A Roda Dos Deuses

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A Roda Dos Deuses A roda dos deuses Sumário Prefácio Cap.1: Da mitologia Cap.2: Da espiritualidade Cap.3: Da magia Epílogo: O mapa natal 2 Todo conteúdo é de autoria de Rafael Arrais (exceto as citações de outros autores e o epílogo). Texto revisado segundo as regras do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990. Esta é uma edição de Textos para Reflexão Para conhecer outras obras, visite o blog: textosparareflexao.blogspot.com Design e diagramação: Ayon Copyright © 2016 por Rafael Arrais (PDF v1.0) © Creative Commons (CC BY-NC-ND 3.0): Você tem o direito de copiar e redistribuir este material em qualquer suporte ou formato, contanto que não o edite nem utilize para fins comerciais, e cite a fonte original (Rafael Arrais). 3 Prefácio Lá se vão nove anos desde que publiquei o primeiro dos Textos para Reflexão. Mas o que é o tempo não é mesmo? Disse Manoel de Barros que “o ser biológico é sujeito à variação do tempo, o poeta não”. Sinto que a poesia me faz viver um pouco deslocado do tempo, ao menos do tempo do mundo. Não me entenda mal, eu sei bem que a Disney lançou um novo Star Wars, que o Brasil perdeu de 7 a 1 para a Alemanha em casa, e que há uma grave crise econômica em boa parte do mundo, mas perto de alguns poemas de Fernando Pessoa, ou de alguns diálogos de Sócrates com seus jovens amigos, nada disso me comove como deveria... Eu simplesmente me esqueço de trocar meu smartphone no fim do ano, devo ser um desleixado. Na verdade quase tudo o que sou devo ao que consegui desvelar da poesia. Foi assim que conheci a mulher que amo, que aprendi a fazer design para a web e, enfim, que encontrei a poetisa que me fez iniciar este blog – a história não é tão bonita quanto parece (ou, quem sabe, seja de uma beleza triste), mas já falamos sobre isso no primeiro volume desta série... Com o passar dos anos, de tanto escrever, acabei chegando a alguns textos relativamente relevantes que me deram a honra de alcançar mais de 8 mil seguidores no Facebook e, o que é mais importante, uma boa dúzia de amigos e fiéis leitores do blog. Volta e meia eu me refiro “aos autores” do meu blog no plural, mas isto não quer dizer bem que faço psicografias (embora todo poeta seja um fingidor...), quer dizer somente que creio que as pessoas dão mais relevância a blogs com vários autores, e penso eu que até a pessoa descobrir que se trata de um blog de um autor só, talvez ela já tenha sido fisgada por alguma luz que refletiu por lá. Mas fato é que o Textos para Reflexão é um blog pessoal, bem mais pessoal do que eu gostaria. Talvez fosse inevitável, afinal todo escritor que se preze escreve primeiro para si mesmo. É bom contar com 4 mais de uma dezena de comentários em alguns posts, mas a verdade é que eu sempre escrevi antes para organizar minhas próprias ideias, e muito do que eu escrevi, escreveria de qualquer jeito (o mesmo fez Montaigne, e para o bem ou para o mal não existiam blogs na sua época)... A grande questão é que tenho a sorte de trabalhar em home office, e desde que parei de jogar World of Warcraft tenho escrito bastante, bastante coisa mesmo. Talvez seja impossível acompanhar tudo (eu mesmo me esqueço de muito do que já postei), e daí que pensei que seria interessante poder editar os melhores contos e artigos desses anos todos, catalogados por temas específicos. Dessa forma, cheguei a este segundo volume do Livro da Reflexão, onde pretendo abordar a mitologia, a espiritualidade e a magia, todas elas temas recorrentes do blog. Nesta edição, cada capítulo tratará de um tema, mas é bem possível que eles também estejam espalhados por entre tantos textos. Vale lembrar que cada capítulo se inicia com artigos e se encerra com contos – espero que a presente organização sirva como uma espécie de guia de leitura minimamente agradável. Acho que era só isso o que eu tinha para dizer neste prefácio... Ah, sim, e se você por acaso nunca ouviu falar do meu blog, segue um breve resumo do que ele pretende tratar: Textos para Reflexão é um blog que fala sobre filosofia, ciência e espiritualidade. Onde se busca a sabedoria tanto no Evangelho de Tomé quanto no Cosmos de Carl Sagan. Onde as palavras nada mais são do que cascas de sentimentos, embora a poesia ainda assim possa nos levar a um outro mundo. Onde toda religião se pratica no pensamento, e onde Deus é nosso amor... Rafael Arrais 03.03.2016 5 1. Da mitologia A RODA DOS DEUSES 26.09.2012 Há uma lenda bastante difundida entre as religiões ocidentais que afirma, basicamente, que o monoteísmo, a “descoberta” do Deus Único, foi uma concepção originária