Poder local e violência: imigrantes e nacionais nos núcleos coloniais do sul do Brasil

Local power and violence: immigrants and nationals in colonial settlements in southern El poder local y la violencia: los inmigrantes y los nacionales en los asentamientos coloniales en el sur de Brasil

Maíra Ines Vendrame*

Resumo Introdução

Este artigo analisa episódios conflituosos Em 1877, na região central do Rio entre imigrantes europeus e nacionais em Grande do Sul chegaram diversos grupos regiões de colonização no centro do Rio de imigrantes originários do norte da pe- Grande do Sul, do final do século XIX ao nínsula itálica, fundando a Colônia Silveira início do XX. A partir de processos-crime, Martins. Com o tempo, surgiram novas co- é possível perceber a superioridade racial munidades que se estenderam para muito que os europeus acreditavam possuir em além das fronteiras dos primeiros locais de relação aos negros e às formas encontra- ocupação. Isso foi possível graças à disponi- das pelos primeiros para expressar essa diferença étnica. Determinados tipos de bilidade de terras para compra que se locali- punições eram aplicadas exclusivamente zavam fora dos espaços conferidos pela ad- em indivíduos considerados de condição ministração imperial às famílias imigrantes. social inferior, configurando-se, para os Essas passaram, então, a ampliar a extensão europeus, uma maneira legítima de de- marcar privilégios e estabelecer superio- * Doutora em História pela PUCRS. Autora da obra: Lá éramos servos, aqui somos senhores: a ridade de alguns sobre os outros. organização dos imigrantes italianos na ex-colô- nia Silveira Martins (1877-1914). Santa Maria: Editora da UFSM, 2007. Palavras-chave: Imigrantes europeus. Re- lações interétnicas. Violência. Recebido em 31/07/2013 Aprovado em 21/08/2013 http://dx.doi.org/10.5335/hdtv.14n.1.4165

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História: Debates e Tendências – v. 14, n. 1, jan./jun. 2014, p. 63-76 das áreas cultivadas, ou, ainda, fundando relevantes para compreender quais eram novas unidades de produção familiar por as lógicas e as percepções que guiavam a meio da aquisição de terrenos colocados à conduta dos envolvidos no surgimento de venda por proprietários luso-brasileiros. agressões violentas. As autoridades judi- Em meio à expansão dos italianos, esses ciais não conseguiam punir os acusados passaram a se relacionar com os nacionais,1 de crimes – como o linchamento de alguns muitos destituídos de posses, e que resi- nacionais – por encontrar barreiras coloca- diam no lugar, então oferecendo, sua força das pelos imigrantes europeus, conforme se de trabalho para as famílias de imigrantes, verá neste artigo. principalmente na agricultura. Parte da Colônia Silveira Martins pas- Um “ato de barbarismo” sou a pertencer ao município de , compreendendo as comunidades de Em 18 de dezembro de 1899, os mora- Vale Vêneto, São João do Polêsine, Faxinal dores da Linha Soturno – entre as vilas de do Soturno e (5° Distrito), e Dona Francisca – in- cenários da maior parte dos eventos que se- formaram ao oficial de justiça que Juvêncio rão abordados neste artigo. Esses locais fo- dos Santos havia sido “linchado pelo povo ram ocupados pelos italianos, que construí- da Colônia Dona Francisca”. Segundo de- ram capelas e igrejas logo que chegaram, os poimentos, um grupo composto por cerca quais contavam também com a presença de de 400 indivíduos atacou o capturado para alemães e nacionais. Rapidamente, alguns espancá-lo até a morte. Em seguida, com povoados adquiriram o status de paróquia, requintes de crueldade, queimaram o cor- passando a contar com a presença de padres po e o expuseram para ser observado pelos residentes que coordenavam as festividades habitantes. Dias depois, o corpo do brasilei- religiosas e devoções comunitárias trazidas ro Juvêncio foi encontrado já em estado de da pátria de origem. putrefação, sem que nenhuma autoridade No presente artigo, busca-se apreen- do distrito tomasse providências a respeito. der, através das fontes judiciais (processos- Frente à notícia do linchamento, o promo- -crime) do final do século XIX e início do tor público ressaltou a necessidade de se XX, os modos de agir e as compreensões que investigar acerca do “ato de barbarismo” orientavam os comportamentos dos italia- do qual havia sido “teatro a Colônia Dona nos quando do surgimento de mortes, rou- Francisca”.3 Porém, as testemunhas requi- bos e ofensas morais, especialmente nos mo- sitadas não se apresentaram, resultando no mentos em que os suspeitos eram nacionais. arquivamento do caso4 e ninguém foi julga- Algumas experiências cotidianas apontam do pela morte. para as tentativas de estabelecer distinções Na concepção dos imigrantes, o grupo através da demarcação de certa superiorida- que linchou Juvêncio dos Santos cumpriu 2 de em relação aos nacionais. É na fala dos com o papel de vingar o mal causado à fa- depoentes que se percebem os indícios mais mília Vedovato. Dias antes, os imigrantes

