Rev. do Museu de Arqueologia e Etnologia, São Paulo, 11\ 303-310, 2001.

CONTRIBUIÇÕES DA ETNO-HISTÓRIA PARA A ARQUEOLOGIA DO NORDESTE DE , NA ÁREA IMPACTADA PELO GASODUTO BOLÍVIA-BRASIL

Gilson Rodolfo Martins*

Quando na primeira metade do século XVI Prezia (1988: 4) ao analisar o grupo os primeiros conquistadores europeus chega­ lingüístico Macro-Jê sintetizou algumas ram a Mato Grosso do Sul, encontraram características comuns às tribos filiadas a esse algumas centenas de milhares de índios que aí tronco, as quais se apresentam a seguir:

viviam, há séculos, os quais estavam distribuí­ - “são moradores do cerrado ou de áreas dos por mais de uma dezena de tribos distintas de mato aberto; entre si. Das fontes históricas do século XVI, - possuem uma organização social praticamente nenhuma faz referência aos complexa, dividindo a comunidade em metades índios do nordeste sul-mato-grossense. Porém, ou clãs, divisão que é respeitada desde a direção de acordo com os cronistas dos séculos da aldeia, até a realização de festas e rituais; - não usam redes, dormindo em esteiras ou seguintes e com estudos etnográficos contem­ em estrados de varas; porâneos, como, por exemplo, o Mapa Etno- - fabricam pouca cerâmica, desenvolvendo Histórico de Nimuendaju, editado em 1944, mais a pintura corporal e a arte plumária”. toda a área vizinha ao traçado do Gasoduto O processo colonizador português, no Bolívia-Brasil (Gasbol), entre os municípios de Brasil, iniciou sua interiorização no final do Ribas do Rio Pardo e Três Lagoas era habita­ século XVI. As bandeiras paulistas de André da, hegemonicamente, pelos índios kaiapós Leão e Nicolau Barreto, explorando o vale do meridionais, hoje extintos. Segundo Schaden Paraíba do Sul e as terras além da Serra de (1954: 396) o território ocupado por esses Mantiqueira, inauguraram, na última década desse índios era o seguinte: século, o fenômeno bandeirante. Entre 1600 e “Grande extensão do noroeste do Estado 1620, diversas bandeiras terrestres partiram do (SP), compreendida entre o rio Grande e o planalto de Piratininga em direção ao ocidente Paraná, bem como as áreas adjacentes do colonial buscando duas mercadorias muito triângulo mineiro, do sudeste de Mato Grosso valorizadas no comércio mercantilista: os metais e sul de Goiás, constituiu o habitat de uma preciosos e cativos indígenas. Dessa forma, o tribo jê, conhecida sob o nome de Kaiapó início do século XVII é também o momento que Meridionais. (...) Guerreiros denodados, estabeleceu os primeiros contatos inter-étnicos faziam-se acompanhar das mulheres nos entre colonos europeus e as tribos orientais de campos de luta, incumbidas de ficar atrás dos Mato Grosso do Sul e do extremo-oeste paulista. homens e passar-lhes as flechas à medida que Em 1610, os jesuítas espanhóis iniciaram a as gastassem. Além de arco e flecha, serviam- catequese dos índios guaranis do Guairá, no se de grandes cacetes, particularidade que deu noroeste paranaense, intensificando a movi­ origem à designação de Ibirajara (“senhores mentação colonial na bacia do Alto Paraná. dos tacapes, na língua geral) com que os Com isso, alterações substanciais ocorreram Kaiapó e algumas outras populações figuram na realidade étnica regional. em textos antigos”. A presença dessas duas frentes de expan­ sionismo colonial, embora rivais, debruçadas sobre o mesmo objeto, implicou um afastamento (*) Laboratório de Pesquisas Arqueológicas do Departamento de História do Campus Universitário e diminuição dos aldeamentos indígenas nas de da Universidade Federal de Mato proximidades do trecho sul-mato-grossense do Grosso do Sul. rio Paraná. Nos anos seguintes à fundação da

