Sexta-feira 3 Julho 2009 www.ipsilon.pt David Adjaye Tortoise Konono nº 1 Ursula Meier Gao Xingjian

A ascensão de Alain Platel “pitié!” em Lisboa e Porto McCartney está à espera de uma chamada dos MGMT

“O Sangue” (1989) e “Ne Change Rien” (2009): o primeiro e o último filme de Pedro Costa vão estar em marcha no Outono

Pedro Costa “Pitchfork”. Depois de terem passado dois em marcha meses numa cabana perto de Woodstock, os MGMT Vamos continuar a ouvir falar de continuam exilados em Malibu, Pedro Costa nos próximos meses: Califórnia – onde é suposto “Ne Change Rien”, o documentário estarem a trabalhar no novo sobre Jeanne Balibar que o cineasta “Congratulations”, com saída português mostrou pela primeira prevista para Janeiro –, e ainda vez em Cannes, foi seleccionado não reagiram à palmadinha nas para mais de 20 festivais, tem mais costas. Têm um álbum para uma antestreia, em Berlim, na Haus fazer e já começaram a mostrar der Kulturen der Welt (depois de, algumas das coisas que será há uma semana, ter tido outra na possível encontrar no sucessor Filmoteca Espanhola, em Madrid) e de “Oracular Spectacular” (foi já assegurou a exibição comercial uma vez sem exemplo, numa Flash em sete países (EUA, França, actuação “excepcional” em Espanha, Japão, Áustria, Suíça, Memphis, e os vídeos de “It’s Argentina). Em Portugal, chega às working”, “Congratulations” e salas no dia 5 de Novembro. Antes “Song for Dan Tracey” já estão disso, outro acontecimento Pedro no YouTube). Definitivamente, Costa: a 10 de Setembro, a Midas não vai haver um “Oracular lança uma “grande monografia” Spectacular” parte dois: “Não sobre o realizador, “Cem Mil sentimos realmente pressão Cigarros: Os Filmes de Pedro porque sabemos que não vamos Costa”, com coordenação editorial refazer canções como ‘Kids’ ou de Ricardo Matos Cabo e edição da ‘Time to pretend’. A nossa Tinta da China. São mais de 300 música está mais estranha. páginas com textos de 28 críticos, Criamos as canções que estão Sumário ensaístas, cineastas e artistas na nossa cabeça e as pessoas portugueses e estrangeiros, entre os reagirão como quiserem. Alain Platel 4 quais Thom Andersen, Philippe Gostávamos que reagissem “pitié!”, o novo acto de fé do Azoury, Rui Chafes, João Bénard da bem, mas não é uma questão de coreógrafo belga Costa, Chris Fujiwara, António vida ou morte”, disse Andrew Guerreiro, João Miguel Fernandes Vanwyngarden ao “Memphis Festival de Almada 10 Jorge, Marc Peranson, Jacques Flyer”. Rancière e Jeff Wall. O lançamento Luc Bondy, Silva Melo vai ser festejado com dois bónus: a e André Murraças em edição em DVD do primeiro filme Tarantino quer destaque na primeira do realizador, “O Sangue” (20 anos fazer um “Inglorious semana depois da estreia no Festival de Veneza), e a reedição de “Onde Jaz Basterds II” o Teu Sorriso?”, documentário de Ursula Meier 14 2001 sobre o casal de cineastas Ninguém – nem mesmo o produtor A realizadora atropela o Danièle Huillet e Jean-Marie Straub. que tem estado com Quentin refúgio de Isabelle Huppert e Tarantino na alegria e na tristeza, família em “Lar Doce Lar” Harvey Weinstein – põe a mão no Paul McCartney fogo por um “Inglorious Basterds” tem um “flirt” parte dois, mas todos gostavam Curtas Vila de Conde 18 muito que acontecesse. “O Brad O festival mostra como o com os MGMT [Pitt] quer fazer o ‘Inglorious II’. cinema imaginou o futuro Todos queremos, e o filme ainda A um mês de lhes ser nem sequer saiu”, disse Weinstein à David Adjaye 22 pessoalmente apresentado – vão “GQ”. Aparentemente, Tarantino Entrevista com o arquitecto fazer a primeira parte dos tem planos para uma prequela do concertos do ex-Beatle em seu último filme, mostrado em escolhido para desenhar o Boston, a 5 e 6 de Agosto –, Paul Cannes há mês e meio – e até para Centro Cultural Africa.Cont, McCartney já só tem coisas muito mais do que isso. Segundo FRANCOIS GUILLOT/ AFP FRANCOIS GUILLOT/ em Lisboa boas a dizer dos MGMT. Weinstein, Tarantino tem “Gosto deles. material suficiente para Agradava-me uma série televisiva Ficha Técnica trabalhar com eles tipo “Band of em materiais mais Brothers”: Director José Manuel Fernandes virados para a “Podíamos fazer Editor Vasco Câmara, dança, mas isso dois filmes, três Joana Gorjão Henriques (adjunta) tem de acontecer filmes. Eu queria os Conselho editorial Isabel organicamente. filmes, mas o Coutinho, Inês Nadais, Precisamos de falar Quentin queria fazer a Óscar Faria, Cristina Fernandes, sobre isso, mas não série e o Bob Vítor Belanciano tenho o número deles. [Weinstein] também, por Design Mark Porter, Simon Se eles me ligassem, Tarantino isso eram dois contra um. Esterson, Kuchar Swara perguntava-lhes onde é que Pensei: ‘Ok, esquece, não quero ser Directora de arte Sónia Matos arranjaram o meu número, mas um derrotado, vou mudar de Designers Ana Carvalho, falava com eles”, disse ao facção.’ Logo a seguir, o Quentin Carla Noronha, Mariana Soares “blogger” britânico Zoe Griffin. transforma a coisa num filme. Editor de fotografia Podiam aproveitar para tratar Enfim”. A viabilidade da prequela Johnny Depp na sua sétima aventura com Tim Burton: o chapeleiro Miguel Madeira do assunto em Boston, nos depende sobretudo da performance ruivo de “Alice no País das Maravilhas” é personagem para juntar E-mail: [email protected] bastidores do concerto, sugere a de “Inglorious Basterds”, que chega à galeria em que estão Eduardo Mãos-de-Tesoura e Willy Wonla

2 • Sexta-feira 3 Julho 2009 • Ípsilon às salas a 21 de Agosto – depois da da cultura popular do século XX e reacção ambígua da crítica, só há dois ou três anos é que Tim Burton já está também não há ninguém que descobrimos quem a fez”, apontou ponha a mão no fogo pela o comissário. no País das Maravilhas bilheteira. Pixies vão fazer Já ouvimos os ponteiros do espécie de viagem no Os anos 60 saem do digressão 100 por relógio em contagem tempo. Reencontramos armário na National cento “Doolittle” decrescente para a estreia Alice dez anos mais velha e Portrait Gallery do próximo Tim Burton – de casamento marcado, É o melhor álbum da vida deles – mas não estamos atrasados, numa festa da aristocracia podemos discutir isto, mas lá fora – ao contrário do Coelho vitoriana, e saímos com ela e faz 20 anos em 2009. Está Branco (pagávamos para ver pela porta das traseiras, explicada a digressão 100 por cento “Doolittle” que vai trazer os Pixies à a transfiguração de Michael atrás de um coelho branco, Europa (para já, há concertos Sheen, até porque nunca direcção País das confirmados em Dublin, Glasgow, subestimámos o potencial Maravilhas. Esta é a parte Londres, Frankfurt, Amesterdão, daquela dentição, mas essas para crianças, mas também Bruxelas e Paris, mas esperamos imagens ainda não foram há a parte para adultos: é que a lista ainda não esteja fechada) a partir de 1 de Outubro. O desclassificadas). O muito uma história perversa (o alinhamento dos concertos vai aguardado “remake” do tipo de história “para incluir, uma por uma, todas as 15 clássico de Lewis Carroll, adultos que querem canções do disco editado em 1989 – “Alice no País das recordar como foi a a saber, para quem tem uma Maravilhas”, vai para as primeira ‘trip’ de ácidos, memória mesmo muito fraca ou, Os Beatles em 1964 pior, ainda não fosse nascido, salas no dia 5 de Março de como algum “insider” já Os Beatles e os Stones, mas também “Debaser”, “Tame”, “Wave of 2010 e a Disney começou a escreveu). É a Alice como os Shadows, Sandie Shaw, Cila mutilation”, “I bleed”, “Here comes mandar convites no final da nunca a vimos, garante Tim Black, Marianne Faithfull e um your man”, “Dead”, “Monkey gone semana passada. São ainda Burton: “Os filmes nunca desconhecido chamado David to heaven”, “Mr. Grieves”, “Crackity mais vistosos do que conseguiram ir além da Bowie. A partir de 15 de Outubro, a Jones”, “La la love you”, “No. 13 National Portrait Gallery mostra 150 baby”, “There goes my gun”, poderíamos imaginar: o encenação de uma série de imagens inéditas, ou pelo menos “Hey”, “Silver” e “Gouge away” –, mínimo que se pode dizer é acontecimentos estranhos. muito pouco vistas, que além dos lados B associados. que, a julgar pelo cuidado A Alice limita-se a vaguear documentam a paisagem musical Entretanto, os rumores acerca de posto na concepção visual por ali no meio de umas britânica dos anos 60. “Beatles to um possível novo álbum da banda do filme, o realizador está personagens bizarras, Bowie: The 60s Exposed” mostra continuam a alimentar páginas e “como a música mudou o mundo. páginas da Internet na sequência da nas suas sete quintas. como se não passasse de Do final da década de 50 até ao final entrevista que Black Francis deu ao Johnny Depp (Chapeleiro) uma observadora. Mas o da década de 60, as mudanças “NME” no último fim-de-semana: está ruivo, Anne Hathaway livro é um clássico e a sociais e políticas foram de uma “Precisamos de trabalhar com um (Rainha Branca) tem cabelos iconografia é tão surreal importância fantástica – e no centro realizador. O Quentin Tarantino, ou brancos, Helena Bonham- que isto só pode ser um dessas mudanças estiveram alguém do género, podia pedir-nos imagens e canções que alteraram as para fazer a banda sonora de um Carter (Rainha de Copas) grande desafio. Estas expectativas, as oportunidades e as filme. Espalhem a notícia, acho que mete medo, pelo menos do histórias são como drogas possibilidades”, explicou o director esta ideia podia resultar”, disse o pescoço para cima, e Matt para crianças”, disse ao da galeria, Sandy Nairne. vocalista da banda, que não exclui a Lucas (que Tim Burton “The Guardian” há um ano. O comissário da exposição, Terence hipótese de gravar um álbum de duplicou para fabricar os A nova versão da “Alice no Pepper, passou meses mergulhado originais, mesmo sem Tarantino. em negativos, revistas e arquivos “Teríamos de nos fartar de tocar o “gémeos” Tweedledee e País das Maravilhas” para encontrar o material com que repertório antigo e decidir ‘que se Tweedledum, recorrendo à combina imagem real e agora se constrói esta história lixe, vamos pôr músicas novas no mesma tecnologia que usou animação e está desde alternativa da década que mudou o alinhamento’. Mas só valia a pena se em “Charlie e a Fábrica de Janeiro em pós-produção mundo – na apresentação da o álbum fosse mesmo bom. Temos Chocolates” para multiplicar de efeitos visuais. O filme exposição, apareceu com o poster medo de gravar coisas e elas original dos Beatles que saiu numa acabarem por sair cá para fora, os seus “oompa-loompas”) foi rodado edição de 1964 do “News of the independentemente de terem ou usa suspensórios e a Alice maioritariamente em World” e disse esperar que este não qualidade. Os Pixies são (Mia Wasikowska), bem, a Inglaterra com uma equipa conjunto de adorados pelos seus fãs, não Alice está muito crescida. Há de colaboradores regulares imagens ajude a queremos dar cabo disso”, mais, mas ainda não vimos: de Burton (Dariusz Wolski reabilitar os acrescentou. fotógrafos o elenco inclui também os na fotografia, Chris anónimos que actores Christopher Lee, Lebenzon na montagem e fixaram a Stephen Fry, Alan Rickman e Danny Elfman na banda década, como Timothy Spall. sonora) e irá estrear-se em Fiona Adams, O guião, que Linda 3D, embora não tenha sido autora da imagem dos Woolverton (“O Rei Leão”) rodado directamente no Beatles que foi construiu a partir da formato (essencialmente capa do EP “Alice no País das por questões de “Twist and Maravilhas” original e da orçamento). Shout”. “Fez sequela “Alice do Outro uma das imagens Lado do Espelho”, é uma mais Mia Wasikowska é Alice aos 17 definitivas Temos festa: “Doolitle” faz 20 anos

Ípsilon • Sexta-feira 3 Julho 2009 • 3 Uma questão de

“pitié!” marca o regresso de Alain Platel a Portugal. Uma lição sobre a fé, a morte e a compaixão onde a obra do coreógrafo se mostra plena. Uma celebração da vida, a partir de “Paixão Segundo São Mateus”, de Bach – CCB, Lisboa, S. João, Porto. Tiago Bartolomeu Costa

“E o verbo fez-se carne”, grita, de paixão, a piedade e a moralidade”. je e amanhã está no CCB, em Lis- um interior profundo, o bailarino “São pirosos”, ri-se... boa, terça e quarta vai ao Teatro português Romeu Runa, logo no Quando começou a ensaiar, pe- Nacional S. João, no Porto, a pre- início do espectáculo. Reconhece- diu aos intérpretes que improvi- texto do Dancem!09. mos naquela fileira de intérpretes sassem a partir desses conceitos. “Um coreógrafo cria peças para o mesmo dispositivo que víramos Houve quem lhe dissesse que eram as pessoas que vivem aqui e agora, em “Wolf”(2003), mas “pitié!”, irrepresentáveis. E Platel fez disso num contexto contemporâneo”, garante-nos Alain Platel ao telefo- a força da peça que já se apresen- diz-nos. Não se incomoda que lhe ne, não é sobre uma geração em tou mais de 180 vezes, datas mar- perguntemos se é católico. Não é.

Capa particular, nem é um manifesto cadas a maior parte delas antes da Mas para trabalhar a partir da “Pai-

ELLEN GOOVAERT sobre religião, temas que, aten- estreia oficial na Primavera de xão Segundo São Mateus” “não é dendo ao contexto em que vive- 2008. Chega a Portugal agora: ho- necessário sê-lo”. No Japão, onde mos, poderiam impedir a peça de a peça foi apresentada, não foi so- alcançar territórios hoje mais ca- bre catolicismo que se falou. “Os ros ao coreógrafo belga. japoneses não são de mostrar as “pitié!” adapta a “Paixão Segun- emoções em público e, no entanto, do São Mateus”, de Bach, seguindo a evidente emoção deles vinha de a linha de “vsprs” (2006) que tam- uma outra capacidade de identifi- bém trabalhava uma partitura já cação”. A Paixão, resume, é “uma existente, com cantores de ópera, A Paixão é extraordinária obra sobre factos bailarinos e orquestra ao vivo. Mas horríveis. E isso toca a todos”. desta vez o coreógrafo está mais “uma extraordinária Há muito, continua, que deixou interessado “na ambiguidade da de fazer sentido construir peças peça”. “O que me tocou foi a his- obra sobre factos que insistissem sobre uma leitura tória”, diz-nos, antes de nos reve- contemporânea dos acontecimen- lar que “são poucas as oportuni- horríveis. E isso toca tos mundiais ou que fizessem co- dades para trabalhar temas tão a todos” mentários à realidade. “Nunca me densos e ambíguos como a com- preocupei com isso, mas e

Platel é, como Fellini, “um ateu profundo”: “Acho que Deus é... uma belíssima história”

Ípsilon • Sexta-feira 3 Julho 2009 • 5 sua capacidade de reacção aos impul- sos. “pitié!” constrói-se a partir da tradução coreográfica de valores que não podem ser reduzidos à sua di- mensão religiosa: a moralidade, a compaixão e a piedade ocupam o centro dramatúrgico de uma peça que explora, sem cedências, um de- sejo de transcendência material. A nova criação de Platel aproveita o caminho aberto pela exposição da violência de “Nine Finger” (peça co- assinada pelo perfomer Benjamin Verdonk e pela bailarina Fumiyo Ike- da), mas o que essa obra tinha de ur- gente, “pitié!” tem de apaziguado. Aqui a dor é-nos passada, como ca- tarse, por uma série de corpos, indis- tintamente da sua origem. E é essa transversalidade dorida que faz da peça uma manifestação celebratória em vez de lamento. A dor aqui está consumada e a morte de Cristo con- fronta os homens com a possibilidade Há nestes corpos uma de se evadirem de si mesmos. dimensão sexual explícita: foi-lhes pedido que “tivessem Multiculturalidade desejo pela vida” Para esse desejo de evasão muito con- tribui a multiculturalidade do elenco – e as várias ideias que os “perfor- mers” tinham sobre religião e as dife- rentes religiões a que pertenciam –, bem como a partitura. Fabrizio Cassol criou “um contexto musical onde pu- desse surgir a música de Bach, tal co- mo a palavra de Cristo num contexto sempre quis que as minhas peças “Os cantores carregam a tristeza, são “tivessem desejo pela vida”. E é por “Gosto de mostrar onde esta não fosse estrangeira ou se relacionassem com a realidade. eles que carregam a história. Os bai- isso que há quem tenha lido nestes parecesse ‘nova’”, explica-se no pro- Agora já não”. E a distância que vai larinos têm o seu percurso. E os mú- corpos uma dimensão sexual explíci- cansaço, porque grama. Platel sublinha que a peça de- entre esta afirmação e a vontade de sicos outro”. A forma como tudo isto ta. Jean-Marc Adolphe, director da ve ser vivida como “experiência”. continuar a trabalhar para as pessoas se orquestra, nunca parecendo que revista francesa de artes performati- mostra como não “Uma experiência ambiciosa”, reco- que “vivem aqui e agora” encontra estamos a assistir a linhas diferentes, vas “Mouvement”, chegou a escrever nhece. Enche o palco de intérpretes fundamento na própria religião, de- é o que identifica “pitié!” como uma que “existe sexo nas vozes. É essa ‘en- é possível controlar que se metamorfoseiam permanen- finida por ele próprio como “uma das obras mais bem sucedidas da car- carnação’, se assim lhe podemos cha- temente. Nunca abandonando a cena, procura das razões por que se está reira do coreógrafo belga. mar, que dá o tom de toda a linha tudo” vemo-los num crescendo emocional aqui”. Cita Fellini: “Sou um ateu pro- É uma peça de uma crueza rara em emocional, e dramatúrgica, que guia que levará ao esgotamento. Da mesma fundo. Acho que Deus é... uma belís- Platel, autor cuja obra tem estado a coreografia de Alain Platel”. A peça, forma, cantores e músicos percorrem sima história”. “pitié!” é uma belíssi- mais habituada à metaforização, à continua, “poderia também ter-se in- uma paleta emocional diversa, até se ma história. exploração do efeito plástico do mo- titulado, simplesmente, ‘Love!’. Pois, encontrarem para um final que é tudo vimento. O esgotamento evidente nos no fundo, é apenas disso que se trata, menos apoteótico. Celebração da vida intérpretes ao fim de duas horas de das múltiplas vozes do amor, quer se A força de “pitié!” reside, por isso Desde a imagem inicial aos solos que espectáculo também o sentimos en- trate de fraternidade, quer, mais tri- e sobretudo, numa gestão discreta os vários intérpretes vão fazendo, Pla- quanto espectadores. “Gosto de mos- vialmente, de animalidade ‘coital’”. das emoções, seja através da explosão tel vai abrindo espaço para questio- trar cansaço, porque mostra como Sentimos, naquele grito inicial e coreográfica que parece invadir o cor- narmos o que significam esses valo- não é possível controlar tudo”. nos solos dos intérpretes, uma ambi- po dos intérpretes – entregues a uma res, compaixão, piedade, moralidade. Aos intérpretes foi-lhes pedido que ção de exploração do indivíduo e da visceralidade animal –, seja na lim-

Genealogia “pitié!” explora, numa gestão madura, características da obra de Platel que encontramos noutras peças. Genealogia de um espectáculo que dá novo sentido a palavras-chave da obra do coreógrafo.

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Entendida como um marco na dança Há uma permanente tensão em cena, mais O encontro com Fabrizio Cassol produz Platel, que ao contrário de muitos contemporânea belga, foi nesta peça que tarde acentuada pela entrada de uma uma peça monumental a partir da obra de coreógrafos da sua geração tinha Sidi Larbi Cherkaoui e Sam Louwyck, matilha de cães que nos olham e vigiam Monteverdi “Vésperas da Beata Virgem”. evitado despir os intérpretes mais tarde coreógrafos produzidos pelo (ou guardam), mas é uma das peças Menos preocupado com a forma e mais dos seus espectáculos, encontra Ballets C de la B, chamaram a atenção. mais livres de Platel e aquela que, nos interessado em explorar metaforicamente em Caroline Lemaire o corpo e o Platel usa a multiplicidade estilística últimos anos, mais espanto causou. Platel o poder demencial da religião, Platel junta contexto para explorar não só a das partituras de Bach como ponto de coreografa um banquete apocalíptico, ao bailarinos, cantores e artistas de circo nudez mas também o desejo. partida para uma instalação cénica qual os corpos jovens dos bailarinos se para uma orgia de sequências feéricas O corpo da “stripper” amplia a múltipla. Os corpos, estrategicamente entregam despudoradamente. Manifesto e profanas. Como poucos, gere no palco fisicalidade característica dos colocados à deriva, fundamentam uma geracional disfarçado de fim do mundo, diferentes linhas interpretativas e abre movimentos desenhados por Platel, dramaturgia feita de episódios diversos e não é só uma peça que pede um mergulho espaço para o risco poético. Grotesco e prolongando uma mistura de até contraditórios, trazendo para o palco em apneia no seu delirante caos. Pede sedutor, incomoda pela sua liberdade sensualidade, virtuosismo e técnica. leituras hiper-simbólicas da realidade. também que coloquemos em causa criativa. Solo magnético e provocador, revela um os valores e os modelos pelos quais coreógrafo focado no detalhe e atento à decidimos optar viver. essência do movimento.

6 • Sexta-feira 3 Julho 2009 • Ípsilon Romeu Runa e o colectivo O português dança pela primeira vez numa peça de Alain Platel, pronto “para tocar a utopia”.

“Olá, o meu nome é Romeu Runa, venho de Portugal e sou bailarino. Quero trabalhar contigo”. As palavras, saídas de rompante depois de ver vsprs em Berlim, terão sido estas, mais memória menos facto, mas ficaram guardadas quase cinco meses até voltar a ver o espectáculo, já em Dusseldorf. Depois escreveu-lhe um e-mail. Do outro lado Alain Platel respondeu que não acreditava em audições, ter várias pessoas interessadas em trabalhar com ele mas acreditar mais em empatias, e que a melhor coisa que ele, Romeu, tinha a fazer era encontrar-se com ele. Romeu Runa, 30 anos, bailarino e performer, ex-Ballet Gulbenkian e Prémio Revelação Ribeiro da Fonte 2003, habituado a trabalhar com Clara Andermatt, Miguel Moreira, Olga Roriz, Paulo Ribeiro, Rui Horta e Teatro Praga, meteu-se num comboio foi até Weimar, na Alemanha. “Quero trabalhar contigo”, disse-lhe. Platel e Romeu sentaram-se, falaram de plantas, família e animais, e alguma coisa de dança. A “timidez” de Platel escondeu- se atrás de “umas coisas energéticas”. Depois Romeu reviu vsprs, aprendeu uma frase da peça e, mais tarde, dançou-a para o coreógrafo num estúdio do Thèâtre de la Ville, já em Paris. “Houve uma comunicação total”, diz-nos, entusiasmado, como se ainda estivesse em processo de criação. “Sinto isso de espectáculo para espectáculo. Ele dá- nos espaço para crescer dentro da peça, para continuarmos a criar”, conta-nos, dias antes das apresentações em Lisboa. “Há espaço para o debate e não temos que nos identificar com tudo”, revela. No princípio dos ensaios, meses depois do e-mail e há mais de ano e meio, Platel perguntou-lhes “se o grupo estava pronto para se sacrificar pelo indivíduo ou se era o contrário”. Romeu percebeu que a linguagem do coreógrafo belga se ia construindo a partir dos impulsos criativos dos intérpretes, mas também das diferentes referências que podiam ajudar a fundamentar o movimento. “É uma peça muito politicamente correcta, cada um tem um solo e um dueto”, mas “ele não está aberto a qualquer coisa, tem tudo que fazer sentido dentro da estrutura que ele já pensou, mas tu és responsável pelo que fazes”. “Ele nunca falou em personagens mas sempre em personas”, e a competição, aqui, “está mais no sugar o melhor do outro. E eles são todos tão bons”. Platel não tem por hábito repetir integralmente os elencos, o que faz com que os processos ng ne Fi er (20 criativos passem, também, por momentos de adaptação Ni 07 l ) M a dos próprios intérpretes, “que para ele não são a r r ia apenas isso, são também co-criadores”. “É essencial e M a t viver a experiência colectiva”, diz o intérprete. Uma c o s s i – experiência que deve passar para o público, “um grupo T e de indivíduos”. V a t

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8 utopia que tem sustentado cada uma das mais de Peça-panfleto, pungente na sua crueza e cento e oitenta apresentações. polémica na gestão das emoções, explora Das duas vezes em que não esteve presente o drama de uma criança-soldado num país para a apresentação do espectáculo, conta- fictício africano. A narrativa, ainda que nos, Platel mandou-lhes mensagens fragmentada, permite a Platel aliar-se dizendo que não sabia o que era a Benjamin Verdonck e Fumiyo Ikeda não estar com eles. Romeu Runa para criar uma peça onde a violência dos também não. A próxima peça do movimentos se torna retórica perante coreógrafo, com estreia para a violência das palavras. Singular na o início de 2010, também plasticidade dos movimentos e do diálogo conta com o bailarino destes com os objectos, é um objecto raro no elenco. T. B. C. numa paisagem contemporânea europeia conformada e higiénica. T. B. C.

Ípsilon • Sexta-feira 3 Julho 2009 • 7 até à exaustão e cada ária cantada co- mo um lamento ampliam a noção de fim em “pitié!”. Quando a peça acaba, depois de várias ameaças – e sobretu- do depois de várias desistências dos Platel deixou que cada espectadores –, a imagem que nos fica intérprete encontrrasse não é nem de celebração, nem de con- “a sua verdade” tentamento – antes pelo contrário. Abandonados que ficámos no nosso julgamento, demoramos a sair desse entorpecimento e a reconhecer a nos- sa responsabilidade na gestão atenta do que nos foi sendo dado. Platel, porque assiste a todas as apresentações, está interessado nas pessoas que se têm ido embora du- rante o espectáculo. Porque é que se vão embora ele não sabe. Mas crê que isso tem a ver com a adoração da dor. Quer saber o que as faz desistir. E tra- balha, a cada nova apresentação, es- ses momentos de corte com o espec- tador. “As pessoas acreditam nestes valores sem lhes darem uma forma. E por isso não conseguem lidar com o que lhes é mostrado em palco”. Ra- zão pela qual, e ao contrário de outras peças, não se preocupa em dizer-nos o que devemos retirar. Quer, antes, saber o que nos tocou e, com isso, “evoluir”. Já não lhe chega nem a vir- tuosismo dos intérpretes, nem a di- mensão simbólica das imagens, nem a ficcionalização da história. Hoje o que Platel nos pergunta é: para que serve o sofrimento? “Para intensificar a misericórdia, a compaixão”. Paulo Ribeiro, comissário do ciclo Dancem!09, utiliza uma expressão peza cenográfica que percorre o “Muitas das tarefas feliz para descrever alguns dos espec- palco. Este constante duelo (ou due- táculos que, percorrendo um circuito to) entre o excesso e o vazio, entre o que pedi aos internacional institucionalizado, dão abraço e o abandono, são, para Platel, conta de um estado de espírito da “um percurso de aprendizagem sobre intérpretes eram criação contemporânea. O também a relativização”. coreógrafo chama-lhe “mainstream Ao longo dos anos Platel diz que puramente físicas. qualificado”. E se é verdade que nos percebeu que não era suficiente o habituámos a ver o nome de Platel virtuosismo dos intérpretes. E, sobre- Como usar a pele, nesse circuito, muitas vezes pergun- tudo, que não era fundamental uma como tocar na pele, tando-nos se era o homem que ali- sobreposição de intenções. Agora – mentava a máquina ou o contrário, a “que estou mais velho” – não se es- na sua ou na verdade é que o percurso do belga quece “de viver”. E, assim, “pitié!” é, tem sido marcado por um inconfor- também e estranhamente, uma peça do outro” Bach “meets” África mismo e uma maturação que deixa sobre a vida. “Sobre os que cá ficam. bastante longe da meta outros nomes E sobre os que querem partir”. que se lhe seguiram, como Sidi Larbi Esse apaziguamento dá a “pitié!” Cherkaoui ou o colectivo Peeping um outro tipo de crueza, mais inte- Tom (que abriu o ciclo no Teatro Na- rior, individual e íntima. O corpo tem, cional S. João). por isso, papel fundamental. “Muitas A leitura que Platel e Cassol suge- de uma complementaridade quando Platel, ao contrário de Jan Lauwers das tarefas que pedi aos intérpretes rem da “Paixão Segundo São Mateus” passados dos bailarinos para os can- ou Wim Vandekeybus, da mesma ge- eram puramente físicas. Como usar é, por isso, simultaneamente profana tores – e das palavras que expressam ração, caminhou para uma depura- a pele, como tocar na pele, na sua ou e devota. É pobre visualmente: nos os valores de compaixão, piedade, ção não só estilística como dramatúr- na do outro”. O que daí surgiu não é seus figurinos mal tratados e nos seus misericórdia. Mas é no modo como gica. Confessa-nos que, ao longo dos tanto uma coreografia onde o movi- adereços de improviso. Mas é deter- são lidos esses valores que a obra ga- anos, se apercebeu que “caiu num mento tem um papel determinista na minada na redução ao essencial: dos nha em dimensão contemporânea: sectarismo temático” e que, agora, acção, mas uma coreografia onde o movimentos – gritados, agrestes, im- Platel deixou “que os intérpretes en- ambiciona a “comunhão”. Alain Pla- corpo, enquanto entidade material e pulsivos quando a solo; de uma de- contrassem ‘a sua verdade’”, cada tel, coreógrafo fundamental para a espiritual, é explorado pela sua capa- puração estilística quando em grupo; movimento parece adequado àquele história da dança contemporânea eu- cidade de memorizar acções e acon- corpo. Há uma afirmação da singula- ropeia, encontra em “pitié!” uma pos- tecimentos. ridade dos discursos. sibilidade de ascen- Cada movimento são. Resta-nos Festa pagã interpre- agora chorar Os corpos desenhados por Platel, tado a morte do onde se incluem os dos cantores, cínico e existem numa dimensão híbrida, abraçar a dir-se-iam até presos a um limbo chegada do identitário. É o equivalente à mú- homem sica interpretada ao vivo por que, nas su- Fabrizio Cassol que, ao apro- as próprias fundar a construção emocio- palavras, nalmente rígida da partitura “aprendeu a de Bach, a reveste de sonori- viver”. dades pagãs, muitas delas vin- das de África. Usando instru- mentos que parecem brincar com a música, dá-lhe um tom de festa pagã e traduz para um mundo global a universalida- de de Bach. São os instrumen- tos que usa, em diálogo com os corpos multiculturais dos intér- pretes, que fundamentam esse desejo de olhar para lá da religião e de querer dar a ver uma história sobre um homem que morreu e aqueles que aqui ficaram a chorar a sua morte.