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História: Debates e Tendências – v. 14, n. 1, jan./jun. 2014, p. 63-76 encontraram a jovem Luiza Vedovato, de O que se busca ressaltar com a análi- 14 anos, morta numa das estradas do núcleo se desse caso não é apenas as escolhas au- colonial. A presença de vários ferimentos tônomas dos imigrantes ao se depararem pelo corpo e indícios de abuso sexual levou- com determinadas situações, mas a própria -os a rapidamente se organizar para captu- aplicação de punições violentas quando os rar o suspeito e puni-lo de forma exemplar. alvos eram indivíduos de condição social Todas as desconfianças recaíam sobre o inferior ou que não faziam parte do grupo “brasileiro” Juvêncio dos Santos, que traba- . As relações de parentesco, vi- lhava como empregado na casa da família zinhança e a reciprocidade propiciavam a de Luiza. As iniciativas dos imigrantes pos- formação de frentes de apoio entre as famí- sibilitam refletir sobre o senso de justiça e de lias, caracterizando-se enquanto estratégias violência manifestada contra indivíduos de de acomodação no novo espaço, visando ao origem étnica diversa, especialmente quan- controle sobre os eventos que traziam inse- do alguma família italiana era alvo de ofen- gurança. Nesse sentido, a aplicação de puni- sas que causassem prejuízos morais. No Nú- ções, a perseguição coletiva e o linchamento cleo Soturno, o linchamento foi a forma de apresentavam-se como práticas de justiça castigo escolhida para punir o suspeito de extrajudiciais percebidas como legítimas no ter provocado a morte da jovem Luiza. Tal universo rural analisado. Estudos que abor- opção surge como uma das possibilidades dam os conflitos entre imigrantes europeus de agir daqueles que se sentiam autorizados e nacionais ressaltam a questão da solida- a gerir um tipo de justiça local, distante dos riedade étnica como um dos aspectos que tribunais. garantia proteção aos indivíduos que chega- Os linchadores foram apontados como vam do além-mar e caiam nas malhas da jus- “centenas”, encobrindo, assim, a identifica- tiça do Estado (FAUSTO, 2001; MONSMA, ção do líder ou daqueles diretamente envol- 2004). A assistência entre as famílias italia- vidos na captura e na morte. Portanto, foi nas que viviam nos núcleos coloniais, quan- no anonimato da multidão que se preser- do da ocorrência de crimes, conflitos e troca vou a identidade, bem como evitou-se que de ofensas, também pode ser percebida en- os atos violentos fossem investigados pelas quanto mecanismo para garantir a paz e o autoridades. A recusa dos sujeitos em teste- controle da ordem social nas comunidades, munhar e identificar os responsáveis indica principalmente quando determinados fatos visões compartilhadas, conivência e ideias rompiam com a tranquilidade local, deman- de pertencimento ao mesmo grupo e espaço, dando perseguições e o estabelecimento de ou ainda, medo de ser alvo de perseguições. castigos àqueles que representavam insegu- Norberto dos Santos, irmão de Juvêncio, te- rança e estabilidade.6 mendo sofrer represálias, desapareceu da Havia mecanismos cooperantes nos região logo após os episódios, não sendo en- povoados que asseguravam poder de jul- contrado pelo delegado para prestar esclare- gamento e regulamentação eficaz, tanto cimentos sobre o linchamento.5 em relação aos indivíduos do próprio gru-

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História: Debates e Tendências – v. 14, n. 1, jan./jun. 2014, p. 63-76 po étnico, quanto aos indivíduos externos. O crime de linchamento foi divulga- Isso porque as relações construídas entre do pela imprensa como forma de repúdio as famílias camponesas favoreciam a cons- à maneira como os imigrantes resolviam tituição de espaços de proteção, arbitragem seus problemas, isto é, não confiando na e legislação, propiciando, assim, o surgi- justiça institucional. Enquanto isso, na Co- mento de um sistema de represália e justi- lônia Dona Francisca, não houve qualquer ça que, muitas vezes, era oposto ao da lei manifestação de revolta contra a “cena de (BURGUIÈRE, 1998; CASEY, 1992). Desse barbarismo” ali ocorrida. Pode-se dizer que modo, a união das famílias para perseguir o tal comportamento evidencia a tolerância e a acusado, prender e linchá-lo, mostra a cola- insensibilidade a certas práticas de punições boração, a autonomia e o controle social que violentas ocorridas naquele universo rural. buscavam exercer. Tais atitudes passaram a Assim, o silêncio e a omissão impuseram- ser criticadas pelas autoridades municipais -se frente às investigações promovidas pelos de Cachoeira do Sul, que as entendiam como agentes do Estado. Na visão dos imigrantes, ações nocivas à sociedade. cabia a eles punir, pois, somente desse modo, O “ato de barbarismo” também foi pu- poderiam restaurar a tranquilidade na co- blicado na imprensa de , capital munidade, reforçando o papel das famílias do Estado. Anunciavam que “o criminoso” em garantir o controle social, a segurança e havia sido preso por uma escolta para ser a própria condição de imigrantes proprietá- conduzido até a cidade de Cachoeira do rios naquele espaço de recente ocupação. O Sul, porém, “ao passar pelo lugar por onde uso da violência contra Juvêncio dos Santos se deu o crime foi Juvêncio dos Santos arre- atendeu a questões que iam além do sen- batado pela força de um grupo de 400 ho- tido punitivo de um crime, uma vez que mens que imediatamente o lincharam”. Em princípios haviam sido violados e barreiras seguida, a cabeça do morto foi “espetada” ultrapassadas. Pensando especificamente a em um poste, deixando-o numa encruzilha- respeito dos linchamentos praticados contra da da Colônia Dona Francisca.7 O jornal O negros no decorrer do século XIX, José de Gazetinha condenou a “cena de canibalismo” Souza Martins (1996, p. 12) afirma que eles ocorrida na região colonial, ressaltando que tinham uma clara motivação racial. “mais criminosos” que Juvêncio dos San- Para Vigarello (1998), a escolha da tos eram “os indivíduos que o lincharam pena não era uniforme para todos, pois o ofendendo a lei, em quem não depositavam “peso da violência se dava segundo a condi- confiança”.8 Mostrando indignação, outro ção das vítimas” (p. 23) e dos acusados. Des- cronista destacou não ser legítima a atitude se modo, a punição acontecia “com mais ou dos indivíduos que puniram o “brasileiro e menos rigor segundo a qualidade” (p. 106) ainda moço [Juvêncio]”, devendo as auto- dos envolvidos. O linchamento, nesses ca- ridades tomar providências para que casos sos, aparece como uma forma de vingança parecidos não acontecessem novamente.9 particular que, certamente, não seria rea- lizada contra outros imigrantes, apesar da

