Ciência e Natura ISSN: 0100-8307 [email protected] Universidade Federal de Santa Maria Brasil

Alves, Flamarion Dutra; Pires Silveira, Vicente Celestino Os impactos da territorialização dos assentamentos rurais em Candiota, RS Ciência e Natura, vol. 30, núm. 1, 2008, pp. 149-172 Universidade Federal de Santa Maria Santa Maria, Brasil

Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=467546318010

Como citar este artigo Número completo Sistema de Informação Científica Mais artigos Rede de Revistas Científicas da América Latina, Caribe , Espanha e Portugal Home da revista no Redalyc Projeto acadêmico sem fins lucrativos desenvolvido no âmbito da iniciativa Acesso Aberto Os impactos da territorialização dos assentamentos rurais em Candiota, RS *

Flamarion Dutra Alves 1, Vicente Celestino Pires Silveira 2

1UNESP  Av. 30-A, 614, casa 08. Vila Alemã, Rio Claro  SP 13506.680 e-mail: [email protected] 2Departamento de Educação Agrícola e Extensão Rural Centro de Ciências Rurais/UFSM - Santa Maria, RS e-mail: [email protected]

Resumo Este artigo tem como objetivo analisar os impactos da territorialização dos assentamentos rurais no município de Candiota, loca- lizado na região sul do . A discussão inicial parte do processo de ocupação territorial do Rio Grande do Sul, na qual se inicia as diferenças regionais, de um lado a grande propriedade na região sul do es- tado e de outro a pequena propriedade na parte norte-nordeste do estado. O processo de modernização na agricultura, a partir de 1960, agravou as desigualdades socioeconômicas causando o aumento do êxodo rural, con- centração de terras e renda. Esse processo levou ao surgimento de movi- mentos sociais no campo, que reivindicavam a distribuição de terras e a desconcentração fundiária. No fim da década de 1980, começa a se implementar assentamentos rurais em Candiota ocasionando uma diminuição na concen- tração fundiária e aumentando o dinamismo socioeconômico no espaço rural do município. Em 2006, Candiota conta com vinte e cinco assentamentos com 693 famílias que alteraram e geram uma nova dinâmica no município. Palavras-chaves: Questão Agrária, Assentamentos Rurais, Candiota, Territorialização.

Summary This paper analyzes the impacts of rural settlements territorialization in the Candiota County, located in the south region of the Rio Grande do Sul. The topic starts from the territorial occupation of Rio Grande do Sul state that begins with regional differences, one side the

*Dissertação defendida no Programa de Pós-Gradauação em Extensão Rural - Centro de Ciências Rurais da UFSM, 2006.

Ciência e Natura, UFSM, 30 (1): 149 - 172, 2008 149 great property in the south region and another one, the small property in north-northeast region of the state. The modernization process in agriculture, from 1960, amplifies the social-economical difference causing the increase of the rural exodus, land and income concentration. Consequently, begins social movements in the rural areas, which demanded land distribution and agrarian structure modification. In the end of the decade of 1980, it establishes rural settlements in Candiota causing a reduction in the agrarian concentration and increasing the social-economical dynamism in the rural area of the County. In 2006, Candiota has twenty and five rural settlements with 693 families. They had modified and generate a new dynamics in the County. Key-Words: Agrarian questions, Rural settlements, Candiota, Territorialization.

Introdução A ocupação populacional realizada, em um espaço, trás mudanças de diversas ordens: social, econômica, cultural entre outras. Esse processo de transformação do espaço é conseqüência de diversos motivos, que nem sempre são analisados sistematicamente, o resgate histórico vem contri- buir para a verificação da origem das transformações. O processo de colonização e ocupação realizado no estado do Rio Grande do Sul não foi homogêneo no que se refere às etnias, estrutura fundiária e atividades agropecuárias. Porém, o caráter concentrador na Mesorregião Sul permaneceu intacto, com suas grandes propriedades e va- zios demográficos, barrando a possibilidade de desenvolvimento econômi- co e social para a maioria da população dessa região. A modernização na agricultura brasileira ocorrida a partir da dé- cada de 1960, trouxe uma gama de mudanças para o campo e no Rio Gran- de do Sul não foi diferente, havendo uma expansão das atividades agrícolas de commodities, principalmente soja e trigo no planalto gaúcho, situado na Mesorregião Norte do Estado que favoreceu a expansão da grande propri- edade mecanizada ocupando cada vez mais o espaço que pertencia à peque- na propriedade. A exclusão dos pequenos agricultores no planalto gaúcho a partir da década de 1960 agravou o êxodo rural e o conseqüente inchaço urbano em alguns municípios. A exclusão rural criou ainda uma demanda por terra, ou seja, a luta pela reforma agrária ficou cada vez mais acentuada com o surgimento de movimentos sociais do campo, por exemplo, o Movi- mento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST). Assim, as transformações no campo devido à modernização da agri- cultura, pressão pela reforma agrária e a diminuição da concentração fundiária no campo brasileiro entraram com força no debate da questão agrária surgindo

150 Ciência e Natura, UFSM, 30(1): 149 - 172, 2008 à importância de estudos com relação à reforma agrária e os resultados obti- dos, após a instalação dos assentamentos rurais. Quais os impactos sociais, econômicos, culturais entre outros nos territórios conquistados? A pesquisa teve como local de análise o município de Candiota, no Rio Grande do Sul, no qual apresenta um total de vinte e cinco assenta- mentos rurais, onde a estrutura fundiária municipal se caracterizou histori- camente pela grande propriedade, e hoje, contrasta com um elevado núme- ro de pequenas propriedades. Nesse sentido, surge a importância da análise no município de Candiota para proporcionar reflexões acerca da reforma agrária e da agricultura familiar.