8 • Ípsilon • Sexta-feira 3 Julho 2009

– “Eu conheço-te há dez anos... Foi te-a-frente de improviso, uma conver- útero Internet, autor, “copywriter” Mónicas”, recorda, sobre os Artistas adereços – um telefone, saltos altos, no ‘Prometeu [Agrilhoado/Libertado’, sa com o Ípsilon na sombra. É uma de publicidade, encenador, actor, per- Unidos e o seu exílio. “Por isso, o que uma luva de boxe. André Murraças e 1997] que a gente se conheceu, não conversa entre André “multitasker” former. Jorge Silva Melo está já embe- é este espectáculo? É um testamento a sua equipa quiseram saber “o que é?” e Silva Melo “bígamo praticante!”. bido da ironia que lhe permite intitu- de uma companhia, talvez seja um é isso do film-noir”. E trabalharam “a – “Sim, eu tinha acabado de voltar da Segunda e terça-feira, Jorge Silva Me- lar-se “velho considerado”, encena- dos últimos espectáculos deste mo- ideia de fatalidade, de destino” e o Holanda” lo estará no palco do Instituto Franco- dor e actor – mas sem teatro. E por delo de companhia que foi os Artistas lado visual da coisa, ou não fosse Mur- – “O André já tem o quê, oito tempo- Português, em Lisboa, para apresen- isso zanga-se e assinala o último tre- Unidos”. raças cenógrafo de formação. E, de- radas a fazer regularmente espectá- tar “Carta aos Actores”, do francês cho dos três anos de parceria com o André Murraças observa o interlocu- pois, ou antes de mais, as mulheres. culos? Começou a criar o seu mundo Valère Novarina. Na quarta-feira, An- Instituto Franco-Português com dois tor, atento. Estão os dois no seu cená- Os homens estão lá, em “Chinatown”, há oito anos”. dré Murraças verá os seus cenários e textos de Novarina cheios “de uma rio, mas numa sala que também não em “A Mulher que Viveu Duas Vezes”, E, no entanto, André Murraças é eter- figurinos encherem-se com três actri- fúria, enorme, contra os intermediá- é sua. Ali André é um convidado, após “Três Minutos de Vida” ou “Gilda”. namente jovem, eternamente emer- zes – Anabela Brígida, Maria João Fal- rios, os muitos intermediários que concurso para integrar o Projecto “Vamps”, sós durante a guerra? gente, irrita-se Jorge Silva Melo. Qual cão, Sofia Correia – para contarem apareceram no mundo das artes. To- Emergentes do D. Maria. Atrás de Jor- fonte da eterna juventude, qual quê. histórias de “Film noir”, escrito e en- dos são programadores, curadores, ge e André, décadas de cinema os Jorge Silva Melo: “Barbara Stanwyck Quer ser jovem para sempre? Venha cenado por ele. Ambos os espectácu- intérpretes, encenadores, são mi- contemplam – Lauren Bacall, Barbara era a actriz preferida do meu pai. Era a Portugal e seja artista. los implicam ou são pretexto para lhões! Enquanto o puro, simples ges- Stanwyck, Scarlett Johansson, James uma actriz extraordinária”. Jorge Silva Melo e André Murraças uma reflexão sobre a pulsão de actu- to infantil de representar é atirado Stewart, Robert DeNiro, Rita Haywor- André Murraças: “Também é das que chegam a esta conclusão no palco da ar, os códigos da dramaturgia, os ac- para o controlo de milhares de polí- th, John Garfield, todos retirados da eu gosto mais”. Sala Experimental do Teatro D. Maria tores. cias”. Internet, colados com fita. Ao lado, o II. O texto não está escrito – é um fren- André é o “multitasker”, o fruto do “Há quase um ano fomos expulsos das cenário, marcado apenas no chão, os Silva Melo recorda a história do cine-

NUNO FERREIRA SANTOS Frente-a-fren Jorge Silva Melo e André Murraças juntos em palco. Não é um espectáculo, são dois, no Festival de Almada. Mas aqui, nestas páginas, é um frente-a-frente sobre gerações de gente “dos teatros”. De um lado do ringue ainda há crença. No outro, reina o cepticismo. Joana Amaral Cardoso

10 • Sexta-feira 3 Julho 2009 • Ípsilon ma americano, as etapas da conquis- Sentado, primeiro ao lado de Murra- Ambos defendem que os programa- ta marcadas pelos “westerns” e a da ças, depois rodando para melhor ver dores deviam estar sensíveis ao que “decadência do filme negro”. “E cru- Stanwyck ou Bacall, Silva Melo está está a passar-se na criação – como um zam-se. No filme negro há a mentira, inquieto, mas divertido. Incrédulo, bom anfitrião que compõe a melhor O Festival de Almada a corrupção absoluta. Estamos em também, com o seu texto em mente. mesa para uma festa, uma refeição, Portugal, afinal, não é na América!” “Carta aos actores” é “uma espécie inesquecível. Silva Melo acompanha em cinco “rounds” [risos] de interpelação aos actores, que eu o trabalho dessas gerações – “Gosto não sou já, tentando exigir dos acto- muito de ver logo as primeiras coisi- Diálogo de um Cão com o Dono sobre a res mais do que aquilo que eles me nhas que eles fazem” –, menciona Necessidade de Morder os Seus Amigos Carta aos Actores têm dado”. É-lhes pedido que “expul- Pedro Gil ou John Rocha. de Valère Novarina, com Jorge Silva sem a figura do encenador, que to- Acha-os “heróicos”, na sua criação de Jean-Marie Piemme, pelo Théâtre National de la Melo mem conta dos seus destinos, dos individual, hoje em Portugal. “Porque Communauté Française (BEL) Lisboa, Instituto Franco-Português, 2ª, 6, às 21h; seus direitos”. Tal como gostaria de além do trabalho artístico ainda tem Almada Escola D. António da Costa, Palco Grande, 2ª, 6, às 22h 3ª, 7, às 19h ver os actores no centro, libertos dos de estar a convencer toda a gente de Jean-Marie Piemme andava há anos para escrever “doutorandos, como eu, que lhes di- que ainda é jovem, quando já não é, uma comédia para Philippe Jeusette e teve esta ideia: Film Noir ziam: ‘Desculpa lá, o Brecht não dizia que ainda é emergente, quando já não pôr um sem-abrigo em frente a um cão rafeiro, e o de André Murraças isso’”. E que os castravam. E teme é, que até aos 50 anos vai ser jovem. cão a chamar as coisas pelos seus nomes (os cães agora que a geração Murraças, e a que O que é muito estranho”. Mas mais que falam já constituem uma família numerosa Lisboa Teatro Nacional D. Maria II, Sala Experimental, 4ª, 8, 5ª, 9, 6ª, 10, sáb., 11, às vem a seguir, sofra o mesmo destino barato e impeditivo do surgimento de na tradição belga, lembrou o encenador Philippe 21h45; dom., 12, às 16h15 às mãos dos tais intermediários. mais jovens criadores, elucidam- Sireuil ao “Le Soir”, mesmo que este não tenha nada nos. a ver com a Milou do Tintin), e isto num descampado “Muitas vezes penso que é muito mais com uma “roulotte”. O encontro entre estes dois fácil fazer sozinho, porque é uma ges- deserdados morde onde dói, e onde faz rir, com tão mais controlada, mas não deixa Philippe Jeusette e Fabrice Schillaci a atirarem-se de haver os problemas todos, das sa- sem misericórdia aos calcanhares dos poderosos do las, dos programadores. São coisas mundo – e ao texto, singular, do dramaturgo valão. que vão aparecendo cada vez mais para... empatar. Não que eu queira Menina Else facilidades, mas pelo menos disponi- de Arthur Schnitzler, pelo Teatro da Cornucópia (POR) bilidade”, pede Murraças. Almada, Auditório Fernando Lopes Graça, 4ª, 8, às 21h30; 5ª, 9, às 18h André Murraças: “Vamos todos ser Rita Durão, actriz residente da Cornucópia desde emergentes até ao fim, assim o espe- 1994, propôs à encenadora e cineasta Christine ro.” Laurent, outra colaboradora da companhia, uma Jorge Silva Melo: “Eu não, já estou en- aventura com a “Menina Else”. Retrato impiedoso da terrado [risos]. Eu suspiro pelo Cemi- sociedade vienense do pós-guerra – uma sociedade ente tério dos Prazeres, não consegui ter a a lidar com a violenta crise de identidade provocada vida dos prazeres, acho que o cemitério pelo fim do império e com a necessidade de encontrar devo conseguir [risos]. bodes expiatórios –, aqui transformado numa peça de André Murraças: “Eu não vejo as coi- câmara de ressonâncias freudianas. sas assim, eu vejo-me sempre a come- çar. Nem penso se tenho idade para ser Compota Russa isto ou aquilo” de Liudmila Ulítskaia, pelo Teatro de Sátira da Ilha Ípsilon: “Não pensa numa lógica de Vassilievski (RUS) carreira?” André Murraças: “Para já, não gosto Almada, Escola D. António da Costa, 6ª, 10, às 22h nada dessa palavra, penso logo num Numa “datcha” rodeada de água por todos os lados, os eléctrico, no 28.” herdeiros do cerejal de Tchékhov procuram agarrar- Jorge Silva Melo: “Já não há! Nem se- se à vida e salvar a propriedade de se transformar quer há eléctricos!” numa Disneylândia. Pingue-pongue da escritora Ípsilon: “Ainda há o 28.” Liudmila Ulitskaia com um dos textos fundadores do Jorge Silva Melo: “É para turistas!” teatro russo, é uma reflexão sobre a degeneração do [risos] meio intelectual num país em que tudo o que havia André Murraças: “Não penso assim, a perder já foi perdido e a história comum de quem vou fazendo. Claro que gostava que ca- se perdeu com o país. “’Compota Russa’ é-me muito da trabalho que fizesse fosse sempre próximo porque se parece com a história da minha com mais condições, com mais reconhe- família e dos que me são chegados”, confirma o cimento no sentido em que ele me traz encenador, Andrzej Bubien. mais segurança, dinheiro, porque ca- ramba, estamos a trabalhar!” Deus como Paciente – Assim Falava Isidore Ducasse Ambos sentem uma ausência, uma mudança na paisagem. Dantes havia de Lautréamont, pela Compagine Rumpelpumpel (FRA) espaços “off”, sem as garantias do Almada, Teatro Municipal, 2ª, 13, e 3ª, 14 às 21h30 selo D. Maria, São Luiz, exemplificam. Matthias Langhoff apoderou-se dos “Cantos de Há menos espaços, menos público, e Maldoror”, obra maldita de 1868, e arrancou de lá o seu também uma “doentia” (expressão próprio espaço-tempo dominado pelo “abismo aberto, na Europa, pelas sucessivas convulsões do século XX (duas guerras mundiais, a Shoah, a bomba atómica, “[No actual mundo o estalinismo, os nacionalismos e os seus avatares)”, das artes], todos como o caracterizou a “Mouvement”. “Deus como Paciente” é, mais do que uma descida aos infernos de são programadores, Maldoror, uma descida aos infernos do encenador – espectáculo brutal, em carne viva, ao som do estrondo curadores, de um tsunami e da cólera dos sem-abrigo que vivem junto ao prédio de Langhoff e que lhe fazem “lembrar intérpretes, os velhos contos que dizem sempre a verdade”. encenadores, são Ou / Não milhões! Enquanto de Alan Ayckbourn e Harold Pinter, pelos tg Stan (BEL) o puro, simples gesto Lisboa Culturgest, Grande Auditório, Sáb., 11, às 21h30; dom., 12, às 17h Já os vimos várias vezes, mas nunca os quatro juntos, infantil de ao mesmo tempo. Jolente De Keersmaeker, Sara De Roo, Damiaan De Schrijver e Franck Vercruyssen já representar é atirado não se cruzavam em palco desde “Vidas Privadas”, de 1997. “Ou / Não”, que montaram a partir de para o controlo “Relatively Speaking” (1965), de Alan Ayckbourn, de milhares e “Party Time” (1991), de Harold Pinter, é uma reunião dos quatro actores mas sobretudo dos de polícias” seus interesses (a comédia, a incomunicação, o engajamento político, e o que se passa ao Jorge lado do teatro), escreveu a crítica do “De Morgen”. Comédia de costumes, à custa da classe média Silva – ninguém sai daqui vivo, portanto. I.N. Melo

Ípsilon • Sexta-feira 3 Julho 2009 • 11 Não é muito frequente ver essa questão. “Esta história encenadores do tamanho de é, sobretudo, uma história de Luc Bondy (Zurique, 1948) a amor e de desejo – mas também morrerem nos seus actores, mas Monstros como nós de clausura, do ódio que estas há uma razão para isto de ele criadas têm por elas próprias e desaparecer na sombra, atrás Luc Bondy, um dos mais prodigiosos encenadores europeus, volta a morrer amanhã pela sua condição social, de que de personagens que assumem e depois nas três actrizes de “As Criadas”, primeira vinda da Volksbühne a Portugal. ao mesmo tempo se orgulham”. proporções sobre-humanas. O O suicídio, diz ele, é o sítio de onde se vê melhor o mundo. Inês Nadais É mais fácil ser-se uma criada suicídio, aprendeu com Genet, quando não se é uma criada, diz é o sítio de onde se vê melhor o Genet: tem mais graça quando o mundo e é por isso que, nesta avental é o disfarce que usamos montagem de “As Criadas” (de no Carnaval do que quando é que já se tinha apoderado em a farda que vestimos todos os 1971, numa altura em que ainda da obra de Genet e sobre a e Solange “matam” a Madame ao dizer tudo e não quer dizer dias. Bondy, que descende de não tinha “idade para ter um metafísica que se esconde apossar-se da personagem dela nada. As três mulheres que uma família de intelectuais da ponto de vista”, como diz ao atrás dele”. Um ano depois da quando ela está fora, matam-se estão em palco procuram-se e grande burguesia austríaca Ípsilon por email) com datas estreia no Festival de Viena (de a elas próprias (Bondy faz com condenam-se ao mesmo tempo: (a casa do pai estava sempre amanhã e depois no Festival que é director para a secção de que não tenham vida autónoma: vêem-se umas nas outras e cheia de escritores e filósofos e, de Almada, Bondy dá a vida artes performativas), acha que estão sempre a desaparecer despenham-se no abismo das quando a família se estabeleceu por Edith Clever (Wuppertal, encontrou a resposta: “Para atrás das máscaras, a morrer, suas próprias identidades. em Paris, vinda da Suíça, Genet 1940), uma das mais celebradas Genet, o crime era a maneira como ele, nas suas personagens, Sartre compreendeu muito bem passou a ser visita recorrente), actrizes alemãs. “Sou um grande mais profunda de se pôr de vigiadas pelo retrato gigantesco o mecanismo, que descreve no detesta que lhe atirem isso à amigo de Edith e isso foi o meu fora – fora do mundo, fora de da patroa que querem último capítulo do seu grande cara. “Não é verdade que eu ponto de partida”, explica. “As qualquer contexto social – e aniquilar). livro sobre Genet [‘Saint Genet, venha da burguesia. Os meus Criadas” começam e acabam de voltar a estar a sós consigo, Comédien et Martyr’]”. pais não tinham um tostão e, nela – mas também saem do como um suicida que observa a O avental e o burguês Essa “mise-en-abîme” como judeus, esconderam-se corpo de Caroline Peters e sua própria morte”. É possível ser freudiano acerca vertiginosa aproxima o texto onde puderam. Os meus avós Sophie Rois, monstros como nós O crime das irmãs Papin (Le disto, e reduzir o instinto de de Genet de uma corrida no viviam daquilo a que os alemães que um dia decidem matar o Mans, 1933: duas empregadas matar o patrão a uma forma poço da morte – este não é, chamam “wiedergutmachung” patrão. domésticas assassinam as alternativa da necessidade de definitivamente, o teatro da luta [as reparações que a Alemanha Para encenar este texto, que patroas, que a polícia encontra matar o pai, mas de momento de classes (Genet tinha tanto pagou aos sobreviventes traz a mítica Volksbühne am “estripadas e amanhadas como Bondy (tantas vezes comparado desprezo pelos patrões como directos do Holocausto e Rosa-Luxenburg Platz pela dois coelhos prontos para serem a um psicólogo, pela maneira pelas criadas), ainda que Bondy, outras vítimas do regime nazi]. primeira vez Portugal, Bondy metidos no forno”), em que como atira todas as personagens encenador de língua alemã que Portanto, a minha visão sobre teve de se questionar sobre “o Genet se baseou, também é um para o divã) não está para aí nunca se meteu com Brecht nem esta peça não foi influenciada significado do crime no contexto suicídio. De cada vez que Claire virado: “A psicologia quer com Heiner Müller, não fuja a pela minha ‘burguesia’”, responde-nos. De resto, ele também tem umas coisas a “Para Genet, o crime atirar à cara de Genet: “Conheci- o. A relação dele com os judeus era a maneira mais era ambígua [escreveu numa profunda de se pôr de carta que seria incapaz de ir para a cama com um judeu]. fora e de ficar a sós, Duas criadas Para ele, ser judeu significava contra uma riqueza e islamofobia. As coisas como um suicida que patroa (Edith são simplistas em todo o lado”. Clever, uma Somos todos monstros, num ou observa a sua própria das mais noutro sentido: parecemos mais celebradas produtivos quando nos chamam morte” actrizes de nomes. Luc Bondy língua É disso que estamos a precisar alemã): agora, dizem as criadas: de um a luta de bocado de ódio.

classes NUNO FERREIRA SANTOS é sempre As Criadas desigual De Jean Genet

Almada, Teatro Municipal - Sala Principal, sáb., 4, às 19h, e dom., 5, às 16h

muito repetida por Silva Melo) au- é nada facilmente assimilável. E as Jorge Silva Melo: “Quem é o André? É quando não se é só cenógrafo. sência de crítica. pessoas não ficam disponíveis”, enun- escritor, actor, o quê? É isso que me in- Há muita gente que me conhece cia Murraças. teressa”. do ‘Rapaz do Calendário’ da [rá- Jorge Silva Melo: “É um sintoma de A meio da conversa, Silva Melo prome- André Murraças: “Eu quando souber dio] Radar e que não faz ideia grande doença. Há cada vez menos gen- te um filme a André Murraças: o “su- o que sou... é altura para arrumar os “Vejo-me sempre que sou dos teatros... Há pessoas te na disposição de sair à noite para blime” “Série Negra” (de Alain Corne- tarecos. Tenho formação de cenografia, que me conhecem só da publici- descobrir uma coisa que não conhe- au). “É um filme rude, é uma ‘série sempre vi as coisas pelo lado mais plás- a começar. Nem penso dade, como ‘copy’. E isso atrai- ce.” noir’ não penteada. Se eu encontrar tico. Por outro lado sempre escrevi. çoa-me, muitas vezes.” André Murraças: “Uma morada que em DVD, ofereço-te”. Murraças anui. Sempre saltitei. Depois compliquei as se tenho idade para Jorge Silva Melo: “Mas é porque não não conhece, uma sala. Os próprios Ao longo do frente-a-frente, de um lado coisas porque comecei a pôr música e existem, ou porque vocês não criaram, criadores afastaram-se de trabalhar do ringue ainda há crença. No outro, diz-se que às vezes sou DJ. Não me defi- ser isto ou aquilo. relações. As pessoas um bocadinho mais nessas condições. Porque foram assi- reina o cepticismo. Só se quebra o en- no, estou o mais aberto possível e res- Vou fazendo. Claro velhas do que tu, que fizeram o Conser- milados e ficando nas instituições. E, guiço olhando para a parede, a tal pondo da mesma maneira.” vatório, já têm uma espécie de rede em por outro lado, porque as pessoas tam- cheia de fotos de mulheres fatais e ho- que gostava que cada que praticamente todos se cruzam.” bém se cansam da luta que é não ter mens em queda. Convidado pelo Ípsi- E, afinal, a poucos dias da estreia e à André Murraças: “Eu acho que somos luz, não ter gás...” lon a pensar na sua “Carta aos Actores” conversa nos confins do D. Maria II, trabalho que fizesse pouco solidários.” à luz (ou à ausência dela) do “film- sentem-se ou não num confronto de Jorge Silva Melo: “São projectos indi- A culpa também é dos criadores tea- noir”, Silva Melo dispara: “Diz-se que gerações? fosse sempre com viduais.” trais. “A minha geração criou essa os actores são estrelas. Pergunto: ou maos condições, com André Murraças: “Quando é mais di- aversão que as pessoas têm de nós. serão planetas? São eles que atiram a Jorge Silva Melo: “Não muito” fícil, também não ajudas os outros; Muito talvez em paralelo com o que luz ou são planetas que recebem a luz André Murraças: “Não.” mais reconhecimento, para ti foi difícil por isso...” aconteceu com a [nova] dança [por- e a dão? Se calhar seria mais justo cha- Jorge Silva Melo: “Acho curioso é que Jorge Silva Melo: “[Mas] isto não pode tuguesa e o seu funcionamento em mar-lhes planetas”. Mergulha nas difi- há muito pouca gente da minha idade porque caramba, ser só comércio tradicional, é preciso circuito fechado, sem eco social] e culdades em categorizar actores, e daí que tenha esta vastidão de interesses um grande armazém para que estes com essa coisa de espectáculos inde- salta para a indefinição do próprio que o André tem. Há mais pessoas da estamos a trabalhar!” projectos tenham dimensão. Ou mor- finidos... Isto de brincarmos com as Murraças, qual pescadinha que insiste idade dele que têm essa indefinição, ram! Ele não pode ser emergente aos barreiras das coisas é engraçado, mas em retornar ao busílis da questão: ho- [que] em alguns [é] hesitação.” André Murraças 33. Não pode! Que foi a conta que Deus as pessoas reagem muito mal. Não é je somos todos muita coisa e não ape- André Murraças: “Mas também é mais fez. O outro não era emergente! Emer- teatro, não é dança, mas também não nas uma ou duas. Múltiplos. difícil furar quando não se é só actor, gente na ressurreição! (risos)”

12 • Sexta-feira 3 Julho 2009 • Ípsilon !!!  "

$ #           

                  Atropelados pela au O encontro imediato entre uma auto-estrada e uma família que se quis isolar do mundo. E assim “ fronteiras, entre cinema, dança, artes plásticas, tal como a realizadora U

Quando a auto-estrada entra pela vida protegida de Isabelle Huppert e dos seus filhos

A ideia para o cartaz francês de “Lar construído ali, afastados do mundo, americano feito por alguém que tinha Doce Lar”, diz-nos a suíça Ursula o seu refúgio, para se protegerem. De visto Bergman... Era algo do género: “É uma parábola Meier, veio-lhe de uma fotografia de quê? Do mundo lá fora. Mas o mundo “John Ford que tivesse visto muito sobre o medo dos Jeff Wall. Nós acrescentamos que há vai ao seu encontro. A auto-estrada – o Bergman”. Acho a imagem muito be- algo também de Edward Hopper e a filme foi rodado numa estrada de cam- la, dá-me muito prazer e tem a ver outros: afinal, mais referência é bem acolhida por Ursula po na Bulgária que tinha sido alargada com uma parte daquilo que sou. (que realiza aqui a sua primeira longa- para servir de pista de aeródromo e Sou francesa pelo lado da minha vale estar no meio metragem). Mas há mais, ou não fos- estava desactivada – vai derrubar as mãe, sou suíça-alemã pelo lado do se este filme tela em branco onde fortalezas. Chegam os operários, che- meu pai e há 20 anos que vivo em dos outros, mesmo se podemos projectar. Por exemplo, Ja- gam os carros, a família barrica-se e... Bruxelas, onde estudei cinema. Ado- o mundo é agressivo e cques Tati, a ficção científica ao modo o filme é invadido, é obra sem frontei- ro cinema francês, descobri muito Spielberg, a dança contemporânea... ras. Como Ursula Meier. jovem Truffaut, Godard, Rohmer, e poluente. É melhor É um processo de acumulação que, “Lar Doce Lar” passa-se em ao mesmo tempo não me sinto her- no caso das referências cinematográ- território cinematográfico: é um deira desse cinema. Alimentei-me fazer parte de...” ficas, não serve o propósito do jogo “road movie” à americana, é um dele, como do cinema anglo-saxóni- de cinefilia; serve, antes, para desen- filme de Jacques Tati, há algo de co, asiático, australiano. Sou muito cadear experiências no espectador, Michael Haneke... ecléctica, como a música do filme: mais do que para sinalizar afectos ci- Gosto muito que me tenha feito essa clássica, metal, jazz, há de tudo. Ali- nematográficos. pergunta... Houve uma crítica na re- mento-me de coisas contraditórias, Uma família é atropelada por uma vista “Les Inrockuptibles” que disse eclécticas, e sinto-me próxima do ci- auto-estrada, mãe (Isabelle Huppert), que o filme era um encontro milagro- nema anglo-saxónico. O que me dá

Cinema pai (Olivier Gourmet) e filhos. Tinham so entre o cinema europeu e o cinema vontade de fazer cinema é a escrita

14 • Sexta-feira 3 Julho 2009 • Ípsilon auto-estrada

m “Lar Doce Lar” se deixa atropelar, invadir: é um filme sem Apoio: a Ursula Meier. Vasco Câmara

cinematográfica. Quando vi, muito A escolha dos actores, Olivier jovem, “L’Argent” [1983], de Robert Gourmet e Isabelle Huppert, é Bresson, fiquei arrasada, pura emo- em si já um pedaço de história(s) ção cinematográfica. Não percebi de cinema. Quando Gourmet Self . pintura e escultura bem o filme, mas percebi que havia aparece sentimo-nos num FILIPE ROCHA DA SILVA possibilidades infinitas no cinema. filme dos irmãos Dardenne, de Fiz o curso de cinema na Bélgica, quem ele é actor habitual. Com o meu filme de curso não tinha um Huppert reconhecemos algo diálogo, queria tentar coisas com a que tem a ver com o cinema de escrita cinematográfica. Por outro Michael Haneke, por exemplo, a Sopros de Vida . pintura e escultura lado sinto-me próxima do cinema an- frieza... glo-saxónico onde o trabalho do cor- É interessante o que me está a dizer GIL TEIXEIRA LOPES po, da imagem, do som, é tão impor- porque só duas pessoas me falaram

tante como os diálogos – e por vezes nisso, você e um outro crítico francês. 13|02 a 12|04 em França são os diálogos que expli- Na verdade, não pensei nisso, mas é cam as personagens. Cresci em Fran- justo o que me diz. Quando escrevi o ça, na fronteira com a Suíça, sinto-me filme pensava já em Huppert, e o que em fronteiras, ideia que me interessa: diz é verdade, mas não tive consciên- Pássaro Solitário . pintura e aguarela jogar com a comédia, o burlesco, o cia disso. Huppert de facto transpor- filme de angústia... ta nela toda uma história de persona- RAMÓN GAYA ... e mesmo Spielberg, há planos gens fortes. Não é necessário explicar que evocam... a personagem. É preciso é que as pes- 17|04 a 26|07 06|02 a 05|04 ... “Encontros Imediatos do Terceiro soas sintam a personagem: que é uma Grau”. Para a sequência do filme em personagem em volta da qual as ou- que aparecem os operários, lembro- tras se construiram; que tem uma Ir e Vir . pintura me de ter escrito “chegaram os extra- locura doce que estava adormecida, terrestres” como num filme de ficção que era algo divertida no início e que EMERENCIANO científica. Não sei de onde é que isso se vai tornar trágica no fim.

vem, só sei que adoro jogar com os É verdade: as personagens deste 24|04 a 26|07 limites, com os géneros. Gosto de filme transportam nelas o passado de questionar, fazer filmes uns contra os outras personagens que os actores outros, juntar músicas que não casam fizeram em outros filmes. E quando Húmus . fotograa umas com as outras, Bach e “heavy se trata de Isabelle isso é ainda mais metal”, fazer comédia a seguir ao dra- verdade. No caso de Olivier Gour- VALTER VINAGRE ma. É essa liberdade que me dá von- met... quando escrevi, pensava num

tade de fazer cinema. actor muito físico, à americana, como 08|05 a 26|07 A ideia de fronteira é Harvey Keitel ou Sean Penn. Pergun- interessante: mesmo falando de tava-me quem em França poderia referências cinematográficas, fazer isso. Procurei actores anglo-sa- o mecanismo aqui não é xónicos que falassem francês, não Conexões Urbanas . arte pública propriamente o do jogo encontrei. No fim disse: vou mostrar cinéfilo... Olivier Gourmet como nunca o mos- c/Institut Valencià d’Art Modern ... completamente de acordo... traram no cinema, sexy. Pedi-lhe que O filme está na fronteira entre dançasse, que trabalhasse o corpo de 06|08 a 30|09 o cinema e algo que pertence à forma mais feminina. “arte contemporânea”... No caso de Isabelle, há muitas coi- ... completamente de acordo sas que não se explicam sobre a per- Colectiva . fotograa e instalação Esta mistura, para o espectador, sonagem e julgo que isso a interessou, TERRITÓRIOS DE TRANSIÇÃO faz com que o ecrã seja uma tela ser algo de mais físico – por exemplo em branco onde ele (se) pode a fadiga de uma personagem que não projectar... dorme devido ao barulho na auto-es- 17|07 a 20|09 Alimento-me de tudo. A auto-estrada trada. do filme cria uma série de possibili- E ela tem uma capacidade dades, de expectativas – que na ver- rara: fazer parte de um grupo, Picasso e os Livros . gravura e livros dade não acontecem. Torna-se ecrã diluir-se... em branco, qualquer coisa de abs- Quando se tem Isabelle Huppert num PICASSO . Colecção Bancaja tracto onde cada personagem vai filme, pensamos sempre que vamos

projectar as suas angústias, neuroses. escrever cenas incríveis, fortes, quan- 04|12 a 31|01 Como a miúda do filme que julga que do o que é belo é o facto de a persona- as suas borbulhas de acne são efeito gem ser bastante banal. Vai revelar da poluição da auto-estrada... Gosto alguma gravidade, mas... A primeira Pintura dessa ideia de a auto-estrada ser um parte do filme é a mais dificil porque é ecrã revelador. No fundo, as perso- a mais naturalista, mais simples, pe- SÉRGIO POMBO nagens estão longe do mundo, mas quenas cenas, gestos. É aí que se reve-

o mundo agressivo – a auto-estrada lam os grandes actores, não nas cenas 11|12 a 07|02 – apanha-os. demonstrativas. Se tivesse trabalhado Gosto do que disse sobre o facto de com outra actriz, teria de acrescentar o ecrã ser algo de revelador. É essa a páginas de diálogo. Isabelle permite liberdade do cinema. Gosto de rir, de que se tirem páginas de diálogo. Sexpressions . fotograa Programação de artes plásticas 2009 Programação chorar, gosto de viver coisas no cine- Esta família quer estar sozinha, PEDRO PALMA | CLARA PINTO CORREIA ma. No início o cinema era como uma isolada, como se quisesse

feira. Na projecção de “L’Arrivée d’un preservar uma qualquer pureza. 18|12 a 31|01 Train en Gare de La Ciotat” [Louis O mundo exterior é o mal. Mas a Um dos cartazes do filme Lumière, 1895] as pessoas davam pas- “malaise” está no interior – veja- (à esquerda), inspirado em sos atrás porque pensavam que o se a obsessão, da filha, com a “Insomnia”, de Jeff Wall comboio ia atropelá-las. Isso perdeu- poluição. Há, então, um jogo (à direita) se hoje. Por isso quis com o filme que com o maniqueísmo do “cinema Entrada livre | De Terça a Domingo, das 10 às 18 horas os espectadores, sentados na sala de de género”, de série B... Av. Rei Humberto II de Itália z 2750-641 Cascais 214 848 900 cinema, fossem atravessados pela au- Eu dizia que era importante que a au- to-estrada do filme. Que fosse algo da to-estrada não fosse o Mal. Não é um ordem da experiência. filme ecológico. A auto-estrada, no