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História: Debates e Tendências – v. 14, n. 1, jan./jun. 2014, p. 63-76 gravidade dos atos cometidos. Outros exem- “melhor ficar quieto porque negro ali não plos mostram semelhanças com o apresenta- falava”. Diante dessa troca de palavras, teve do: os nacionais, nos núcleos coloniais, eram início o conflito e um dos italianos “vibrou alvos preferenciais de determinado tipo de com uma cacetada na cabeça de Celestino”, punição quando da ocorrência de suspeitas deixando-o “caído por terra”. Em seguida, de abusos sexuais, roubos e trocas de ofen- na tentativa de socorrer o irmão, Rodolfo Ri- sas com os imigrantes europeus, fossem eles beiro dos Santos foi “barbaramente espanca- italianos ou alemães. do” pelo grupo, resultando em sua morte.10 Quando a justiça institucional resolveu Frente à colaboração de alguns indi- averiguar o linchamento de Juvêncio dos víduos, a justiça do Estado conseguiu pro- Santos, as cumplicidades e os silêncios impu- cessar criminalmente os cinco imigrantes seram limites à investigação. Como estraté- agressores. Apresentando sua versão sobre gia para proteger a identidade dos líderes, a o ocorrido, o depoente José Fernandes de culpa foi imputada a um grupo anônimo de Mello (44 anos, casado, agricultor, natural do “quatrocentas pessoas”. Sem contar com o Paraguai) afirmou que “no dia [16 de agosto auxílio dos imigrantes, o Estado não teve con- de 1901] se aproximou da igreja que se acha- dições de dar sequência ao caso, encerrando- va situada no lugar denominado Faxinal [do -o logo a seguir. Contudo, após alguns meses, Soturno], e ali encontrou uma grande reu- novas agressões e mortes no Núcleo Soturno nião de pessoas que se achava nesse local fizeram as autoridades voltarem à questão, já por motivos religiosos”. Na ocasião, a justiça que os líderes do linchamento continuavam a do Estado percebeu que todos os cinco de- agir de maneira semelhante na região. nunciados esbordoavam a cacetetes Celesti- no Ribeiro dos Santos e Rodolfo Ribeiro dos “[...] porque negro ali não falava” Santos. Apesar disso, “não sabe o que deter- minou o conflito, mas que tem ciência de que Na tarde do dia 16 de agosto de 1901, os italianos, ao reunirem-se, tinham a inten- 11 após participarem das celebrações religio- ção de maltratar os brasileiros”. O depoente sas, várias pessoas encontravam-se reunidas Antônio de Mello (27 anos, casado, agricul- na casa de comércio do imigrante Vicente tor, natural do Estado), atestou ser “praxe Pigatto. Às cinco horas da tarde, “alguns ita- neste distrito os italianos armarem-se” para lianos” – José Dalla Corte, João Centi, Luiz atacar os nacionais. E, até aquele momento, Centi, Miguel Centi e João Vedovato – apa- nenhum havia sido “punido severamente”, receram armados de “porretes” na casa de embora tais acontecimentos fossem conheci- comércio em atitude provocativa contra os dos pelas “respectivas autoridades” locais. “brasileiros” que lá estavam. Dentre esses, Reforçando as ideias trazidas, outras encontrava-se Celestino Ribeiro dos San- testemunhas apontam que os acusados pela tos, que declarou aos presentes “que em dia morte de Rodolfo dos Santos haviam sido os de festa não havia necessidade de andarem mesmos “autores e cabeças do linchamento” armados”, ouvindo como resposta que era contra Juvêncio dos Santos. Afirmam tam-

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História: Debates e Tendências – v. 14, n. 1, jan./jun. 2014, p. 63-76 bém terem visto “muitos italianos armados” pois os réus jamais foram encontrados.14 A naquele evento religioso, além de presencia- colaboração dos depoentes, ao apontarem rem a atitude de um imigrante que comprou os nomes dos culpados pela morte do bra- “balas de fogo” para Miguel Centi, o qual fa- sileiro Rodolfo, contribuiu, apenas, para que zia parte do grupo acusado de iniciar o con- as autoridades iniciassem o julgamento, não flito contra os irmãos dos Santos.12 Os réus conseguindo que os acusados fossem leva- desse processo foram acusados de terem dos ao tribunal. O Estado não rompeu as organizado a captura de Juvêncio dos San- eficazes redes de proteções que se formaram tos e, consequentemente, o seu linchamento. entre os italianos, as quais silenciaram quan- Todos os denunciados no processo eram vi- to ao destino dos foragidos. Nesse caso, as zinhos da família da jovem Luiza Vedovato. acusações mais sérias partiam dos próprios Para o depoente Vicente Roggia (29 nacionais, e não dos conterrâneos italianos anos, casado, agricultor, natural da Itália), que somente confirmavam as informações os “acusados eram temidos e sempre ame- já conhecidas pela justiça, como o nome dos açavam os brasileiros” à exceção do réu acusados. O silêncio dos imigrantes, aqui, João Vedovato. Esse apoio justifica-se pela indica coesão étnica e solidariedade que, proximidade entre os indivíduos, pois am- normalmente, vinha à tona quando alguns bos eram vizinhos de propriedade. Já o co- indivíduos próximos eram investigados. merciante Vicente Pigatto (31 anos, casado) Os conflitos entre italianos e negros, comunicou às autoridades que os acusados visualizados, principalmente, em espanca- pelo espancamento haviam desaparecido do mentos coletivos em locais públicos, apre- 5° Distrito – de Cachoeira do Sul – desde o sentam-se como uma maneira dos primeiros dia do conflito.13 A fuga para os matos, assim tentarem impor seu controle e domínio nas como a migração temporária para outras re- comunidades rurais. Analisando as relações giões, apresentava-se como alternativa para de convivência entre os grupos, Karl Monsma aqueles que escapavam do raio de ação da (2007, p. 115) afirma que as tensões se consti- justiça do Estado. Certamente, a evasão dos tuem em embates cotidianos para ver quem acusados contava com a cumplicidade dos tinha o direito de mandar e quem devia obe- imigrantes. As amizades, as experiências decer. Quando um imigrante feria ou matava compartilhadas, a inserção nas redes locais um “brasileiro”, geralmente isso ocorria após de solidariedade e a agregação comunitária esse ter afirmado “sua igualdade e dignidade garantiam proteção aos foragidos. A justiça abertamente”. As agressões contrárias ocor- oficial tentou constranger os acusados, pu- riam como resposta a uma atitude de supe- blicando os seus nomes em jornais, contudo, rioridade e autoridade, momento em que o o paradeiro dos réus não foi descoberto. oponente se recusava a aceitar a humilhação Em janeiro de 1902, os cinco imigrantes e a subordinação a ele imposta. Nesse caso, as foram condenados à revelia e considerados reivindicações por respeito e por igualdade culpados pelo crime contra os irmãos dos eram percebidas pelos italianos como amea- Santos. Porém, a pena nunca foi cumprida, ças à sua identidade, posição e honra.