Material e métodos Ao pesquisar realidades cada vez mais dinâmicas e complexas se faz necessário aplicar instrumentos de análise que permitam abordar uma variedade de aspectos e informações. Buscou-se uma metodologia a qual permitiu uma observação do todo e dos elementos que o compõem e as inter-relações entre esses elementos. Sendo assim, através da metodologia sistêmica ou enfoque sistêmico de Bertalanffy (1975) e de Morin (1977) atingiu-se os objetivos propostos anteriormente. Inicialmente, considera-se uma breve explicação sobre a metodologia sistêmica, sua importância e aplicações em ciências humanas, e em seguida os procedimentos metodológicos utilizados na pesquisa reali- zada no município de Candiota-RS, com relação aos impactos dos assenta- mentos rurais analisados de modo sistêmico.

A metodologia sistêmica nas ciências humanas A investigação priorizou uma análise ampla da realidade, com di- versos aspectos. A ciência precisa de um enfoque sistêmico para diagnosti- car a realidade humana, pois como disse Bertalanffy (1975) sobre as duas grandes mudanças ocorridas na sociedade contemporânea e que por essas mudanças surge a necessidade desse enfoque. A teoria de Bertalanffy (1975) se baseia em um método de análise sistêmico, integrando as partes, ou seja: (...) A tendência ao estudar os sistemas como uma entidade e não como um aglomerado de partes está de acordo com a tendência da ciência contemporânea que não isola mais os fenômenos em contextos estreitamente confinados, mas abre-se ao exame das interações e investiga setores da natureza cada vez maiores (ACKOFF 2, 1959 apud BERTALANFFY, 1975, p.25).

2ACKOFF, R .F. Games, Decisions and Organization . General Systems, 145- 150, 1959.

Ciência e Natura, UFSM, 30 (1): 149 - 172, 2008 151 A partir dessas mudanças no enfoque do método de investigação, esta pesquisa norteia-se pela metodologia sistêmica que busca a análise de diversas categorias em forma integrada (Figura 1). Cada elemento apresen- ta vários sub-sistemas, e esses devem ser analisados entre si em simultanei- dade, suas interferências mútuas e suas ligações. A ação de um sub-sistema pode provocar uma reação em outro sub-sistema, direta ou indiretamente que por sua vez recebe influência de outro sub-sistema de seus elementos ou de outro elemento.

Figura 1 . Abordagem sistêmica ou enfoque sistêmico de análise. Fonte: ALVES (2006).

Ao analisar o objeto de estudo deve-se discuti-lo a partir do todo, para isso é fundamental verificar as interações existentes entre os elemen- tos, conforme Morin (1977, p. 101) A idéia de inter-relação remete para os tipos e as formas de ligação entre elementos ou indivíduos, entre estes elementos / indivíduos e o todo. Assim, o sistema é uma unidade global organizada de inter-relações entre elementos, ações ou indivíduos (Morin, 1977, p.100). Assim, o enfoque sistêmico baseia-se na análise do processo de organização de cada elemento e nas inter-relações entre eles, ou seja, a idéia do todo passa pelas riquezas das interconexões, das interfaces entre

152 Ciência e Natura, UFSM, 30(1): 149 - 172, 2008 os elementos, e não do número de elementos, não sendo um mero agrega- do, amontoado ou soma de partes. Por esses motivos vistos, a utilização da metodologia sistêmica é peça-chave para o conhecimento da realidade de uma sociedade, pois os conhecimentos globais e históricos são importantes para a análise local de um município, como no caso de Candiota (Figura 2).

Unidades de análise sistêmica no objeto de estudo

Figura 2 . Unidades de análise sistêmica no objeto de estudo. Fonte: ALVES (2006).

Procedimentos metodológicos Primeiramente, foi feita uma revisão bibliográfica acerca dos as- suntos a serem estudados como metodologia sistêmica, questão agrária,

Ciência e Natura, UFSM, 30 (1): 149 - 172, 2008 153 processo de evolução da ocupação do Rio Grande do Sul, assentamentos rurais, os processos de territorialização do espaço, ou seja, a criação de uma base teórico-conceitual a fim de fundamentar o debate proposto neste artigo. Em seguida, a busca de dados estatísticos e informações referen- tes ao município de Candiota e Mesorregião Sul do Rio Grande do Sul, onde Candiota está inserido, junto ao IBGE, FEE, INCRA e Prefeitura Municipal de Candiota. As informações dos assentamentos rurais de Candiota foram coletadas junto a EMATER-Candiota e EMATER-Bagé. A pesquisa junto ao município de Candiota para a coleta de dados sobre estrutura fundiária, assentamentos rurais, tipos de produção, educa- ção, saúde, infra-estrutura, segurança, assistência técnica e outros indica- dores socioeconômicos foram realizadas nos dias 2, 3, 4 e 5 de maio e de 15 a 19 do mesmo mês de 2006, com o auxílio da EMATER-Candiota no trans- porte e nas informações, e das Secretarias Municipais de Candiota. Esta outra etapa da investigação baseou-se na pesquisa qualitativa, com a coleta de dados através de entrevistas semi-estruturadas, junto a in- formantes qualificados de diferentes setores da sociedade, para a captação de informações sobre as mudanças ocorridas após a inserção dos assenta- mentos rurais no município de Candiota. Além de entrevistas com dois assentados: o primeiro assentado que reside desde 1989 no primeiro assen- tamento do município, e o outro assentado residente desde 2002. A escolha dessa etapa em ser de forma qualitativa teve como prin- cípio, a riqueza de detalhes adquiridos em entrevistas não estruturadas, a opção do informante em relatar o que sente naquele momento, não ficando restrito a opções pré-determinadas.

