UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI

AMANDIO LUÍS BARBOSA FURTADO

PÁSSAROS DE FERRO CAÍDOS: A similaridade de estrutura narrativa nos filmes sobre acidentes aéreos reais através da análise das obras que relatam o acidente nas Cordilheiras dos Andes, em 1972

SÃO PAULO 2017

AMANDIO LUÍS BARBOSA FURTADO

PÁSSAROS DE FERRO CAÍDOS: A similaridade de estrutura narrativa nos filmes sobre acidentes aéreos reais através da análise das obras que relatam o acidente nas Cordilheiras dos Andes, em 1972

Dissertação de Mestrado apresentada à Banca Examinadora, como exigência parcial para a obtenção do título de Mestre, do Programa de Pós-Graduação em Comunicação, área de concentração em Comunicação Audiovisual, da Universidade Anhembi Morumbi, sob a orientação do Professor Doutor Luiz Antonio Vadico.

SÃO PAULO 2017

AMANDIO LUÍS BARBOSA FURTADO

PÁSSAROS DE FERRO CAÍDOS: A similaridade de estrutura narrativa nos filmes sobre acidentes aéreos reais através da análise das obras que relatam o acidente nas Cordilheiras dos Andes, em 1972

Dissertação de Mestrado apresentada à Banca Examinadora, como exigência parcial para a obtenção do título de Mestre, do Programa de Pós- Graduação em Comunicação, área de concentração em Comunicação Audiovisual, da Universidade Anhembi Morumbi, sob a orientação do Professor Doutor. Luiz Antonio Vadico.

Aprovado em: 12/04/2017

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Prof. Dr. Luiz Antonio Vadico

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Prof.a Dra. Sheila Schvarzman

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Prof.a Dra. Barbara Heller

AGRADECIMENTOS

Gostaria de agradecer a Deus em primeiro lugar, pela minha saúde e de minha família, e pelas oportunidades que Ele coloca em minhas mãos. Agradeço, em especial à minha mulher, Otameiry, e a minha filha, Jéssica, pela paciência e compreensão pelos longos períodos ausentes nos momentos de lazer e diversão. Ao meu mestre orientador, Professor Doutor Luiz Vadico, por acreditar que eu poderia conquistar mais uma batalha. Minha gratidão também a todos os professores do Mestrado, em especial aos mestres Professor Doutor Gelson Santana, Professora Doutora Laura Cánepa, Professor Doutor Rogério Ferraraz e Professora Doutora Sheila Schvarzman, que com muito carinho, persistência e conhecimento pleno de suas condições de motivadores, souberam mostrar o caminho ao longo dessa árdua missão.

O meu muito obrigado a todos.

RESUMO

Este trabalho de pesquisa procura refletir a respeito da existência de uma similaridade no que se refere a estrutura narrativa dos filmes sobre acidentes aéreos reais. Para encontrar essa similaridade, pesquisamos, primeiramente, 130 obras de produções audiovisuais, na sua maioria, nas Américas do Norte, Sul e parte da Europa, contemplando os diversos meios: cinema, televisão e DVDs. As produções analisadas versaram acerca de acidentes aéreos reais, e algumas obras fictícias. Constatamos que a grande maioria das obras possuem blocos narrativos similares na apresentação dos eventos, que denominamos momentos, mesmo que tenham sido criadas para mídias distintas. O universo de filmes encontrados, em todos os meios de veiculação relacionados ao tema, apresentou uma amostra significativa para realizar uma análise consistente por meio de um formulário com as proposições de estrutura narrativa sugeridas nas obras. A pesquisa organizou as produções em uma classificação clara, mas não definitiva. Tal decisão tornou mais fácil a comparação entre as obras selecionadas. Por fim, procedemos à análise dos filmes Sobreviventes dos Andes (1976), de René Cardona, Vivos (1993), de Frank Marshall, A Sociedade da Neve (2007), de Gonzalo Arijón, e I Am Alive: Sobrevivi al acidente aéreo de los Andes (TV filme, 2010), de Brad Osborne, que abordaram o acidente aéreo na Cordilheira dos Andes, em outubro de 1972, com 16 sobreviventes que recorreram ao canibalismo para sobreviver.

Palavras-chave: Cinema. Acidentes. Avião. Andes. Narrativa. Comunicação.

ABSTRACT This research seeks to reflect about the existence of a similarity in regards of the narrative structure of films about real air crashes. To shine a light in said similarity, we started out by analyzing 130 – its majority North and South American, as well as some European – works of audiovisual productions, from a range of distribution vehicles, such as cinema, television, and DVDs. The examined productions depicted real air crashes, as well as some fictional works concerning the topic. We observed that the great majority of these works possess similar narrative blocks regarding the sequence of events, which we denominate moments, even if created for distinct medias. All found films, in every distribution vehicles, that fitted in this chosen theme and categorization, provided a significant sample. It thus enabled a consistent analysis to be made by completing a cinematographic evaluation form, containing the propositions of narratives structures suggested in the surveyed works, for each film. This research organized the productions in a clear, but not definitive, classification. Said decision made it easier to compare the selected cinematographic works, concluding with an analysis of the movies Survive! (1976), by René Cardona; Alive (1993), by Frank Marshall; Stranded: I’ve come from a plane that crashed on the mountains (2007), by Gonzalo Arijón; and I Am Alive: Surviving the Andes Plane Crash (TV Film, 2010), by Brad Osborne, that depicted the 1972 plane crash in the Andes, that left 16 survivors to practice cannibalism to stay alive.

Keywords: Cinema. Accidents. Plane. Andes. Narrative. Communication.

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Cartaz original do filme The Hindenburg ...... 32 Figura 2 - Capa do livro Zeppelin, de Michael Mooney ...... 34 Figura 3 - Cena de uma filmagem do período anterior à II Grande Guerra ...... 35 Figura 4 - Cena da explosão no interior do Hindenburg ...... 37 Figura 5 - Capa do livro de Clay Blair Jr...... 40 Figura 6 - Cartaz do filme nos EUA ...... 41 Figura 7 - Cartaz do filme no México ...... 41 Figura 8 - Cartaz do filme na Argentina ...... 42 Figura 9 - Cartaz de lançamento do filme na Espanha ...... 43 Figura 10 - Cartaz do filme Alive (1993) ...... 44 Figura 11 - Canadian Rockies, Parque Nacional Banff, Canadá ...... 45 Figura 12 - Capa do livro Os sobreviventes, de Piers Read ...... 46 Figura 13 Cartaz original do filme Whisky Romeu Zulu ...... 47 Figura 14 - Cartaz original do filme Voo United 93 ...... 50 Figura 15 - Foto panorâmica do United 93 Flight Memorial ...... 51 Figura 16 - Cena do início da resistência dos passageiros contra os terroristas...... 55 Figura 17 - Cena de segundos antes da queda da aeronave ...... 56 Figura 18 - Cartaz original do filme Stranded ...... 58 Figura 19 - Cartaz do filme Sully (EUA) ...... 63 Figura 20 - Capa dos livros de Sullemberger ...... 64 Figura 21 - Percurso do voo 1549 da US Airways ...... 65 Figura 22 - Aeronave no Rio Hudson logo após o pouso ...... 65 Figura 23 - Cena do início do filme com os corredores escuros do aeroporto ...... 67 Figura 24 - Cena final do embarque dos passageiros no avião ...... 68 Figura 25 - Cenas da decolagem de um avião Fairchild FH-227 ...... 69 Figura 26 - Diálogo do Comissário de bordo com a Sra. Graziela Mariani ...... 70 Figura 27 - Diálogo entre Carlito Páez e Rafael Echavarren ...... 71 Figura 28 - Diálogo entre a Sra. Graziela e o jovem German Canno ...... 73 Figura 29 - Plano de Voo do avião que caiu nos Andes ...... 74 Figura 30 – Sequência da queda do avião nos Andes ...... 75 Figura 31 - Retirada da barra de alumínio com parte do intestino à mostra ...... 77 Figura 32 - Cena posterior ao acidente ...... 78

Figura 33 - Sobreviventes dentro da carcaça do avião nos Andes ...... 79 Figura 34 - Sobrevivente brincando com o fato de derreterem gelo com dinheiro .... 80 Figura 35 - O jovem Canessa confrontando todos com a única forma de vida ...... 81 Figura 36 - Reunião dos familiares no gabinete do comando das F. A. Uruguaias ... 81 Figura 37 - Cena que demonstra a preocupação do comando do resgate ...... 82 Figura 38 - Montagem do dispositivo para derreter gelo ...... 83 Figura 39 -Sobrevivente confeccionando óculos de neve ...... 83 Figura 40 - Sobrevivente pensando em como caminhar na neve ...... 84 Figura 41 - Encerramento das buscas e decisão dos familiares ...... 85 Figura 42 - Jornada dos sobreviventes procurando uma saída ou ajuda ...... 86 Figura 43 - Roberto Canessa cortando a carne de um cadáver ...... 87 Figura 44 - Jovem Eduardo Strauch escrevendo em seu diário ...... 87 Figura 45 - Final do trailer de apresentação do filme ao público na ocasião ...... 91 Figura 46 - O avião Fairchild FH-227D que caiu em 1972 ...... 97 Figura 47- Passageiros do voo 571, antes da queda nos Andes ...... 98 Figura 48 - Início da queda do avião com o choque com as montanhas ...... 100 Figura 49 - Zerbino e Pablo com a barra de alumínio em seu abdômen ...... 101 Figura 50 - Crucifixo que cai atrás da cabeça do copiloto quando puxam o headset ...... 103 Figura 51 - Contemplação de Fito Strauch ...... 104 Figura 52 - Oração do grupo no enterro dos mortos no acidente ...... 105 Figura 53 - Nando Parrado depois de acordar do coma, cuidando de sua irmã ..... 106 Figura 54 - Sobreviventes rezando antes de dormir no interior da aeronave ...... 106 Figura 55 - Sobreviventes atônitos com o choque de realidade ...... 107 Figura 56 - Sobreviventes tomando sol com um mês de convivência ...... 108 Figura 57 - Roberto Canessa cortando um corpo sob o olhar dos demais ...... 109 Figura 58 - Sobrevivente tentando escapar da avalache que atingiu o avião ...... 110 Figura 59 – Prostação de um sobrevivente ao encontrar as baterias reservas ...... 110 Figura 60 - Caminho percorrido por Fernando Parrado e Roberto Canessa ...... 111 Figura 61 - Carlito Paez conta seu sonho do resgate aos seus colegas ...... 112 Figura 62 - Sobreviventes acenam para helicóptero de resgate ...... 112 Figura 63 - Panorâmica do altar de pedra com um cruzeiro no local do acidente ... 114 Figura 64 - Sobrevivente Fernando Parrado, em depoimentos para o filme ...... 117 Figura 65 - Sobrevivente Roberto Canssa, em depoimento para o filme ...... 118

Figura 66 - Início do embarque dos passageiros do Fairchild FH-227D ...... 119 Figura 67 - Sobrevivente Gustavo Zerbino, em depoimento para o filme ...... 120 Figura 68 - Sobrevivente Roy Harley, em depoimento para o filme ...... 120 Figura 69 - Sobrevivente Antonio Vizíntin, em depoimento para o filme ...... 121 Figura 70 - Sobrevivente Adolfo “Fito” Strauch, e sua filha Alejandra ...... 121 Figura 71 - Sobrevivente Javier Methol, em depoimento para o filme ...... 122 Figura 72 - Sobrevivente Carlito Páez, em depoimento para o filme ...... 122 Figura 73 - Sobrevivente Eduardo Strauch, em depoimento para o filme ...... 124 Figura 74 - Sobrevivente Ramon “Moncho” Sabella, em depoimento para o filme . 124 Figura 75 - Sobrevivente José Luis “Coche” Inciarte, em depoimento ...... 125 Figura 76 - Antonio Caruso, fotógrafo de toda operação de resgate ...... 125 Figura 77 - Carlos Páez Vilaró, pai do sobrevivente Carlitos Páez ...... 126 Figura 78- Sobrevivente Alvaro Mangino, em depoimento para o filme ...... 126 Figura 79 - Jorge Massa, piloto da equipe de resgate ...... 126 Figura 80 - Sobrevivente Roberto “Bobby” François, em depoimento ...... 127 Figura 81 - Sobrevivente Daniel Fernández Strauch, em depoimento ...... 127 Figura 82 - Sobrevivente Juan Pedro Nicola e seu filho, Mateo ...... 128 Figura 83 - Fotografia tirada por Roy Harley, poucos minutos após a queda ...... 128 Figura 84 - O Vale das Lágrimas, Cordilheira dos Andes, no verão de 2007 ...... 130 Figura 85 - Sobreviventes tomando sol nos destroços da aeronave ...... 130 Figura 86 - Sra. Madelón Rodrigues, Mãe de Carlito Páez, em seu depoimento .... 131 Figura 87 - Sobrevivente Pedro Algorta, em depoimento para o filme ...... 131 Figura 88 - Roberto Canessa e sua filha Laura Inés, em depoimento ...... 132 Figura 89 - Sobrevivente Alfredo “Poncho” Delgado, em depoimento ...... 133 Figura 90 - Expedição dos sobreviventes que descobriu a cauda do avião ...... 133 Figura 91 - Sobreviventes tentam utilizar o rádio com as baterias reservas ...... 134 Figura 92 - Sobreviventes localizam a cauda do avião no 36º dia nas montanhas . 134 Figura 93 - O trio de jovens, Nando, Roberto e “Tintin”, no início da jornada ...... 135 Figura 94 - No 10º dia de caminhada, Roberto vê um homem a cavalo ...... 137 Figura 95 - Juan Catalán, filho do pastor Sérgio Catalán ...... 138 Figura 96 - Pastor Sérgio Catalán mostra o local onde encontrou os jovens ...... 138 Figura 97 - O Enfermeiro José Gilberto Bravo Castro, da Equipe de Resgate...... 139 Figura 98 - Coletiva de Imprensa em Montevideo ...... 140 Figura 99 – Capa do livro Milagre nos Andes...... 144

LISTA DE QUADROS

Quadro 1 – Filmes, documentários e séries sobre acidentes aéreos reais ...... 24 Quadro 2 - Produções fílmicas com acidentes e incidentes fictícios ...... 26 Quadro 3 - Filmografia das obras cinematográficas de acidentes e incidentes aéreos reais ...... 31

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ______13 1 O registro dos fatos ______19 1.1 Filmes para a televisão e DVD sobre acidentes aéreos reais ______21 1.1.1 Filmografia das obras para a televisão e DVDs sobre acidentes aéreos reais ______23 1.2 Filmes (todos os meios) sobre acidentes e incidentes aéreos fictícios ______24 1.2.1 Filmografia (todos os meios) sobre acidentes e incidentes aéreos fictícios__ 25 1.3 Filmes para o cinema sobre acidentes aéreos reais ______29 1.3.1 Filmografia das obras para o cinema sobre acidentes e incidentes aéreos reais ______30 1.3.2 O Dirigível Hindenburg (The Hindenburg, 1975), de Robert Wise ______31 1.3.3 Sobreviventes dos Andes (Supervivientes de los Andes, 1976), de René Cardona ______38 1.3.4 Vivos (Alive, 1993), de Frank Marshall ______43 1.3.5 Whisky Romeu Zulu (2004), de Enrique Piñeyro ______47 1.3.6 Voo United 93 (United 93, 2006), de Paul Greengrass ______50 1.3.7 Stranded: I’ve come from a plane that crashed on the mountains (A Sociedade da Neve, 2007), de Gonzalo Arijón______57 1.3.8 Sully (Sully – O Herói do rio Hudson, 2016), de Clint Eastwood ______62 1.3.9 Enfeixando elementos ______65 2 Os aspectos da estrutura narrativa do filme Sobreviventes dos Andes (1976), de René Cardona ______67 2.1 O acidente e o choque de realidade ______73 2.2 A procura por ajuda e a volta para casa ______89 3 Os aspectos da estrutura narrativa do filme Vivos (1993), de Frank Marshall ______94 3.1 A Queda e os conflitos gerados ______95 3.2 A sobrevivência ______103 3.3 A jornada de volta ______109 4 Os aspectos da estrutura narrativa do filme Stranded: I’ve come from a plane that crashed on the mountains (2007), de Gonzalo Arijón ______115 4.1 Cronologia através dos depoimentos ______117

5 Uma análise dos momentos no filme I Am Alive: Surviving the Andes Plane Crash (2010), de Brad Osborne ______142 CONCLUSÃO – A confirmação da similaridade ______148 REFERÊNCIAS ______152 APÊNDICE I ______155

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INTRODUÇÃO

O cinema pode ser apreendido [...] como experiência de vida. O que significa que ele pode ser outra coisa ou mais do que um objeto estético suscetível de ser julgado belo ou agradável. Ele pode marcar profundamente nossa existência da mesma forma que a literatura ou a música. Uma experiência de vida põe em jogo muito mais coisas do que nosso simples gosto, ela põe em jogo a nossa própria existência e aquilo que somos. (GUIGUE, 2004, p. 324)