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História: Debates e Tendências – v. 14, n. 1, jan./jun. 2014, p. 63-76 Mesmo que os imigrantes e os nacio- e trabalhador”, em oposição ao agredido, nais residissem em uma mesma região co- julgado indivíduo “provocador, desordeiro lonial, aqueles procuraram manter uma e capaz de cometer qualquer violência”.16 Tal diferenciação através da exclusão do outro. iniciativa ilustra bem a articulação local dos De fato não havia condição de igualdade vizinhos e conhecidos em apoiar o réu, pro- entre eles. A manutenção da fronteira entre curando, desse modo, livrá-lo das acusações. os indivíduos, para além da questão da cor, No caso em questão, o apoio foi unâni- tinha eficiência porque os italianos haviam me dos italianos que consideraram legítima recebido privilégios, como o acesso facilita- a conduta de João Vallandro ao atirar contra do à terra para estabelecimento das famílias, a vítima, sendo esse qualificado negativa- constituição de comunidades e vivências das mente como provocador e desordeiro. Ao práticas sociorreligiosas. Portanto, ao reagi- demonstrarem solidariedade aos patrícios, rem com violência às atitudes ou às palavras indicaram a existência de determinados de- dos “negros”, os imigrantes demonstravam veres entre as famílias locais, compromissos que não os aceitavam como iguais, procu- esses fundamentais para garantir o ajusta- rando de tal modo marcar a própria supe- mento à nova realidade. Era também o mo- rioridade e prestígio em relação aos outros. mento de demarcação dos limites relacionais Nos povoados coloniais, espaços esses em com outros grupos étnicos. A documentação que todos eram submetidos à “supervisão produzida localmente, no caso os abaixo- dos olhares”, o “brasileiro” que se impuser, -assinados, demonstra a ampla capacidade exigindo reconhecimento nos espaços de de ação coletiva dos imigrantes em gerir e sociabilidades frequentados na maior parte controlar as práticas sociais. O sentimento por italianos, sofreria severas punições, às de pertencimento construía-se através dos vezes coletivas. vínculos entre as famílias, proximidade ter- Foi reagindo contra o epíteto de “grin- ritorial e a participação nas atividades sócio- go”, pronunciado por Alexandre Alves de -religiosas. A legitimidade de um poder lo- Oliveira, que o imigrante João Vallandro (24 cal, bem como o processo de acomodação, anos, casado, carpinteiro) sacou a pistola e concretizava-se através de práticas solidá- disparou contra o ofensor. Em seu auxílio, rias e da vivência de uma determinada cul- diversos patrícios atiraram tijolos sobre a ví- tura comunitária (PALMERO, 2000). tima e seu companheiro. Num primeiro mo- Nas regiões de colonização italiana no mento, os italianos consideraram uma afron- , as comunidades foram ta um “brasileiro” entrar na casa de negócio organizando-se a partir da mobilização dos armado de facão pronunciando palavras de imigrantes em construir capelas, escolher os ameaça ao réu.15 No desenrolar do processo, santos padroeiros, garantir a assistência de em solidariedade ao acusado, foi apresen- um sacerdote e realizar as festividades so- tado um abaixo-assinado de 75 italianos da ciorreligiosas.17 Próximos àqueles edifícios comunidade de , no qual João surgiram casas de comércio, locais onde a Valandro era considerado “homem pacífico população promovia pequenos bailes e ou-

