra. Duvauroux dá alguns exemplos a respeito disto: durante o Quattrocento italiano, o preço no mercado de arte era determinado principalmente pelos atributos físicos da obra. O maior trunfo do pintor era sua habilidade, sendo o preço geralmente fixado antes do início da pintura ao passo que o cliente ditava quais eram as cores a serem utilizadas, o assunto e assim por diante, fazendo depender do custo de produção. Já durante o período acadêmico na França (séculos XVII-XIX), o preço das obras de arte dependia principalmente da escolha do tema a ser pintado. Pinturas de cunho histórico, que mostravam a intelectualidade e o conhecimento do artista, eram mais altamente consideradas do que retratos, que, por sua vez, eram mais altamente considerados do que naturezas-mortas ou paisagens. Desde o final do século XIX, Duvauroux considera que o atributo mais relevante têm sido a assinatura do artista. O valor de uma obra de arte depende da originalidade do processo de pensamento do artista, e a assinatura é a garantia dessa originalidade. O habilidoso artesão com conhecimento de história é 60

substituído por um artista com inspiração. Torna-se impossível avaliar uma obra de arte sem o nome do artista.

Outra característica determinante do preço da obra é a data em que ela foi vendida. Ao passo que fatores macroeconômicos determinam essa mudança de preço ao longo do tempo (inflação, renda per capita ou cambio, por exemplo), eventos específicos também determinam a mudança do patamar de preço, como por exemplo a morte do artista:

The variation in price of works of art over time is in part explained by macroeconomic variables. Other things being equal, the average prices of artworks rise with per capita income. Similarly, inflation tends to enhance the rise in demand for artworks and therefore the increase in prices. (DUVAUROUX in TOWSE, 2003, p. 46).

Além da data, outro fator importante para a determinação do preço da obra, é o local no qual a obra foi vendida. É perceptível que o preço de venda nas galerias não corresponde aos preços das casas de leilão, e mesmo dentro deste segundo grupo há divergências, pois o preço pode depender também da casa de leilão ou do país no qual a obra foi vendida:

Qualitative studies on the art market reveal the differences between prices in art galleries and the prices at auction. As a general rule, galleries hesitate to lower prices. As a result, the variations in price in galleries are smaller than those observed at auction. When prices are rising, the galleries limit their increase in prices by stressing quality, while in times of falling prices they put higher-quality artworks on the market. (DUVAUROUX in TOWSE, 2003, p. 46).

Sobra o fator país, o autor ainda acrescenta:

Within the auction world, there are systematic differences across international markets. De la Barre et al. (1994) thus demonstrate that the prices fetched for the same type of work (great masters, or other painters) are higher in New York than in London, and higher in London than in Paris. Pesando and Shum (1996) go further and show that the same item fetches appreciably different prices depending on the auction house that sells it, even if the sale takes place in the same town at the same time. (DUVAUROUX in TOWSE, 2003, p. 46).

Duvauroux finaliza mostrando uma das estratégias que as grandes casas de leilões utilizam para inflacionar o preço das obras: 61

However, auction theory teaches us that auction prices are heavily dependent on the number and quality of bidders. This is why Sotheby’s and Christie’s organize their sales at the same time in the same town, so as to benefit mutually from the presence of collectors. This strategy tends to inflate the prices when compared with sales of auction rooms that are not organized. (DUVAUROUX in TOWSE, 2003, p. 46).

Levando em conta todos estes aspectos, este trabalho chega a uma primeira importante conclusão: não é possível obter uma teoria geral das obras de arte. Os fatores específicos à obra, ao artista e ao local e data de produção, bem como sociais e macroeconômicos ligados ao local e data – como vimos neste capítulo – tornam a definição do “preço do belo” uma questão muito caso a caso.

2.4 Cameron Weber: Como a Arte e a economia se cruzam?

Após os artigos anteriormente expostos, veremos agora de que forma o valor para a arte é diferente do valor para outros bens econômicos comuns. Cameron Weber relembra seis dos vários tipos de valor enunciados por Throsby na seção 2.1 e que evidenciam a forma pela qual o valor é imputado a uma obra de arte. Parafraseando o artigo numa tradução livre:

1) Valor Estético: uma obra de arte possui as propriedades de beleza, harmonia e forma. Além disto, o valor estético é influenciado pelo estilo, moda e gosto; 2) Valor Espiritual: uma obra de arte pode trazer conhecimento, luz, e insights espirituais; 3) Valor Social: uma obra de arte pode trazer um senso de conexão com outras pessoas e pode contribuir para a concepção da identidade de uma sociedade; 4) Valor Histórico: uma obra de arte pode oferecer uma melhor conexão do presente com o passado por meio de insights; 5) Valor Simbólico: uma vez que obras de arte são passíveis de interpretação, um indivíduo pode extrair significados de uma obra de Arte; 6) Valor de Autenticidade: uma obra de arte é real, original e unica. Essas autenticidade e integridade da obra possuem valor.