O objetivo deste trabalho é estudar, analisar e entender os filmes catástrofes com acidentes aéreos, tomando como base o acidente na Cordilheira dos Andes, em outubro de 1972, buscando compreender o significado dos mesmos enquanto sua estrutura narrativa cinematográfica. O estudo se dará por meio da análise de três obras com o acidente aéreo que ficou conhecido do público pelo fato dos sobreviventes terem recorrido ao canibalismo para a sobrevivência, produzidas para o cinema, e seguido de uma breve análise de uma obra para a televisão, conforme listagem apresentadas no Capítulo 1 e que estão baseadas em literaturas e depoimentos dos sobreviventes. No início, não imaginávamos, mas, no decorrer da pesquisa para esta dissertação, nos deparamos com uma quantidade muito grande de filmes catástrofes com acidentes aéreos, produzidos, na sua maioria, nas Américas do Norte e Sul e em parte dos países da Europa. Isso nos levou a revisitar os objetivos desse projeto apresentado inicialmente e, observamos a necessidade de significativa mudança. Em um primeiro instante, nos deparamos com a dúvida em relação à correta concepção do termo Catástrofe. Para sanar esta imprecisão, fomos buscar os diversos significados na língua portuguesa. Obtivemos variações diversas para o mesmo termo, tais como: “substantivo feminino; 1. Grande desgraça, acontecimento funesto, calamidade; 2. Fim lastimoso; 3. Literatura: acontecimentos finais e dolorosos que constituem o desenlace da tragédia; do grego catastrophé ‘ruína, morte’, pelo latim catastrŏpha ‘mudança de fortuna’.”1. Contudo, trabalharemos com definição de “um acontecimento desastroso que envolve morte e destruição em grande escala”. Assim, podemos trabalhar com o termo “filmes catástrofes” como sendo adequado para demonstrar o impacto que um acidente aéreo de grandes proporções causa em

1 Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa

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toda a sociedade devido suas características violentas e, com raríssimas exceções, deixando sobreviventes. As mudanças começaram quando decidimos modificar os filmes que até então seriam o objeto dessa dissertação. Isso porque as obras escolhidas no projeto inicialmente eram produzidas somente para a televisão e, isso nos faria entrar em um universo que não era específico do cinema, e abarcaria todas as suas implicações. Mais adiante faremos a apresentação das novas obras selecionadas, bem como as justificativas destas escolhas. Dessa forma, existem alguns aspectos importantes para levarmos em consideração ao longo do desenvolvimento dessa dissertação, tais como: Primeiro aspecto – A análise da estrutura de cada um dos filmes catástrofe sobre os acidentes aéreos, e a forma como isso é representada nos mesmos, gera modificação e influência no comportamento da sociedade? Aqui nos deparamos com a seguinte questão: seria pertinente considerar filme catástrofe como sendo um gênero cinematográfico? E mais ainda, no caso de filme catástrofe com acidente aéreo, poderíamos considerar um subgênero do anterior? Levantamos essas questões pois nos deparamos com uma estrutura fílmica coincidente na maior parte dos filmes baseados em acidentes reais, analisados (conforme listas apresentadas nas páginas 23-24 e 30) em todas as suas variantes e estilos e que são características dos filmes clássicos. Apesar de haver uma pequena quantidade de obras produzidas para o cinema selecionadas para essa análise, conforme pesquisa obtida para esse projeto, todas as estruturas são coincidentes com as observadas nas obras produzidas para a televisão, da mesma temática. De acordo com Turner (1997, p. 88) o gênero é um sistema de códigos, convenções e estilos visuais que possibilita ao público determinar rapidamente e com alguma complexidade o tipo de narrativa a que está assistindo. Enquanto que para Altman (1999, p. 142), quanto à promoção do filme, os estúdios preferem sugerir a presença de gêneros múltiplos, ao invés de não definir nenhum. Por isso, as obras analisadas neste trabalho recebem múltiplas classificações comerciais de gênero, tais como: drama, suspense, ação, ficção científica, família e, às vezes, comédia. Com a magnitude e a complexidade de uma nova classificação de gênero ou subgênero para essas obras analisadas, essa questão não será verificada nessa dissertação e, abriremos a possibilidade de um estudo profundo, mais adiante, que nos fundamente ou confirme as suspeitas aqui mencionadas. Dessa forma, focaremos

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em analisar as estruturas de todos os filmes sobre acidentes aéreos procurando similaridade entre elas, afim de comprovar ou não, a teoria levantada. Ao longo desse projeto faremos as considerações pertinentes para uma correta compreensão das suspeitas. Segundo aspecto – O contexto do período em que os filmes foram produzidos, assim como a formação dos cineastas e demais integrantes das equipes, influenciou a percepção do espectador quanto aos acidentes em si, haja visto que muitos filmes foram produzidos em épocas distintas de seus eventos? Neste aspecto, observamos que a tendência de pensamento crítico, dos cineastas e dos integrantes de suas equipes, e o período de produção dos filmes analisados seguem, conforme Vanoye e Goliot-Lété (1994, p. 27), “[...] o conjunto de técnicas cinematográficas empregadas na narrativa clássica, que primam no conjunto, subordinadas à clareza, à homogeneidade, à linearidade, à coerência da narrativa, assim como, é claro, a seu impacto dramático. “ O que se observou na grande parte das obras que assistimos para levantar essa teoria de similaridade. As obras escolhidas, para uma análise mais profunda, estão em diferentes períodos e isso modificou a técnica usada para a filmagem das cenas, mas não interferiram na diferenciação da narrativa em nenhuma delas. E, em função dessa verificação, faremos a análise dessa narrativa nas três obras para o cinema lançadas ao público sobre o mesmo acidente aéreo na Cordilheira dos Andes, em outubro de 1972, além de uma obra para a televisão sobre o mesmo evento. Terceiro aspecto – A adaptação das obras literárias originais e as diferenças cênicas e de contextualização, interferem na ficcionalidade da obra. A encenação é realista? O que as imagens falam aos seus espectadores? Aqui nos deparamos com a forma como os roteiros foram elaborados, as tramas envolvidas dentro de cada acidente, as ações e motivações que levaram os cineastas a produzirem as obras e como cada personagem é construído no decorrer do filme e suas influências sobre os acontecimentos. Encontramos 130 filmes, conforme as listas das páginas 23-24, 25 e 30 com cenas de acidentes e incidentes aéreos dos mais variados tipos na pesquisa realizada acerca do tema. Na maioria das ocorrências (lista da página 25), tratam-se de obras fictícias, não representando nenhum acidente real. No entanto, os filmes que serão objeto de análise mais consistente são as obras baseadas no acidente aéreo na

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Cordilheira dos Andes, já citado anteriormente, sendo três delas produzidas e lançadas para o cinema e uma para a televisão (páginas 23-24 e 30). Na categoria de filmes para o cinema baseados em acidentes reais foram encontradas seis obras, que serão oportunamente apresentadas. Inclusive, uma delas, Sully (Sully – O herói do rio Hudson), de Clint Eastwood, cuja data de lançamento era 01/12/2016, foi adiada em função do acidente aéreo com o avião de que transportava o time de futebol da Chapecoense, assim como vários outros passageiros, no dia 29/11/2016, e só foi lançado no Brasil, em 15/12/2016, pela Warner Bros. Quarto aspecto – A formação dos produtores e as crenças da sociedade, independente das considerações finais dos relatórios oficiais dos acidentes, interferiu de forma a encontrarmos estereótipos típicos do melodrama em todas os filmes catástrofes com acidentes aéreos? Neste contexto, pretendemos verificar como a formação sociocultural dos diretores, produtores e roteiristas influencia na adaptação dos roteiros, vindos de obras publicadas anteriormente, e também de que maneira isso participa na forma como o filme é recebido pela sociedade em geral. E, principalmente, se os fatos investigados nos acidentes aéreos sofrem rupturas em sua cronologia por causa das adaptações para o cinema. Para Bordwell (2008, p. 310) “[…] fatores culturais e sociais influenciam as obras de arte de várias maneiras. Assuntos e temas advêm direta ou indiretamente do meio cultural e esses aspectos de uma obra de arte podem ser estudados sistematicamente, […] Os fatores sociais e culturais podem também ser considerados pré-condições para obras de arte.[…]”. Colaborando com essa verificação Thomasseau (2005, p. 139) nos traz que “o melodrama é um gênero teatral que privilegia primeiramente a emoção e a sensação. Sua principal preocupação é fazer variarem estas emoções com a alternância e o contraste de cenas calmas ou movimentadas, alegres ou patéticas.” Essas alternâncias, para a variação das emoções, são encontradas em todas as obras analisadas o que se torna um ponto forte no desenvolvimento desse trabalho. E esses aspectos nos trouxeram dois objetivos distintos para o desenvolvimento dessa dissertação: 1º objetivo – Como percebemos a estrutura clássica de um filme catástrofe sobre um acidente aéreo real? E como isso sofre a influência da adaptação das obras literárias e na construção dos personagens dos enredos?

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2º objetivo – A narrativa empregada nas produções analisadas sofreu influência dos períodos em que as mesmas foram produzidas, além da formação e qualificação dos cineastas e das obras literárias em que se baseiam? Essas perguntas serão verificadas com as análises das obras selecionadas tendo o mesmo acidente aéreo como referencial, para a comprovação, ou não, da teoria adiante explicada. Apesar da quantidade considerável de filmes encontrados, nos deparamos com a ausência de uma classificação que melhor definisse as obras. Por isso, tomamos a liberdade de colocá-los em uma ordem de acordo com seus objetivos junto ao público espectador. Para tanto, fizemos a categorização de acordo com os meios de lançamento e veiculação, além de considerar o aspecto real e ficcional dos acidentes que encenam. Esta classificação será apresentada no capítulo 1, assim como uma breve apresentação dos filmes baseados em acidentes reais produzidos para o cinema. No capítulo 2 faremos a análise da primeira obra produzida para o cinema que tem o acidente da Cordilheira dos Andes, em outubro de 1972, como objeto de adaptação, que é o filme Sobreviventes dos Andes (Supervivientes de los Andes, 1976), de René Cardona. Nessa análise procuraremos os pontos em sua estrutura narrativa (blocos narrativos) que podem ser observados em outras obras. Para o capítulo 3 temos a análise do filme Vivos (Alive, 1993) de Frank Marshall, segundo filme produzido para o cinema sobre o mesmo acidente na Cordilheira dos Andes, em 1972. Aqui também procuraremos os aspectos de estrutura narrativa, desse filme, que podem ser verificados nas outras obras. No capítulo 4 traremos a análise do filme A Sociedade da Neve (Stranded: I’ve come from a plane that crashed on the mountains, 2007) de Gonzalo Arijón, último filme produzido para o cinema sobre o mesmo acidente e tentaremos encontrar os mesmos pontos observados nas obras anteriores, em relação a sua estrutura narrativa. O capítulo 5 será reservado para uma breve apresentação da obra I Am Alive: Surviving the Andes Plane Crash (I Am Alive: Sobrevivi al acidente aéreo de los Andes, 2010), de Brad Osborne, que não será objeto de análise por se tratar de uma produção para a televisão, veiculada no canal History, mas que procuraremos se existem os aspectos de semelhança em sua estrutura narrativa com as demais obras.

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Durante a análise específica das obras selecionadas observaremos se, em suas estruturas, as mesmas possuem algumas características comuns. E, por isso, veremos, com as decupagens, se há a possibilidade de haver uma similaridade entre a estrutura narrativa dos filmes com acidentes aéreos reais, levando em consideração as análises dos filmes com o acidente da Cordilheira dos Andes. Seria uma regra de um jogo pré-definido entre eles? Existem registros dessa similaridade entre as obras? Ao longo de nosso trabalho responderemos a todas as perguntas aqui formuladas.

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1 O registro dos fatos

Desde os primórdios da civilização o ato de voar exerce um fascínio muito grande no ser humano. Ao longo desse período, muitas tentativas de registros desses voos foram feitas. Existem alguns hieróglifos esculpidos em algumas paredes das pirâmides dos Faraós do antigo Egito2, como os que foram encontrados no templo de Seti I (c. 1306 a 1290 a.C.) em Abydos, na região do Alto Egito, que deixam claro como o desejo de voar é antigo. Com o passar do tempo, os registros dos voos foram ficando cada vez mais fiéis ao fato em si. Com o avanço das tecnologias de filmagem e gravação, temos, atualmente, o estado da arte no registro, não só em relação ao ato de voar, mas de qualquer outro fato digno de se colocar para a história da aviação. No caso de filmes com aviões e demais tipos de aeronaves, não foi somente o registro de qualquer voo, que fascinava o homem, mas, principalmente, dos voos que não foram bem-sucedidos em sua jornada. Eles se tornaram, desde a década de 1930 até os dias atuais, assunto para produções cada vez mais caras e bem elaboradas. Nos gráficos a seguir temos uma clara ideia das dimensões dos acidentes aéreos, o que nos ajuda a compreender um pouco do que isso significa para a sociedade em geral. Devido à magnitude de cada acidente e da quantidade de vítimas em cada evento, a população fica, cada vez mais perplexa com a violência dos acontecimentos, com a quantidade de pessoas envolvidas nos mesmos, quando o fato é noticiado. No Gráfico 1, abaixo, temos o registro oficial do número de acidentes aéreos, ano a ano, no período de 1918 até 2009 e, no Gráfico 2, logo em seguida, vemos o número oficial de pessoas mortas nesses acidentes aéreos, ano a ano, no mesmo período. Esses dados se encontram no site Bureau of Aircraft Accidents Archives3 que conta com o trabalho de registro do Aircraft Crashes Record Office4 (ACRO) desde 1990. Isso tudo leva a um crescente interesse da sociedade referente às causas de um acidente aéreo e suas implicações.

2 Várias citações à hieróglifos esculpidos nas pirâmides de Faraós do antigo Egito, descobertos em 1848, como a que temos. Disponível em: . Acesso em: 10 nov. 2015. 3 Escritório de Arquivos dos Acidentes com Aeronaves (tradução livre). Disponível em: . Acesso em: 10 nov. 2015. 4 Escritório de Registro de Quedas de Aeronaves (tradução livre), idem.

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Gráfico 1 - Ocorrência de acidentes aéreos entre 1918 a 2009

Fonte: Bureau of Aircraft Accidents Archives

Gráfico 2 - Ocorrência de acidentes aéreos com vítimas entre 1918 a 2009

Fonte: Bureau of Aircraft Accidents Archives

Encontramos centenas de produções com cenas de voos em aviões, helicópteros, foguetes, espaçonaves, balões e dirigíveis, se levarmos em consideração as produções do mundo todo. Nesse universo, encontramos os filmes catástrofes com acidentes aéreos produzidos, na sua maioria, nos países da América do Norte e do Sul e, também, de parte dos países da Europa. Esses filmes não possuem um gênero distinto, sendo colocados em diversos outros gêneros, tais como ação, aventura, biografia, crime, documentário, drama, família, fantasia, história, mistério, romance, ficção científica, suspense ou até mesmo comédia. Constatamos que o subtema “filmes catástrofes com acidentes aéreos” tratado nessa dissertação não foi encontrado em nenhuma outra dissertação publicada nos

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meios acadêmicos brasileiros, pois não achamos nenhuma bibliografia que fizesse referência ao mesmo. Isso nos colocou em frente a emoções antagônicas onde, por um lado tínhamos a certeza de um novo passo com a criação de novos referenciais bibliográficos e, por outro, o receio de estarmos em um terreno nunca antes explorado. Por conta dessa ausência de publicações acadêmicas, não encontramos uma categorização ou classificação clara dos tipos de filmes produzidos conforme seus objetivos junto ao público em geral. Assim, em função disso, nos atrevemos a definir uma classificação das obras, que não se pretende definitiva, em função de aspectos que encontramos em todas elas e com a visão técnica do evento. A seguir iniciarei essa classificação de forma a tentar colocar em ordem as obras conforme seus objetivos para com o espectador e, logo adiante explicarei o motivo dessa classificação, assim como seus expoentes nas classes: - Filmes para a televisão e DVD sobre acidentes aéreos reais; - Filmes (todos os meios) sobre acidentes e/ou incidentes aéreos fictícios; - Filmes para o cinema sobre acidentes aéreos reais.

1.1 Filmes para a televisão e DVD sobre acidentes aéreos reais

Os filmes documentários e/ou séries diversas são produzidas a partir de um evento ocorrido, e investigado, caracterizado na aviação como Emergência Aérea (risco iminente de um acidente de altas proporções) onde o comandante da aeronave declara na fonia, com os órgãos de controle de tráfego aéreo, o designativo de emergência aeronáutica “Mayday”5 (repetido três vezes), que é a chamada radiotelefônica de emergência ou socorro. Utilizada principalmente nas navegações marítimas e aeronáuticas, faz parte do Código Internacional de Sinais e do Código

Fonético Internacional6. Essa emergência aérea pode resultar em um grande acidente ou incidente aéreo. No entanto, esse tipo de produção, não será objeto de estudo nesse trabalho, devido à grande quantidade de material publicado, que tem unicamente como meta informar a população curiosa dos fatos encontrados nas investigações de acidentes aeronáuticos, além de dar ciência à classe de aeronautas e aeroviários que estão diretamente envolvidos em segurança de voo em todas as

5 Versão anglicizada do francês m'aider ou m'aidez, que significa "venha me ajudar”. 6 Material de cunho ostensivo à toda a comunidade aeronáutica. Disponível em: . Acesso em 10 out. 2015.

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empresas do segmento aeronáutico. Os relatórios finais das investigações dos acidentes aéreos são de caráter ostensivo e servem como material de produção dos filmes e seriados aqui pesquisados. Teremos como exceção dessa lista, o filme/documentário I Am Alive: Surviving the Andes Plane Crash (2010), de Brad Osborne, que também reporta o acidente aéreo da cordilheira dos Andes, em outubro de 1972. O material produzido por esse tipo de filmes documentários ou séries, mesmo considerado ficcional por teóricos de comunicação, no tocante à produção serve para enriquecer treinamentos e programas de conscientização de todos os profissionais que trabalham em empresas aéreas, comerciais ou táxi aéreo. Servem, portanto, para expor os riscos que envolvem a atividade em geral, fazendo com que todos ajam em sinergia para que fatos semelhantes não venham a acontecer novamente, por apresentar os preceitos fundamentais de prevenção de acidentes aeronáuticos (como as demais classificações observadas, que falaremos adiante). Isso nos fez ver a oportunidade de novos trabalhos sobre as influências que essas obras exercem sobre esses programas de treinamento e conscientização desses profissionais envolvidos nas atividades da aviação civil ou militar, que poderão ser melhor explorados adiante. Existem grandes séries televisivas que deram ênfase a esse tipo de produção mundial, tornando os acidentes aéreos visíveis e entendíveis para todos, tais como:

Mayday! Desastres Aéreos7 (Mayday! Air Crash Investigation ou Air Disasters, no ar desde 2003) do canal de televisão National Geographic, do Canadá; assim como alguns dos 67 episódios de Seconds from Disaster8 (sem título em português, no ar desde 2004) também do canal de televisão National Geographic, dos EUA, em parceria com a Darlow Smithson Productions9.