Caracterização da área estudada A escolha do município de Candiota (Figura 3) para ser o objeto de estudo se deve por esse município estar localizado na região da Campa- nha Gaúcha, local onde predominam as grandes propriedades rurais, além desse município contar com a presença de vinte e cinco assentamentos ru- rais, no qual ocupam 16,3% da área municipal. Desse modo, surge à impor- tância de analisar os impactos territoriais e socioeconômicos dos assenta- mentos rurais em Candiota O cenário da pesquisa está localizado no sul do Rio Grande do Sul, apresentando uma área de 1.275,92 km², correspondendo 141 km² de zona urbana e 1.134 km² de zona rural, contendo uma população de 9.368 habitantes (IBGE, 2006), sendo que 5.787 habitantes residem na zona ru- ral e 3.581 na zona urbana, e apresentando uma densidade demográfica de 7,34 hab/ km².

154 Ciência e Natura, UFSM, 30(1): 149 - 172, 2008 Figura 3 . Localização da Mesorregião Metade Sul e município de Candiota, RS. Fonte: ALVES (2006).

A ocupação territorial do Rio Grande do Sul e a estrutura fundiária A ocupação do Estado do Rio Grande do Sul dividiu-se em eta- pas, a primeira ocorrida na Mesorregião Sul se caracterizando pela grande propriedade, distribuição de renda mais concentrada, pecuária e baixa den- sidade demográfica, resultando em núcleos urbanos mais distantes uns dos outros. A outra etapa de ocupação foi realizado na Mesorregião Nordeste e Norte se caracterizando pela pequena propriedade, produção diversificada (policultura), distribuição de renda menos concentrada e densidade demográfica mais elevada, resultando em uma proximidade dos municípios. Costa (1988) ressalta que os maiores municípios também são os mais antigos do Estado e que suas emancipações ocorreram até o final do séc. XIX. Associando densidade demográfica, estrutura fundiária e vegeta- ção evidenciam-se contrastes muito nítidos. Metade Sul com grandes e poucos municípios, contrapondo-se, a Metade Norte que apresenta uma

Ciência e Natura, UFSM, 30 (1): 149 - 172, 2008 155 malha municipal repleta de pequenas unidades territoriais a partir do norte de e por todo o centro-norte do Estado. No que diz respeito às disparidades regionais existentes no Rio Grande do Sul, o elemento crucial para tal diferença é sem dúvida a estrutu- ra fundiária da Mesorregião Sul, que pouco evoluiu, conservando proprie- dades extensivas, em boa parte grandes propriedades, alargando ainda mais as diferenças socioeconômicas dessa parte do Estado. Analisando os dados dos Censos agropecuários de 1940 a 1995- 1996 relativos a estrutura fundiária do Rio Grande do Sul, constata-se uma desigualdade entre o número de pequenas propriedades e da área destina- das a elas (Tabela 1).

Tabela 1. Número e área de pequenas propriedades da Mesorregião Sul do Rio Grande do Sul, entre 1940 a 1995-1996.

Ano Propriedades < 50 ha (%) Área (%)

1940 19,78 20,11

1950 14,30 15,33

1960 16,49 18,09

1970 16,75 19,47

1975 17,77 19,95

1980 17,17 19,74

1985 17,27 20,24

1995-96 17,70 20,26

Fonte: Censos Agropecuários do IBGE -1940 a 1995-1996.

Observando os dados dos Censos agropecuários constata-se a dualidade em termos fundiários no Rio Grande do Sul. A Mesorregião Sul apresentando apenas um quinto de sua área destinada às pequenas proprie- dades, enquanto que o restante de sua área (aproximadamente 80%) está associado à média ou grande propriedade. Ao estudar o tamanho médio dos estabelecimentos do Rio Gran- de do Sul (Tabela 2) demonstra-se a heterogeneidade da estrutura fundiária, com uma discrepância evidente entre o tamanho médio encontrado na Mesorregião Sul em relação à média estadual.

156 Ciência e Natura, UFSM, 30(1): 149 - 172, 2008 Tabela 2 . Tamanho médio dos estabelecimentos no Rio Grande do Sul e na Mesorregião Sul no período de 1940-1996 (em hectares). Ano RS Mesorregião sul

1940 88,60 191,01

1950 76,97 203,63

1960 56,97 142,88

1970 46,47 113,88

1975 50,18 116,59

1980 50,62 122,06

1985 47,91 114,44

1995-96 50,70 118,61

Fonte: Censos Agropecuários do IBGE -1940 a 1995-1996.

A partir da década de 1940 houve uma queda quase que contínua no tamanho médio dos estabelecimentos rurais no Rio Grande do Sul, par- tindo de 88 hectares chegando a aproximadamente 50 hectares em 1996. Na Mesorregião Sul houve um declínio no tamanho médio das propriedades, mas há que se notar, a diferença entre o tamanho médio das duas classes. Na Mesorregião Sul a média dos estabelecimentos rurais corresponde a aproximadamente o dobro da média estadual. Portanto, a estrutura fundiária encontrada na Mesorregião Sul e em Candiota retrata a concentração fundiária existente no país. A divisão e concentração de terra é a expressão física das divisões sociais e da concen- tração do poder existentes na sociedade. Hoje em dia, muitos ainda espe- ram o momento no qual as unidades familiares no país tenham finalmente se esvaziado pela migração aos centros urbanos e restam no campo apenas alguns poucos proprietários de vastas áreas de agricultura moderna e seus peões (BROSE, 1999). A valorização da agricultura familiar é fundamental para a dimi- nuição das desigualdades sociais e econômicas, conforme Teófilo (2002) o estímulo histórico à agricultura patronal baseada no latifúndio, na monocultura de exportação, no trabalho escravo e, posteriormente, na superexploração do trabalho assalariado, reflete na atual concentração de renda, exclusão social e em uma economia voltada excessivamente para o mercado externo.

Ciência e Natura, UFSM, 30 (1): 149 - 172, 2008 157 Desta maneira, é necessário reestruturar a base produtiva e a base social da região devendo realizar ações e intervenções de todos os níveis na perspectiva de proporcionar o desenvolvimento socioeconômico regional.