do judaísmo. Segundo esta lenda, existem no mundo algumas poucas religiões monoteístas, derivadas da crença hebraica, e outras tantas que creem na existência de vários deuses de origem paralela – o chamado politeísmo. A verdade, no entanto, pode ser mais profunda... Joseph Campbell foi um estudioso de mitos e religiões em todo o globo, e em O poder do mito ele deixa muito claro o que acredita ser a principal diferença entre as grandes religiões ocidentais, e as orientais: enquanto a oeste do canal de Suez, a maioria das pessoas identifica Deus com a fonte da Alma do Mundo, a leste de Suez, a associação que se faz é a da divindade como o veículo desta energia transcendente. Por isso as religiões ocidentais tendem a identificar a Deus como um Grande Senhor que, sabe-se lá de onde, mantém a fonte da vida em constante afluência, enquanto que as religiões orientais tendem a ver esta divindade por toda a volta – ela seria o próprio fluido em movimento, a habitar a essência de todos os seres e de todas as coisas. O curioso é que ambas as visões são complementares, e parecem ser apenas formas diferentes de se observar este grande mistério: “por que existe algo, e não nada?” Para resolver tal questão ancestral, a mente humana tem se aventurado a observar os recônditos mais distantes do Cosmos, e a mergulhar cada vez mais profundamente 6 dentro de si mesma... Este grande conjunto de dualidades, de opostos, emanados de uma única fonte, mas que preenchem a tudo o que há, é precisamente isto a roda dos deuses. Reflitamos: O Uno Conta-nos o estudioso de mitologia e religiões, Mircea Eliade [1], que os poetas criadores do Rig Veda hindu já se questionavam, provavelmente muito tempo antes dos hebreus, acerca do problema do ser, ou do incrível fato de, afinal, algo existir: “O Uno respirava por impulso próprio, sem que houvesse inspiração ou expiração (...) Afora isso, nada mais existia”. Depois, segundo eles, através de um ato de desejo e vontade, a “semente primeira” dividiu-se em “alto” e em “baixo”, num princípio masculino e noutro feminino, e depois irradiou ou emanou de si mesma, como um pensamento, tudo o que há. Desta forma, os milhares de deuses hindus são, eles mesmos, uma “criação secundária”. Daí nasce o grande questionamento de um desses poetas hindus anônimos e ancestrais: “Será que aquele que zela por este mundo no lugar mais alto do firmamento é o único a saber (da origem da “criação secundária”) – ou nem mesmo ele sabe?”. Se é verdade que nem todas as interpretações dos Vedas chegaram a tal profundidade, não é verdade que nenhum sábio hindu tenha chegado a conclusões muito próximas dos hebreus – tudo o que há haveria de ter sido criado ou irradiado de uma só fonte, de um só Deus. Dessa forma, a ideia básica do monoteísmo está longe de ser uma criação do judaísmo, ou pelo menos, apenas do judaísmo. Esta mesma conclusão está presente no Antigo Egito (particularmente no hermetismo), na filosofia de Parmênides (e alguns filósofos pré-socráticos que não a desenvolveram com a mesma profundidade), no estoicismo, no pensamento de Plotino e, mais recentemente, na monumental obra de Espinosa, a Ética. Mas, e seria este Uno um ser pessoal, ou alguma espécie de energia inefável, de força ou lei oculta da Natureza? Disto não podemos 7 saber, apenas apostar... Mas, ainda que apostemos na hipótese da energia inefável, ainda aqui teremos sido precedidos por Lao Tsé em muitos séculos: “O Caminho é vazio e inesgotável, profundo como um abismo. Não sei de quem possa ser filho, pois parece ser anterior ao Soberano do Céu” (Tao Te Ching, verso 4). A Deusa Mãe A adoração do aspecto feminino, fértil e vivificador da divindade data da pré-história (o que pode ser comprovado pelas inúmeras estatuetas de uma “grande mãe” encontradas pelos arqueólogos em vários pontos do mundo [2]). Quase 3 mil anos antes de Cristo, na grandiosa cidade de Uruk, na Suméria, o templo de Ishtar dominava a civilização da primeira grande cidade. Ishtar, entretanto, era apenas mais um nome dado a Grande Deusa, que era adorada então por muitas outras culturas na Terra. Nada se comparava ao poder da mulher. Toda a vida provinha dela e sem seu alimento nenhuma vida sobreviveria. A Mãe era a vida. A Terra era a Mãe. Deus era Mulher. O matriarcado dominou grande parte do período em que se cultuou a Deusa Mãe. Certamente o advento da agricultura contribuiu ainda mais para que o mistério do nascimento ocupasse um ponto central das religiões antigas. A Terra era associada ao ventre e, como os vegetais, os homens nasciam do solo, e voltavam ao solo durante a morte.
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