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O autor nota que os estudiosos da economia da arte de fato assumem que o conceito de valor para os objetos de arte é diferente do conceito de valor de uso normalmente utilizado para bens comuns. Para o autor este é o chamado paradoxo do valor na arte: os bens artísticos possuem um valor diferente do de troca:

We categorize the research program in art economics in Lakatosian terms and find that art economists share a value system around art which is that art contains value beyond that of exchange. This difference introduces a “paradox” of values to be addressed (either implicitly or explicitly) by the art economist in practice, in that mainstream economics assumes value is realized through exchange only. (WEBER, 2017, p. 150)

Weber chega a citar o economista Bruno Frey quando este trata acerca do conceito de arte sob uma visão economicista e de que forma a estética pode afetar nos gostos individuais. Para Frey, o conceito de arte para a economia tem relação com as preferências individuais. Arte, nesse sentido, é o que as pessoas pensam que a arte é. Ainda para Frey, os economistas não podem e nem querem dizer o que constitui arte “boa” ou “ruim”; isso não faz parte do domínio de sua competência profissional, mas deve ser deixado para aquelas ciências (como a filosofia) que têm teorias apropriadas para lidar com a questão da estética. Um dos autores que Weber cita é Michael Hutter. Este analisa como a economia pode ajudar as artes e como as artes podem ajudar a economia. Especificamente, Hutter vê a arte (a criatividade humana) como um recurso inesgotável que se torna valor através de “eventos”, isto é, peças, poemas, pinturas, filmes, e etc. Esse valor então retorna à economia. Hutter ainda completa dizendo que, num mundo que inevitavelmente está ficando sem recursos naturais, não se pode manter ou mesmo aumentar o volume de produção de bens reprodutíveis. A criatividade humana, no entanto, fornece um fluxo inesgotável de bens não-reprodutíveis.

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Capítulo 3 – Assimilando conceitos: conclusão dos estudos até aqui realizados

1 PRINCIPAIS CONCLUSÕES

Ao iniciar este trabalho, algumas perguntas foram formuladas para nortear esta pesquisa: qual a fonte de valor de uma pintura? Por que algumas delas valem tanto? Por que compradores pagam tanto? Seria possível entender a dinâmica da precificação de objetos raros por meio das teorias do valor existentes? A partir destes questionamentos conseguimos encontrar algumas respostas na bibliografia estudada.

No início do capítulo 1 deste trabalho, pudemos introduzir alguns conceitos estéticos do campo das artes. A ideia inicial foi aproximar o leitor do conceito de belo na história da arte, uma vez que essa concepção do que é esteticamente bonito ou não poderia, de certa forma, ser visto como um dos principais motores da precificação e valorização de pinturas. Diversos autores discorrem sobre o belo nas artes, evidenciando, assim, o caráter não específico e não geral das de uma teoria da precificação de bens artísticos. Não obstante, é no capítulo 2 que percebemos que este não é um fator preponderante numa obra de arte para valorizá-la e, consequentemente, aumentar seu preço.

Num segundo momento, buscamos entender quais são os locais nos quais uma obra cria ou aumenta seu valor. Algumas das esferas vistas foram os Leilões, as Coleções Particulares e os Museus. De modo geral, é nos leilões que a venda efetiva das obras ocorre. É lá também que, de acordo com Ferraz (2015), ocorre o chamado jogo especulativo que é movido lance após lance, sendo o Leilão entendido como um representante da lógica financeira capitalista nas artes. O colecionismo, por sua vez, também possui um grande poder de influência na formação de valor das obras. A depender do nível de influência do colecionador, o fato dele adquirir uma obra pode ser um norte de novas tendências para o mercado da arte, valorizando artística e financeiramente aquilo que adquire. Vimos um exemplo disto no caso de Jean Michel Basquiat. Por fim, vimos o caso dos museus que desempenham um papel primordial na valorização das obras, sendo ali o local no qual ocorre a formação da reputação 64

de uma obra. De acordo com Almeida (2009), o museu é o pilar que permite ao artista adquirir notoriedade e reputação, além de, consequentemente, conferir valor às suas obras, dando um grande passo para o aceite da obra, isto é, torná- la aceitada e reconhecida no meio artístico.

Após compreender a dinâmica dos mercados da Arte, buscamos entender, num primeiro momento, como algumas teorias do valor de economistas consagrados entendiam a questão da valorização de bens artísticos. Adam Smith, David Ricardo, os Marginalistas e Karl Marx tinham suas teorias acerca de como se dá o valor para tais bens, e é no item 1 do capítulo 2 que buscamos resumir o pensamento destes economistas. Fica claro que para eles o valor dos bens artísticos (ou simbólicos) deve ser entendido de maneira diferente da qual entendemos o valor dos bens comuns.