Territorialização 3 dos assentamentos rurais no Rio Grande do Sul A modernização da agricultura implementada na década de 1960 no estado do Rio Grande do Sul deu ênfase ao processo de concentração fundiária. Os altos investimentos no setor agropecuário favoreceram uma pequena parcela de grandes agricultores e empresários rurais, que tinham como objetivo expandir a produção de trigo e soja, aumentar as exporta- ções e modernizar o campo, com a inserção de máquinas, implementos agrícolas, biotecnologias entre outros. Esse processo de modernização ocorreu, principalmente, no Norte do Rio Grande do Sul e não tinha como objetivo principal diminuir a con- centração de terras, nem beneficiar os pequenos agricultores. A partir des- se fato, houve um aumento no êxodo rural, conforme descreve Tambara (1985, p.77) (...) há uma correlação positiva entre o crescente processo de urbanização do estado e a crescente penetração capitalista no campo. O processo de modernização nos campos gaúchos teve como con- seqüência a expulsão de milhares de agricultores das terras que ocupavam, configurando a cristalização de focos de movimentos sociais reivindicatórios, como é o caso dos agricultores sem-terra (TAMBARA, 1985, p.62). O desenvolvimento agrário do Rio Grande do Sul, principalmen- te com a modernização da agricultura a partir das décadas de 1960/70, agra- vou as condições sociais de ocupação e emprego rural, a elevação dos pre- ços das terras, a mecanização dos processos produtivos, contribuíram para a formação de uma população sobrante em áreas rurais, especialmente na região norte do Estado (MEDEIROS e LEITE, 1999). Esse cenário de pressão pela posse da terra, milhares de pequenos agricultores sendo expulsos de suas terras, concentração fundiária, desi- gualdades sociais e econômicas, tudo isso se cristalizou no Movimento de Trabalhadores Rurais Sem-Terra, onde Navarro (1999) salienta que o MST é o principal elemento de reivindicação sociopolítico dos agricultores.

3Haesbaert (2004, p.235) define o território ou os processos de territorialização como sendo fruto da interação entre relações sociais e controle de/pelo espaço, relações de poder em sentido amplo, ao mesmo tempo de forma mais concreta (dominação) e mais simbólica (um tipo de apropriação). Para Raffestin (1993) a territorialização é uma ação conduzida por um ator que se apóia no espaço, para transformar em território, ou seja, o espaço é um trunfo, quando dominado torna-se território.

158 Ciência e Natura, UFSM, 30(1): 149 - 172, 2008 Na década de 1970, os assentamentos rurais se territorializaram no Planalto Médio, na região norte do Rio Grande do Sul onde existiam um nú- mero elevados de agricultores sem-terra, região na qual houve a maior expan- são do binômio trigo-soja durante o processo de modernização da agricultura. Pela dificuldade de desapropriação de terras no região norte do Rio Grande do Sul, a territorialização dos assentamentos rurais ganha ou- tras regiões para a reprodução de atividades, como é o caso da Metade Sul na década de 1990. Essa região tradicional pela pecuária extensiva, vazios demográficos e grande propriedade ainda concentra uma parcela de latifúndios de baixa produtividade em atividade, fator que gera grandes conflitos na luta pela terra. Nesse sentido, a emergência por novas áreas para esta população sobrante, vem junto com os ideais do movimento dos trabalhadores rurais sem-terra, que através da reforma agrária, seria o caminho para romper com o padrão latifundiário existente. Segundo o estudo realizado por Navarro; (1999, p.42-43) sobre a instalação de assentamentos rurais no Rio Grande do Sul, (...) no período de 1992 a agosto de 1997, o total de 54 novos assentamentos formados, 40 são da região da Campanha Gaúcha (...) e de 1996 a 1997, nasceram 33 novos assentamentos e destes 31 são da região citada. Dessa forma, a territorialização dos assentamentos rurais no Rio Grande do Sul se deu primeiro na década de 1970, se concentrando na re- gião norte, a partir da década de 1980 e 90 a territorialização se distribui em todos regiões do estado, e após 2000, a territorialização dos assentamentos é predominante na Metade Sul do estado.

Resultados e discussão

Estrutura fundiária e a territorialização 4: processo histórico de ocupação

A situação do município de Candiota em relação à estrutura fundiária demonstra uma melhoria na distribuição das terras e no incre- mento no número de propriedades. De acordo com a afirmação de um se- cretário da Prefeitura Municipal de Candiota:

4A territorialização dos assentamentos rurais em Candiota é vista como uma apropriação do território, mudando as configurações das atividades e reproduções socioculturais. Desterritorializando a grande propriedade rural para a territorialização dos assentamentos rurais, ou seja, a pequena propriedade.

Ciência e Natura, UFSM, 30 (1): 149 - 172, 2008 159 Em relação ao meio rural, a partir de 1996, houve um aporte muito grande de pessoas, mudando a matriz produtiva, por que antes era uma região formada de fazendas e cada unidade de fazendas tinham de 2 a 4 empregados, alguns outros agregados com um rancho no fundo do campo, e só, era uma situação de paupa mesmo. E quase que de repente em questão de dois anos a maioria dessas fazendas, senão todas desse lado sul da BR 193 foram transformadas em assentamentos rurais em lotes de 20 a 24 ha, onde moram 4 ou 5 pessoas talvez. Conforme a afirmação do ENTREVISTADO 1, em Candiota exis- tia um grande vazio demográfico, no espaço não havia uma dinâmica social fortemente estabelecida, existia um território pecuarista de pouca ativida- de econômica e concentradora. De acordo com o Gráfico 1, pode ser ob- servada essa mudança na estrutura fundiária de Candiota.

35 30 % 25 20 15 10 5 0 10 -19 ha 20-49 ha 50-99 ha 100-199 ha 200-499 500-999 ha 1000-1999 ha ha grupos de área 1996 2006 Gráfico 1 . Porcentagem da área ocupada por estratos em Candiota 1996 -2006. Fonte: Censo Agropecuário do IBGE 1995/96 e levantamento na Prefeitura de Candiota, 2006.