Ípsilon • Sexta-feira 3 Julho 2009 • 15 O filme foi rodado numa estrada de campo na Bulgária que tinha sido alargada para servir de pista de aeródromo e estava desactivada

fundo, permite às personagens sa- “No início o cinema coreografadas – a dança contempo- írem das coisas. Veja-se a filha, muito rânea é algo que me alimenta. Olivier fechada sobre si mesma, cheia de rou- era como uma feira. e Isabelle não tinham muito tempo, pa, e no fim consegue despir-se em o décor ficou pronto na véspera de frente à mãe – fez um percurso. É a Na projecção de rodagem, mas com eles as coisas fo- auto-estrada que lhe permite encon- ram muito livres. Isabelle poderá con- trar palavras para a sua angústia. A ‘L’Arrivée d’un Train firmar que, em relação ao que se faz neurose já estava a dormir naquela no cinema francês, neste filme impro- família. Com a chegada da auto-estra- en Gare de La Ciotat’ visou-se. da ela apenas acorda. [Louis Lumière, 1895] Foi um filme com um um período Seria mais fácil ser combativo con- de escrita longo. E tinha tudo aquilo tra a auto-estrada. Mas a auto-estrada as pessoas davam que se desaconselha a uma primeira é apenas um revelador. Quando es- longa-metragem: grande “casting”, crevia pensava em filmes como “Ger- passos atrás porque crianças, gatos, décors a construir, ry”, de Gus Vant Sant, filmes em que figuração de 300 veículos. Era pesa- a mínima anedota pode fazer o filme pensavam que o do. Encontrar o local de rodagem balançar, cair no anedótico. Queria também demorou. Trabalhei seis me- Isabelle Huppert e Olivier uma metáfora sobre o mundo e sobre comboio ia atropelá- ses com os actores mais jovens antes Gourmet, a mãe e o pai de a família... las. Isso perdeu-se. da rodagem, para os levar a qualquer “Lar Doce Lar” É uma parabola sobre o medo dos coisa de mais naturalista. Em relação sam, adoro Tati. Trabalhámos sobre- ta radicalidade... Quanto mais radical outros: afinal, mais vale estar no meio Por isso quis que ao trabalho de fotografia, tentámos tudo a partir das imagens fixas. Não fosse o filme, mais podia falar de hoje dos outros, mesmo se o mundo é limpar o filme de referências. A direc- são propriamente referências, mas sem cair no anedótico. Pensei também agressivo e poluente. É melhor fazer os espectadores, tora de fotografia, Agnès Godard, di- algo que desencadeia um imaginário. em “Os Pássaros” de Hitchcock, pela parte de... No fim, as personagens zia que o filme só se devia parecer Há um fotógrafo, Jeff Wall, de quem construção da angústia. O primeiro partem, regressam ao mundo. sentados na sala, com ele próprio. Nunca falámos de sou fã incondicional. Tem uma foto, pássaro que ataca é quase anedótico. Há muitas leituras: será que pode- Jacques Tati, por exemplo, mas era “Insomnia”, em que se vê um homem É como a primeira viatura que passa mos, hoje, beneficiar de uma quali- fossem atravessados evidente... São fantasmas que regres- deitado no chão, debaixo de uma me- no filme. O ataque dos pássaros no fil- dade de vida e ao mesmo tempo be- pela auto-estrada sa de cozinha, não se percebe se dor- me de Hitchcock é, no meu filme, a neficiar do mundo contemporâneo? me, se está alcoolizado. Estava tão partida para férias, com os milhares de Não se pode viver numa ilha deserta... do filme” obcecada por essa imagem, que o de- carros, caravanas... é como o ataque Tal como as personagens projectam corador reconstituiu essa cozinha da dos pássaros. as suas angústias na auto-estrada, as- foto de Jeff Wall, com os móveis, co- Para construir esta história pensei sim os espectadores projectam as su- zinha azul. O cartaz francês é inspi- em filmes radicais. “Gerry” [Gus Van as angústias nas personagens. rado nessa foto. Sant], “O Sétimo Continente” [Michael Como é que construiu aquela O cartaz francês é uma Haneke]. É incrível como estes filmes familiaridade promíscua entre mistura de Jeff Wall e têm uma consciência enorme do cine- personagens/actores? Edward Hopper... ma. Em “Gerry” há só dois tipos no A directora de fotografia, Agnès Go- Exactamente. Foram as minhas deserto. Revi esses filmes para me sos- dard, é muito precisa em relação à influências. E revi “Repulsa”, segar, para ganhar confiança: não é luz, houve ideias de “mise-en-scène” de Polanski, porque me lembra- necessário escrever diálogos que ex- que vieram por causa disso. E se sou va de algo de muito forte em plicam tudo. Hoje esquece-se essa con- maníaca em relação a algumas cenas, termos de derrapagem mental. fiança que devemos ter no cinema. há outras em que deixo rodar. As ce- Não copiei, não citei, mas era nas na casa de banho estavam muito Ursula Meier importante encontrar uma cer- Ver crítica de filmes págs. 41 e segs.

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16 • Sexta-feira 3 Julho 2009 • Ípsilon ". $& )$ * ( silva!designers

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                The year is 2009. demoníaca do robô mas essa, conti- Dantes o futuro falava assim con- nua o programador, não é a represen- nosco, no cinema. Tinha voz de ho- tação dominante. Comparados con- mem e prometia-nos mundos e fun- nosco, eles tinham a paranóia, mas dos: televisões com comandos à dis- também tinham a confiança: depois O futuro vai tância, carros com botões a mais e de terem piorado tão drasticamente uma alavanca de mudanças a menos, (nos anos 30, com a Grande Depres- telefones com aviso de chamadas em são, e nos anos 40, com a Segunda espera, cozinhas com um QI superior Guerra Mundial), as coisas só podiam ao nosso (introduz-se um cartão nu- melhorar. Nós temos só a paranóia: ma ranhura, o ecrã faz uma simulação “Hoje quando o cinema fala do futuro em segundos do aspecto que o prato é sempre para dizer mal; temos visões ser tão bom, vai ter, o frigorífico organiza-se para muito apocalípticas do futuro. Catás- depositar os ingredientes na forma e, trofes ecológicas, guerras religiosas, enquanto a mulher do futuro vai jogar terrorismo. Se programássemos este ténis ou fazer mais umas compras, a ciclo daqui a umas décadas com fil- cozinha do futuro faz aquilo para que mes do nosso tempo, seria uma ex- lhe pagamos, em suaves prestações periência muito mais deprimente”. não foi? mensais) e o plástico, ah!, o plástico. Tendo em conta as expectativas O ano é 2009 e não: o petróleo não que as gerações anteriores criaram durou para sempre, os robôs domés- em relação ao desempenho do sécu- ticos não “lavam a louça”, não “cozi- lo XXI – “No futuro vamos comer ca- nham as refeições elementares”, não viar e telefonar a uma ‘star’, diz o “limpam a casa”, não “reparam a má- “jingle” final de “Century 21st Calling” quina de lavar a roupa de um dia pa- (1963), encomenda da companhia de ra o outro” e, além de não nos avisa- telefones AT & T que passa na segun- Cinema rem em caso de incêndio também não da-feira às 18h30 –, a vista que temos “combatem o próprio incêndio”, os daqui é algo desoladora. passeio não passaram a ser “O subtítulo do programa ‘Back to elevados “para dar mais segurança the Future’ é ‘O futuro já não é o que aos peões, duplicando o espaço dis- era’ precisamente porque ao olhar- ponível”, o jantar não está disponível mos para estes filmes constatamos em pequenas cápsulas “deliciosas”, que há uma série de promessas que não há assim tantas auto-estradas sus- nunca aconteceram – essa ‘décalage’ pensas “espectaculares” e sobretudo entre o que se imaginava que o futuro ainda não colonizámos a lua, ainda ia ser e aquilo que o futuro foi real- não fomos ver que tal se está em Mar- mente foi um dos aspectos que mais te e ainda não fomos felizes para nos entusiasmaram. Naquela altura sempre. Como futuro, o século XXI toda a gente achava que no século XXI é um fracasso (e como passado tam- já ia haver colónias na lua e já tería- bém é possível que não venha a ser mos ido a Marte – parecia óbvio, a empolgante), mas teremos sempre avaliar pela rapidez com que a coisa o cinema: ficámos muito bem, nós estava a desenvolver-se. Não aconte- (ou melhor: as pessoas que os “ba- ceram essas mas aconteceram outras byboomers” queriam ser quando coisas que ninguém imaginava: as te- fossem grandes), na fotografia que as lecomunicações foram mais longe do gerações anteriores anteciparam em que qualquer filme de ficção científi- grandes narrativas sobre a conquista ca podia prever”, diz Miguel Dias. É do espaço, pequenos filmes comer- um facto: nem o visionário filme da ciais sobre “os carros de sonho do AT & T antecipa esta coisa furiosa- futuro” e outras aventuras caseiras mente futurista de haver mais tele- O programa ainda mais anónimas. móveis do que americanos nos EUA. especial Modéstia à parte, houve coisas em “Back to the Da confiança à paranóia que fomos os maiores. Future” O futuro que não tivemos dava um Também é um facto que as repre- compila uma parque temático, diz Miguel Dias, pro- sentações do futuro dizem sempre série de curtas gramador do Curtas Vila do Conde: é mais acerca da era em que são pro- que dão a ver a para lá que vamos já a partir de ama- duzidas do que da era que pretendem maneira como nhã num programa especial (disse- antecipar e é por isso que estes filmes o cinema mos especial, não espacial: ao contrá- em que a General Motors achava que imaginou o rio do que era suposto, a avaliar por ainda estar viva no século XXI são tão futuro estes filmes sobre o nosso século, os difíceis de ver, agora que Detroit é nossos carros ainda não voam) da 17ª uma cidade-fantasma e que o capita- edição do festival. “Back to the Futu- lismo americano, tal como o futuro, re”, como num filme dos anos 80? já não é o que era. “Tenho o pressen- Também (faz parte da história do nos- timento de que algumas coisas não so futuro e está em “The History of vão mudar”, diz o narrador de “De- the Future”, de Reynold Reynolds, que passa quarta-feira, às 23h30), mas sobretudo “Back to the Future” como “Hoje, quando num filme dos anos 60. “O período áureo do futuro é o das décadas de o cinema fala do 50 e 60. Temos filmes anteriores – o futuro, é sempre ‘Viagem à Lua’, do Méliès, que foi o primeiro filme de ficção científica da para dizer mal; história do cinema, era inevitável – e filmes posteriores, alguns até já do temos visões muito sécuSlo XXI, como o ‘Retropolis’, mas o grosso do programa é composto por apocalípticas” filmes daquela fase. É a época mais Miguel Dias futurista do século XXI em termos de design – na arquitectura, na decora- ção de interiores, na indústria auto- móvel, no vestuário – e também a mais optimista em relação ao futuro, o que tem muito a ver com a euforia das conquistas científicas e do arran- que da aventura espacial, mas tam- No passado, o futuro éramos nós – mas nós bém com o crescimento económico”, sublinha Miguel Dias. Também havia não colonizámos a lua, não estivemos em paranóia nesse mundo pós-Hiroxima e pós-Nagasáqui – o holocausto nucle- Marte e sobretudo não fomos felizes para ar, versão grande orçamento da Guer- Os La La La ra Fria, é tema recorrente nas ficções, Resonance fazem sempre. Vamos ver o futuro a que não tivemos e mais ainda nos pesadelos, das dé- uma banda sonora cadas de 50 e 60 – e um terror peran- para a “Viagem à direito no Curtas Vila do Conde. Inês Nadais te a figura tão promissora quanto Lua”, de Méliès

18 • Sexta-feira 3 Julho 2009 • Ípsilon Os Tigrala de Norberto Lobo nos Mares do Sul de Murnau Os Tigrala fazem a banda sonora de “Tabu”. Vinicius Cantuária reinventa “NY NY” e “Manhataa”. Dean & Britta fazem canções para os testes de câmara de Warhol. Os filmes concerto da secção Remixed. Mário Lopes

O ambiente onírico e transbordante de movimento quando os corpos se entregam à Norberto dança, e tenso, qual prenúncio Lobo, um de tragédia, quando o luar dos elementos incide sobre a escuridão do dos Tigrala mar. Eis-nos em “Tabu”, de Murnau – estreado em 1931, já depois da morte do realizador num acidente de automóvel. Foi filmado em Bora Bora, na Polinésia, com a população local como protagonista e tendo como base do argumento as ITO suas tradições. É este filme que inaugura a secção Remixed RICARDO BR RICARDO do Curtas (dia 4, às 22h). A musicá-lo estarão os Tigrala, “O exotismo dos banda que reúne Norberto Lobo, guitarrista, autor do corpos e das danças, recente “Pata Lenta”, Guilherme Canhão, guitarrista dos Lobster, o seu lado onírico, e o percussionista Ian Carlo Mendoza. mesmo sendo um Norberto conhece Murnau. Não o tendo como referência, destaca- filme com muitas o como dono de uma “força sombras, tem muito iconográfica indiscutível”. Quanto a “Tabu”, confessa-nos do que é a nossa que ninguém do trio o tinha visto antes do convite do Curtas. música” A descoberta revelou-se feliz: “O exotismo dos corpos e das danças, o seu lado onírico, mesmo sendo um filme com muitas sombras, tem muito do que é a nossa música”, aponta. Sendo os Tigrala um grupo que “improvisa muito, na medida em que não é capaz de não o fazer”, a banda sonora não momentos definidos, mas será um espaço rígido: “a queremos aproveitar os arcos música que criámos, longos que as cenas permitem”. em grande parte Ou seja, a banda não se adaptação submeterá ao filme, irá utilizá- do nosso lo como “guia espiritual para a repertório, música”, que será interpretada tem por Norberto Lobo na tambura (instrumento de cordas de origem indiana), Guilherme Canhão à guitarra e Ian Carlo Mendoza no vibrafone e nas percussões. Dia 10, Vinicius Cantuária reunir-se-á ao japonês Takuya Nakamura para musicar “NY NY”, de Francis Thompson (1957) e “Manhatta”, de Paul Strand e Charles Sheeler (1920). Dia 11, Dean Wareham e Britta Phillips (ele fundou os Galaxie 500 e, mais tarde, encontraram- se nos Luna) apresentam “13 Most Beautiful Songs For Andy Warhol’s Screen Tests” – o duo escolheu 13 dos famosos testes de câmara de Warhol, entre os quais os de Nico, Lou “Tabu”, Reed ou Dennis Hopper, e de Murnau escreveu canções para os acompanhar. Antes dele, terça, dia 7, às 23h30, “Ruínas”, de Manuel Mozos, será exibido com acompanhamento ao vivo dos anakedlunch, autores da banda sonora original.

Ípsilon • Sexta-feira 3 Julho 2009 • 19 Vila do Conde vai passar excertos de “Flesh Um dever de memória Gordon” O cinema enquanto testemunho: a obra dos libaneses Joana Hadjithomas e Khalil Joreige em Vila do Conde. Óscar Faria “Kiam”, com o cinema e com a arte um dos vídeos contemporânea – em 2002, na exposição: na Fundação Antoni Tàpies, dos destroços em Barcelona, aconteceu emergem as uma das exposições dedicada palavras, é às práticas artísticas este o poder provenientes daquela cidade, do cinema destacando-se então os trabalhos do Atlas Group/ Walid Raad – a obra deste artista foi mostrada na Culturgest, em Lisboa –, Rabih Mroué, Marwan Rechmaoui, Jalal Toufic, Paola Yacoub e Walid Sadek. Outros nomes “Forbidden Os filmes das décadas têm surgido desde esse Planet”: momento fundador: Ziad Antar, os robôs são de 50 e de 60 olham Lamia Joreige, Randa Mirza, nossos Akram Zaatari e os próprios amigos? para o futuro com Joana Hadjithomas e Khalil Joreige. um optimismo que se Há uma história antes do “Lasting Catherine David, a cinema de Joana Hadjithomas Images” comissária da mostra da perdeu pelo caminho, e Khalil Joreige, dupla Fundação Tàpies “Tamáss na viragem para libanesa que o Curtas traz para – representações árabes a secção In Focus. Um conflito contemporâneas: Beirute/ os anos 80 entre árabes e israelitas que Líbano”, escreve na introdução sign for Dreaming”, de 1965 (quin- parece não ter fim. Os cineastas do catálogo: “Embora já não ta, 0h30), antes de apresentar “os nasceram em Beirute, em 1969, seja aceitável continuar a carros de sonho de amanhã” – Ca- antes da primeira invasão considerar o Líbano como dillacs, Buicks, Pontiacs. Mudou tudo do Sul do Líbano, por Israel, ‘modelo’ ou ‘excepção’ demasiado radicalmente: para nós, em 1978 – os acontecimentos dentro do mundo árabe, que sobrevivemos ao fim de tanta coi- vividos desde então não podem Beirute é um a preocupação de alguns sa (sobretudo ao fim da euforia de ser separados das disputas intelectuais libaneses uma animação como “Destination territoriais seculares que têm território de onde – imediatamente depois Earth”, filme de 1956 que Carl Urbano afectado o Médio Oriente. É têm surgido, nos da guerra [o fim coincide realizou para a American Petroleum desse pano de fundo que nos com a retirada do exército Association e em que um extraterres- falam as imagens propostas últimos anos, uma israelita em 2000] – pelo tre descobre o sistema perfeito: uma das de Spock deixavam bem claro que pela dupla: os filmes passam- desenvolvimento e a promoção fonte de energia “inesgotável” e o ma- ele era um extra-terrestre – mas esse nos o testemunho. Como nos série criadores de uma cultura árabe ravilhoso sistema capitalista que a ‘background’ não humano não o im- diz o título de uma das longas, contemporânea, experimental põe à disposição de toda a gente, per- pedia de estar bem integrado no pos- “Eu quero ver”. relacionados não e crítica, é razão suficiente para mitindo messianicamente que cente- to de comando do ‘Star Trek’ (...). O Quando partiram para destacar um grupo de autores nas de companhias petrolíferas com- medo não só tinha uma causa, como este filme realizado após só com o cinema, que sente a necessidade de pitam entre si), este futuro já é passa- podia ser ultrapassado. Os frequentes a guerra de 2006, em que mas também com a encontrar-se, discutir um do. Por incrível que pareça – pelo planos ao ar livre, com muita luz do Israel bombardeia e invade o projecto cultural a médio menos para a cabeça das gerações dia, enfatizavam esta crença em es- Líbano depois de o Hezbollah arte contemporânea prazo, na sua própria cidade e que cresceram a achar que o mundo quemas utópicos”, reflecte Sabine ter capturado dois soldados no seu próprio contexto.” ia acabar no ano 2000 –, já chegámos Hillen no texto que acompanha a ins- israelitas, procuraram Uma nova guerra ocorreu em a 2008, a data em que o futuro come- talação. “Na viragem para os 80, a responder à pergunta: “O que 2006. Hadjithomas e Joreige ça em “Wandering through the Futu- ameaça do medo torna-se mais inten- é que o cinema pode fazer?” dão-nos o seu testemunho re”, instalação que a holandesa Mar- sa. A imaginação do futuro parece A resposta é dada por dois através do percurso realizado jolijn Dijkman criou para a Bienal de obstruída por traumas que têm a sua actores, a francesa Catherine por Deneuve e Mroué. Sharjah de 2007 e que vai estar no origem no presente. O mundo de ‘Bla- Deneuve e o libanês Rabih Semelhante função cumprem Teatro Municipal já a partir de ama- de Runner’ e de ‘O Dia da Indepen- Mroué, que viajam através os testemunhos de seis nhã. dência’ não é ameaçado pela experi- do país para ver a destruição prisioneiros do campo de The year is 2009 (“to survive it he’ll ência de uma catástrofe. É a possibi- provocada pelo conflito. “Eu detenção de Khiam, quer após have to move a lot faster”, anuncia o lidade de um desastre iminente que quero ver” define uma das terem sido libertados, em “trailer” de “Freejack”, filme de 1992 torna a vida insuportável (...). A pró- essências do cinema, aqui finais dos anos 1990, quer após com Emilio Estevez, Mick Jagger e pria confiança no progresso técnico entendido também enquanto a destruição da prisão pelos Rene Russo), e parte do futuro já é está minada”, continua. documento, o de revelar o bombardeamentos de há três passado nesta cronologia que recapi- Essa deriva distópica que caracte- outro, transpondo as fronteiras Joana Hadjithomas anos. “Khiam” (2000-2007) tula os anos que ainda não vivemos riza a ficção científica contemporânea geográficas. Como escreve e Khalil Joreige dão documenta não só episódios de na realidade mas já vivemos no cine- não é a única maneira de ver o futuro Jean-Luc Godard: “O cinema uma “masterclass” sobrevivência, mas também a ma, do 2008 de “O Dia depois de em Vila do Conde. “O ponto de par- pode contar uma história, é no domingo tentativa de apagar a história. Amanhã” ao 802.701 de “A Máquina tida para este programa foram as ima- esse o seu poder.” Godard irá Dos destroços emergem as do Tempo”, passando pelo 2026 de gens produzidas nos anos 50 e 60 – testemunhar outras guerras e palavras: é o poder do cinema; “Metrópolis”, pelo 10.191 de “Dune” são imagens muito apelativas. Isto não genocídios – o conflito israelo- apesar da sua impotência em e pelo 40.000 de “Barbarella”. O fu- é uma compilação dos melhores fil- palestiniano passa por “A mudar os acontecimentos, turo? Já estivemos lá e sobrevivemos mes de ficção científica”, explica Mi- Nossa Música” (2004) –, outros cumpre o seu dever de para contar. guel Dias. No 17º Curtas é programa nomes: Auschwitz, Sarajevo. memória. “Eu quero ver”. Nós para seis sessões preenchidas por cur- Claude Lanzmann, com também. Além da ficção científica tas-metragens “raras e anónimas” (na “Shoah” (1985), um documento Para além da exposição A viagem no tempo de “Wandering sua maioria, filmes comerciais ou pro- oral do Holocausto, também “Wish we could tell”, a through the Future” confirma as sus- mocionais encomendados por insti- participa dessa vontade de inaugurar amanhã no Teatro peitas de Miguel Dias: “O que mais tuições como a General Motors e a resistir ao esquecimento. O Municipal, que reúne os vídeos nos espanta, quando olhamos para a Nasa) que os programadores encon- horror não tem fim, é-nos dito “Khiam”, “Distracted Bullets” evolução das últimas décadas, é que traram em arquivos especializados – e todos os dias. “Eu quero ver”, ou “Lasting Images”, haverá o medo se torna cada vez mais domi- ainda para dois filmes-concertos, um afirma Deneuve. Diz-nos ainda uma “masterclass” da dupla nante. [As produções mais recentes] com música do alemão Kazike para Godard: “Fazer uma descrição (domingo, 17h) e a projecção fazem tudo para garantir que os es- filmes experimentais de Lilian precisa daquilo que nunca de “Quero Ver” (dia 6, 17h) ou pectadores tenham sempre presente Schwartz, artista americana pioneira teve lugar é o trabalho do “Le Film Perdu” (dia 11, 20h) nas suas cabeças a ideia de que a ca- na criação de imagens geradas por historiador.” – meditação sobre o cinema, o tástrofe está iminente num futuro não computador (segunda-feira, 23h30), Beirute é um território seu desaparecimento, a partir muito distante. Os filmes das décadas e outro com música dos La La Reso- de onde têm surgido uma de uma investigação realizada de 60 e 70 lidavam com o medo de nance para o “Viagem à Lua” (quinta- série criadores relacionados no Iémen. outra maneira. A ‘Barbarella’ contro- feira, 0h30). lava o universo da sua nave espacial O futuro é agora. Teletransporta- com confiança. As orelhas pontiagu- mo-nos?

20 • Sexta-feira 3 Julho 2009 • Ípsilon MMUSEU DO ORIENTE     

        

       

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%#% " $ ) #!" ! ) # #"&+ %$& &"#(  ' $" "$   #      #"& %$&  " $!$ !  # ***)%#% " $!$ David Adjaye foi o arquitecto escolhi- A propósito de um convite da Harvard do para desenhar o Centro Cultural Graduate School of Design, nos EUA, Africa.Cont, no Palacete Pombal, Ja- onde é professor, para uma exposição nelas Verdes, em Lisboa – é um espa- do seu trabalho, Adjaye contrapôs ENRIC VIVES-RUBIO ço que pretende dinamizar a arte com uma outra ideia. É a exposição contemporânea africana. Nasceu na que vai inaugurar em 2010 em Lon- Tanzânia mas a sua formação foi fei- dres sobre as 53 capitais do continen- ta em Londres, cidade onde começou te africano vistas por ele próprio. a construir no início na década de 90. Este ano ganhou o concurso para o As casas que desenhou para artistas Museu Nacional de História e Cultura instalados na zona este de Londres, Afro-Americana em Washington DC. e a sua actividade de divulgador de O Africa.Cont de Lisboa, iniciativa da arquitectura com programas televi- Câmara Municial de Lisboa e ministé- sivos para a BBC, deram-lhe atenção rio dos Negócios Estrangeiros insere- mediática. Pouco depois realizou os se neste percurso de um arquitecto projectos da Idea Store para duas áre- chamado à diáspora contemporânea as de Londres – “lojas” que são na da cultura africana. verdade centros cívicos, com biblio- Com os seus projectos para teca, livraria, café e espaços de apro- a Idea Store e para o Centro priação variada destinados às comu- Cultural Rivington Place, nidades asiáticas com vista à sua in- ambos em Londres, mostou- tegração plena. se um arquitecto interessado

Arquitectura Adjaye, 43 anos, tornou-se, assim, o no contexto onde opera. Com arquitecto britânico mais conhecido a Idea Store o espaço público da sua geração. Tem obra pública ocupado pelas comunidades construída nos EUA e na Europa – obra asiáticas “entra” dentro do que não é imediatamente identificá- edifício numa estratégia de vel, varia e adapta-se consoante a cir- grande informalidade. O Centro cunstância e destinatário. O Museu de Cultural Rivington Place parece Arte Contemporânea em Denver e o querer ser mais um armazém Centro Cultural Rivington em Lon- industrial entre outros no bairro dres, por exemplo, são edifícios pú- de Shoreditch. Vamos encontrar blicos com grande força expressiva a mesma estratégia no seu mas também tremendamente prag- projecto para o Africa.Cont em máticos. Lisboa?