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História: Debates e Tendências – v. 14, n. 1, jan./jun. 2014, p. 63-76 tros divertimentos para reviver as antigas Outras punições violentas tradições. Era comum, em tais ocasiões, os italianos manifestarem superioridade pu- Em diversas comunidades ocupadas nindo os que, de algum modo, assumiam por imigrantes italianos – Núcleo Soturno, comportamento afrontoso como fizeram os Vale Vêneto, Colônia Dona Francisca – cons- nacionais apresentados nos casos acima. A tatou-se a existência de crimes praticados “venda” (casa de comércio) surge, então, contra nacionais. Semelhantes entre si, em como o cenário preferencial das rixas entre nenhum deles os acusados foram punidos os imigrantes e os brasileiros. pelo poder judiciário. A atitude do “brasi- Através da análise do comportamento leiro” Benjamim Soares, de chegar à casa de dos sujeitos que reagem às ofensas, perce- comércio onde se encontrava reunido um be-se que a violência física era um recurso grupo de imigrantes e pedir um “copo de legítimo para punir os adversários. Porém, água ardente fiado”, motivou a ocorrência não era o principal mecanismo de ajuste dos de um conflito com o filho do proprietário. impasses cotidianos (CHALHOUB, 2001, Isso porque tal atitude foi compreendida p. 335). Em alguns casos, ela aparecia como como provocativa por parte do italiano Do- a única saída, principalmente quando os mingos Rossini (54 anos, casado, agricultor alvos eram indivíduos percebidos como de e negociante). Após suposto insulto lançado “condição inferior”. A aprovação do uso de por Benjamim Soares à família de Rossini, violência física contra certas pessoas pode aquele foi atingido com um tiro de pistola, ser analisada através das declarações de “caindo no mesmo instante sem vida”. O fi- um dos espancados: “muitos italianos ali lho do dono da casa de comércio, João Ros- residentes aprovaram [as agressões] dizen- sini (20 anos, solteiro, agricultor), foi o autor do ser preciso eliminar todos os brasileiros do disparo. residentes na colônia, pois ela havia sido Na avaliação do perito que fez o exame criada apenas para eles”.18 Como percebe- de corpo de delito, o cadáver ficou por mais -se, os núcleos coloniais eram entendidos de 48 horas em frente ao estabelecimento co- pelos imigrantes como espaços que deviam mercial. Durante esse período, alguns indi- ser geridos pelas normas e princípios de víduos tentaram “tramar a cena da morte ao seus principais ocupantes. Desse modo, a colocarem duas espadas” na cena do crime.20 explicação evidencia questões importantes De acordo com a opinião do juiz, “a nação como as fronteiras étnicas e sociais demar- italiana” que residia no local acreditava ter cadas através da prática cotidiana entre os “todo o direito” de fazer o que quisesse em grupos.19 As tensões e as violências apare- afronta às leis do país.21 Apesar das reco- cem, aqui, como mecanismos válidos para mendações da necessidade de punição aos demarcar o privilégio e o direito dos imi- crimes cometidos pelos italianos da Colônia grantes sobre determinado espaço. Dona Francisca, também nesse caso o réu não foi encontrado. Depois do ocorrido, João Rossini (20 anos, solteiro, agricultor) – autor

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História: Debates e Tendências – v. 14, n. 1, jan./jun. 2014, p. 63-76 do disparo contra Benjamim Soares – trans- pio de Cachoeira do Sul” sob acusação de ter feriu-se para a Colônia Ijuí, local distante de atentado “contra o pudor da menor” Ângela onde estava sendo procurado pela justiça. Vogel (9 anos. Depois de capturado, Gra- Somente em fevereiro de 1903, ao regressar ciliano ficou amarrado por longo período para a casa paterna, decidiu apresentar-se às em frente à casa do escrivão distrital, sob o autoridades judiciárias. Como justificativa olhar de grande número de pessoas. Segun- do crime, afirmou ter atirado contra Ben- do a opinião de uma testemunha, a situação jamim Soares para proteger o pai, já que o apontava para o linchamento, pois durante outroestava armado de facão. Com esses ar- a noite havia sido intenso o trânsito de in- gumentos João Rossini foi absolvido.22 divíduos armados em frente à residência do Em morte similar à apresentada,23 de- escrivão distrital. O linchamento, de fato, corrente de provocações entre alguns ita- concretizou-se.24 lianos e um brasileiro no povoado do Vale No processo, foram denunciados como Vêneto, as falhas no procedimento de elabo- responsáveis pelo crime o subintendente ração do exame de corpo de delito e a demo- Nicodemos Barbosa de Lima e o agricultor ra na comunicação do ocorrido às instâncias italiano Frederico Martini. Outros cinco fo- superiores forneceram argumentos para a ram apontados como réus, porém, apenas promotoria pública fazer “duras” críticas ao o primeiro foi julgado, uma vez que contra procedimento das autoridades locais, princi- o restante nada foi provado. As acusações palmente, ao subdelegado e ao subintenden- contra Nicodemos eram decorrência de sua te, responsáveis pela administração da justi- negligência, chegando ao ponto de, segundo ça no 5° distrito, do município de Cachoeira a promotoria, ter alterado intencionalmente do Sul. O subintendente Nicodemos Barbo- os autos de corpo de delito para proteger sa de Lima foi acusado de, frequentemente, os responsáveis pelo linchamento. Além estar ausente quando da ocorrência dos cri- disso, também não havia investigado a cul- mes na região colonial. Acusavam-no de não pabilidade do dito “vagante Graciliano”. ser rigoroso no cumprimento dos próprios Juntamente ao subintendente Nicodemos, deveres de homem do Estado. o subdelegado Pedro Modesto da Rosa foi Posteriormente, em 1907, Nicodemos acusado de não investigar as circunstâncias foi alvo de uma investigação acerca de seu do atentado contra a jovem Ângela Vogel. A “mau procedimento na condução do caso promotoria denunciou que, ao não cumprir que redundou na morte de Graciliano da com sua função, o subdelegado “enveredou Fontoura, vulgo ‘Riquinho’”. Esse fato me- para o terreno da calúnia” contra o dito “va- rece detalhamento. No local chamado Sotur- gante Graciliano”, alegando que este perten- no, próximo à Colônia Dona Francisca, ocor- cia a uma “família de má fama” e que ele já reu um novo linchamento, agora, porém, do havia atentado contra a “honra da mulher” denominado “vagante Graciliano”. O crime do italiano Benjamim Segabinazi, além de deu-se quando esse era “conduzido com es- ter perseguido outra menina na região.25 colta por vários indivíduos para o municí- As suspeitas levantadas pela população co-

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História: Debates e Tendências – v. 14, n. 1, jan./jun. 2014, p. 63-76 lonial contra Graciliano, encampadas pelo na frente da casa. Assim, durante esse inter- subdelegado, eram tidas como suficientes valo de tempo, diversos moradores encami- para suscitar reação imediata. nharam-se até o local para ver o “preto”. Já à A punição violenta era a maneira en- noite, o grupo que o capturou, acrescido de contrada pelos imigrantes para castigar os quase 50 homens a cavalo, resolveu condu- de condição social inferior e etnicamente di- zi-lo para o subintendente do 7° distrito de ferentes. Às vezes, a simples suspeita de que Cachoeira do Sul. Numa determinada etapa um “negro”, forasteiro ou “brasileiro” havia do caminho, no lugar chamado “Capão do desonrado sexualmente uma jovem basta- Veado”, o prisioneiro – que vinha amarrado va para que se iniciasse uma perseguição. com as mãos nas costas, andando na frente O evento apresentado na sequência parece de uma comitiva que o seguia a cavalo – ten- confirmar o quanto essa prática era recor- tou fugir e, por isso, foi “atingido por vários rente nos locais ocupados pelos imigrantes tiros”, falecendo no local. A princípio, oito europeus no sul do Brasil. Em 1902, em um indivíduos, todos imigrantes e descendentes dos distritos de Cachoeira do Sul, localizado de alemães, foram apontados como réus no nas proximidades da Colônia Santo Ange- processo criminal. Durante as inquirições, lo,26 o “andarilho preto José” foi perseguido, “todos os estratagemas” foram acionados capturado e morto por suposta tentativa de para fugirem da ação da justiça, sem revelar defloramento da menina Frida Müller, de os “cabeças e diretores do grande grupo de sete anos. A morte de “preto José” aconte- quem partiu a voz ou ordem para fazer fogo ceu na estrada quando este foi preso e estava contra o preso”.27 sendo conduzido às autoridades distritais Na opinião do promotor público, ficou do município de Cachoeira do Sul. Além de evidente que os denunciados haviam pre- ter tentado desonrar a menina, segundo as meditado a morte do preso, e que suas afir- testemunhas, “preto José” teria invadido o mações eram “subterfúgios para eximirem- espaço privado da casa da família Müller, -se da responsabilidade que lhes cabe”. Para roubando objetos, roupas, relógio e a quan- não serem julgados pelo crime, os depoentes tia de 12 mil réis. Diante disso, formou-se alegaram que significativo número de pes- um grupo da vizinhança que decidiu seguir soas acompanhava o preso, não identifican- no encalço do suspeito, encontrando-o nas do quem atirou. Mas, a maior demonstração imediações do município de . Ali, de apoio aos oito acusados veio através de com o auxílio das autoridades, capturaram abaixo-assinado, documento firmado por 36 o “gatuno”. cidadãos que confessaram ser “coautores da No retorno para Cachoeira do Sul, referida morte e solidários aos acusados”. “preto José”, primeiramente, foi vítima de A solidariedade étnica entre as famílias vi- humilhações na residência da família Mül- zinhas é a prova cabal das redes formadas ler. Nesse lugar, foi obrigado a trocar a su- para a proteger os indivíduos nas comuni- posta “fatiota roubada”, recebeu alimentos dades formadas por imigrantes.28 Iniciada e, a seguir, permaneceu por horas amarrado nova etapa das investigações, além dos oito

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História: Debates e Tendências – v. 14, n. 1, jan./jun. 2014, p. 63-76 acusados, foram julgados os outros 36 su- maculada, por isso disseram que a menina jeitos. Todos foram considerados culpados havia sido desonrada. Acredita-se que o pela morte do “preto José”, sendo decretada principal motivo da mobilização dos teuto- a prisão. Contudo, não consta no processo se -brasileiros foi o procedimento ofensivo os acusados cumpriram a pena. do “preto” de invadir e furtar a residência Na percepção dos homens do campo, onde havia trabalhado. Para os indivíduos o furto dos bens materiais era julgado como que partiram em seu encalço, importava um ato gravíssimo, por vezes até mais do recuperar os objetos roubados e fazer justi- que atentar contra os mais fracos, no caso as ça rapidamente, demonstrando que a pena mulheres, as crianças e os idosos. Assim, se a a ser aplicada era prerrogativa deles. “Não violação sexual era percebida como desonra me considero criminoso”, argumentou o à mulher e afronta à família, havia outra ca- alemão Henrich Meyer, agricultor indicia- tegoria de delito considerada grave: o roubo do no caso. E assim como esse, nenhum dos (VIGARELLO, 1998). Os assaltos nas pro- outros acusados viam-se como criminosos. priedades comprometiam uma determinada No processo-crime, fica perceptível as dife- ordem, colocando em risco a estabilidade rentes concepções do que era crime e da sua familiar. O ato praticado à luz do dia em gravidade, formando-se, desse modo, uma uma residência ganhava contornos ainda disputa entre a justiça do Estado e a popu- mais graves, pois o “gatuno” aproveitava- lação, cada qual buscando legitimidade para -se da ausência dos adultos – que estavam aplicar a punição. A promotoria pública trabalhando na lavoura – para cometer o empenhou-se em punir os homicidas, pois crime, a exemplo do que ocorreu com a fa- tentava mostrar que o procedimento desses mília Müller. Na casa, havia permanecido desrespeitava as leis republicanas. apenas a menina Frida Müller, que, com 7 No entanto, as atitudes das famílias anos, certamente era responsável pela reali- evidenciavam que os espaços de atuação zação de algumas tarefas domésticas. Por ter do Estado eram limitados nas comunida- trabalhado para a família Müller e sabendo des camponesas formadas por imigrantes que somente a filha estava a proteger a casa, europeus, já que essas eram permeadas por “preto José” encorajou-se e realizou o furto. lógicas próprias de gestão dos problemas Porém, ao que parece, não cometeu ato al- internos. A participação conjunta de amplo gum contra a honra da garota.29 grupo de indivíduos era entendida como A tentativa de violência sexual foi o ar- uma iniciativa de autoproteção em relação gumento utilizado pelos familiares e apoia- ao possível julgamento pelo poder judiciá- dores para justificar a caçada empreendida rio. Havia uma diferença de entendimento contra o “preto José”, o que levou à sua entre as duas formas de fazer justiça – a po- morte, segundo argumentos do promotor. pular e a do Estado – e o tipo de penalidade Os indivíduos sabiam que a justiça do Es- aos que transgredissem as regras de socia- tado aceitava a vingança quando realizada bilidade nas comunidades. Deve-se levar em legítima defesa e quando a honra estava em conta aspectos como a conivência e/ou

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História: Debates e Tendências – v. 14, n. 1, jan./jun. 2014, p. 63-76 a negligência dos representantes legais do em indivíduos considerados de condição Estado nas regiões coloniais, bem como a social inferior. Viu-se, neste trabalho, que formação de um “tribunal de grupo” entre as fontes judiciais permitem analisar as prá- os imigrantes para decidir a punição ao in- ticas cotidianas das famílias imigrantes nas frator. Eram os próprios indivíduos lesados comunidades rurais, o sentido das ações, a que, inicialmente, baseados em normas e có- maneira como entendiam a realidade social digos do universo dos camponeses, agiam e a forma como se dava o contato interétni- punindo quem ameaçava a segurança. co em tais espaços. Para além dos episódios Nos grandes centros urbanos, como de violência, constata-se que os nacionais a cidade de São Paulo entre o final do XIX desempenhavam trabalhos temporários nas e início do XX, as coletividades familiares casas das famílias de imigrantes, comparti- formadas por imigrantes italianos foram lhando dos mesmos espaços de sociabilida- “o ostensivo de vários crimes”, segundo a de. Os conflitos aparecem, aqui, como uma concepção do Estado. Uma das caracterís- maneira legítima de demarcar privilégios e ticas vivenciada pelo grupo foi a formação de estabelecer superioridade de alguns so- de novas agregações e redes de solidarieda- bre os outros. As agressões físicas, enquanto de baseada na cultura trazida dos locais de formas de castigo, foram escolhidas pelos origem. Assim, as autoridades depararam- imigrantes como recurso para estabelecer a -se com dificuldades para apurar os fatos fronteira étnica em relação aos negros. (FAUSTO, 2001, p. 79-83). Acredita-se que as referidas explicações serviam para entender Abstract a formação das frentes de apoio, principal- mente entre os indivíduos que tinham um This article will examine conflicting epi- passado comum e conviviam em um mesmo sodes between European immigrants espaço, compartilhando idêntico universo and nationals in areas of colonization cultural. Nesse sentido, a existência de per- in the center of Rio Grande do Sul, from cepções diferentes acerca de quem devia jul- the late nineteenth to early twentieth gar e punir os atos delituosos ocorridos lo- century’s. From criminal cases, we rea- calmente levava os sujeitos a agir de forma lize the racial superiority that Europe- ans have believed for nationals and the autônoma, sem optar pela via institucional. ways found by the first to express this No entanto, além dessa questão, os ethnic difference. Certain types of pu- episódios analisados no presente artigo nishments were applied exclusively in permitem perceber outros aspectos do re- inferior social individuals, configuring, lacionamento entre imigrantes e nacionais for Europeans, a legitimate way to de- nos núcleos coloniais. Aqui, confirma-se a marcate and establish the superiority of ideia de superioridade expressada contra some over others. os negros através de atos de violência. De- terminados tipos de punições, a exemplo Keywords: European immigrants. Intere- do linchamento, somente eram aplicadas thnic relationships. Violence.

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História: Debates e Tendências – v. 14, n. 1, jan./jun. 2014, p. 63-76 7 Jornal O Gazetinha, 21 de dezembro de 1899. Mu- Resumen seu de Comunicação Social Hipólito José da Cos- ta (MCSHJC), Porto Alegre. En este artículo examinaremos episo- 8 Jornal O Gazetinha, 21 de dezembro de 1899. Mu- dios conflictivos entre los inmigrantes seu de Comunicação Social Hipólito José da Cos- europeos y nacionales en regiones de la ta (MCSHJC), Porto Alegre. 9 Jornal Gazeta da Tarde, 29 de dezembro de 1899; colonización en el centro de Rio Grande Jornal Correio do Povo, 28 de dezembro de 1899, do Sul, desde finales del XIX hasta prin- MCSHJC. 10 cipios del XX. De los casos penales, pue- O brasileiro Rodolfo dos Santos aparece, em 1900, prestando serviços temporários para as famílias de darse cuenta de la superioridad racial imigrantes na região colonial. Livro caixa da casa de los europeos creían que tenían hacia de comércio de Guilherme Kettermann, 08.05.1899 los negros y las formas encontradas por a 10.11.1901, nº 1, APFM, Faxinal do Soturno. 11 Processo-crime, Cartório Cível e Crime, Cachoei- los primeros en expresar esta diferencia ra do Sul, nº 3487, Maço 26, 1901. APERS. étnica. Ciertos tipos de sanciones se apli- 12 Processo-crime, Cartório Cível e Crime, Cachoei- can exclusivamente en individuos con- ra do Sul, nº 3487, Maço 26, 1901. APERS. 13 siderados de condición social inferior, Processo-crime: Cartório Cível e Crime, Cachoei- ra do Sul, nº 3487, Maço 26, 1901. APERS. para los europeos una forma legítima de 14 Processo-crime: Cartório Cível e Crime, Cachoeira demarcación de la superioridad de unos do Sul, nº 3487, Maço 26, 1901. APERS. Os imigran- sobre otros. tes condenados foram: Carlos Centi, José Dalla Corte, Luiz Centi, Miguel Centi e João Vedovato. 15 Processo-crime, Cartório cível e Crime, Santa Palabras clave: Inmigrantes europeos. Re- Maria, nº 1145, Maço 35, 1890. APERS. laciones interetnicas. Violencia. 16 Abaixo-assinado de 10 de junho de 1890. Idem 17 Sobre as primeiras iniciativas de estruturação e manutenção de certa autonomia das comunida- des na região da ex-Colônia Silveira Martins, nas Notas últimas décadas do século XIX, ver: VENDRA- ME, (2007). 1 O termo “nacional” é utilizado neste artigo e se 18 Processo-crime, Cível e crime, , nº refere aos indivíduos caracterizados como “bra- 1039, Maço 35, 1900, APERS. sileiros” ou “negros”, conforme aparece na docu- 19 De acordo com Frederik Barth (2000), a identi- mentação. dade étnica, como qualquer outra identidade 2 Estudando os comportamentos dos imigrantes coletiva, é percebida através de uma concep- italianos no oeste paulista, na última década do ção dinâmica, uma vez que ela se constitui e se século XIX e início do XX, Karl Monsma (2004, transforma pela interação de grupos sociais em 2007) aponta que os hábitos e condutas que na processos contínuos “de exclusão e inclusão que esfera da vida cotidiana da convivência servem estabelecem limites entre tais grupos, definindo para demarcar diferenciação, estabelecendo su- os que os integram ou não”. As características perioridade daqueles para com os brasileiros. diferenciais são aquelas que os próprios autores 3 Processo-crime: Cartório Cível e Crime, Cachoei- apontam como significativas (POUTIGNAT & ra do Sul, nº 2507, maço 81, 1899, APERS. STREIFF-FENART, 2007, p. 11). 4 Processo-crime: Cartório Cível e Crime, Cachoei- 20 Sumárias, Cartório do Júri, Cachoeira do Sul, nº ra do Sul, nº 2507, maço 81, 1899, APERS. 3453, Maço 23, 1897, APERS. 5 Processo-crime: Cartório Cível e Crime, Cachoei- 21 Sumárias, Cartório do Júri, Cachoeira do Sul, ra do Sul, nº 2507, maço 81, 1899, APERS. nº 3453, Maço 23, 1897, APERS. 6 Os próprios italianos eram alvos de castigos 22 Sumárias, Cartório do Júri, Cachoeira do Sul, consentidos pela comunidade quando fatos ul- nº 3453, Maço 23, 1897, APERS. trapassavam o tolerável. Porém, nesses casos, as 23 Sumárias, Cartório do Júri, Cachoeira do Sul, nº punições variavam, aparecendo o recurso da jus- 3458, Maço 23, 1898, APERS. tiça do Estado como alternativa para garantir a 24 Processo-crime, Cartório do Júri, Cachoeira do expulsão do indesejado (VENDRAME, 2013). Sul, Maço 30, 1907, APERS.

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História: Debates e Tendências – v. 14, n. 1, jan./jun. 2014, p. 63-76 25 Processo-crime, Cartório do Júri, Cachoeira do MONSMA, Karl. Imigração e violência racial: Sul, Maço 30, 1907, APERS. italianos e negros no oeste paulista, 1888-1914. 26 A Colônia Santo Ângelo foi fundada na década de Impulso. Piracicaba v. 15, n. 37, p. 49-60, 2004. 1850 recebendo imigrantes pomeranos (norte da Alemanha), compreendendo atualmente os muni- ______. História de Violência: inquéritos po- cípios de Agudo, Paraíso do Sul, Novos Cabrais, liciais e processos criminais como fontes para e partes de Candelária. A Colônia Santo Ângelo o estudo de relações interétnicas. In: DEMAR- pertencia ao município de Cachoeira do Sul. 27 Processo-crime, Cartório do Júri, nº 3503, Maço TINI, Zeila de Brito Fabri; TRUZZI, Oswaldo 27, ano 1902, APERS. (Orgs.). Estudos migratórios: perspectivas meto- 28 Idem. dológicas. São Carlos: EdUFCar, 2005. 29 O promotor público argumentou que nem se- quer fizeram exame para comprovar se a menina ______. Identidades, desigualdade e conflito: foi deflorada. Na verdade, toda a investigação imigrantes e negros em um município do inte- foi mal feita, e nem mesmo o corpo de delito do rior paulista, 1888-1914. História Unisinos. São “preto José” foi realizado a tempo. Vários dias Leopoldo, 11(1): 111-116, 2007. depois da morte é que exumaram o corpo para fazer o corpo de delito. Processo-crime, Cartório PALMERO, Beatrice. Regole e registrazione do Júri, nº 3503, Maço 27, ano 1902, APERS. del possesso in età moderna. Modalità di cos- truzione del territorio in alta Val Tanaro. In: Quaderni Storici /103 a. XXXV, n. 1, gennaio Referências 2000, p. 49-85. POUTIGNAUT, P.; STREIFF-FENART, J. Teo- BARTH, Fredrik. O guru, o iniciador e outras va- rias da etnicidade: seguido de grupos étnicos e riações antropológicas. Rio de Janeiro: Contraca- seus fronteiras de Fredrik Barth. Trad. E. Fer- pa, 2002. nandes. São Paulo: UNESP, 1997. BURGUIÈRE, André; LEBRUN, François. “As VENDRAME, Maíra Ines. Lá éramos servos, aqui mil e uma famílias da Europa”. In: BURGUIÈ- somos senhores: a organização dos imigrantes RE, Andrè et al. História da família: o choque italianos na ex-colônia Silveira Martins (1877- das modernidades Ásia, África, América, Eu- 1914). Santa Maria: Ed. da UFSM, 2007. ropa. v. 3. Lisboa, Portugual: Terramar, 1998. p. 15-82. ______. Ares de vingança: redes sociais, honra familiar e práticas de justiça entre os imigran- CASEY, James. A história da família. São Paulo: tes italianos no sul do Brasil (1878-1910). 2013. Editora Ática, 1992. Tese (Doutorado em História) – Pontifícia Uni- CHALHOUB, Sidney. Trabalho, lar e botequim: o versidade Católica do Rio Grande do Sul, Por- cotidiano dos trabalhadores no Rio de Janeiro to Alegre, 2013. da belle époque. Campinas, São Paulo: Editora VIGARELLO, Jorges. História do estupro: vio- da UNICAMP, 2001. lência sexual nos séculos XVI-XX. Rio de Janei- FAUSTO, Boris. Crime e cotidiano: a crimina- ro: Jorge Zahar, 1998. lidade em São Paulo (1880-1924). São Paulo: Edusp, 2001. MARTINS, José de Souza. Linchamento, o lado sombrio da mente conservadora. Tempo social – Revista de Sociologia da USP. v. 8, n. 2. São Paulo, 1996.

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