Em 1996, a área ocupada pelas propriedades com menos de 50 hectares correspondia a 8,5% da área municipal, e em 2006 após a implementação dos vinte e cinco assentamentos, a área ocupada pelas pro- priedades com menos de 50 hectares corresponde a 23,4 % da área total do município, passando de 5.465 hectares para 25.346 hectares. Outro dado interessante é com relação à área ocupada pelas pro- priedades com mais de 1000 hectares, que de 1996 ocupava 51,2% da área total do município passou a ocupar em 2006, 24,75% da área total do mu- nicípio de Candiota. Houve uma mudança nos tipos de estabelecimentos rurais que ocupam a área do município, a pequena propriedade está mais presente com a chegada dos assentamentos rurais alterando o cenário ante- rior, no qual a grande propriedade predominava. O número de propriedades aumentou com a chegada dos assenta- mentos ao município de Candiota (Gráfico 2) confirmando assim uma melhoria na distribuição das terras, ou seja, mais famílias tem acesso a terra.

160 Ciência e Natura, UFSM, 30(1): 149 - 172, 2008 70 60 50 40 % 30 20 10 0 10 -19 ha 20-49 ha 50 -99 ha 100-199 ha 200-499 500-999 ha 1000-1999 ha ha ESTABELECIMENTOS 1996 2006 Gráfico 2 . Porcentagem de estabelecimentos por estrato de área, Candiota 1996-2006. Fonte: Censo Agropecuário do IBGE 1995/96 e levantamento na Prefeitura de Candiota, 2006

Houve um aumento nas propriedades com menos de 100 hectares no período estudado, passando de 72% em 1996 para 88% do total, ou seja, eram 291 propriedades familiares em 1996 passou a ser de 1.336 proprieda- des provocando um acréscimo nos estabelecimentos de agricultura familiar no município.

Tabela 3 . Estrutura fundiária em Candiota conforme a classificação do INCRA, 2006. Fonte: Levantamento de dados na Prefeitura de Candiota, 2006.

nº de Classificação Módulo Rural % área (ha) % propriedades

19,93 Minifúndio <28 ha 1.145 75,2 21.568

Pequena 10,15 28  111 ha 207 13,6 10.974 Propriedade

Média 27,30 112  447 ha 128 8,4 29.536 Propriedade

Grande 47,62 > 448 ha 43 2,8 46.115 Propriedade

TOTAL 1.523 100 108.193 100 Organização: Flamarion Dutra Alves.

De acordo com a classificação do INCRA mais de 75% das pro- priedades de Candiota são considerados minifúndios, a maioria provenien- te dos assentamentos rurais e menos de 3% das propriedades são conside- radas grandes. Em 2006, 1.145 propriedades pertencem à classe minifúndio,

Ciência e Natura, UFSM, 30 (1): 149 - 172, 2008 161 correspondendo a 75,18% dos estabelecimentos rurais e ocupando 19,93% da área ocupada. Isso representa, praticamente, todos lotes dos assenta- mentos rurais, que ficam entre 20 a 28 hectares em média. Mesmo com esse reduzido espaço para poder produzir para subsistência e comercializar, os assentados conseguem com sua agricultura e pecuária familiar obter condi- ções básicas para uma vida digna, segundo os entrevistados. A área ocupada pelos 1145 minifúndios em Candiota representa 19,93% da área total do município, ainda assim, a concentração fundiária existe e somando a área das médias e grandes propriedades, se percebe que as 171 propriedades ocupam 74,92% da área total do município. Essa clas- sificação do INCRA mostra a evidente concentração de terras no municí- pio de Candiota, mesmo após a implementação de 25 assentamentos rurais (Figura 4) que ocupam 17.663 hectares, ou ainda, 16,3 % da área total do município.

Figura 4 . Territorialização dos assentamentos rurais em Candiota  RS, 2006. Organização: Flamarion Dutra Alves.

162 Ciência e Natura, UFSM, 30(1): 149 - 172, 2008 Os assentamentos rurais em Candiota estão territorializados numa área de 17.633,8 hectares, ocupando 16,3% da área municipal correspondendo a 693 famílias integrantes ao MST. A conquista por essa terra começou na década de 1980, quando as primeiras famílias chegaram a Candiota em condições precárias, pois não havia uma infra-estrutura pre- parada para atender a demanda que chegava. Os primeiros se territorializaram na localidade do Jaguarão, que segundo o assentado era uma área inóspita, um deserto verde, fazendeiros que moravam ai, vendiam a troco de nada, quase de graça, eram terras devolutas. O problema da falta de recursos básicos no início da implementação dos assentamentos foi um fator limitante para as condições de sobrevivên- cia, pois não houve um planejamento entre os diversos órgãos governa- mentais, MST e comunidade.

Aspecto cultural e tecnológico A procedência das famílias que se territorializaram em Candiota são de diferentes regiões do Estado do Rio Grande do Sul (Figura 5) e de outros estados da federação. Segundo a origem das famílias assentadas em Candiota o ENTREVISTADO 2 afirma que o pessoal que veio ser assen- tado aqui foram os excluídos, os marginalizados da cultura da soja no norte do estado. Por que a terra foi super valorizada nessa região. Aqui se iden- tifica os excluídos do processo de modernização da agricultura que se deu no Planalto Gaúcho, no qual buscaram no MST a aspiração de voltar a ter uma terra para produzir, ou seja, a busca pela conquista de um território para poder voltar a ser agricultores familiares. Porém, houve uma miscigenação de culturas e identidades na re- gião da Campanha com a implementação dos assentamentos rurais que foi um obstáculo inicial em termos de culturas agrícolas. Conforme o EN- TREVISTADO 3: Esse pessoal veio pra uma região onde não se assemelhava com a sua região de origem, pois a cultura do local é diferente, a terra (solo) é diferente, culturas agrícolas diferentes... Esse pessoal teve tremenda dificuldade, somado a isso a precariedade de condições e recursos que eles tinham, chegaram aqui como se diz na gíria com uma mão na frente outra atrás. Isso na chegada. Apesar da dificuldade encontrada pela ausência de infra-estrutura básica, as primeiras famílias conseguiram obter êxito com as conquistas adquiridas, no decorrer dos anos e mantêm um nível considerável de comercialização. A melhoria da infra-estrutura básica, eletrificação, água, estradas, crédito entre outros, foram fundamentais para obtenção dessas conquistas.