7 Lista de episódios. Disponível em: < http://www.cineflixproductions.com/shows/28-Mayday >. Acesso em: 10 out. 2015. 8 Lista de episódios. Disponível em: < http://www.natgeotv.com/uk/seconds-from-disaster >. Acesso em: 10 out. 2015. 9 Ou simplesmente DSP é uma das principais empresas de produção de conteúdo para televisão do mundo. A partir de sua base em Londres, produz mais de 100 horas de programas a cada ano para muitos canais de emissoras líderes mundiais, incluindo Descoberta, C4, BBC, National Geographic, PBS, Five e Smithsonian Channel. Acima de tudo, DSP combina o jeito narrativo de contar histórias com a autenticidade rigorosa para liderar o campo em televisão factual. (Tradução livre). Disponível em: . Acesso em: 10 fev. 2016.

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Encontramos, também, a série televisiva Air Crash Confidential10 (sem título em português, no ar desde janeiro de 2011), da WMR Productions11 e IMG

Entertainment12, do Reino Unido, televisionado pelo Discovery Channel. Todas essas produções se esforçaram para reconstituir fielmente os acidentes aéreos baseados nos documentos publicados pelas autoridades oficiais em relação as respectivas investigações. Ao todo foram catalogadas 18 obras nessa classificação. O filme I Am Alive: Surviving the Andes Plane Crash (I Am Alive: Sobrevivi al acidente aéreo de los Andes, 2010), de Brad Osborne, que será objeto de uma breve apresentação no capítulo 5 para comparação com as demais obras, foi produzido pela

AMS Pictures e veiculado pelo canal History13, em novembro de 2010. A pesquisa dessa dissertação nos levou a novas descobertas acerca do assunto em destaque. A seguir expomos os filmes em listas distintas de acordo com variadas fontes, em ordem cronológica do ano de lançamento, com as suas respectivas informações de ficha catalográfica. Essa classificação, como já informado anteriormente, não se pretende definitiva, mas contém uma quantidade expressiva de obras que possibilitarão as análises que serão feitas.

1.1.1 Filmografia das obras para a televisão e DVDs sobre acidentes aéreos reais

Na relação de filmes a seguir (Quadro 1), constam as obras para a televisão e DVDs produzidas sobre acidentes aéreos reais obtidas por meio de relatórios dos órgãos oficiais e livros publicados com depoimentos de familiares, de sobreviventes

10 Lista de episódios. Disponível em: < http://www.imdb.com/title/tt2141591/ >. Acesso em: 10 out. 2015. 11 Ou World Media Rights Productions é um dos maiores produtores de programas factuais verdadeiramente independentes no Reino Unido. Já concluiu 945 programas. WMR começou a ser negociado em 2007. Ele agora fornece séries factuais para 55 países em todo o mundo e seus programas são vistos regularmente na Discovery (nos EUA e no Reino Unido), canal Yesterday UKTV, Planete (na França) e ZDF e Spiegel TV (na Alemanha), CCTV 9 na China e na iTunes e Netflix. (Tradução livre). Disponível em: . Acesso em: 10 fev. 2016. 12 A IMG é uma líder global em esportes, eventos, mídia e moda, operando em mais de 30 países. A empresa representa e administra algumas das maiores figuras do mundo dos esportes e ícones da moda; administra centenas de eventos ao vivo e experiências de entretenimento de marca anualmente; e é um dos maiores produtores e distribuidores de mídia esportiva independentes. IMG também é especializada em treinamento desportivo; desenvolvimento da liga; e de marketing, mídia e licenciamento para marcas, organizações desportivas e instituições colegiadas. Em 2014, foi adquirida pela IMG WME, uma agência líder de entretenimento global. (Tradução livre). Disponível em: Acesso em: 10 fev. 2016. 13 Um canal da A&E Television Networks, LLC. com sede em Nova Iorque/EUA. Disponível em: Acesso em 14 dez. 2016.

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ou de testemunhas. Recheadas de emoção e efeitos visuais, proporcionais às épocas dos lançamentos, primam pela estrutura narrativa clássica citada anteriormente.

Quadro 1 – Filmes, documentários e séries sobre acidentes aéreos reais 1- Crash (A Queda do Voo 401), Charles Fries Productions, EUA, Barry Shear, 1978 2- The Ghost of Flight 401, , EUA, Steven Hilliard Stern, 1978 3- Flight 90: Disaster on the Potomac (Tragédia no Voo 90), Finnegan/Pinchuk Productions, EUA, Robert Michael Lewis, 1984 4- The Taking of Flight 847: The Uli Derickson Story, Columbia Pictures Television, EUA, Paul Wendkos, 1988 5- Fire and Rain (Rota da Morte), Wilshire Court Productions, EUA, Jerry Jameson, 1989 6- Tailspin: Behind the Korean Airliner Tragedy, Home Box Office (HBO) et al., EUA/Reino Unido, David Darlow, 1989 7- Miracle Landing (Voo 243: Pouso de Emergência), Columbia Broadcasting System (CBS), EUA, Dick Lowry, 1990 8- Crash Landing: The Rescue of Flight 232 (Cidade de Heróis), Bob Banner Associates et al., EUA, Lamont Johnson, 1992 9- Falling from the Sky: Flight 174 (O Voo da Morte), Hill/Fields Entertainment et al., EUA/Canadá, Jorge Montesi, 1995 10- Mayday! Air Crash Investigation (Mayday! Desastres Aéreos), National Geographic Channel, Canadá, 130 episódios desde 2003, ainda em produção. 11- Seconds from Disaster, National Geographic Channel, EUA, 20 episódios desde 2004, ainda em produção. 12- Fuerza Aérea Sociedad Anónima, Aquafilms, Argentina, Enrique Piñeyro, 2006 13- Crash of the Century, Cineflix, Austrália, Andy Webb, 2006 14- Air Crash Unsolved: The Mystery of Flight 522, September Films, Reino Unido, Ken McGill, 2006 15- Flight 93 (Voo 93), Fox Television Studios et al., EUA/Canadá, Peter Markle, 2006 16- Piché: Entre Ciel et Terre (Piché: The Landing of a Man), PixCom et al., França/Canadá, Sylvain Archambault, 2010 17- I Am Alive: Surviving the Andes Plane Crash (I Am Alive: Sobrevivi al acidente aéreo de los Andes), AMS Pictures et al., EUA, Brad Osborne, 2010 18- Air Crash Confidential, Discovery Channel, IMG Entertainment et al., Reino Unido, Nick Davidson, 12 episódios desde 2011, ainda em produção.

1.2 Filmes (todos os meios) sobre acidentes e incidentes aéreos fictícios

No universo dos filmes para televisão, DVDs e cinema com cenas aéreas sobre acidentes e incidentes fictícios encontram-se quase a totalidade dos filmes já produzidos e que possuem, de alguma forma, cenas aéreas ou filmadas em ambientes

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aéreos, tais como aeroportos, pátios de estacionamento de aeronaves, interiores de aviões, de helicópteros, de balões, de dirigíveis, de foguetes, de espaçonaves, ou mesmo que a câmera tenha sido posicionada em um ‘vant’14 (veículo aéreo não tripulado) para a obtenção de tomadas aéreas. Em tais filmes podemos ter cenas do acidente ou de momentos anteriores ou posteriores ao evento. Contudo, todas são de caráter fictício e servem para compor o roteiro dos filmes e atender suas necessidades. Podemos incluir nessa classificação dezenas de filmes com cenas de combates aéreos ou com acidentes e incidentes aéreos, com ou sem vítimas fatais, dos mais variados tipos. Alguns filmes são dignos dos prêmios que foram agraciados em suas épocas, tais como: Horizonte Perdido (Lost Horizon, 1937), de Frank Capra; Uma Asa e Uma Prece (Wing and a Prayer, 1944), de Henry Hathaway; Entre a Vida e a Morte (Zero Hour!, 1957), de Hall Bartlett baseado em um dos primeiros romances de Arthur Hailey; O Voo da Morte (Ragan, 1968), de José Briz Méndez / Luciano Sacripanti, filme ítalo-espanhol; Aeroporto (Airport, 1970), de George Seaton; Aeroporto 1975 (Airport 1975, 1974), de Jack Smight, ambos baseado em “best sellers” homônimos do escritor britânico Arthur Hailey (1920-2004), O Aviador (The Aviator, 2004), de Martin Scorsese, dentre tantos outros dignos de citação pelo que apresentaram à sociedade em suas épocas distintas de lançamento. Na lista de filmes catalogados, conforme Quadro 2, encontramos 105 obras que podem ser incluídas nessa classificação.

1.2.1 Filmografia (todos os meios) sobre acidentes e incidentes aéreos fictícios

Essa relação (Quadro 2) contém as obras produzidas para o cinema, televisão e DVDs e possuem incidentes e acidentes aéreos fictícios necessários à adaptação de seus roteiros ao objetivo pretendido, pelo diretor, nos espectadores, como citado no subcapítulo 1.2.

14 Veículo aéreo não tripulado (VANT) ou Drone (do inglês, zangão), é todo e qualquer tipo de aeronave que não necessita de pilotos embarcados para ser guiada e pode ser controlada através de sinal de rádio frequência.

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Quadro 2 - Produções fílmicas com acidentes e incidentes fictícios 1- Lost Horizon (Horizonte Perdido), Columbia Pictures, EUA, Frank Capra, 1937 2- Aerial Gunner (Artilheiro Aéreo), Pine-Thomas Productions, EUA, William H. Pine, 1943

3- Wing and a Prayer (Uma Asa e Uma Prece), Twentieth Century Fox Film Corporation, EUA, Henry Hathaway, 1944 4- No Highway in the Sky (Na Estrada do Céu), Twentieth CenturyFox Productions, EUA, Henry Koster, 1951 5- The High and The Mighty (Um Fio de Esperança), Warner Bros. Et al., EUA, William A. Wellman, 1954 6- The Night My Number Came Up (Sonhos do Destino), J. Arthur Rank Organisation et al., Alemanha Oriental, Leslie Norman, 1955 7- Flight Into Danger, Canadian Broadcasting Corporation (CBC), Canadá, Gabriel Axel, 1956 8- Zero Hour! (Entre a Vida e a Morte), Paramount Pictures, EUA, Hall Bartlett, 1957 9- Crash Landing, Clover Productions, EUA, Fred F. Sears, 1958 10- Jet Storm, Pendennis Productions, Reino Unido, Cy Endfield, 1959 11- Jet Over the Atlantic (Momentos de Aflição), Benedict Bogeaus Production et al., EUA/México, Byron Haskin, 1959 12- The Crowded Sky (Céu de Agonia), Warner Bros., EUA, Joseph Pevney, 1960 13- Cone of Silence (Quando os Destinos se Cruzam), Aubrey Baring Productions, Reino Unido, Charles Frend, 1960 14- Fate Is the Hunter (O Destino é o Caçador), Arcola Pictures, EUA, Ralph Nelson, 1964 15- The Flight of the Phoenix (O Vôo do Fênix), The Associates & Aldrich Company, EUA, Robert Aldrich et al., 1965 16- The Doomsday Flight (100.000 Dólares ou a Morte), Universal Television, EUA, William A. Graham, 1966 17- Ragan (O Voo da Morte), Domino Films et al., Itália/Espanha, José Briz Méndez / Luciano Sacripanti, 1968 18- Lost Flight (O Avião dos Condenados), Universal Television, EUA, Leonard J. Horn, 1970 19- Airport (Aeroporto), Universal Picture et al., EUA, George Seaton, 1970 20- Terror in the Sky, Paramount Television, EUA, Bernard L. Kowalski, 1971 21- Skyjacked (Vôo 502: Em Perigo), Walter Seltzer Productions, EUA, John Guillermin, 1972 22- This Is a Hijack, Astral Films, EUA, Barry Pollack, 1973 23- Airport 1975 (Aeroporto 1975), Universal Picture, EUA, Jack Smight, 1974 24- The Disappearance of Flight 412, Cine Films Inc., EUA, Jud Taylor, 1974 25- Murder on Flight 502 (Assassinato no Voo 502), Spelling-Goldberg Productions, EUA, George McCowan, 1975 26- Mayday at 40,000 Feet!, Andrew J. Fenady Productions et al., EUA, Robert Butler, 1976 27- Airport 77 (Aeroporto 77), Universal Picture, EUA, Jerry Jameson, 1977

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28- SST: Death Flight (Ameaça no Supersônico), ABC Circle Films, EUA, David Lowell Rich, 1977 29- Flight to Holocaust, Aycee Productions et al., EUA, Bernard L. Kowalski, 1977 30- The Concorde... Airport ‘79’ (Aeroporto 79 – O Concorde), Universal Picture, EUA, David Lowell Rich, 1979 31- Concorde Affaire ‘79 (Concorde), Dania Film et al., Itália, Ruggero (Roger) Deodato, 1979 32- Crisis in Mid-air, CBS Entertainment Production et al., EUA, Walter Grauman, 1979 33- Ekipazh, Mosfilm, União Soviética, Aleksandr Mitta, 1980 34- Starflight: The Plane That Couldn’t Land (Rota do Perigo), Orgolini-Nelson Productions et al., EUA, Jerry Jameson, 1983 35- Hostage Flight (Horas de Angustia), Telepictures Productions et al., EUA, Steven Hilliard Stern, 1985 36- The Aviator (O Aviador), United Artists, EUA, George Miller, 1985 37- International Airport, Aaron Spelling Productions, EUA, Don Chaffey e Charles S. Dubin, 1985 38- Die Hard 2: Die Harder (Duro de Matar 2), Twentieth Century Fox Film Corporation et al., EUA, Renny Harlin, 1990 39- Crash: The Mystery of Flight 1501, Citadel Entertainment et al., EUA, Philip Saville, 1990 40- Passenger 57 (Passageiro 57), Warner Bros., EUA, Kevin Hooks, 1992 41- Mercy Mission: The Rescue of Flight 771 (O Resgate), Anasazi Productions et al., Austrália/EUA, Roger Young, 1993 42- Fearless (Sem Medo de Viver), Spring Creek Productions et al., EUA, Peter Weir, 1993 43- Hijacked: Flight 285, Hill/Fields Entertainment, EUA, Charles Correll, 1996 44- Executive Decision (Momento Crítico), Warner Bros. Et al., EUA, Stuart Baird, 1996 45- Panic in the Skies!, Daniel L. Paulson Productions et al., EUA/Canadá, Paul Ziller, 1996 46- Pandora’s Clock, Citadel Entertainment et al., EUA, Eric Laneuville, 1996 47- Turbulence (Turbulência), Metro-Goldwyn-Mayer (MGM) et al., EUA, Robert Butler, 1997 48- Air Force One (Força Aérea Um), Columbia Pictures Corporation et al., EUA/Alemanha, Wolfgang Petersen, 1997 49- Con Air (Con Air – Rota da Fuga), Touchstone Pictures et al., EUA, Simon West, 1997 50- Final Descent, Columbia TriStar Television et al., EUA, Mike Robe, 1997 51- Medusa’s Child, Columbia TriStar Television et al., EUA/Canadá, Larry Shaw, 1997 52- Blackout Effect, Citadel Entertainment et al., EUA, Jeff Bleckner, 1998 53- Six Days, Seven Nights (Seis Dias, Sete Noites), Caravan Pictures et al., EUA/Canadá, Ivan Reitman, 1998 54- A Wing and a Prayer, PolyGram Television et al., EUA, Paul Wendkos, 1998 55- Ground Control (Pânico no Ar), Green Communications et al., EUA, Richard Howard, 1998 56- Free Fall, Falling Productions Inc. et al., EUA/Canadá/Alemanha, Mario Azzopardi, 1998

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57- Turbulence 2: Fear of Flying (Turbulência 2), Trimark Pictures et al., EUA, David Mackay, 1999 58- Fight Club (Clube da Luta), Fox 2000 Pictures et al., EUA, David Fincher, 1999 59- Airspeed (Air Speed– Sem Controle), Airspeed Productions Inc. et al., EUA/Canadá, 1999 60- Final Destination (Premonição), New Line Cinema et al., EUA, James Wong, 2000 61- Cast Away (Náufrago), Twentieth Century Fox et al., EUA, Robert Zemmeckis, 2000 62- Sonic Impact (Impacto), Phoenician Entertainment, EUA, Rodney McDonald, 2000 63- Nowhere to Land (762 – O Vôo do Medo), Von Zerneck Sertner Films, EUA/Austrália, Armand Mastroianni, 2000 64- Submerged (Resgate nas Profundezas), Phoenician Entertainment, EUA, Fred Olen Ray, 2000 65- Killing Moon (Lua Mortal), Trinity Pictures, EUA/Canadá, John Bradshaw, 2000 66- Mach 2, Little Lights Productions Inc. et al., EUA, Fred Olen Ray, 2001 67- Turbulence 3: Heavy Metal (Turbulência 3), Studio Eight Productions et al., EUA, Jorge Montesi, 2001 68- Rough Air: Danger on Flight 534 (Pânico no Ar – Perigo no Vôo 534), Tele München Fernseh Produktionsgesellschaft (TMG) et al., EUA/Canadá/Alemanha, Jon Cassar, 2001 69- Air Rage, Phoenician Entertainment, EUA, Fred Olen Ray, 2001 70- Absturz in die Todeszone (Check-in to Disaster), CreaTV Fernsehproduktions GmbH et al., Alemanha, Uwe Frießner, 2001 71- Cabin Pressure (Sequestro nas Alturas), Lions Gate Entertainment et al., EUA/Canadá, Alan Simmonds, 2002 72- Air Panic (Ameaça Terrorista), Nu Image / Millennium Films, EUA, Bob Misiorowski, 2002 73- Code 11-14 (Vôo 816 – Psicopata a Bordo), Wilshire Court Productions et al., EUA, Jean de Segonzac, 2003 74- Air Marshal (Tensão no Ar), Nu Image / Millennium Films et al., EUA, Alain Jakubowicz, 2003 75- NTSB: The Crash of Flight 323, Touchstone Television et al., EUA, Jeff Bleckner, 2004 76- The Flight of the Phoenix (O Voo do Fênix), Twentieth Century Fox et al., EUA, John Moore, 2004 77- The Aviator (O Aviador), Miramax et al., EUA/Reino Unido, Martin Scorsese, 2004 78- Lost (Lost), J.J. Abrams et al., EUA, Jack Bender et al., 2004-2010 79- Crash Landing (Aterrissagem), Avrio Filmworks, EUA/Canadá, Jim Wynorski, 2005 80- Mayday, Columbia Broadcasting System (CBS) et al., EUA, T.J. Scott, 2005 81- Superman Returns (Superman: O Retorno), Warner Bros. Et al., EUA, Bryan Singer, 2006 82- Final Approach (Vôo Explosivo), Larry Levinson Productions et al., EUA, Armand Mastroianni, 2007 83- Plane Dead / Flight of the Living Dead: Outbreak on a Plane (O Vôo da Morte), Imageworks Entertainment International et al., EUA, Scott Thomas, 2007

