De Olisipo: a Arqueologia Na Praça Da Figueira (Lisboa), a Caracterização Dos Troços Viais E a Dinâmica Da Paisagem Suburbana Envolvente
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MEIOS VIAS E TRAJETOS… ENTRAR E SAIR DE LISBOA A «VIA NORTE» DE OLISIPO: A ARQUEOLOGIA NA PRAÇA DA FIGUEIRA (LISBOA), A CARACTERIZAÇÃO DOS TROÇOS VIAIS E A DINÂMICA DA PAISAGEM SUBURBANA ENVOLVENTE Rodrigo Banha da Silva1 RESUMO As escavações arqueológicas na Praça da Figueira em 2000-2001 permitiram caracterizar três troços viais romanos equivalentes à «Via Norte» da cidade e a uma outra via secundária que conduzia em direcção a Oeste, a partir de de- terminado momento ao circus olisiponense. Foi possível reconhecer cinco grandes fases construtivas na via principal, e datá-las de entre o principado de Tibério e os finais do séc. IV-inícios do século V d.C., muito embora evidências de outra natureza documentem uma utilização do trajecto ainda em finais do séc. V d.C. e/ou primeira metade do séc. VI d.C. Complementarmente aos elementos de arqueologia viária aborda-se também a dinâmica do uso do espaço ob- servada nesta área suburbana, da instalação do primeiro parcelamento ao uso funerário, terminando na conversão da área em espaço rural na Antiguidade Tardia. Palavras- chave: Praça da Figueira; arqueologia viária; arqueologia romana; Olisipo ABSTRACT Archaeological excavations on Praça da Figueira revealed three sections of Roman viae corresponding to the main north road leading to the Roman town and another secondary one heading westwards, this one leading to the circus from an uncertain moment on. Five main constructing stages were recognized on the main road, covering a long period from Tiberius to late 4th to early 5th century AD, although other sort of archaeological evidence proves its use still in late 5th-mid 6th centuries AD. Complementing data related to the viae, the profile of this Roman Lisbon´s suburban area is also approached, from the first moment of creation of a parceled pattern to slightly later funerary use aside the roads, ending in rural conversion of the environment in Late Antiquity. Keywords: Praça da Figueira; archaeology of the roman roads; roman archaeology; Olisipo 1 [email protected]. Centro de Arqueologia de Lisboa (DPC/CML); Centro de História d’Aquém e d’Além-Mar (CHAM) e Departamento de História da Facul- dade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa (FACSH-UNL) e Universidade dos Açores (UAç). 73 MEIOS VIAS E TRAJETOS… ENTRAR E SAIR DE LISBOA 1. NOTA PREAMBULAR O conhecimento acerca da ocupação de Época Romana do espaço da Praça da Figueira é uma matéria que, não se podendo hoje considerar totalmente inédita, está ainda distante de revelar todo o seu potencial. Como maior lacuna se deverá apontar a inexistência de uma publicação contendo uma leitura de síntese compreensiva, alicerçada no cruzamento total dos dados, incluindo os estudos multidisciplinares, produzida a partir da contrastação sistemática da vasta informação contextual disponível com os numerosos elementos objecto de recolha. Um panorama geral foi já avançado e oportunamente definido como provisório (Silva, 2005). É ele que tem servido de suporte às diversas leituras produzidas. Deixando de parte os estudos parcelares sobre contextos e/ou materiais cerâmicos entretanto publicados Silva, 2005; Fernandes, 2007; Ribeiro, 2010; Bolila, 2011; Vieira, 2011; Silva, 2012; Almeida e Filipe, 2013; Silva, Filipe e Almeida, 2016; Fabião, Guerra et al., 2016; Silva, no prelo; Quaresma e Silva, no prelo), aspectos particulares com outro cariz têm vindo a ser trabalhados, nos domínios da antropologia biológica, zooarqueologia e geoarqueologia, estes para já somente aflorados. Tal é o caso da arqueologia viária, também. No que se refere especificamente ao período romano, das vias foram já publicados os dados fundamentais (Silva, 2012b). O presente texto pretende dar-lhes sequência, e, de alguma forma, rever e ampliar o conhecimento já antes divulgado acerca dos seus ritmos e evolução. 2. UMA BREVE RECAPITULAÇÃO DOS DADOS DA PRAÇA DA FIGUEIRA O subsolo da Praça da Figueira sofreu, entre 1960 e 1962, os trabalhos de construção da estação do metropolitano «Rossio», proporcionando as várias acções de Irisalva Moita, ao tempo Conservadora do Museu da Cidade. Os primeiros trabalhos de Moita incidiram, em Agosto e Setembro de 1960, sobre a Ermida de Nossa Senhora do Amparo e partes remanescentes do Hospital Real de Todos-Os-Santos, Cano Real e Convento de São Domingos, e constituíram o mais extenso salvamento de restos arqueológicos de Época Moderna numa cidade portuguesa até então. Sem dúvida que encerraram pioneiros méritos, hoje dificilmente questionáveis, nomeadamente os do domínio da comunicação e divulgação. Todavia, se se pretende uma apreciação crítica acerca do labor arqueológico desenvolvido pela olisipó- grafa, produzida em moldes sérios e