Ciência e Natura, UFSM, 30 (1): 149 - 172, 2008 163 Figura 5 . Origem das famílias assentadas em Candiota. Fonte: ALVES (2006).

Nos catorze assentamentos rurais que são atendidos pela EMATER, 70,8 % das famílias são oriundas da região norte do Rio Grande do Sul, 14% são procedentes da Campanha, 8,3% são oriundos da Serra do Sudeste, 5% da região metropolitana de Porto Alegre, 1,3% são provenien- tes fora do estado e 0,6% são da região nordeste do Rio Grande do Sul. A população assentada que vem da região norte do Rio Grande do Sul, onde a modernização da agricultura se espalhou e concentrou as pro- priedades e as rendas, com o binômio trigo-soja, ou seja, o processo de modernização agrícola com o trigo-soja se territorializou no norte do Es- tado, desterritorializando os agricultores familiares que ali viviam. Dentro desse contexto cultural, houve uma dificuldade entre os assentados e os moradores de Candiota e da Campanha Gaúcha, por que: A cultura é totalmente diferente, a comida, a língua, a roupa, a música, isso não se levou em conta, à maioria tem raízes indígenas, e a grande dificuldade foi que antes eles viviam na floresta e hoje no pampa. Aqui é bem mais seco que no norte do RS (ENTREVISTADO 3). Essa falta de planejamento inicial teve que ser superada no decor-

164 Ciência e Natura, UFSM, 30(1): 149 - 172, 2008 rer dos anos, já que as famílias estavam assentadas, assim foram realizadas diversas melhorias na infra-estrutura, criação de programas de crédito, aber- tura de escolas, postos de saúde entre outras benfeitorias.

Aspectos socioeconômicos e político Visto que as dificuldades iniciais das famílias assentadas em Candiota em relação a uma infra-estrutura social básica eram precárias além da carência de recursos financeiros para atender essa população foram agra- vantes para que os assentamentos rurais pudessem, em um primeiro mo- mento, produzir para comercialização e obtenção de renda. Agregada a essa dificuldade inicial da infra-estrutura está a ques- tão do solo, clima e vegetação com relação à atividade agrícola e a produção agropecuária. A procedência das famílias assentadas indicava um tipo de cultura agrícola praticada, no qual não se de adapta a região da Campanha Gaúcha, em sua grande parte. Uma alternativa agrícola para as condições climáticas da região é a produção de sementes de hortaliças, no qual várias empresas têm como fornecedores os agricultores familiares dos assentamentos. Através da or- ganização de uma Cooperativa Regional dos Agricultores Assentados (COOPERAL), criada em 1992, onde buscou atrair empresas de sementes de hortaliças e leguminosas (olerícolas) para dentro dos assentamentos na tentativa de geração de renda. Existem em Candiota duas linhas de produção de sementes, os que optam pela forma tradicional, onde há mais empresas trabalhando nes- sa linha e os que optam pela forma agroecológica vinculada à cooperativa e dentro dos ideais do MST. Outra atividade que predomina nos assenta- mentos é a pecuária leiteira, por melhor se adaptar a região da Campanha e também pela geração de renda constante, conforme Navarro (1999, p.24) A produção de leite ao menos traz a vantagem de uma renda permanente, em contraposição à renda sazonal da produção agrícola. Nesse sentido, as duas formas de renda mais significativas nos assentamentos em Candiota são as produções de sementes de hortaliças e leguminosas, no qual se dividem nas formas tradicionais e agroecológicas, e a outra geração de renda significativa é a pecuária leiteira, através da coo- perativa dos assentados. Com relação ao crédito e assistência técnica aos assentados a mu- dança é significativa, a criação de vários programas de crédito aumentam o capital que circula no município, de acordo com o técnico da EMATER (ENTREVISTADO 4): Aumentou o capital circulante no município, de 2000 a 2001 circulou em torno de 9 milhões de crédito, crédito para as famílias,

Ciência e Natura, UFSM, 30 (1): 149 - 172, 2008 165 fora para saúde, estrada. Candiota apesar de toda crise no estado e no país, apresenta uma situação de pujança (potência) a partir do advento dos assentamentos, melhoria e abertura de estradas, infra-estrutura, expansão da rede elétrica e outros serviços. Esse acréscimo de serviços de infra-estrutura somado ao trabalho realizado pelos órgãos de assistência técnica da EMATER e da COOPTEC da um suporte fundamental para a manutenção dos assentamentos rurais. O ENTREVISTADO 4 descreve a situação inicial da EMATER em Candiota: Quando se emancipou tinha aproximadamente 100 famílias as- sentadas, existia uma equipe formada por um técnico veterinário, agrôno- mo e bem estar social. Uma equipe razoável, dentro dos padrões. Porém, com a chegada de mais assentados para Candiota necessi- tava-se de um aumento no número de profissionais para dar a assistência técnica básica, além no aumento de crédito para as famílias assentadas. Esse aumento de crédito e de programas que garantem uma esta- bilidade para os agricultores familiares faz com que todo o município ga- nhe com a consolidação dos assentamentos rurais. A técnica da EMATER mostra em sua fala a consolidação dos assentamentos rurais no município: Foi impressionante ver aqueles campos antes vazios, imensos apenas com os gados e de repente aquelas casas no meio do campo. Os assentados tiveram dificuldades no início, o pessoal da cidade não aceitava ou via com receio para eles. Hoje não, os assentados estão presentes em todas atividades na cidade, na igreja, mercado, lojas. Hoje o pessoal da cidade não tem mais aquele receio, não vêem problemas. Esse aumento de pessoas no município gerou um aumento nas atividades comerciais e de prestação de serviços gerando uma maior circu- lação de capital. Para um assentado que reside desde 1989, ano do primeiro assen- tamento, foi difícil no início, pois: Não tinha luz, a estrada era precária, no início não tinha assistência técnica, mas a partir de programas de crédito, melhoria na infra- estrutura como estradas, eletrificação, água, comercialização a realidade é bem diferente. A qualidade de vida hoje em relação ao início em 1989, de uma escala de 1 a 10 , hoje ta 8 a 9, é outra coisa, as estradas estão boas tudo ta bom. Apesar de todas as dificuldades iniciais encontradas para produ- ção, condições básicas de saúde, educação, estradas e outros aspectos de ordem técnica e creditícia, os assentamentos rurais ampliam a produção e mantém o homem no campo, além de diminuir a concentração fundiária. Nos últimos assentamentos rurais implementados em Candiota, a situação já estava bem diferente existindo uma infra-estrutura boa, pois, desde a implementação do primeiro assentamento rural faz 23 anos. E o assentado do último diz que os primeiros sofreram mais por que não ti-

166 Ciência e Natura, UFSM, 30(1): 149 - 172, 2008 nham infra-estrutura. Hoje os últimos têm mais recursos, como estrada, luz, assistência técnica. Com relação à produção ele diz que a maioria dos assentados produz para subsistência, havendo uma evolução no lote em relação à produção quando não tem seca ou geada. Houve um crescimento considerável de estabelecimentos comer- cias e de prestação de serviços, desde a emancipação até 2005. Pode ser entendido esse crescimento pelo aumento natural da população, e pelo au- mento de capital entre os assentados, além da geração de empregos pelas indústrias de mineração, que somado esses elementos desenha-se um fator favorável ao setor terciário.

Educação e saúde Antes da vinda dos assentamentos rurais no município existiam duas escolas no espaço rural de Candiota, após essa chegada foram construídas outras três escolas onde aproximadamente 400 alunos freqüen- tam e praticamente todos são oriundos dos assentamentos rurais. O município de Candiota apresenta cinco postos de saúde e um hospital, quatro desses postos situam-se nos núcleos urbanos e um no as- sentamento rural 08 de agosto. Porém, antes da emancipação a população de Candiota dependia do atendimento médico das empresas vinculadas a mineração. Com a chegada das famílias precisou criar uma estrutura básica para atender essa população, a ENTREVISTADA 5 afirma que: Houve uma demanda considerável na saúde, após a chegada dos assentamentos, o município tinha uma estrutura para atender seus moradores, só que com o processo dos assentamentos a administração da prefeitura não estava preparada para receber os assentados. Esse posto de saúde foi criado no ano de 2001, para atender a demanda do meio rural, localizado no assentamento 08 de agosto, conta com um médico, um psicólogo, um odontólogo, um nutricionista, além da primeira equipe do Programa Saúde da Família (PSF) na zona rural no Rio Grande do Sul, tendo um médico e enfermeiro que vão até as famílias, no qual, esse serviço acabou desafogando os postos de saúde. O sistema de PSF foi implantado em 2005 e atende todo município, somado aos agentes de saúde que abrangem boa parte do meio rural de Candiota.

Aspecto ambiental Na Campanha Gaúcha, um espaço com uma baixa atividade antrópica, uma baixa densidade demográfica mantém com pouca alteração

Ciência e Natura, UFSM, 30 (1): 149 - 172, 2008 167 o ecossistema natural. A presença humana em um espaço altera a paisagem transformando em um espaço social, e os assentamentos rurais através das lavouras de subsistência e comerciais modificam o ecossistema, porém, não degradando o meio ambiente, conforme descreve a secretária do Meio Ambiente da Candiota (entrevistada 6): Na visão ambiental sempre onde há o povoamento, um aglomerado de pessoas, há uma degradação do meio ambiente. Há problemas de queimadas, no verão, às vezes pela falta de consciência de pessoas. Problema com a fauna local, caça predatória intensificada, pássaros silvestres agravado pelas pessoas que vêem da cidade, aquelas que não têm vocação. A agricultura familiar diversificada não agride o meio ambiente de uma forma com que os impactos sejam negativos para o sistema. Em Candiota como em muitos municípios da Campanha Gaúcha, está haven- do um crescimento de área cultivada por eucaliptos, acácias e pinus por grandes empresas nacionais e multinacionais de celulose, que estão tornan- do os campos da Campanha em florestas, ou seja, uma monocultura, no qual gera pouca mão-de-obra, concentrando terras e alterando o ecossistema nativo, fauna e flora. Desse modo, o ENTREVISTADO 6, expõe a importância do as- sentamento rural no aspecto ambiental nesse aspecto, os assentamentos rurais não degradam o ambiente nessa proporção, pois não cultivam uma monocultura, não tem uma área significativa e a pecuária familiar mantêm o equilíbrio ambiental. A opção de uma agricultura e pecuária familiar, além da produção agroecológica vem diminuir os impactos da territorialização do espaço pe- los assentamentos rurais no aspecto ambiental dos ecossistemas. A agropecuária familiar conserva melhor a situação original do ecossistema, em contrapartida a opção por uma monocultura de eucaliptos deixa o ecossistema numa situação particular alterando o campo nativo, sua fauna e flora, por uma floresta.

Considerações finais O espaço rural de Candiota, antes da presença dos assentamentos rurais mantinha um estado de estagnação socioeconômica, com algumas dezenas de grandes propriedades concentrando as terras do município e mantendo uma estrutura fundiária secular de domínio e poder na região. Com a chegada dos assentamentos rurais altera-se esse padrão concentrador fundiário re-distribuindo para milhares de pessoas a terra movimentando a economia do município, inserindo novos atores no cenário social de Candiota.

168 Ciência e Natura, UFSM, 30(1): 149 - 172, 2008 A reforma agrária na região sul do Estado vem minimizar a desi- gualdade fundiária que surgiu nas sesmarias e doações a militares e pessoas com prestigio, no século XVIII, tentando assim, redistribuir a terra e dina- mizar uma região estagnada pela falta de uma infra-estrutura básica ocasio- nada pelos vazios demográficos entre os municípios. Apesar dessa dificuldade no tamanho do lote das famílias assenta- das, o processo de consolidação dos agricultores é lento, mas existe, verifi- cando os primeiros assentamentos no município, se constatou a dificulda- de inicial para produção e comercialização, nos anos seguintes com o au- mento nos programas de crédito e integração dos órgãos de assistências técnica, os agricultores familiares conseguem produzir para subsistência e ter um nível de comercialização. Analisando o aspecto fundiário do município, a implementação dos assentamentos rurais gerou um maior dinamismo no espaço rural, a criação de vários minifúndios exigiu a construção de estradas que interli- gassem os assentamentos, o aumento na rede de energia elétrica, a necessi- dade de ter um transporte coletivo que ligasse o meio rural com a sede do município, a instalação de postos de saúde para a população rural, criação de escolas, ou seja, a construção de um espaço rural dinâmico (Figura 6).

Resultados da análise sistêmica

Figura 6 . Resultados da análise sistêmica. Fonte: ALVES (2006).

Ciência e Natura, UFSM, 30 (1): 149 - 172, 2008 169 É importante destacar que está reforma agrária cumpriu sua fun- ção social, as famílias assentadas plantam para subsistência e têm uma ocu- pação, entretanto, o item econômico da reforma agrária não contempla to- das famílias assentadas, pelas dificuldades da região citadas anteriormente. Mas as famílias mais antigas conseguem produzir para subsistência e comercialização, enquanto que a maioria das famílias assentadas recente- mente plantam apenas para subsistência. Portanto, um projeto de assentamento ideal, se busca ajustar via- bilidade econômica com sustentabilidade ambiental, integrando produtivi- dade com desenvolvimento territorial, qualidade e eficiência. Criando as- sim condições para que o modelo agrícola possa ser modificado introdu- zindo uma maior preocupação com a distribuição de renda, a ocupação e o emprego rural. Possibilitando segurança alimentar, mantendo o meio am- biente em equilíbrio, e também que o homem do campo tenha acesso a direitos fundamentais, para que se consiga obter um desenvolvimento sem desigualdades sociais.

170 Ciência e Natura, UFSM, 30(1): 149 - 172, 2008 Bibliografia citada

ALVES, Flamarion D. Os impactos da territorialização dos assentamentos rurais em Candiota  RS . Dissertação de Mestrado (Extensão Rural). Santa Maria: Universidade Federal de Santa Maria, 2006. ATLAS SOCIOECONÔMICO DO RIO GRANDE DO SUL -SE- CRETARIA DA COORDENAÇÃO E PLANEJAMENTO DO RS. Disponível em: . Acesso em: 12/12/2005. BERTALANFFY, L. von. Teoria Geral dos Sistemas . 2.ed. Petrópolis: Vozes, 1975. BRUM, Argemiro J. Modernização da Agricultura : trigo e soja. Petrópolis: Vozes, 1987. BROSE, Markus. Agricultura familiar, desenvolvimento local e políticas públicas. : EDUNISC, 1999, 2000 (reimpressão). COSTA, Rogério H. da. Latifúndio e identidade regional. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1998. 104p. (Documentada 25) FAO  INCRA. Análise diagnóstico de sistemas agrários. Guia metodológico . Brasília: PCT INCRA/FAO (UFT/BRA/051/BRA), 1997. GRAZIANO DA SILVA, J. O desenvolvimento do capitalismo no campo brasileiro e a reforma agrária. p.137-143. In : STÉDILE, J. P. (coord.). A questão agrária hoje . Porto Alegre: Ed. UFRGS, 1994 ______. Tecnologia e Agricultura Familiar . Porto Alegre: Ed. UFRGS, 1999. HAESBAERT, Rogério. O Mito da Desterritorialização : do fim dos territórios à multiterritorialidade. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2004. MEDEIROS, Leonilde S. de & LEITE, S. (Orgs.). A formação dos assentamentos rurais no Brasil : processos sociais e políticas públicas. Porto Alegre/Rio de Janeiro: Ed. UFRGS/CPDA, 1999. MORO, S. M. D.; RÜCKERT, A. A. A agricultura no processo de desen- volvimento no Planalto Médio rio-grandense. In: SILVA, A. M. R. da, et.al. (Orgs.) Estudo de geografia regional . O urbano, o rural e o rurbano na Região de , UPF: Passo Fundo, 2004. TEDESCO, J. C. ; BITENCOURT, L. R. de; FIOREZE, Z. G.(Orgs.). Estudos de geografia regional . O urbano, o rural e o rurbano na região de Passo Fundo. Passo Fundo, 2004, p. 26-68. NAVARRO, Z. et.al. Pequena história dos assentamentos rurais no Rio

Ciência e Natura, UFSM, 30 (1): 149 - 172, 2008 171 Grande do Sul: formação e desenvolvimento. p.19-68. In: MEDEIROS, L. S. e LEITE, S. (Orgs.). A formação dos assentamentos rurais no Brasil . Porto Alegre: EDUFRGS, 1999. RAFFESTIN, Claude. Por Uma Geografia do Poder . (Tradução Maria Cecília França) São Paulo: Editora Ática, 1993. TAMBARA, E. RS: Modernização & Crise na Agricultura . 2.ed. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1985. TEÓFILO, E. A necessidade de uma reforma agrária, ampla e participativa para o Brasil . Brasília: Abaré, 2002.

172 Ciência e Natura, UFSM, 30(1): 149 - 172, 2008