Projecto para o Centro Cultural Africa.Cont: uma cidade dentro da cidade Confundimos modernidade cosmopolita com modernidade tecnológica; a modernidade cosmopolita é o compromisso com o outro, diz o arquitecto britânico David Adjaye. Apresenta o seu projecto para o Centro Cultural Africa.Cont em Lisboa. Ricardo Carvalho

“A modernidade cosmopolita é o compromisso com o outro”

22 • Sexta-feira 3 Julho 2009 • Ípsilon Sim. Essa é uma das minhas estraté- vários projectos posso dizer que es- Projectos para gias, o trabalho com o contexto. Aqui tou a gostar. a Idea Store e em Lisboa, cidade com uma história Em Londres trabalhava com frag- para o Centro impressionante, podemos ver um mentos da cidade, em termos de re- Cultural contínuo conglomerado de volumes. lação com o exterior. Aqui em Lisboa Rivington Quando começámos o projecto, pen- estou a trabalhar com uma parte de Place, em sei imediatamente numa ideia de cidade. Esta possibilidade de fazer um Londres “cluster” [agrupamento de várias uni- projecto numa plataforma é profun- dades] a partir dos volumes que com- damente romântica. põem o conjunto que vamos traba- Já tem uma ideia da atmosfera lhar. Também me foi pedido que se do projecto? reforçasse o carácter público do pro- Sim. Mas quero que seja uma surpre- jecto, de modo a celebrar este centro sa. Posso dizer que a ideia principal é cultural – como uma cidade dentro a ideia de genorosidade. O projecto da cidade. vai ser o instrumento para voltar a A estratégia para o Africa.Cont par- olhar a cidade e os edifícios. tiu daí, da organização de volumes, Está a preparar uma exposição da recuperação do Palacete Pombal e e um livro sobre várias cidades “Não acredito na estão à procura de qualquer uma situação terrível podemos dizer da relação com o rio Tejo. Como as africanas. Revelaram-se uma tipo de tensão. Mas o edifício da que o tiroteio foi uma bênção, porque geometrias dos edifícios são diagonais influência no trabalho que está a sofisticação como Fundação Stephen Lawrence demonstrou que a comunidade tem em relação à rua e ao rio, o projecto desenvolver? [fundação que funciona num um problema grave que deve ser re- procura conciliar formalmente este Estou a preparar esta exposição há ideia. A sofisticação bairro problemático do sul solvido. Temos que dizer que esta co- distorção com a malha de volumes. dez anos. Decidir começar a investi- pode alienar. Estou de Londres como centro munidade nasceu na legalidade e por Daí acreditamos poder reforçar esse gação nas cidades de que o meu pai comunitário; tem o nome de um isso o problema tem que ter solução. carácter público de que falava com os me falava. Ele era diplomata e cresci mais interessado rapaz que queria ser arquitecto É um caso em que a arquitectura reu- terraços aberto ao rio – situação que com as suas histórias sobre Maputo, e que foi assassinado aos 18 anos, niu as pessoas. é única. Este lugar não será apenas Nairobi, Cairo ou Campala. As minhas no compromisso da vítima de um crime racista], que Trabalhou com muitos artistas, para os lisboetas mas para toda a di- memórias acabaram por ser o cruza- é mais afirmativo formalmente, como Chris Ofili ou Olafur áspora africana, será um lugar de mento dessas histórias com a minha arquitectura em não foi tão bem recebido na Eliasson, e isso tornou-se um grande informalidade. experiência e emoções. Como cresci comunidade. tema para a crítica procurar O paradigma do espaço de em vários sítios diferentes – nunca tive poder estabelecer É verdade. O edifício foi ferido um influências directas da arte na exposição como um cubo branco um lugar estável – quis voltar a ligar relações históricas” ano depois de ser construído. Houve sua arquitectura. Mas não será está definitivamente superado. O essas narrativas porque constituem a um tiroteio e os vidros estão partidos. que é o inverso que acontece? que é que podemos esperar dos minha ideia de casa. Assim decidi fazê- Programaticamente é, antes de mais, Sim, sem querer entrar em polémica, espaços para mostrar arte no lo, saber como adulto o que é, por um monumento. Não quisemos fazer é exactamente o inverso o que acon- Africa.Cont? exemplo, a baixa de Maputo, que é um monumento convencional e pen- tece. Todas as colaborações foram O cubo branco parece de facto estar hoje uma das minhas cidades africa- sámos que a arquitectura podia ser verdadeiros trabalhos de partilha. esgotado, mas a discussão está em nas preferidas. Ou saber como são os da arquitectura em poder estabelecer mais performativa. Foi uma decisão Estes artistas com quem trabalhei aberto. Não sei se tenho resposta. Os “boulevards” de Nairobi, ou as colinas relações históricas. Também estou radical, até porque nunca o tínhamos desejavam de mim um contra-peso artistas parecem estar cada vez mais de Kampala [Uganda]. interessado em relações viscerais. feito antes. O edifício chegou à comu- ao seu próprio trabalho. Gosto muito comprometidos com a cidade. Foram Depois disso comecei a discutir com Gosto muito do trabalho do David nidade rapidamente – foi acolhido. da cultura barroca, tal como da Arte os artistas que se apropriaram dos re- os meus alunos de Harvard ideias so- [Chipperfield] e do Eduardo [Souto Os miúdos gostavam de ir para lá de- Deco, da Secessão Vienense, porque síduos da cidade industrial como o bre concepções do mundo, e sobre de Moura] mas não poderia nunca fa- pois da escola. Foi ferido porque esta encontramos aí uma densa fusão en- sítio ideal para trabalhar, afastando-se conceitos de cosmopolitismo. Tende- zer o que eles fazem. área é problemática e algumas pes- tre Arte e Arquitectura. Quando ar- dos palácios, procurando uma nova mos a confundir modernidade cos- Podemos dizer que os seus soas preferem manter os outros num tistas e arquitectos se juntam podem informalidade. Depois disso transfor- mopolita com modernidade tecnoló- edifícios públicos, como o regime de medo, para manter a se- interpretar a sociedade de modo pro- mámos culturalmente essa informali- gica, mas a modernidade cosmopoli- Centro Rivington Place e a gregação racial. fundo. É uma palavra pesada mas dade numa nova formalidade. E assim ta é sobre o compromisso com o outro. Idea Store, são amigáveis e não Se quisermos ser optimistas face a penso que é apropriada. o mundo artístico reagiu novamente, E isso acontece em muitos lugares do com um protagonismo fortíssimo da continente africano. Encontrei muitos perfomance nos espaços urbanos. modos de uma modernidade sofisti- 8<6?>7; A arte está sempre a procurar novas cada em África que as pessoas não posições, que acabam por regenerar conhecem. Há muitas pessoas que + @,'% as ideias sobre a cidade. Ao mesmo crescem culturalmente aprendendo  -  '    tempo permite que os artistas encon- da vida quotidiana e não necessaria- 8<6?E3 trem novos espaços. O pior que lhes mente do contacto com a tecnologia.  ,%$')'  pode acontecer é encerar as suas ener- Isso é muito inspirador. &,  %   gias [risos]. Para mostrar arte temos Falando de arquitectura em África % , !!#"  que ter alguma tensão ou criar a ca- não podemos esperar a remanescên-    pacidade do espaço para reagir. É por cia de uma beleza romântica, mas sim  8<6?75 isso que gosto tanto do sítio do futuro uma evolução informal dos lugares.  &) ,%' &)0-'    Africa.Cont . Está carregado de histó- Evolução boa e má. Não estive inte- %), %  ria, está carregado de uma dimensão ressado em fazer juízos sobre a arqui- política e social e o bairro está a ga- tectura. Comecei por fotografar, para  8<6?5<7; nhar nova centralidade. sentir a escala, forma, modos de liga-         )- ), , É também um dos seus projectos ção entre coisas, padrões, texturas.  . , , - onde o tema da topografia é Fi-lo de modo quase frio. Não usei determinante. guias – jamais contrataria um guia – !8<6?;F7; É verdade! Estava habituado à ausên- mas usei sempre um motorista de  cia de topografia em Londres. Che- táxi [risos]. %   -,% ,'1 guei a pensar que esse tema era irre- Simplesmente andou pelas $ 1 %( levante mas agora percebi que não. cidades, observando. "8<6?:<;7; Pensava que a vista significava apenas Exacto! Depois ficava amigo dos mo- urbanidade. Agora que estou a traba- toristas de táxi. Quando cheguei a - ,% ,( lhara com a linha do horizonte em compilar informação sobre vinte ci- %%). #! dades, convidaram-me para mostrar o meu trabalho de arquitecto em Har- #8<6?:<77; “O cubo branco vard. Propus então mostrar este tra- C % ,  balho, que teve muita atenção medi-  )%)-,$,%)% , ). [do espaço de ática. Depois decidi fazer o trabalho sobre as 53 capitais africanas. O livro 8<6?>7; vai sair na Primavera pela Thames & exposição] parece de *B'),% ) )  - )  ( Hudson e a exposição vai inaugurar 0/)& facto estar esgotado, em Londres. Estou a contar que possa ser vista no Africa.Cont. 8<6?E3 mas a discussão está A sua formação passou por & A2 &) , %$')' escolas europeias e por  .   D-)%    em aberto. Não sei arquitectos como David )$ Chipperfield ou Eduardo Souto se tenho resposta. 8<6?75 de Moura, muito ligados a uma ===#3594 Os artistas parecem ideia de sofisticação distinta da & &  que estamos a falar.  2 ,' )   '  )  -% A% ,   ,) &)%) estar cada vez mais Já tive esta conversa com amigos e res- % ) )  - )     ' )C ) pondi: é tudo uma questão de humor! %'+10$(10 (/*%10 ( comprometidos com Não acredito na sofisticação como ideia. A sofisticação pode alienar. Es- a cidade” tou mais interessado no compromisso

Ípsilon • Sexta-feira 3 Julho 2009 • 23 Há textos seus que são como os seus que não se diz chinês, nem sequer ligação – encontramos em alguns dos mas visões, imagens interiores. Não Gao fala de como se chega a um quadros. Há quadros seus que são exilado - deixou essa condição, afir- seus quadros a mesma névoa poética faço uma arte conceptual, para mim ponto em que as palavras não bastam. como os seus textos. Porquê saber se mará ao Ípsilon, quando recebeu o que existe em alguns dos seus li- a pintura é uma visão”. “Eu posso dizer ‘isto é um copo’. Mas é um pintor que escreve, ou um es- prémio literário, quando passou a fa- vros. A pintura resulta da evocação de que copo? É de porcelana? De vidro? critor que pinta? zer conferências e a encontrar-se com “A pintura baseia-se na visão indi- imagens, da mesma forma que a es- Plástico? Não vemos o tamanho, não Gao Xingjian ganhou o Prémio No- leitores de todo o mundo, quando se vidual humana directa e não intelec- crita resulta da evocação de vozes. vemos a forma. Descrever a forma por bel da Literatura em 2000. E disso tornou global. tual. É uma expressão visual que não “Quando escrevo são as palavras que palavras ainda é mais difícil. Podemos muitos sabem. Mas as palavras não Há uma frase sua que se multiplica tem relação com as palavras. Vem ao falam. As palavras não são a escrita, escrever todo um texto sobre a forma, dizem tudo, e escrever só não basta. em várias publicações, e mesmo nu- local onde as palavras não se conse- são uma voz humana. No fundo, não mas será apenas uma definição”. É nessa altura que usa a tinta da Chi- ma das salas da exposição. “Quando guem expressar”, disse numa confe- é escrever, é gravar uma voz. Não te- Não vamos copos nos seus quadros. na e o papel de arroz, ou a tela. não consigo escrever, pinto. Quando rência de imprensa. “Quando estou nho dificuldades em falar em frente Quando não são abstractos, encon- No Museu de Arte Moderna de Sin- não consigo pintar, escrevo”. São, por a pintar, não leio, ouço música. A mú- a um gravador, já fiz isso. Depois es- tram-se lá pássaros distantes, algumas tra Colecção Berardo estão mais de isso, dois processos absolutamente sica inspira-me e faz-me evocar ima- crevo. Escrevo muito musicalmen- figuras humanas, paisagens. O resto 70 quadros de Gao Xingjian, chinês distintos, apesar de haver pontos de gens. Não são cópias da realidade, te”. é dedução.

Giao Xingjian escreve quando n pinta quando não po O Nobel da Literatura que Gao Xingjian recebeu em 2000 tirou-o do e Não regressará. Mas porque fez dele um artista global. A voz está à solta nos livros e nos q

24 • Sexta-feira 3 Julho 2009 • Ípsilon Renascentista entrevista ao Ípsilon. “Claro que “Se olhar para estes um escritor chinês, de origem, escre- “nós”, da mesma forma que é aban- Também será apenas uma definição, quando crescemos temos de encon- vo em francês, e a estreia será em Itá- donado, por exemplo, no seu livro “A oca, chamarem-lhe escritor, ou pin- trar uma profissão, mas isso é para a quadros, ou para a lia. Isto é a minha vida”. Montanha da Alma” – onde o narra- tor. Não lhe peçam para se reduzir a sociedade, não para nós próprios. Uma vida que começou muito lon- dor usa o “tu” e o “eu”, mas não a um ofício. Gao quer ser apenas artis- Não faço essa distinção”. minha peça de teatro ge do ponto onde está agora. Gao não primeira pessoa do plural – também ta, no sentido renascentista do termo. Nada disto significa que haja sobre- é chinês. Gao nasceu em 1940 em não cabe nos seus quadros. E não é só a pintura e a literatura: faz posições. “O verdadeiro trabalho não mais recente, não têm Ganzhou, na província de Jiangxi, no De pé, em frente ao “Fim do Mun- cinema, traduções, óperas, cenogra- se mistura. Quando trabalhamos se- Leste da China. Gao não é chinês. Gao do”, uma tela de 2,40 por 3,5 metros fia, teatro. riamente num grande projecto não nada a ver com foi enviado para um campo de traba- com que o espectador se depara as- “Comecei muito cedo, em criança, conseguimos escrever hoje e pintar a China. Na nossa lho nos anos 1960. Gao não é chinês. sim que entra no museu, Gao diz ao a pintar, a fazer desenhos, a escrever amanhã. Programo a minha agenda, Gao destruiu uma mala cheia de ma- Ípsilon que não se trata de um trauma contos, fazia peças de teatro com a alguns meses para pintar, outros para época, o artista não nuscritos seus para não serem apa- deixado pelos anos passados sob o minha mãe, tocava violino. Para mim escrever, um período para o teatro, nhados pela Revolução Cultural (1970- regime comunista. Trata-se apenas a arte não é uma profissão”, diz na para o cinema também, que leva mui- está destinado ao seu 1976). de uma impossibilidade. “Há um ne- to tempo, meses e meses”. O seu filme Gao não é chinês porque nunca se gro ameaçador, que nos invade. Não “Silhueta Senão Sombra”, que está país de origem (...). sentiu parte da comunidade artística se pode falar em angústia colectiva. incluído na exposição, demorou qua- chinesa. As suas referências literárias Só existe angústia pessoal. O colecti- tro anos a concluir. A política chinesa não vêm dos livros que os pais tinham em vo aponta para a solidariedade entre Na base de tudo estará um trabalho me interessa, na casa, do francês que aprendeu cedo. as pessoas, problemas por resolver, sobre a memória. “A memória desem- A sua peça “Paragem de Autocarro”, que mobilizam a sociedade, e isso é PEDRO CUNHA PEDRO penha um papel muito importante na verdade. Saí da China por exemplo, era uma espécie de “À um dos aspectos da política. A arte criação. Não é o mesmo que as recor- Espera de Godot”, de Beckett. Foi a não é, de todo, um acto social.” dações, as lembranças, é algo como há 20 anos, não primeira que escreveu depois da Re- a matriz da criação. É o motor”. volução Cultural, e foi criticada pelo A preto e branco Há outras coisas. Outras inspira- conheço esta China próprio teatro por ser “demasiado Gao não é chinês, mas, até ao ano em ções. “Quando viajo. Isso inspira-me ‘avant-garde’”. Em 1983, passou a ser que se tornou cidadão francês (1997), sempre. Estes dias em Portugal serão actual” proibida e foi considerada “poluição o selo encarnado com a sua assinatu- certamente traduzidos no meu pró- espiritual”. Em vez de fazer a obriga- ra chinesa está lá, nos quadros, a rom- ximo trabalho. Sobretudo no meu tória auto-crítica, Gao preferiu desa- per despropositadamente o mono- cinema, haverá imagens de Portugal. parecer. Mudou-se para França. cromatismo – a exposição mostra Não é um documentário, é algo que Mas a China continua com ele, na obras do início dos anos 1980 até ao vou re-trabalhar. Faço uma recolha tinta e no papel de arroz. Isto dizemos presente. dos materiais. Ontem captei imagens nós, porque Gao não o vê assim: “A “Parei de trabalhar com cores em Lisboa, esta tarde vou visitar Sin- arte não é o material utilizado”. An- quando vim à Europa, a Paris e à Itá- tra”. tes, explicava aos jornalistas que “o lia, como tradutor de um grupo de papel é trabalhado assim há mais de escritores, no final da Revolução Cul- Um chinês não chinês mil anos, e a tinta da China tem talvez tural”, conta durante a conferência Será igualmente redutor dizer que dois mil anos, usava-se para escrever de imprensa. “Nunca tinha visto um Gao Xingjian é um artista chinês. Pin- nos bambus, tecidos, sedas”. São ma- original a óleo, só cópias e impressões tura e literatura estão ambas igual- teriais que “já sabemos que resistem de má qualidade. Quando vi os origi- mente longe da China, diz. “Se olhar ao tempo”. E ele, “como qualquer nais, pensei que tinha de parar, nun- para estes quadros, ou para a minha artista”, também procura ser imor- ca conseguiria fazer aquilo. Já Picasso peça de teatro mais recente, não têm tal. usava mal a tinta da China! Percebi nada a ver com a China. Na nossa épo- que era isso que eu tinha que fa- ca, o artista não está destinado ao seu Em vez da política, a ecologia zer”. país de origem”. Um dia perguntaram-lhe se gostaria Todo o seu mundo pictórico cabe Dá um exemplo de como é possível de regressar ao seu país. “Quantos no que o preto é capaz de dar quando abolir a questão da nacionalidade: “A escritores querem regressar ao país diluído em água. Há negro profundo minha nova peça de teatro, ‘Balada que proíbe a publicação dos seus tra- e luz “glacial”, há transparências e Nocturna’, vai ser estreada no Festival balhos?” densidades. Também como nos seus

de Milão e foi escrita em francês. Sou Exposições Mas se alguém vê política na sua livros, onde se encontram lendas an- obra, é porque não está a ver bem. tigas e florestas primitivas envoltas Nos quadros, como nos livros. em nevoeiro cerrado. “A política chinesa não me interes- “Uma densa e profunda escuridão sa, na verdade. Saí da China há 20 invade a vastidão caótica original, o anos, não conheço esta China actual... céu e a terra, as árvores e os rochedos Toda a política quer encerrar o ho- fundem-se, a estrada é invisível, só mem num cesto. Mas o homem é li- podes ficar ali, parado, sem conseguir vre. Porquê deixar-se apanhar por libertar os pés, o tronco dobrado pa- eles? Temos o nosso próprio cami- ra a frente, os braços estendidos para nho, temos o nosso próprio pensa- tactear nesta noite negra, ouves me- mento. Porquê deixar os políticos xer, mas não é o vento, é a escuridão pensarem por nós?” na qual não há nem alto nem baixo, Não é isso que o move. Até porque nem esquerda nem direita, nem lon- “pôr a arte ao serviço da política é ge nem perto, nem qualquer ordem matá-la. Torna-se apenas numa fer- determinada, fundes-te totalmente ramenta. A arte deve fazer frente às neste caos, só sabes que o teu corpo dificuldades existenciais humanas, possui um contorno, mas mesmo es- reais. Deve ser um testemunho o mais se contorno se esfuma pouco a pouco real possível da nossa vida. Tudo isso nos teus pensamentos, uma claridade ultrapassa a política, é algo muito sobe dentro de ti, como o fogo solitá- mais vasto e muito mais rico”. rio de uma vela na escuridão, a sua Isso não significa que seja um ho- chama liberta luz mas não calor, uma mem apático, fora do seu tempo. “In- luz glacial que invade o teu corpo, teresso-me por outras coisas que transborda os seus contornos, esses “Fim do Mundo”: o acontecem no mundo. Se há novas contornos que conservas em pensa- colectivo é sempre exposições, isso interessa-me... Ou o mento, os teus dois braços fecham-se uma miragem na obra aquecimento global. Fala-se muito e para preservar esse fogo, essa cons- de Gao Xingjian faz-se pouco.” ciência glacial e transparente...” (“A Ele fez o que pôde. A exposição Montanha da Alma”, Dom Quixote, chama-se “Depois do Dilúvio”. É uma 2002). visão sobre as alterações climáticas. A frase continua. A frase longe do o não pode pintar, “Todos nos preocupamos com o seu ponto final. Muitos dos seus qua- aquecimento global. A humanidade dros podem ser vistos assim, como enfrenta problema ecológicos, pro- orações de uma mesma frase. E como blemas que dizem respeito a todos. É em “A Montanha da Alma”, o que não uma angústia que pesa em todos nós, se entender intui-se. cada vez mais. Uma angústia maior Leia-se isto que escreveu, fixado que uma guerra; a guerra pode aca- noutra parede do museu: “Na ambi- bar, mas qual é a solução para este guidade entre o figurativo e o abstrac- problema?”, lança na conferência de to esconde-se justamente uma grande pode escrever imprensa. porta oculta que, enquanto se abre, Essa angústia, é preciso atravessá- conduz a uma visão profunda. A in- la sozinho. Mesmo quando há várias sinuação e a alusão são a chave que o exílio. Não que tenha regressado à China. figuras no quadro, como no “Fim do abre esta grande porta”. Mundo”, a solidão persiste, e o que s quadros, que trouxe a Sintra. Francisca Gorjão Henriques se vê não é um grupo de pessoas. O Ver agenda de exposições na pág. 44

Ípsilon • Sexta-feira 3 Julho 2009 • 25 É uma adolescente em idade de des- ma personificam um ideal que a ZDB Torres Novas, é tão boa quanto a mú- O homem que perseguiu Mingiedi cobrir o pecado, a Galeria Zé dos Bois. procura alcançar. A sua música é suja sica. Ao telefone de Bruxelas, onde a anos a fio foi Vincent Kenis, o produ- Amanhã faz quinze anos e comemora- e baseada no ritmo, e levam o Do It editora dos Konono, a Crammed, es- tor da Crammed Records e responsá- os ao ar livre, junto ao Museu Nacio- Yourself, que é apanágio da ZDB, a tá sediada, Michel Winter (responsá- vel por discos das Zap Mamma e Ta- nal de História Natural, ao lado Jardim limites desconhecidos dos ocidentais: vel da Crammed) contou ao Ípsilon a raf de Haïdouks – a este currículo Botânico, com uma trupe não negli- tocam likembés, um cordofone, es- saga “Konono”. Segundo Winter, o assinale-se uma colaboração com o genciável de músicos que, garantida- pécie de piano que se toca com os amor pelos Konono é antigo, e mem- grande Aksak Maboul. Além de en- mente, nunca entrarão num top: Po- polegares a percutir lamelas de metal, bros da editora andavam “à procura contrar Mingiedi, Kenis convenceu-o cahaunted e Sun Araw em estreia com microfones feitos com partes de deles desde o final dos anos 70”. A a reunir de novo uma banda (sem os europeia, o melhor dos músicos gui- carros. Há três tipos de likembés na tarefa de os encontrar foi dificultada restantes membros, impossíveis de neenses a viver em Lisboa (Kimi Dja- banda: uns fazem linhas de baixo, os pelo facto de até então os Konono localizar), gravar um disco e depois baté, Galissá, Maio Coope e a espe- médios e os de “treble” criam melo- nunca terem gravado, tendo a banda partir em digressão. Nada disto foi

Música rança N’Dara Sumano) e, directamen- dias e harmonias. Ao vivo são um sido “dissolvida ou dispersado algures tão fácil quanto parece escrito em te dos confins do Congo, os magníficos comboio de suor. A sua música está nos anos 70”. papel, devido ao som muito próprio Konono Nº1. longe de ser domesticada, é simulta- Quando encontraram o fundador dos Konono, que Kenis não queria Dos guineenses pode-se esperar neamente apelativa aos públicos do do grupo, Mingiedi, este estava “em domesticar. muita harpa (a kora) e muita dança, rock, da electrónica e das vanguardas, casa sem fazer nada, porque estava Vincent Kenis tinha ouvido os Ko- dos Sun Araw música espacial, dos mesmo que apenas por acaso. desempregado” – não o encontraram nono Nº1 pela primeira vez nos anos Pocahaunted muita guitarra a bradar. em casa, na verdade, mas “numa 70: “Ele estava a conduzir quando Mas os reis da festa são os Konono, A saga igreja local que ele frequentava, por- ouviu um som estranhíssimo, muito trupe do Congo que até há quatro A história dos Konono, que também que o padre o ajudava com as refei- sujo, com um ritmo muito poderoso, anos ninguém conhecia. De certa for- actuam no Festival do Almonda, em ções”. num programa de uma rádio france- Os quinze anos da Galeria Zé dos Bois são comemorados com um par de bandas noise d Konono Nº1. Preparem-se p Komono traz suje aos 15 anos da ZDB

26 • Sexta-feira 3 Julho 2009 • Ípsilon sa”, conta Winter. “Descobriu que era eram propriamente estrelas da cena ge’”. Por norma usa-se o epíteto “bri- uma gravação ao vivo que um etno- musical. Na realidade, eles nem se- Os reis da festa são os colage” para descrever música que musicólogo tinha gravado numa via- quer faziam parte da cena musical. Konono, trupe do cola diferentes géneros, que salta de gem a Kinshasa [capital do Congo]”. Ninguém sabia deles”. Por isso Vin- estilo em estilo. Mas Winter tem uma Vincent, diz Winter, é e já era então cent demorou “muitos anos a encon- Congo. Personificam visão diferente. “grande especialista de música con- trar Mingiedi desde que começou a “A região do Congo donde Mingue- golesa, especialmente da rumba con- viajar para o Congo”. um ideal que a ZDB di vem faz fronteira com Angola e os golesa”. Já na altura tinha contactos músicos usavam instrumentos tradi- com alguns locais e posteriormente Bricolage procura alcançar. cionais da zona, que se encontravam “veio a conhecer todos os músicos da De acordo com Winter “não há gran- na natureza. Mas ele foi para Kinsha- região”, graças a “constantes viagens de diferença entre a música que os A sua música é suja sa muito novo, nos anos 60. Fazia ao Congo, não só em trabalho como Konono fizeram agora” e foi editada e baseada no ritmo, e música em funerais e casamentos, também por curiosidade”. pela Crammed “e aquela que Mingie- mas como Kinshasa é uma metrópole “Ele sempre viajou para o Congo à di fazia antigamente e Kenis ouviu levam o Do It Yourself, muito grande, com grande tráfego e procura de música e à procura de pela primeira vez na rádio”. Esta é muito barulho, a música que ele fazia músicos com quem tocar e apren- “música de rituais, de trance Bazom- que é apanágio não se conseguia ouvir – um likémbe der”, explica Winter. Foi a essa gente bo, que se toca para toda uma comu- de bambu não se conseguia sobrepor que Kenis recorreu à procura de lo- nidade”. É música tradicional da et- da ZDB, a limites ao ruído dos carros”. calizar esse grupo. Não encontrou nia Kikongo. Mingiedi, conta Winter, não tinha nem disco – que não havia – nem mú- Winter usa um epíteto que não desconhecidos dos dinheiro. “Nem para amplificadores, sicos. “Perguntou a todos os músicos imaginávamos colado aos Konono: ocidentais nem para microfones e material eléc- que conhecia, mas os Konono não “Isto é fundamentalmente ‘bricola- trico de amplificação sério”. Por e dos EUA, uma data de guineenses e o mais estranho combo rítmico vindo do Congo: os e para suar. João Bonifácio eira

Ípsilon • Sexta-feira 3 Julho 2009 • 27 Para além dos Konono, há Um ritual familiar Pocahaunted, Sun Crónica Araw, Kimi Djabaté, Agora, já não suamos tanto como suávamos antes nos concertos de Galissá, Maio Coope Verão. Mas continuamos a passar por lá, e a esperança N’Dara obrigatoriamente. Mário Lopes Sumano lgures nos anos 1990, entrei pela primeira vez na ZDB. Passando a entrada, abria-se uma pequena porta à esquerda. Culpa de um atraso, não vi para além dela. Existiria DANIEL ROCHA DANIEL A certamente um palco, que se ouvia muito nitidamente o som da banda. Certamente público em número suficiente para lotar o espaço e, com isso, impedir os atrasados de entrar – bem o vimos a sair mais tarde, encharcado pelo calor do concerto (espero), pela humidade de umas quantas dezenas de pessoas “ensardinhadas” em espaço pequeno (certamente). Isto foi a minha Galeria Zé dos Bois em meados dos anos 1990, quando era nova e estava a começar. Quando era outra coisa – mas, como sabemos, há coisas que nunca mudam. Já não sentimos a ZDB como “squat”: há um Mais de uma década depois, já não a sentimos como terraço apetecível, já lá se fazem concertos “squat” para criativos de toda a ordem, dispostos pelos e far-se-ão sessões de cinema vários andares de um edifício a ameaçar ruína. Lá em cima, a porta de uma das salas de exposição já não abre para um patamar pouco recomendável a quem sofra de vertigens – agora há um terraço apetecível e até já lá se fazem concertos e, proximamente, far-se-ão sessões de cinema. Lá em baixo, a sala apelidada de aquário, janela aberta ao mundo lá fora, foi remodelada – o que torna mais difícil transformar os concertos no Verão, como acontecia há uns anos, em épicas sessões de sauna. Mas isso, tudo bem medido e analisado, são meras operações de cosmética. Claro que prezamos todo o trabalho de recuperação do espaço, mas prezamos mais ainda o facto de, à medida que vai sendo feito, a ZDB continuar a ser a ZDB. Investigando agendas de anos passados, consegue-se traçar um roteiro feito de descobertas, de confirmações, de epifanias, de irritações e desilusões. Na primeira isso fabricou o seu próprio sistema metade desta década, isto funcionava assim: era de som: “substituiu o bambu por la- indispensável pelo menos uma viagem semanal ao melas em metal e usou um alternador edifício da Rua da Barroca. Independentemente de quem de automóvel para transformar a ocupasse o cartaz, um tipo estava lá: a achar os Califone energia mecânica dos likembes em a melhor banda de sempre, algures numa noite de 2004, energia eléctrica passível de ser usada a apanhar os sets de 25 minutos do Panda Bear antes dos em amplificadores que ele também Animal Collective serem o fenómeno que são, a subir um reconstruiu”. andar para apanhar a magia das guitarras de Jack Rose Mingiedi, diga-se, “conseguiu as e Glenn Jones, a irritar-nos com a inconsequência dos peças que precisava no ferro-velho drones dos Hototogisu, a abandonar o aquário por achar ou através de um sistema de trocas”. a No Neck Blues Band uma Depois da dissolução da banda nos O conforto não lhe trôpega reprodução da sala anos 70, “foi músico, agricultor, con- de estar dos Grateful Dead, ali dutor de camiões, passou por todo o matou personalidade. em 1967. tipo de empregos, passou por tudo Tudo aquilo era importante: na vida”. Continuaremos a a noção do espaço como um Segundo Winter “os fãs de laboratório-exposição onde não rock’n’roll e de música electrónica surpreender-nos e a tínhamos nada por garantido. experimental demonstraram muito irritar-nos quando A capacidade de surpreender, interesse neles” devido ao som sujo, esse efeito de surpresa, sempre quase industrial da banda. Mas Min- tiver de ser pareceu mais importante que giedi “não estava contente” com o cumprir o ritual habitual de som que criou por acaso, pois este, nos satisfazermos com o conhecido. Isso é resultado de mesmo sendo forte e fazendo-se ou- uma apelativa ideia de democraticidade: num dia viam-se vir, “tinha demasiada distorção”. “As os Bunnyranch a porem espanhóis a dançar rock’n’roll, lamelas têm um som muito particular. noutro estavam os CAVEIRA com Damo Suzuki a elevar-nos O som é um acidente, não é fruto de violentamente a outra dimensão, depois apanhávamos os uma pesquisa nem de uma vontade. Loosers, que ali nasceram, a fornecer rastilho criativo para Fizeram o som que encontraram com uma nova geração de músicos, há um ano confirmámos os materiais que tinham à mão”. que os Extra Golden são uma maravilhosa dádiva à Quando Kenis o encontrou e lhe Humanidade. São muitas músicas, as mais variadíssimas propôs gravar um disco, Mingiedi músicas, mas é mais que isso. imaginou um som claro. Foi Kenis que Todo um espaço que, ano após ano, se sente como o convenceu a gravar “à antiga” (aspas nosso: ritual familiar, esse de subir uns andares para ver nossas). Três anos e tal depois, ganha- uma exposição de João Tabarra, descer a escadaria até ram prémios da Radio 3 da à Ler Devagar, à entrada, e esperar depois pelo festim BBC, gravaram com Bjork a psicadélico dos Comets On Fire (ou ver, sem falhar um, o convite desta e actuaram em concerto de Natal de Legendary Tiger Man). Espaço que festivais de música electrónica fica marcado em iconografia de memória: o mural de há como o Sonar, ou de world, uns anos com o Adriano, quando jogava no Inter, ou a como o de Sines. E como uma parede do átrio de entrada com as letras “ZDB” povoadas ida ao Youtube pode compro- por soldados desenhados com o traço de João Abel Manta. var, quanto mais sujos melhor. Agora subimos até lá cima e há um terraço – descobri-o vagueando por quadros e projecções de (ou inspiradas Ver agenda de concertos págs. em) Kenneth Anger. Agora, já não suamos tanto como 36 e segs suávamos antes nos concertos de Verão. Mas continuamos a passar por lá, obrigatoriamente. O conforto não lhe matou personalidade. Parece que continuaremos a surpreender-nos e a irritar-nos quando tiver de ser. Nada de consensos. Enquanto isso acontecer, parabéns à ZDB. Continuará viva.