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ação missionária, avolumaram-se as expedições general Luis de Céspedes Xeria, Governador do preadoras oriundas de São Paulo, tanto sobre Paraguai, partiu de São Paulo em um comboio as aldeias tradicionais como sobre as diversas fluvial que percorreu, pioneiramente, a rota reduções guairenhas. As tribos guaranis ocupan­ fluvial Tietê/Paraná até o Guairá. No ano seguin­ tes do complexo fluvial Paraná/Paranapanema te, comandado por Raposo Tavares e Manoel alteraram hábitos culturais e passaram a migrar Preto, ocorreu o grande e fulminante ataque constantemente provocando a reacomodação bandeirante sobre as missões guairenhas de outros grupos étnicos vizinhos, inclusive os provocando o êxodo maciço de índios dessa do nordeste sul-mato-grossense. Os trechos região para o sul do Brasil e para Mato Grosso abaixo, citados por Taunay (1922: 90), refletem a do Sul. Estima-se que mais de vinte mil índios visão desse autor sobre a conjuntura inicial do tenham abandonado a região somente nesse século XVII na área ocidental da colônia: episódio. Em seguida, as investidas sobre os remanescentes índios guaranis guairenhos “Em 1612 queixava-se o cabildo da Ciudad Real, a mais importante das colônias foram feitas em todas as direções. jesuíticas do Pequiry e Ivay ao governador de Em 1648, foi a vez das reduções do Itatim, Buenos Aires, contando-lhe “la inquietud de los instaladas em Mato Grosso do Sul entre os naturales, promovidas por los portugueses de la vales do Miranda e do Apa, serem atacadas Villa de San Pablo en el Brasil, quienes los han por Raposo Tavares. Os índios guaranis- sensocado y llevado más de 3.000 com harto itatins evacuaram a área e partiram em direção perjuricio de esta ciudad”. ao nordeste do Paraguai e serra de Maracaju. Para o autor acima (op.cit.): “estavam os Em meados desse século, os núcleos coloniais índios no maior alvoroço e ameaçavam espanhóis em Mato Grosso do Sul estavam despovoar a região emigrando tumultuosa­ definitivamente abandonados. mente além Paraná e além Iguassu”. Durante o ano 1676, o bandeirante paulista Segundo Caldarelli (1993: 5), essa conjun­ Francisco Pedro Xavier, acompanhando as tura histórica tem a seguinte implicação para a margens da rota Tietê/Paraná/ e pesquisa arqueológica: ultrapassando o planalto maracajuano, em Mato

“(...) a situação de instabilidade em que se Grosso do Sul, invade e destrói Vila Rica dei encontravam os indígenas, os quais passam a Espiritu Santo, no norte do Paraguai Oriental. viver em habitações precárias e com objetos Segundo Taunay (1951: 147): numericamente reduzidos e feitos rapidamente, em sua maioria com material perecível fáceis de “Ao sertão da Vacaria que assim se chamava serem produzidos, já que a extrema mobilidade então o atual sul mato-grossense percorreram no característica da situação de conflito em que último quartel do séc. XVII diversas bandeiras. viviam os indígenas, obrigava-os a constante­ Em 1682, procurava Juan Diaz de Abdino mente abandonar seus acampamentos e objetos saber quantos seriam aqueles portugueses implanta­ dos nas vizinhanças das ruínas de Santiago de pessoais. Jerez e soubera que os cabos paulistas eram Pascoal Este fato explica porque é difícil a recupe­ Moreira e André de Zunega “que tenian ochenta ração arqueológica dos assentamentos canoas en el rio de Botetey que entra à este dei indígenas mais recentes, sendo mais facilmen­ Paraguay’’. te identificáveis os assentamentos pré- Na passagem do século XVII para o XVHI, a coloniais, quando as populações que ocupa­ presença colonial luso-paulista estava consolida­ vam a área apresentavam maior densidade da em Mato Grosso do Sul, isto ao custo de cem demográfica, permaneciam mais longamente anos de guerra genocida e de conquista territo­ nas aldeias e produziam uma cultura material rial. Porém, como atividade econômica, a partir de mais diversificada e numericamente mais 1670, o bandeirismo de apresamento mostrou expressiva do que a dos indígenas que as forte tendência ao declínio. A reorganização do sucederam, em tempos históricos”. tráfico negreiro após a expulsão dos holandeses A união das coroas ibéricas, entre 1618 e do nordeste brasileiro, o esgotamento dos 1648, fez da América do Sul uma única unidade “estoques” de índios guaranis “domesticados” política. A pressão colonial sobre o interior do pelas missões, a resistência e a retirada dos continente aumentava. Em 1628 o capitão- sobreviventes para regiões mais ermas, progres­