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84- Passengers (Passageiros), TriStar Picture et al., EUA, Rodrigo Garcia, 2008 85- Knowing (Presságio), Summit Entertainment et al., EUA, Alex Proyas, 2009 86- Crashpoint – 90 Minuten bis zum Absturz (Ponto de Colisão: Berlim), Hager Moss Film et al., Alemanha, Thomas Jauch, 2009 87- Airline Disaster, The Asylum, EUA, John Willis III, 2010 88- Turbulent Skies (Céus Turbulentos), DRO Entertainment, EUA, Fred Olen Ray, 2010 89- Inversão, Olimpus Filme, Brasil, Edu Felistoque, 2010 90- Captain America: The First Avenger (Capitão América: o Primeiro Vingador), Marvel Studios, EUA, Joe Johnston, 2011 91- The Grey (A Perseguição), Open Road Films (II) et al., EUA, Joe Carnahan, 2011 92- The Dark Knight Rises (Batman: O Cavaleiro das Trevas Ressurge), Warner Bros. Et al., EUA, Christopher Nolan, 2012 93- Flight (O Voo), Paramount Pictures et al., EUA, Robert Zemmeckis, 2012 94- Air Collision, The Asylum, EUA, Liz Adams, 2012 95- Last Flight to Abuja, Nollywood Film Factory, Reino Unido/Nigéria, Obi Emelonye, 2012 96- Airborne, Press on Features et al., Reino Unido, Dominic Burns, 2012 97- Hijacked (Resgate nas Alturas), NuttHouse Moving Pictures Company et al., EUA, Brandon Nutt, 2012 98- World War Z (Guerra Mundial Z), Paramount Pictures et al., Reino Unido, Marc Foster, 2013 99- Collision Course, Marvista Entertainment, EUA, Fred Olen Ray, 2013 100- Non-Stop (Sem Escalas), StudioCanal et al., França, Jaume-Colet Serra, 2014 101- Flight 7500 (Voo 7500), Vertigo Entertainment et al., EUA/Japão, Takashi Shimizu, 2014 102- Airplane vs. Volcano, The Asylum, EUA, James / Jon Kondelik, 2014 103- Flight World War II, The Asylum, EUA, Emile Edwin Smith, 2015 104- Spectre (007 contra Spectre), Columbia Pictures, Reino Unido/EUA, Sam Mendes, 2015 105- The Last Witch Hunter (O Último Caçador de Bruxas), One Race Films et al., EUA/China/Canadá, Breck Eisner, 2015

1.3 Filmes para o cinema sobre acidentes aéreos reais

Esses filmes sobre acidentes e incidentes aéreos reais são produzidos para o cinema a partir de adaptações de obras literárias publicadas e tratam de grandes tragédias aéreas. Podem, também, ser adaptados de relatórios oficiais de investigação dos acidentes aéreos, documentos publicados de forma ostensiva, para toda a sociedade interessada em conhecer os fatos envolvidos. Todos os registros documentais empregados na ficcionalização dos filmes servem para dar mais credibilidade aos mesmos e tornar as obras mais persuasivas, fazendo com que o

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espectador tenha a clara noção de que, o que é construído pelos filmes, através da encenação, seja a verossimilhança que ele deseja ver. Desse conjunto de filmes estamos retirando três obras que serão o objeto de análise mais profundo desse trabalho, conforme lista apresentada no Quadro 3. Teremos a preocupação de realizar uma análise fílmica consistente, mais a frente, de todos os filmes, pois conforme Vadico (2015, p. 19)15, “[...] o desconhecimento das necessidades relativas às técnicas, estética e narrativas cinematográficas, prejudica sobremaneira a qualidade de uma análise fílmica, isso no que diz respeito a qualquer tema investigado. ” Na pesquisa elaborada foram encontrados sete filmes que podemos incluir nessa categoria. Faremos uma breve apresentação de cada um desses filmes, mas como objeto desse projeto, focaremos na análise completa das obras Supervivientes de los Andes (Sobreviventes dos Andes, 1976), de René Cardona, que relata o acontecido em 13 de outubro de 1972, no acidente aéreo nas Cordilheiras dos Andes com os jovens uruguaios jogadores de um time de rúgbi. Posteriormente, faremos a comparação desta produção com as obras Alive (Vivos, 1993), de Frank Marshall, Stranded: I’ve Come from a Plane That Crashed on the Mountains (Sociedade da Neve, 2007), de Gonzalo Arijon, junto com a outra obra para a televisão citada anteriormente, com o objetivo de buscar as similaridades em relação a estrutura narrativa das mesmas, uma vez que se referem ao mesmo evento. Cada uma das obras apresenta uma visão distinta do mesmo fato. Exporemos, adiante, as justificativas para tais escolhas, visto que o universo de produções acerca do tema é muito grande.

1.3.1 Filmografia das obras para o cinema sobre acidentes e incidentes aéreos reais

Essa é a lista (Quadro 3) dos filmes pesquisados e que podem ser alocados como as obras para o cinema e que versam sobre acidentes e incidentes aéreos reais.

15 VADICO, Luiz. O Campo do Filme Religioso: Cinema, Religião e Sociedade. Jundiaí: Paco Editorial, 2015.

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Quadro 3 - Filmografia das obras cinematográficas de acidentes e incidentes aéreos reais 1- The Hindenburg (O Dirigível Hindenburg), The Filmakers Group et al., EUA, Robert Wise, 1975 2- Supervivientes de Los Andes (Sobreviventes dos Andes), Avant Films S.A. et al., México, René Cardona, 1976 3- Alive (Vivos), Film Andes S.A. et al., EUA, Frank Marshal, 1993 4- Whisky Romeu Zulu, Aquafilms et al., Argentina, Enrique Piñeyro, 2004 5- United 93 (Voo United 93), Universal Picture et al., EUA, Paul Greengrass, 2006 6- A Sociedade da Neve (Stranded: I've Come from a Plane That Crashed on the Mountains), Alea Docs & Films et al., França/Uruguai/Argentina/Espanha/EUA, Gonzalo Arijon, 2007 7- Sully (Sully – O herói do rio Hudson), Warner Bros. et al., EUA, Clint Eastwood, 2016

A seguir faremos uma breve apresentação de cada uma dessas sete obras para, nos capítulos seguintes, analisarmos as três obras sobre o acidente na cordilheira dos Andes, em 1972.

1.3.2 O Dirigível Hindenburg (The Hindenburg, 1975), de Robert Wise

O primeiro filme citado, dentre os que são baseados em eventos reais, em ordem cronológica de lançamento, foi The Hindenburg (O Dirigivel Hindenburg), de Robert Wise, lançado nos cinemas norte-americanos, em 1975, baseado no livro “The Hindenburg” (Zeppelin - A verdadeira história do desastre do "Hindenburg", 1972), de Michael M. Mooney. Esta produção mostra o acidente com o dirigível LZ-129 Hindenburg, em seu pouso na base naval de Lakehurst (hoje parte da Base de

Articulação Lakehurst-Dix-McGuire16), em Nova Jersey, EUA, em 06 de maio de 1937. Esse fato encerrou a era dos dirigíveis na aviação comercial de passageiros, e o filme tenta criar uma aura de romance em torno do acidente, sem perder o objeto de

16 Joint Base McGuire-Dix-Lakehurst (ou JB MDL) é uma instalação militar dos Estados Unidos localizada a 18 milhas (29 km) ao sudeste de Trenton, New Jersey. A instalação é um amálgama da base da Força Aérea McGuire, da Unidade Fort Dix do Exército e da Estação Engenharia Naval Air Lakehurst da Marinha dos Estados Unidos, que foram fundidos em 01 de outubro de 2009. Esse complexo foi criado em conformidade com a legislação do Congresso Americano para implementação das recomendações da Comissão de Encerramento e Realinhamento de Bases 2005. A legislação ordenou a consolidação das três instalações que ficavam lado a lado, mas em instalações militares separadas, em uma única base conjunta, um dos 12 complexos formados nos Estados Unidos como resultado da lei. Desde 2015, o comandante de instalação é o coronel Frederick D. Thaden. (Tradução livre). Disponível em: < http://www.jointbasemdl.af.mil/ >. Acesso em: 10 fev. 2016.

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suspeita do jornalista investigativo Mooney quando escreveu seu livro, já na apresentação da obra ao público em geral, como mostra o cartaz abaixo (Figura 1). Esse filme foi produzido e distribuído pela Universal Picture et al. Todas as cenas de estúdio foram filmadas no Studio 12, da Universal Studios, Califórnia, EUA., onde já haviam sido produzidos os filmes Broadway (1929), de Pál Feijös, King of Jazz (1930), de John Murray Anderson, Frankestein (1931), de James Whale, Dracula (1931), de Tod Browning, Earthquake (Terremoto, 1974), de Mark Robson, e viriam a ser produzidos os filmes Airport 1985 (Aeroporto 1985, 1984), de Jack Smight, Scarface (1983), de Brian De Palma. Além disso, foram produzidos todos os filmes da franquia Back to the Future (De volta para o Futuro, 1985, 1989 e 1990), de Robert Zemeckis, e também alguns filmes das franquias Pirates of the Caribbean (Piratas do Caribe, 2006, 2007), de Gore Verbinski, e Jurassic Park (Parque dos Dinossauros, 1993, 1997 e 2001), de Steven Spielberg e Joe Johnston. E, sem contar os dez episódios da série televisiva Galatica 1980 (1980), de vários diretores.

Figura 1 - Cartaz original do filme The Hindenburg

Fonte: Google Images, 2016.

Apesar da reação negativa da crítica, o filme The Hindenburg foi bem planejado em seu uso de efeitos visuais e ganhou dois Oscar em 1976: Peter Berkos, para Melhores Efeitos Sonoros e Albert Whitlock e Glen Robinson, para Melhores Efeitos

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Visuais. O filme também recebeu indicação para os Oscar de Melhor Direção de

Arte17, Melhor Fotografia18 e Melhor Som.19 O diretor do filme, Robert Earl Wise, nascido em setembro de 1914 em Winchester, Indiana, EUA, tem em sua filmografia os créditos como diretor em 41 obras, tais como: Rooftops (Nos Telhados de Nova Iorque, 1989), : The Motion Picture (Jornada nas Estrelas: O Filme, 1979), The Andromeda Strain (O Enigma de Andrômeda, 1971), A Game of Death (Jogo da Morte, 1945), Born to Kill (Nascido para Matar, 1947), The Sound of Music (A Noviça Rebelde, 1965) além de tantos outros. Possui também os créditos como produtor em 16 obras e como editor em outras 12 obras, onde é mais conhecido como editor-chefe de Citizen Kane (Cidadão Kane, 1941), de Orson Welles. O livro (Figura 2), que originou o filme, retrata com fidelidade a era pré-nazista na Alemanha. O dirigível, que era orgulho da aviação nazista, explodiu no ar, no maior desastre aéreo registrado até então. O acidente do Hindenburg simbolizou, de certo modo, o fim de uma era da inocência, em que ainda havia esperanças de paz no mundo. E o livro de Michael Macdonald Mooney reflete bem essa situação, desde a nostalgia dos tempos da “belle époque” presente no luxuoso Zeppelin, até o violento e trágico final em Lakehurst. As adaptações do roteiro ficaram a cargo dos escritores norte-americanos Richard Leighton Levinson (1934-1987), William Link (1933) e Nelson Roosevelt Gidding (1919-2004). Todos têm vasta experiência em outras adaptações para o cinema. O acidente foi um evento de grande notoriedade que gerou muitas perguntas, pois desde o ocorrido, haviam suspeitas em relação às causas da explosão. O livro responde a essas perguntas. É um relato recheado de suspense, que conta a última viagem do Hindenburg, quando agentes secretos da Luftwaffe, a força aérea nazista, e a tripulação tentaram evitar a sabotagem do grande zeppelin; enquanto isso, os passageiros desfrutavam do luxo do grande dirigível.

17 Edward Carfagno e Frank McKelvy Disponível em . Acesso em: 10 out. 2015. 18 Robert Surtees. Disponível em . Acesso em: 01 out. 2015. 19 Leonard Peterson, John A. Bolger, Jr., John L. Mack e Don Sharpless. Disponível em: . Acesso em: 10 out. 2015.

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Figura 2 - Capa do livro Zeppelin, de Michael Mooney

Fonte: Google Images, 2016

Tinha tudo para ser mais uma das viagens feitas pela Cia. Zeppelin

(Luftschiffbau-Zeppelin GmbH)20 entre Frankfurt, na Alemanha e, Lakehurst, nos Estados Unidos. Nada, até então, havia acontecido com qualquer zeppelin e nenhum passageiro ou tripulante jamais ficara ferido. No entanto, dessa vez um homem decidiu explodir o dirigível como protesto de impacto contra o hitlerismo. O livro e o filme contam a história de uma desesperada caçada para encontrar o sabotador e sua bomba, enquanto o dirigível rumava ao seu destino a 150 km/h. O filme inicia como um documentário ao apresentar cenas da época da

Segunda Grande Guerra (figura 3) com o voice-over21 do narrador comentando os aspectos vividos no período. Esse entremeio de cenas reais com o filme é um esforço de agregar mais realismo à obra. Aos 06’20” no filme, com a legenda mostrando a data de 17 de abril de 1937, a vidente norte-americana Kathie Rauch (Ruth Shudson), moradora da cidade de Milwaukee, no estado de Wisconsin, nos Estados Unidos, envia uma carta para a embaixada alemã em Washington, DC, alegando que o zeppelin Hindenburg, um dos

20 A Luftschiffbau-Zeppelin GmbH é uma empresa alemã que durante o início do século 20, foi uma empresa líder no projeto e construção de dirigíveis, especificamente os da linha Zeppelin, incluindo o famoso Hindenburg. A companhia foi fechada em 1945, após a Segunda Grande Guerra. O grupo líder da fabricante atual dos Zeppelin foi reestabelecido em 1993, e o grupo operacional que efetivamente produz os modelos atuais foi criado em 2001, para produzir o Zeppelin NT. Disponível em: < http://zeppelin-nt.de/en/ >. Acesso em: 12 fev. 2016. 21 Ou som fora-de-campo. BARNIER, Martin. In: GARDIES, René. 2007.

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símbolos do poderio nazista e um verdadeiro hotel voador, iria explodir depois de voar sobre Nova Iorque.

Figura 3 - Cena de uma filmagem do período anterior à II Grande Guerra

Fonte: Filme O Dirigível Hindenburg (1975), de Robert Wise

Aos 07’30” o filme mostra a Luftwaffe, força aérea alemã, convocando o Coronel Franz Ritter (George C. Scott) a embarcar, no dia 03 de maio de 1937, no voo para os Estados Unidos com a intenção de proteger o Hindenburg de mais uma das várias ameaças que foram feitas para derrubar o dirigível, que alguns veem como um símbolo da Alemanha nazista. Um fato curioso é que, aos 25’10” do filme, apesar de uma banda militar tocar o hino nacional alemão durante o início do voo do Hindenburg, nenhum espectador masculino remove o seu chapéu e os militares não saúdam o hino, o que teria sido simplesmente impossível na era nazista. O Cel. Ritter é assistido por um funcionário do governo nazista, o SS/Gestapo

Hauptsturmführer22 Martin Vogel (Roy Thinnes), que se apresenta como fotógrafo oficial. No entanto, ambos operam de forma independente para investigar a fundo todos os passageiros e a tripulação durante a viagem. Cel. Ritter tem razões para suspeitar de todos, até mesmo de sua velha amiga e ex-amante, a condessa Ursula von Rugen (Anne Bancroft), que se opõe veementemente ao regime nazista.

22 Patente da SS (Schutzstaffel) ou ‘Tropa de Proteção’, que foi uma organização paramilitar ligada ao partido nazista e a Adolf Hitler, que tem seu correspondente no Exército Alemão (Wehrmacht) à patente de Capitão (Hauptmann). Disponível em: Universidade Livre de Berlin < http://www.fu-berlin.de/ >. (Tradução livre). Acesso em: 12 fev. 2016.