28 • Sexta-feira 3 Julho 2009 • Ípsilon

Música

Tortoise ou as virtudes da paciência

“Beacons Of Ancestorship” prova que os Tortoise que surpreenderam o mundo em 1994 são ainda os mesmos (mas não propriamente). Mário Lopes

Falávamos com Doug McCombs sobre Acrescente-se “Standards”, que, entre toise não é acomodamento. Precisa- bem: “ZZ Top e Led Zeppelin, bandas “Beacons Of Ancestorship”, sexto ál- sugestões da cena de Canterbury (a mente o contrário: “Todos conhece- “Todos conhecemos que, por estar ligado ao punk-rock, bum de originais dos Tortoise. Ele de Soft Machine) e a de Colónia (a dos mos as nossas forças e fraquezas ignorei na época”. Naturalmente, não explicava-nos porque demorou cinco Can e dos Neu!), os manteve no rumo enquanto músicos. Aquilo que nos as nossas forças e ouvimos nada dos ZZ Top em “Bea- anos a aparecer, dizia-nos que o tra- certo e, por fim, “It’s All Around You”, demora mais, agora, é pensar em for- fraquezas enquanto cons Of Ancestorship”. Naturalmente, balho em “A Lazarus Taxon”, caixa passo em falso (2004) – ou os Tortoi- mas de não nos repetirmos. Pensar McCombs não terá sido “apenas” um de raridades editada em 2006, não se tentando demasiado ser os Tortoi- em novas ideias é mais complicado músicos. Aquilo que baixista em todo o processo criativo se reflecte nele – reflectir-se-á no fu- se. Resumo feito, eis-nos de volta a – porque já usámos muitas. Obriga- que a ele conduziu. turo – e, a determinado momento, “Beacons Of Ancestorship”, editado nos a tentar mais arduamente”. nos demora mais, Os Tortoise podem demorar cada afirma isto: “Toda a música que ama- num momento em que os heróis dos E tentando mais arduamente, entre vez mais tempo a encontrar as ideias mos está representada nos Tortoise”. Tortoise já são heróis de toda a gente concertos como banda suporte de agora, é pensar em certas, mas quando as descobrem, o Acrescenta: “Queremos certamente (obrigado internet), em que pós-rock Tom Zé, um dos heróis dos Tortoise, formas de não nos prazer e a entrega são palpáveis. Se criar algo que seja nosso, mas não te- é expressão de saudosismo e não de entre o trabalho na supracitada caixa existe arrojo neste álbum é esse: provar mos medo de incorporar elementos futuro. de raridades – compilação de, classi- repetirmos” em 2009 que os Tortoise que surpre- de música que nos diga algo”. Con- fica, “experiências ocasionais que enderam o mundo em 1994 são ainda clui: “Mas creio que em nada do que Pontas soltas fazemos muito rapidamente” –, entre Doug McCombs os mesmos (mas não propriamente). fizemos se pode apontar uma referên- Eis-nos então perante Doug McCom- esse trabalho e a gravação de “Bea- cia directa. Temos sido muito bem- bs (em sentido figurado, que a entre- cons Of Ancestorship”, dizíamos, a Ver crítica de discos págs. 34 e segs sucedidos em não deixar sobressair vista foi feita por telefone), com ele banda percebeu como seguir em fren- os nossos heróis”. a dizer-nos “temos sido muito bem- te: “Não queríamos um álbum que Os Tortoise têm muitos heróis. sucedidos em não deixar sobressair soasse confortável”. Queriam “algo Quanto a isso, nada de extraordiná- os nossos heróis”. Arriscamos dizer menos perfeito, mais áspero”. Des- rio. Extraordinário, quando os Tor- que tal será mais verdade que nunca creve: “Com muitas pontas soltas, toise apareceram com o álbum de neste álbum – porque, como referi- com muitos pormenores enquadra- estreia em 1994, era os heróis deles mos, já todos conhecem os “heróis” dos em lugares onde não era suposto serem tão diferentes: as bandas do dos Tortoise e, ainda assim, é a mar- estarem”. então proscrito rock progressivo, os ca deles que sobressai; porque, mais Doug McCombs confessa-nos que génios do kraut, os mestres do jazz, importante, este é o disco de uma tem apreciado remeter-se a uma po- os inventores de novas paisagens banda que recuperou a sua vitalida- sição secundária. Acompanhou em electrónicas, os produtores jamaica- de. Um trabalho de paciência, como digressão os ingleses School Of Lan- nos que, com o dub, descobriram nos explica o baixista: “Demorámos guage e, no último mês, a pianista outras galáxias ou os tropicalistas muito [a gravar] porque estávamos Amalea Tshilds, cantautora de Chica- brasileiros que, então, poucos conhe- cansados da forma como trabalháva- go que elogia. “É recompensador ser ciam fora do Brasil. Em 1994, apare- mos. Levou tempo a ‘entrar’ no es- criador, mas por vezes é reconfortan- cer com música instrumental que se paço mental que possibilitasse criar te ser apenas o baixista da banda e alimentava da fogosidade do rock música nos entusiasmasse”. Desaba- não ter que pensar em nada mais”. mas que nada tinha do rock, era uma fa: “Trabalhamos sempre da mesma Diz-nos, também, que não está preo- surpresa audaz. forma, mas parece que quanto mais cupado em manter-se a par da actu- Melómanos, músicos activos na ce- tempo trabalhamos enquanto banda, alidade musical – “a revolução digital na de Chicago desde há muito, os Tor- mais demoramos a montar um ál- tornou tudo meio louco e faz com que toise desencadearam algo que se de- bum”. Tal, entenda-se, não é reflexo seja difícil consegui-lo”. Ainda assim, signou então como pós-rock – ideia de acomodamento – os membros dos cita o metal experimental de “The interessante a início, mas que rapida- Tortoise, dos reconhecidíssimos Mc- Bees Made Honey In The Lion’s Skull”, mente se transformou em refúgio pa- Combs, John McEntire e Jeff Parker dos Earth, como um dos álbuns re- ra copistas e mediocridade. Retiremos aos mais discretos Dan Bitney e John centes que mais o entusiasmou e, de portanto os Tortoise da designação Herndon, são veteranos da cena mu- seguida, surpreende-nos: “Ando nu- que não escolheram e avancemos. sical de Chicago e dividem-se por ma fase de redescoberta do rock clás- Refiram-se “Millions Now Living uma série de projectos paralelos, mas sico dos anos 1970”. E que anda então Will Never Die” e “TNT”, álbuns char- a banda “continua a representar um o homem que, na década de 1990, neira dos anos 1990, que os elevaram espaço íntimo” a que regressam sem- ajudou a criar música que era o pós a uma das forças criativas da década. pre. Não, aquilo que demora os Tor- do rock conhecido até então? Pois

Ípsilon • Sexta-feira 3 Julho 2009 • 31 “Ernst Spengler estava sozinho no teratura (Brasil, 2007) e já deu origem lado espiritual e etéreo e a assertivi- seu sótão, já com a janela aberta, pre- a várias adaptações teatrais. Foi ago- “Todas as dade de Theodor traduz-se um boca- parado para se atirar quando, subi- ra convertido em música, numa ópe- personagens dinho na escrita orquestral feita de tamente, o telefone tocou. Uma vez, ra que hoje se estreia na Culturgest. cortes radicais”, explica. Nalguns mo- duas, três, quatro, cinco, seis, sete, A componente instrumental está a carregam qualquer mentos, achou ainda oportuno intro- oito, nove, dez, onze, doze, treze, cargo da Orquestra Metropolitana de duzir uma espécie de oráculo: “As catorze, Ernst atendeu.” Foi com es- Lisboa, sob a direcção do maestro coisa de escuro. personagens em segundo plano for- te parágrafo inquietante, que Gonça- Cesário Costa. mam um coro que pode ser entendi- lo M. Tavares iniciou o romance “Je- “Jerusalém” mostra-nos pedaços Cada uma transporta do como a voz do mundo e que acaba rusalém”, um dos seus livros mais da vida de seis personagens que de- um tipo particular por ser uma transformação dramáti-

Ópera premiados. Por ocasião do lançamen- ambulam pela noite: Mylia, incapaz ca do que é o narrador no livro.” to da obra, o jovem compositor Vas- de dormir por causa das dores resul- de sofrimento, de A paixão pelo texto literário tem co Mendonça (n. 1977) ouviu o escri- tantes do seu grave estado de saúde; sempre acompanhado Vasco Men- tor ler algumas passagens e ficou o seu antigo companheiro Ernst, que história de violência” donça, Actualmente tem um projecto impressionado. se preparava para o suicídio antes do de doutoramento no King’s College A leitura posterior acentuou o in- telefonema de Mylia; Theodor Busbe- de Londres, onde trabalha com o teresse e assim nasceu o desejo de ck, ex-marido de Mylia, que procura compositor George Benjamin em tor- transformar o livro numa ópera. uma prostitura (Hanna); o seu filho no do modo como determinados tipos “Achei que ‘Jerusalém’ tinha um po- Kaas que fica assustado por se ver so- escreve o encenador no programa, de texto (dramático, narrativo ou po- tencial dramático muito grande”, zinho em casa e se cruza com Hin- serve também “para desdobrar as ético) podem influenciar a forma de contou o compositor ao Ípsilon. “Pa- nerk, que o assassina brutalmente... figuras e nos fazer perder a realidade uma peça musical. Formado pela Es- ra a transposição dramática não pas- Na concepção do espectáculo, este do espaço, criando, com a luz, o es- cola Superior de Música de Lisboa, sam todos os pormenores da narra- jogo de existências toma forma atra- paço sem espaço daquelas acções”. Mendonça fez depois estudos de aper- tiva, mas permanecem muitas ideias vés de uma estrutura bastante clara: Todos os outros elementos do cená- feiçoamento na Holanda com Klaas que inspiram uma caracterização so- uma abertura ou introdução orques- rio habitam esse mesmo não-lugar: de Vries e tem tido a sua obra inter- nora. Por outro lado, atraiu-me o fac- tral que serve de retrato global; uma cadeiras, camas brancas de hospital, pretada em vários países europeus. to de a acção se concentrar numa só primeira parte (“Noite 1”) em que as um banco de jardim e uma cabine No plano da linguagem musical “Je- noite e a grande densidade das per- histórias daquela noite começam a telefónica. rusalém” representa uma continui- sonagens.” desenhar-se em simultâneo; uma zo- As figuras que se vêem desdobradas dade em relação a este percurso, mas O libreto resultou de um trabalho na que pretende revelar o mundo nesse espelho não brilham na escuri- o facto de se tratar de uma ópera con- conjunto entre o compositor, o escri- interior e alguns fragmentos de me- dão, antes pelo contrário. “Todas as dicionou a escrita, não tanto pelo pe- tor e Luís Miguel Cintra, responsável mória das personagens através de personagens carregam qualquer coi- so histórico desta forma de expressão pela encenação. “O conceito do es- árias, duetos, tercetos e coros; e uma sa de escuro. Funcionam como uma artística mas pela sua natureza tea- pectáculo e a dramaturgia foram evo- conclusão (“Noite 2”) que retoma a espécie de visão de uma pequena par- tral. “O mais específico desta peça luindo em paralelo com a música, a narrativa. te da condição humana. Cada uma não é tanto o tipo de material musical cena e as palavras”, sublinha Vasco delas transporta um tipo particular e a sua utilização mas o facto de se Mendonça, que já tinha escrito músi- Jogo de espelhos de sofrimento, de história de violên- tratar de uma obra de teatro e música. ca para várias peças de teatro, entre Luís Miguel Cintra colocou um gran- cia. São figuras em queda”, explica Não tenho a visão de que é preciso as quais “Júlio César”, de Shakespea- de espelho em cena representando Vasco Mendonça. sempre aperfeiçoar qualquer coisa re, apresentada no Teatro São Luiz, “os diferentes espelhos em que cada Ao nível da escrita vocal, sobretudo quando criamos. Essa visão unidirec- com encenação e interpretação de um se busca constantemente no ro- na parte central da ópera em que a cional da história pode ser contrapro- LuÍs Miguel Cintra. mance” — a janela de onde Ernst se narrativa é interrompida e as perso- ducente. O que me interessa é encon- Não há Editado em 2004 pelo Círculo de quer atirar ou de onde Theodor olha nagens surgem como “uma procissão trar um equilíbrio entre uma aborda- ascensão em Leitores e em 2005 pela Caminho, o Mundo, a porta da igreja a que Mylia de sombras”, o compositor quis dar gem mais sistemática e estruturalista “Jerusalém”: “Jerusalém” recebeu os prémios Ler vai bater — e funciona também como uma impressão sonora particular de da música e uma certa liberdade. Ca- estas figuras Millennium/BCP (2004), José Sarama- a “imagem-símbolo da esquizofrenia cada um. “Por exemplo, no caso da so contrário, a música corre o risco estão em go (2005) e Portugal Telecom de Li- de todos e de cada um.” O espelho, Mylia, as linhas vocais ecoam o seu de ficar um bocadinho asséptica.” queda ENRIC VIVES-RUBIO Sombras numa procissão

O jogo entre a morte, a noite e a memória que assombra o premiado romance de Gonçalo M. Tavares, “Jerusalém”, inspirou a primeira ópera de Vasco Mendonça, em cena hoje e amanhã na Culturgest. Cristina Fernandes

32 • Sexta-feira 3 Julho 2009 • Ípsilon

Será Bill Callahan pessoal que manteve de lado o seu sofrimento invisível? Cantará entre 1988 e 2005. e egoísmo, acelera o Espaço numa frequência Presentemente assina seu rítmo cardíaco e Público inaudível? Será por em nome próprio e confessa-se em bom som. estar envolto em realizou dois excelentes Apesar desta mudança smog ou apenas trabalhos “Woke on a e da sua autenticidade porque calha, hã? whaleheart” de 2007 e ainda poucos são os que o Bill Callahan é um “Sometimes I wish we querem ouvir. Mas, mais experiente cantautor were an eagle”, de 2009, importante, também são norte-americano que desvendam um outro poucos os que cantam já com uma homem que finalmente como Callahan. “I will dúzia de escancara a janela do seu allways love you... my trabalhos em quarto, deixando entrar friend!” nome de Smog a luz matinal e a frescura João Semog, artista e (smog), da sua companheira plástico, 39 anos projecto Joanna Newson, deixa

Pop palmas, coros desbragados, órgãos em que a melodia é rainha mas só se calções de banho betos, tronco nu “kitsch”, westerns, luso-honky-tonks estiver bem acompanhada pelas aias peludo e guitarra acústica, e vai ao e as canções que vão ganhar o da harmonia, um autor clássico com ponto de roubar o ícone do casalinho Ele é o rei Festival da Eurovisão. É o rei do um fétiche por sons retro e dançante dos discos de Leonard charme tuga, é o disco pop deste instrumentos alheios à história do Cohen, passando pelos falsetes e uhs Verão. rock, um autor capaz de caminhar e ahs que povoam este disco estival. deste Verão E o génio anuncia-se assim: uma aquela linha entre o glorioso e o Mas o que importa são as canções e caixa de ritmos de som parolo em ridículo, a mesma que Tom Waits e cinco em nove são extraordinárias – O mais surpreendente compasso latino, uma slide-guitar Gainsbourg percorreram vezes sem sendo que quatro estão logo a abrir. A nos agudos a traçar gestos de conta. Não usamos a comparação de “Canção para ficar” segue-se “Passo a compositor, cançonetista, melancolia crepuscular, um órgão forma gratuita (mesmo sabendo que passo”, que é Gainsbourg lo-fi: uma humorista e anti-ícone pop retro a ecoar nostalgias, a voz quase os cínicos se entregarão à sua guitarra acústica, um órgãozinho ié- nascido nesta desamada sussurrada cheia da patine dos habitual e castiça zombaria): o Waits ié, aquela vozinha melosa a anunciar grandes sedutores, uma linha de do início parecia ser a sombra tutelar que “Vai ser um dia de calor”, e pátria nos últimos muitos baixo que insidiosamente faz baloiçar de “Nº1. Sessão de Cezimbra”, da depois o genial truque: piano, órgãos anos. João Bonifácio os ombros, um segundo órgão retro mesma forma que Gainsbourg surge (Moog e Hammond) e uma voz tão cheio de adiposidades “kitsch” como totem sem tabu em “Muda que desafinada de menininha coquete e João Coração que quase parece saído de um porno Muda”. virginal. Aquela voz feminina no sueco dos anos 70, e no fim um Tal como “Nº 1”, “Muda que refrão é uma lição pop: menos é Muda que Muda Flor Caveira; Distri. Mbari enternecedor solo de órgão Muda” tem duas ou três canções que mais, mal feito é bem feito, no erro é desvairado que consegue errar 25 ainda não estão acabadas. Tal como que se acerta. Canção pop perfeita mmmmn por cento das notas. Isto é “Canção “Nº 1”, “Muda que Muda” tem uma em qualquer parte do mundo Discos para ficar”, a extraordinária canção mão cheia de grandes canções, só civilizado, e até mesmo em sítios O segundo disco de fim de amor, fim de Verão, fim de que com uma diferença: enquanto as suspeitos, como Lisboa. de João Coração é qualquer coisa que abre “Muda que do primeiro disco demoravam a Canção 3, homónima ao disco: um tratado pop Muda”, segundo disco de João desvelar-se na sua imensa tristeza, abre com guitarrinha picada, onde cabem Coração. E basta este exemplar do estas são imediatas e compulsivas. percussão ao trambolhão e uma Talking Heads, melhor do Festival da Eurovisão ou Mas “Muda que Muda” tem mais que óptima melodia de harmónica no Gainsbourg, da Feira da Brandoa para sabermos isso, a começar por um humor muito refrão. Depois há trompetes e coros e que já não pode haver mais espaço próprio, ambíguo, visível logo na uma bela melodia em ascensão. João para as dúvidas aborrecidas que capa, uma espécie de gozo aos canta: “A pior raça é de quem vive gente cheia de poeira na cabeça tem Michaeis Carreiras e Julios Iglesias. (E atrás da coerência/ vê na verdade em relação ao mais surpreendente é por coisas destas, por este humor matemática e no céu ciência”. E compositor, cançonetista, humorista que não se esforça minimamente por depois a charanga torna-se por e anti-ícone pop nascido nesta mostrar aos outros que é quatro compassos homenagem ao desamada pátria nos últimos muitos efectivamente humor, que Coração “Road to Nowhere” dos Talking anos. perde muitos ouvintes dentro Heads e – guitarras, harmónica, Se não estiveram atentos, fazemos daquela classe de aspirantes a coros, palmas, gritos de “hey”, o resumo: de entre a fornada de intelectuais de alpaca que ainda tem trompete melosa, tudo e todos numa discos que a FlorCaveira (a editora algumas dificuldades de festa magnífica – canta-se “Vou a que é uma espécie de Belém da pop interpretação. Pura e simplesmente caminho de nada, entrem comigo”. portuguesa, tantos são os marginais essa gente não sabe “Abalada Farewell” é o fim de abençoados que faz nascer) editou no onde encaixar quarteto de ouro, uma balada folk último ano e picos, “Nº1. Sessão de Coração.) O com Fender Rhodes que se alteia Cezimbra”, o disco de estreia de João humor continua num belíssimo refrão debruado a Coração, era o mais estranho e mais na foto do guitarra slide. A partir daqui o disco ambíguo. Apresentava um rapaz de libreto que só volta a este nível magnífico em barba longa, criador de baladas apresenta “Cadeiras ocidentais”, luso-honky- vagabundas e românticas, rodeado Coração de tonk servido por banjo, mais órgãos de vibrafones, trompetes, retro e uma grande interpretação de harmónicas, melódicas, acordeão, voz que depois abre num estupendo braguesas. Era um disco de fumos e refrão cheio de coros e mudanças de fundos de poço e foi recebido ritmo. De entre as canções que não com a) entusiasmo (por são singles óbvios, destaque para “O parte de gente boa e que avesso do começo”, espécie de sabe o que é bom); b) western para assobio, harmónico e sarcasmo (por falsete. A “Sofia” falta definição parte de miudagem melódica e a muito, muito bela alérgica a “Istambul ou Budapeste” (que portugueses que não lembra Chico são humildezinhos e Buarque) tem bem comportados); c) o defeito de condescendência (por arrancar parte daquela elite de abaixo do que intelectuais sempre o resto da pronta a fazer um sorriso canção vem a ser. Mas o que interessa complacente com tudo o é que neste disco com cheiro a que não compreende, de modo a maresia, para ser ouvido com não se comprometer com nada). Martinis numa mão e uma garota na “Nº1. Sessão de Cezimbra” tinha outra, entre meloas e marisco, muitas qualidades (uma escrita descobrimos um Gainsbourg da no fio da navalha, pose, Arrábida, a resposta portuguesa ao melodias, arranjos) e um ou tédio burguês à francesa, as canções outro defeito (alguma que vão ganhar os próximos Festivais indulgência numa mão Eis um Gainsbourg da Arrábida, da Eurovisão ou a banda-sonora do cheia de canções), mas a resposta portuguesa ao tédio burguês próximo Wes Anderson. Ao leitor revelava um autor com à francesa, as canções que vão ganhar pede-se pouca poeira na cabeça. A uma ideia de canção os próximos Festivais da Eurovisão ... João Coração peçam-lhe tudo.

34 • Sexta-feira 3 Julho 2009 • Ípsilon aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente Nos inquietos tempos contestatário “Different rock descarnado, num da adolescência, os Pulp Class” ou a elegia estranho limbo musical Espaço foram uma das bandas rebuscada de nome “This de um disco que não quer Público mais ouvidas lá por casa. Is Hardcore”. Depois ceder perante qualquer Ainda hoje, quando o de um disco de estreia estilo. Pode ser sintoma espírito da nostalgia e de alguns anos de da idade – da minha –, ameaça com silêncio, Jarvis mas prefiro sem dúvida o um ataque de Cocker – o motor lado mais doce de Javis. cócegas, dos Pulp – volta Uma complicada prova respiro a dar-nos música de aferição onde apenas fundo e com “Further consegui resolver 6 das decido entre Complications”. 10 equações. A próxima O que falta aos Gossip é o golpe de asa o sarcástico Um disco agridoce correrá melhor. “His ‘n’ que mistura uma Pedro Miguel Silva, técnico Hers”, o pop etérea e um de comunicação, 35 anos Tortoise: imperfeitos, mas de novo vitais

festim percutivo que é nebuloso O álbum grime londrino e catártico olundum A noite em que vi baiano, emerge do mesmo espaço quanto ao seu antecessor. Porque se mental que “The fall of seven Convi- pós-estrelato é verdade que a estrutura e diamonds plus one”, qual tema de dado Michael Jackson personalidade das canções se John Barry desenhado como Confirma-se, são banda mantêm inalteradas, é-o também abstracção. que os Gossip arranjaram novos Em “Beacons Of Ancestorship”, os uitas agências de viagens especializadas, nos Estados de singles. Mário Lopes Richard Unidos, levam grupos de adolescentes em excursões trapos com que as vestir. Venham Tortoise não quiseram aperfeiçoar a Zimmler * de Verão, de autocarro, pelo Faroeste, a fim de The Gossip sintetizadores e percussões, venham sua música. Preferiram deixar Mvisitarem parques nacionais como o de Yellowstone palmas sintetizadas e o ambiente de acontecer e expor arestas por limar. e o Grand Canyon. Quando tinha 15 anos, em 1971, Music For Men clube, venham até os Depeche Mode Imperfeitos, mas de novo vitais. eu sonhava ir numa dessas “excursões de adolescentes”. Mas tinha Sony Music um irmão mais velho – então com 25 anos – que estava sem que ouvimos algo deles na marca M.L. trabalho e que se ofereceu para me levar em viagem. Os meus pais mmmnn sintetizada de “Four letter word”. deram autorização. Assim, numa manhã, no princípio de Julho, ele Tudo relativamente interessante e e eu metemos o nosso equipamento no gigantesco Chrysler do Com “Standing in empolgante em fogachos. O que lhes Jazz meu pai, que consumia imensa gasolina, e partimos da nossa casa the way of falta, como sempre lhes faltou, é o de Nova Iorque para a Califórnia, munidos do cartão de crédito do pai e de mil dólares em “traveller’s checks”. Depois de control”, mais o golpe de asa que torne tudo isto – a Branford Marsalis pernoitarmos num parque do Estado nas montanhas da single que o música, as proclamações de Beth Metamorphosen Pensilvânia e, depois, em Cincinnati, parámos em St. Louis para ver o Arco e o rio Mississippi. Na tarde do dia da nossa chegada, álbum, com a Ditto – mais que meramente Marsalis Music lésbica, obesa e funcional. Nada de trágico. Afinal, os lemos no jornal que os Jackson Five estavam na cidade e iam politicamente Gossip são banda de singles e, como actuar nessa noite! Eu adorava os Jackson Five desde que tinha mmmnn ouvido “ABC”, um dos seus primeiros êxitos, cerca de um ano empenhada Beth Ditto erguida a sabemos, essa é condição com antes, e possuía um dos álbuns deles. Na escola, os meus ícone pop contemporânea, os digníssimo estatuto na história da Já não amigos e eu costumávamos fazer imitações de Michael – então Gossip tornaram-se uma banda música popular urbana. surpreenderá com 12 anos – a cantar e a dançar “Stop! the Love you Save”, a reconhecida bem para além do ninguém afirmar- canção deles minha preferida (ainda sei a maior parte da letra, embora o meu falsete já não seja o que foi em tempos). O meu “underground” em que se se que o irmão cedeu às minhas súplicas e conseguimos arranjar bilhetes. O formaram. Depois disso, três anos De novo vitais saxofonista que descobrimos ao chegar à sala do concerto foi que, em St. de digressões, a contratação por Marsalis é um dos Louis, os Jackson Five eram um fenómeno exclusivamente negro. Na assistência, havia 9998 negros e o meu irmão e eu. O que me uma multinacional, a Sony, e a Tortoise valores mais gravação com Rick Rubin, o seguros do jazz mundial. O seu sopro surpreendeu foi que não havia uma clara divisão racial como Beacons Of Ancestorship aquela em Nova Iorque. Muitos dos miúdos que frequentavam a produtor-guru que parece incapaz Thrill Jockey; distri. Mbari é de uma rara intensidade e clareza e, minha escola – que era 99 por cento de brancos – pensavam que os de se sair mal, qualquer que seja a apoiado por músicos de classe Jackson Five faziam grandes êxitos discográficos e dançavam natureza daquilo em que mete as equiparada, desenvolve algum do fantasticamente bem, tal como pensávamos que Stevie Wonder,

mmmmn HO mãos. melhor jazz “mainstream” as Supremes e os Sly and the Family Stone faziam grande música. Eis-nos então perante “Music For “It’s All Around contemporâneo. “Metamorphosen” A Motown também era a nossa música. Foi uma sensação estranha estar em tamanha minoria pela primeira vez na minha Men”, o quarto álbum dos Gossip, o You”, o álbum de serve para assinalar uma década de vida. E foi assustador ao princípio, também. No entanto, embora primeiro pós-estrelato. Ponto a 2004, soava a fim existência do Branford Marsalis algumas pessoas nos olhassem com uma expressão bastante hostil, favor, nada mudou drasticamente: a de ciclo. A banda Quartet e, mais do que metaformose ninguém nos importunou. Quando os Jackson Five apareceram em secção rítmica continua a fazer que existira antes ou mudança, é marcado por uma palco – ao estilo afro, com calças de boca de sino –, a multidão tangentes ao funk, via pós-punk e em expansão continuidade. Aquilo que mais uma ficou enlouquecida, claro. E o que adoravam ainda mais do que Michael a cantar era ele a dançar. O miúdo conseguia deslizar, DFA, as guitarras são utilizadas constante, vez se encontra é um brutal pavonear-se e pular de um lado para o outro como ninguém. E como refúgio de rugosidade recusando a repetição mas, ainda entendimento colectivo, quatro conseguia girar e rodopiar sem eléctrica, a voz de Beth Ditto assim, criando uma marca autoral músicos trabalhando uma música sequer sair do tom. Os outros continua magnífica como antes, qual imediatamente reconhecível, que se baseia em elementos bop para irmãos – embora dançassem em perfeita sincronia e tocassem bem riot-grrrl que apreendeu o poder da revolvia-se a sua própria história, desembocar num jazz clássico Na assistência, os seus instrumentos – já eram soul. Ponto contra: aquilo que era procurando aprimorá-la. Um erro, aprimorado. Marsalis toca saxofones apenas estrelas acompanhantes. O evidente antes continua-o agora: naturalmente, que as glórias da tenor, alto e soprano, no piano está havia 9998 negros meu irmão e eu estávamos falta aos Gossip a capacidade para história nunca são passíveis de Joey Calderazzo, o contrabaixo fica sentados bastante acima na serem memoráveis, para comporem reprodução – o que é mais verdade por conta de Eric Revis e a bateria é e o meu irmão e eu bancada e, à nossa volta, era como se tivéssemos ido a um concerto de canções que sejam mais que na música popular que em tudo o de Jeff “Tain” Watts – todos gospel numa igreja negra, com toda demonstração de bom gosto e resto. seguríssimos, impecáveis, mas é a gente – senhoras negras bem vestidas, adolescentes, crianças – a rastilho para concertos inflamados. Cinco anos depois, “Beacons Of particularmente notável a confiança gritar: “Solta-te, Michael!”; “Mostra-nos do que és capaz!”; “Vá, Neste “Music For Men” onde Ancestorship” demonstra que o do líder em qualquer um dos Michael, vá!” Lembro-me que ele cantou todos os êxitos do grupo completam a transição definitiva de momento e a intenção do gesto são, saxofones. Os temas são composições mais uma nova canção, “Going back to Indiana”, a qual ele explicou à assistência que havia sido escrita para um programa banda de garage, como o eram em nos Tortoise, bem mais originais dos membros do grupo (um especial de televisão, que tinham acabado de fazer, sobre o seu “Movement”, o segundo álbum, determinantes que a elaboração de deles é uma curiosa homenagem, regresso à cidade natal, Gary, no Indiana. A canção ficava no para híbrido rock’n’roll/pista de um programa. É um disco com a “Abe Vigoda”) e esse facto serve ouvido e eu quis ver o programa de televisão, mas suponho que foi dança, existe uma “Heavy cross”, inconfundível marca autoral dos também para a solidificação do para o ar enquanto eu andava em viagem nesse Verão e não o apanhei. E nunca mais voltei a ver Michael actuar ao vivo. Menos primeiro single, que tenta Tortoise, um disco onde estão colectivo. O único problema que se de dois anos depois, a voz dele mudou e as suas primeiras claramente ser sequela de “Standing presentes os seus métodos e fascínios encontra aqui é a repetição da tentativas musicais como jovem adulto pareceram patéticas, in the way of control” – e gostamos – o kraut dos Neu!, o kozmische dos fórmula, que sofre poucas variações, sobretudo “Ben”. Então, saiu “Thriller”, em 1982, quando Michael dela, mas soa a esforço demasiado Harmonia, as dinâmicas do daí resultando uma música de baixo tinha 24 anos, e era evidente que Michael se tinha reencontrado de consciente e gostaríamos mais sem a progressivo ou a electrónica mais risco, assente numa excessiva novo. E a dançar melhor do que nunca. Fiquei feliz por ele – parecia ter feito o quase impossível e ter deixado a sua vida de sombra que a acompanha -, existem “rugosa” -, mas não o ouvimos como estabilidade. Com músicos deste criança vedeta para trás. Estava obviamente a evoluir para maiores baixos serpenteantes e percussões repetição do quer que seja. nível esperava- ambições artísticas. em “Men in love” (uma versão pop Áspero e urgente, integrando se um pouco Depois, veio o longo declínio – as cirurgias estéticas, batalhas dos !!!) e citações de Marvin Gaye habilmente os componentes mais de legais, dedicação arrepiante a crianças e falsas amizades com numa “Love long distance” que electrónicos e a instrumentação aventura. estrelas de Hollywood. Perdi todo o interesse por ele e pela sua música. Por isso, foi uma surpresa dar comigo tão triste ouvimos como boa recriação, em real, tem lado a lado a etérea Nuno com a sua morte. Que vida louca que ele teve, e como parecia baixo, bateria e guitarra, de um êxito elegância da guitarra de Jeff Parker e Catarino frequentemente tão perdido e inautêntico. Durante estes últimos house da década de 1990 (os pianos, violentas descargas de ruído onde só dias, sempre que via um clip dele na televisão, como ele era nos o bombo a marcar o ritmo e Ditto a o ritmo é perceptível (o resto é uma anos mais recentes, é difícil acreditar que era a mesma pessoa referir o mestre: “I heard it through imensa sonora fustigando-nos os que o rapazinho de expressão doce, dinâmico e com um talento ímpar que eu vi em St. Louis em 1971. Mas era. E esse miúdo tinha the bassline / Not much longer sentidos); pólos opostos que, nas O melhor jazz sido belo. would you be my baby”) mãos dos Tortoise, não o são “mainstream” – apesar Ali, começa a tornar-se evidente a realmente. Pertencem ao mesmo da repetição da fórmula Escritor diferença de “Music For Men” contínuo: “Northern something”, (Tradução de Rita Veiga – Dito e Certo)

Ípsilon • Sexta-feira 3 Julho 2009 • 35 aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente

Os eternos Metallica no primeiro dia do Optimus Alive

Pop dois anos, no São Jorge, em Lisboa). O disco mais recente chama-se O brilho Optimus “Aman Iman” e ainda estará Meio músicas certamente disponível em qualquer boa loja. Tcheca é um cabo-verdiano de Kylie Alive de peso que sustenta na guitarra a base das do mundo, suas canções. É um melodista nato, Cenários sumptuosos, Olhamos para o primeiro que apesar de ter sorvido a tradição trocas de indumentária a dia do festival... será uma meio música gosta de encher as canções de arranjos, mudanças bruscas de cada par de canções, muitos batalha? Mário Lopes americana ritmo, e elementos alheios ao dançarinos, muita luz. cânone cabo-verdiano. Ainda há, no Mário Lopes Optimus Alive! 09 - Dia 9 Palco Blues, Legendary Tigerman, Mini-festival na Arrábida: homem dos sete instrumentos que Algés. Passeio Marítimo de Algés. Passeio Marítimo Kylie Minogue de Algés. 5ª às 17h00. 50€ (dia). Passe Festival: 90€. faz música dos deltas do Mississipi, dois dias. João Bonifácio Lisboa. Pavilhão Atlântico. Parque das Nações. Sáb. Palco Optimus: Ramp (17h30), Mastodon (18h20), embora tenha nascido ali para os às 21h00 (abertura de portas às 19h30). Tel.: Lamb Of God (19h20), Machine Head (20h30), Arrábida World Music Festival lados de Coimbra. 218918409. 40€ a 75€. Na Sala Atlântico. M/3. Slipknot (21h45), Metallica (23h30).
O segundo dia, sábado, não Palco Super Bock: Os Golpes (17h00), Silversun Setúbal. Castelo de São Filipe. Estrada do Castelo de parece um festival de “músicas do Existe Madonna, mega estrela Pickups (18h00), Delphic (19h00), Air Traffic São Filipe. Tel.: 265523844. 15€. Passe 2 dias: 25€. mundo”, antes um festival de planetária, rainha da pop , senhora (20h10), TV On The Radio (21h20), Klaxons (22h45), 6ª, 3, às 19h: Palco World: Tinariwen, Tcheka. Palco Crystal Castles (00h30), Erol Alkan (01h50). Blues: The Legendary Tiger Men. Palco Lounge: DJ “música influenciada pelas raízes da de Deus e do mundo. E existe Kylie Café del Mar. Informações: 265537200. 15€. Passe 2 música americana”. Muita atenção à Minogue, mega estrela planetária,
Palco Optimus Discos: Mazgani (18h30), The dias: 25€. Sáb. 4, às 19h: Palco World: Sun Ra Bombazines(19h30), Tiguana Bibles (20h30), The actuação da Sun Ra Archestra, que, diva de brilho clássico que projecta Vicious Five (21h30), Nuno Lopes (22h40), Mr. Arkestra, Mazgani. Palco Blues: Heavy Trash. Palco Mitsuhirato (00h20). Este é o dia mais pesado do Lounge: DJ Café del Mar. Informações: 265537200. como o nome indica, trata-se da uma aura de glamour “vintage”: orquestra que acompanhava Sun Ra, festival Optimus Alive!. A 9 de Julho, tocam mundo de brilho e felicidade, mui Metallica, Slipknot, Mastodon e Lamb of God, entre A chamada “música do mundo” um dos mais livres espíritos do jazz – sexy e mui dançante. Já vimos muitos outros. parece ter definitivamente tão livre que por vezes chamar aos Madonna por cá um par de vezes. conquistado adeptos por cá. Cada seus discos jazz parece redutor. Sun Kylie, tragicamente, ainda não. Ei-la Ao olhar para o cartaz do primeiro dia ano surge mais um festival, ainda Ra morreu há mais de 15 anos, mas a que chega. Amanhã, dia 4, Pavilhão do Optimus Alive, com início marcado que nenhum tenha atingido a Archestra perpetua o seu espírito. Atlântico, Lisboa. para quinta-feira, podemos ver a coisa grandeza e projecção do decano Na mesma noite e ainda no Palco A actriz australiana, transformada pelo lado bélico: será uma batalha! De Festival de Músicas do Mundo de World, há Mazgany, iraniano em cantora adolescente com apelo um lado, no palco principal, o peso Sines. Desta feita temos um mini- radicado há muito em Portugal, cujo de “vizinha do lado” – isto lá pelos metaleiro dos eternos Metallica, dos festival na Arrábida: são apenas dois universo musical ronda os Cohens e anos 1980, ao som de “Loco Motion” mascarados Slipknot, dos Lamb Of dias e, valha a verdade, apenas os Caves deste mundo. Em 2007 -, que se reconverteria em God, dos progressistas Mastodon e metade do cartaz pertence à ideia lançou “Song of The New Heart”, personalidade pop legitimada ao dos, de certa forma, também eternos habitual de “música do mundo”. belo disco de estreia repleto de lado de Nick Cave, quando lhe vimos Ramp. Do outro lado, a vaga indie Hoje temos um dia forte, com os canções clássicas, e agora apresta-se de rosto angelical no fundo de um com Os Golpes, os Klaxons ou os TV Tinariwen e Tcheca no palco a lançar o EP “Tell The People” antes lago – “Where the wild roses grow”, On The Radio, com os Crystal Castles e principal. da chegada do segundo álbum. No lembram-se? -, que se tornaria Erol Alkan a criarem o ambiente de Os Tinariwen são a maior banda Palco Blues estarão os Heavy Trahs, definitivamente uma estrela mundial pista de dança quando a noite se de guitarras não ocidental deste actual encarnação musical de Jon quando lançou o impecavelmente instalar definitivamente – e ainda santo mundo. Vêm do deserto do Spencer (o homem da Blues sedutor “Can’t get you out of my deste lado, o palco Optimus Discos, Saara, pertencem à etnia Tuareg, Explosion). Um bom cartaz, sem head”, Kylie, ela mesma, chega por por onde passarão bandas

Concertos foram guerrilheiros, e a sua música é dúvida, meio world, meio EUA. fim. Obviamente, devemos esperar recentemente editadas pela nova um derivado hipnótico do blues, Excepto ao fim da noite – tanto na uma “extravaganza”. plataforma editorial: o rock’n’roll dos com guitarras a traçarem elipses e a sexta como no sábado os pratos O último álbum, “X”, editado em Vicious Five, a América perdida dos cruzarem-se em infinitos jogos estarão a cargo de DJ Café Del Mar. 2007, aplicava formas da new-wave à Tiguana Bibles, o funk dos harmónicos que entram em Sim, DJ Café Del Mar. Só para o caso sua habitual receita de pop Bombazines e a voz de trovador de contraste com o minimalismo de não acreditarem, repetimos: DJ electrónica, mas não devemos Mazgani. Tinariwen, a maior banda percussivo. Ao vivo costumam ser Café Del Mar. Porquê? Porque o concentrar-nos demasiado nele. Na Também podemos, claro, ver tal de guitarras não ocidental bons ou muito bons ou Arrábida é um digressão relativa ao disco, intitulada diversidade como uma oportunidade. deste santo mundo absolutamente festival KylieX2008, os concertos Passar pelos ritmos enérgicos dos extraordinários português. dividiam-se em sete actos, Klaxons, serenar com a pop (como há com títulos como “Beach “queriducha” dos Air Traffic, Party” ou “Naughty acompanhar os Golpes quando eles Manga Girl” – todos gritarem “a vida corre inteira cuidadosa e muito pelas nossas mãos” e, pelo profissionalmente meio, atacar o “mosh pit” encenados, como sem contemplações quando é norma neste os Mastodon tocarem os seus universo do épicos de distorção onde cabem grande showbiz. Moby Dicks Ou seja, temos inteiros e um par de fustigar o pescoço certezas quanto Ei-la, Kylie com abanões ao concerto sucessivos quando os português: Metallica acharem por bem haverá cantar “Seek and destroy”. cenários Será o primeiro dia do Optimus sumptuosos, Alive, um dos maiores festivais de trocas de Verão nacionais. Dia de peso: Os indumentária a Metallica são cabeças de cartaz. cada par de canções, Seguir-se-ão, nos dias seguintes, muitos dançarinos, entre outros, Prodigy, Placebo, The muita luz, muito Ting Tings, Dave Matthews Band ou brilho. Haverá Kylie Los Campesinos Minogue.

36 • Sexta-feira 3 Julho 2009 • Ípsilon    + ", "                                 

Konono Nº 1 vêm fazer Portugal suar

Agenda

Entrada livre. 213921800. 12€. Pré-venda: 10€. sexta 3 15º Aniversário da ZDB Dulce Pontes Jerusalém Coimbra. Universidade. Paço das Escolas, às 21h30. Ver textos págs. 26 e segs Encenação: Luis Miguel Cintra. Tel.: 239859800. 10€ a 20€. M/6. Direcção Musical: Cesário Costa. Tributo a Orlando Pantera e Ildo Dealema + Puto Coke + Syzygy - Com Luís Rodrigues (Theodor Lobo Paniko en las Calles + Nelassasin Busbeck), Alexandra Moura (Mylia Com Calú Moreira, Jenifer Almeida, + Dr. Valda + Seilaesencia Busbeck), Manuel da Costa (Ernest Mário Rui, Aires Silva, Sandra Horta, Miramar. Praia do Senhor da Pedra - Miramar (Vila David Cruz. Spengler), Inês Madeira (Hanna), Nova de Gaia), às 18h00. Entrada livre. João Rodrigues (Hinnerk Obst), Lisboa. Armazém F. R. Cintura Porto Lisboa, Armazém 65, Cais do Gásm às 23h00. Tel.: Manuel Ferrer (voz infantil). Com sábado 4 213220160. 10€. Orquestra Metropolitana de Lisboa. Comemorações do 34º Aniversário Maestro: Hernâni Petiz. Compositor: Yann Tiersen da Independência de Cabo Verde. Vasco Mendonça. Figueira da Foz. Centro de Artes e Espectáculos. R. Lisboa. Culturgest. Rua Arco do Cego - Edifício da Abade Pedro, às 22h00. Tel.: 233407200. 20€. Mind da Gap + Woyza + Império CGD. 6ª e Sáb. às 21h30. Tel.: 217905155. 18€. -30 do Norte + Kaiko Sama & Lcesar Kepa Junkera anos: 5€. No Grande Auditório. Ópera de câmara. + Track Eterno + 040 + Duração: 1h20. M/12. Lisboa. Cinema São Jorge. Av. Liberdade, 175, às

22h00. Tel.: 213103400. 10€. Na Sala 1. Rotas & Drumdrama silva!designers The Master Musicians of Rituais. M/6. Miramar. Praia do Senhor da Pedra - Jajouka Led by Bachir Attar Miramar (Vila Nova de Gaia), às 18h00. Entrada livre. Lisboa. Cinema São Jorge. Av. Liberdade, 175, às Natiruts + Comunidade

22h00. Tel.: 213103400. 10€. Na Sala 1. Rotas & Nin Jitsu + Lei Di Dai Eixo Rap. WWW.TEATROSAOLUIZ.PT Rituais. M/6. Porto. Casa da Música. Pç. Informações: '&4(&(1 Mouzinho de Albuquerque, às 5$ &'4 223774250. ((' ' $ ($,((' ' 5$('('& $ &2$'$% &$  '(  Babylon Circus + Orquestra 22h30. Tel.: 220120220. 10€. &   $ Imperial Passe Mestiço: 30€. Na Praça. Festival Mestiço 2009. domingo 5 Porto. Casa da Música. Pç. Mouzinho de              '%(7%$''  ( !('((' &( Albuquerque, às 22h30. Tel.: 220120220. 10€. Passe   !(3)%($5$$*** (#(% &( Mestiço: 30€. Na Praça. Festival Mestiço 2009. 3.º Festival Delta Yann Tiersen '((' &(  6%) "  %*'(%  Tejo Vila Nova de Famalicão. ( !)'''(% 5 Vanessa da Mata Lisboa. Alto da Ajuda, às 19h00. Casa das Artes de Vila Nova Porto. Coliseu do Porto. R. Passos Manuel, 137, às 25€ (dia). Passe Festival: 40€. de Famalicão. Pq. de Sinçães, 22h00. Tel.: 223394947. 25€ a 30€. Desconto de 5€ com Cartão Jovem. às 21h30. Tel.: 252371297. 25€. No Informações: 210105700. Grande Auditório. 3.º Festival Delta Tejo - Dia 3 No Pólo Universitário. Palco Delta: Apresentação de “Dust Lisboa. Alto da Ajuda, às 19h00. 25€ (dia). Passe Vanessa da Mata, Deolinda, Sara Lane”. M/3. Festival: 40€. Desconto de 5€ com Cartão Jovem. Tavares, Bossa Nova. Palco Jogos Informações: 210105700. Konono Nº1 + Bruno M + Batida No Pólo Universitário. Palco Delta: Santa Casa: Per7ume, Pedro Luís & A Porto. Casa da Música. Pç. Mouzinho de Orishas, Skank, Bajofondo Tango Parede, O’Questrada. Palco Beck’s: Albuquerque, às 22h00. Tel.: 220120220. 10€. Passe Club, Buju Banton, Monobloco. Diego Miranda, Frederic Galliano. 3.º Mestiço: 30€. Na Sala 2. Festival Mestiço 2009. Festival Delta Tejo. Palco Jogos Santa Casa: Nneka, 3.º Festival Delta Tejo Natiruts, Macacos do Chinês. Palco Tigrala Lisboa. Alto da Ajuda, às 19h00. 25€ (dia). Passe Beck´s: Snowboy, Katembe S.S.. 3.º Com Norberto Lobo, Guilherme Festival: 40€. Desconto de 5€ com Cartão Jovem. Festival Delta Tejo. Informações: 210105700. Canhão, Carlos Mendoza. No Pólo Universitário. Palco Delta: Vila do Conde. Teatro Municipal. Av. Dr. João Artur Pizarro e Orquestra Canavarro, às 22h00. Tel.: 252646516. 7,5€. Alexandre Pires, Calypso, Irmãos Gulbenkian Na Sala 1. Filme-concerto. Verdade, NBC. Palco Jogos Santa Espinho. Auditório de Espinho. Rua 34, 884, às 17ª Curtas de Vila do Casa: Cidinho & Doca, Kalibrados, 22h00. Tel.: 227340469. 7€ (sujeito a Cais do Sodré Funk Connection. descontos). Conde. FIME 2009 - 35.º Festival Palco Beck’s: TT, Flow 212. 3.º Mingus Dinasty Septeto Festival Delta Tejo. Internacional de Música de Estoril. Centro de Congressos do Espinho. Obras de Bach, Estoril. Av. Amaral, às 21h30. Tel.: Dusek e Benda. 214647575. 30€. nformações: segunda 6 214827862. David Murray Quartet XXVIII Estoril Jazz - Jazz Yann Tiersen Com David Murray Lisboa. Centro Cultural de Belém. Praça do Num Dia de Verão 2009. I Império, às 21h00. Tel.: 213612400. 20€ a 35€. No (saxofone), Lafayette Grande Auditório. Gildchrist (piano), Hamid Carmina Burana Drake (bateria), Jaribu Direcção Musical: Golo Shahid (contrabaixo). Berg. Com Chelsey Schill terça 7 Estoril. Centro de Congressos do Estoril. (soprano), Carlos Caravan Palace + Bunnyranch Av. Amaral, às 21h30. Tel.: 214647575. Guilherme (tenor), Diogo Torres Novas. Jardim das Rosas. Avenida Principal, 30€. Oliveira (barítono). Com às 21h30. Entrada livre. Informações: 249839300. Festival MUSA 2009 - Dia Coro do Teatro Festas do Almonda 2009. 3 Nacional de São Carlos. Carcavelos. Praia de Carcavelos - Cascais, Com Orquestra quarta 8 às 19h00. 10€. Passe 2 dias: 12€. Sinfónica Informações: 214535110. Portuguesa. Barbara Hendricks & The Com Dub Pistols, Money Compositor: Carl Magnus Lindren Quartett Marker$, Uni-Form, Rejects Orff. Oeiras. Jardim do Palácio Marquês de Pombal. United, Blared Manifest. Lisboa. Teatro Nacional de Largo do Marquês de Pombal - Palácio, às 22h00. Festival MUSA 2009. São Carlos. Lg. S. Carlos, 17. Tel.: 214465300. 25€ a 35€. Informações: Sáb. e Dom. às 22h00. Tel.: 213933770. Konono Nº1 + Pontos 213253045. Entrada livre. Oeiras Sound 09. Negros + Os Golpes No Largo. Festival Torres Novas. Jardim das Rosas. Av. ao Largo. quinta 9 Principal, às 21h30. Entrada livre. Informações: 249839300. Konono Nº1 + Joshua Redman Guiné All Stars Cascais. Fortaleza de Cascais (Cidadela de Cascais). Festas do Almonda + Pocahaunted Av. D. Carlos I, às 22h00. Tel.: 214826730. 30€. 2009. Vanessa da Mata no Porto + Sun Araw Cool Jazz Fest 2009. Informações: geral@ NBC & The Funks + e em Lisboa Lisboa. Museu cooljazzfest.com. Aerosoul + H2O & Nacional de História B Fachada Neno + Wahwah Natural. Rua da Escola Politécnica, Porto. Teatro do Campo Alegre. R. das Estrelas s/n, SoundSystem às 22h00. Tel.: 226063000. Aveiro. Rossio, às 22h30. 58, às 19h00. Tel.:

Ípsilon • Sexta-feira 3 Julho 2009 • 37 portuguesa recente mais beloslivros da poesia Rocha Morais, éumdos “Últimos Poemas”, deNuno Livros mmmmm Quasi Nuno Rocha Morais Últimos Poemas poética. um pensamento euma comumaestética, um poeta Notável estreia póstumade seja fabuloso Um real que Poesia dos mais beloslivrosdos mais dapoesia Poemas” que “Últimos éum certeza, impede que sediga,comalguma deseremdigamos assim,pelofacto seja dealgummodoperturbada, Poemas”recepção destes“Últimos Éaliáspossível qualidade. alta que a deixoutambém ede umaobravasta Daniel Faria, que morreu aos28e aqui coligidos. inéditos,entre os bastantes osquais emrevistas e poemas publicados 34 anos,deixandoumpunhadode tradutor, morreu oanopassado, aos Rocha e que Morais, foijornalista surpresa edespedida.Issonão de condição últimos, pelasua portuguesa recente.portuguesa É quase inevitávelÉ quase pensarmosem Dois elementos chamam elementoschamam Dois imediatamente a atenção. aatenção. imediatamente variedade nosversos eno invocado,poeta uma Pedro Mexia Mexia Pedro Um éo“culturalismo”, unidade em cada unidade emcada que aqui se desdobra há uma lógica e uma euma há umalógica em alusões, citações em alusões,citações casuais e aleatórios; ealeatórios; casuais ou homenagens a entediantes, nem entediantes, nem Elizabeth Bishop,Elizabeth solenes e solenes e Zbigniew Herbert, culturais não são nãosão culturais Kavafis, Ponge, estes diálogos trágica. Nuno trágica. uma ironia ironia. Aqui, é parece uma “últimos poemas” poemas sechame de colectânea primeira Que uma Apollinaire, oua esse olímpico esse olímpico novidade na portuguesa, mas mas portuguesa, poesia não é de todo não édetodo Goethe que culturalismo culturalismo achava “fedelhos”. O “fedelhos”. O simples Kleist escritores como meio, /Deque sómeficouooco/Eé ao omeunomepartido nome, /Com ameiodomeu assim que partiste, repente noombro: já nãoestá “Foi desdelogo,casal, amãoque de do Aseparação tema éaseparação. Esse núcleos temáticostendenciais. avançam com semcronologia, tema central destespoemas,que censura” (pág.39). sem / Queocéupossasertão graça, na sua incondicional Seja tão acrer que/ custa-lhes osolitaliano menos gregas; /Cépticas, por isso nãosão diabo. bálticas, /Emboratão Produto como dequalquer pacto Destes corposaltos,esguios,/ / Acabou pordefinhar, / desistir tiveram –proibida durantedécadas, dizer que nãotêm alma,/Nunca /Masgostam de por umescanção, sentimentos emfrancês /Servidos estónias: “Aprendem aexprimir do poemasobre asraparigas felizes ealgo melancólicos. Éocaso vividos ouimaginados, sempre algo eróticos,atenuados porepisódios Mas oexílio são eadesolação iminente”(pág.99). em princípio curso, que asretomará, /Mudado já primeira neve, /Farejando ofimem Moribunda, dasárvores soba / ofegante, sentir arespiração /Épreciso aoscarris; Arrancam rodas que assuas / torturadas um comboio, /Ver aschispas de luzes penadas,desencarnadas, verpreciso cruzar, /As nadistância, num museu natural;/É dehistória mastodontes dos guindastes,/Como “Osdesolação: esqueletos demetal Muitas vezes, apaisagem éde de“seresmistério lacunares”. oubanalidade,oseu estranheza personagens, observa asua pelas rotinas diárias,o poeta desconhecido, ousóconhecido Europeia). Emterreno trabalhava paraaComissão no estrangeiro (Nuno Rocha Morais tem aver comaexperiência deviver ecomezinha. imediata realidade mais aparece naturalmentecomoa tão (prófugo, mavórcio), mastudoisso uma recorrência depalavras raras háguelfosegibelinos, sacrifício”, procura o“amor que opoupasseao que por ninguém,háumCristo regressa enão éreconhecido acasa fingimento. que HáumUlisses impessoalidade que nãoéum noprefácio,Matos Frias, chamauma aquiloespontaneísmo, aque Joana umnão- acabamento, certo justo dizerqueÉ mais elacultiva um clássica. nãoéexactamente também mas modernidade espúriaefácil, efeitosde tenta poesia nunca Éumengano. classicismo. Esta certo maiúscula, oque podesuporum dosversos no início assinaladocom cultivada. aprendizagem longamente poética tom dosversos que uma indicia de dentro deleque umavoz escurase O exílio é uma figuração de um deum O exílio éumafiguração frequenteA mais dessasaparições elementomanifesta-se O segundo à mão” -Peter Carey sim fazer obras deartecomtudooquetenho “Eu nãotento darexpressão àminhavidamas “fantasia” emlinguagem comum. éoopostode em linguagem poética, “fantasia”, ambiguidade essencial: tudo,diz-nos quase masdeixauma de umreal /Quenãosejafabuloso” fantasia” é“Suporaexistência “única eleescreve Quando quepoética. a umpensamento euma estética, 24). HáemNuno Rocha uma Morais Sárdonicos aténosestertores” (pág. ternura, /Nóssempre corredios, tão / /Numa pressurosapaciência, de falta impossível /Eexaltada de falta /Sempre numamais, morais /Nósmesmosde brutos demais, mal menor, /Cansadosdemais, bem dosoutros /Já nãoésequer o obemnosso/Pelo “(…)tentar triste: deética levamos daqui umaespécie desaparecemos. Masaindaassim a vida”. Somosoque somos,edepois decorrigir a“tentação uma tentação: lidos agora parecem demau agoiro. que terranosrecebe”, versos que referências fúnebres, “o baque como que noslevaàsincontáveisisso deumaavó.soterrada pelamorte É paradisíaca umainfância evocam nospoemasfamiliares que fortíssima damorte, radical a separação continua” (págs.88-89).Mastambém monóxidos /Dailusãodeque avida vivos /Arespirar dióxidos emortos, e montra domundo, /Ocomércio de volta, tudocontinua, agrande medo, incrédula ecommedo. /À derrama, /Incrédula ecom mmmmm Ed. Dom Quixote Tradução deAnaGomes Carey, Peter Roubo. Uma HistóriadeAmor Vasconcelos por Peter Carey. e aautoria questionadas O valordaobradearte F for fake Ficção durante o“regresso àpintura”, no Tóquio, deLAaMelbourne. Foi sefezsentirdeNovaarte Iorque a quando o“boom” docomércio de paraosanos80 tema, transpondo-o agarra este Uma deAmor”, História Peter Carey,artísticas. em“Roubo. da autoria edaautenticidade bemcomoanatureza obra dearte, figura paraquestionar ovalorda século XX.Welles aproveitou a Perante a morte, é preciso evitar Perante evitar épreciso amorte, primeira metade do primeira metade da artístico o panorama falsário que alterou de Hory, ofamoso na figuradeElmyr (1974) centrava-se Welles “FforFake” O filmedeOrson Helena Helena seduzir porMarlene que serevela já feito, elesedeixa enquanto otrabalho Michael econfiscam-lhe de vindos deSidneysuspeitam éroubado,o Leibovitz detectives telas dofamosomarido. Entretanto, devárias noacabamento intervir teveque asogra aousadia de autenticar obrasduvidosas,visto avaliardo pai,temcomomissão e sobre aautenticidade dosquadros o “droit moral” daúltimapalavra com ofilhodeLeibovitz que herdou com propensões paraomartírio. edeumabeata filho deumtalhante quem nasceraemBachus Marsh, estranhapara bastante carreira, inspirado Michaelnaescolhadasua tinha que, porcoincidência, contemporâneo dePicasso (fictício) Jacques Leibovitz, famosoartista que possuiumquadro “genuíno” de procura umvizinho, Boylan, Dozy múltiplos talentos. esenhorade conhecedora dearte jovem comardeamericana, atoladonalama,uma um carro sapatos ManoloBlahniknamãoe aparecesse, num diadetemporal, correria menosmalsenãolhe etelastudo sejam fiadasastintas queHugh. lhe Michaelconsegue dapensãodeinvalidezcusta de que sobrevivemirmãos Boone à delugarmultiusosao estatuto dos passa casa Rapidamente aelegante mastodôntico irmãoHugh. doseuatrasadoe tomar conta e ocinto eabebida,apertar “atelier” pai –desejatudomenoslargaro do por Butcher–emhonradoofício conhecido desolada. Michael,mais e isolada decampo de umacasa coleccionadores paratomarconta deumdosseus aoferta a aceitar obrigado deSidneyevê-se “atelier” nãoveste Prada. decididamente, violento ealcoólicoaustraliano que, moda” esurge comoé:umfeio, próprias “na telas,deixa deestar reaveracusado detentar assuas detersido depois até paraacadeia, e o divórcio paraamiséria arrasta-o sobre deinfortúnios: eleumacarga etc.,vêBaselitz, Fischl, abater-se dosSchnabel,Basquiat, semelhança Austrália, famosoerico, à prestes areceber aOrdem da oqual, pintor MichaelBoone, 1981 –eapersonagem centraléo decorre aolongo deumano–1980- incompreendido. pobre, angustiado, marginale artista enterraram bemfundoaimagem do em cavernas detesouros e transformaram “lofts”espartanos milhões deumdiapara ooutro, saíram dosseusguetos,fizeram champanhe, dólares –que osartistas inaugurações inundadas degente, –as Boone Paula eMary Cooper Castelli,IleanaSonnabend, Leo Marlene, perita em arte e casada ecasada emarte Marlene, perita asaberque MarleneFicamos Na voragem dolitígioperde o doromanceA acção deCarey galeristas como galeristas “reinado” de aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente

Louia Bernières uma sonsa e perigosa falsária e o Pássaros sem Asas Louis de Bernières, representada que de tão próximas que muito se falou quando implodiu arrasta para o sub-mundo dos Louis de Bernières tornado famoso por as figuras cremos existirem deveras. a ex-Jugoslávia. O que devia rico, dealers de arte, de Tóquio a Nova (trad. de Vítor Cabral) “O Bandolim do Vemo-las evoluir da inocência à crua por ser múltiplo, é um estorvo nas Iorque, numa teia de Edições Asa Capitão Corelli”, realidade do “grande mundo”, isto contas nacionalistas e toca a varrer acontecimentos que chegam a tomar para seu desgosto é, da geopolítica, neste caso os gente, que mal percebe o que lhe a forma de um thriller tão trágico mmmmn passado ao cinema. ditames internacionais que se acontece, de um lado para o outro. quanto cómico. A galeria de seguem à derrota do império Era então uma vez Eskibahçe, A narração cabe alternadamente a Acabar de ler um romance e entrar personagens que otomano na I Guerra e à guerra aldeia otomana, em vésperas da I Michael e a Hugh que, no seu em perda por pura saudade dos acompanhamos contra a Grécia que veio depois, Guerra, onde turcos, gregos e discurso demente, se apercebe dos personagens? Pode acontecer, num lapso de tempo suficiente para com toda a casta de brutais e arménios convivem com a bonomia factos antes de toda a gente, vai quando se conclui a leitura de operar profundas viragens nas suas insanes transferências de e a maldade que em regra habita os dizendo as verdades mais límpidas “Pássaros sem Asas”, do inglês vidas é tão humanamente populações, a tal limpeza étnica de humanos, contando pouco os numa linguagem poética, fracturada e intensa, pontuada de maiúsculas enfáticas e funciona como um espelho distorcido do irmão. (Carey utiliza a alternância das falas de Boone e Hugh, um dos trunfos e triunfos deste livro, para criar o desequilíbrio controlado da narrativa com uma cadência muito peculiar). Na realidade, Michael não é menos “diferente” que o irmão: oriundo das “franjas da civilização”, desesperadamente apaixonado e vertiginosamente “agarrado” ao vício de criar, eternamente deslocado, representa, com Hugh, as várias faces de uma nação que preza a violência – criativa, demente – e o gosto atávico pelo interdito e por tudo o que é marginal. Carey, exímio na construção de personagens que funcionam como arquétipos do imaginário australiano, não consegue descartar-se do estigma das origens do seu país (que, entretanto, trocou pelos EUA). A sua obra está povoada de aventureiros, patifes, falsários, jogadores compulsivos, bandidos e heróis de fronteira – Butcher e Marlene, irmãos siameses no crime e no amor, são uma espécie de Bonnie e Clyde do universo artístico – que vivem no fio da navalha com improváveis golpes de sorte, identidades roubadas e acções mirabolantes. Como afirma o autor: “o meu trabalho pode comparar-se com o de Jackson Pollock, com as suas telas cheias de beatas, fósforos e tampas de tubos de tinta embebidos na tela. Eu não tento dar expressão à minha vida mas sim fazer obras de arte com tudo o que tenho à mão.” Na verdade, “Roubo” – de notar as magníficas descrições de Boone a pintar, algo que é difícil transpor para a escrita – é um livro sobre a (i)legitimidade do acto artístico, sobre a apropriação amoral, sobre o amor nas suas múltiplas formas – fraternal, sexual, proibido, animal – e sobre a liberdade da criação. O estertor otomano

De como a geopolítica dá cabo da convivência humana – histórias no declínio do império. Manuela Barreto

Ípsilon • Sexta-feira 3 Julho 2009 • 39 O livro de Shirin Ebadi está proibido no Irão

credos religiosos ou a origem “nobre Pérsia e do mulher, que morreu de cancro, e comunitária para explicar os desventurado perdeu a vida, quando se suicidou comportamentos. O melhor e o pior Irão”. Esta é a ao descobrir o segredo do seu filho das relações interpessoais não passa história de uma mais querido. por aí, elucida-nos o narrador sem família e de uma Inesquecível é igualmente nunca no-lo dizer, e é com nação “desfeitas, a figura de Ali, o irmão eternecida compreensão que dilaceradas, mais novo de Abbas e de Javad. Fiel desenha este pequeno mundo de destruídas pelo devoto de Khomeini, aldeãos, muitos com nomes que são ódio político apercebe-se de como o regime um verdadeiro programa: Ali, o trazido como um vento maléfico traiu as suas promessas, Portador da Neve, o Apanhador de pela revolução islâmica”. quando vai trabalhar para os Sanguessugas, Philotei, a Bela, Depois de lerem “A Gaiola de serviços de segurança depois de a Ibrahim, o Louco, os amigos Ouro”, disse ao PÚBLICO a autora, sua mulher e único filho terem sido Karavatuk e Mehmetçik, Rustem Shirin Ebadi, “vão compreender as mortos durante a guerra com o Bey, Leyla, Tamara, entre outros. razões por detrás da fúria do povo Iraque. Tal como o “ayatollah” seu Em paralelo à vida na aldeia junto contra o governo, e porque milhões mentor, Ali pediu asilo político à ao Egeu, não longe de Esmirna, é- de iranianos foram para as ruas França, mas como ele próprio nos contado o percurso de Mustafa protestar”. A ira popular “não foi dissera quando era um Kemal, mais tarde Atatürk, o papel motivada apenas pelas eleições mas “revolucionário”, para justificar os das potências ocidentais (França, pelo que se passa neste país nos condenados e os executados em Alemanha, Itália, Reino Unido) e últimos 30 anos”, acrescentou a nome de Deus: “A República balcânicas (Bulgária, Grécia, advogada que recebeu o Nobel da Islâmica não faz nada sem uma Roménia) no devir do que resta do Paz em 2003. razão”. A brutalidade com que o império otomano e que será a O livro de Shirin Ebadi, proibido mataram impressiona. república turca. no Irão, só podia começar no Finalmente, temos Pari, a irmã de O ecos do “grande mundo” irão cemitério de Kharavan, onde o Abbas, de Javad e de Ali. Médica e inevitavelmente abater-se sobre a regime dos “mullahs” enterra os professora universitária, resistiu a vida na aldeia, até que dela e dos seus “traidores”. Não é difícil de não deixar o país, mas que podia seus habitantes, ora cómicos, ora imaginar que as valas comuns neste fazer depois de ter sido despedida e trágicos, pouco mais restará do que lugar onde os mortos não têm de o seu consultório ter sido uma ruína e as memória de alguns nomes, nem campas nem flores completamente vandalizado (em dos que lá viveram, “pássaros sem tenham voltado a encher-se nos cima da secretária colocaram a asas”: “Como não temos asas, últimos dias de repressão. Assim cabeça cortada de um cão, somos empurrados para lutas e como se voltaram a encher as estilhaçaram vidros, rasgaram abominações que não procurámos prisões e as celas de isolamento ou cortinas, danificaram instrumentos, (...) os anos passam, (...) os rios são de “tortura branca”. pisaram comprimidos, espremeram bloqueados pela areia e as falésias Os relatórios e imagens mais tubos de pomada pelos móveis e caem ao mar”, escreve Karavatuk ao recentes divulgados pela Amnistia pelo cão, queimaram o certificado amigo perdido. Internacional e pela Human Rights de licenciatura? (pp 207 e 208). “Pássaros sem Asas” é servido por Watch não são muito diferentes da Foi Pari, destroçada com o seu uma boa tradução de Vítor Cabral e descrição que Ebadi – a primeira drama familiar, que pediu à melhor revisão de Salvador Guerra, em que mulher juíza no Irão mas impedida amiga, Shrin Ebadi, um livro em a narrativa flui num estilo vivo, de exercer o cargo – faz da sua memória dos três homens para pleno de ironia, talvez porque o própria detenção. “A porta fecha-se quem a “gaiola de ouro” nunca se narrador não vê outra maneira de atrás de mim com um clique seco”, abriu. falar da desgraça que são as escreveu. “Encontro-me num políticas que destroem a existência compartimento de três metros por Observações: harmónica daqueles em nome de dois. Quatro paredes cinzentas e 1) De onde veio a ideia de traduzir cujo bem-estar são traçadas. lisas, sem escritos. Do tecto pende “mullah” por “mulla”, quando se uma lâmpada de luz fraca. Não há optou por “ayatollah” em vez de janela. O pavimento está coberto “ayatolla”? Ou se uniformizavam O Irão por uma alcatifa impregnada de pó ambas as expressões com “h” ou se e excrementos. (...) Não há nenhum adoptava “mulá” e “aiatolá”. ruído à minha volta, nenhum 2) E onde está a lógica de colocar o de Shirin lamento, nenhuma respiração.” (Pp título imperial no final dos nomes 61-64) próprios? Será Mozaffar-addin Xá, Ebadi Os destinos de Abbas, de Javad e Ahmad Xá e Reza Xá Pahlavi? Ou Xá de Ali foram mais funestos. Javad, Mozaffar-addin, Xá Ahmad e Xá Reza por exemplo, saiu da infame prisão Pahlavi? Por que é que os iranianos de Evin para o cemitério de 3) O tradutor perdeu a oportunidade saíram à rua numa Kharavan. Queriam forçá-lo à de enriquecer este livro com notas de “revolução verde”? A humilhação de passar pela “rampa rodapé, uma vez que nem sempre a do arrependimnento”, mas ele autora descodifica os termos persas resposta está em “A Gaiola manteve-se fiel às suas convicções. usados. Logo de início, quando ela de Ouro”. Margarida Santos Militante do Tudeh, o partido fala nos “golpes dos pasdaran” o leitor Lopes comunista que ajudou Khomeini a deveria ser informado que se trata derrubar o Xá Mohammed Reza dos Guardas da Revolução porque só A Gaiola de Ouro – Três irmãos Pahlavi para depois ser aniquilado páginas à frente será elucidado. Nas no pesadelo da revolução pela revolução islâmica, Javad é referências à culinária iraniana, seria iraniana uma das “personagens” mais interessante conhecer mais detalhes. Shirin Ebadi tocantes do livro de Ebadi. Que o “falude” ou “faloodeh”, por (Trad. Carlos Aboim de Brito) Ninguém ficará também exemplo, é um gelado persa que Esfera dos Livros indiferente ao fim trágico de Abbas, remonta ao ano 400 a.C. Ou que o um general tão leal ao imperador “sumac” é um pó vermelho e ácido mmmnn que, quando este se exilou, tudo à que no Ocidente serve de ornamento sua volta ruiu. A viver nos EUA sem mas no Médio Oriente faz as delícias Esta é a história de Abbas, de Javad poder regressar, perdeu os bens, dos cozinheiros devido ao seu gosto e de Ali, mas é também a história da confiscados no Irão, perdeu a ácido de fruta silvestre.

40 • Sexta-feira 3 Julho 2009 • Ípsilon Jorge Luís M. Mário Vasco As estrelas do público Mourinha Oliveira J. Torres Câmara Deixa-me Entrar mmmmn mmnnn mmmnn mmmnn Elegia mmmnn mnnnn nnnnn nnnnn Exterminador Implacável- A Salvação mmmnn mnnnn nnnnn nnnnn Coco avant Chanel mmmnn nnnnn mmmnn nnnnn Histórias de Caçadeira mmmmn mmmnn mmmnn mmmnn Home-Lar Doce Lar mmmnn mmmnn nnnnn mmmnn Incendiário mmnnn nnnnn nnnnn nnnnn Ligações Perigosas mmmnn mmnnn mmmnn nnnnn A Ressaca mmnnn nnnnn mnnnn nnnnn Transformers A nnnnn nnnnn nnnnn

Foi o “funkiest white boy ever seen”: Arthur Rusel, objecto de um documentário que a ZDB exibe Estreiam total, a família é feliz e unida. Até ao (mas sempre estranhamente chegar aos palcos da pop. Foi o dia em que é construída uma auto- “realista”), o filme de Meier evoca, “funkiest white boy I’ve ever seen”, estrada que passa à porta daquela sem necessariamente ficar a perder, como se diz algures, foi um vivenda. E pior, chega o dia em que a alguns filmes célebres que usaram o perfeccionista obsessivo e paranóico Na berma auto-estrada é inaugurada, e a família automóvel como maneira de que gravou compulsivamente – ouve a euforia de uma rádio local que destapar o “corriqueiro” da vida experiências no-wave, elegias folk do progresso anuncia que agora sim, a vida vai-se moderna para criar uma luz que para violoncelo, invenções dançantes tornar mais fácil para toda a gente. ilumina a violência que sob ele se em tangentes ao disco e ao afro-beat. Numa entrevista, Ursula Meier esconde. Os automóveis-besouro do Seropositivo, morreu em 1992. Quase Uma fábula absurda sobre descreveu o filme como um “road “Crash” de Cronenberg, os uma década depois, a sua música movie em reverso”. Faz sentido, se engarrafamentos-instalação do começou a ser editada e reavaliada, a inevitabilidade da “vida entendermos por tal um “movie” que “Weekend” de Godard ou do processo que permite o seu moderna”. não saia da berma da “road”. É aí que “Playtime” de Tati. O “progresso” reconhecimento, hoje, como um Luís Miguel Oliveira estamos desde o momento em que o medido em quilómetros de auto- músico de génio. filme arranca, na berma da auto- estrada, em toda a sua insidiosa Dia 22, será exibido o “OVNI” estrada, na berma do “progresso”, inescapabilidade. destas sessões. “Buscando a Reynols” Home - Lar Doce Lar numa fábula absurda sobre a (versão original legendada em inglês), Home inevitabilidade da “vida moderna”. Já do argentino Nestor Frenkel conta a De Ursula Meier, não se pode ser eremita, ponto. Mas Arthur Russel história dos Reynols, banda argentina com Isabelle Huppert, Olivier pode-se “resistir”. Com ironia e um activa desde 1993 que, desconhecida Gourmet, Adélaïde Leroux. M/12 e R. Stevie Moore no sentido de humor angustiante, Meier no seu próprio país, é alvo de culto MMMnn descreve a “resistência” daquela “Cinema no Terraço” “underground” em países como a família, que não abdica assim tão da ZDB França, os EUA ou Inglaterra. A Lisboa: Medeia King: Sala 1: 5ª Domingo 3ª 4ª facilmente do seu bucólico singularidade do grupo reside, 13h50, 16h, 18h, 20h, 22h 6ª Sábado 2ª 13h50, 16h, isolamento e tenta continuar a viver primeiro, no facto do seu vocalista e 18h, 20h, 22h, 00h30 Cinema no Terraço como se a auto-estrada fosse um leve baterista, Miguel Tomasin, ter Porto: Medeia Cidade do Porto: Sala 4: 5ª 6ª estorvo que deixa de existir se se “Protesting The Dixie Chicks”, dia 8; Síndrome de Down. Está, mais que Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 14h30, 17h, 19h05, “Wild Combination – A Portrait Of 21h30 fingir que não existe. É por aí que o isso, no universo que, estimulados filme acaba por fugir um bocadinho a Arthur Russel”, dia 15; “Buscando A pela sua imaginação, desenvolveram Reynols”, dia 22; “The R. Stevie

Cinema Eis um filme que tem tudo para ser estas premissas, e como que Alan Courtis, Roberto e Patrício bem recebido em Portugal, país onde acompanhando o fingimento das Moore Video Show”, dia 29. Conlazo: cantam numa língua o “progresso” tem tendência a ser personagens acaba por se centrar na imaginária e fazem música alienígena Lisboa, Galeria Zé dos Bois, 22h Rua da Barroca, 59; medido em quilómetros de auto- família e nos sinais da loucura tel.: 213430205 – por exemplo, utilizaram a Torre estrada. Se o leitor, ao cavalgar pela (emparedam-se…) em que a sua Eiffel e o Arco do Triunfo, as campas A1 ou pela A2 ou por outra A- resistência se vai tornando, como se a Se há um terraço e se o tempo pede de Jim Morrison ou Oscar Wilde qualquer, alguma vez deu por si a auto-estrada se convertesse em que seja utilizado, o melhor mesmo como instrumentos. interrogar-se sobre se aquelas casitas metáfora, em elemento perturbador será fazê-lo. A Galeria Zé dos Bois fê- O ciclo encerra com “The R. Stevie que vai encontrando nas imediações que vem desequilibrar o que dantes lo. As quartas-feiras de Julho serão Moore Video Show” (versão original já lá estavam antes ou se são dalgum parecia unido e harmonioso. Até uma assim dias de “Cinema no Terraço”. não legendada). Realizado pelo louco que resolveu ir viver com vista conclusão lógica, e por isso Quatro sessões complementares à português Nuno Monteiro, que é para a auto-estrada, este filme dirige- “perfeita”, ou “redonda”, conforme programação da ZBD Müzique: três desde 2005 o editor vídeo do mítico se à sua curiosidade. Porque é um se prefira salientar a virtude ou o obras dedicadas a criadores do músico americano, pioneiro das filme sobre o que existia antes da vício de uma estrutura circular. underground, fervorosamente gravações Do It Yourself e auto-estrada, e sobre como o que De qualquer modo, o mais independentes por temperamento personagem admirada por XTC ou existia antes passou a viver com a entusiasmante está no modo notável artístico (Arthur Russel, R. Stevie David Thomas, traça um perfil auto-estrada. como Meier filma a proximidade Moore e os argentinos Reynols), uma biográfico deste compositor Explicando melhor a situação de entre aquelas personagens e a que parte da música, das Dixie extraordinário que, filho de um “Home – Lar Doce Lar”, primeira violência física, visual e sonora da Chicks, para elaborar um retrato histórico baixista country, vem longa da suíça Ursula Meier, temos auto-estrada e do incessante fluxo de sociológico dos EUA da era Bush. É criando desde 1966 um corpo de uma família que escolheu ir viver tráfego. Auto-estradas e automóveis: com este último, “Protesting The obra tão imenso quanto fascinante. para o campo, isolada de tudo. A mãe coisa corriqueira da vida moderna de Dixie Chicks” (versão original não “Protesting The Dixie Chicks”, que Com ironia e um sentido é Isabelle Huppert, o pai é Olivier todos os dias. Nalgumas cenas, legendada), que se inicia o ciclo, dia contará com a presença do de humor angustiante, Gourmet, e têm três filhos, duas nalguns planos, nalguns “gags”, 8, às 22h. realizador, “Wild Combination – A Meier descreve a “resistência” raparigas e um rapaz. O sossego é numa banda de som carregadíssima Realizado pelo músico, cineasta e Portrait Of Arthur Russel” e “The R. de uma família que não abdica performer Christopher Fleeger, Stevie Moore Video Show” são facilmente do seu acompanha a banda das “meninas estreias nacionais. Mário Lopes bucólico isolamento queridas” do country americano no momento em que estas, por Elegia declararem a sua oposição à guerra Elegy no Iraque, em 2003, se De Isabel Coixet, transformaram em proscritas aos com Sonja Bennett, Patricia Clarkson, olhos dos apoiantes do Bush. Às Penélope Cruz, Ben Kingsley. M/12 portas das salas de espectáculos, Fleeger filma os dois lados: os “autos- MMMnn de-fé” com os discos da banda, os DJs em irados discursos radiofónicos e os Lisboa: Medeia Saldanha Residence: Sala 5: 5ª 6ª outros, os que apoiaram a declaração Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 14h20, 16h50, 19h20, 21h50, 00h20; UCI Cinemas - El Corte Inglés: Sala das Chicks e continuaram a encher os 10: 5ª 6ª Sábado 2ª 3ª 4ª 14h10, 16h35, 19h, seus concertos. 21h30, 23h55 Domingo 11h30, 14h10, 16h35, 19h, “Wild Combination – A Portrait of 21h30, 23h55; ZON Lusomundo Alvaláxia: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h35, 16h10, 18h40, Arthur Russel” (versão original não 22h, 00h30 legendada), exibido dia 15, opera em Porto: Arrábida 20: Sala 4: 5ª 6ª Sábado Domingo sentido contrário. Realizado por Matt 2ª 14h05, 16h45, 19h25, 22h05, 00h40 3ª 4ª 16h45, Wolf, é um documentário intimista, 19h25, 22h05, 00h40 tanto quanto o era a música de Philip Roth não é um bicho fácil de Russel, o violoncelista que atravessou adaptar ao cinema e “Elegia” os anos 70 e 80 actuando nas introduz ligeiras alterações na trama vanguardas mas ambicionando da sua novela “O Animal

Ípsilon • Sexta-feira 3 Julho 2009 • 41 Cinema “Ligações Perigosas”: “compactar” em duas horas uma série de TV de seis episódios leva a que fique muita coisa de fora+6

Ben Kingsley em segundo fôlego de Carreira

Moribundo”, suficientes para fazer Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 12h50, 15h25, 18h, 5ª 2ª 3ª 4ª 15h30, 18h, 21h20 6ª 15h30, 18h, 21h20, 13h30, 16h15, 19h, 21h45, 00h25; ZON Lusomundo os mais puristas clamar ao sacrilégio. 21h05, 23h30 24h Sábado 13h20, 15h30, 18h, 21h20, 24h Domingo Amoreiras: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h20, 15h30, 18h, 21h20; Castello Lopes - Fórum 13h10, 16h, 18h40, 21h30, 00h20; ZON Lusomundo Porto: Arrábida 20: Sala 17: 5ª 6ª Sábado Mas são pormenores face à Barreiro: Sala 3: 5ª Domingo 2ª 3ª 4ª 13h10, CascaiShopping: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª Domingo 2ª 14h05, 16h35, 19h10, 21h50, 00h25 3ª 15h50, 18h20, 21h50 6ª Sábado 13h10, 15h50, 12h40, 15h30, 18h30, 21h20, 00h10; ZON constatação de que, para além de 4ª 16h35, 19h10, 21h50, 00h25; ZON Lusomundo 18h20, 21h50, 24h; Castello Lopes - Rio Sul Lusomundo Colombo: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª uma portentosa interpretação, está Dolce Vita Porto: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª Shopping: Sala 3: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 3ª 4ª 12h45, 15h45, 18h40, 21h35, 00h30; ZON 13h20, 15h50, 18h40, 21h20, 24h aqui uma adaptação inteligente que 4ª 13h20, 15h50, 18h30, 21h55, 00h10; UCI Lusomundo Odivelas Parque: 5ª 6ª Sábado sublinha um dos recentes temas O “biopic” comporta grandes riscos, Freeport: Sala 2: 5ª 2ª 3ª 4ª 15h30, 17h40, 19h45, Domingo 2ª 3ª 4ª 12h50, 15h40, 18h40, 21h35, Rothianos – o confronto com a sobretudo num tempo em que a 21h45 6ª 15h30, 17h40, 19h45, 21h45, 24h Sábado 00h20; ZON Lusomundo Oeiras Parque: 5ª 6ª 13h30, 15h30, 17h40, 19h45, 21h45, 24h Domingo Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 12h35, 15h25, 18h25, decadência do corpo e a morte estética televisiva estendeu os seus 13h30, 15h30, 17h40, 19h45, 21h45; ZON Lusomundo 21h20, 00h20; ZON Lusomundo Torres Vedras: 5ª omnipresente – com elegância e bom 16h20, 19h10, 21h20, 23h50 gigantescos tentáculos e normalizou Almada Fórum: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 12h50, 15h40, gosto, ou não fosse este um filme da O seu a seu dono: Michelle Williams é um género que, já de si, não primava 13h20, 15h55, 18h20, 21h15, 23h45; ZON Lusomundo 18h30, 21h15, 00h25; ZON Lusomundo Vasco da Fórum Montijo: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª Gama: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 12h55, espanhola Isabel Coixet, cujos filmes uma actriz extraordinária e pela originalidade de perspectivas. 13h10, 16h, 18h20, 21h50, 00h10 15h40, 18h25, 21h25, 00h20; Castello Lopes - C. C. Jumbo: Sala 4: 5ª 2ª 3ª 4ª 15h50, 18h30, 21h10 6ª anteriores (“A Vida Secreta das “Incendiário” confirma-a como actriz “Coco avant Chanel” pode ter Porto: Arrábida 20: Sala 16: 5ª 6ª Sábado 15h50, 18h30, 21h10, 23h50 Sábado 13h10, 15h50, Palavras” e “A Minha Vida sem Mim”) disposta a correr os riscos que fraquezas (um certo “look” elegante, Domingo 2ª 14h10, 16h40, 19h15, 21h45, 00h15 3ª 18h30, 21h10, 23h50 Domingo 13h10, 15h50, 18h30, 4ª 16h40, 19h15, 21h45, 00h15; ZON Lusomundo têm evitado com sensibilidade as assustam muitas outras. Aqui, ela é para condizer com a personagem), 21h10; Castello Lopes - Rio Sul Shopping: Sala 7: 5ª Dolce Vita Porto: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 21h, 23h50; UCI armadilhas do lugar-comum. uma dona de casa do East End mas evita as simplicidades narrativas, 14h, 16h30, 19h20, 22h, 00h30; ZON Lusomundo Freeport: Sala 3: 5ª 2ª 3ª 4ª 15h45, 18h30, 21h10 É verdade que “Elegia” se londrino que soçobra quando o fugindo da historinha primária como GaiaShopping: 5ª Domingo 2ª 3ª 4ª 13h40, 6ª 15h45, 18h30, 21h10, 00h15 Sábado 13h15, 15h45, 16h20, 19h10, 22h 6ª Sábado 13h40, 16h20, 19h10, conforma ao arquétipo do drama de marido e o filho de quatro anos o diabo foge da cruz. Falta-lhe tensão 18h30, 21h10, 00h15 Domingo 13h15, 15h45, 18h30, 22h, 00h35; ZON Lusomundo Marshopping: 5ª 6ª 21h10; ZON Lusomundo Almada Fórum: 5ª 6ª prestígio sobre as neuroses dos morrem num atentado terrorista na organização do triângulo Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h20, 15h50, 18h20, Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 12h50, 15h45, 18h35, intelectuais nova-iorquinos; é ainda num estádio de futebol – e a sua amoroso, mas consegue, com a ajuda 21h30, 24h; ZON Lusomundo NorteShopping: 5ª 6ª 21h35, 00h25; ZON Lusomundo Fórum Montijo: 5ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h, 15h40, 18h30, mais verdade que há um certo risco interpretação é de uma entrega de uma interpretação seca e vibrante 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 12h50, 15h40, 21h20, 24h; ZON Lusomundo Parque Nascente: 5ª 18h30, 21h25, 00h15 de se cair na telenovela de luxo. Mas assustadoramente perturbante, de Audrey Tautou, atingir 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h10, 15h50, 18h40, Coixet consegue evitá-la de justeza e habitando cada momento desta complexidades insuspeitadas, 21h30, 00h10; Castello Lopes - 8ª Avenida: Sala 5: Porto: Arrábida 20: Sala 10: 5ª 6ª Sábado deixa à solta Ben Kingsley para mulher que perdeu a razão de viver transformando a rainha da moda 5ª 6ª 2ª 3ª 4ª 15h20, 18h20, 21h50, 00h10 Sábado Domingo 2ª 13h40, 16h20, 19h10, 22h, 00h50 3ª 4ª Domingo 13h10, 15h20, 18h20, 21h50, 00h10; ZON 16h20, 19h10, 22h, 00h50; Medeia Cidade do confirmar como este extraordinário com uma modulação quase perfeita parisiense numa personagem Lusomundo Fórum Aveiro: 5ª Domingo 2ª 3ª 4ª Porto: Sala 2: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª actor parece estar num segundo de emoções. Mas a adaptação do multifacetada, cheia de contradições, 14h10, 16h40, 19h10, 21h40 6ª Sábado 14h10, 16h40, 14h, 16h40, 19h25, 22h; ZON Lusomundo Dolce Vita fôlego digno de registo (depois de romance da escritora Chris Cleave bem longe das Piafs de recente (e má) 19h10, 21h40, 00h10; ZON Lusomundo Glicínias: 5ª Porto: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 12h50, 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h45, 16h20, 15h30, 18h20, 21h10, 00h15 ; ZON Lusomundo “The Wackness”, onde o seu por Sharon Maguire (“O Diário de memória. Por que não dizer que 19h05, 21h45, 00h20; GaiaShopping: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª psiquiatra charrado era assombroso). Bridget Jones”) não está à altura da constitui uma agradável surpresa? 13h05, 16h, 19h, 22h10 ; ZON Lusomundo O arquétipo do professor actriz. “Incendiário” é, ao mesmo Mário Jorge Torres É a segunda ideia genial da comédia MaiaShopping: 5ª Domingo 2ª 3ª 4ª 14h10, 17h15, 21h20 6ª Sábado 14h10, 17h15, 21h20, 00h15; ZON universitário pinga-amor que procura tempo, um retrato de mulher e uma americana recente, depois do “amor Lusomundo Marshopping: 5ª 6ª Sábado Domingo adiar o confronto com a morte metáfora de Londres enquanto inevitável” de “Zack e Miri Fazem um A Ressaca 2ª 3ª 4ª 13h, 15h40, 19h, 21h50, 00h45; ZON através dos “affaires” que vai tendo cidade cuja história turbulenta lhe Porno”: uma despedida de solteiro Lusomundo NorteShopping: 5ª 6ª Sábado The Hangover com as alunas ganha carne, sangue, permite resistir a tudo, e enquanto o em Las Vegas da qual os três Domingo 2ª 3ª 4ª 14h30, 17h50, 21h10, De Todd Phillips, 00h30; ZON Lusomundo Parque Nascente: 5ª 6ª suor e lágrimas através da filme só é isso estamos bem. Mas as padrinhos ressacados não se com Bradley Cooper, Ed Helms, Zach Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h20, 16h10, 19h, performance vulnerável e comovente tramas paralelas – o “affaire” com o recordam e que têm de reconstruir “a 21h40, 00h35; Castello Lopes - 8ª Avenida: Sala 4: Galifianakis. M/12 5ª 6ª 2ª 3ª 4ª 15h50, 18h40, 21h20, 24h Sábado de Kingsley, a quem o destino troca jornalista Ewan McGregor, a posteriori” para perceber onde está o Domingo 13h, 15h50, 18h40, 21h20, 24h; ZON as voltas quando dá por si investigação sobre os autores do MMnnn noivo, porque é que há um tigre na Lusomundo Fórum Aveiro: 5ª Domingo 2ª 3ª 4ª apaixonado por Penélope Cruz (que, atentado – pouco adiantam e casa de banho e de onde veio o bebé 15h, 18h, 21h20 6ª Sábado 15h, 18h, 21h20, 00h20 decididamente, só parece sentir-se à parecem estar lá apenas para no armário. E é também a segunda Podíamos dizer que a culpa é de Ben vontade com Almodóvar). Coixet oferecer aos espectadores âncoras de ideia genial desperdiçada num filme Affleck – seria injusto, porque a culpa transforma “Elegia”, mais do que na género para “facilitar” a entrada num que não lhe faz justiça – porque o de “Ligações Perigosas” não história de um romance impossível, filme que, na sua essência, é um guião de Jon Lucas e Scott Moore vai “descolar” como promete não é só na história da solidão desamparada olhar sombrio e angustiante para perdendo o gás e começa a sua, nem sequer da tríade de de um homem que descobre “in uma mulher que perdeu tudo. “despachar”, porque a percentagem argumentistas de luxo (Matthew extremis” o que é que amar quer Jorge Mourinha de gagues magníficos é Michael Carnahan, “O Reino”; Tony realmente dizer. E se é certo que sem descompensada por outros tantos Gilroy, a trilogia Bourne e “Michael Kingsley “Elegia” seria um filme mal enjorcados. Ainda assim, há Clayton”; Billy Ray, “Quebra de menos interessante, é injusto reduzi- Continuam momentos notáveis dentro da Confiança”) que adaptou a série lo apenas à sua interpretação Lisboa: Castello Lopes - Cascais Villa: Sala 2: 5ª 6ª estética da “comédia do desconforto” original da BBC. O problema é só um Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h30, 16h10, 18h30, extraordinária. J.M. (quase todos envolvendo Zach e é de raiz – “compactar” em duas Coco Avant Chanel 21h10; Castello Lopes - Loures Shopping: Sala 4: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h10, 15h50, 18h10, Galifianakis, uma das novas horas uma série de TV de seis De Anne Fontaine, 21h50, 24h; CinemaCity Alegro Alfragide: Sala 7: 5ª sensações da “stand-up comedy” episódios leva a que fique muita coisa Incendiário com Audrey Tautou, Benoît 6ª 2ª 3ª 4ª 13h50, 15h50, 17h40, 19h45, 21h45, americana) e uma ideia tão forte que de fora e não é preciso ter visto o Incendiary Poelvoorde, Alessandro Nivola. M/12 23h40 Sábado Domingo 11h50, 13h50, 15h50, 17h40, 19h45, 21h45, 23h40; CinemaCity Beloura nem este filme consegue afogar. J. M. original para perceber onde é que De Sharon Maguire, Shopping: Sala 1: 5ª 6ª 2ª 3ª 4ª 13h40, 15h55, houve questões que foram à vida. E com Michelle Williams, Ewan MMMnn 17h50, 19h45, 21h40, 23h40 Sábado Domingo 11h45, aquilo que durante metade do filme é McGregor, Matthew Macfadyen. M/12 13h40, 15h55, 17h50, 19h45, 21h40, Ligações Perigosas Lisboa: Castello Lopes - Londres: Sala 2: 5ª 23h40; CinemaCity Campo Pequeno Praça de um inteligente “thriller” político que State of Play Domingo 2ª 3ª 4ª 14h15, 16h45, 19h15, 21h45 6ª Touros: Sala 2: 5ª 6ª 2ª 3ª 4ª 14h10, 16h05, evoca os exemplos clássicos do MMnnn Sábado 14h15, 16h45, 19h15, 21h45, 18h20, 21h35, 23h45 Sábado Domingo 12h10, 14h10, De Kevin Macdonald, género na década de 1970 (com “Os 00h15; CinemaCity Classic Alvalade: Sala 3: 5ª 2ª 16h05, 18h20, 21h35, 23h45; Medeia Saldanha com Russell Crowe, Ben Affleck, Lisboa: Castello Lopes - Cascais Villa: Sala 4: 5ª 3ª 4ª 14h, 16h10, 18h40, 21h20 6ª 14h, 16h10, 18h40, Residence: Sala 8: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª Homens do Presidente” à cabeça), Rachel McAdams. M/12 Domingo 2ª 3ª 4ª 13h10, 16h, 18h50, 21h35 6ª 21h20, 23h40 Sábado 11h40, 14h, 16h10, 18h40, 4ª 13h40, 15h40, 17h40, 19h40, 21h40, 00h10; UCI dobrado de meditação sobre a Sábado 13h10, 16h, 18h50, 21h35, 00h15; CinemaCity 21h20, 23h40 Domingo 11h40, 14h, 16h10, 18h40, Cinemas - El Corte Inglés: Sala 5: 5ª 6ª Sábado 2ª Campo Pequeno Praça de Touros: Sala 7: 5ª 6ª 2ª 21h20; Medeia Monumental: Sala 1: 5ª 6ª Sábado 3ª 4ª 14h25, 17h, 19h15, 22h, 00h30 Domingo 11h30, MMMnn manipulação (mediática e não só) e 3ª 4ª 14h, 16h15, 18h30, 21h50, 23h50 Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h20, 15h30, 17h40, 19h50, 14h25, 17h, 19h15, 22h, 00h30; UCI Dolce Vita dirigido com nervo pelo inglês Kevin Domingo 11h55, 14h, 16h15, 18h30, 21h50, 22h, 00h15; UCI Cinemas - El Corte Inglés: Sala 14: Tejo: Sala 7: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 14h, Lisboa: Castello Lopes - Cascais Villa: Sala 3: 5ª Macdonald (“O Último Rei da 23h50; CinemaCity Classic Alvalade: Sala 2: 5ª 2ª 5ª 6ª Sábado 2ª 3ª 4ª 14h15, 16h45, 19h15, 21h40, 16h, 18h, 20h, 22h, 24h; ZON Lusomundo Alvaláxia: Domingo 2ª 3ª 4ª 21h20 6ª Sábado 21h20, Escócia”) na sua primeira investida 3ª 4ª 13h50, 16h, 18h50, 21h30 6ª 13h50, 16h, 00h10 Domingo 11h30, 14h15, 16h45, 19h15, 21h40, 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h55, 16h25, 00h10; Castello Lopes - Loures Shopping: Sala 2: 5ª 18h50, 21h30, 23h50 Sábado 11h50, 13h50, 16h, 00h10; ZON Lusomundo Amoreiras: 5ª 6ª Sábado 18h50, 21h20, 23h50; ZON Lusomundo 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h30, 16h, 18h40, pelos estúdios americanos, começa a 18h50, 21h30, 23h50 Domingo 11h50, 13h50, 16h, Domingo 2ª 3ª 4ª 12h50, 15h20, 18h10, 21h10, CascaiShopping: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 21h15; CinemaCity Alegro Alfragide: Sala 9: 5ª 6ª perder o pé a meio com a 18h50, 21h30; Medeia Monumental: Sala 3: 5ª 6ª 23h40; ZON Lusomundo CascaiShopping: 5ª 6ª 13h20, 15h50, 18h40, 21h10, 23h40; ZON Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h30, 16h15, 18h55, necessidade de atar “pontas soltas” Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 14h, 16h30, 19h, 21h30, Lusomundo Colombo: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 21h35, 00h15; CinemaCity Beloura Shopping: Sala 3: 24h; ZON Lusomundo Alvaláxia: 5ª Domingo 2ª 3ª 4ª 13h15, 15h50, 18h10, 21h20, 23h50; ZON 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 15h45, 21h45, que nem sequer se teve tempo de 3ª 4ª 14h10, 16h45, 18h50, 22h15 6ª Sábado 14h10, Lusomundo Dolce Vita Miraflores: 5ª Domingo 2ª 00h20; CinemaCity Campo Pequeno Praça de explorar, e apressa 16h45, 18h50, 22h15, 00h20; ZON Lusomundo 3ª 4ª 15h20, 18h20, 21h20 6ª Sábado 15h20, 18h20, Touros: Sala 1: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª desnecessariamente o final. Oeiras Parque: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 21h20, 00h20; ZON Lusomundo Odivelas Parque: 18h45, 21h40, 00h15; Medeia Saldanha 13h05, 15h40, 18h10, 21h30, 23h55; ZON Lusomundo 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 12h55,15h15, 18h, Residence: Sala 7: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª “Ligações Perigosas” não deixa por Almada Fórum: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 21h10, 23h45; ZON Lusomundo Oeiras Parque: 5ª 4ª 13h50, 16h30, 19h, 21h30, 00h30; UCI Cinemas - isso de ser trabalho limpinho, 13h, 15h15, 17h50, 21h05, 23h20 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h, 15h50, 18h40, El Corte Inglés: Sala 11: 5ª 6ª Sábado 2ª 3ª 4ª 21h25, 00h10; ZON Lusomundo Torres Vedras: 5ª 14h, 16h35, 19h10, 21h45, 00h20 Domingo 11h30, honesto, sólido, que dá até aos papéis Porto: Arrábida 20: Sala 14: 5ª 6ª Sábado 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h45, 16h10, 18h45, 14h, 16h35, 19h10, 21h45, 00h20; UCI Dolce Vita Domingo 2ª 14h15, 16h45, 19h15, 22h, 00h35 3ª 4ª mais pequenos a oportunidade de 21h30, 23h50; ZON Lusomundo Vasco da Gama: 5ª Tejo: Sala 4: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 16h45, 19h15, 22h, 00h35; ZON Lusomundo Parque brilharem, mas sem o golpe de asa 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h15, 15h35, 18h10, 13h50, 16h25, 19h, 21h35, 00h15; ZON Lusomundo Nascente: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h40, 21h35, 23h55; Castello Lopes - C. C. Jumbo: Sala 3: Alvaláxia: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª que o levasse à excelência. J. M.

42 • Sexta-feira 3 Julho 2009 • Ípsilon aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente

Televisão ver ou gravar a “Enciclopédia” para, o século XXI, sem adendas, Filho”, o filme onde Moretti no dia seguinte, se elegerem as acrescentos ou um epílogo que lhe encenava um luto paternal - e talvez melhores falas e se imitar o melhor confira, através da análise à por essas semelhanças, dizemos nós, Não humorista português de sempre. distância de uma década, toda a tenha preferido não ser o realizador Seja nas escolas, universidades, nos dignidade que merece. de “Caos Calmo”. Aqui, o choque escritórios ou nos cafés. que provoca o luto - a morte da pirilamparás A equipa de argumentistas era das mulher da sua personagem - traz um melhores - a estreia de Nuno Markl, Cinema novelo de emoções, e forçosamente a mulher a escrita de Nuno Artur Silva, Miguel um impasse introspectivo, um DVD Viterbo e José de Pina, mais Filipe No quarto do pai tempo para redefinir prioridades. do próximo Homem Fonseca, João Quadros, Rui Mas também traz um vislumbre de Cardoso Martins, Miguel Vital, Maria Caos Calmo uma “epifania”, e se a personagem João Cruz e Eduardo Madeira. E o De Antonello Grimaldi passa o tempo sentado no banco do “Herman Enciclopédia” elenco também: José Pedro Gomes, Edição Midas jardim em frente à escola da filha tem de ser revisto. É uma Maria Rueff, Vítor de Sousa, Miguel isso corresponde menos a um Guilherme, Joaquim Monchique, mmmnn exacerbamento do sentido de dever obrigação para quem entre outros (não esquecendo as paternal do que à sensação de se queira dizer cidadão “porcazinhas”, a clique de fãs e Extras proximidade com uma “verdade” português. convivas que asseguram a mmmnn qualquer, profunda e genuína, que Joana Amaral Cardoso figuração). talvez ele consiga tocar e apreender Mas tudo, tudo gira em torno de Não é um filme de se permanecer naquele jardim pelo Herman Enciclopédia, Herman. Numa altura em que, com Nanni Moretti mas tempo suficiente. Ao mesmo tempo - 1ª Temporada mais de 30 anos de carreira, viu o é quase como se ainda uma espécie de reflexo do Castello Lopes Multmédia tapete fugir-lhe debaixo dos pés na fosse. Moretti é o poder da personalidade DVD sequência da quase diluição da sua protagonista de morettiana... - o banco de jardim identidade de “grande artista” entre “Caos Calmo”, e a torna-se um “centro de gravidade” mmmmn o humorista, o “entertainer”, o sua figura e para todas as outras personagens, apresentador e o actor, “Herman personalidade das que vão também resolver o seu Ver um humorista Enciclopédia” tem de ser revisto. É ensopam o filme a luto (familiares da falecida) aos que a rir das suas uma obrigação para quem se queira tal ponto que se vão discutir problemas laborais (os próprias dizer cidadão português. Tal como torna pertinente vê-lo como “um colegas da personagem de Moretti pantomimas, ou “Tal Canal” ou os seus sucessores, é filme de Nanni Moretti”. De resto, na empresa). Ou seja, e é um pouco ainda melhor, dos um documento essencial de um não se trata de um caso em que o o princípio funcional do filme, a escritos dos seus certo Portugal. Algum já passado, cineasta/actor tenha sido apenas um recomposição da “geografia” guionistas, é um mas muito dele (assustadoramente) actor contratado para chegar, fazer emocional das personagens prazer presente. Lauro Dérmio - lembra-se as suas cenas, e depois ir-se embora. manifesta-se neste “reordenamento imperscrutável. É de algum crítico ou jornalista de Trabalhou no argumento e teve algo territorial” em torno de uma escola o momento maior cinema que não domine bem o a ver com a própria escrita do livro e de um banco de jardim. do riso. “Não inglês?; Partido do Norte e o seu em que o argumento se baseou. Melancólico, doce, burlesco, mas pirilamparás a sonho de um Tripanário para fazer Como o romancista Sandro Veronesi também violento (difusas mulher do face à Expo 98 dos “mouros” - explica numa entrevista incluída nos recriminação e culpabilidade que se próximo” é um haverá ainda animosidade Norte/ “extras” desta edição, começou por resolvem numa onírica, fria e desses momentos, Sul?; Melga Shop - as madrugadas pensar nesta história como um estranha cena de sexo), “Caos inseridos na televisivas estão ainda cheias de projecto de argumento, e um Calmo” vê a sua densidade acrescida “Herman produtos mágicos ou de fórmulas projecto de argumento para um pela relação que estabelece, e Enciclopédia”, que certas para ganhar dinheiro fácil?; filme de Nanni Moretti. Foi vê-lo, permite estabelecer, entre a sua ficou para a história. Comédia televisiva à portuguesa - estava Moretti a rodar “O Quarto do personagem central e o desenho da E que foi para o ar ainda se fazem séries de humor a Filho”, contou-lhe a história, e aura “morettiana”. assim mesmo, com os metro, de cariz revisteiro e brejeiras Moretti disse-lhe: “escreve mas é um Para além das entrevistas citadas, engasgos, com o ao máximo?; Diácono Remédios - romance, e depois falamos”. a edição contempla ainda uma pedido desesperado resistem ainda os guardiões da Veronesi escreveu o romance, outra, com o realizador Antonello por uns kleenex e com moral e dos bons costumes, depois falaram, e o filme fez-se. Com Grimaldi, e uma pequena o riso contagioso de incapazes de rir? Haverá ainda realização de Antonello Grimaldi, reportagem que aborda o trabalho Herman José. Ver Herman a rir é necessidade? Sim. cineasta da Sardenha que tivera uma sobre a fotografia e a direcção o corolário da experiência que é Curiosamente, Herman José, o pequena participação, como actor, musical de “Caos Calmo”. viver com Herman a fazer-nos homem que trabalha todas as no “Caimão” de Moretti, e com o Luís Miguel Oliveira rir. personagens para ele escritas e que próprio Moretti presente do Primeiro foi “Tal Canal” as afina, dando-lhes o verniz final primeiro ao último plano. (1983), depois “Hermanias” que as torna reconhecíveis pelo seu Também em entrevista (1984), “Humor de Perdição” incrível dom de, mais do que imitar, incluída nos “extras”, (1987) e “Casino Royal” (1990). fazer a pantomima completa de uma Moretti refere a E, após concursos como figura, considera que a personagem particularidade de, no Parabéns ou aparições no 1,2,3, essencial da sua carreira na fase “Caimão”, pela primeira vez “Herman Enciclopédia”, chegava a “Herman 1990s é Nelo, já nascido fora da RTP não ter sido protagonista de uma das melhores séries Enciclopédia”, uma das e fruto SIC. Mas o Diácono um filme seu, e de logo a de ficção feitas em Portugal melhores séries de ficção feitas Remédios, que era para se ter seguir ter sido protagonista em Portugal. Qual “Liberdade chamado Reverendo Remédios, será de um filme que não era seu, 21”, qual “Equador”. A o essencial dos anos 1990 e, tal como o que não é original mas é “Enciclopédia” é isso mesmo: o gay enclausurado Nelo, permanece raro - “estou a um aglutinador, uma crónica de uma caricatura pertinente do diversificar os costumes, uma herança de Gil Portugal dos pequeninos. horizontes”, conclui. Vicente directamente para os Sobre a edição em DVD, que já O tema do luto não televisores sintonizados na RTP1, vem tarde, lamenta-se que as é estranho a Moretti. talvez um dos momentos mais histórias por trás deste 1º volume “Caos Calmo” tem relevantes de “appointment não nos sejam contadas. Não há semelhanças, na viewing” da década de 1990 - extras na “Herman Enciclopédia”, narrativa e nas e da era das privadas. Às reduzindo-a a uma edição em novo situações, com O tema do luto não é estranho a Moretti. “Caos terças à noite, era essencial formato, mas sem actualização para “O Quarto do Calmo” tem semelhanças com “O Quarto do Filho”

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espécie de negativo do seu trabalho objectivo, visível e que se emprega Agenda numa matéria especulativa, completa-se ao prescindir do corpo. Inauguram Resta o trabalho de descrição, de circunscrição, que a ‘didascália’ Serralves 2009: A Colecção - pode realizar. E fá-lo discretamente, Filmes e Vídeos num lugar recuado, repetindo-se.” Porto. Radiodifusão Portuguesa (Antiga RDP). R. Cândido dos Reis, 74. Até 20/09. 6ª e Sáb. das 15h Prescinde-se do corpo, prescinde- às 23h. 3ª, 4ª, 5ª e Dom. das 15h às 20h. Inaugura se da voz: o lugar dá a ver-se. Agora, 3/7 às 22h. de um do lado, um volume Vídeo, Outros. quadrado formado por várias Gao Xingjian toneladas de terra transladada de um outro sítio; do outro, um entrançado em pano-cru. Uma arqueologia do teatro: desenterrar a origem, revelar o passado, vislumbrar a possibilidade de ocupar-se brevemente esse vazio deixado pelo ponto, que continuamente reitera o texto de todos os actores, assumindo-se Lisboa. Galeria Graça Brandão. R. dos Caetanos, enquanto intérprete plural, que não 26A (Bairro Alto). Tel.: 213469183. Até 31/07. 3ª a actua. É essa “voz-off”, Sáb. das 11h às 20h. Inaugura 3/7 às 22h. Pintura. fantasmática, imóvel, que prefigura, repetindo-o, esse lugar enterrado, Candida Höfer elementar: a “arkhé” ou princípio Braga. Galeria Mário Sequeira - Parada de Tibães. Quinta da Igreja (Parada de Tibães). Tel.: do mundo. O ponto ocupa, na cena, 253602550. Até 15/09. 2ª a 6ª das 10h às 19h. Sáb. o espaço de “testemunha ‘semi- das 15h às 19h. Inaugura 4/7 às 18h. procura-se depois da origem morta’ ou ‘espectador-nado’”, nota Fotografia. Uma perdida.” É a pesquisa das o Projecto Teatral. Nos degraus Salla Tykkä fundações, dos fundamentos, desse escavados, inacessíveis, que levam a população “lugar de onde se olha” – assim nos um fundo invisível, encontra-se a diz o vocábulo grego “théatron” – resposta possível para a procura que tem vindo a ser realizada pelo desse lugar denominado teatro: silenciosa Projecto Teatral, agora visível na antes coro, comunidade, agora proposta “vazio do teatro.” espectáculo, representação. “vazio do teatro”: uma Há, contudo, uma ausência: a do O entrançado – colocado rente ao corpo do actor. O teatro é assim chão sobre um plinto – tem origem reflexão sobre o corpo definido por uma falta, uma falha. no modo como se enfaixavam as ausente. Óscar Faria Como sublinha Jean-Christophe múmias. Neste caso, a referência é Bailly, a etimologia da palavra teatro um contexto muito particular da vazio do teatro “testemunha claramente” a primazia história da arte: os retratos de Faium, Enc. Projecto Teatral. Com Gonçalo do espectador. Ali, na sala da Rua do designação proveniente de um Vila do Conde. Solar - Galeria de Arte Cinemática. Ferreira de Almeida, Helena Século, em Lisboa, aquele que vê território do Egipto, situado 130 km a presencia uma carência, torna-a sudoeste do Cairo. Essas imagens, as Solar de S. Roque. Tel.: 252646516. Até 06/09. 3ª, Tavares, João Rodrigues, Maria 4ª e 5ª das 14h30 às 18h. 6ª das 14h30 às 00h. Duarte, André Maranha. autêntica; valida-a. É um gesto mais antigas do género e sobretudo Sáb. das 10h às 00h. Dom. das 10h às 18h. 17º repetido, porque o teatro é feito de realizadas em encáustica, eram feitas Curtas Vila do Conde Festival Internacional de Lisboa. O Negócio. R. do O Século, 9 - Páteo de Santa repetições, translações, traduções; é em vida para acompanharem o Cinema. Inaugura 4/7 às 18h. Clara Ptª 5 . T. 213430205. De 1/7 a 11/7. 4ª a sáb das Vídeo. 22h às 23h. Entrada livre. uma arte do paradoxo. E pode-se corpo defunto – Jean-Chistophe evocar esse arco que vai de um grito Bailly aborda-as num livro Wish We Could Tell Exposições O “Teatro do vazio” é um manifesto a um sopro, da crueldade de Artaud excepcional “A apóstrofe muda” De Joana Hadjithomas, Khalil que Yves Klein inclui em “Dimanche à didascália de Beckett – lembre-se (Hazan, 1998). Os retratos de Faium, Joreige. Vila do Conde. Teatro Municipal. Av. Dr. João – Le Journal d’un Seul Jour”, edição igualmente a origem palavra da também lidos como máscaras Canavarro. Tel.: 252646516. Até 30/07. 2ª a Dom. de artista publicada, sob a forma de palavra actor, “hypokrites”, que funerárias, operam uma espécie de das 14h às 00h. 17º Curtas Vila do Conde Festival jornal, a 27 de Novembro de 1960, surge quando um intérprete, o sincretismo entre modos de fazer Internacional de Cinema. Inaugura 4/7 às 21h30. como parte do Festival de Arte de “respondedor”, se separa do coro, egípcios, gregos e romanos – a sua Instalação, Vídeo. Vanguarda – na primeira página da da comunidade, para dizer um texto. datação vai do primeiro século antes publicação surge a célebre “vazio do teatro” dá continuidade de Cristo até ao primeiro século Continuam fotomontagem “Salto no vazio.” O quer a “estufa” (15 de Dezembro de depois de Cristo –, constituindo, no Depois do Dilúvio Projecto Teatral: entre o teatro texto escrito pelo autor francês 2005 – 11 de Janeiro de 2007), quer a seu conjunto, uma “população De Gao Xingjian. e as artes plásticas, um acto inicia-se com a frase: “O teatro “teatro” (2003) – e refiram-se os silenciosa.” Como sublinha o escritor Sintra. Sintra Museu de Arte Moderna Colecção de resistência Berardo. Av. Heliodoro Salgado. T. 219248170. Até procura-se desde sempre: ele títulos, sempre em minúsculas, francês, os pintores anónimos que os 27/9. 3ª a dom. das 10h às 18h. como que a reforçar a ideia de realizaram viviam talvez fora de Pintura, Vídeo estarmos perante uma acto de qualquer vontade de arte, “herdeiros resistência; uma espécie de sem dúvida um pouco órfãos do Dan Flavin na Colecção Panza De Dan Flavin. contraponto à dicção circundante –, grande ‘Kunstwollen [o modo como Lisboa. Museu Colecção Berardo. Praça do um filme em 16mm, sobre o qual o a força do espírito humano originava Império - Centro Cultural de Belém. Tel.: Projecto Teatral escreve nas suas afinidades formais numa mesma 213612878. Até 30/08. 6ª das 10h às 22h (última admissão às 21h30). 2ª a 5ª, Sáb. e Dom. das 10h notas de trabalho: “Sempre aqui época, conceito criado pelo às 19h (última admissão às 18h30). esteve presente – ressonância historiador Alois Riegl] antigo, Instalação, Outros. imemorial – que de teatro se provincial, souberam fazer passar tratava.” E conclui, adiante: “De sobre pranchas de madeira o sopro Ombro a Ombro: Retratos Políticos alguma forma, o teatro quis de vida que passava e se extinguia à Lisboa. MUDE - Museu do Design e da Moda. Rua trabalhar o seu lugar insistindo em sua volta.” Augusta 24. Tel.: 218886117. Até 13/09. 6ª e Sáb. descrever e explicar o que lhe deu Assim, este volume, este das 10h às 22h. 3ª a 5ª e Dom. das 10h às 20h. origem, a si mesmo, o seu ‘abismo’. entrançado: abismos, “vazio do Design, Outros. Esse trabalho algo embuçado, uma teatro.

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Teatro À medida que se move, o corpo de Pedro Rosa conquista um território, uma identidade

Travessia por PIMENTA PAULO dois desertos

Na nova criação de Né Barros, “Story Case”, a dança e a fotografia tornam-se íntimas. Mariana Duarte

Story Case De Né Barros. Com Joana Castro e Pedro Rosa.

Porto. Teatro Carlos Alberto. Rua das Oliveiras, nº 43. Tel 22 3401900/ 22 3401907. Hoje e amanhã, às 21h30. Bilhetes entre 5 e 10€.

O que vemos a ser construído em palco não é bem uma estória. É o lugar dela. “Story Case”, a nova produção de Né Barros, apresentada hoje e amanhã no Teatro Carlos Alberto em mais um dia do Festival Dancem!09, não estima a linearidade de uma narrativa. Quer metáfora do avistamento, de um sensações” que Né Barros trabalha personagem; no palco, de um corpo. Antes montar um espaço onde corpo que, à medida que se move, sempre nas suas criações. Em todo o cenário multimédia de “existem todos os ingredientes para vai traçando um perfil identitário”, Se na primeira parte ouvimos o “Story Case”, a música impõe-se criar uma estória”, diz Né Barros ao explica Né Barros. deserto, na segunda vemo-lo: as como um recurso essencial. Ípsilon. “Story Case” balança entre o fotografias de Cesário Alves Dinamizada por Alexandre Soares Este lugar que é “Story Case” registo documental e ficcional. Na delineiam o percurso de Joana (um ex-GNR e companheiro criativo desenvolve-se não só pela dança, mas primeira parte, escreve-se uma Castro da cidade até ao deserto de longa data de Né Barros), os sons também pela fotografia. Enquanto espécie de diário de um homem no (sabemos que começa no Porto e hipnóticos e circulares fazem-nos vemos os corpos de Joana Castro e teatro (neste caso, Pedro Rosa). “É que os cenários mais áridos foram “mergulhar plenamente na acção”, Pedro Rosa a falar (separadamente), quase um meta-discurso, pois repescados do Sul de Portugal). sublinha a coreógrafa. Apesar de uma sequência de fotos em “time- estamos a falar do teatro no teatro e Apesar de a coreografia e o vídeo estar escondido, Soares cria não só a lapse” vai documentando a pessoa pelo teatro”, aponta Né Barros. se revelarem em simultâneo, nada banda sonora como também em palco. Estes indvíduos sem Neste momento inicial, o deserto do que emite a projecção se interfere no espectáculo. “Quando a estória vão sendo progressivamente surge apenas metaforizado. Nas reproduz no palco. Não há uma projecção incide sobre as costas do descobertos “até se tornarem imagens, na gramática corporal e em “ligação perfeita”, mas as duas Pedro, como se fosse uma tatuagem, personagens e mesmo excertos de textos de Adalberto narrativas coexistem através de ele dispara flashes”, lembra Né protagonistas”, refere a coreógrafa. Alves e Maurice Blanchot. “As “encaixes imperfeitos ou até Barros. Esta travessia pela conquista da palavras entram aqui para dar a contrastantes”. “É uma questão de A finalizar a viagem (ou melhor, as identidade – da pessoa e do corpo - entender que há uma travessia, que poética”, conclui Né Barros. viagens), ouvem-se os acordes tem como elemento impulsionador se trata de um deserto imaginário”, Contudo, esta liberdade de sentidos incendiários de Alexandre Soares e o deserto, a matéria temática que afirma a coreógrafa. Este pólo de encontra um lugar-comum na ideia Joana Castro: a bailarina não se unifica a acção da peça. “Achei leitura adicional sobre o espectáculo de travessia: na projecção, vai-se esqueceu de ir buscar a guitarra, um importante pegar no deserto como torna mais “complexo o bloco de edificando o conhecimento de uma dos símbolos dos delírios no deserto.

Agenda Teatro 19h. Dom. às 16h. Tel.: 212739360. 12 a 20€. André Murraças. Com Anabela Compagnie DCA. Ver texto pág. 10 e segs. Brígida, Maria João Falcão, Sofia Porto. Teatro Carlos Alberto. R. Oliveiras, 43. De 06/07 a 07/07. 2ª e 3ª às 21h30. Tel.: 223401905. 5€ Correia. a 15€. Estreiam Diálogo de um Cão com o Seu Lisboa. Teatro Nacional D. Maria II. Pç. D. Pedro IV. Dono Sobre a Necessidade de De 08/07 a 12/07. 4ª, 5ª, 6ª e Sáb. às 21h45. Dom. às Festival de Almada Morder os Seus Amigos 16h15. Tel.: 213250835. 6 a 12€. Continuam Quarteto para Quatro Actores De Jean-Marie Piemme. Théâtre Ver texto pág. 10 e segs. Sombreros De Boguslaw Schaeffer. Companhia Nacional de la Communauté Coreografia: Philippe de Teatro de Almada. Encenação: Française. Encenação: Philippe Dança Decouflé. Companhia: Jaroslaw Bielski. Com Carlos Sireuil. Com Philippe Jeusette, Compagnie DCA. Gonçalves, Carlos Santos, Fabrice Schillaci. Porto. Teatro Nacional São João. Pç. Batalha. De Celestino Silva, Luís Ramos. Almada. Palco Grande - Escola D. António da Costa. Estreiam 03/07 a 04/07. 6ª e Sáb. às 21h30. Tel.: 223401910. Almada. Palco Grande - Escola D. Av. Professor Egas Moniz. Dia 06/07. 2ª às 22h. Tel.: 7€ a 15€ (c/ descontos). António da Costa. Av. Professor Egas 212745294. 7 a 13€. pitié! Coreografia: Alain Platel. Les Ballets Maiorca Moniz. Dia 04/07. Sáb. às 22h. Tel.: Carta aos Actores Teatro/Dança 212745294. 7 a 13€. C. de la B. Coreografia: Paulo Ribeiro. De Valère Novarina. Com Jorge Silva Lisboa. Centro Cultural de Belém. Praça do Império. Companhia Paulo Ribeiro. As Criadas Melo. De 03/07 a 04/07. 6ª e Sáb. às 21h. Tel.: 213612400. Com Erika Gustamacchia, 5€ a 30€. De Jean Genet. Volksbühne Lisboa. Instituto Franco-Português. Av. Luís Bívar, 91. Gonçalo Lobato, Marta am Rosa-Luxemburg-Platz. De 06/07 a 07/07. 2ª às 21h. 3ª às 19h. Tel.: 213111400. Porto. Teatro Nacional São João. Pç. Batalha. De 07/07 5 a 10€. a 08/07. 3ª e 4ª às 21h30. Tel.: 223401910. 5€ a 15€. Cerqueira, Pedro Mendes, Encenação: Luc Bondy. Romulus Neagu e Pedro Burmester Com Edith Clever, Caroline Ver texto pág. 10 e segs. Ver texto págs. 4 e segs. (música ao vivo). “Diálogo de Um Cão ...” Peters, Sophie Rois. Viseu. Teatro Viriato. Lg. Mouzinho Almada. Teatro Municipal de Almada. Av. Film Noir Solo Albuquerque. Até 03/07. 5ª e 6ª às 21h30. Tel.: Professor Egas Moniz. De 04/07 a 05/07. Sáb. às De André Murraças. Encenação: Coreografia: Philippe Decouflé. 232480110. 5 a 15€.

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