rigorosos, não se podem de igual modo descartar as muito severas limitações metodológicas que foram apanágio das suas várias intervenções na cidade. Sendo de notar tratarem-se de escavações efectuadas por pessoal operário sem qualquer qualificação, onde as únicas competências técnicas presentes no terre- no eram as da conservadora de museus e do topógrafo municipal que a acompanhava, assim melhor se explica porque os registos tenham resultado globalmente muito insuficientes: é evidente a ausência de qualquer preocupação ou sensibilidade estratigráfica, não existiu qualquer cuidado em reportar a dispersão dos objectos no espaço, sequer nos distintos espaços urbanos (convento, hospital, Ermida, infra-estruturas de saneamento), quanto mais nos respectivos ambientes arquitectónicos exumados. Sendo a análise produzida tão válida para os trabalhos levados a cabo no passado por Moita, como para outros nos- sos contemporâneos e desgraçadamente feitos na cidade em circunstâncias muito similares, tem de ser levado em conta o circunstancialismo histórico em que os primeiros decorreram, recorde-se que nos inícios da década de 1960. Deste modo se deverá assinalar, sobretudo, o desfasamento e desactualização patente em Moita face a correntes que então despontavam na Arqueologia Portuguesa, e que explicam a dureza da censura produzida por Fernando Bandeira Ferreira em Março de 1962, ao reportar o estado que reputou de lastimável em que encontrou “a estação romana”, logo no dia após a saída da olisipógrafa do local (Ferreira, 1962, p. 9). Substituindo ali a Conservadora de Museus, para além das suas competências próprias Bandeira Ferreira fez-se acompanhar por uma equipa onde pontuavam jovens estudantes da Universidade de Lisboa (como os mais tarde notórios Justino Mendes de Almeida, Luís Filipe Thomaz ou Fernando Castelo Branco), ou já experimentados arqueólogos com reconhecida preocupação de registo e estratigrafia (com o devido ênfase em Eduardo Prescott Vicente), pelo que fatalmente os resultados então obtidos foram altamente contrastantes com os anteriores, em termos qualitativos. 74 MEIOS VIAS E TRAJETOS… ENTRAR E SAIR DE LISBOA A pertinência da observação produzida acerca da transição entre os trabalhos de Moita e os de Bandeira Ferreira expli- ca, também, as diferenças na visão geral obtida sobre a ocupação do período romano observada no subsolo da Praça da Figueira e, muito especificamente, acerca dos contornos espaciais que a mesma assumiu. Restos de uma impor- tante estrutura vial aparecem assinalados com propriedade pelo arqueólogo e pela sua equipa (Branco, 1961; Ferreira, 1962- Fig. 2), ao redor dos quais se desenvolviam os contextos fúnebres trabalhados, ao passo que as mencionadas limitações metodológicas da olisipógrafa impediram-na de identificar a existência ali do troço de via fóssil que, aliás, e como aconteceu também com dois dos edifícios funerários, destruiu numa boa parte durante a sua curta presença de cinco dias no local. SANTANA 40 39 25 P34434A5 P34431B5 38 P34431A5 Circus NORTE 37 36 35 PraÁa da 34 Figueira 32 33 CASTELO DE S.JORGE 75 1 31 P 50 BAIXA P 25 5 4 Theatrum Thermae ALFAMA 30 Cassiorum 24 3 29 2 Templum6 25 23 21 Forum7 10 S.Martinho 25 S.™ M™ 14 8 13 P 22 Madalena S.AntÛnio 20 9 S… 12 us ? 27 26 Decumanus Maxim 28 19 18 CriptopÛrtico 17 P 11 16 0 1 actus 0 50 m 15 Fig. 1 Leitura do urbanismo romano de olisipo (segundo Silva, 2005). Fig. 2 Praça da figueira- 1962 (segundo Branco, 1961). B C D E F G H I J K L M 75N 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 Pavimentos Estruturas 0 5 m Edificado negativas (Sepulturas) MEIOS VIAS E TRAJETOS… ENTRAR E SAIR DE LISBOA B C D E F G H I J K L M N 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 Pavimentos Estruturas 0 5 m Edificado negativas (Sepulturas) Fig. 3 Praça da figueira- fase 3 da i.A.U. 1999/2001. Apesar da muito superior qualidade dos trabalhos, a intervenção de 1962 dirigida por Bandeira Ferreira encerrou, tam- bém ela, as suas limitações severas: sendo os resultados publicamente apresentados na Sociedade de Geografia de Lisboa, deles se publicaram tão-somente uma curta notícia no respectivo boletim (Ferreira, 1962b) e (afortunadamen- te) uma planta geral por Fernando Castelo Branco, usada para rebater a interpretação feita por Moita das estruturas encontradas no subsolo do Rossio como equivalentes aos restos de um cais ou de via (Branco, 1961), sabendo-se hoje bem a correspondência destas evidências com a spina do circus olisiponense (Vale e Fernandes, 2007; Silva, 2012- Fig. 1). Da escavação arqueológica de 1962 restou, todavia, uma cópia microfilmada do extenso relatório manuscrito, recu- perada por técnicos do então Museu da Cidade na década de 1990. Infelizmente, o conjunto numeroso de fotografias monocromáticas acerca dos contextos revela-se inútil, por não encerrarem uma mínima qualidade. Chegou até nós, também, um conjunto cerâmico