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sivamente inviabilizaram a ação bandeirante de rota seguida desde Araritaguaba vai assumindo, apresamento nos padrões da economia colonial. cada vez mais, o caráter de via de trânsito Desse período histórico é muito improvável regular. O que estimulava agora essas expedi­ ções, já não era tanto o ânimo aventureiro, mas a presença de vestígios arqueológicos na área a o lucro certo que prometia o comércio com ser impactada pelo gasoduto, sobretudo no esses remotos sertões, distanciados de qualquer segmento abrangido por este estudo. As recurso, onde os preços atingidos por todos os características dessa modalidade colonizadora artigos, até mesmo de uso indispensável, faziam com que não houvesse assentamentos parecem destinados a compensar abundante­ permanentes, seu caráter era mais destrutivo mente todos os riscos da viagem". que construtivo. Os bandeirantes não aspira­ O tráfego fluvial regular entre São Paulo e . vam ao povoamento nem à fixação nas áreas Cuiabá foi definindo-se paulatinamente. As desbravadas. Sua relação com o espaço era de antigas rotas seiscentistas que seguiam permanente movimentação, acompanhando preferencialmente pelos caminhos Paraná/ sempre o deslocamento estratégico dos indíge­ ou Tietê/Pardo/Aquidauana, tinham nas em retirada para o interior. Acrescente-se vários inconvenientes para a nova modalidade ainda o fato de que a cultura material bandeiran­ de trânsito que exigia mais segurança. Por volta te, nos padrões do modelo europeu, é descrita de 1720, uma nova rota foi descoberta pelos pelos historiadores como sendo elementar. irmãos Leme, segundo Holanda (1945: 97): A crise do bandeirismo de apresamento, no “Desejosos, talvez, de procurar passagem fim do século XVII, não foi um fato isolado, ela mais breve para as minas, deliberaram aqueles estava inserida na primeira crise geral no sistema sertanistas continuar em águas do Pardo, subindo colonial português. A economia mercantilista a parte encachoeirada que fica além da barra do lusa saiu profundamente enfraquecida da União Anhanduí, e chegaram, assim, ao ribeirão Ibérica. As guerras pela restauração, a forte Sanguesuga. Neste ponto, o divisor das bacias do Paraguai e Paraná abrange apenas cerca de duas concorrência estrangeira e o anacronismo do léguas e meia de extensão e parece admiravel­ modelo econômico, em resumo, provocaram o mente apropriado à varação das canoas". esvaziamento monetário do Império português. Em função disso, a dinastia bragantina promove A tradicional rota fluvial Pardo/Anhanduí/ e estimula a prospecção de metais preciosos no Aquidauana tinha o seu varadouro terrestre no interior do Brasil. O setor bandeirante, estru­ atual município de , por onde passa o turado para o sertanismo, facilmente adaptou-se traçado do Gasbol. Esta não foi totalmente à nova realidade. Em 1693, os paulistas descobri­ abandonada, em 1726, por exemplo, foi a ram ouro em Minas Gerais. Expulsos daí, em 1709, escolhida pelo governador da Capitania de São no episódio da Guerra dos Emboabas, dez anos Paulo para ir a Cuiabá. depois estavam inaugurando o garimpo cuiabano. Com a implantação da Fazenda Camapuã, A expansão territorial e demográfica ainda na década de vinte do século XVIII, no provocada pela mineração em Mato Grosso varadouro entre o rio Pardo e o rio Camapuã, transformou essa região em um promissor oferecendo mais segurança e recursos aos mercado colonial. Passadas as dificuldades viajantes, a nova rota passou a ser o caminho dos primeiros anos de desbravamento, o oficial das monções por mais de um século. processo de urbanização e administração foi Outros caminhos, menos usuais, existiam, entre organizado com a visita de Rodrigo Cezar de esses podemos citar o do rio Verde, do Sucuriú Menezes, Capitão-General e Governador da e alguns terrestres. Holanda (1945: 138) obser­ Capitania de São Paulo, em 1726, a Cuiabá. vou que: A realidade anteriormente narrada estabele­ “E preciso acrescentar que numa navega­ ceu nova função histórica para o espaço sul- ção longa e sem porto seguro, era necessidade mato-grossense. Essa região passou a ser a restringir ao mínimo qualquer contacto com a “espinha dorsal” do sistema viário fluvial para terra firme. O breve varadouro de Camapuã Cuiabá. Podemos entendê-la a partir da seguinte correspondia bem a essa necessidade. Um estabelecimento permanente, em tal situação, análise de Sérgio Buarque de Holanda (1945: 93): permitira evitar, ou ao mesmo diminuir, o risco "Graças a tais circunstâncias, a navegação de assaltos do gentio Caiapó, que vagava nas dos rios continua a fazer-se sem interrupções e a comarcas a leste do Pardo. ”

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Taunay (1981: 209) publicou o relato que D. O “Ciclo do Ouro” esgotou-se no final do Antônio Rolim de Moura, Io Governador da século XVIII. A crise atingiu também o comér­ Capitania de Mato Grosso, fez de sua viagem de cio cuiabano e afetou intensamente o movi­ São Paulo para a Vila de Cuiabá, em 1751. Desse mento monçoeiro, reduzindo-se assim, drasti­ texto é interessante destacar a referência feita camente, o número de comboios fluviais. O aos índios kaiapós no roteiro das monções: núcleo rural de Camapuã enfrentou forte recessão. A região em foco neste estudo “Três são as nações que costumam perseguir aos viajantes deste caminho; a primeira é a dos refluiu ao semi-isolamento, ficando, portanto caiapós; são forçosos e ligeiros, usam por armas entregue ao povoamento quase que exclusivo de arco e flecha, e de porretes. Estes são uns paus, de índios kaiapós e, talvez, de alguns peque­ do tamanho de um covado, pouco mais ou menos, nos grupos de índios ofaiés-xavantes e de uma parte redondos, por onde lhe pegam; pela guaranis. outra espalhados, como os paus de remos; enfeitam- Na primeira década do século XIX, a nos cobrindo-os com seus tecidos feitos de cascas de árvore, de várias cores, à imitação de esteiras; economia mercantilista portuguesa ruiu. As porém muito ajustados, e unidos aos paus: o seu atividades econômicas coloniais entraram em modo de pelejar é atraiçoadamente; tomando profunda recessão. Em Mato Grosso produzia- sentido onde alguma tropa se arrancha, e parecen­ se para a subsistência. A inexistência quase do-lhes que três partido, a vêm atacar quando total, na região nordeste do estado, de estabe­ acham descuidada; porém, se a tropa tem algum lecimentos agropastoris, em mais de trezentos poder, se não resolvem a isso. O mais comum é esperar o que saem do campo para caçar, esconden­ anos de colonização, foi propícia à preserva­ do-se de modo que não é fácil vê-los, por se ção da originalidade da paisagem vegetal. Em pintarem de modo que ficam da cor do mato, e de 1826, uma expedição naturalista, comandada repente darem sobre os que vão passando, pelo Barão de Langsdorf, navegou pelo antigo atirando-lhes primeiro com as flechas, e depois caminho das monções. O desenhista francês, quebrando-lhes as cabeças com os porretes; o que Hércules Florence, integrante da expedição, feito, fogem logo, deixando a arma com que fizeram a morte. Contra esses basta um pouco de iconografou diversas cenas da viagem e assim cautela dos ranchos, e também que não saiam descreveu o estado de conservação das menos de dois ou tres a caçar, e que estes se margens do Pardo (Florence 1977: 58). recolham juntos, pois na retirada é que eles “Atingimos a embocadura do rio Pardo, costumam mais dar os seus assaltos”. célebre entre os paulistas, de um lado, pelos As abordagens acima são claras ao perigos e canseiras que aí esperavam o viajante mostrar que, apesar da intensa movimentação ao querer vencer a força de suas correntezas e transpor numerosas cachoeiras e suas quedas: de colonial, durante o século XVIII, na região de outro, afamado pela beleza das campinas em intersecção do traçado do Gasbol sobre as que corre e que, oferecendo à vista, já farta da extintas rotas das monções, é improvável a monotonia de ininterrompidos matos, vastas existência de vestígios arqueológicos relacio­ perspectivas cortadas de outeiros, riachos e nados a esse fenômeno histórico na área capões (...). impactada por esse gasoduto. Em toda a região No meio desses campos ao caçador nordeste de Mato Grosso do Sul não houve facilmente se deparam veados, perdizes e estabelecimentos fixos, exceto a Fazenda outros animais, cuja carne lhe enriquece a Camapuã.1 A presença colonial, na área, mesa, aumentando destarte o prazer de definia-se pela transitoriedade. atravessar tão bela região.”