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Outros suspeitos são os jogadores profissionais de cartas Emilio Pajetta (Burgess Meredith) e o Major Napier (Rene Auberjonois), Edward Douglas (Gig Young), um cidadão germano-americano, executivo de anúncios, bem como vários membros da tripulação e até mesmo os capitães do Hindenburg, Sr. Max Pruss (Charles Durning) e Sr. Ernst Lehmann (Richard A. Dysart). Como o Hindenburg faz o seu caminho para o Lakehurst Air Field, nos Estados Unidos, eventos conspiram contra Ritter e Vogel. Logo, eles desconfiam do tripulante ajustador Karl Boerth (William Atherton), um ex-líder da Juventude Hitlerista, que se tornou desiludido com os nazistas. Vogel tenta prendê-lo. Boerth resiste. Aos 01h19’40” do filme, ele pede a ajuda de Ritter, cujo filho foi morto um ano antes. A namorada de Boerth, Freda Halle (Lisa Pera), foi morta ao tentar escapar da prisão quando o Hindenburg cruzava o Atlântico. Aos 1h 25’10” do filme, Boerth, ao ouvir a notícia da morte de Halle, planeja cometer suicídio, ficando a bordo do dirigível quando a bomba explodir. Ritter, por fim, aos 1h26’24” no filme, concorda com Boerth e juntos definem que a bomba será detonada às 19h30 (hora local), quando o dirigível já deveria ter pousado e os passageiros desembarcados. Durante a criação da bomba (um pequeno explosivo C-4 plástico), aos 1h34’30” no filme, Boerth deixa cair uma faca, que mais tarde, descobriu-se que havia sido roubada do tripulante ajustador23 Ludwig Knorr (Ted Gehring). Então, Vogel começa a trabalhar sem o conhecimento de Ritter, prendendo Boerth e confiscando o passaporte da Condessa. Outra curiosidade nesse ponto do filme, aos 1h32’23”, é que ao sobrevoar Nova York, Hindenburg segue para o lado norte, até o Rio Hudson da extremidade sul de Manhattan. No entanto, deveria ir para o sul, pois a base de Lakehurst, NJ, fica ao sul de Manhattan. Quando a aeronave se aproxima da estação aeronaval de Lakehurst, às 19h, Ritter percebe que o desembarque foi adiado e procura por Boerth para perguntar onde está a bomba. Vogel é surpreendido por Ritter, enquanto torturava Boerth, que inicia uma briga com Ritter e cai inconsciente. Boerth, ainda ferido, diz à Ritter que a bomba está no patch24 de reparação de célula de gás número 4. Ritter tenta desarmar a bomba, mas é incapaz de fazê-lo a tempo, e, é visto nos últimos segundos por um Vogel agora despertado. Aos 1h51’03” no filme, a bomba explode, matando Ritter

23 Membro da tripulação responsável pelos ajustes, cortes, costuras e remendos, nos bolsões de lona de hidrogênio do dirigível. 24 Pedaço de tecido de qualquer tamanho costurado sobre outro tecido.

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instantaneamente e arremessando Vogel (figura 4) pelos ares abaixo da passarela do dirigível. Vogel sobrevive, sendo carregado por tripulantes de terra, enquanto Boerth morre devido às queimaduras sofridas. Neste ponto do filme, aos 1h51’13”, acontece a mudança de cinema color para monocromático, a fim de corresponder com o noticiário de cenas reais do desastre. Passageiros e tripulação lutam para sobreviver ao fogo. A cena do desastre termina, aos 2h00’45” do filme, quando a câmera focaliza uma parte dos destroços, na qual uma faixa de tecido escrita "Hindenburg" sobre ele, queima. No dia seguinte, com o fogo apagado, uma lista de passageiros que morreram ou sobreviveram é descrita brevemente na tela, enquanto os destroços são examinados para os inquéritos aeronáuticos e policiais antes do local do acidente ser limpo.

Figura 4 - Cena da explosão no interior do Hindenburg

Fonte: Filme O Dirigível Hindenburg (1975), de Robert Wise

O filme termina com uma homenagem ao comentário de rádio de Herbert Morrison (Greg Mullavey), com o áudio original aos 2h02’48” na ocasião do acidente, com a cotação memorável, "Oh a humanidade", enquanto o Hindenburg voa mais uma vez, apenas para desaparecer entre as nuvens. Alguns personagens do filme, embora não todos, têm os nomes diferentes de suas contrapartes históricas. Por exemplo, o coronel Franz Ritter (George C. Scott) foi o Coronel Fritz Erdmann na vida real; a Condessa Ursula von Rugen (Anne Bancroft), foi realmente Margaret Mather; Martin Vogel (Roy Thinnes) representa Karl Otto Clemens; Capitão Fellows (Stephen Elliott) baseia-se no comandante de dirigível da marinha dos EUA Charles Rosendahl; Karl Boerth (William Atherton) respondia pelo nome de Eric Spehl na vida real; sua amante, Freda Halle (Lisa Pera) foi Beatrice Friedrich; Senhor e Senhora Reed Channing (Peter Donat e Joanna Moore) foram

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Leonhard e Gertrud Adelt; a família Breslau (Alan Oppenheimer, Katherine Helmond, Jean Rasey, Johnny Lee e Stephen Manley) era na verdade a família Doehner; Dimmler (Rex Holman), enquanto houve um oficial de engenharia por esse nome, é mostrado trabalhando na principal gôndola de controle e provavelmente representa qualquer capitão Albert Sammut ou capitão Anton Wittemann. Capitão Ernst Lehmann, capitão Max Pruss, Joseph Spah, Edward Douglas, Ludwig Knorr, Hugo Eckener e Joseph Goebbels estão entre os que foram chamados pelos seus verdadeiros nomes históricos no filme, exatamente como retratados no livro de Michael Mooney.

1.3.3 Sobreviventes dos Andes (Supervivientes de los Andes, 1976), de René Cardona

O segundo filme de nossa lista de pesquisa é Supervivientes de los Andes (Sobreviventes dos Andes), de René Cardona, lançado em 1976, e é o primeiro filme da saga de películas produzidas para contar o desastre aéreo que vitimou jovens de um time de rúgbi uruguaio. O acidente ocorreu nas Cordilheiras dos Andes, em 1972. Mais adiante mostraremos outros três filmes produzidos acerca do mesmo acidente, mas com vieses diferentes no que se refere à perspectiva e à narrativa.

Esse filme foi produzido em grande parte nos Estúdios Churubusco Azteca25, na Cidade do México, Distrito Federal, México, local de produção de outros grandes filmes, tais como, El Bruto (O Bruto, 1953), de Luis Buñuel; The Magnificent Seven (Sete Homens e Um Destino, 1960), de John Sturges; The Revengers (Marcados pela Vingança, 1972), de Daniel Mann; Dune (Duna, 1984), de David Lynch; Licence to Kill (007 – Permissão para Matar, 1989), de John Glen; Total Recall (O Vingador do Futuro, 1990), de Paul Verhoeven; The Mask of Zorro (A Máscara do Zorro, 1998), de Martin Campbell, dentre tantos outros. A película, que conta a história de 16 jovens sobreviventes de um acidente aéreo, ocorrido em 13 de outubro de 1972, na Cordilheira dos Andes, entre a Argentina e o Chile, e teve outros pontos de locação,

25 Situado em mais de cinco hectares na colônia Country Club, ao sul da Cidade do México, está muito da história do cinema nacional mexicano. Inaugurado em 1945 com a produção do filme La Morena de mi Copla (sem título em português, 1946), de Fernando Rivero, o Churubusco Studios se desenvolveu ao lado do cinema mexicano, incorporando cada vez mais a tecnologia que os mantém como a produção e pós-produção de maior complexidade da América Latina.

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tais como, as encostas das montanhas de Iztaccihuatl26 e de Popocateptl27, em Puebla, México, hoje transformadas em parque nacional. O filme foi lançado em 15 de janeiro de 1976 no México e, em 04 de agosto de 1976 nos EUA (cidade de Nova Iorque). Tem o seu título original em espanhol “Supervivientes de los Andes” e em inglês “Survive!”, e foi baseado no livro homônimo, de 1973, do norte-americano nascido em Lexington, Virginia, Clay Drewry Blair Jr., publicado pela editora Mayflower Books Ltda., da cidade de Frogmore, St Albans, Hertfordshire, Inglaterra. O diretor René Cardona, nascido em Havana, Cuba, em 1905, tem em sua filmografia os créditos como diretor em 145 obras para o cinema e televisão, dentre elas o primeiro filme em língua espanhola feito em Hollywood, Sombras habaneras (Havana Shadows, 1926), También de dolor se canta (1952), La horripilante bestia humana (Night of the Bloody Apes, 1969) e La isla de los hombres solos (Island of Lost Souls, 1974), considerado pela crítica internacional como sendo o seu melhor filme, antes de “Sobreviventes dos Andes”. Possui também os créditos como escritor em 54 obras para o cinema e televisão e outros 9 créditos como produtor em filmes para o cinema e televisão. Toda essa experiência lhe levou à direção do filme Sobreviventes dos Andes (1976). O livro (Figura 5) foi lançado em 1973 e originalmente adaptado para o cinema pelo próprio autor, Clay Blair Jr., e pelo filho do cineasta, René Cardona Jr., também escritor, diretor e produtor de cinema. Os produtores omitiram os nomes dos personagens usando pseudônimos. No entanto, procuramos recompor todos os nomes reais em nossa análise no capítulo 2, adiante, baseado nos livros usados como apoio na pesquisa realizada, dando uma clara ideia das ações e personalidades de cada um dos sobreviventes.

26 É uma montanha vulcão que é a terceira mais alta do México, com quatro picos, sendo o mais alto com a altitude de 5.230 metros. O seu nome é um termo Nahuatl (Língua que pertence à família Uto- Asteca clássica) que significa "mulher branca". 27 É um estrato vulcão ativo. Situado nas fronteiras dos estados de Morelos, Puebla e México, no México Central, situa-se a cerca de 70 km a sudeste da Cidade do México. Seu nome significa "montanha fumarenta" em Nahuatl. É parte do Parque Nacional Izta-Popo Zoquiapan. O seu cume atinge 5426 metros de altitude e é o segundo mais alto do México, a seguir ao Pico de Orizaba.Está ligado ao vulcão Iztaccihuatl por um passo de montanha chamado Paso de Cortés.

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Figura 5 - Capa do livro de Clay Blair Jr.

Fonte: Google Images, 2016

As informações técnicas, contidas no livro e no filme, foram obtidas a partir dos relatórios oficiais do acidente aéreo, extensas entrevistas com as autoridades aeronáuticas, todos os sobreviventes, parentes, amigos e conhecidos, inclusive com as famílias dos que vieram a óbito, e a obra trabalha em uma simbiose entre documentário-ficção, filme de ação e suspense. Os cartazes, abaixo mostrados, de divulgação do lançamento do filme, espelham, na totalidade, a cultura em sociedade dos cartazistas, mostrando o mesmo evento de formas distintas. O primeiro cartaz (Figura 6) é o do lançamento nos EUA e é uma extensão da capa do livro, com o mesmo texto e fontes, com a ênfase na cor vermelha, remetendo ao sangue derramado pelas vítimas do acidente e todo o horror vivenciado por eles. Ao fundo, traz a imagem de um sobrevivente arrastando um corpo na neve remetendo ao sacrifício da prática do canibalismo feito durante o período de sobrevivência.

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Figura 6 - Cartaz do filme nos EUA

Fonte: IMDb, 2016

O segundo cartaz (Figura 7) é o do lançamento no México que mostra de maneira ostensiva os sobreviventes carregando os mortos, em meio à neve, deixando o espectador livre para imaginar o horror do canibalismo como única forma de sobrevivência e traz, de forma instigadora a pergunta ‘O que fizeram esses jovens após o acidente aéreo, foi uma epopeia para a sobrevivência ou um sinistro ato de canibalismo?’ Apesar do cartaz manter a cauda da aeronave próxima dos destroços sabemos, ao assistir o filme, que a mesma se soltou no primeiro impacto da aeronave no solo e que ficou bem longe do restante do avião, e isso nos leva a pensar em direcionamento do público à realidade de um acidente aéreo de grandes proporções.

Figura 7 - Cartaz do filme no México

Fonte: IMDb, 2016

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O terceiro cartaz (Figura 8) diz respeito ao lançamento na Argentina e mostra a dificuldade na jornada de volta para casa e ao fundo a foto da chegada do resgate aos sobreviventes.

Figura 8 - Cartaz do filme na Argentina

Fonte: IMDb, 2016

O quarto cartaz (Figura 9) refere-se ao lançamento na Espanha e mostra um dos sobreviventes e, através das lentes de seus óculos adaptados para a neve, veem- se imagens de fatos vistos e vivenciados ao longo da jornada de sobrevivência, e pergunta-se ao espectador, ‘O que aconteceu, foi um ato heroico de sobrevivência, ou um sinistro ato de canibalismo?’, em clara menção ao antropofagismo tão propagado após o acidente, e de forma sinérgica com o que foi feito no México.

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Figura 9 - Cartaz de lançamento do filme na Espanha

Fonte: IMDb, 2016

1.3.4 Vivos (Alive, 1993), de Frank Marshall

O terceiro filme de nossa pesquisa é Alive (Vivos), de Frank Marshall, lançado em 1993, e é a segunda película produzida para contar o desastre aéreo que vitimou jovens de um time de rúgbi uruguaio, nas Cordilheiras dos Andes, em 1972, da mesma forma que o filme anterior, Sobreviventes dos Andes (1976), de René Cardona. Esse filme foi a primeira coprodução da Paramount Pictures28 e da Touchstone Pictures29 (figura 10), que fizeram mais cinco filmes em parceria na década de 1990. Três destes filmes foram estrelados pelo ator Nicolas Cage, dois estrelados por John Travolta e um deles estrelado por ambos. Os estúdios Disney criaram a Touchstone Pictures em 1984 em resposta às críticas que estavam recebendo da sociedade por estarem produzindo filmes que as famílias conservadoras viam como de conteúdo inapropriado para um filme Disney. Um desses filmes foi Dragonslayer (O Dragão e o Feiticeiro, 1981), que foi coproduzido com a Paramount Pictures.

28 Também conhecida como Paramount Studios ou simplesmente Paramount, e anteriormente conhecido como Corporação de Famosos Players-Lasky é um estúdio de cinema americano, uma empresa de produção televisiva e cinematográfica, além de distribuidor, frequentemente classificada como uma das "Big Six" dos estúdios de cinema de Hollywood. É uma subsidiária do conglomerado de mídia Viacom. A Paramount é o quinto estúdio de filmes mais antigo no mundo, e o estúdio de produção mais antigo da América, fundada em 1912. (Tradução livre). Disponível em: < http://www.paramount.com/ >. Acesso em: 20 abr. 2016. 29 É uma empresa de filmes subsidiária da The Walt Disney Company, surgida no ano de 1983. Foi criada especialmente com o objetivo de fazer filmes com assuntos mais maduros para o público jovem- adulto, já que a Walt Disney Pictures serviria apenas para o público infanto-juvenil. Seu primeiro filme para adultos foi Splash, uma Sereia em Minha Vida (1984), estreando a então nova divisão. (Tradução livre). Disponível em: < https://thewaltdisneycompany.com/ >. Acesso em: 20 abr. 2016.

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Figura 10 - Cartaz do filme Alive (1993)

Fonte: Google Images, 2016

O filme foi produzido em sua maioria no North Shore Studios30, em North Vancouver, no distrito de British Columbia, Canadá, célebre por ter produzido 118 dos 208 episódios da série The X-Files (Arquivos X, 1993-2002), de Chris Carter, além do filme The X-Files: I Want to Believe (Arquivo X: Eu quero acreditar, 2008), de Chris Carter. A principal locação do filme foi na região de esqui de Panorama, nas montanhas Canadian Rockies31, no oeste do Canadá, no Parque Nacional Banff, que tem o Lago Windermere ao centro e na extremidade leste do lago as montanhas Purcel. Esta região fica a oeste das cidades de Calgary e Banff, e a nordeste da cidade de Vancouver, já no distrito de British Columbia (Figura 11). Era usada uma frota de cinco helicópteros para levar todos os 150 atores e membros da equipe técnica ao local das filmagens toda manhã. Ao lado, o cartaz de lançamento do filme nos EUA, relembrando o espectador da longa jornada de volta para casa e a alegria do resgate dos sobreviventes.

30 É uma empresa de cinema localizado na cidade de North Vancouver, Canadá. Foi adquirida pela Bosa Developments em 2006, e era anteriormente parte da Lions Gate Entertainment e foi então conhecido como Lionsgate Studios. (Tradução livre). Disponível em: < http://nsstudios.ca/gallery/ >. Acesso em: 5 abr. 2016. 31 É um sistema de múltiplas cordilheiras que percorre as Pradarias Canadianas até à Costa Ocidental do Canadá. As Montanhas Rochosas Canadianas ficam entre as Planícies Interiores de Alberta e do nordeste da Colúmbia Britânica. O extremo sul faz fronteira com os estados de Idaho e Montana, nos Estados Unidos. A cordilheira é composta por xisto fino e calcário. Grande parte da área da cordilheira encontra-se em áreas protegidas e parques nacionais e provinciais, alguns dos quais listados pela UNESCO como património da humanidade. (Tradução livre). Disponível em: < http://en.unesco.org/ >. Acesso em: 5 abr. 2016.

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Figura 11 - Canadian Rockies, Parque Nacional Banff, Canadá

Fonte: Google Images, 2016

O diretor Frank Wilton Marshall (1946- ), nascido e criado em Los Angeles, Califórnia, EUA., é também conhecido pelo seu trabalho em Raiders of the Lost Ark (Caçadores da Arca Perdida, 1981); Back to the Future (De volta para o Futuro, 1985), e The Sixth Sense (O Sexto Sentido, 1999), além de 113 créditos como produtor de filmes como Poltergeist (1982), Indiana Jones and the Temple of Doom (Indiana Jones e o Templo da Perdição, 1984), Gremlins (1984), The Goonies (1985), Who Framed Roger Rabbit (Uma cilada para Roger Rabbit, 1988), Indiana Jones and the Last Crusade (Indiana Jones e a Última Cruzada, 1989), 98 episódios do desenho animado de comédia americana Tiny Toon Adventures (1990-1994), dentre muitos outros. Alguns já perguntaram por que levaram tanto tempo para produzir esse filme baseado no mesmo acidente, anteriormente relatado no filme “Sobreviventes dos Andes”, embora o script dessa história estivesse circulando por Hollywood desde 1981. Não encontramos referência a essas questões, mas o assunto canibalismo e a adaptação mexicana bem-sucedida do livro Survive! (1976) foram dois dos fatores importantes que mantiveram esse roteiro longe dos grandes estúdios e fora das telas até 1993. A sequência da queda da aeronave levou nove dias para ser filmada. A maioria do elenco teve que tomar pílulas para enjoo, pois o cenário foi montado em um grande eixo cardam32 e os atores foram agitados por um longo período. O sobrevivente

32 Composto de dois eixos tubulares: um primário, centrado à fonte motriz, e outro secundário, centrado ao eixo de tração. As suas extremidades contam com articulações denominadas juntas móveis universais, que podem possuir rolamentos, mangas de ligação, grampos ou anéis de pressão e guarda-

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Fernando Parrado foi um consultor técnico para esse filme. As declarações de abertura e fechamento do filme, encenadas por John Malkovich na versão norte- americana, são protagonizadas pelo sobrevivente Carlitos Paez mais velho, na versão em espanhol, e foram escritas por ele mesmo. O filme foi baseado no livro Alive: The story of the Andes survivors (1973), do escritor inglês Piers Paul Read (1941), traduzido para o português por Flávio Pinto Vieira, e tem o título em português “Os Sobreviventes: a tragédia dos Andes” (Figura 12). Muitas das perguntas que ficam no ar, sem respostas, por quem assiste ao filme, são respondidas pelo livro, afinal, é desafiador colocar o acidente e mais 72 dias de sofrimento dos sobreviventes na cordilheira dos Andes, em pouco menos de 02 horas de filme, sem perder a concentração do espectador. Dessa forma, esse livro complementa a obra, sem deixar respostas em aberto. Esse filme será analisado ao longo do capítulo 3 e será objeto de comparação para a assertiva de estrutura e narrativa similares entre os filmes catástrofes com acidentes reais desse projeto.

Figura 12 - Capa do livro Os sobreviventes, de Piers Read

Fonte: Google Images, 2016

pós para acompanhar o movimento unilateral dos mesmos. Foi usado para girar o cenário e fazer com que os atores fossem agitados de um lado para o outro, de maneira violenta dando mais realismo à cena.

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1.3.5 Whisky Romeu Zulu (2004), de Enrique Piñeyro

A quarta produção cinematográfica que integra a lista de nossa pesquisa é o filme argentino Whisky Romeu Zulu, de Enrique Piñeyro, lançado em 2004. O filme conta a história anterior ao acidente com o Boeing 737-204C, voo 3142, cujo prefixo da aeronave era LV-WRZ, da LAPA Líneas Aéreas Privadas Argentinas, em 31 de agosto de 1999. O acidente ocorreu após a aeronave bater em um aterro no centro de Buenos Aires, após a decolagem do aeroporto, matando 67 pessoas. Dirigido e realizado por um ex-piloto da mesma empresa, este filme revela uma complexa teia de cumplicidade entre a Força Aérea Argentina e a empresa para burlar os controles de segurança, a fim de obter maior benefício econômico nas operações. A companhia aérea foi criada em 1977, e declarou falência em 2003. O cartaz do filme (Figura 13) remete a uma época nublada, ambiente que era experimentado na empresa, por conta dos fatos reprováveis que eram feitos às escondidas. O referido acidente, ocorreu durante a decolagem da aeronave do aeroporto Aeroparque Jorge Newbery, Buenos Aires, em um voo doméstico, com destino à cidade de Córdoba, também na Argentina. Dos 95 passageiros e 05 tripulantes, faleceram 60 passageiros e 03 tripulantes; 31 passageiros ficaram leve ou gravemente feridos e 04 passageiros e 02 tripulantes não sofreram nenhum ferimento. O nome do filme refere-se ao registro da aeronave acidentada LV-WRZ, que no alfabeto fonético aeronáutico é lido como "Whisky Romeo Zulu" para as últimas três letras do prefixo citado.

Figura 13 Cartaz original do filme Whisky Romeu Zulu

Fonte: Filmow, 2016

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O diretor, ator e produtor de cinema Enrique Piñeyro33, nasceu em Génova, Itália, em 9 de dezembro de 1956. Ele é também médico aeronauta, ativista, piloto comercial de linha aérea. Em particular foi comandante da LAPA (Líneas Aéreas Privadas Argentinas) e investigador de acidentes aéreos. Dirigiu os filmes Whisky Romeo Zulu (2004), Fuerza Aérea Sociedad Anónima (Força Aérea Sociedade Anônima, 2006), Bye Bye Life (Bye Bye Vida, 2008) e Eine Polizei Horror Show (El Rati Horror Show, 2010). As filmagens aconteceram nas cidades de Buenos Aires e San Isidro, e foram produzidas por Verónica Cura, com direção e atuação de Enrique Piñeyro e contaram com os trabalhos técnicos das empresas Aqua Films SLR34 e Terra Vermelha

Filmes35. O diretor declarou, na época do lançamento, que produziu grande parte do filme fora do país, usando a clandestinidade, pelo fato de estar usando a obra para denunciar os desmandos na cúpula do governo argentino, mas sem informar exatamente onde efetuou todas as cenas. O filme começa com um promotor de justiça ouvindo a gravação da caixa preta36 do voo LAPA 3142 antes de receber alguém (visão em primeira pessoa). Esta

33 Piñeyro entrou na empresa LAPA em 1988. Como um representante da Associação pilotos participou da investigação sobre o acidente do voo 2553 da Cia. Austral em 1997, que ocorreu em Fray Bentos, no Uruguai. Pediu demissão da LAPA em 1999. Em sua passagem pela companhia aérea denunciou o estado operacional ruim da mesma e suas aeronaves, que vinham sofrendo graves deficiências e irregularidades. Em 31 de agosto de 1999, no voo LAPA 3142, 65 pessoas morreram. 34 Produtora de propriedade de Enrique Piñyero, situada em Buenos Aires, Argentina e que tem em seu portfólio, serviços de produção, locações ecasting, facilitando a produção audiovisual de diretores e produtores que desejam filmar na Argentina e América do Sul. (Tradução livre). Disponível em: . Acesso em 10 jul. 2016. 35 Fundada em 2001, a Terra Vermelha Filmes cruzou a América Latina em produções para as principais redes internacionais de televisão e filme, além de para diversas produtoras independentes. Ao longo deste tempo, a empresa foi creditada em mais de 100 produções, desde video-clips e comerciais, até reality shows, documentários e filmes, dentre eles o longa-metragem “Sérgio”, indicado ao Oscar em 2010. Disponível em: . Acesso em 10 mar. 2016. 36 Ou caixa-preta é o nome popular de um sistema de registro de voz e dados existente nos aviões (e mais recentemente nas locomotivas dos Estados Unidos e Europa). O som ambiente das cabinas de comando e do sistema de áudio são gravados pelo "Gravador de Voz", ou CVR (de Cockpit Voice Recorder), e os dados de performance como velocidade, aceleração, altitude e ajustes de potência, entre tantos outros, é gravado em outro equipamento conhecido como "Gravador de Dados", ou FDR (de Flight Data Recorder). São, portanto, dois equipamentos distintos e independentes, mas ambos com uma inscrição eletrônica de tempo, que é fundamental para colimar ou superpor os eventos de voz com os eventos de performance. São colocadas normalmente na cauda do avião e feitas de materiais muito resistentes, como aço inoxidável e titânio. A caixa-preta é um instrumento de uso obrigatório e universal, e as autoridades aeronáuticas são unânimes quanto a sua utilidade e valor. (Tradução livre). Disponível em: < https://web.archive.org/web/20111002235729/http://jeremy.110mb.com/blackbox.htm >. Acesso em 10 mar. 2016.

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pessoa lhe pergunta ‘Está pronto?’, e logo em seguida vemos a cena do início de um voo da Lapa, pouco antes de iniciar sua corrida de decolagem. Enrique Piñeyro, seu nome nunca é revelado no filme, faz seu primeiro voo como comandante na companhia LAPA, sem saber que o extintor de incêndio da aeronave não foi recarregado pela equipe de manutenção. Suas várias experiências em voo, como revelar aos passageiros os problemas de comunicação da empresa, expondo ao ridículo o pessoal do Comando de Regiones Aéreas37, o farão ser repreendido por seus superiores, que o forçam a "vestir a camisa" pela empresa em expansão. A situação se agrava ele é informado da promoção, de piloto para Comandante, de um colega de profissão com sérias deficiências quanto à formação profissional. É quando percebe vários alarmes falsos nas aeronaves em que voa. Enrique decide escrever uma carta, alertando os diretores da LAPA de que, sob o regime atual de operações, um acidente de avião inevitavelmente poderá ocorrer. Há uma mudança na gestão da companhia. Para atuar como nova Gerente de Relações Exteriores, reaparece uma antiga amiga de escola de Enrique. O Diretor de Operações pede para ele se retrate acerca das cartas que havia escrito. Enrique se recusa a fazer isso e chega ao ponto de não voar em nenhuma aeronave da empresa que não esteja em conformidade com os regulamentos de manutenção. Por isso, ele é suspenso como Comandante. Aparentemente por falta de ética em relação às normas da empresa, e, por isso, decide pedir demissão. O filme também mostra o promotor de justiça e seu assistente, que são ameaçados por pessoas desconhecidas durante a investigação do acidente. Além disso, a história principal está entrelaçada com o relacionamento conturbado do protagonista com sua amiga de infância, que não aceita seus alertas de que as violações dos regulamentos tornam os erros de pilotagem mais perigosos. No final, vários fragmentos de notícias de jornais mostram as consequências do acidente, tais como penalizações contra a diretoria da Lapa e do comando da Força Aérea Argentina. O filme é produzido, desde o começo, com entremeios de imagens do

37 Antigo órgão de Controle do Tráfego Aéreo, da Argentina, substituído em 2009, no governo de Cristina Kirchner, pela Administración Nacional de Aviación Civil (ANAC) administra os Serviços de Navegação Aérea, otimizando níveis de Segurança Operacional, no espaço aéreo, aeroportos e aeródromos de todo o País; regulamentando, fiscalizando, controlando e administrando a atividade Aeronáutica. (Tradução livre). Disponível em: < http://www.anac.gov.ar/anac/web/#&panel1-1>. Acesso em: 12 abr. 2016.

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passado e do presente e o espectador é envolvido de forma muito inteligente nessa intrincada trama durante todo a estória.

1.3.6 Voo United 93 (United 93, 2006), de Paul Greengrass

O filme Voo United 93, de 2006, é classificado comercialmente como um drama e foi escrito, coproduzido e dirigido por Paul Greengrass. Narra acontecimentos a bordo do voo 93 da United Airlines, que foi um dos voos sequestrados durante os ataques de 11 de setembro de 2001, em Nova Iorque, EUA. O filme tenta contar com o máximo de veracidade possível, inclusive, há um aviso de que alguma imaginação teve de ser utilizada, em relação ao tempo real, de decolagem do voo, que veio a ser conhecido nos Estados Unidos como um momento crítico. De acordo com os cineastas, o filme foi feito com a colaboração de todas as famílias dos passageiros. O cartaz do filme (Figura 14) mostra o segundo avião, o voo 175 da United Airlines, seguindo para a Torre Sul do World Trace Center, enquanto vemos a Torre Norte em chamas devido à colisão do primeiro avião, o voo 11 da American Airlines. Percebe- se o simbolismo no cartaz pela visão de parte da coroa da Estátua da Liberdade (Statue of Liberty) escurecida, dando a ideia de que alguém estava atentando contra essa liberdade nesse exato momento.

Figura 14 - Cartaz original do filme Voo United 93

Fonte: Universal Pictures, 2016

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O filme estreou em 26 de abril de 2006, no Festival de Cinema de TriBeCa38, em Nova Iorque, um festival fundado para celebrar a cidade como um grande centro de produção cinematográfica e de contribuir para a recuperação, a longo prazo, da Baixa Manhattan. Vários familiares dos passageiros a bordo do voo assistiram à estreia do filme para mostrar seu apoio. A obra foi lançada na América do Norte em 28 de abril de 2006. A aclamação da crítica foi unânime. Dez por cento da receita bruta do fim de semana de abertura de três dias foi doado para criar um memorial39 para as vítimas do voo 93 (Figura 15). O filme Voo United 93 arrecadou US$ 31,4 milhões nos Estados Unidos, e US$ 76,3 milhões no mundo inteiro.

Figura 15 - Foto panorâmica do United 93 Flight Memorial

Fonte: www.nps.gov, 2016

38 Ou Tribeca Film Festival é uma das plataformas de entretenimento mais importantes do mundo, abrangendo estreias de filmes, eventos livres da comunidade artística, indústria de programas e hotelaria, oportunidades para VIPs, e uma grande variedade de concertos de grande escala e eventos. Com centenas de milhares de participantes por ano e bilhões de impressões de mídia, o festival tornou- se um destino para as marcas para alcançar objetivos de marketing do consumidor que apenas uma plataforma de entretenimento baseada em Nova Iorque pode oferecer. TriBeCa é um bairro no centro de Manhattan, Nova Iorque, EUA. O nome é uma abreviatura de "Triangle Below Canal Street" (ou Triângulo Abaixo da Rua do Canal). Vai aproximadamente da Rua do Canal, no sul de Manhattan à Park Place, e do leste do rio Hudson até a Broadway. TriBeCa, outrora um distrito industrial dominado por armazéns, sofreu uma grande revitalização. Os galpões foram convertidos em lofts e novos negócios surgiram, mudando totalmente o perfil urbano da área. TriBeCa é, atualmente um dos bairros mais nobres e mais caros de Nova Iorque, (Tradução livre). Disponível em: . Acesso em: 5 jul. 2016. 39 “Um campo comum um dia. Um campo de honra para sempre”. Lema no qual foi erguido o memorial para lembrar as vítimas do voo United 93. Numa terça-feira de manhã, 11 de setembro de 2001, os EUA foram atacados quando quatro aviões comerciais foram sequestrados e usados para atingir alvos no solo. Cerca de 3.000 pessoas tragicamente perderam suas vidas. Por causa das ações dos 40 passageiros e tripulantes a bordo de um dos aviões, o voo United 93, o ataque ao Capitólio dos EUA foi frustrado. (Tradução livre). Disponível em: Acesso em: 8 jul. 2016.

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Paul Greengrass, nascido em 13 de agosto de 1955, em Cheam, Surrey, Inglaterra, é um diretor, produtor e roteirista de cinema, além de já ter sido jornalista. Ele é especialista em dramatizações de eventos da vida real e é conhecido por seu uso ostensivo de câmeras de mão. Seu filme mais antigo Bloody Sunday (2002) ganhou o Urso de Ouro no 52º Festival Internacional de Berlim. Outros filmes dirigidos por ele incluem três da série de ação/suspense Bourne: A Supremacia Bourne (The Bourne Supremacy, 2004), O Ultimato Bourne (The Bourne Ultimatum, 2007) e o mais novo filme da série, Jason Bourne (2016). No filme Voo United 93 (United 93, 2006) conquistou o Prêmio BAFTA40 de Melhor Diretor, e recebeu a indicação para o Oscar de Melhor Diretor. Também tem em sua filmografia as obras Zona Verde (Green Zone, 2010) e Capitão Phillips (Captain Phillips, 2013). Em 2007, Greengrass foi um dos fundadores da UK Directors41, uma organização profissional de cineastas britânicos, e foi seu presidente até 2014. As filmagens de Voo United 93 ocorreram no período de outubro a dezembro de 2005, em um Boeing 757, de 1985, anteriormente operado pela empresa MyTravel Airways, nos estúdios Pinewood, perto de Londres. O cockpit foi construído pela empresa Flightdeck42. O local foi escolhido tanto pelos seus incentivos financeiros, quanto para proteger os atores muçulmanos do tratamento indesejado do público que poderiam vir a receber nos EUA. A ação foi filmada com câmeras de mão, escolhidos por sua versatilidade nos sets de espaço reduzido e para criar um senso de imediatismo. As sequências exteriores ao aeroporto foram filmadas em locações no

Aeroporto Internacional Newark Liberty43, enquanto as sequências interiores foram

40 British Academy of Film and Television Arts (ou Academia Britânica de Artes do Cinema e Televisão) é a academia britânica responsável pela premiação anual à excelência de trabalhos realizados no cinema, televisão, videogames e em outros meios audiovisuais. (Tradução livre). Disponível em: . Acesso em: 11 jul. 2016. 41 É uma associação profissional dos diretores que trabalham com a imagem em movimento no Reino Unido, com quase 6.000 membros. O Cinema e a TV fazem parte da grande história de sucesso britânica, e os diretores são fundamentais para esse sucesso. Ela existe para garantir que a importância de seu trabalho seja reconhecida, e para dar aos diretores uma voz poderosa e unida no campo da indústria cinematográfica. (Tradução livre). Disponível em: . Acesso em: 11 jul. 2016. 42 Empresa de tecnologia, foi criada para atender as exigências globais de custo eficaz para produtos de simulação de voo. Durante a última década a empresa tem sido vista no mercado como sendo o verdadeiro "e único" fornecedor de hardware para uma ampla variedade de clientes. Com sede em Ontário, Canadá, produz e entrega os mais variados simuladores de voo de última geração para o mundo todo. 43 Inaugurado em 1928, o Aeroporto Int’l Newark Liberty é um dos três aeroportos que servem a cidade de Nova Iorque, nos Estados Unidos. Foi o primeiro dos três a ser construído. Fica nos limites da cidade de Newark e de Elizabeth, no estado de Nova Jérsei/EUA. (Tradução livre). Disponível em: Acesso em: 5 jul. 2016.

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filmadas na Inglaterra, em Londres, no Aeroporto Stansted44. Algumas cenas também foram filmadas em Washington/DC e Boston, nos EUA. Além disso, uma sequência de abertura, configurando o Afeganistão foi filmada em Marrocos, mas foi cortada do filme antes do lançamento. Quanto ao filme, na manhã de 11 de setembro de 2001, quatro terroristas da Al-Qaeda, Ziad Jarrah (Khalid Abdalla), Saeed Al-Ghamdi (Sarmed Al-Samarrai), Ahmed Al-Nami (Jamie Harding), e Ahmed Al-Haznawi (Omar Berdouni) oram em seus quartos de hotel em Nova York antes de seu próximo ataque suicida a bordo do voo United Airlines 9345. O quarteto chega ao Aeroporto Internacional Newark-Liberty, passa pela segurança de bagagem e passageiros, sem incidentes e, espera no portão de embarque com suas futuras vítimas, incluindo Tom Burnett (Christian Clemenson), Todd Beamer (David Alan Bascher), Jeremy Glick (Peter Hermamm) e a senhorita Honor Elizabeth Wainio (Chloe Sirene). O passageiro Mark Bingham (Cheyenne Jackson) chega correndo, atrasado, para embarcar no fatídico voo. Aos 09’56” do filme, após 40 minutos de espera no chão devido ao tráfego aéreo, o avião decola com destino a San Francisco, com todos os 40 passageiros e os quatro terroristas a bordo.

Enquanto isso, o recém-promovido Gerente de Operações Nacionais do FAA46, Ben Sliney (interpretado por ele mesmo) está em uma reunião quando é informado que o voo 11 da American Airlines, de Boston para Los Angeles, havia sido sequestrado depois que Mohamed Atta é ouvido no rádio, dizendo: "Nós temos alguns aviões". Minutos depois, aos 12’17” do filme, a primeira aeronave se choca contra a Torre Norte do World Trade Center. Para o horror de Ben e sua equipe, eles notam que um segundo voo, o 175 da United Airlines, também de Boston para Los Angeles, havia sido sequestrado. Depois de os controladores de tráfego aéreo de Nova York tentarem contatar a aeronave, o avião é visto ao vivo na CNN, entrando na Torre Sul do World Trade Center como relatado naquele dia. Ben e sua equipe percebem que

44 Localiza-se em Stansted, uma pequena cidade da Grande Londres, no Reino Unido. É o terceiro maior aeroporto de Londres em termos de passageiros, atrás do aeroporto de Heathrow e aeroporto de Gatwick, sendo também o terceiro maior do país. (Tradução livre). Disponível em: . Acesso em: 11 jul. 2016. 45 Todos os nomes dos personagens foram mantidos conforme a lista de passageiros e tripulantes do voo. 46 A Administração Federal de Aviação (em inglês: Federal Aviation Administration - FAA) é a entidade governamental dos Estados Unidos, responsável pelos regulamentos e todos os aspectos da aviação civil nos EUA. (Tradução livre). Disponível em: . Acesso em: 5 jul. 2016.

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estão lidando com vários sequestros e ordena os militares para observarem o voo 77, da American Airlines, que é dado como desaparecido e presume-se que também fora sequestrado. Quando o voo United 93 atinge a altitude de cruzeiro de 35.000 pés, um impaciente Ahmed al-Nami quer saber de Jarrah por que eles ainda não estão sequestrando o avião, mas Jarrah insiste que ainda não é o tempo certo. Depois que Al-Haznawi retorna do banheiro, vestindo uma bomba artificial em torno de seu torso, Al-Ghamdi faz o primeiro movimento e, aos 23’30”, agarra a aeromoça Deborah Welsh (Polly Adams) com uma faca. Depois que um passageiro é esfaqueado e a "bomba" é revelada, um pânico em massa se espalha entre os passageiros. Então, Al-Nami e Al-Haznawi, aos 35’20”, forçam os passageiros da primeira classe a irem para a parte traseira do avião. Enquanto isso, Jarrah e Al-Ghamdi ameaçam Deborah e exigem serem levados até a cabine. Apesar de os sequestradores afirmarem que ninguém vai se machucar, ambos os pilotos e a aeromoça são esfaqueados até a morte, permitindo que Jarrah assuma o controle da aeronave como piloto. De volta à terra, aos 36’47”, Ben Sliney, debate sobre o que fazer em relação ao desastre em curso, e ainda está em estado de choque, quando o voo 77 da American Airlines cai no Pentágono. Imediatamente trata de tomar a decisão de que todas as aeronaves devem aterrissar e os aviões não estão autorizados a entrar ou sair do espaço aéreo dos EUA até novo aviso prévio. Então, a bordo do United 93, Jarrah vira o avião, aos 42’37”, fazendo alguns passageiros assustados acreditarem que estão indo para um aeroporto. No entanto, eles estão, de fato, a caminho de Washington, DC. A aeromoça Sandra Bradshaw (Trish Gates) vê os corpos de Debbie e dos pilotos. Nesse momento, Jarrah voa com a aeronave a baixa altitude. Os passageiros são alertados, a partir dos 46’00”, pelos familiares, por meio dos smartphones pessoais e airphones47 do avião, acerca dos ataques anteriores ao World Trade Center e ao Pentágono por aviões sequestrados. Aos 49’30”, eles concluem que o avião em que estão, também será usado como um míssil e organizam uma revolta contra os sequestradores, tendo o auxílio do passageiro Donald Freeman Greene (David Rasche), que tinha experiência de voo.

47 Telefones disponíveis nas poltronas de algumas aeronaves, mais comum na América do Norte, Europa e Asia, que usam o sinal via satélite para efetuar as chamadas. O serviço é cobrado por minuto.

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Ao longo do filme, as cenas rodadas são intercaladas com as cenas reais do dia dos atentados. Com isso, a obra recupera o clima de suspense do dia da ocorrência dos fatos. Esse entremeio é recheado por emoção e angústia e faz com que o espectador viva junto com os personagens o desenrolar da trama. Uma das cenas mais intensa é a que a jovem Srta. Honor Wainio liga para a mãe para se despedir, aos 58’43”, informando que o avião havia sido sequestrado e não sabia o que poderia acontecer a partir dali. O som da televisão ligada ao fundo da sala de sua casa, onde sua mãe estava, e a música dando o ritmo e a emoção ao filme, levam o espectador ao clímax de tensão e angústia. Enquanto falam ao telefone, conversam acerca do amor existente entre elas, e afirmam o quanto é bela a vida que possuem. Porém, a jovem Wainio sabe, e diz, que não voltará mais para casa. Após os passageiros se armarem, rezarem e fazerem suas chamadas telefônicas finais aos entes queridos, o grupo, aos 01h25’00”, corre para a frente, começando o seu contra-ataque, usando o carrinho de serviço de bordo como escudo de proteção (Figura 16). Nesse ponto, Al-Haznawi é dominado pelos passageiros. Ele é morto por Mark Bingham, que esmaga o crânio do sequestrador com um extintor de incêndio. Vendo isso, Al-Nami alerta Jarrah e Al-Ghamdi na cabine de comando, da ação em curso e, Jarrah sacode o avião violentamente para tentar derrubar os passageiros, enquanto Al-Nami tenta retardar os passageiros que avançam usando o carrinho de comida, spray de pimenta e extintor de incêndio.

Figura 16 - Cena do início da resistência dos passageiros contra os terroristas

Fonte: Filme Voo United 93 (2006), de Paul Greengrass

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Apesar de suas vãs tentativas para atrasar os passageiros, ele também é dominado e morto depois de ter seu pescoço quebrado por Jeremy Glick. Vendo os passageiros se aproximando, Al-Ghamdi dá ordens para Jarrah derrubar o avião, sabendo que eles nunca atingirão o alvo pretendido. Os passageiros, em seguida, quebram a porta da cabine com o carrinho de comida, para finalmente, conseguirem entrar e batalhar com ambos os sequestradores sobre os controles da aeronave. Como os passageiros e sequestradores lutam pelo controle dos manches, o avião cai em queda livre e, em um voo de cabeça para baixo, bate em um campo em Shanksville, Pensilvânia, matando todos a bordo (Figura 17). Essa última cena de luta dentro da cabine de comando da aeronave é primorosa e recheada de tensão e de uma sonoridade envolvente e perturbadora. A técnica de usar as câmeras de mão é inteligente e garante a constante dinâmica das cenas.

Figura 17 - Cena de segundos antes da queda da aeronave

Fonte: Filme Voo United 93 (2006), de Paul Greengrass

O clima que se segue dentro do Centro de Controle de Área, de Cleveland, que monitorava os voos na ocasião fica pesado e cheio de expectativa pelo que está por vir. Até a confirmação da queda da aeronave, a sequência de cenas é envolvente e não deixa dúvidas quanto à especialidade de Paul Greengrass na dramatização de eventos da vida real para as telas.

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1.3.7 Stranded: I’ve come from a plane that crashed on the mountains (A Sociedade da Neve, 2007), de Gonzalo Arijón

O sexto filme de nossa lista também é o terceiro filme concernente ao acidente aéreo que vitimou os jovens uruguaios na cordilheira dos Andes, em outubro de 1972. Trata-se de Stranded: I’ve Come from a Plane that Crashed on the Mountains

(Sociedade da Neve), produzido por Alea Docs & Films48 e lançado mundialmente para o cinema em 2007. O diretor Gonzalo Arijón nasceu em Montevidéu, Uruguai, em 1956, mas viveu na França desde 1979. Ao longo dos últimos 15 anos, ele dirigiu vários documentários, técnica da qual é especialista. Entre suas produções, estão: Lula’s Brazil: Managing a Dream (Lula, a propósito da esperança, 2005), Far, very far from Rome... (Longe, muito longe de Roma..., 2004), The “dark side” of Milosevic49 (sem título em português, 2002), Rio de Janeiro: a vertical war (Rio de Janeiro: a guerra vertical, 1999), Por esos ojos (Por esses olhos, 1998) que ganhou inúmeros prêmios em festivais internacionais, e dez episódios para a série da BBC, Each day for Sarajevo. Chronical of a street under siege50 (sem título em português, 1994). Arijón é um amigo de infância de muitos dos jovens sobreviventes da tragédia. É um dos contos de sobrevivência mais surpreendentes e inspiradores de todos os tempos. Como já dito antes, em 13 de outubro de 1972, um time de rúgbi jovem de Montevidéu, Uruguai, embarcou em um avião para um jogo no Chile e, a pouco mais de meia hora da chegada no destino, desapareceu no ar. Dois dias antes do Natal, 16 dos 45 passageiros milagrosamente reapareceram. Eles haviam conseguido sobreviver durante 72 dias após o seu avião cair em uma geleira andina remota. Trinta e cinco anos depois, os sobreviventes retornam ao local do acidente conhecido como o Vale das Lágrimas, para contar a sua história angustiante de uma resistência desafiadora e amizade indestrutível. Documentado em 1973 pelo best-seller mundial Survive! The most shocking episode in the history of human survival, (1973) de Clay Blair Jr., é transformado em filme na obra Superviviente de los Andes (Sobreviventes

48 Fundada em 1994 por Daniel Hernandez e Pablo Usón, tem a sua sede em Barcelona, Espanha. A empresa produziu e dirigiu mais de 50 documentários e filmes de ficção para televisão, cinema e internet. (Tradução livre). Disponível em: . Acesso em: 5 jul. 2016. 49 O “lado negro” de Milosevic (Tradução livre). 50 A cada dia para Sarajevo. Crônica de uma rua sitiada (Tradução livre).

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dos Andes, 1976), de René Cardona e depois documentado pelo best-seller Alive: The Story of the Andes Survivors (Os Sobreviventes: a tragédia dos Andes, 1973), de Piers Paul Read. Por fim, é transformado em filme na obra Alive (Vivos, 1993), de Frank Marshall, quando esta história verdadeira e chocante finalmente recebe o tratamento cinematográfico documentário-ficcional. O filme, baseado no livro A Sociedade da Neve: Os Dezesseis Sobreviventes da Tragédia dos Andes Contam Toda a História Pela Primeira Vez (2007), de Pablo Vierci, é visualmente deslumbrante, e foi trabalhada com detalhes de maneira fascinante pelo documentarista, e também amigo de infância dos sobreviventes, Gonzalo Arijón. Com uma combinação muito bem feita de entrevistas no local, imagens de arquivo e reconstituições, o filme é por vezes assustadoramente poderoso e espiritualmente envolvente. O cartaz abaixo (Figura 18) mostra a foto original tirada do primeiro helicóptero que chegou ao local do resgate dos sobreviventes.

Figura 18 - Cartaz original do filme Stranded

Fonte: Zeistgeist Films, 2016

O diretor Gonzalo Arijón esperou pacientemente por mais de 30 anos para fazer este filme. Ele sabia que o tempo tem poderes curativos. "A ideia do filme é mostrar o que eles sentiram durante a sobrevivência, em seguida ao resgate, e o que sentem agora", disse Arijón51. Para fazer isso, conseguiu o feito inédito de convencer todos os 16 sobreviventes a trabalharem no filme. Cada um deles deu a Arijón 24 horas de

51 Disponível em: . Acesso em: 8 jul. 2016. (Tradução livre)

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seu tempo. Durante este período, eles conversaram, comeram, brincaram e meditaram, cara a cara com a câmera. O diretor buscava retirar dos sobreviventes o significado mais profundo do que tinha acontecido com eles: por que isso aconteceu? Porque eu? Quem decide sobre quem sobrevive e quem não? Talvez pelo fato de Arijón ter se permitido o transcorrer do tempo, foi capaz de aprofundar o mistério do que aconteceu "lá em cima". Ele também trabalhou com os filhos e filhas de alguns dos sobreviventes, pois eles poderiam ajudar a dar algum sentido aos 72 dias que se passaram até que seus pais fossem resgatados. Lala Canessa, filha de Roberto, trabalhou no filme no departamento de arte. Hilário Canessa e Gustavo Zerbino, atuaram nas cenas de alguns dos jovens envolvidos, e com muitos dos sobreviventes presentes em diferentes momentos durante a filmagem. “Todos, muitas vezes, sentiram que este não era um filme, mas algo totalmente real” declarou Arjón na entrevista de lançamento do filme. Vale a pena mencionar o trabalho de César Charlone52, diretor de fotografia, que foi crucial para "materializar o indescritível", como as sequências em que alguns dos pontos altos do calvário dos sobreviventes foram recriadas com uma qualidade de sonho.

Em 12 de outubro de 1972, um avião Fairchild FH-227,53 da Força Aérea Uruguaia, deixou Montevidéu em direção à Santiago, no Chile. O avião foi fretado pelos "Old Christians Boys Club"54, uma equipe de jovens jogadores de rúgbi de Carrasco, um subúrbio elegante de Montevidéu. Os atletas estavam planejando jogar um amistoso no Chile e. acompanhados por alguns pais e amigos, pretendiam passar um fim de semana agradável nas margens do Pacífico. O mau tempo obrigou o avião a pousar em Mendoza, uma pequena cidade nas encostas argentinas dos Andes. Em 13 de outubro, uma sexta-feira, o avião decolou mais uma vez. Às 15h30 o piloto transmitiu a sua posição para a torre de controle, em

52 As cenas filmadas na cabine do avião após o acidente foram filmadas em Super 16mm por César Charlone, diretor de fotografia de Cidade de Deus (2002), pelo qual foi nomeado para um Oscar de Melhor Fotografia, além de O Jardineiro Fiel (2005) e Ensaio sobre a Cegueira (2008), todos dirigidos por Fernando Meirelles. Charlone por muito pouco estaria no voo 571, ele mesmo. Ele foi para a mesma faculdade que os sobreviventes (seu pai era o embaixador do Uruguai, no Chile) e Nando Parrado era seu melhor amigo. Ele estava na lista de passageiros para o voo, mas ele estava viajando do Brasil e, como ele teve sorte, não chegou a Montevideo a tempo de apanhar o avião condenado. (Tradução livre). Disponível em: . Acesso em: 8 jul 16. 53 O Fairchild F-27 e o Fairchild Hiller FH-227 eram versões do Fokker F27 Friendship aeronave bimotor turboélice de passageiros fabricado sob licença pela Fairchild Hiller nos EUA. O Fairchild F-27 (escrito com um hífen) foi semelhante ao Fokker F27 padrão, enquanto o FH-227 foi uma versão alongada desenvolvida de forma independente. (Tradução livre). Disponível em: < http://www.fokker.com/aircraft>. Acesso em: 8 jul. 2016. 54 Ou “Clube dos Cristãos Velhos” (Tradução livre)

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Santiago. Porém, quando a torre tentou se comunicar com a aeronave, um minuto depois, não houve mais resposta. Chile, Argentina e Uruguai uniram forças para procurar o avião. Contudo, houve queda de neve excepcionalmente pesada nas montanhas. Por isso, como a fuselagem era branca havia pouca chance de encontrarem o avião. Ademais, ainda era menor a probabilidade de que qualquer um dos 45 passageiros tivesse sobrevivido. Então, setenta dias após o acidente, um pastor de ovelhas chileno, que estava assistindo o seu rebanho, no sopé da Cordilheira dos Andes, avistou a silhueta de dois homens do outro lado de um rio caudaloso. Gesticulando freneticamente, eles caíram de joelhos, com os braços bem abertos. O pastor imaginou que fossem turistas e foi embora. No entanto, no dia seguinte o pastor voltou para o mesmo local e viu que os homens ainda estavam lá. O som da água era tão alto nas margens do rio que era impossível que os três homens ouvissem uns aos outros. Então, o pastor então jogou um pedaço de papel e uma caneta, envolto em um lenço, sobre o rio. Os dois homens barbudos e em trapos escreveram algo no papel e jogaram de volta para o pastor: "Somos de um avião que caiu nas montanhas. Quatorze dos nossos amigos ainda estão vivos lá."55 Eles tinham não só sobrevivido a um acidente de avião e quase três meses de inverno nos Andes. Para além disso, surpreendentemente, suportaram uma avalanche que matou oito de seus amigos e que deixou o resto deles presos na fuselagem durante três dias. A fuselagem, inclusive, até aquele momento, era o único abrigo de todos eles. Dez dias após o acidente, souberam, por meio de um rádio ainda em funcionamento, que as buscas tinham sido suspensas, e, que a esta altura, seus suprimentos de alimentos escassos tinham acabado. Eles tinham visto os seus amigos sucumbirem deitados em seus braços, um a um, por causa de seus ferimentos. Apesar de tudo isso, conseguiram criar dispositivos que pudessem derreter a neve, e, assim, obter água para proteger os olhos contra a cegueira de neve. E, após isso, caminhar sobre a neve, sem afundar. Ficando impacientes com seu destino, começaram, então, a fazer expedições. A cada tentativa, se atreviam a ir um pouco mais longe da segurança do acampamento

55 “Somos de un avión que cayó en las montañas. Catorce de nuestros amigos siguen con vida hasta allí.” Mensagem original guardada no Museo Andes 1972. Disponível em: . Acesso em: 8 jul. 2016.

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do que antes. Eles queriam descobrir o que estava por trás da cordilheira. Pretendiam, assim, encontrar corpos, e mais mortos, eventualmente, a cauda do avião, em que se encontravam as baterias, um pouco de comida e o que era-lhes mais importante: conseguir material para costurar um saco de dormir. Foi este saco de dormir que finalmente lhes permitiu ir mais longe do avião. Além disso, a partir de então, poderiam sobreviver ao frio congelante das noites nos Andes. Estrategicamente, escolheram os mais fortes entre eles. Alimentaram-nos com rações maiores e os pouparam das tarefas diárias. Assim, eles se prepararam para a sua última esperança de resgate no envio de dois de seus amigos para as cadeias de montanhas desconhecidas. Fernando "Nando" Parrado, de 20 anos de idade e Roberto Canessa, de apenas 19 anos, andaram 44 milhas sobre as montanhas, atravessando cumes com mais de 13.000 pés de altura, com nenhum equipamento especial além das botas de rúgbi. Relatórios de todo o mundo falaram dos "sobreviventes do século" e, talvez, pelo fato deles terem sido resgatados dois dias antes do Natal, falaram do "Milagre dos Andes". Pouco depois de seu resgate, em uma conferência de imprensa bastante concorrida, os sobreviventes fizeram uma admissão surpreendente “[...] chegou o dia em que não tinha mais nada para comer, e nós dissemos que Cristo, através da oferta de sua carne e sangue durante a Última Ceia, tinha-nos mostrado o caminho, indicando que tínhamos que fazer o mesmo: levar sua carne e sangue, encarnado em nossos amigos que haviam morrido no acidente [...] foi uma comunhão pessoal para cada um de nós [...] é o que nos ajudou a sobreviver [...]”. Um dos nossos maiores tabus havia sido desafiado. E tornado público. O mundo inteiro estava em choque. Um dos críticos que mais bem descreveu o filme publicou: “Todos os 16 dos sobreviventes [...] contaram a história e, contaram a história com suas próprias palavras. Muitas dessas palavras são eloquentes. O terror mortal é compensado por uma enorme sensação de maravilha e descoberta pessoal, como uma vontade feroz de viver, não só para si, mas para o outro. Isso os impele a realizar feitos sobre- humanos, enquanto a fome e perto da exaustão [...] Você pode se encontrar à beira das lágrimas. ” – Stephen Holden, The New York Times56

56 Disponível em: . Acesso em: 10 jul. 2016.

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1.3.8 Sully (Sully – O Herói do rio Hudson, 2016), de Clint Eastwood

Sully é o próximo filme de drama biográfico dirigido e co-produzido por Clint Eastwood e escrito por Todd Komarnicki, sobre o voo 1549 da US Airways e de seu comandante Chesley "Sully" Sullenberger, na ocasião. Seu elenco tem os atores Tom Hanks como o Cmte. Sullenberger, e ainda Aaron Eckhart, Laura Linney, Anna Gunn, Autumn Reeser, Holt McCallany, Jamey Sheridan e Jerry Ferrara. O filme foi produzido pela Warner Bros.57 e foi lançado nos cinemas convencionais e IMAX em dezembro de 2016. O filme conta a história do pouso forçado do Airbus A320, em 15 de janeiro de 2009, quando o mundo testemunhou o Milagre no Hudson em que o capitão Chesley "Sully" Sullenberger deslizou seu avião com os motores apagados para as águas geladas do rio Hudson, salvando a vida de todos os 155 passageiros a bordo. No entanto, mesmo quando o capitão estava sendo aclamado pelo público e pela mídia por seu feito inédito de habilidade na aviação, uma investigação se desenrolava. Nos bastidores, a comissão que investigava o acidente ameaçou destruir sua reputação e sua carreira. Essa ameaça é percebida no cartaz do filme (Figura 19) com o simbolismo de um tempo nublado com uma forte tempestade em formação por trás do protagonista. A produção da Warner Bros. anunciou em 2 de junho de 2015, que Clint Eastwood iria dirigir o filme biográfico do herói, capitão da vida real Chesley "Sully" Sullenberger, com roteiro de Todd Komarnicki. O filme é baseado na autobiografia

Highest Duty: My Search for What Really Matters58 (Sully – O Herói do rio Hudson) escrito pelo próprio Cmte. Sullenberger e pelo escritor e jornalista Jeffrey Zaslow (Figura 20), nas versões em inglês e português, sobre a aterragem segura do voo 1549 da US Airways conhecido como Milagre no Hudson. Os direitos do livro foram adquiridos por Allyn Stewart e Frank Marshall, em 2010. Eastwood e Tim Moore

57 A Warner Bros. Entertainment, também conhecida como Warner Bros. Pictures ou simplesmente Warner Bros. (ou, informalmente, Warner Brothers) é uma produtora e distribuidora norte-americana de filmes e entretenimento televisivo, e a maior produtora de filmes do mundo. Foi fundada em 4 de abril de 1923 pelos irmãos Warner. É uma subsidiária da Time Warner e tem sua sede em Burbank, Califórnia. (Tradução livre). Disponível em: . Acesso em: 10 jul. 2016. 58 Nesta autobiografia inspiradora, o capitão Chesley 'Sully' Sullenberger, o piloto de linha aérea cujo pouso de emergência no Rio Hudson ganhou a admiração do mundo, junto com o jornalista Jeffrey Zaslow, conta sua história de vida e fala sobre as qualidades essenciais que ele acredita ter sido tão vital para o seu sucesso. (Tradução livre). Disponível em: . Acesso em: 10 jul. 2016.

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produziriam por meio da Malpaso Productions59 com Stewart e Marshall com o intermédio da Flashlight Films60.

Figura 19 - Cartaz do filme Sully (EUA)

Fonte: Poltronanerd, 2016

Em 18 de junho de 2015, o site Deadline.com informou que Tom Hanks estava em negociação para desempenhar o papel principal de Sullenberger. Em 11 de agosto, Aaron Eckhart assinou com a produção para fazer o papel do oficial Jeff Skiles, copiloto que estava fazendo seu voo pela primeira vez no Airbus A320, e que ajudou Sullenberger a aterrissar com segurança o avião. Em 17 de agosto, Laura Linney foi adicionada ao elenco para representar a mulher de Sullenberger, Lorraine.

59 Malpaso Productions, originalmente The Malpaso Company, é uma produtora de filmes dos Estados Unidos criada e dirigida por Clint Eastwood. Fundada em 1967, tem sua sede em Burbank, Califórnia. (Tradução livre). Disponível em: . Acesso em: 10jul 2016. 60 Flashlight Films LLC é uma companhia cinematográfica independente especializada em desenvolvimento de roteiros. Funda pelos sócios Allyn Stewart e Kipp Nelson em 2009, o fundo procura ativamente e adquire direitos de uma grande variedade de material subjacente – livros, artigos, histórias de vida, filmes existentes, pitches, etc. Com o foco no desenvolvimento do roteiro, Flashlight então, junta tudo, produz e transforma esses projetos em ambas séries de televisão e filmes. (Tradução livre). Disponível em: . Acesso em: 10 jul. 2016.

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Figura 20 - Capa dos livros de Sullemberger

Fonte: Amazon.com, 2016

Em 19 de agosto, Holt McCallany se juntou ao elenco do filme para ser Mike

Cleary, o presidente da Air Line Pilots Association61, dos EUA. Em 27 de agosto, Jamey Sheridan foi escolhido para o filme para atuar como o pesquisador sênior de segurança aérea, que trabalha incansavelmente investigando a causa do acidente. Em 11 de setembro, Jerry Ferrara se juntou ao elenco. Em 6 de outubro, Max Adler foi escalado para interpretar Jimmy Stefanik, um passageiro no voo. Em 15 de outubro, Sam Huntington assinou para fazer o papel de Jeff Kolodjay, um passageiro no avião com seu pai. Autumn Reeser também estava no elenco. Em 19 de outubro, Wayne Bastrup se juntou ao elenco para atuar como Brian Kelly, uma aeromoça a bordo do avião. O trailer, assim como o cartaz oficial do filme foram divulgados para o mundo em 29 de junho de 2016. Abaixo (Figuras 21 e 22) a trajetória do voo 1549 da US Airways e o início do resgate as vítimas no rio Hudson.

61 A ALPA ou Associação de Pilotos de Linha Aérea é o maior sindicato de pilotos de linha aérea no mundo e representa mais de 53.000 pilotos de 31 Cias. Aéreas dos EUA e do Canadá. A ALPA oferece três serviços críticos aos seus membros: segurança aérea, segurança e assistência de um piloto; representação e advocacia. Através da avaliação imparcial, baseada em fatos de questões de segurança aérea, a ALPA trabalha para garantir que a indústria da aviação continue a ser um ambiente seguro. Representa a visão dos pilotos para os tomadores de decisão, incluindo o Congresso e agências federais, e os grupos de piloto ALPA em negociações coletivas de contratos com companhias aéreas. (Tradução livre). Disponível em: . Acesso em: 8 jul. 2016.

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Figura 21 - Percurso do voo 1549 da US Airways

Fonte: Airports NYC Map, 2016.

Figura 22 - Aeronave no Rio Hudson logo após o pouso

Fonte: NTSB, FAA, 2016.

1.3.9 Enfeixando elementos

Depois de longas horas assistindo aos seis filmes citados e expostos anteriormente, com exceção desse último que foi lançado somente em dezembro de

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2016, além de algumas dezenas de produções para a televisão e DVD, pudemos observar uma similaridade na estrutura de todos eles, conforme dito antes. A assistir ao primeiro filme produzido para o cinema sobre acidentes aéreos reais, nos deparamos com blocos narrativos, ou seja, estruturas narrativas, similares que iremos chamar de momentos e que se mostrou como segue: 1º momento – Apresentação ao espectador das personagens principais e os aspectos que mostram as singularidades com o público em geral; Para esse momento designaremos, doravante, simplesmente Personagens. 2º momento – Apresentação dos personagens principais em suas atividades operacionais cotidianas com ênfase nos aspectos envolvidos no evento que virá; Esse momento será chamado, doravante, de Tripulação. 3º momento – Mostra da aeronave envolvida no evento e suas peculiaridades em operação; Com relação a esse momento chamaremos de Aeronave. 4º momento – O acidente / incidente em si; Esse momento teremos a denominação de Acidente. 5º momento – O resgate dos sobreviventes e/ou investigação do acidente / incidente. E, finalmente, no último bloco narrativo, temos o momento que chamaremos de Resgate/Investigação. Para a comprovação da existência da estrutura narrativa clássica com esses momentos, procurando provar a nossa teoria, junto com as afirmações dos vários pensadores do campo do cinema, faremos a análise dos filmes lançados em ordem cronológica, no capítulo 2, Supervivientes de los Andes (Sobreviventes dos Andes, 1976), de René Cardona, e, posteriormente o compararemos, no capítulo 3, ao filme Alive (Vivos, 1993), de Frank Marshall, no capítulo 4, ao filme Stranded: I've Come from a Plane That Crashed on the Mountains (Sociedade da Neve, 2007), de Gonzalo Arijon e, no capítulo 5 faremos uma breve apresentação do filme I Am Alive: Surviving the Andes Plane Crash (I Am Alive: Sobrevivi al acidente aéreo de los Andes, 2010), de Brad Osborne. Após as análises, finalizaremos com a conclusão do que observamos ao longo das mesmas e se podemos, realmente, afirmar se possuem as estruturas narrativas, citadas acima, e observadas em comum.

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2 Os aspectos da estrutura narrativa do filme Sobreviventes dos Andes (1976), de René Cardona

Essa foi a primeira obra que retratou o acidente aéreo que vitimou os jovens uruguaios em outubro de 1972, e será usada nas comparações com os demais filmes a serem analisados. A viagem foi feita em função de umas férias escolares dos alunos do colégio Stella Maris, fundado em 1955, e integrantes do time de rúgbi do “Old Christians Rugby Club”, de Montevideo, Uruguai, que estavam se preparando para jogar uma partida com o time dos “Old Boys”62 de Santiago, no Chile. Coincidentemente, brincam no lobby do aeroporto de Montevideo com o fato de que a viagem aconteceria um dia antes de uma data tão agourenta, uma sexta-feira 13 do mês de outubro de 1972, antes do embarque no avião que os deveria levar ao destino.

Figura 23 - Cena do início do filme com os corredores escuros do aeroporto

Fonte: Filme Sobreviventes dos Andes (1976), de René Cardona

O filme inicia com uma grande movimentação de pessoas em um corredor escurecido, com tons avermelhados, caminhando em direção a câmera, informando ao espectador da chegada ao aeroporto para o efetivo embarque. Esse local seria

62 Hoje denominado Newland Old Boys (NOBS) (Santiago), associado à Federação de Rugby do Chile. Disponível em: < http://www.feruchi.cl/ >. Acesso em: 5 jul. 2016.

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uma parte do aeroporto internacional de Montevideo, Uruguai (Figura 23), mostrando, já no início, o que se espera do enredo: o medo e o desconhecido. O longo corredor nos leva a pensar na longa jornada que os sobreviventes terão ao longo do filme. Com vários equívocos cenográficos e de continuidade, percebemos o primeiro logo na cena com 0’43’’ quando, ao fundo, vê-se o cartaz da Cidade do México em uma cena de 15 segundos, no aeroporto onde realmente a película foi filmada. O som extradiegético das cenas do embarque de todos os passageiros no avião Fairchild FH-227D da Força Aérea Uruguaia, que havia sido fretado para os levar à Santiago, no Chile, assim como toda a sonorização do filme, tem a assinatura do mexicano Gonzalo Gavira. Ele é o mesmo técnico de som cinematográfico, que recebeu o Prêmio Oscar, da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, dos EUA, em 1974, pelo filme The Exorcist (O Exorcista, 1973), de William Friedkin. A técnica do som realça o suspense, levando o espectador ao imaginário do que ainda está por vir, principalmente dos que tiveram a oportunidade de ler o livro do escritor norte-americano, no qual o filme se baseia (Figura 24).

Figura 24 - Cena final do embarque dos passageiros no avião

Fonte: Filme Sobreviventes dos Andes (1976), de René Cardona

O recurso de voice-over usado pelo diretor para explicar alguns fatos do acidente, levando o espectador para dentro da obra, é feito por Allan Carr, produtor e escritor, e por Robert Stigwood, também produtor. Aqui esse recurso é parte da narrativa dando, ao filme, a abordagem didática que o diretor propõe, entrando em

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cenas de sonoridade diegética com informações que permitem ao espectador entender a cronologia do evento. O som é percebido como “chapado” muito usado em produções televisivas, o que nos deixa a impressão de ter sido feito, inicialmente, para esse meio de exibição, sem, no entanto, termos nenhum registro desse fato. Os diálogos são trabalhados de forma curta e pontuada para não deixar escapar a atenção do espectador. Essa forma de diálogo pontuado e curto também é observado nos filmes O Dirigível Hindenburg (1975) e Voo United 93 (2006), e de várias outras obras, inclusive para a televisão, sobre acidentes aéreos fictícios. O avião decolou (Figura 25) com 45 pessoas a bordo, incluindo os cinco tripulantes – piloto, copiloto, navegador aéreo, mecânico e comissário de bordo. A câmera acompanha a decolagem como se fosse alguém vendo a partida da aeronave, com o mesmo movimento do rosto de uma pessoa que assiste a tudo. A quase totalidade dos passageiros era formada pelos jovens integrantes do time de rúgbi, mas também dos acompanhantes amigos, familiares e outras pessoas que apoiavam a equipe em suas apresentações. A técnica de som utilizada, grossa e intensa, começa a passar a angústia do que vai ser a jornada logo na pista de decolagem, com o alto barulho dos dois motores turbo hélices que impulsionam a aeronave fretada para o voo programado. Apesar da tonalidade da cor do céu, não se percebe nuvens na tomada da cena, o que leva o espectador a aceitar a ideia de um voo normal na primeira etapa da viagem.

Figura 25 - Cenas da decolagem de um avião Fairchild FH-227

Fonte: Filme Sobreviventes dos Andes (1976), de René Cardona

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Na sequência, o diretor não deixa o espectador se desviar do foco do acidente, levando os diálogos dos personagens ao entendimento do que está por vir. Como exemplo, temos a conversa do comissário de bordo com a Sra. