A Beleza dos Cometas Tirando a Terra do Centro do Universo O Universo mais rápido que a luz Ondas Gravitacionais, uma previsão de 1916 de Albert Einstein Galáxias: fábricas de estrelas no Cosmos Censo do espaço: de Hiparco a HIPPARCOS e além Planetas fora do Sistema Solar O que é Astrobiologia? O que esse termo significa? Meteoritos: mensageiros do espaço

Silvia Lorenz Martins (Org.) Volume 3 Volume Astronomia para Poetas foi idealizada Rio de Janeiro, 2018 pelo Observatório do Valongo da 1°edição UFRJ,com todo o seu conteúdo gestado pelo corpo docente desta unidade, em março de 2018.

Silvia Lorenz Martins (Org.) Volume 3 Volume Editorial SumÁrio

“Nada do que foi será De novo do jeito que já foi um dia A beleza dos cometas...... 07 Tudo passa Tudo sempre passará Tirando a Terra do centro do Universo...... 17 ... como uma onda no mar O Universo mais rápido que a luz...... 25 como uma onda no mar...” Ondas gravitacionais, uma previsão de 1916 de Albert Einstein...... 31

No mar não, no espaço! Neste terceiro volume da revista Astronomia para Galáxias: fábricas de estrelas no cosmos...... 43 Poetas, a poesia vem na forma de ondas gravitacionais, ampliando ainda mais o conhecimento a respeito do nosso vasto Universo. Em termos de progresso científico, Censo do espaço: de Hiparco a HIPPARCOS e além...... 49 a detecção dessas ondas pode ser comparada às imagens captadas pelos primei- ros telescópios construídos, como na época em que Galileu, observando Júpiter e Planetas fora do sistema solar...... 65 seus satélites galileanos, tirou a Terra do centro do Universo. O projeto Astronomia para Poetas iniciou em 2002 na Casa da Ciência/ O que é Astrobiologia? O que esse termo significa?...... 75 UFRJ, integrando o projeto Ciência para Poetas, e desde 2011 temos apresentado Meteoritos: mensageiros do espaço...... 85 regularmente o ciclo de seminários. A cada edição, novos temas são abordados e a ideia é levar o conhecimento científico em linguagem não especializada a um público diverso, apresentando de maneira lúdica e dinâmica resultados das mais diversas áreas da Astronomia, Astrofísica, Cosmologia e História das Ciências. Neste volume, além das ondas gravitacionais, são abordados outros temas igualmente interessantes, tais como a existência de outros sistemas planetários ou a beleza dos cometas, a importância dos meteoritos e das galáxias. Apresentamos também tópicos como a busca de formas de vida fora da Terra e a expansão do Universo. Não ficou de fora a história da Astronomia e de observações astronômi- cas. Então aproveitem este volume para viajar nas ondas da Astronomia. Agradecimentos à CoordCOM, em especial à Anna Bayer pela produção da revista e a Andréa Rua pela ajuda com a diagramação dos textos.

Silvia Lorenz Martins Astronomia para poetas. vol.3 4 5 Astronomia para poetas. vol.3 Mas a minha mais remota recordação só muito tempo depois eu vim a saber que era um cometa e precisamente o cometa de Halley - maravilhoso Cavalo Celestial! - com a sua longa cauda vermelha atravessando, ondulante, de lado a lado, bem sobre o meio do mundo, A Beleza dos Cometas a noite misteriosa do pátio... Jamais esquecerei a sua aparição Daniel R. C. Mello porque naquele tempo de espantos e encantos o cometa de Halley não se contentava em parecer em cavalo, apenas: o cometa de Halley era um cavalo!

(Mario Quintana)

este capítulo, o leitor será convidado a conhecer um pouco das características dos mais belos astros do sistema solar: os cometas. Quem nunca ouviu falar do cometa Halley que, Nde tempos em tempos, passa bem próximo do nosso planeta? Quem nunca viu imagens desses astros de longa cauda, seja em jornais, na televisão ou na internet? Tal como os outros astros, os cometas impressionam por sua beleza. Entretanto, iremos entender, nos próximos parágrafos, como eles são bem diferentes dos planetas, das estrelas, das galáxias e dos buracos (FIGURA A SER ENVIADA) negros. Veremos também como eles podem representar um perigo para a Terra e, de outro modo, como a presença de vida em nosso planeta pode estar conectada com os cometas que nos visitaram no passado. Todos estão convidados a descobrir os mistérios que guardam a beleza dos cometas.

Os cometas Têm um tal espaço para atravessar, Tanta frieza , esquecimento. Assim, seus gestos a descamar ---- Calorosa e humana, então a sua luz rosa Sangra e desvanece Através das obscuras amnésias do céu.

(Sylvia Plath) Figura 1 - Cometa McNaughty, exibindo uma belíssima cauda, fotografado Astronomia para poetas. vol.3 6 pelo astrônomo David O’Carrol na Austrália, em 2007. 7 Astronomia para poetas. vol.3 começaram com os filósofos gregos, Nem o cometa que veio sem aviso prévio do norte Os cometas no imaginário popular ainda no século II a.C. Nessa época, queimando no céu; muitos imaginavam que os cometas Na Antiguidade, em diversas culturas, a aparição de algum cometa era sinônimo de Nem a estranha procissão enorme do meteoro, não eram astros como as estrelas ou furor, admiração e muitas das vezes de temor e maus presságios. O sucumbir de um império, deslumbrante e claro, disparando sobre nossas cabeças. planetas, mas eram apenas emissões de uma catástrofe natural, a ocorrência de alguma epidemia, todos esses fatos tinham como causa gases da atmosfera da Terra. Quase mil (Walt Whitman) a aparição de algum grande cometa no céu. Por isso, a observação dos cometas mais brilhantes e oitocentos anos se passaram até que nunca passou despercebida para o ser humano. Em diversas culturas, em todo o mundo, o astrônomo dinamarquês Tycho Brahe encontramos relatos, gravuras ou pinturas, textos em prosa ou poesia e outras manifestações de fizesse estudos mais detalhados de um arte relacionadas a eles. Na pintura, podemos citar uma obra que se tornou célebre, intitulada A cometa observado no ano de 1577. Ele Adoração dos Magos (Figura 2), do pintor italiano renascentista Giotto di Bondone. Nessa obra, o mostrou definitivamente que os cometas pintor retrata o cometa Halley, observado por ele no ano de 1301 e associado à estrela guia dos eram astros que se encontravam mais reis magos. No campo da ficção científica, podemos citar o romance Uma Odisséia no Espaço III, distantes da Terra do que a Lua e que do escritor Arthur Clarke e o filme Impacto Profundo (Deep Impact), do diretor Mimi Leder, de 1998, não eram apenas manifestações da que aborda as consequências nefastas do impacto de um cometa com a Terra. atmosfera da Terra, como se pensava anteriormente. Mais tarde, nos séculos XVII O que são os cometas? e XVIII, couberam a dois astrônomos ingleses, Isaac Newton e Edmond Os cometas são astros comuns do nosso sistema solar e possivelmente de todos os sistemas Halley, os cálculos mais precisos que planetários do Universo. Do ponto de vista científico, podemos dizer que os primeiros estudos mostravam que os cometas, tal qual os planetas, também giravam ou orbitavam Figura 2 - em torno do Sol. Halley (Figura 3), em Adoração seus importantes cálculos, mostrou que dos Magos, os cometas observados nos anos de 1531, do pintor 1607 e 1682 tinham características muito italiano Giotto similares entre si. O astrônomo mostrou di Bondone, que se tratava de fato, neste caso, de um retrata a único cometa que passava próximo da aparição Terra aproximadamente a cada 76 anos do cometa e fez a previsão que este mesmo cometa Halley nos se aproximaria da Terra novamente em céus. Capela 1758. Halley acertou em cheio e, desde Scrovegni, essa data, o tal cometa passou a ser Pádua, Itália. conhecido como cometa Halley e ainda hoje é o mais conhecido deles. A grande maioria dos cometas, entretanto, possui órbitas bem diferentes dos planetas, por exemplo. Figura 3 - Edmond Halley em óleo Enquanto os planetas possuem órbitas sobre tela, de Thomas Murray quase circulares, os cometas possuem (Royal Society, Londres, 1687). órbitas bastante excêntricas. Órbita quase circular significa que o astro Astronomia para poetas. vol.3

Astronomia para poetas. vol.3 9 mantém, quase sempre, a mesma distância em relação ao Sol à medida que gira em torno dele. Isso ocorre com a Terra, por exemplo. Por outro lado, órbitas excêntricas indicam que a distância do astro até o Sol pode Figura 4 - Órbita dos planetas (quase circulares) e do variar bastante. A Figura 4 mostra a cometa Halley (excêntrica) em torno do Sol. Créditos: órbita dos planetas do sistema solar Wikipedia. em comparação com a órbita do cometa Halley. Repare que o cometa Halley, quando está mais próximo do Sol, está próximo da órbita de Vênus Figura 5 - Cometa Lovejoy, fotografado pelo astrônomo Gerald Rhemann em 2014, mostrando a e, quando está mais distante, está estrutura típica de um cometa com o núcleo (invisível), a coma e a cauda. próximo da órbita de Netuno. A Terra demora um ano para girar em torno próximo do Sol, o material que forma a coma pode ser impelido para longe do cometa formando a do Sol, ao passo que certos cometas cauda, novamente por efeito solar. A cauda é que dá o aspecto alongado do cometa e ela pode ter, podem demorar mais de mil anos. em alguns casos, milhões de quilômetros de extensão. Em geral, podem ser observados dois tipos Mas o que são realmente de caudas: uma mais retilínea, com aspecto mais azulado, formada por partículas eletricamente os cometas? Os cometas são astros carregadas do Sol e que interage com os gases do cometa; e outra mais curvada, de aspecto branco- de aspectos irregulares constituídos amarelado, formada pela radiação solar e que interage com a poeira emitida do núcleo. Apesar da basicamente de rochas, poeira e gelo. coma e da cauda dos cometas serem estruturas transitórias, são elas as responsáveis pelo brilho dos Do ponto de vista do formato ou da cometas. Elas desaparecem quando o cometa está muito afastado do Sol e isso explica porque não estrutura, eles são formados por um podemos observar os cometas quando estão muito distantes do Sol. núcleo, a coma e a cauda (Figura 5). Hoje em dia, mais de cinco mil cometas já foram descobertos e este número cresce a O núcleo é a parte sólida do cometa, cada dia devido ao maior poder de observação dos grandes telescópios em solo e dos telescópios que guarda as características espaciais. Entretanto, apenas uma pequena parte dos cometas descobertos já foi observada a olho nu, originais da sua formação, composto devido ao fato de os cometas serem astros muito pequenos e permanecerem mais brilhantes apenas por rochas e gelos. O núcleo possui quando estão mais próximos do Sol e quando estão mais próximos da Terra. Entre os cometas mais dimensões de metros a quilômetros, brilhantes das últimas décadas, estão o cometa Hyakutake, que passou bem próximo da Terra em sendo quase sempre invisível em 1996; o cometa Hale-Bopp (Figura 6), em 1997; o cometa McNaughty, que produziu belo espetáculo observações a olho nu ou com em 2007; e o cometa Lovejoy, que visitou as vizinhanças do nosso planeta em 2014. telescópios. Quando o cometa se Será que os cometas estão espalhados ao acaso no espaço? Para responder a essa questão, aproxima suficientemente do Sol os astrônomos têm estudado os cometas por diversos anos e, ao que tudo indica, os cometas não em sua órbita, os gelos presentes estão distribuídos aleatoriamente, mas se concentram em duas regiões importantes no sistema no núcleo do cometa, por efeito da solar: o Cinturão de Kuiper e a Nuvem de Oort. O Cinturão de Kuiper fica um pouco além da órbita radiação solar, passam diretamente do planeta-anão Plutão. Estima-se que existam milhares ou milhões de cometas nesta região. A do estado sólido para o estado Nuvem de Oort é um local hipotético, de formato esférico, que deve estar localizada nos limites gasoso e formam uma região esférica externos do sistema solar. Estima-se que existam bilhões ou trilhões de cometas nessa região. difusa em torno do núcleo do Mas, agora, o leitor deve estar se perguntando: se os cometas estão tão distantes, como, cometa, denominada coma. A coma vez por outra, alguns passam nas vizinhanças da Terra? Acontece que, de vez em quando, alguma tem dimensão típica de algumas estrela vizinha do Sol se desloca pela nossa Galáxia, a Via Láctea, e a gravidade dessa estrela faz centenas de quilômetros a milhares com que alguns cometas sejam arremesados na direção dos planetas do sistema solar. Outras de quilômetros. Quando ainda mais vezes, os próprios planetas podem desviar as trajetórias dos cometas. Astronomia para poetas. vol.3 10 11 Astronomia para poetas. vol.3 As descobertas

A partir da década de 1960, a Astronomia deu um grande salto na tecnologia utilizada para observar os astros. A era da corrida espacial entre as nações muito contribui para esse fato. Telescópios robustos com grandes espelhos, satélites artificias, observatórios espaciais e sondas interplanetárias têm, desde então, mudado nossa visão do Universo. Em relação aos cometas, as novas missões espaciais têm enriquecido bastante o conhecimento que temos sobre esses astros, principalmente sobre a composição e a estrutura do núcleo. A primeira imagem do núcleo de um cometa foi obtida em 1986, ano da última passagem do cometa Halley pelo sistema solar interior. Nessa ocasião, coube à sonda Giotto realizar a primeira imagem de um núcleo cometário. Em 2001, a sonda Deep Space foi a primeira a sobrevoar o interior da coma de um cometa (o Borrely) e, em 2004, a sonda Stardust foi a primeira a coletar amostras de um cometa (o Wild 2) e trazê-la para a Terra. Em novembro de 2014, a sonda e seu módulo fizeram história ao pousar em um cometa pela primeira vez (o Churyumov- Gerasimenko). Em todas essas missões, diversas imagens dos núcleos dos cometas foram capturadas e análises detalhadas de seus componentes foram realizadas por diversos estudiosos. A Figura 7 mostra o núcleo do cometa Churyumov-Gerasimenko fotografado bem de pertinho pela sonda Rosetta. Nessa imagem, podemos notar o formato irregular do cometa e a emissão dos jatos de gás devido ao calor do Sol. Os estudos obtidos com as sondas espaciais têm revelado novas descobertas sobre a composição dos cometas. Eles têm mostrado, por exemplo, que os cometas contêm muito gelo de água e outras substâncias muito conhecidas na Terra, como açúcares e álcool etílico. As imagens obtidas também revelaram que os cometas possuem crateras, tal como a Lua, os asteroides e muitos outros astros do sistema solar. Alguns cometas apresentam ainda um núcleo com superfície contendo muitas fraturas, vales, montanhas e possuem uma coloração escura, muito diferente do que era imaginado até então. Um dos estudos recentes mais interessantes sobre os cometas está relacionado ao fato de esses astros conterem os principais ingredientes químicos para o surgimento da vida. Esses ingredientes são chamados de aminoácidos. Muitas moléculas já foram encontradas nos cometas ao longo dos anos. Moléculas são agrupamentos de átomos, assim como a molécula de água, que é a união de dois átomos de hidrogênio e um de oxigênio. Já os aminoácidos são moléculas maiores que contêm mais átomos, no caso dos cometas, os átomos de carbono, nitrogênio, hidrogênio e oxigênio. Mas qual é a importância dos aminoácidos? Em nosso organismo e no de todos os seres vivos, eles exercem um papel importante para a produção de proteínas e o correto funcionamento das células. A descoberta recente desses ingredientes nos cometas é muito importante para entendermos como a vida pode ter se originado na Terra e quais as chances de um processo semelhante ocorrer em outras regiões do sistema solar. Mas como os cometas podem ter contribuído para o surgimento da vida na Terra? A Figura 6 - Cometa observação de diversas estrelas no Universo já forneceu aos astrônomos evidências bastante Hale-Bopp confiáveis sobre como nosso sistema solar deve ter se formado há cerca de 4,5 bilhões de anos. fotografado pelo Grosso modo, a formação do sistema solar, incluindo o Sol e o nosso planeta, deve ter ocorrido astrônomo Michael quando uma enorme massa de gás e poeira se aglomerou pela ação da gravidade. Os cometas Stecker em 1997. Astronomia para poetas. vol.3 12 13 Astronomia para poetas. vol.3 Figura 7 - Cometa Churyumov-Gerasimenko fotografado pela sonda Rosetta em abril de 2015. Créditos: Agência Espacial Europeia.