Ao longo do capítulo 2 pudemos conhecer um pouco melhor o campo de estudos da Economia da Arte. Viu-se que este campo é bastante recente se comparado com outras áreas de estudo e alguns nomes – como David Throsby, Victor Gingsburgh, Dominique Duvauroux, Michael Hutter, Ruth Towse, entre outros – se destacam nesta linha de pesquisas. E é a partir daí que estes autores guiam nossa discussão, trazendo uma abordagem mais moderna e assertiva a respeito dos bens simbólicos (vezes chamados bens culturais ou artísticos). É a partir deles que conseguimos, finalmente, responder algumas de nossas questões. David Throsby e Victor Ginsburgh trazem algumas características que definem um bem artístico de um bem comum: 1) são bens de experiência; 2) têm algumas propriedades de bens públicos; 3) resultam de processos de produção nos quais a criatividade humana é um insumo importante; 4) são veículos de mensagens simbólicas para aqueles que os consomem; 5) contêm alguma propriedade intelectual que é atribuível ao indivíduo ou grupo que produz o bem; 6) incorporam ou dão origem a formas de valor que não são plenamente expressas em termos monetários e que não podem ser reveladas em mercados reais ou contingentes.

Percebe-se então que o grande passo dado por esta nova linha de investigação é a distinção de valor monetário e valor artístico, e é aí que Michael Hutter e Richard Shusterman, cujo artigo encontra-se no livro Handbook of the Economics of Art and Culture e já citado no ponto 2.1 deste trabalho, entram ao 65

definir alguns atributos que conferem valor artístico a uma obra: 1) Visão moral ou religiosa da arte; 2) Expressividade; 3) Comunicação; 4) Caráter social e político da arte; 5) Estética; 6) Técnica pessoal; 7) Valor histórico da arte.

Dito isto, começamos a conseguir responder outras das questões que iniciaram este trabalho. Visto que os valores artísticos acima contribuem para o preço de uma obra, é possível entender porque uma pintura que muitas vezes não é tão atraente esteticamente possui um preço tão alto. Os próprios autores do capítulo dão um exemplo disto ao citar a obra Desmoiselles d’Avignon de Picasso. Eles dizem que mesmo ela não sendo tão visualmente atraente, seu valor artístico-histórico não pode ser negado, além de sua raridade física pois muitos dos outros exemplares deste período não sobreviveram ou não foram encontrados.

Finalmente, Ruth Towse nos mostra como o preço de uma obra é influenciado ao longo da história. Primeiramente, ela pontua três características específicas que baseiam o preço de uma obra: primeiramente, os atributos físicos e materiais utilizados na obra, como o tamanho do quadro, tipo de tela, tipos de tintas, pinceis, pigmentos e etc.; em segundo lugar, o tema tratado na pintura, como cenas históricas, retratos, paisagens, pinturas abstratas e etc.; em terceiro lugar, uma das características mais importantes, que é a assinatura do artista, que de certa forma acaba funcionando como uma marca. A partir disto, nota-se que a forma de se precificar uma obra foi se alterando ao longo dos anos, alternando-se entre estas três características.

Após este estudo, entende-se então que os bens artísticos passam por uma análise de valor completamente diferente dos bens comuns, sendo seus valores artísticos preponderantes em toda e qualquer análise deste tipo de bem. É importante levar em conta os diversos atributos acima citados para precificar uma obra e compreender seu real valor para o mercado.

Como já citado ao final do ponto 2.3, o trabalho chega então a uma importante segunda conclusão: não é possível obter uma teoria geral das obras de arte. Os fatores específicos à obra, ao artista e ao local e data de produção, bem como sociais e macroeconômicos ligados ao local e data tornam a definição do “preço do belo” uma questão muito caso a caso. Percebe-se que há uma certa 66

dificuldade, desde os economistas clássicos, com a precificação de obras raras, isto é, existe uma complexidade em se desenvolver modelos de precificação para tais obras. Seu preço acaba sendo definido apenas pela intensidade da demanda e pela riqueza do comprador, como pudemos perceber em nosso estudo. De certo modo, a teoria subjetiva do valor esboça uma explicação para esta dinâmica ao colocar o preço de todos os bens – inclusive os de arte – sob o domínio da valoração subjetiva do comprador potencial. As teorias da economia da cultura acabam por nos mostrar por que é tão difícil precificar um bem imaterial como a obra de arte – os aspectos acima citados e os agentes (museus, galerias, colecionadores, leilões e etc.) envolvidos nos dão pistas sobre sua complexidade.

2 LIMITAÇÕES DO ESTUDO

Apesar do estudo ter respondido a grande maioria das questões propostas no início do trabalho, é perceptível que o tema da precificação em si não foi abordado em profundidade. Percebeu-se uma grande lacuna bibliográfica a respeito de como museus, colecionadores e, principalmente, casas de leilões precificam suas obras. Ainda que ilustrações gráficas ou matemáticas de precificações específicas pudessem acrescentar ao trabalho, em uma introdução ao tema, o que apresentamos são alguns fatores gerais que devem ser levados em conta na precificação de obras específicas.

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