(1) Em 17/4/2001, o autor deste artigo e a Sra. Maria Margareth Ribas Escobar, Diretora do IPHAN - serão enviadas amostras para datação, bem como Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico foram coletados depoimentos de antigos moradores Nacional - em , localizaram a área do que tiveram a oportunidade de observar, antes da assentamento da histórica Fazenda Camapuã, no demolição definitiva, os segmentos restantes de município homônimo e formalizaram o registro do estruturas das edificações originais. As coordenadas local como sítio arqueológico. Na superfície vistoria­ geográficas obtidas em um dos pontos examinados da foram encontrados fragmentos de telhas, dos quais foram: 19° 31’ 52,8” s e 54° 03’ 49,0” w.

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A descrição anterior é, provavelmente, o empregando-se como camaradas da tropa, e último testemunho da integridade paisagística outros trabalhando a jornal para os oradores de natural da área. A partir de 1830, a economia districto. Tiveram um inspetor nomeado pela presidência em 1838, o qual deixou de existir imperial brasileira, impulsionada pela ascensão por falta de consignação para o pagamento do da atividade cafeeira, recupera-se acelerada­ seu ordenado. ” mente. A fronteira agropastoril expande-se O primeiro Diretor Geral dos índios em para o oeste. A valorização fundiária das Mato Grosso, Joaquim Alves Ferreira, em seu férteis terras do triângulo mineiro empurra a relatório de 1848 localiza os índios kaiapós pecuária extensiva, aí instalada, para além dos (Ayala & Simon 1914: 91): rios Paranaíba/Paraná. Em 1832, Joaquim Francisco Lopes, irmão do célebre “Guia “ (...) entre os rios Paraná, Paranayba e as cabeceiras de São Lourenço e Taquary, uns Lopes”, imortalizado no romance de Taunay, desealdeados no destacamento nas margens do “A Retirada da Laguna”, fez sua primeira Piquiry: outros no porto de Paranayba. Outros viagem exploratória nos campos e pastagens não têm residência certa. Vivem da caça, pesca, do nordeste sul-mato-grossense e, em seguida, frutos da terra; cultivam milho, arroz, mandio­ aos “campos de vacaria”, na região Centro-sul ca, batata, cana; fabricam algumas rapaduras; criam porcos, aves, gado-vacum e cavalar. A do estado. Dessa data em diante o fluxo maior parte entendem e falam nosso idioma (...) migratório da pecuária, principalmente mineira, Muitos se ajustam ao serviço dos moradores do em direção a Mato Grosso do Sul, não mais distrito e viajantes. ” cessou. Em poucas décadas o modelo pastoril No fim do século XIX, os índios kaiapós estava estruturado e abrangia boa parte da meridionais estavam, praticamente, extintos em extensão espacial focalizada por este estudo. Mato Grosso do Sul. Algumas famílias sobrevi­ Sob o regime imperial redefiniu-se a ventes, isoladas na condição de “índios de política oficial de contato cultural com os fazenda”, podem ter resistido mais alguns anos. índios, visando-se assim atender às necessida­ A mestiçagem com a população local os fez des da nova realidade. Ao estudar os relatóri­ desaparecer definitivamente. Schaden (1954: 396) os das diversas gestões da Diretoria Geral dos noticiou a existência dos últimos trinta índios índios, em Mato Grosso, na segunda metade kaiapós, vivendo, em 1910, a jusante da cachoei­ do século, Pina de Barros (1989: 210), assim ra Água Vermelha, nas duas margens do rio formula o quadro da época: Grande, isto é, entre os estados de São Paulo e “A política indigenista nortea-se pelo Minas Gerais, encerrando, talvez, mais de um binômio: defesa contra os índios e aproveita­ milênio de existência dessa cultura humana. mento de sua mão-de-obra. Com as mudanças A identificação de uma zona de transição estruturais ocorridas pela decadência da mineração e com a conseqüente proliferação étnica estabelecida por uma fronteira natural, das atividades de subsistência e auto-consumo, representada pelo traçado do rio Pardo e por um lado, e ampliação das fazendas de adjacências, foi ressaltada por Martins (1992) criação de gado e cana-de-açúcar, por outro, como tendo sido a porção ao norte desse rio o forjam-se facetas particulares nas relações antigo habitat dos índios kaiapós meridionais índio/colonizadores, no decorrer do período e, ao sul, o território Guarani - etnia esta, ainda imperial em MT. Para isso também concorreu a impossibilidade de reposição da mão-de-obra hoje presente nas regiões do sul do estado e escrava, seja pela queda do poder aquisitivo, representada pelas tribos Kaiowá e Nhandeva. seja pela inibição de tráfico negreiro”. Na passagem do século XIX para o século O Cel. Ricardo José Gomes Jardim, presi­ XX, quando já não mais existiam índios dente da província, em ofício ao Governo guaranis vivendo na margem direita do rio Imperial, ao descrever o quadro etnográfico de Paraná, a montante do rio Ivinhema, os índios Mato Grosso em seu relatório de 1846, assim se ofaié-xavantes ocuparam esse espaço, o qual é referiu aos índios kaiapós (Jardim 1869: 350). abrangido atualmente, em parte, pela área do reservatório da Usina Hidrelétrica Eng. Sérgio “A aldea de Santa Anna do Paranahiba Motta (ex-UHE Porto Primavera), pescando, contava de 150 a 160 índios cayapós de ambos os sexos, que emigraram das aldêas de Goyaz caçando e acampando ao longo dos riachos e em 1835, das quaes muitos se têm dispersado, baías onde deságuam os ribeirões Combate,

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Três Barras, Samambaia e outros, inclusive a partir da ocupação dessa região por fazendas, montante do rio Pardo. As aldeias maiores após a Guerra do Paraguai (1864/70), esses tinham casas em forma de cúpula, configuran­ índios foram paulatinamente obrigados a do, assim, amplo círculo composto por cerca procurar refúgios em outras áreas ainda não de 20 casas, com área central de terra batida impactadas pela expansão da fronteira agro­ para danças e disputas, caminhos para o rio e pastoril. Foi por isso que, então, eles migraram para a roça; o sepultamento era efetuado em para os pantanais da margem direita do rio local distante da aldeia (Ribeiro 1951). Paraná, entre os municípios de Anaurilândia e O passado e o modo de ser dos índios Três Lagoas ou para os pantanais dos rios ofaiés-xavantes, antes do contato com o Tabôco e Negro, no município de Aquidauana. colonizador europeu é desconhecido. Não há No que diz respeito aos grupos que migraram pesquisas arqueológicas e etno-históricas que para as margens do rio Paraná, os principais revelem esse panorama. As primeiras informa­ roteiros obedeciam às bacias hidrográficas dos ções concretas sobre a etnografía desses rios Anhanduí/Pardo, rio Verde e rio Ivinhema. índios surgem em meados do século XIX, Entre outras conseqüências desse proces­ quando a expansão da fronteira agropastoril so pode-se destacar a instabilidade dos brasileira em terras do então sul de Mato assentamentos, seja no tempo e/ou no espaço, Grosso já era uma realidade irreversível. evidenciada, na primeira metade do século XX, Assim, pressupõe-se que, no período citado principalmente, pela mobilidade permanente em no parágrafo anterior, a fricção interétnica já busca de refúgios ambientais provisórios, na deveria ter acarretado significativas alterações margem direita do rio Paraná, na região entre o no modo de ser dos índios ofaiés-xavantes, baixo curso do rio Ivinhema e o rio Sucuriu, em sobretudo no que diz respeito à questão da Mato Grosso do Sul. cultura material desse povo. No entanto, é necessário considerar que Somente no começo do século XX, com a as circunstâncias históricas impuseram a esses ação de Rondon e de técnicos do SPI - índios a meta de territorializar uma nova área Serviço de Proteção ao índio -, especialmente para a reprodução física e cultural do grupo. de Curt Nimuendaju, é que surgiram os Entre outras localidades, na margem direita do primeiros testemunhos confiáveis sobre as alto curso do rio Paraná, esse fenômeno características etnográficas dos índios ofaiés- migratório/cultural ocorreu no interior da xavantes. Nessa época, devido aos contatos imensa gleba de terra abrangida pela Fazenda conflituosos, cada vez mais constantes com Boa Esperança, no século passado (XX). elementos da sociedade envolvente, esse Nas últimas décadas, com a degradação grupo indígena encontrava-se em franco ambiental acentuada pelo modelo econômico em processo de desintegração tribal. vigor, a oferta ambiental de produtos naturais Por inferência etnográfica baseada nos (caça, pesca e coleta) foi drasticamente reduzida, relatos dos primeiros contatos entre índios o que obrigou os índios ofaiés-xavantes a ofaiés-xavantes e “brancos”, esses índios, substituírem seu padrão tradicional de subsistên­ antes do contato, poderiam ser classificados cia por formas típicas da sociedade envolvente, como uma sociedade integrante do tronco ou seja, sobretudo por pequena agricultura e por lingüístico Macro-Jê, portadores de um modelo trabalho assalariado em fazendas da região. econômico baseado quase que exclusivamente Atualmente, a população da Terra indígena na caça, pesca e coleta de vegetais silvestres, Ofaié-xavante, ocupante de uma área adquirida daí terem um comportamento espacial sobretu­ pela CESP-Companhia Energética de São Paulo, do ambulante, obedecendo este à sazonalidade no município de Brasilândia/MS, lindeira com a dos recursos naturais disponíveis. área citada na Portaria Demarcatória 264, de 28 De uma forma sintética, com os dados de maio de 1992, do Ministério da Justiça/ disponíveis, pode-se deduzir que antes da FUNAI, é composta por aproximadamente 60 segunda metade do século XIX, os índios pessoas, sendo que dessas, aproximadamente, ofaiés-xavantes viviam na região hoje compre­ vinte índios são da etnia Ofaié-Xavante, e os endida entre os municípios sul-mato-gros- demais da etnia Guarani ou mestiços de índios senses de Rio Brilhante e Campo Grande. A ofaiés-xavantes com trabalhadores rurais.

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Os índios ofaiés-xavantes estão parcial­ grandeza na caracterização de uma sociedade mente adaptados aos costumes dos “bran­ diferenciada da envolvente estão presentes cos”, isto por força das circunstâncias que a entre o grupo, tais como a língua, a religião, a eles foram impostas pelo modelo econômico mitologia e a auto-identificação enquanto regional, o que, no entanto, não significa que comunidade indígena distinta das demais o grupo perdeu sua identidade étnica e/ou a etnias existentes na geografia humana nativa auto-estima. Valores culturais de primeira de Mato Grosso do Sul.

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Recebido para publicação em 3 de junho de 2001.

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