Figura 8 - Concepção artística mostrando a colisão de cometas com a Terra ainda em processo de formação. também se formaram nesse processo. No começo, tanto eles como os outros corpos do sistema Créditos: Don Dixon. solar tinham trajetórias instáveis, e ocorriam muitas colisões entre cometas e outros corpos. Quando a Terra já estava quase formada, acredita-se que muitos asteroides e cometas haviam colidido com a Terra, trazendo para nosso planeta uma grande quantidade de água e, talvez, os importantes aminoácidos. A Figura 8 mostra uma concepção artística de como deve ter sido esse “No ar frio, o céu dourado baixou ao vale, tornando irreais os bombardeio de cometas no começo da formação da Terra. contornos dos sobrados, da igreja, das montanhas. Saímos para Os cometas podem ameaçar a Terra no futuro? Se, no começo da formação do sistema a rua banhados de ouro, magníficos e esquecidos da morte solar, a taxa de colisão desses astros com a Terra era maior, a história presente do nosso que não houve. Nunca mais houve cometa igual, assim terrível, desdenhoso e belo.” sistema planetário nos mostra que a probabilidade do impacto de um grande cometa que cause grandes consequências para nosso planeta é bem pequena. Em média, espera-se que um grande (Carlos Drummond de Andrade) impacto de um cometa ou asteroide com a Terra ocorra em escala de centenas de milhões de anos. A última grande colisão ocorreu há 65 milhões de anos e teve, possivelmente, importante influência na extinção dos dinossauros. Entretanto, em 1994, observamos um cometa colidir com Sugestões de leituras: o planeta Júpiter, deixando marcas impressionantes no planeta gasoso. Esse fato serviu de alerta e, desde então, nossos programas e campanhas de detecção e estudo de cometas e asteroides SAGAN, Carl & DRUYAN, Ann – Cometa. Editora Francisco Alves, Rio de Janeiro, 1986. se intensificaram. Apesar desses esforços de novas detecções e das recentes e importantes MACHADO, Luiz E. da S. & FERNÁNDEZ, Julio A. – Ao encontro do Halley. Editora Guanabara, Rio de descobertas, nossa busca pelo conhecimento sobre os cometas está longe de se esgotar e, com Janeiro, 1985. as novas tecnologias da Astronomia nas próximas décadas, esperamos redescobrir a cada ano a TRAVNIK, Nelson – Os Cometas. Editora Papirus, Campinas, 1985. beleza desses astros. MOURÃO, Ronaldo R. de F. – Introdução aos Cometas. Editora Francisco Alves, Rio de Janeiro, 1985. Astronomia para poetas. vol.3 14 15 Astronomia para poetas. vol.3 Tirando a Terra do centro do universo

Diana Paula de Pinho Andrade

oje, quando pensamos no nosso sistema planetário, logo imaginamos o Sol no centro de um sistema onde os planetas, asteroides, cometas e outros corpos menores giram ao seu Hredor. Mas nem sempre isso foi tão óbvio. Durante muitos séculos, o sistema mais aceito para descrever os movimentos dos plane- tas era o geocêntrico (Terra no centro), descrito por Claudio Ptolomeu, entre os séculos I e II da Era Cristã. Vários filósofos antes dele já tinham a ideia de um movimento geocêntrico para o “Uni- verso”, mas Ptolomeu sintetizou a ideia de alguns e acrescentou suas observações, melhorando a previsão dos fenômenos e do aparecimento dos astros no céu. O sistema Ptolemaico, como ficou conhecido o sistema de Ptolomeu, perdurou por mui- tos anos, por ser um sistema favorável à Igreja, já que ele colocava a Terra como centro do mundo. Somente com a publicação do livro De revolutionibus orbium coelestium (Da revolução de esferas celestes), de Nicolau Copérnico, em 1543, é que a teoria geocêntrica perdeu força para a teoria heliocêntrica (Sol no centro). Em seu livro, Copérnico tira a Terra do centro do Universo e coloca o Sol como centro do nosso sistema planetário. Embora as ideias de Copérnico não tenham sido aceitas de início, elas foram responsáveis por influenciar muitos astrônomos de sua época e pos- teriores a ele. Alguns aceitaram parte dessas teorias e melhoraram a partir de observações astro- nômicas, chegando ao sistema que conhecemos hoje. Mas o caminho até aqui não foi simples. Na Idade Antiga, Aristóteles (384-322 a.C.) e toda a sua escola acreditavam que a Terra era o centro do Universo. Neste modelo aristotélico (Figura 1), os corpos giravam em torno da Terra na seguinte ordem: Lua, Mercúrio, Vênus, Sol, Marte, Júpiter, Saturno e, finalmente, uma esfera de estrelas concêntricas com a Terra. Após a esfera das estrelas, o Universo terminaria. Esse era o chamado Universo para os antigos. Ainda na Idade Antiga, muito antes de Copérnico, a ideia de que o Sol estivesse no centro do nosso sistema planetário foi sugerida por outros filósofos astrônomos, como no caso de He- raclides do Ponto (388 a.C - 315 aC), que propôs um sistema similar ao proposto por Tycho Brahe (1546-1601), mais de um milênio depois. Há citações em que Heraclides afirma que Mercúrio e Vênus giram em torno do sol. Entretanto, não há um consenso de que a teoria tenha sido de Hera- Astronomia para poetas. vol.3 16 17 Astronomia para poetas. vol.3 clides. Existem ainda, evidências que mostram claramente que o sistema heliocêntrico, análogo ao de Copérnico, foi proposto há pelo menos 250 anos antes de Cristo por Aristarco de Samos (c. 310 - c. 250 aC), para quem o Sol estaria no centro desse sistema e a Terra teria uma “translação” pelo Zodíaco. A citação mais conhecida da hipótese heliocênctrica de Aristarco foi feita por Arquimedes de Siracusa (287-212 aC):

Mas Aristarco produziu um livro consistindo

de certas hipóteses, no qual parece que, como

consequência das assunções feitas, o Universo é “ muitas vezes maior que o ‘Universo’ acabado de “ mencionar. Suas hipóteses são que os astros fixos e o Sol permanecem parados, que a Terra revolve em torno do Sol na circunferência de um círculo”.

Aristarco era conhecido por seus contemporâneos como “o matemático”. É difícil saber como ele chegou à hipótese heliocêntrica, pois acredita-se que seus escritos tenham sido queima- dos no incêndio da Biblioteca de Alexandria. O que temos são referências de seus trabalhos em textos de outros filósofos como Arquimedes e Vitruvius e sabemos que Aristarco afirmava que os movimentos dos corpos celestes poderiam ser mais facilmente explicados se o Sol estivesse no centro do sistema, enquanto todos os planetas, inclusive a Terra, estivessem girando em torno dele. Considerado muito ousado para a época, Aristarco chegou a ser acusado de insultar a religião dominante. Ele fazia medidas e observações da posição do Sol e da Lua e concluiu que a Terra tinha um diâmetro três vezes maior do que a Lua. Hoje sabemos que este valor é de 3,7. Usando o triângulo formado pela Terra, pelo Sol e pela Lua, quando esta estava na fase de quarto crescente, ele determinou a distância entre esses astros. Embora seus procedimentos estivessem corretos, ele identificou que a distância Sol-Terra era 20 vezes a distância Terra-Lua. Hoje, sabemos que essa proporção é de 400, mas os erros foram causados pela precisão dos instrumentos na medida Figura 1 - O Universo no tempo de Aristóteles. Na figura, as três esferas iniciais representam os lugares na- dos ângulos e não pelo método de medida. Em seus resultados, ele observou que o Sol teria um turais da água, ar e fogo, seguidas das esferas dos corpos celestes, respectivamente: Lua, Mercúrio, Vênus, volume cerca de 300 vezes o volume da Terra. Naquela época, os princípios da dinâmica ainda Sol, Marte, Júpiter e Saturno. A última esfera é a das estrelas fixas. não eram conhecidos, mas mesmo assim poderia parecer absurdo fazer com que um corpo muito maior girasse em torno de um menor. Isso há mais de dois mil anos! Muitos modelos existiam para explicar os movimentos dos corpos celestes. Em todos eles, a Terra seria o centro do Universo. Mas, como mencionado acima, foi o de Ptolomeu que ga- nhou mais força. Acredita-se que Ptolomeu tenha desenvolvido seus trabalhos entre os anos 127 e Astronomia para poetas. vol.3 18 19 Astronomia para poetas. vol.3 150 d. C. No modelo de Ptolomeu, a Terra está no centro do Universo e em torno dela giram, com órbitas circulares, Lua, Sol e planetas na ordem em que aparecem na Figura 1. Esse modelo, cons- truído a partir das ideias de Platão e Aristóteles, foi melhorado por ele. Essa teoria durou muitos séculos, desde a Idade Antiga até a Medieval, pois agradava aos teólogos, situando a Terra numa condição privilegiada. Toda essa teoria geocêntrica de Ptolomeu foi escrita no Almagesto, a obra mais importante desse filósofo antigo. O Almagesto é uma síntese de vários resultados obtidos por diversos astrônomos gregos da época antiga e, no final, Ptolomeu descreve sua teoria sobre o movimento dos planetas. Embora fossem usados círculos para descrever os movimentos dos planetas, tais movimentos no céu não se apresentavam como circulares uniformes. Ptolomeu, assim como os que vieram antes dele, já havia percebido que existiam algumas anomalias que precisavam ser explicadas, como a mudança aparente de brilho dos planetas (o que indicava que o planeta estava se afastando ou se aproximando da Terra) e a retrogradação dos planetas (em alguns momentos, eles parecem mudar o sentido do movimento no céu). Para explicar tais anomalias, um modelo de epiciclos e deferentes foi introduzido (Figura 2). Nesse modelo, o planeta se move em um círculo (epiciclo), cujo centro se move ao longo de outro círculo (deferente), centrado na Terra. A compo- sição desses dois movimentos descreveria o movimento do planeta, visto da Terra.

Figura 3 - Sistema Ptolemaico para um planeta exterior.

mais próximo do centro da circunferência que engloba todo o Universo. No final, dependendo do planeta, diferentes círculos eram necessários para explicar tais movimentos (Figura 3): a eclíptica, com centro na Terra (T); o deferente, com centro em D; o círculo regular, com centro em E (ponto equante); o epiciclo, com centro no deferente. O planeta está no ponto P, num movimento unifor- me sobre o epiciclo. O centro do deferente move-se uniformemente em relação a E (equante) e não Figura 2 - À esquerda: modelo de epiciclo e deferente simplificado. À direita: o movimento resultante, visto em relação a T (Terra). da Terra. Mas, puxa vida! Então, significa que tudo gira em torno de um ponto imaterial? Um ponto onde não existe nada? Será que não seria mais natural colocar o Sol no centro do sistema? Bem, Isso explicaria, em parte, a diferença de brilho, já que há pontos em que o planeta estaria não pareceu tão natural, sendo necessários vários séculos para que tal teoria fosse aceita e real- mais perto da Terra, assim como explica também o movimento retrógrado. Mas para precisar mente validada. melhor os resultados, seria necessário introduzir uma excentricidade e um ponto equante. Dessa Um dos cientistas mais dispostos a defender a teoria de Copérnico foi Galileu Galilei forma, a Terra estaria um pouquinho afastada do centro do sistema, mas ainda seria o ponto (1564-1642). Para isso, Galileu entendeu que precisava acabar com as concepções já formadas pe- Astronomia para poetas. vol.3 20 21 Astronomia para poetas. vol.3 las pessoas, utilizando-se de fatos científicos. E ele conseguiu. Uma das concepções existentes era celestes do nosso sistema solar como conhecido hoje. Nesse esquema, o Sol encontra-se no cen- de que, se a Terra tivesse movimento, uma pedra que fosse solta no alto de uma torre não deveria tro, enquanto os planetas, asteroides e planetas anões (representados na figura por Plutão), estão cair no pé da torre. Mas Galileu rebateu esse argumento, dando exemplos de que, se uma bola cai girando ao redor em órbitas elípticas. do mastro de um navio, ela cai no pé do mastro, porque participa do movimento do navio, assim como uma pedra solta do alto de uma torre participa do movimento da Terra. Galileu também descobriu, através de um telescópio, quatro luas que giravam ao redor de Júpiter, reforçando a ideia de que a Terra não era o centro do movimento de todos os corpos celes- tes. Ele observou ainda que o Sol possuía manchas e a Lua, crateras, desfazendo a ideia plantada por Aristóteles e Platão de que esses corpos celestes eram perfeitos. Galileu contribuiu de forma brilhante para a Física. Seu método científico e a forma como interpretou seus experimentos foi de grande valor para o desenvolvimento da ciência. Ele destruiu, com argumentos convincentes, várias ideias pré-concebidas e foi se tornando um cientista respeitado, conseguindo mudar a ideia da sociedade da época. Graças a grandes cientistas que insistiram em suas medições e teorias, hoje sabemos de forma bem precisa sobre os movimentos não só dos planetas existentes dentro do nosso sistema planetário, mas também de sistemas mais longínquos. Um passo importante dado por Copérnico e reforçado por Galileu tirou a Terra do centro do Universo e colocou o Sol em seu lugar, resultando num sistema (Figura 4) que mostra um esquema da ordenação dos planetas no nosso sistema pla- netário. O Sol encontra-se no centro e em seguida estão Mercúrio, Vênus, Terra (e sua Lua), Marte, Júpiter, Saturno, Urano e Netuno. Estes últimos quatro planetas também estão representados com as órbitas de algumas de suas luas. Vale lembrar que neste desenho tanto o tamanho quanto a distância entre os planetas estão fora de escala. Ainda assim, embora o sol estivesse no centro do sistema, as previsões não eram muito precisas. Ainda faltava algum detalhe. Isso porque as órbitas planetárias, como sabe- Figura 5 - Concepção artística do Sistema Solar como conhecido hoje. mos hoje, não são circulares perfeitas. Gra- ças às observações de Tycho Brahe (1546- Este texto tem como objetivo mostrar que a ciência, na maioria das vezes, é feita por di- 1601), que serviram de base para as teorias versas mãos, como uma colcha de retalhos. Os cientistas vão observando os fatos e cada pequeno de Johannes Kepler (1571-1630), sabemos detalhe, por menor que pareça, quando costurado ao todo, faz todo o sentido e ajuda a clarear o que as órbitas são elípticas e que o perío- entendimento humano. Newton foi um grande cientista que contribuiu muito para as áreas da Fí- do de revolução de um planeta ao redor do sica, Matemática, Mecânica e Química. Uma de suas frases mais conhecidas é: “Se vi mais longe, Sol depende do semi-eixo maior da sua ór- foi por estar de pé sobre ombros de gigantes”. Ele sabia que poderia contribuir para a ciência não bita. Graças aos trabalhos publicados por só por seu talento (que era grande), mas também graças aos trabalhos dos que vieram antes dele. Galileu e Kepler, Isaac Newton (1643-1727) formulou a teoria da gravitação. A Figura 5 representa um esquema fora de escala de distância das órbitas dos diferentes corpos Referências:

1 - Diana P. Andrade-Pilling e Penha Maria C. Dias, A hipótese heliocêntrica na Antiguidade, Revista Brasileira Figura 4 - Ordenação dos planetas a partir do Sol de Ensino de Física, v. 29, n. 4, p. 613-623, (2007). no esquema de Copérnico. Astronomia para poetas. vol.3 22 23 Astronomia para poetas. vol.3 SPOCK: Capitão, os sensores estão pegando sinais de um objeto não identificado, viajando a uma velocidade O Universo mais inacreditável, em curso de colisão com a Enterprise. rápido que a luz

Carlos Roberto Rabaça KIRK: Coloque a nave em alerta vermelho. Em que velocidade ela está viajando, Sr. Spock?

SPOCK: A uma velocidade que deveria ser impossível de alcançar. Algo em torno de Warp 36.

APRIL: Nenhum objeto natural jamais viajou a essa velocidade!

SPOCK: Eu acredito que não seja um objeto natural, assim que é descrito, no episódio The Counter-Clock Incident, da mas uma nave. série de animação para TV Star Trek, o encontro da Enterprise com Éa nave mais veloz de que já tivemos conhecimento. O Warp drive seria um sistema de propulsão mais rápido que a luz. Uma espaçona- ve equipada com tal sistema poderia viajar a velocidades fantasiosas, maiores que a da luz por ordens de grandeza. Entretanto, a teoria da relatividade especial de Einstein, publicada em 1905, nos diz que energia e massa são intercambiáveis e que a velocidade da luz é uma constante universal (300 mil quilômetros por segundo), não importando o refe- rencial inercial em que a medimos. Portanto, viagens a essa velocidade ou mesmo maiores seriam impossíveis para objetos materiais – o pro- blema é que uma quantidade infinita de energia cinética seria necessária para movermos objetos massudos tão rapidamente quanto os fótons (partículas de luz, de massa zero) no vácuo. Escritores de ficção científica nos têm dado muitas imagens de viagens interestelares, mas essa é verdadeiramente uma lei de trânsito inquebrável para qualquer objeto. Viajar à velocidade da luz é simples- mente impossível para a tecnologia do início do século XXI. Mas e se agora eu lhes disser que há galáxias inteiras no Universo que se afastam de nós a velocidades superiores a da luz? Na melhor das hipóteses soa confuso, não? Como isso é possível? Astronomia para poetas. vol.3 24 crédito:25 Enterprise WallpapersAstronomia para poetas. vol.3

Figura 2 - Os limites observáveis com diferentes telescópios. De fato, a velocidade da luz nos afeta mais do que imaginamos e nos ajuda a compreen- der até mesmo a diferença entre causa e efeito. Se as coisas pudessem simplesmente se mover mais rápido que a luz, presenciaríamos experiências estranhas. Se você fosse um goleiro tentando pegar uma bola superluminal, poderia sentir a bola atingir a sua luva antes mesmo de o jogador chutá-la: seria o efeito antes da causa. Isso ocorreria porque a imagem da bola viajaria à velocidade da luz, ficando para trás da própria bola – semelhante ao barulho de um trovão que nos chega depois da imagem do raio que o originou. É claro que tudo isso é apenas especulação, pois não temos experiências que sejam capa- zes de confirmar o que aconteceria. O que podemos afirmar com certeza é que, se uma espaçonave pudesse se mover em relação a nós a, digamos, 99,9999999999% da velocidade da luz, veríamos dois efeitos interessantes. O primeiro é chamado de contração de Lorentz – a nave pareceria ser mais curta na direção do movimento. O segundo nos diz que veríamos um relógio a bordo dessa nave correr mais devagar – o tempo realmente passaria mais lentamente para a nave no nosso ponto de vista – de forma que, se fôssemos capazes de ouvir alguma música tocando na rádio a bordo da nave, ela pareceria estar em baixíssima rotação. Essas são consequências reais da Teoria da Relatividade de Einstein para velocidades próximas à da luz.

Figura 1 - Hierarquia de escalas de distância no Universo. Acontece que a velocidade da luz é um limite apenas para objetos materiais – como a bola de futebol ou a nave – à medida que se deslocam pelo espaço. O movimento do próprio espaço, no entanto, pode fazer a velocidade da luz parecer lenta. Galáxias que se movem a velocidades Warp surgem quando falamos da expansão do Universo. Não é uma expansão a partir de um lugar espe- cífico, com as galáxias sendo arremessadas para fora como num jato cósmico, é uma expansão do espaço como um todo. Não há um centro e o Universo não está em expansão sobre alguma outra coisa. O limite de velocidade ocorre somente para um sistema de referência inercial. Esse é um termo técnico que significa dizer basicamente que objetos localmente próximos não podem viajar mais rápido do que a luz em comparação a outros objetos igualmente próximos.

Mas o Universo não é local. É cósmico. É enorme. E está em expansão. Assim, ele não é um referencial inercial. Isso significa que uma Galáxia aqui perto e galáxias distantes, sendo arras- tadas pela expansão do Universo, podem ter uma velocidade relativa, umas em relação às outras, mais rápida que a da luz. Para obter tais velocidades, basta permitir que o Universo se expanda por um longo período de tempo e ter dois objetos muito distantes. Você pode pensar nisso por meio de uma analogia extremamente simples e infantil. Ima- gine que o Universo corresponda à superfície de um balão e que você se encontra em um pequeno cookie – daqueles de comer – preso à sua superfície. Quando o balão (digo, Universo) se expande, você vê todos os outros cookies (que seriam as galáxias) igualmente fixados à sua superfície se afastando de você. Aqui está a parte interessante: se quiser se deslocar entre cookies, um cookie duas vezes mais distante que outro parecerá se mover duas vezes mais rápido para longe de você. Quanto mais distante de você estiver o cookie, mais rapidamente ele parecerá estar se afastando. A ideia exata de quão rápido esse afastamento se dá pode ser obtida pelo parâmetro conhecido como constante de Hubble. O seu valor é tal que, para cada megaparsec de distância

26 27 Astronomia para poetas. vol.3 entre nós e uma Galáxia distante, a velocidade de afastamento dela – ele é afetado apenas pela quantidade crescente de aumenta por 71 quilômetros por segundo. Assim, galáxias se- espaço-tempo enquanto viaja. Seu comprimento de onda é paradas por dois megaparsecs irão se afastar à velocidade de estendido e desviado para a extremidade mais vermelha do 142 quilômetros por segundo. Nessa maratona espacial, uma espectro, na direção do infravermelho, das microondas e até vez que duas galáxias se afastam por pouco mais que 4.200 mesmo das ondas de rádio. No momento em que esse fóton megaparsecs de distância, uma passa a ver a outra viajando foi emitido pela Galáxia, ela não estava viajando mais rápido mais rápido que a velocidade da luz. que a luz. Quando a Galáxia passa a ter uma velocidade de Seria essa distância maior que o tamanho do Univer- afastamento superior à da luz, seus fótons não são capazes so? A primeira luz que podemos observar no Universo, a ra- de ultrapassá-la. Observamos, então, a imagem da Galáxia diação cósmica de fundo em microondas, está a 46 bilhões de congelar e, em seguida, desaparecer lentamente. Fisicamen- anos-luz de distância de nós, em todas as direções. 4.200 me- te, o comprimento de onda de todos os seus fótons são tão gaparsecs representam pouco mais que 13,7 bilhões de anos- esticados que não somos mais capazes de detectar a Galáxia -luz de distância. Logo, existe muito espaço para objetos esta- em absoluto. rem a mais que 4.200 megaparsecs de distância um do outro e, As implicações desse fato para nós são pouco se considerarmos que o Universo pode ser infinito, quase todo animadoras. Por causa das fortes evidências observacionais o Universo nos seria invisível. que temos de que o Universo está em expansão acelerada, De qualquer forma, boa parte do que podemos ver todas as galáxias que hoje se afastam de nós mais rápido que atualmente já estaria se afastando de nós mais rapidamente a luz farão isso para sempre. Depois que uma Galáxia disser o que a velocidade da luz. Mas como seria possível ver a luz de seu último adeus, nunca mais a veremos. Os astrônomos de uma Galáxia muito distante se ela está viajando tão rápido? A um futuro ainda distante não farão ideia alguma de que um resposta é que o movimento que uma Galáxia tem agora não dia houve um Big Bang ou que existem outras galáxias além exerce qualquer efeito sobre a luz emitida por ela há bilhões da Via Láctea. de anos. O fóton que está viajando na nossa direção não tem É bom inventarem logo esse tal de Warp drive... conhecimento do que acontece com a Galáxia depois que sai

crédito: ESA/Hubble Astronomia para poetas. vol.3 28 29 Astronomia para poetas. vol.3 Ondas Gravitacionais, Uma Previsão de 1916 de Albert Einstein Alexandre Lyra de Oliveira

m 11 de fevereiro de 2016, foi divulgado pela mídia [1] que os pesquisadores do LIGO (Laser Interferometer Gravitational - Wave Observatory) haviam Edetectado as ondas gravitacionais previstas por Albert Einstein em 1916. A descoberta foi divulgada pela maioria dos noticiários. A detecção foi realizada em 14 de setembro de 2015, e o objeto detectado foi nomeado GW150914. A grande importância dessa descoberta é que agora poderemos “ver” o Universo por outros meios diferentes da luz. As ondas gravitacionais certamente nos levarão a observar novos fenômenos cósmicos. Quando essas notas foram escritas, em junho de 2016, já havia sido anunciada, pelo LIGO, também outra detecção, ocorrida em dezembro de 2015. O segundo evento foi divulgado em 15 de junho de 2016, correspondente às ondas gravitacionais de 26 de dezembro de 2015, e o objeto foi nomeado GW151226. Revelou a colisão de dois buracos negros de aproximadamente 14 e 8 vezes a massa do Sol, produzindo um novo buraco negro de 21 massas solares. Houve a conversão em energia de uma massa solar. O evento ocorreu há 1,4 bilhão de anos [1]. O anúncio do primeiro evento foi feito por vários pesquisadores, inclusive pelo diretor executivo do LIGO [2], que também é do Instituto de Tecnologia da Califórnia (Caltech), David H. Reitze, que afirmou, “Nossa observação de ondas gravitacionais realiza uma meta ambiciosa estabelecida ao longo de cinco décadas, para detectar diretamente esse fenômeno indescritível e melhor compreender o Universo, e, apropriadamente, cumpre o legado de Einstein no centésimo aniversário de sua Teoria da Relatividade Geral”. Em 4 de janeiro de 2017 foram, pela terceira vez, detectadas ondas gravitacionais de colisão de

Ilustração: Cibelle Arcanjo Astronomia para poetas. vol.3 30 31 Astronomia para poetas. vol.3 buracos negros. “Na verificação mais recente, que ocorreu em janeiro de 2017, os cientistas detectaram Einstein previa que essas ondas eram ondulações no tecido do espaço-tempo produzidas por um evento localizado a 3 bilhões de anos-luz de distância da Terra, onde ocorreu um choque entre dois aceleração de uma massa, tais como buracos negros que orbitam um ao outro. Os pesquisadores buracos negros que resultou em um novo buraco negro com massa equivalente a 49 vezes a do Sol. sempre estiveram interessados em observar e caracterizar essas ondas para saber mais sobre as “Temos mais uma confirmação da existência de buracos negros de massa estelar que são maiores do fontes que as produzem e também sobre a própria gravitação. que 20 massas solares - são objetos que não sabíamos que existiam antes que o LIGO os detectasse”, A previsão é de que essas ondulações do espaço-tempo também se propagam no vácuo afirmou David Shoemaker, do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), o porta-voz da com a velocidade da luz, ou seja, 299 792 458 m/s. Ainda em 1916, Karl Schwarzschild (1873- Colaboração Científica do LIGO, em comunicado. Os dois buracos negros da primeira detecção, 1916), físico e astrônomo alemão, publicou, usando a teoria de Einstein, uma solução exata das em 2015, tinham o equivalente a 29 e 36 massas solares.” equações, que ficou conhecida como solução do buraco negro de Schwarzschild. Décadas depois, Neste pequeno texto escreveremos sobre a previsão de Einstein, em 1916, e em seguida em 1963, outra importante solução exata de buraco negro foi encontrada: o “buraco negro de Kerr”, apresentaremos mais detalhes sobre as confirmações observacionais da sua teoria. que representa um buraco negro em rotação. Essas ondulações no “tecido do espaço-tempo” podem ser causadas, por exemplo, por As Ondas Gravitacionais na alguns dos processos mais violentos e energéticos no Universo. Elas são continuamente emitidas por objetos em rotação e são semelhantes às ondulações que causamos na superfície de um Teoria da Relatividade Geral lago ao atirarmos uma pedra. Entretanto, devido ao fato de que as ondas gravitacionais são extremamente fracas, somente grandes eventos cósmicos, como colisões de buracos negros, têm Albert Einstein, físico alemão (1879-1955), elaborou a sua Teoria da Gravitação, intensidade suficiente para que cheguem até nós. Fontes detectáveis de ondas gravitacionais são denominada de Teoria da Relatividade Geral (ver mais detalhes no volume anterior de Astronomia eventos catastróficos, tais como a colisão de buracos negros, o colapso dos núcleos estelares para Poetas), no ano de 1915 e, em 1916, fez a previsão da ocorrência das ondas gravitacionais, () e outros eventos cósmicos semelhantes (detalhes em [1]). análogas às usuais ondas eletromagnéticas. Desde então os cientistas vêm tentando detectá-las. No momento em que as ondas atingem a Terra, já são milhões de vezes menos intensas. Na verdade, no momento em que as ondas gravitacionais da primeira detecção atingiram o LIGO, as oscilações do espaço-tempo foram milhares de vezes menores que o núcleo de um átomo. Essas, inconcebivelmente pequenas medições, representam o que o LIGO foi projetado para fazer. Apesar de a divulgação ter sido em fevereiro, a detecção foi realizada em 14 de setembro de 2015, razão pela qual o objeto detectado foi denominado GW 150914 (GW = ). Devemos lembrar que, na realidade, a existência de ondas gravitacionais foi comprovada pela primeira vez na década de 1970 e de 1980, com a descoberta, em 1974, do pulsar binário por Joseph Taylor Jr. e Russell Hulse. Esse sistema binário é composto de um pulsar em órbita ao redor de uma estrela de nêutrons. Taylor e Joel M. Weisberg, em 1982, descobriram que a órbita do pulsar foi lentamente diminuindo ao longo do tempo por causa da perda de energia sob a forma de ondas gravitacionais. Esse é o resultado previsto pela Teoria da Relatividade Geral. Hulse e Taylor receberam, por essa descoberta, em 1993, o Prêmio Nobel de Física. Comparando as observações com a previsão que a teoria de Einstein fez para esse fenômeno, Penrose e Hawking avaliaram, em 1996, em trabalho na Revista Scientific American, que o resultado do pulsar binário Hulse-Taylor (PSR1913 +16) estabelece que a Teoria da Relatividade Geral está correta em uma parte em 1014. Sendo assim, é muito mais precisa que a da Teoria Quântica de Campos, que é de 1011 . Ver em [3] mais detalhes sobre a emissão de ondas gravitacionais.

O LIGO

O anúncio da detecção em 11 de fevereiro de 2016 foi feito pela NSF (National Foundation) dos Estados Unidos. O detector LIGO é um par de observatórios terrestres em Hanford, Washington, e em Livingston, Louisiana. A alegria dos pesquisadores em relação a esse Figura 1 - A impressão artística das ondas gravitacionais geradas por estrelas de nêutrons binárias. Créditos: http://www.nasa.gov/feature/goddard/2016/nsf-s-ligo-has-detected-gravitational-waves

32 33 Astronomia para poetas. vol.3 anúncio é retratada por David Reitze, diretor do projeto, ao afirmar: “Nós detectamos as ondas gravitacionais. Nós conseguimos”. Os primeiros trabalhos sobre a detecção de ondas gravitacionais por interferômetros a laser começaram nos anos 70 do século passado, incluindo um estudo de 1972 do MIT descrevendo um interferômetro na escala de km. O LIGO foi fundado apenas em 1984, como um projeto do Caltech/MIT (California Institute of Technology / Massachusetts Institute of Technology), e em 1990 foi aprovada a sua construção. A inauguração foi em 1999 [4]. Figura 3 - Foto dos dois observatórios do LIGO, o de Livingston e o O LIGO é o maior observatório de ondas gravitacionais do mundo e é composto por de Hanford, ambos nos EUA, com os seus braços de 4 km. Créditos: dois enormes interferômetros a laser localizados a milhares de quilômetros de distância um do https://www.ligo.caltech.edu/page/what-is-ligo outro. Explora as propriedades físicas da luz (LASER) e do espaço-tempo em si para detectar e compreender as origens das ondas gravitacionais, bem como as propriedades dos objetos que as emitiram. É diferente de qualquer outro observatório na Terra, inclusive por suas características Não é somente pela geometria que o LIGO difere dos outros “observatórios”. Ao contrário de geométricas, o que se observa ao se compararem as fotos do LIGO com as de outros observatórios. telescópios ópticos ou de rádio, o LIGO não pode ver a radiação eletromagnética, por exemplo, a luz Veja a foto na Figura 2 de um observatório astronômico e compare com a foto seguinte, na Figura visível ou ondas de rádio ou de micro-ondas. As ondas gravitacionais não fazem parte do espectro 3, dos dois observatórios do LIGO. eletromagnético. O LIGO está completamente isolado e, de certa forma, protegido do mundo “exterior”. Somente é sensível às ondas gravitacionais. Outra característica importante do LIGO é que ele funciona em conjunto com outros detectores, enquanto um observatório astronômico funciona e coleta dados muito bem por conta própria. Os observatórios de ondas gravitacionais, como o LIGO, não devem operar sozinhos. A única maneira de detectar definitivamente uma onda gravitacional é operando em conjunto com um outro igual bem distante, de modo que as vibrações locais, por exemplo, pequenos tremores de terra, não possam ser confundidas com sinais de ondas gravitacionais. Por essa razão, a detecção realizada em setembro de 2015 foi simultaneamente identificada nos dois observatórios, o de Hanford, em Washington, e o de Livingston, na Louisiana. O LIGO usa a interferometria laser para medir as ondulações do espaço-tempo, causadas pela passagem de ondas gravitacionais emitidas por fontes cósmicas (no caso específico, foram da fusão de dois buracos negros). Em seu conjunto, o LIGO consiste em dois interferômetros localizados acerca de 3000 km um do outro.

Os Avanços Realizados para a Detecção de 2015

Quando o LIGO foi aprovado para financiamento em 1990, acreditava-se que provavelmente levaria muitos anos, ou mesmo décadas, para o observatório atingir o seu pleno potencial. O chamado “LIGO inicial”, ou iLIGO, foi a primeira versão dos interferômetros construída. Essa coleta de dados iniciais foi realizada entre 2001 e 2010, conforme as informações do site [4] do LIGO. O iLIGO operou durante nove anos e não conseguiu detectar qualquer onda gravitacional. Com a experiência inicial do iLIGO, foram vislumbrados novos avanços na compreensão e na engenharia. Sendo assim, foi planejada a próxima geração de detectores: o LIGO Avançado ou ALIGO. Essa reformulação começou a ser realizada em 2008, dois anos antes de o iLIGO ser “aposentado”, em 2010. Ele foi desmontado para abrir caminho para a instalação das novas e melhores instalações do ALIGO. O redesenho, construção, preparação e instalação levaram sete anos, de 2008 até Figura 2 - Telescópio do Observatório de Palomar, Califórnia, EUA. 2015. Alguns cientistas, ao falarem do LIGO, referem-se ao ALIGO, aludindo ao design atual dos Créditos: https://www.ligo.caltech.edu/page/what-is-ligo interferômetros. Sabe-se que o ALIGO começou a fazer seus testes entre 2011-2014. Astronomia para poetas. vol.3 34 35 Astronomia para poetas. vol.3 A imagem da Figura 4 ilustra uma das grandes diferenças entre iLIGO e ALIGO. Nela, Costa, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais do Brasil (Inpe), além de Ricardo Sturani, do pode-se notar uma suspensão do iLIGO à esquerda e do ALIGO à direita, além de uma descrição Centro Internacional de Física Teórica da Universidade de São Paulo (Unesp) [6]. em maior detalhe das alterações feitas. Essas mudanças foram muito importantes no que diz respeito ao aumento da capacitação do ALIGO para alcançar seus objetivos. Essas melhorias, em O que foi detectado: seu conjunto, foram projetadas para reduzir ainda mais as vibrações que atingem os espelhos dos interferômetros. São vibrações indesejadas, que poderiam abafar os sinais extremamente A Fusão de Dois Buracos Negros delicados de uma onda gravitacional. No geral, as melhorias inerentes aos interferômetros levaram o ALIGO a se tornar dez vezes mais sensível do que o seu antecessor. Com elas, o ALIGO, ou seja, O LIGO não fez essas últimas detecções sem uma preparação específica, uma vez que o LIGO, alcançou resultados que não haviam sido ainda alcançados pelos detectores iniciais, isto há anos vem se preparando para detectar colisões de buracos negros. Por exemplo, em 2008 e é, pelo ILIGO, nos seus nove anos de operação. em 2010, foram publicados trabalhos pela equipe sobre esse tipo específico de detecção. Esses Mesmo com essa primeira detecção, em setembro de 2015, que confirmou a capacidade trabalhos anteriores (ver as publicações em [7]) revelam a preparação e aperfeiçoamento da técnica do ALIGO, os interferômetros atuais não são as versões finais dos instrumentos. A equipe de para conseguir seus objetivos. engenheiros do MIT, Caltech e vários outros parceiros técnicos estão continuamente procurando Na sua primeira detecção, em setembro de 2015, e com base nos sinais observados, os inventar novas maneiras de melhorar o desempenho do interferômetro. Ao longo dos próximos cientistas do LIGO estimaram que os buracos negros que colidiram foram cerca de 29 e 36 vezes anos, os detectores ALIGO vão sofrer mais alterações, até o instrumento atingir a sensibilidade a massa do Sol. Tal evento ocorreu há 1,3 bilhão de anos-luz, e cerca de 3 vezes a massa do Sol foi esperada para o projeto, por volta de 2020 [5]. Essa colaboração internacional conta com mais de convertida em ondas gravitacionais em uma fração de segundo. Ao olhar para o tempo de chegada 1.000 pesquisadores espalhados pelo mundo, dentre eles, os brasileiros Odylio Aguiar e Cesar dos sinais do detector em Livingston, viram que este registrou o evento 7 milissegundos antes do detector em Hanford. Diante desse fato, os cientistas podem dizer que a fonte foi localizada no hemisfério sul [8]. De acordo com a Teoria da Relatividade Geral, um par de buracos negros que orbitam em torno de si devem perder energia pela emissão de ondas gravitacionais, o que faz com que se aproximem progressivamente ao longo de bilhões de anos, acelerando-se cada vez mais rápido o processo de colisão na fase final. Nos minutos finais, os dois buracos negros colidem um com o outro com velocidade de cerca de metade da velocidade da luz e formam um único buraco negro mais massivo (ver em [9]). Convertem uma porção de massa dos buracos negros em energia, de acordo com a teoria de Einstein. Essa energia é emitida como uma forte explosão final de ondas gravitacionais, as quais o LIGO observou. Os sinais da detecção de setembro estão representados na Figura 5, na qual os gráficos mostram os sinais das ondas gravitacionais detectadas pelo observatório duplo do LIGO, em Livingston, Louisiana, e em Hanford, Washington. Os dois primeiros gráficos mostram os dados recebidos por LIGO-Livingston e LIGO-Hanford, juntamente com as formas previstas para a forma da onda, que são sobrepostas. Essas formas são fornecidas numericamente pela integração das equações da Teoria da Relatividade Geral para a fusão desses buracos negros. O tempo é representado no eixo X e a amplitude da onda, no eixo Y. Já o terceiro gráfico compara os dados de ambos os detectores. O sinal atingiu primeiro Livingston e, em seguida, com a velocidade da luz, atingiu Hanford sete milésimos de segundo mais tarde.

Figura 4 - Mostra a diferença entre os amortecedores do iLIGO e do ALIGO.Créditos: https://www.ligo.caltech.edu/page/about-aligo Astronomia para poetas. vol.3 36 37 Astronomia para poetas. vol.3 massas de até cerca de 20 massas solares. Porém, para essas que foram detectadas há ainda várias controvérsias. Esses “buracos negros gordos” ainda são problemáticos. Entre os pesquisadores da área, há diferentes posicionamentos sobre a origem desses buracos negros “gordos”, como os que foram detectados pelo LIGO. O próprio Steven Hawking afirmou: “Esta descoberta apresenta ainda um enigma para os astrofísicos (...) A massa de cada um dos buracos negros é maior do que o esperado para aqueles formados pelo colapso gravitacional de uma estrela – então como é que ambos os buracos negros se tornaram tão grandes?”(ver em [12]). O astrofísico Vicky Kalogera, da Northwestern University, em Illinois, EUA, e membro do LIGO, afirmou [13]: “Os buracos negros com 29 e 30 massas solares são uma surpresa incomum. Se você olhar para a maioria das estrelas binárias na Via Láctea (...) não esperamos buracos negros desta massa”. Uma possibilidade para a existência desses buracos negros “gordos” é que os ventos estelares sejam bem mais fracos do que são previstos usualmente pela astrofísica, ou, como disse Kalogera, “Ao redor no final dos anos 2000, as estimativas de quão fortes deveriam ser os ventos solares foram revistas (...) Os astrofísicos concluíram, a partir de observações eletromagnéticas, que os ventos são mais fracos do que pensávamos. Então, com ventos mais fracos em seus modelos estelares, suas massas finais são mais pesadas, (...) Até agora, muitos grupos confirmaram essas previsões”. Sobre essas controvérsias, encontramos ainda modelos tentando explicar buracos negros de 60 massas solares [14]. Mesmo que chamemos esses buracos negros de “gordos”, sabe-se que não são os Figura 5 - Esses gráficos mostram os sinais de ondas gravitacionais detectados pelo buracos negros de maior massa previstos. O buraco negro no centro da Via Láctea, por exemplo, é observatório duplo do LIGO, em Livingston, Louisiana, e em Hanford, Washington. Os mais do que 4 milhões de vezes a massa do Sol, o que ainda pode ser considerado pouco perto de sinais vieram de dois buracos negros que se fundiram, cada um com cerca de 30 vezes outros muito maiores, como aqueles previstos com as maiores massas, por exemplo, de cerca de a massa do nosso Sol, encontrando-se a 1,3 bilhão de anos-luz de distância. Os dois 12 bilhões de vezes a massa do Sol. No entanto, ainda é um mistério como esses buracos negros primeiros gráficos mostram dados recebidos por Livingston e Hanford, juntamente com extremamente massivos se formaram. as formas previstas para a forma de onda. Créditos: https://www.ligo.caltech.edu/image/ligo20160211a Uma Nova Janela Astronômica Para finalizar este pequeno texto sobre a detecção das ondas gravitacionais do LIGO, Sobre os objetos detectados frisamos que, com este novo resultado científico, abre-se uma “nova janela” para vermos o Universo. Ao longo da história das observações do Universo pela sociedade humana, tivemos Quando houve a primeira detecção do LIGO, anunciou-se [10]: “Esta primeira detecção é algumas “janelas”, nas quais permanecemos muito tempo. uma descoberta espetacular: as ondas gravitacionais foram produzidas durante a fracção final, de um As primeiras observações do homem foram feitas diretamente com nossos olhos, o segundo, da fusão de dois buracos negros com massas cerca de 29 e 36 vezes maior do que a do Sol, em espectro visível da luz, faixa do espectro luminoso sensível aos nossos olhos. Com o telescópio que um mais massivo buraco negro único, girando a 1,3 bilhão de anos-luz de distância de nós! Este tipo de Galileu apontou para o céu, ainda se observava no espectro visível da luz (ver na Figura 6 ao lado colisão havia sido prevista, mas nunca observada”. este espectro). Sabe-se que ocorreram importantes mudanças no século XVIII, com a colocação de Já após a segunda detecção, em dezembro de 2016, o professor Bernard Schutz, que prismas no espectro das estrelas (ver em [15]). faz parte da colaboração LIGO, em declaração à BBC News [11], disse: “Isso mostra que o primeiro evento não foi apenas um acaso. Isso revela que o Universo está repleto de buracos negros em espiral, em conjunto, fundindo-se, dando essas grandes explosões de ondas gravitacionais com bastante regularidade. É um Universo violento”. O interessante é que ainda há muita polêmica quanto à natureza dos buracos negros com massas da ordem dessas que foram detectadas. Pelo que sabemos, as usuais previsões são para Astronomia para poetas. vol.3 38 39 Astronomia para poetas. vol.3 dominada, décadas ou séculos. Muitas modificações na tecnologia atual deverão ser feitas nos próximos anos. Esta nova etapa está apenas no início.

Referências:

[1] Sites do anúncio da descoberta: https://www.youtube.com/watch?v=aEPIwEJmZyE http://www.nasa.gov/feature/goddard/2016/nsf-s-ligo-has-detected-gravitational-waves http://www.wired.com/2016/06/ligo-announces-new-gravitational-wave-observation/ https://www.ligo.caltech.edu/page/what-are-gw [2] http://www.ligo.org/news/detection-press-release.pdf [3] Sobre como é feita a emissão de ondas: https://www.ligo.caltech.edu/page/gw-sources [4] https://www.ligo.caltech.edu/page/timeline [5] Avanços: https://www.ligo.caltech.edu/page/about-aligo Figura 6 - Espectro visível da luz. [6] Participação brasileira: http://br.rfi.fr/ciencias/20160223-entenda-participacao-brasileira-na-deteccao-das-ondas-gravitacionais [7] Astrophysical Journal, v. 681, p. 1419 (2008); Classical and Quantum Gravity. 27 (2010), p. 173001. [8] Sobre os sinais que chegaram aos detectores: A enorme evolução se deu no século XX, quando as observações astronômicas se https://www.ligo.caltech.edu/news/ligo20160211 expandiram de uma forma nunca antes sequer imaginada: as diferentes faixas do espectro [9] Explicação sobre a fusão de BH: eletromagnético dos astros, desde os pequeníssimos comprimentos de onda, por exemplo, dos https://www.ligo.caltech.edu/image/ligo20160211d raios-X e raios-Gamma, até os grandes comprimentos de onda, das ondas de rádio. [10] Sobre a primeira detecção: https://www.ligo.caltech.edu/page/gw-sources Agora, com a detecção das ondas gravitacionais, certamente iremos “ver” o Universo [11] Shutz à BBC: http://www.bbc.com/news/science-environment-36540254 como nunca o vimos, pois é uma forma de detecção independente daquelas até hoje utilizadas. [12] Sobre declarações de Hawking: As ondas gravitacionais não pertencem ao espectro eletromagnético. Essa nova detecção é tão http://hypescience.com/ondas-gravitacionais-astronomia/ fundamental para a ciência quanto foi a de Galileu, aproximadamente em 1609, quando apontou, [13] Declarações de Kalogera: http://www.space.com/31945-gravitational-wave-detection-black-holes- pela primeira vez, o telescópio para olhar o céu. Estamos abrindo “janelas” para o Universo que as science.html tecnologias anteriores não possibilitavam. [14] Buracos negros com 60 massas solares: http://arxiv.org/pdf/astro-ph/0112539v1.pdf [15] THE HISTORY OF ASTRONOMY, A Very Short Introduction, Oxford University Press, 2003; Sobre essa descoberta, o físico Steven Hawking escreveu em seu Facebook: “Os meus [16] Hawking no Facebook: https://www.facebook.com/stephenhawking/posts/965377523549345?ref=notif& parabéns à equipe do LIGO em sua descoberta das ondas gravitacionais. É um resultado que é pelo notif_t=notify_me_page&__mref=message_bubble menos tão importante quanto a descoberta do bóson de Higgs. Ele inclui a primeira observação de ondas gravitacionais e de dois buracos negros em colisão e fusão. Com o aumento da sensibilidade do LIGO, podemos esperar muito mais detecções, todos melhoraram o conhecimento sobre como o Universo funciona.” (ver em [16]). E ressaltou ainda: “Estas observações experimentais são consistentes com o meu trabalho teórico sobre buracos negros na década de 1970. Como físico teórico, passei minha vida contribuindo para a nossa compreensão do Universo. É emocionante ver previsões que fiz há mais de 40 anos, como sobre a área do buraco negro e sobre o teorema da singularidade, sendo observadas ainda dentro de minha vida.”. Finalmente enfatizamos o importante futuro das ondas gravitacionais para a Astronomia. Entretanto, a total abertura dessa nova janela para o Universo vai levar muito tempo para ser Astronomia para poetas. vol.3 40 41 Astronomia para poetas. vol.3 “Como as primeiras galáxias formavam estrelas? Ainda não sabemos bem o que os telescópios do futuro encontrarão nas fronteiras do Universo. Mas aí está a beleza da ciência: a curiosidade humana na busca pelo desconhecido.” Galáxias: fábricas de estrelas no Cosmos Thiago Signorini Gonçalves

aláxias são espetáculos visuais no Universo. Incontáveis imagens obtidas com o telescópio Hubble mostram estruturas de grande beleza e dimensões impressionantes, chegando a Gmedir dezenas ou até mesmo centenas de milhares de anos-luz. Tudo que conseguimos ver nessas imagens é graças à luz de centenas de bilhões de estrelas que, combinadas, compõem diversas partes de cada Galáxia. No entanto, elas não são feitas apenas de estrelas. Uma parte importante da matéria pre- sente nessas estruturas está na forma de gás, muitas vezes acompanhado por poeira interestelar, ou seja, pequenos grãos formados sobretudo de silício ou carbono. Esse gás é peça fundamental na formação e evolução de galáxias, pois é o principal com- bustível para a formação estelar. As estrelas nada mais são que uma nuvem de gás hidrogênio, tão densas e massivas que comprimem seus núcleos até que ali aconteça a fusão nuclear. No entanto, antes que essa fusão se inicie, o gás é invisível aos nossos olhos. Invisível aos olhos, mas não à nossa tecnologia. Se, por um lado, uma câmera fotográfica não é capaz de “enxergar” o gás, por outro podemos detectá-lo com o auxílio de observatórios no infravermelho e radiotelescópios. É a maneira que astrônomos encontraram de ver o “antes” e o “depois” do processo de nascimento de estrelas. Um belo exemplo são as galáxias Antena, com imagens que comparam a distribuição espacial de gás e estrelas (Figura 2).

Berçários estelares, hoje e ontem Nas galáxias, há nuvens de gás molecular, nas quais o gás se encontra mais concentrado. Essas regiões são comumente chamadas de “berçários estelares”, devido ao grande número de es- Figura 1 - Montagem com diversos tipos de galáxias observadas com o telescópio trelas existentes. Um exemplo pode ser visto na Figura 3, que mostra a Nebulosa Roseta observada espacial Hubble. Créditos: NASA/HST. no infravermelho. Os pontos brilhantes são as regiões da nuvem que abrigam os novos “bebês- Astronomia para poetas. vol.3 42 43 Astronomia para poetas. vol.3 distinto no passado. Galáxias como a nossa própria Via Láctea acumulam o gás para formar es- trelas muito lentamente, a partir de uma distribuição de matéria ao seu redor. Galáxias distantes, por outro lado, apresentam o que chamamos de fluxos frios, ou jatos, carregando o gás frio do meio inter- galáctico diretamente até a Galáxia. De certa forma, as galáxias estariam bebendo o gás de canudinho — e rapidamente. No entanto, sabemos que galáxias colidem umas com as outras. Sabemos também que essas interações cósmicas aconteciam com maior frequência no passado. Nessas colisões, o gás presente Figura 2 - Imagem da Galáxia Antena observada com radiotelescópios, mostrando a dis- é levado às regiões centrais do sistema, sofrendo forte compressão e gerando um forte episódio de tribuição de gás e poeira (à esquerda) e com o telescópio espacial Hubble (à direita), mostrando a distribuição das estrelas na Galáxia. Créditos: ALMA/ESO/NAOJ/NRAO/ESA/NASA. formação estelar. As próprias galáxias Antena, mostradas na Figura 2, são um exemplo de uma colisão em curso. Qual desses processos é o principal responsável pela formação estelar no passado? Essa é -estrela”. Mas vale lembrar: as cores nessa imagem são falsas, e ela mostra um tipo de radiação a pergunta que muitos astrônomos buscam responder, e para isso é necessário estudar o Universo que não conseguimos ver a olho nu. distante em detalhes. Nossa própria Galáxia, a Via Láctea, abriga um grande número de nuvens, como a Nebu- losa Roseta, cada uma delas formando várias novas estrelas a cada ano. Da mesma forma, outras galáxias, como as vizinhas Nuvens de Magalhães ou a Galáxia de Andrômeda, abrigam suas pró- Figura 3 - Nebulosa Roseta observada no infravermelho. Créditos: ESA. prias regiões de formação estelar. Mas os astrônomos não conhecem apenas essas galáxias. Na verdade, hoje conhecemos milhões delas no Universo, graças aos grandes avanços tecnológicos que nos permitem ver mais e mais longe. Isso é também uma maneira de enxergar o passado: como a velocidade da luz é finita, vemos uma Galáxia muito distante como ela era há bilhões de anos. Assim, podemos montar um álbum de retratos do Universo, mostrando diferentes fases de sua evolução. Um dos grandes mistérios da Astronomia moderna é justamente como as propriedades de berçários estelares variam ao longo da história do Universo, desde o Big Bang. Nossos dados mostram que, antigamente, galáxias formavam muito mais estrelas que hoje em dia: se na atuali- dade a nossa Via Láctea forma, em média, algumas estrelas a cada ano, há 10 bilhões de anos ela formava mais de uma centena de novas estrelas anualmente. Portanto, mais da metade das estre- las que existem no Universo hoje em dia foram formadas naquela época. Por que essa diferença? A verdade é que não sabemos. Podemos observar as galáxias distantes e vermos que as propriedades de seus objetos eram muito distintas daquelas observadas no Universo local. Por exemplo, as galáxias eram menores, mas, ao mesmo tempo, continham muito mais gás que a Via Láctea — ou seja, se o gás é o combustível para a formação estelar, essas galáxias estavam com o tanque cheio. A formação de galáxias quando o Universo era jovem

Existem, atualmente, duas hipóteses principais para explicar a grande quantidade de gás observada em galáxias distantes. A primeira delas supõe que o acúmulo de gás acontecia de modo Astronomia para poetas. vol.3 44 45 Astronomia para poetas. vol.3 Figura 4 - A partir do topo: Observatório ALMA, telescópio E-ELT e telescópio espacial James Webb. Créditos: ALMA/ESO/NASA. O futuro: radiotelescópios, telescópios gigantes, telescópios no espaço

A busca por galáxias distantes continua. Atualmente, o recorde de distância pertence a GN- z11, um objeto a 32 bilhões de anos-luz de distância. É um número impressionante, mas não podemos contar com apenas uma Galáxia para entender como todas funcionavam quando o Universo era jovem. Assim, grande parte do trabalho astronômico é a criação de novos instrumentos, mais poderosos e capazes de observar as galáxias distantes. E, claro, explorando todos os tipos de ra- diação. Um novo observatório, que já está revolucionando nosso entendimento sobre o reser- vatório de gás em galáxias distantes, é o radiotelescópio ALMA, situado no Deserto do Atacama, no Chile. Contando com 66 antenas, o ALMA foi inaugurado em 2011 e é o mais avançado do mundo em sua categoria. Na próxima década, esperamos ainda dois novos telescópios que representam um enorme investimento monetário e um grande salto tecnológico na Astronomia. O primeiro é o Telescópio Espacial James Webb (JWST) considerado o sucessor do telescópio espacial Hubble e com lançamento marcado para 2020. Observando apenas no infravermelho, o James Webb será capaz de detectar um grande número de galáxias no Universo distante. Um pouco mais tarde, haverá um novo telescópio terrestre. Apropriadamente batizado de Telescópio Extremamente Grande Europeu, ou E-ELT, ele entrará em funcionamento em 2024 e contará com um espelho de 39 metros de diâmetro. Esse instrumento será capaz de captar a luz visível das galáxias distantes e nos permitirá estudar a população estelar que se formou naquele período. Astronomia para poetas. vol.3 46 47 Astronomia para poetas. vol.3 Censo do espaço: de Hiparco a HIPPARCOS e além Marcelo Assafin

esde que a Humanidade se reconhece como tal, isto é, há mais de pelo menos 10 mil anos, o Homem necessitou de referências geográficas e de maneiras para contar a passagem Ddo tempo, a fim de sobreviver no seu dia a dia. Com a necessidade dos nossos ancestrais primatas de exploração de novos terrenos e rotas de migração, o Homem aprendeu a assimilar as- pectos do relevo, por exemplo, e aprendeu a contagem do tempo pela noção de dia claro e da noite. Aos poucos e continuamente, foi desenvolvendo e aprimorando seus mapas com a concepção de sistemas de referência espaciais e temporais, cada vez mais abstratos. O grau de sofisticação des- ses instrumentos era suficiente para atender as necessidades de cada época do desenvolvimento de cada civilização e reflete a evolução científica e tecnológica da Humanidade ao longo do tempo.

Figura 1 – Registros de sistemas de referência baseados na observação do céu, presentes em diversas civilizações antigas, no oriente e no ocidente. Créditos: Google.

Crédito: Hipparcos satellite in the Large Solar Simulator, ESTEC, February 1988 / Wikipedia Astronomia para poetas. vol.3 48 Interessante notar que, nesse contexto, o uso do céu como sistema de referência foi uni- versal, aparecendo em todas as civilizações da História, independentemente do grau de comple- xidade delas (Figura 1). Com suas configurações de estrelas tão familiares quanto eternas, acessí- veis em qualquer lugar do globo, do polo norte ao polo sul, não era o céu um mapa perfeito? Um perfeito sistema de referência? Para onde quer que o Homem migrasse, principalmente nas longas distâncias, a atenção à localização das constelações no céu, ou mesmo de certas estrelas em parti- cular, sempre seria um guia seguro. No decorrer dos anos, a mesma atenção permitia ao Homem prever a chegada das estações, conferindo-lhe então um sistema de contagem de tempo cíclico de escala mais longa – os primórdios de nosso calendário. Mapas rudimentares, representativos de objetos celestes como a Lua, o Sol e os planetas, ilustram as primeiras tentativas de registrar a localização de astros no céu (Figura 1). Assim como os mapas geográficos do Homem moderno, as representações das estrelas pelas constelações um Figura 2 – Ilustração de carta celeste “Uranometria” de Bayer, 1603. dia representaram um elemento importante na História da Civilização (Figura 2). Por volta de 4 mil anos a.C., começaram a ser produzidas as primeiras tabelas com posi- ções de estrelas, de planetas, do Sol e da Lua, pelas civilizações da China, da Arábia e pelos gregos. É digna de nota a introdução do sistema sexagesimal (grau, minuto e segundo de arco) Elas eram grifadas em pedras ou material durável e representam um marco. Pela primeira vez, o pelos babilônios, seguido pelos gregos e até hoje empregado nos sistemas de medida angulares e de Homem explicitamente demonstra a importância na perpetuação e disseminação dos registros da tempo, em particular nos sistemas de coordenadas espaciais e de medida de tempo astronômicos. posição de astros no céu. Essas tabelas são os primórdios do que hoje chamamos de catálogos A contribuição de Hiparco de Nicea, por volta de 150 a.C., é também reconhecida. Ele astrométricos de posição. Abaixo, estão resumidas essas primeiras tentativas bem-sucedidas de restabeleceu elementos-padrão para facilitar a descrição da posição das estrelas no céu. Por exem- registro da posição de corpos celestes: plo, demonstrou a utilidade do uso de um elemento que fica relativamente fixo no céu, uma linha imaginária definida pela trajetória aparente do Sol e dos planetas. Também descobriu a Precessão dos Equinócios. Finalmente, Ptolomeu, em 150 d.C., publica o Almagesto, um compêndio que tem como maior valor a tentativa do ilustre pensador de sintetizar e sistematizar o conhecimento da época. A posição de cerca de 1.000 estrelas, as mais brilhantes do céu, já era conhecida com precisão Britânicos – 4000 a.C. (Stonehenge) da ordem do grau. Essa pouca precisão se devia ao uso de instrumentos muito rudimentares e à Assírios – 3000 a.C. pouca sistematização das observações, mas era suficiente para as demandas da época. Babilônios – 3000 a.C. (movimento da Lua e planetas, sistema sexagesimal) Algumas civilizações pré-colombianas das Américas produziram artefatos que serviam Egípcios – 3000 a.C. (posição de Polaris) como registro astronômico e como calendário. Na Europa, entre 400 e 1300 d.C., com o obscu- Chineses – 700 a.C. (cometas, meteoros e meteoritos) rantismo da Idade Média, após a queda do Império Romano e a ascensão do Cristianismo, as Gregos – 650 a.C. (Timocaris,Tales, Pitágoras, Aristóteles, Heráclides, Aristarco) atividades científicas decaem como um todo, havendo um longo período de estagnação, da qual a Hiparco – 150 a.C. (850 estrelas) Astronomia não escapou. Muito do conhecimento das civilizações gregas e romanas migrou para Ptolomeu – 150 d.C. (Almagesto: 1.030 estrelas) as civilizações orientais. As civilizações árabes e persas alcançam seu apogeu científico e tecnoló- Chineses – 185, 393, 1006, 1054, 1181, 1572, 1604 (supernovas) gico nessa época, desenvolvendo e aprimorando as técnicas de observação (círculos verticais) e Hindus – 700 (sistemas de coordenadas) registro (catálogos) da posição de estrelas e planetas. Maias – 750 (calendários) Curiosamente, este conhecimento retorna à Europa pelas mãos dos mouros, sendo es- Árabes – 1000 (efemérides de planetas) sencial ao “boom” tecnológico e científico da Renascença, após a queda de Constantinopla (hoje Astecas – 1300 (Vênus) Istambul, Turquia). Ironicamente, com o fechamento do comércio entre Ocidente e Oriente pela Persas – 1400 (Beg Ulugh, observações meridianas: Al Sufi, catálogo sul) tomada de Constantinopla pelos muçulmanos, o Oriente experimenta um declínio científico e tec- Firmicus – 1499 (Aldus Manutius) nológico em sua civilização, que perdura até hoje. Já a Europa retoma o crescimento, na busca de novas rotas (marítimas) de comércio. A partir dos anos 1300, com as primeiras sementes do Renascimento sendo plantadas na Europa e com os primeiros passos sendo dados em direção à Era das Grandes Navegações, a As- Astronomia para poetas. vol.3 50 51 Astronomia para poetas. vol.3 tronomia deu um grande salto no sentido de produzir tabelas de posições cada vez mais precisas Messier – 1779 (Carte Celeste) e instrumentos cada vez melhores. Isso era necessário para se navegar grandes distâncias até um Bode – 1801 (Uranographia) porto seguro, sem errar muito na sua localização. A partir daí, a demanda por posições de estrelas Wollaston – 1811 (A Portraiture of the Heavens) mais precisas nunca parou. Ela resultou não só no desenvolvimento de instrumentos cada vez Argenlander – 1843 (Neue Uranometria) mais robustos e mais precisos, como também acarretou em toda uma mudança nos padrões de sistemas de coordenadas, na sistemática das observações e, principalmente, demandou novas te- orias sobre a dinâmica dos corpos celestes. Abaixo, estão enumeradas as principais contribuições Hevelius teve o mérito de sintetizar o conhecimento da época e propor pela primeira vez desse período de mudanças profundas na Astronomia: o Sistema de Coordenadas Equatoriais, cuja concepção com características de inercialidade e de praticidade (uso em telescópios) perdurou por mais de 300 anos. Aqui, um marco importante, digno de nota, é a contribuição do astrônomo inglês Halley (o do cometa), o qual, pela primeira vez, concebeu uma lista de posições (no sistema equatorial de Hevelius), que muito se aproximou Tycho Braher – 1598 (criação do sextante) do que hoje tomamos como catálogo astrométrico, isto é, um catálogo de posições precisas de es- Bayer – 1603 (Uranometria) trelas, obtidas com técnicas observacionais e de tratamento de dados apurados. Também digno de Kepler – 1606 (De Stella Nova, Heliocentrismo, leis do movimento planetário) nota é sua preocupação em cobrir o céu austral, carente de observações sistemáticas, uma vez que a maior parte dos observatórios astronômicos localizava-se no hemisfério norte, principalmente na Europa e nos EUA. Com o também inglês Flamsteed, a determinação da posição dos astros começa a atingir Tycho Braher teve como mérito principal a idealização e confecção de novos e precisos patamares de precisão nunca antes imaginados. Sua contribuição foi conjugar o telescópio ao an- instrumentos de medida da posição de estrelas e planetas no céu. Dentre eles, temos, por exem- tigo círculo vertical, tornando as medidas angulares muito mais precisas e para objetos de brilho plo, o enorme Círculo Vertical de mais de 27m de diâmetro. As medidas da época eram precisas ao muito mais fraco. Esse instrumento concebido por Flamsteed, o chamado Círculo Meridiano, teve nível do minuto de arco. A forma sistemática de observar os astros, principalmente os cuidados em repetir emprego rotineiro até recentemente, no século XX. A precisão atingida é da ordem de 1” a 2” (um a as condições metrológicas e metodológicas, conferia ao astrônomo alemão que morava na Bélgica o título dois segundos de arco, um grande feito para a época). O astrônomo Messier também contribuiu, de melhor observador de sua geração. De fato, foram suas observações durante décadas dos planetas e ao catalogar a posição, o brilho e a forma de objetos difusos, as chamadas nebulosas de Messier, do Sol que permitiram a Kepler confirmar definitivamente a Teoria Heliocêntrica de Copérnico e ir um na verdade cometas, nebulosas planetárias e galáxias, dando margem ao aparecimento, mais tar- pouco além, postulando três leis de movimento planetário: as famosas Leis de Kepler. Essas leis forma- de, de toda uma nova Cosmologia. ram um importante anteparo para que Isaac Newton, em seu Principia (1670), formulasse, com a Nesse período, devido à importância da Astronomia para a navegação marítima e ago- sua Mecânica Newtoniana, a Lei da Gravitação Universal. ra também terrestre (definição precisa da hora nas diversas estações das malhas ferroviárias), Nos séculos seguintes, com os crescentes movimentos absolutistas, além da crescente e devido ao papel da Astronomia no mapeamento do território de uma nação, começaram a ser importância da navegação em si, agora com o mercantilismo, devemos também salientar a impor- montados na Europa, nos EUA e em outros lugares do mundo os primeiros observatórios astronô- tância da demarcação dos territórios das nações europeias, seja em solo europeu, seja nas colô- micos profissionais do mundo, a maioria ligada às forças armadas. Muitos deles existem até hoje. nias por todo o mundo. É nesse período que se consolida o sistema de coordenadas geográficas, É também no fim desse período que, definitivamente, começam a ser estabelecidas novas grandes longitude e latitude. E esse sistema de coordenadas tem relação direta com a medida da posição áreas de estudo na Astronomia. A Astronomia tradicional, de caráter estritamente utilitário, restrita das estrelas e do Sol. Assim, surgia outra motivação, agora de caráter náutico-militar, para que à descrição da posição aparente dos astros no céu, para fins geodésicos, náuticos e de cronologia fossem aprimorados, ainda mais, os sistemas de coordenadas empregados, a fim de descrever a do tempo, passa a ser denominada de Astronomia Fundamental, termo que empregamos até posição das estrelas no céu. Abaixo, estão algumas das principais obras e catálogos de posições hoje. Por outro lado, a Mecânica Celeste e uma nova área, a Cosmologia, surgem no cenário das de estrelas da Astronomia nesse novo período: ciências. É tempo de os grandes matemáticos da época começarem a dar importantíssimas con- tribuições e a aprofundar as consequências da Mecânica Newtoniana ao movimento dos corpos do sistema solar, tornando esse ramo da Astronomia, a Mecânica Celeste, realmente distinto. Finalmente, com o desenvolvimento dos telescópios e de novas técnicas de observação, como a Hevelius – 1690 (Firmamentum) Fotometria e a Espectroscopia, e com o desenvolvimento do Eletromagnetismo, nasce um novo Halley – 1712 (Southern Star Catalog) ramo da Astronomia, a Astrofísica Estelar, que logo ganha status e vida própria. Uma série de inda- Flamsteed – 1729 (Atlas Coelestis) gações a respeito da natureza, origem e localização de novos objetos de morfologia intrigante (as Lacalle – 1752 (Table des Ascensions Droites) nebulosas de Messier), também dá origem a um novo ramo da Astronomia: a Cosmologia. Mais Astronomia para poetas. vol.3 52 53 Astronomia para poetas. vol.3 tarde, já no início do século XX, essa nova Cosmologia finalmente amadurece, desdobrando-se nas outras atuais grandes áreas da Astronomia: Astrofísica Galáctica e Extragaláctica. Ressaltamos a importante ligação do nascimento e desenvolvimento dessas áreas da Astronomia ao desenvolvi- mento da Física ao longo do século XX, nas áreas do Eletromagnetismo, da Mecânica Quântica e da Relatividade. À vista desarmada, só conseguimos observar estrelas até magnitude 7, numa escala lo- garítmica de brilho. Mas, com o desenvolvimento instrumental vivido em fins do século XIX e início do século XX, principalmente com o advento da Fotografia, já era possível observar objetos bem mais fracos, até magnitude 13. Isso envolvia basicamente estrelas e alguns poucos objetos extragalácticos, além, é claro, dos planetas e alguns de seus satélites naturais. Por outro lado, o desenvolvimento das novas áreas da Astronomia, particularmente a da Astrofísica Estelar, deman- dava o conhecimento mais completo possível do maior número possível de estrelas. Isso incluía o conhecimento não só do brilho aparente, mas também da posição aparente no céu, distância e movimento próprio das estrelas. É em fins do século XIX e início do século XX que os astrônomos de todo o mundo começam a se organizar, fundando em dezembro de 2015, em plena Guerra Mundial, a conhecida União Astronômica Internacional (UAI, ou IAU, do inglês “International As- tronomical Union”). Nesse fórum, de caráter puramente científico, decisões são tomadas com vistas à organização de grandes projetos observacionais multinacionais. Os projetos observacionais da UAI, traçados no início do século XX, visando determi- nar as distâncias, posições aparentes e movimentos próprios para o maior número possível de objetos do céu, são um marco para a história da Astronomia Fundamental. Não só os clássicos Círculos Meridianos seriam utilizados, mas agora também seriam usados telescópios refratores especialmente desenvolvidos para a tarefa, os astrógrafos, capazes de oferecer campos fotográfi- cos da ordem do grau quadrado, com um mínimo de distorção óptica. A ideia era materializar um rígido sistema de referência com os Círculos Meridianos clássicos por um lado, e por outro esten- der esse sistema até o limite de magnitude do astrógrafo. O conjunto de técnicas observacionais, AGK1, 2, 3 – 1924 a 1963: 500.000 estrelas instrumentais e de redução desenvolvidas para esses projetos fez nascer dentro da Astronomia AGKR (1, 2..., 3) – 1923 a 1960: 15.000 estrelas Fundamental um novo ramo: a Astrometria. Yale – 1925/1971: 210.000 estrelas O resultado desses grandes projetos observacionais foram sintetizados na forma do que General Catalog (GC), Boss – 1936: 33.000 estrelas chamamos catálogos astrométricos de posição. Distintamente de outras formas de catálogos as- Hamburg Sternwarfe – 1958/1975: 265.000 estrelas tronômicos estelares ou de objetos de outra natureza, os catálogos astrométricos caracterizam-se Fundamental Katalogue (FK, 2, 3, 4..., 5) – 1923 a 1988: 1.535 + 3.117 estrelas pelo extremo cuidado na obtenção da posição de seus objetos (usualmente estrelas), isto é, ca- Smithonian Star (SAO) Catalog – 1966: 260.000 estrelas racterizam-se pelo emprego de Astrometria. Isso significa que as posições e movimentos próprios Catalog of Nearby Stars (Gliese) – 1969: 900 estrelas das estrelas listadas nesses catálogos é de excelente qualidade. Abaixo, estão listados os catálogos mais importantes produzidos nesses grandes projetos formulados pela UAI (nem todos são estri- tamente astrométricos): Enquanto os Catálogos BD e HD (refratores comuns) foram produzidos basicamente para se obterem, de forma padronizada, os brilhos aparentes (nas bandas do visível e do azul) das estre- las até o limite de magnitude 13, os catálogos CPD, Carte du Ciel, AGK1, Yale e Hamburg (todos com astrógrafos) serviam de base para a determinação astrométrica das posições e movimentos Bonner Durchmusterung (BD) – 1860: 325.037 estrelas próprios dessas estrelas, em todo o céu. Já os catálogos GC, e principalmente os da série FK e Cape Photographic Durchmusterung (CPD) – 1896: 450.000 estrelas AGKR (Círculo Meridiano), formavam a base, a materialização de um sistema fundamental de refe- Carte du Ciel – 1890/1910: 10.000.000 estrelas rência para ser estendido aos catálogos astrográficos. Em particular, o catálogo SAO, publicado em Henry Drapper (HD) – 1924: 225.300 estrelas 1966, foi muito empregado nas décadas passadas de 1960 a 1980 na Astronomia. É um catálogo Astronomia para poetas. vol.3 54 55 Astronomia para poetas. vol.3 astrométrico de 200 mil posições e movimentos próprios, resultante da compilação de outros catálogos de diferentes épocas e origens instrumentais. Essa técnica astrométrica de compilação de catálogos, pela primeira vez empregada na confecção de um catálogo astrométrico, é hoje em dia muito utilizada, principalmente para revitalizar catálogos antigos dentro de novos sistemas fundamentais de referência. Seu criador, um competente e visionário astrometrista alemão, talvez o maior do século XX, chamado Heinrich Karl Eichhorn (1927 - 1999), empregou para essa tarefa, no começo dos anos 1960, computadores PDP 8, um feito totalmente inédito à época. Para isso, ele teve que digitalizar todos os dados conhecidos dos catálogos de então – outro feito e tanto, e que inspirou a formação de bases de dados astronômicos anos mais tarde, com o advento da internet. À época, a digitalização de dados significava perfurar quilômetros de cartões, sem poder errar, e a capacidade de um PDP8 não chegava a 16KB de memória e 64KB de disco rígido, o qual pesava uns 20kg. Cabe ressaltar também a importante contribuição do Catálogo de Estrelas Próximas de Gliese, onde são listadas as distâncias calculadas astrometricamente para 900 estrelas. O fato de essas estrelas estarem próximas não é por acaso, pois a distância de uma estrela está relacionada a uma medida angular menor que 1’’, chamada paralaxe trigonométrica, e, em geral, só pode ser Figura 4 – O satélite espacial astrométrico HIPPARCOS (visto no laboratório, à direita, e no momento do lançamento obtida com telescópios de terra, para estrelas relativamente próximas a nós. É importante ressaltar em 1989 pelo foguete Ariane, à esquerda). que o conhecimento das distâncias das estrelas é absolutamente fundamental em Astrofísica Este- lar para o estabelecimento dos modelos de estrutura e evolução desses astros, que, por sua vez, ra Planetária do Telescópio Hubble. Mais tarde, já em fins dos anos 1980 e início dos anos 1990, alicerçam toda a Astrofísica Galáctica e Extragaláctica. esses algoritmos impessoais de medida e tratamento de dados seriam rapidamente incorporados, Em relação à época média dos catálogos astrométricos, a precisão atingida nas coorde- e até aprimorados, à rotina de redução astrométrica nos trabalhos de alto nível dos grupos mais nadas equatoriais é em geral de 0’’,05 a 0’’,10 para os catálogos fundamentais da série FK, como ativos da área no mundo. Não foi à toa que o advento rotineiro do detetor CCD nas observações, o FK4 e o FK5, baseados na observação com Círculos Meridianos, e de 0’’,3 a 1’’ para os demais a partir da década de 1990, encontrou a maior parte da comunidade astrométrica já adaptada ao (catálogos astrográficos). Embora mais precisos, os catálogos fundamentais FK compreendem seu uso (Figura 3). apenas um milhar de estrelas, ao passo que os astrográficos, embora menos precisos, são da or- Listamos abaixo os catálogos astrométricos de destaque usados em trabalhos de ponta dem de 100 vezes mais densos de estrelas. No que se refere à precisão dos movimentos próprios, durante a década de 1990: ela era de 0’’,002 por ano para os catálogos fundamentais, e de 0’’,005 a 0’’,010 por ano para os demais, se disponíveis. Os catálogos PPM e ACRS foram, durante a década de 1990, os principais catálogos as- Positions and Proper Motions (PPM) – 1991: 378.910 estrelas trométricos usados pela comunidade astronômica, superando o SAO, porque aliavam razoável Astrographical Catalogue Reference Stars (ACRS) – 1991: 380.000 estrelas precisão (0’’,30 a 0’’,45) e densidade estelar (250 mil estrelas em todo o céu). Por outro lado, a Carlsberg Meridian Catalogues (CAMC) – 1999: 262.080 estrelas ideia de catálogo astrométrico denso, com estrelas de magnitude maior que 13, só foi realmente Guide Star Catalogue (GSC 1.2) – 1990: 15.000.000 objetos realizada com a confecção do GSC (“Guide Star Catalogue”, em inglês). Esse catálogo, criado sob a supervisão de Heinrich K. Ei- chhorn no início dos anos 1980, foi concebido para servir de guia A década de 1990 foi uma década de ressurgimento para a Astronomia Fundamental e ao Telescópio Espacial Hubble, tendo precisão de 1’’, mais do que para a Astrometria. É inegável o esforço despendido pela comunidade da Astronomia Fundamen- suficiente para o seu fim. Para isso, todo o céu foi observado com tal nos grandes projetos da UAI, fornecendo importantes resultados na forma dos catálogos astro- Telescópios Schmidt. Os métodos de medida empregados eram métricos em si e principalmente em relação aos movimentos próprios. Os esforços das décadas revolucionários, com a medida das placas fotográficas feitas de de 1970 e de 1980 em produzir catálogos mais densos e precisos, na medida do possível, também maneira impessoal, com máquinas semiautomáticas chamadas são louváveis. Por outro lado, as demandas da Astrofísica por dados mais precisos de distância e microdensitômetros. O tratamento astrométrico inovador empre- velocidade para objetos cada vez mais fracos e distantes de nós tão logo passou a não ser mais su- gado às imagens digitalizadas serviu ao mesmo tempo de teste de prida de forma minimamente satisfatória pela Astronomia Fundamental. A situação se agravou ao conceito às próprias observações a serem realizadas com a Câma- longo do século XX. Nas décadas de 1960 e 1970, com a descoberta dos quasares e com o franco

Figura 3 – Imagem CCD de um campo estelar qualquer. As posições astrométricas modernas são feitas hoje em dia usando algoritmos automatizados e impessoais de medida. Astronomia para poetas. vol.3 56 57 Astronomia para poetas. vol.3 desenvolvimento das teorias de criação e evolução do Universo, a Astrofísica Extragaláctica atraía a CCD e de placas fotográficas antigas. É o caso do UCAC4 (do inglês ‘’USNO CCD Astrograph esmagadora maioria de novos estudantes, seja pelo interesse em si da área, seja pela possibilidade Catalog’’ USNO vem de ‘’United States Naval Observatory’’), que tem 400 milhões de estrelas de rápida produção científica, de maior impacto e conferindo mais status, com um investimento e vai até magnitude 16 com precisão de 20mas a 70mas, conforme o brilho da estrela, com erros relativamente pequeno de número de horas observadas no telescópio. Além disso, boa parte dos de movimento próprio entre 2mas/ano a 7mas/ano. O catálogo USNO B1, publicado em 2003, recursos destinados a novos desenvolvimentos instrumentais era dirigida à confecção de telescó- resultado do uso de microdensitômetro avançado na medida de antigas placas fotográficas obtidas pios de grande porte. Em contrapartida, um típico astrônomo da área de Astronomia Fundamental tinha com Telescópios Schmidt, tem 1 bilhão de estrelas até magnitude 22, com uma precisão média de uma rotina observacional quase diária, mas só produzia resultados ao fim de um ano de observações. 200mas. Ainda assim, em geral, ele não os publicava. Os resultados eram normalmente submetidos a centros de Em geral, os catálogos astrométricos listam as posições das estrelas no céu, a variação bancos de dados para o cálculo e aprimoramento dos movimentos da Terra e dos corpos do sistema solar dessas posições no tempo (movimentos próprios), a paralaxe (medida da distância), entre outros ou para a confecção de novas versões aprimoradas de catálogos estelares, de tempos em tempos. Algo dados, como magnitude e tipo espectral. A precisão desses valores também é fornecida. Algumas tinha que ser feito para reverter essa situação. vezes, apenas são fornecidas a posição e a precisão. Até bem poucas décadas atrás, antes da re- E assim, em 1966, foi proposta a chamada ESA (‘’European Space Agency’’, ou Agência Espacial volução da informática e dos computadores pessoais, o registro dos catálogos era feito de forma Europeia), um projeto arrojado de satélite espacial astrométrico, capaz de determinar paralaxes trigono- impressa. Depois, em forma de fitas magnéticas e, finalmente, na forma digital como hoje a conhe- métricas e movimentos próprios a uma precisão de 0’’,001, ou 1 milésimo de segundo de arco, ou ainda cemos, em arquivos de computador. A maioria desses catálogos é distribuída pelas universidades e 1mas (mas = 1 milissegundo de arco). observatórios dos centros de pesquisa de Astronomia Fundamental em todo o mundo, pela internet. Essa missão espacial de fato foi realizada entre 1989 e 1993 e teve a designação de HIPPARCOS Um exemplo é o site do SIMBAD, um banco de dados astronômicos mantido pela Universidade de (do inglês ‘’HIgh Precision PARalax COllecting Sattelite’’, ou Coletor de Alta Precisão de Paralaxes), um Strasburg, na França (catálogos astrométricos constituem apenas uma parte dos dados ali disponí- acrônimo em homenagem ao ilustre astrônomo grego Hiparco de Nicea. Dela resultaram 2 catálogos: o veis). Existem outros sites, como o CDS, Vizier etc. Muitas ferramentas de Observatórios Virtuais HIPPARCOS propriamente dito e o TYCHO-1. A precisão de posição, paralaxe e movimento próprio para (VO) acessam esses sites. Na verdade, qualquer um pode acessar esses dados pelo Google ou com as 100 mil estrelas do catálogo HIPPARCOS ficou em 1mas, e 25mas para 1 milhão de estrelas do outra ferramenta de busca. Hoje, dados de catálogos astrométricos e astronômicos em geral são de TYCHO-1. livre acesso a qualquer cidadão do planeta Terra, astrônomo ou não. Uma importante característica é que o catálogo HIPPARCOS é referido, de forma indireta, O impacto científico da missão espacial HIPPARCOS foi grande, e até hoje colhemos seus mas bastante confiável, a um conjunto de 610 longínquos e compactos quasares. Isso garante, frutos. Boa parte da contribuição do HIPPARCOS deu-se na área de Astrofísica Estelar, com a dis- para todos os efeitos práticos, que o HIPPARCOS represente, na região ótica do espectro eletro- ponibilidade de paralaxes trigonométricas de alta precisão para um número 100 vezes maior que magnético, um sistema de referência fixo, inercial. Esse conjunto de quasares representou, na ver- antes de estrelas, propiciando estatística e cobertura mais ampla de tipos espectrais. Antes, com dade, a mudança para o novo sistema fundamental de referência, o ICRS (do inglês ‘’International o catálogo de Gliese (1969), menos de 1.000 estrelas tinham paralaxe trigonométrica conhecida e, Celestial Reference System’’, ou Sistema Internacional de Referência Celeste), adotado pela UAI mesmo assim, com 50% de erro para quase a metade delas. desde 1998, em substituição ao antigo sistema fundamental representado pelas séries de catálo- Cabe ressaltar que, para objetos mais distantes, dentro de nossa galáxia ou mesmo em gos FK. A Figura 5 ilustra a distribuição no céu desses quasares. As posições que materializam outras, usamos outros métodos para determinar distâncias (paralaxe secular, estatística, fotomé- o ICRS vêm de medidas de interferometria com antenas-rádio dispostas em vários continentes, trica, etc), todos eles indiretos, isto é, em alguma medida, dependentes de hipóteses. Es- com precisões melhores que 1mas. Essas posições, obtidas na faixa-rádio do espectro, constituem ses métodos indiretos são calibrados, em última instância, pelas paralaxes trigonométricas, único um catálogo fundamental, chamado ICRF (do inglês ‘’International Celestial Reference Frame’’, método puramente geométrico, direto, que não se baseia em hipóteses. Uma paralaxe trigono- ou Rede Internacional de Referência Celeste). Em 2009, esse catálogo ganhou mais membros, métrica de 1” equivaleria a uma distância Sol-estrela de 1 parsec, ou 1 pc (1 pc = 3,26156 anos-luz). somando ao todo 3.414 quasares, e ficou conhecido como ICRF2. Com o HIPPARCOS, tornou-se possível conhecer com 10% de erro as distâncias de estrelas até O catálogo TYCHO-1 é, por sua vez, referido ao HIPPARCOS. A razão de sua menor pre- 100pc de distância do Sol. Isso trouxe um grande impacto no estudo da evolução estelar. Também cisão, em relação ao catálogo principal, vem do fato de que ele é, na verdade, um sub-produto da com ele, populou-se o diagrama HR, aglomerados estelares-chave tiveram suas distâncias recali- missão, oriundo do uso de detetores secundários dispostos no satélite apenas para sua orientação bradas, Cefeidas tiveram a relação massa x variação de brilho aperfeiçoadas, permitindo aprimorar espacial. A combinação desses catálogos com outros obtidos a partir de observações de solo resul- as escalas de distância intergalácticas e o paradoxo de estrelas mais velhas em que o Universo foi tou na confecção de outros importantes catálogos astrométricos da Era Contemporânea, ou Era resolvido. Enfim, um vasto número de descobertas e melhorias foi alcançado. HIPPARCOS da Astronomia Fundamental. Dentre eles, destacamos TYCHO-2, UCAC4, USNOB1 e Mas a missão HIPPARCOS ainda não foi o suficiente. Os erros em distância sobem até 2MASS. Esses novos catálogos são mais densos e mais precisos do que seus antecessores, o PPM, 100% já a 1000pc, ou 1Kpc. O Sol está distante 7 mil pc do centro da Via Láctea, ou 7Kpc. Ou seja, o ACRS e mesmo o GSC. Isso por causa do próprio uso dos catálogos HIPPARCOS ou das séries a rigor, só temos alguma informação direta da distância das estrelas até, no máximo, 1/7 da dis- TYCHO como sistemas de referência primários, mas principalmente devido ao uso dos detetores tância ao centro de nosso próprio lar, a Via Láctea. É essencial irmos muito além disso. Astronomia para poetas. vol.3 58 59 Astronomia para poetas. vol.3 levam à determinação de distâncias trigonométricas com erros de 10% a 10Kpc, e de velocida- des transversais com precisões de 1Km/s (1 quilômetro por segundo) a 20Kpc. Assim, ao passo em que com o HIPPARCOS apenas 0,1% do volume da Galáxia foi alcançado, o satélite GAIA irá sondar uma grande parte da Galáxia, com medidas diretas de cerca de 2% do total estimado de estrelas da Via Láctea (100 bilhões). Com muito menos estatística, nosso IBOPE acerta em cheio as pesquisas de boca de urna. Imagine então como nosso conhecimento das populações estelares Sistema Internacional de da Galáxia irá aumentar. De fato, até mesmo boa parte das estrelas do halo (centro) da Galáxia será Referência Celeste (ICRS) : observada. Mas o GAIA vai além: determinará movimentos próprios e distâncias trigonométricas Definido pela direção (posição) de diretamente de estrelas das Nuvens de Magalhães. E, pela primeira vez, medirá paralaxes trigonomé- objetos pontuais, sem movimento tricas de alguns quasares próximos. próprio (quasares!) Outra grande conquista da missão será a materialização de um sistema de referência alta- mente inercial, no ótico, muito mais preciso do que o ICRF. Com esse novo sistema de referência GAIA, poderemos estudar a dinâmica dos movimentos da Terra, planetas, Sol e do próprio sistema da Via Láctea. Tal referencial trará grandes benefícios, como, por exemplo, no estudo da matéria escura, cujos efeitos podem se refletir em pequenos desvios sistemáticos locais, somente detectáveis em um Figura 5 – O ICRS, sistema Referencial Celeste Internacional fundamental de referência (ICRF) - 1998 : da UAI, e seus represen- Figura 6 – Concepção artística do satélite espacial GAIA. Créditos: ESA. tantes, os 610 quasares do • Observaçðes VLBI ICRF. • 212 quasares compactos • 455 fontes candidatas

Mas, na verdade, já estamos indo além, com a missão espacial astrométrica da ESA, a GAIA (Global Astrometric Interferometer for Astrophysics). O satélite astrométrico foi lançado em 19 de dezembro de 2013. A missão tem previsão para durar 5 anos. Parte da equipe de astrônomos que participou da missão HIPPARCOS está envolvida no projeto. Em vários aspectos, o projeto é uma extensão natural da missão HIPPARCOS. A interferometria no ótico foi abandonada por um projeto menos ambicioso, mas o resultado final trará a mesma precisão astrométrica inicialmente prevista. O satélite tem dois telescópios de 1.7m de diâmetro, varrendo simultaneamente duas regiões distintas do céu, um conjunto de CCDs e filtros sensíveis em 12 bandas de cores diferentes e um espectrógrafo de baixa resolução a bordo. Operará em varredura global contínua. A meta é medir 1,5 bilhão de estrelas (até magnitude 21), com precisões de 10 a 100µas (microssegundos de arco; 1mas = 1000µas) para posições, paralaxes trigonométricas e movimentos próprios anu- ais, além de medir velocidades radiais até o limite de magnitude 17. Além das contribuições na determinação em si de distâncias estelares, movimentos e massas, a missão GAIA contribuirá com uma série de produtos, tais como informações sobre a métrica espacial (parâmetro PPN calculado a 0,0001%), sobre diâmetro angular de centenas de estrelas, vasta quantidade de dados de sistemas duplos e múltiplos, estrelas variáveis e detecção eficiente e sistemática de sistemas planetários. As precisões astrométricas previstas, no limite, Astronomia para poetas. vol.3 60 61 Astronomia para poetas. vol.3 Figura 7 – Horizonte de dis- Para concluir, a missão espacial GAIA parece fazer jus àquele texto de um famoso seriado tâncias para o projeto GAIA. de TV de ficção científica: “Espaço: a fronteira final. Estas são as viagens da nave estelar Enterprise. As precisões astrométricas Em sua missão de cinco anos... para explorar novos mundos... para pesquisar novas vidas... novas previstas levam à determi- nação de distâncias trigono- civilizações... audaciosamente indo onde nenhum homem, ou ninguém, jamais esteve”. métricas com erros de 10% a 10Kpc, e de velocidades transversais com precisões de 1Km/s a 20Kpc. O saté- lite GAIA irá sondar com medidas diretas uma grande parte da Galáxia, incluindo a maior parte do halo, e até mesmo as Nuvens de Maga- lhães. Créditos: ESA.

sistema inercial realmente preciso. A magnitude limite é suficiente para uma conexão direta das observações com o referencial rádio ICRF de quasares. A duração de cinco anos, prevista para a missão, além de permitir o aumento natural das precisões de posição, fornece uma base de tempo importante para os estudos da dinâmica de as- teroides, satélites naturais e de outros corpos do sistema solar, fortalece as soluções paramétricas de sistemas múltiplos e de estrelas variáveis e permite a detecção de planetas e de companheiras anãs marrons. Existe uma enorme gama de aplicações para os dados GAIA em multicanal (12 bandas de cor), multiépoca (cinco anos), e de 20µas e 20µas/ano de precisão, tais como em Física e Evolução Estelar (luminosidades estelares e idades, estrelas massivas, novas e variáveis tipo novas, nebulosas planetárias, Cefeidas e RR Lyrae, aglomerados abertos e globulares, estrelas pobres em metal e nucleossíntese primordial); Dinâmica de Sistemas Estelares (binárias visuais e astrométricas, sistemas binários interagentes, binárias tipo Be emissoras de raios X, dinâmica de aglomerados abertos e fechados); Estrutura Galáctica (dinâmica da Galáxia, sua formação, o bojo, o halo, matéria escura no disco e no halo, a massa da Galáxia); detecção de sistemas planetários e de anãs marrons, Astrofísica Extragaláctica e Relatividade Geral (escalas de distância e idade do Universo, movimentos próprios das Nuvens de Magalhães, galáxias e AGNs, quasares, desvio de luz pelo Sol e planetas, lentes gravitacionais e ondas gravitacionais). A Figura 7 (em inglês) mostra os horizontes de precisão astrométrica da missão GAIA, indicando as regiões associadas a vários objetos/temas de interesse. Astronomia para poetas. vol.3 62 63 Astronomia para poetas. vol.3 Planetas fora do Sistema Solar Adrián Rodríguez Colucci

ós habitamos um planeta chamado Terra. Muitas vezes a familiarização não nos faz pensar no conceito daquilo com que estamos acostumados. Afinal, o que é um planeta? Um planeta Né um corpo celeste que deve cumprir três condições: orbitar uma estrela (ou remanescente dela), possuir massa suficiente para ter atingido uma forma quase esférica devido à sua gravidade e governar dinamicamente a sua vizinhança orbital. No nosso sistema solar, apenas oito objetos satisfazem essas três características. Eles são ordenados a partir da distância até o Sol, Mercúrio, Vênus, Terra, Marte, Júpiter, Saturno, Urano e Netuno (Figura 1). Plutão, que não cumpre com a terceira característica, por haver objetos similares em órbitas próximas, foi rebaixado à categoria de planeta anão, após uma reunião da comunidade internacional de astrônomos, no ano de 2006, na cidade de Praga. Astronomia para poetas. vol.3 64 65 Astronomia para poetas. vol.3 Figura 1 - Representação do sistema solar, com seus oito planetas ordenados em distâncias até o Sol.

Pois bem. E um exoplaneta? A definição é muito simples. Um exoplaneta é um planeta que orbita uma estrela diferente do Sol. Por isso, às vezes, os exoplanetas são também chamados de planetas extrassolares. É claro que aqui cabe perguntar quantos exoplanetas foram descobertos até hoje e quais são as suas principais características em termos de propriedades físicas (massas, tamanhos etc.) e configurações orbitais. O primeiro exoplaneta orbitando uma estrela similar ao Sol, chamada 51 Pegasi e distante 51 anos-luz da Terra, foi descoberto no ano de 1995 por uma equipe de astrônomos suíços. O planeta ganhou o nome de 51 Pegasi b e possui quase a metade da massa de Júpiter. Mas a característica principal é que o período orbital, ou seja, o tempo em que o planeta leva para percorrer uma volta completa ao redor da estrela, é de 4,2 dias. É uma diferença gritante se comparada com o nosso Júpiter, que leva quase 12 anos para orbitar o Sol. Com o passar do tempo, vários outros planetas foram descobertos, a maioria similares ao primeiro em termos de massas e períodos orbitais. Pelo fato de estarem a maior parte do tempo muito próximos da estrela hospedeira, começaram a ser chamados de Júpiteres quentes (Figura 2). As descobertas significaram um marco na Astronomia moderna, a partir do momento em que várias teorias começaram a ser formuladas para tentar explicar questões acerca da formação e evolução desses novos mundos. Hoje, mais de vinte anos após a descoberta de 51 Pegasi b, há uma lista de mais de 3.000 exoplanetas confirmados, com uma contagem que cresce mês a mês. Além dos Júpiteres quentes, existe uma grande diversidade no que se refere a propriedades físicas e orbitais. Figura 2 - Ilustração artística de um Júpiter quente orbitando a sua estrela hospedeira. Temos, por exemplo, sistemas de um e vários planetas, órbitas de alta excentricidade (altamente elípticas) e com períodos orbitais muito curtos (menos de um dia), planetas em sistemas de várias emitida pela estrela estará deslocada para o lado azul do espectro e, quando for de afastamento, estrelas etc. A maioria dessas características contrasta com aquilo que é observado nos planetas o deslocamento será para o lado vermelho. Por esse método é possível inferir um limite superior do sistema solar, fazendo com que as teorias clássicas de formação de sistemas planetários sejam para a massa do planeta. A segunda técnica de detecção é chamada de método de trânsito (Figura revisitadas. 4) e consiste na determinação da queda no brilho da estrela devido à passagem de um planeta pela Uma questão básica que precisamos responder é como os exoplanetas são descobertos. frente. Seria algo como um pequeno eclipse, quando o planeta oculta parte do disco estelar. Apesar Quase todos os planetas fora do sistema solar são detectados por meio de métodos indiretos, ou de o tamanho do planeta ser muito menor do que o da estrela, essa diminuição de brilho pode ser seja, observando-se o efeito que o planeta ocasiona na estrela hospedeira. Isso não é tão simples medida com uma boa precisão. Pelo método de trânsito, é possível determinar o período orbital quanto apontar o telescópio (por maior que seja) e observar o planeta em questão. O primeiro e o raio do planeta, sendo o método responsável pela descoberta da maioria dos exoplanetas método, chamado de velocidade radial (Figura 3), consiste em observar o movimento da estrela conhecidos. Duas missões observacionais dedicadas à busca de exoplanetas por meio do método em torno do centro de massa do sistema devido à perturbação gravitacional ocasionada pelo de trânsito foram CoRoT e Kepler, ambos telescópios espaciais. A primeira, lançada em 2006 e planeta orbitante, isso é, a estrela não estará fixa no céu, mas terá um pequeno movimento capaz pertencente à Agência Espacial Europeia, descobriu cerca de 30 exoplanetas, com destaque para de ser detectado. Para um referencial na Terra, quando o movimento é de aproximação, a luz a descoberta da primeira super – Terra quente. Cabe destacar o fato de que o Brasil entrou como Astronomia para poetas. vol.3 66 67 Astronomia para poetas. vol.3 parceiro no projeto, permitindo assim o acesso de dados por parte de pesquisadores locais. A catastrófico, podendo perder camadas superficiais de gás ou até ser “engolido” pela estrela. Um missão foi desativada em 2009. A segunda, lançada em 2009 pela NASA e muito mais precisa que fato interessante é que as super – Terras observadas hoje podem ser remanescentes de Júpiteres o CoRoT, permitiu a detecção de quedas no brilho estelar ocasionadas por planetas de tamanhos quentes que perderam o seu envelope gasoso devido à aproximação da estrela central advinda do pequenos, similares à Terra ou até menores. Entre terrestres e gigantes, descobriu mais de 2.300 efeito de maré. planetas, além de uma lista de quase 5.000 candidatos que ainda precisam ser confirmados. Uma outra categoria de planetas muito importante desde o ponto de vista astrobiológico é a chamada super – Terra habitável. Aqui não podemos confundir a palavra “habitável” com a necessidade de que o planeta esteja habitado nem com a existência de vida nele (nem mesmo vida microbiana). Em geral, um planeta se diz habitável quando se encontra numa distância até a estrela em que as condições de temperatura no local são favoráveis à formação de água líquida na superfície. Para distâncias menores, a água estaria em forma de vapor, enquanto que, para distâncias maiores, estaria em forma de gelo (Figura 5). No sistema solar, apenas o planeta Terra está mesmo dentro da região de habitabilidade (que chamaremos RH daqui em diante), enquanto Vênus e Marte se encontram nas bordas interna e externa, respectivamente. Estrelas maiores que o Sol têm temperatura maior, motivo pelo qual a RH está um pouco mais distante do que no nosso sistema planetário, ao passo que estrelas menores que o Sol, portanto mais frias, possuem a RH menos distante (Figura 6).

Figura 5 - Zona habitável de um sistema planetário. A faixa verde é o local mais favorável para o surgimento de água líquida na superfície dos planetas que ali se encontram.

Figura 3 - Explicação do método de detecção da velocidade radial. Figura 4 - Explicação do método de trânsito planetário. A curva de luz é o gráfico que mede o brilho da estrela em função do tempo.

Não é difícil de entender que planetas grandes são mais facilmente descobertos, tanto Figura 6 - A faixa azul indica a região de habitabilidade pelo efeito gravitacional produzido na estrela quanto pela capacidade de ocultar uma porção do para diferentes tipos de estrelas, em que o sistema solar seu brilho. Porém, dentre a “fauna” de exoplanetas já descobertos, existe uma categoria chamada está mostrado com motivo de comparação. de super – Terras quentes. Trata-se de planetas de massas entre 1 e 10 massas terrestres e de curto período orbital. Como exemplo extremo, podemos citar o Kepler – 78b, um planeta de 1.7 a 1.9 massas terrestres e 1.12 vezes maior em diâmetro, descoberto em 2013 e distante 700 anos-luz da Terra. Ele orbita a estrela hospedeira em apenas 8.5 horas, o que significa dizer que o ano (que para nós aqui na Terra é de 365 dias) do Kepler – 78b corresponde a pouco mais da terceira parte do dia terrestre (24 horas). Em média, o planeta está 40 vezes mais próximo da estrela do que Mercúrio está do Sol. A temperatura da superfície está estimada em 2700 ºC, alta o suficiente para remover toda a atmosfera do planeta e deixar a superfície coberta por oceanos de lava. Esse tipo de planeta tão próximo da estrela central é fortemente influenciado pelo efeito de maré, que basicamente opera da mesma forma que no sistema Terra – Lua. Devido ao efeito de maré, o planeta migra em direção à estrela, diminuindo cada vez mais o seu período orbital. Isso significa que, caso não haja algum mecanismo capaz de frear essa migração, o planeta deverá ter um final Astronomia para poetas. vol.3 68 Astronomia para poetas. vol.3 Os esforços observacionais permitiram a descoberta de exoplanetas nas regiões de habitabilidade de vários sistemas planetários. Seguindo a cronologia das detecções, Kepler – 22b (Figura 7) foi o primeiro planeta conhecido a orbitar uma estrela semelhante ao Sol dentro da RH. Descoberto em 2011, está localizado cerca de 620 anos-luz da Terra e tem um período orbital de 290 dias. É 2,4 vezes maior do que o nosso planeta, enquanto a massa permanece desconhecida. Devido ao tamanho, dificilmente será um planeta similar à Terra em termos de composição interna e superfície. Em 2014 foi descoberto o Kepler – 186f (Figura 8), um planeta apenas 10% maior do que a Terra e com um período orbital de 130 dias. Ele orbita uma estrela anã vermelha localizada cerca de 500 anos-luz do sistema solar. Foi o primeiro exoplaneta de tamanho similar ao da Terra orbitando na RH do sistema, porém com uma estrela hospedeira muito menor e mais fria do que o Sol. Kepler – 186f está acompanhado por outros quatro planetas que completam o sistema planetário, todos eles de tamanho comparável ao da Terra e fora da RH. Kepler – 452b (Figura 9) foi anunciado no ano de 2015 como sendo a primeira super – Terra orbitando uma estrela muito semelhante ao Sol dentro da RH. O período orbital é de 385 dias e está localizado a 1.400 anos- luz de nós. Para ter uma noção dessa distância e supondo que viajássemos numa sonda espacial similar a , a mesma enviada para explorar a ragião de Plutão, numa velocidade de 59.000 km/h, demoraríamos cerca de 26 milhões de anos para chegarmos lá. O planeta é 60% maior do que a Terra e, devido à indeterminação de sua massa, não se sabe se é um planeta rochoso ou um pequeno planeta gasoso, mas com boa chance de ser rochoso por conta do seu Figura 8 - Sistema planetário Kepler – 186, composto por cinco exoplanetas. Um deles, o Kepler – 186f, está localizado pequeno tamanho. dentro da região de habitabilidade. O sistema solar é mostrado para fins de comparação. No painel do canto superior esquerdo mostra-se a relação de tamanhos entre o exoplaneta e a Terra. Figura 7 - Ilustração do Kepler – 22b, mostrando também a Terra para comparação de tamanhos.

Figura 9 - Ilustração (otimista) do Kepler – 452 b. Pela semelhança com o nosso planeta, tem sido chamado de Terra 2.0 Astronomia para poetas. vol.3 70 71 Astronomia para poetas. vol.3 A detecção de exoplanetas similares à Terra, orbitando estrelas semelhantes ao Sol nas regiões de habitabilidade, representa um passo fundamental para o entendimento das possíveis formas de vida fora do nosso sistema solar. Isso se deve ao fato de que, para entender o surgimento de vida em outros planetas (pelo menos vida baseada em água), é mais coerente tentar identificar ambientes similares aos encontrados no sistema solar, no que se refere às características físicas e orbitais dos planetas em questão. Ainda assim, é um primeiro passo, pois outros efeitos devem ser considerados dentro da análise. Se o planeta tiver uma órbita muito alongada, pode permanecer pouco tempo do seu período orbital dentro da região de habitabilidade, causando grandes diferenças de temperatura na sua superfície, podendo-se tornar um ambiente inóspito. A temperatura, que é uma propriedade essencial para a existência de habitabilidade, também é regulada pela presença da atmosfera do planeta por meio do efeito estufa. Como exemplo temos a atmosfera de Vênus, que é tão densa que o efeito estufa aquece demais a superfície do planeta, enquanto que na Terra as temperaturas são mais amenas, possibilitando que o planeta encontre condições favoráveis para a formação de água líquida na sua superfície e tornando-o, consequentemente, habitável. A área de busca das missões passadas e das que virão é muito menor se comparada com o tamanho da Via Láctea. Hoje, existe um consenso bastante grande entre a comunidade de astrônomos sobre a existência de bilhões de exoplanetas na nossa Galáxia embora ainda seja cedo para afirmarmos algo acerca da existência de água líquida ou de possíveis formas de vida em planetas fora do sistema solar. O fato é que estamos muito mais perto do que há pouco mais de vinte anos, quando apenas oito planetas eram conhecidos no Universo. Astronomia para poetas. vol.3 72 73 Astronomia para poetas. vol.3 Figura 1 - Representação artística de um planeta potencialmente habitável orbitando uma estrela mais fria e menos luminosa do que o Sol. Créditos: NASA.

O que é Astrobiologia? O que esse termo significa? Gustavo Frederico Porto de Mello

busca científica por vida no Universo, ou vida fora da Terra, ou vida extra-terrestre, possui historicamente milhares de anos, pelo me- Anos como uma questão filosófica. Entretanto, as ferramentas para de fato ensejar essa busca só se tornaram efetivamente disponíveis com o advento da Era Espacial, nos anos 50. Antes disso, observações telescópi- cas feitas da superfície da Terra permitiram a conclusão, dentro do conhe- cimento da época, de que alguns planetas vizinhos, notoriamente Vênus e Marte, pareciam possuir algumas das condições ambientais necessárias à manutenção da vida tal como a conhecemos. Mas tais especulações eram Astronomia para poetas. vol.3 74 75 Astronomia para poetas. vol.3 geralmente consideradas como estando fora do alcance da observação humana. Tudo isso mu- definir o fenômeno “vida”. Ou seja: não somos capazes de, a partir das leis fundamentais da Física dou com a possibilidade técnica de visitar outros planetas do sistema solar, fosse com missões (a gravitação, a mecânica newtoniana, a termodinâmica, o eletromagnetismo, a física quântica) ou tripuladas, fosse por meio de missões robóticas. Criou-se lentamente uma cultura acadêmica de da química (a conservação da matéria e da energia, a tabela periódica dos elementos químicos), que a busca de vida extraterrestre era não apenas uma questão científica válida, mas também que inferir, justificar, prever ou deduzir as manifestações de vida como as observamos aqui no planeta poderia ser solucionada com as ferramentas à disposição da Ciência, focadas na possibilidade de Terra. Essa preocupação atravessou todo o século XX, sendo considerada por muitos cientistas investigarmos outros mundos, alguns deles, inclusive, semelhantes à Terra sob alguns aspectos. como um problema fundamental da Biologia. Entretanto, essa falta de definição não impediu os Inicialmente essa disciplina foi chamada de exobiologia, em que o prefixo “exo” era introduzido biólogos de alcançarem um profundo e abrangente entendimento de como a vida funciona e se para designarmos o estudo da vida “estrangeira”, “externa” ou “alienígena”. Uma crítica importan- estrutura. Chegamos inclusive a uma compreensão da vida no nível molecular. Com a descoberta te a esse termo foi sendo feita à medida em que se tornava claro que a busca de vida fora da Terra do código genético e de como ele codifica a síntese de proteínas, desvendamos os mistérios do não poderia ser descontextualizada do nosso estudo do fenômeno “vida” na própria Terra. Afinal metabolismo, que em última análise representa a origem de toda a complexidade estrutural da de contas, não se trata do estudo de dois tipos de vida – um tipo aqui na Terra, outro fora dela –, vida. mas sim do estudo generalizado de um fenômeno que a maioria dos cientistas acredita que é ge- Por outro lado, embora a vida seja um fenômeno que obedece inteiramente às leis da neralizado no cosmos, e que, portanto, deve possuir causas e condições pelo menos semelhantes Física e da Química que conhecemos, ele não pode ser previsto por essas leis. Ou seja: não somos nos diversos locais do cosmos (deixando aqui margem para a possibilidade de existência de vida substancialmente distinta da que conhecemos aqui na Terra - veja abaixo). O termo “exobiologia” Figura 2 - Marte: o planeta cuja superfície mais se assemelha à terrestre em todo o sistema solar há séculos intriga os cientistas a respeito de sua capacidade de abrigar vida orgânica baseada em água líquida. Créditos: Space Teles- permaneceu ainda assim bastante popular na segunda metade do século XX, mas foi aos poucos cope Science Institute. sendo substituído pelos termos “bioastronomia” ou “astrobiologia”. Durante vários anos os dois termos foram usados na área acadêmica quase que com a mesma frequência, porém recentemen- te o termo “astrobiologia” tem recebido uma clara preferência dos estudiosos. A razão é que o tema central do assunto – a busca de vida fora da Terra – é, por sua natureza intrínseca, biológico, ao passo que as ferramentas do estudo do tema – a possibilidade de se investigar as condições ambientais em outros planetas – permanecem astronômicas e/ou astronáuticas. E assim perma- necerão por bastante tempo. Desse modo, o termo “astrobiologia” reflete melhor a realidade da busca por vida no Universo – seja em sua natureza teórica ou observacional – do que os termos “exobiologia” ou “bioastronomia”. Estamos usando ferramentas e métodos da física e da astrono- mia para investigar um problema biológico. O que é Vida? Somos capazes de definir nosso objeto de busca?

A resposta inicial a essa pergunta é um sonoro NÃO. Não sabemos definir vida e, moder- namente, nem temos certeza de que deveríamos de fato tentar fazê-lo. A vida é o fenômeno mais complexo do Universo conhecido. Pela riqueza des suas manifestações, pela incrível variedade de suas propriedades, pela profundidade de sua estrutura, pela dificuldade em sua compreensão e interpretação, nenhum outro tema oferece maior desafio ao conhecimento humano. As chamadas ciências exatas, como a Física e a Química, são as ciências mais próximas de um conhecimento fundamental da natureza - no sentido das relações causais imadiatas entre os fenômenos. Nessas ciências estamos acostumados a definir com exatidão os nossos objetos de estudo. A biologia não usufrui dessa comodidade. Não somos capazes de, baseados nas leis fundamentais da Física, Astronomia para poetas. vol.3 76 77 Astronomia para poetas. vol.3 netas? Não é fácil respondermos a essas perguntas. Um biólogo poderia afirmar que o desejo de definir com precisão seu objeto de estudo é uma postura científica da Física que não necessaria- mente deveria ser transportada para as demais ciências. As ciências exatas lidam com fenômenos bastante simples em comparação com, por exemplo, a complexidade dos organismos vivos ou das sociedades humanas. Nos laboratórios de Física, os fenômenos podem ser isolados, simplifica- dos, desmembrados, controlados com exatidão - o que não ocorre fora das ciências exatas. Seria a definição de um fenômeno um pré-requisito para sua compreensão? De fato, não necessaria- mente. É possível compreender o conceito de “definição” de mais de uma maneira. Por exemplo, embora não possamos deduzir a vida a partir de leis fundamentais, somos capazes de apresentar uma definição “operacional” da vida. Isso significa não especificar o que a vida “é”, mas como ela “funciona”. A diferença é importante. É possível, sob certas condições, descrever o funcionamento da vida de modo a permitir identificar se determinada manifestação físico-química (por exemplo, observada em Marte) pode ser considerada viva. Propriedades como metabolismo, reprodução, auto-organização, troca de matéria e energia com o meio ambiente – e outras – podem ser estu- dadas e descritas. Essas propriedades podem ser definidas individualmente de modo operacional (como funcionam?) e usadas para criarmos um “gabarito” de como a vida se manifesta. Esse foi o tipo de problema que teve que ser resolvido quando, em 1976, a NASA lançou para Marte as duas sondas Viking, cada uma com um pacote de experimentos biológicos destinado a buscar vida na superfície do planeta por meio de manifestações químicas de metabolismo. Essa é uma solução satisfatória? Pode ser, sob muitos contextos. O ponto principal dessa discussão é o seguinte: a vida não desafia, de nenhum modo, as leis naturais que conhecemos. Seu funcionamento, embora de uma complexidade extrema, está totalmente respaldado em nosso conhecimento de Física e Química. De fato, a sua manifestação, em toda a sua complexidade, pode ser reduzida aos processos físicos e químicos conhecidos de laboratório. Compreendemos Figura 3 - Nebulosa do Órion: no meio interestelar a química da vida é prontamente detectada. Moléculas orgânicas as partes, mas não o todo − haverá aqui um contrassenso? Na verdade, não. Uma compreensão e pré-orgânicas abundam no espaço e devem fazer parte da constituição de planetas na nossa própria e em outras final do “todo” só pode ser obtida com o total esgotamento das dúvidas, mistérios e lacunas galáxias. Créditos: European Southern Observatory. que cercam o conhecimento de um dado fenômeno. A Ciência está em constante progresso. Não atingimos a compreensão do “todo” nem mesmo na Física. Convivemos com muitos problemas capazes de deduzir a ocorrência da vida no Universo, mesmo com o conhecimento que temos em aberto. Não deveríamos imputar uma falha ao nosso conhecimento da vida, se estamos dis- das leis naturais. Muito menos somos capazes de prever, com qualquer nível de detalhe, como se postos a aceitar uma incompletude inevitável em nosso conhecimento da natureza. Não existem dará a evolução futura da vida, mesmo com o conhecimento de todo o passado dessa evolução, respostas finais em Ciência. Existem respostas vigentes. A vida, não podendo ser definida, pode e com nosso entendimento das estruturas e processos mais fundamentais da vida. A razão disso ser estudada, documentada, e descrita. Podemos reduzi-la ao escopo dos fenômenos conhecidos. é que a evolução da vida, assim como muitas de suas manifestações, possui fortes componentes E, curiosamente, em nossa definição “operacional” da vida, atribuímos a ela propriedades como de puro acaso. Assim, diversos detalhes da evolução são influenciados de uma maneira complexa auto-organização e reprodução - que são também encontradas em diversos sistemas químicos e imprevisível por um enorme número de fenômenos naturais conectados com a evolução do pla- bastante triviais, tais como certas redes cristalinas e alguns ciclos de reações autossustentadas. neta Terra e de seu ambiente no sistema solar. Essa situação de imprevisibilidade de resultados, Não estamos dispostos a considerar esses sistemas químicos como vivos. O seu grau apesar do conhecimento das causas iniciais, é comum em sistemas complexos – e a vida é o mais de complexidade é enormemente inferior ao dos sistemas vivos. Entretanto, o fato de que pro- complexo de todos os sistemas. priedades que são normalmente associadas aos sistemas vivos possam ser encontradas também Sem definição, sem dedução, sem previsão – seria o fenômeno “vida” incompreensível em sistemas inanimados nos sugere uma conexão entre o vivo e o não vivo. Parece provável que para a Ciência? Se não sabemos o que é vivo, como nos propomos a buscar vida em outros pla- haja uma evolução de complexidade, partindo do domínio do não vivo para o vivo. Essa transição Astronomia para poetas. vol.3 78 79 Astronomia para poetas. vol.3 de complexidade não desafia as leis de nosso conhecimento da Natureza. Esse fato permite uma interpretação (ou, de certa forma, uma definição) da vida como uma extrapolação, em direção à alta complexidade, de sistemas físico-químicos mais simples. A vida, desse modo, poderia ser con- siderada como um epifenômeno da Física e da Química. Tecnicamente, já foi proposto que a vida é apenas um epifenômeno: a soma de conjuntos seletivos de reações químicas, controladas por outras reações químicas, catalisadoras, guiadas replicativamente por moléculas-gabarito e conti- das por estruturas, também químicas, construídas por essas mesmas reações. Um epifenômeno é um fenômeno não deduzível da Física e da Química, não previsível por elas – mas perfeitamente explicável por elas, um efeito colateral delas. Um fenômeno que poderia ocorrer naturalmente em nosso Universo sempre que as condições fossem favoráveis. Qual é a importância da Astrobiologia? Quais as implicações da busca de vida no Universo? Ela possui impacto sobre o nosso cotidiano?

Como questão humanística ou filosófica, a indagação da existência de outros mundos habitados remonta à mais longínqua antiguidade. Há registros de que pensadores gregos, já no século VI a.C., como Demócrito e Leucipo, especularam sobre a existência de outros sistemas como o nosso. Não satisfeitos, postularam que tais sistemas possuiriam imensa diversidade – não sendo nem melhores nem piores que o nosso, mas tão somente diferentes. Essas ideias, muito avançadas para a época, caíram no esquecimento com o advento do universo geocêntrico aristotélico, e tais dogmas sobreviveram por boa parte da Antiguidade e por toda a Idade Média − quase 2 mil anos! No século XVI, porém, a hipótese de Copérnico, considerando a Terra apenas mais um planeta a girar ao redor do Sol, reabriu o caminho filosófico para indagações a respeito da pluralidade e habitabilidade dos mundos. Esse conceito, o da “pluralidade dos mundos”, tão em voga hoje em dia com as descobertas de cada vez mais numerosos planetas em estrelas de nossa Figura 4 - Europa, satélite de Júpiter: apesar de formalmente estar fora da chamada zona habitável do sistema solar, Galáxia, é frequentemente associado ao filósofo Giordano Bruno. Ele foi queimado vivo em praça é um corpo muito rico em água e potencialmente também na química necessária à vida. Talvez seja, depois da Terra, pública, em Roma, no ano de 1600, por se recusar a abjurar suas crenças de que o Universo era o objeto mais favorável à vida orgânica no sistema solar. Créditos: NASA. repleto de mundos habitados. Ao nos debruçarmos sobre a possibilidade de existência de outras formas de vida no Uni- verso, verificamos que certamente essa é uma das mais importantes perguntas que o ser humano fação de indagações filosóficas ou teóricas, mas sim de nosso dia a dia. O nosso conhecimento já formulou sobre o mundo que o cerca. Em sua origem, ela está conectada com as chamadas sobre a biologia terrestre é obviamente de imensa importância. Uma série de aplicações essenciais perguntas centrais da filosofia humana: quem somos? De onde viemos? Para onde vamos? Porque à nossa sobrevivência e ao nosso bem-estar se beneficia diretamente de nosso progresso no co- existimos? As questões sobre a nossa existência no planeta Terra muito naturalmente se articulam nhecimento biológico. A medicina, a agricultura, os processos industriais, a obtenção de energia, com a possibilidade de outras criaturas, semelhantes a nós ou não, estarem fazendo essas mes- todas essas atividades utilizam de modo cada vez mais intenso nosso conhecimento do funcio- mas perguntas em outros planetas de outros sistemas. namento da vida terrestre. É de se esperar que nosso estudo não apenas de possíveis formas de Poderia haver aplicações práticas do conhecimento sobre a existência de vida extraterrestre? vida extraterrestre, mas de como essas se adaptam ao seu meio ambiente, seja de considerável Ela seria capaz de influenciar o nosso cotidiano, facilitar a vida humana, tornando-a mais segura interesse prático para o ser humano e a vida terrestre. O ambiente terrestre é instável em longas e confortável? Haveria aplicações econômicas e/ou tecnológicas? Não estamos falando da satis- escalas de tempo. Seja através de processos totalmente naturais, como eras glaciais, vulcanismo Astronomia para poetas. vol.3 80 81 Astronomia para poetas. vol.3 e mudanças na órbita da Terra, seja através de catástrofes externas imprevisíveis, como impactos de meteoritos e explosões estelares, nosso meio ambiente é modificado de forma possivelmente catastrófica à nossa sobrevivência. Além disso, a ação direta do ser humano é capaz de exercer efeitos intensos e extremamente rápidos no meio ambiente – exploração desenfreada de recursos naturais, superpopulação, poluição da água e da atmosfera. Todos esses efeitos se somam aos efeitos naturais para produzir um meio ambiente mutável no qual a nossa existência, como espécie ou como civilização, pode ser severamente ameaçada. Nesse sentido, o estudo de vida em outros ambientes, do modo como ela se adaptou a esses ambientes e do modo como enfrentou seus desafios ambientais, pode ser de absoluta importância para o gerenciamente da Terra por parte do ser humano. Vivemos em um mundo globalizado, não apenas pelo fato de que todas as socieda- des estão interligadas e interdependentes, mas também porque a ação humana possui efeito de nível planetário. O ser humano reúne meios, em suas atividades, de modificar o meio ambiente ter- restre de modo impactante, destruindo algumas espécies e melhorando esse meio ambiente para outras. Não é possível prever de antemão os efeitos dessas atividades, exatamente por serem tão complexas e interligadas. De que forma o estudo da vida em outros ambientes pode nos auxiliar a enfrentar esses desafios, sejam eles naturais ou artificiais? O conhecimento do funcionamento de vida em outros ambientes sempre nos permitirá um elemento de comparação com o que co- nhecemos aqui na Terra. Esse conhecimento pode permitir intuições e visualizações que normal- mente não teríamos investigando apenas as condições terrestres. Aplicações em bioquímica e biotecnologia podem ser descobertas, bem como novos processos industriais; e, a longo prazo, o conhecimento das condições de sobrevivência da vida em outros planetas pode ser extremamente importante para o conhecimento da evolução da Terra. Essa é uma das razões pelas quais o estudo detalhado dos planetas Vênus e Marte possui interesse prático. Por serem planetas semelhantes à Terra, o conhecimento dos processos geológicos de sua evolução, como o vulcanismo, a tectônica de placas (ou sua ausência), e a evolução atmosférica, pode iluminar aspectos essenciais dessa evolução aqui na Terra, fornecendo as ferramentas de que necessitamos para garantir que o nosso planeta poderá manter a vida pelo mais longo período de tempo possível. E em um futuro distante, o conhecimento de outros mundos potencialmente habitáveis poderá ser a salvação da humani- dade, em uma época na qual tanto a evolução natural do Sol quanto a da própria Terra tornarão as condições aqui completamente incompatíveis com a vida – e sejamos simplesmente forçados a deixar para trás nosso planeta e partir em busca de novos horizontes. Astronomia para poetas. vol.3 82 83 Astronomia para poetas. vol.3 Meteoritos: mensageiros do espaço

Silvia Lorenz-Martins

A ideia de que pedras caíam na Terra vindas do céu já era aceita no início do século XIX.

nicialmente, acreditava-se que essas pedras eram formadas na atmosfera, daí o nome “meteo- rito”, derivado de “meteorologia”. No começo do século XX, os cientistas já tinham certeza de Ique meteoritos vinham do espaço, do nosso sistema solar. O estudo de meteoritos é de fundamental importância para entendermos a época de for- mação e estágios evolutivos finais da Nebulosa Solar, nuvem molecular da qual o Sol e o sistema solar foram formados. Eles conservaram evidências físicas e químicas que não foram preservadas nem na Terra nem em outros planetas. Os planetas passaram por processos de aquecimento, derretimento, diferenciação, erosão e metamorfismo durante o processo de formação do sistema solar, destruindo qualquer traço sobre os estágios iniciais, bem como a evolução do sistema. No entanto, os meteoritos guardaram toda essa informação.

O sistema solar

Para entender os meteoritos, temos que saber de onde eles vêm. Além dos oito planetas e seus satélites, e dos planetas anões, o sistema solar contém algumas regiões povoadas pelos chamados “pequenos corpos” (ou corpos menores). São asteroides e cometas os quais seguem órbitas independentes em torno do Sol. Esses pequenos corpos estão localizados no cinturão prin- Astronomia para poetas. vol.3 84 85 Astronomia para poetas. vol.3 cipal de asteroides, no Cinturão de Kuiper e na Nuvem grãos de poeira. Em algumas regiões do disco, os aglomerados de poeira foram submetidos a altas de Oort. Além disso, o sistema solar contém também temperaturas, dando origem a esferas vítreas de metal e silicatos (olivinas e piroxênios). Esses são pequenas partículas chamadas partículas de poeira in- chamados de côndrulos e estão inseridos em alguns tipos de meteoritos. Seus tamanhos variam entre terplanetárias (em inglês, IDP - Interplanetary Dust Par- 0.5 a 5 milímetros e são o resultado da fusão e alto resfriamento de grãos de poeira que se encontravam ticles). Os asteroides são corpos sobreviventes da épo- ca de formação do sistema solar, compostos de rochas e/ou metais, remanescentes da população de planete- simais formados da nebulosa solar inicial, da qual os planetas evoluíram. Asteroides são a principal fonte de meteoritos, os quais são amostras relativamente inalte- radas de matéria do período mais inicial da formação do sistema solar. Assim, a composição de asteroides e me- teoritos fornece um inventário das condições presentes e dos processos ativos no início do sistema solar inter- Figura 1 - Interpretação artística da localização no. O cinturão de asteroides localiza-se entre as órbitas do cinturão de asteroides no sistema solar. Figura 2 - Os côndrulos são milimétricos. 2a - secção do meteorito Semarkona, que caiu na India, região de Madhya de Marte e Júpiter e concentra milhares de asteroides Pradesh. com diâmetros menores de 1.000km. Na Figura 1, pode- Figura 2b - côndrulo com 1 milimetro de diâmetro. A região em preto entre os cristais é vidro que foi fundido. (crédi- mos ver uma representação do cinturão de asteroides. to: MIT Paleomagnetism Laboratory) Os cometas também guardam informações das partes mais externas sobre a formação na nebulosa solar. Sua estrutura indica que foram formados a altas temperaturas, mas expostos a um do sistema solar. No entanto, diferente dos asteroides, são compostos de gelos voláteis que subli- rápido resfriamento em poucos minutos. A Figura 2 mostra essas estruturas (os côndrulos) encontra- mam formando coma e caudas cometárias. Situam-se nas partes mais externas do sistema solar, das em meteoritos chamados condritos. no Cinturão de Kuiper e na Nuvem de Oort. São responsáveis principalmente pela produção de Existem basicamente três tipos de meteoritos: rochosos (aerólitos), metálicos (sideritos) micrometeoritos. Nesse volume da revista, há um capítulo dedicado aos cometas (“A Beleza dos e mistos (siderolitos). Os rochosos, denominados condritos, têm composições similares às das Cometas”) e, portanto, não falaremos muito deles por aqui. crostas e mantos dos planetas terrestres e representam cerca de 87% do total de meteoritos en- contrados. Eles podem ser divididos em condritos carbonáceos, os quais apresentam uma com- Origem dos meteoritos posição muito parecida com a do Sol, exceto pelos voláteis, e condritos ordinários. Na Figura 3, podemos ver um exemplo desse meteorito. Os meteoritos metálicos (Figura 4) representam cerca de 5.7% dos meteoritos encontrados, enquanto que os mistos (ferro-rochosos) representam ape- Os meteoritos são originados principalmente de asteroides, mas também existem meteoritos Figura 3 - que vieram da Lua e de Marte. Falaremos sobre estes últimos mais adiante. Em meio a tantos termos, Meteorito aqui estão algumas definições: meteoroides são objetos sólidos que se movem no espaço interplane- rochoso, ou tário, menores que asteroides, porém maiores que uma molécula; já meteoro é o fenômeno luminoso condrito resultante da entrada de um meteoroide na atmosfera terrestre (popularmente conhecido como “estre- ordinário, la cadente”); meteorito, por sua vez, é o meteoroide que atinge a superfície terrestre sem ser completa- encontrado em mente destruído. janeiro de 2015 na cidade de Os meteoritos mais velhos são remanescentes dos primeiros processos geológicos que ocor- Poran-gaba, SP. reram no início da formação do sistema solar, há cerca de 4,6 bilhões de anos. O sistema solar se formou da contração de uma nuvem interestelar de poeira e gás. Conforme a nuvem girava sobre si mesma, houve a formação de um disco, em rotação, que tem o nome de disco protoplanetário (ou disco proto-estelar). A maior parte da matéria da nebulosa pré-solar se concentrou no centro do disco, dando origem ao Sol. O restante da matéria primitiva deu origem aos planetesimais, aglomerados de Astronomia para poetas. vol.3 86 87 Astronomia para poetas. vol.3 nas 1.5% do total (Figura 5). Os acondritos são meteoritos que não contém côndrulos e represen- tam 7.1% do total encontrado. A composição dessa última classe de objetos é similar aos basaltos Meteoritos lunares e marcianos terrestres e são originados da Lua e de Marte. Com exceção dos acondritos, diferentes classes de meteoritos são originárias de asteroides. Embora os cometas também sejam fontes de matéria pri- Até o início dos anos 1980, a maioria dos cientistas pensava que os meteoritos viriam mordial, poucos meteoritos são originados de cometas. O melhor lugar para se observar e coletar do cinturão de asteroides. O ALH 81005 foi a primeira exceção. Esse meteorito foi encontrado meteoritos é a Antártica, por ser um ambiente favorável à conservação e por ser branco. na Antártica nas montanhas Allan Hills e é praticamente idêntico às rochas lunares trazidas por astronautas. Estudos detalhados confirmaram que ele veio da Lua. Sua composição mineral é rica em silicato-Ca, tal qual a Lua (Figura 6).

Figura 4 - Meteorito metálico Nova Petrópolis, encontrado em 6 de maio de 1967, quando uma estrada estava sendo aberta por uma retroescavadeira, no município de Nova Petrópolis, RS.

Figura 5 - Meteorito misto Quijingue, encontrado em 1984 na cidade de Qui- jingue, Bahia, quando um fazendeiro abria buracos para plantar árvores.

Figura 6 - ALH 81005, meteorito lunar. Astronomia para poetas. vol.3 88 89 Astronomia para poetas. vol.3 Outro meteorito que foi muito estudado é o ALH 84001 (Figura 7), também encontrado Figura 8 - Maior meteorito brasileiro, o Bedengó, exposto no Museu Nacional, Rio de Janeiro. na Antártica em 1984. Originário de Marte, foi retirado de lá há cerca de 16 milhões de anos. Figura 9 - Mapa com a distribuição dos meteoritos encontrados no Brasil. Suspeita-se que o impacto de um asteroide na superfície de Marte foi capaz de retirar e arremes- https://www.google.com/maps/d/u/0/viewer?mid=zNIN8p0He3ns.kR-VyqFfusfc&hl=en_US sar um peda-ço de rocha a uma velocidade superior a 5 km/s em direção ao espaço. Essa é a velocidade necessária para que um corpo escape da gravidade de Marte. Em 1996, David Mckay, Quedas importantes cientista do centro espacial Lyndon Johnson, anunciou a descoberta de fortes evidências de vida no meteorito ALH 84001. McKay e colaboradores mostraram que grãos de magnetita encontrados A mais recente e impressionante queda foi em 2013, na Rússia. Estima-se que o mete- em AHL 84001 são similares àqueles produzidos por bactérias na Terra. Eles sugeriram que tais orito Chelyabinsk tinha massa equivalente a 10.000 toneladas e cerca de 17 metros de diâmetro grãos foram então produzidos por bactérias marcianas. Embora essa conclusão seja plausível, não quando entrou na atmosfera terrestre, causando uma explosão equivalente a 500 quilotoneladas significa que seja a única. Por enquanto, é a que melhor explica a origem da magnetita. de TNT (Figura 10). Ao despedaçar-se sobre a cidade Chelyabinsk, a maior parte do objeto caiu no Figura 7 - ALH 84001, lago Chebarkul. Esse meteorito é o maior corpo a atingir a Terra desde o evento de Tunguska, em meteorito marciano. 1908. Através da reconstrução de sua órbita, pode-se concluir com segurança que ele pertencia ao grupo de asteroides chamado Apolo, grupo bem próximo da Terra e constantemente monitorado, os NEOs (Near-Earth Object Program - http://neo.jpl.nasa.gov/). Desse grupo, o asteroide 99942 Apophis apresenta uma possibilidade bastante alta de cair na Terra em 2036.

Meteoritos brasileiros

O maior meteorito brasileiro é o Bendegó, um meteorito do tipo ferroso. Encontrado no sertão da Bahia pelo garoto Bernardino da Moita Botelho, em 1784, em Bendegó, tem 2,20m x 1,45m x 58cm e pesa 5.3 toneladas. Em 1886, Dom Pedro II tomou ciência da existência do mete- orito e decidiu removê-lo da caatinga. O transporte da pedra tornou-se uma das mais complexas empreitadas e ela levou 126 dias até ser embarcada para Salvador, chegando lá em 22 de maio de 1888. Depois de cinco dias em exposição, seguiu para o Rio de Janeiro e foi entregue ao arsenal da Marinha pela princesa Isabel. Atualmente, encontra-se em exposição no Museu Nacional da UFRJ. Na Figura 8, podemos ver esse meteorito e, na Figura 9, apresentamos a localização dos meteori- Figura 10 - Meteorito Chelyabinsk caindo na Rússia, em fevereiro de 2013. tos brasileiros. Outra informação valiosa que podemos retirar do estudo de meteoritos e de IDPs, além do conhecimento da formação e evolução do nosso sistema solar, vem do estudo de grãos chamados pré-solares presentes nesses objetos. Grãos pré-solares são pequenas partículas sólidas que so- breviveram à formação do sistema solar. Tais partículas são importantíssimas, pois trazem infor- mações valiosas sobre nucleossíntese (produção de elementos químicos nos interiores estelares) e evolução estelar, evolução química da Galáxia, química interestelar, nucleação de grãos. Os grãos pré-solares foram formados nos ventos de estrelas em seus estágios evolutivos finais e lançados ao meio interestelar, onde se agrupam em nuvens que darão origem a novas estrelas e planetas, Astronomia para poetas. vol.3 90 91 Astronomia para poetas. vol.3 como a nebulosa solar (para maiores detalhes, consulte o volume 1 da revista Astronomia para Po- etas, capítulo “Poeira de Estrelas”, página 32). O estudo desses grãos ocorre em laboratório, onde Autores são medidas razões isotópicas de alguns elementos químicos “chaves” para o estudo de evolução estelar. Desse modo, podemos traçar quais estrelas produziram os grãos que contribuíram para Adrián Rodríguez Colucci a formação da nebulosa solar. Em outras palavras, por meio do estudo de meteoritos, podemos Professor-adjunto do Observatório do Valongo da UFRJ descobrir nossas mais profundas e distantes origens. Doutor em Astronomia pela Universidade de São Paulo (IAG-USP) [email protected]

Alexandre Lyra de Oliveira Professor Adjunto do Observatório do Valongo da UFRJ Doutor em Física pelo Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF) [email protected]

Carlos Roberto Rabaça Professor-adjunto do Observatório do Valongo da UFRJ Ph.D. em Astrofísica pela The University of Alabama, EUA [email protected]

Daniel R. C. Mello Astrônomo do Observatório do Valongo da UFRJ Doutor em Astronomia pelo Observatório Nacional [email protected]

Diana Paula de Pinho Andrade Professora adjunta do Observatório do Valongo da UFRJ Doutora em Química pela Universidade Federal do Rio de Janeiro [email protected].

Gustavo Frederico Porto de Mello Professor Associado do Observatório do Valongo da UFRJ Doutor em Astrofísica pelo Observatório Nacional (ON/MCT) [email protected]

Marcelo Assafin Professor Associado IV do Observatório do Valongo da UFRJ, Doutor em Astronomia pelo Observatório Nacional [email protected]

Silvia Lorenz Martins Professora associada do Observatório do Valongo da UFRJ Doutora em Ciências Físicas pela Université Nice Sophia Antipolis, França [email protected]

Thiago Signorini Gonçalves Professor-adjunto do Observatório do Valongo da UFRJ Doutor em Astrofísica pelo California Institute of Technology [email protected] Astronomia para poetas. vol.3 92 93 Astronomia para poetas. vol.3 Esta publicação foi produzida pela Coordenadoria de Comunicação da UFRJ (CoordCOM), do Gabinete do Reitor da Universidade Federal do Rio de Janeiro, em março de 2018. Universidade Federal do Rio de Janeiro

Roberto Leher Reitor Denise Fernandes Lopez Nascimento Vice-reitora Heliane Rocha Chefe de Gabinete Eduardo Gonçalves Serra Pró-reitor de Graduação Leila Rodrigues da Silva Pró-reitora de Pós-Graduação e Pesquisa Roberto Antônio Gambine Moreira Pró-reitor de Planejamento e Desenvolvimento Agnaldo Fernandes Silva Pró-reitor de Pessoal Maria Mello de Malta Pró-reitora de Extensão Andre Esteves da Silva Pró-reitor de Gestão e Governança Luiz Felipe Cavalcanti Pró-reitor de Políticas Estudantis

Coordenadoria de Comunicação

Observatório do Valongo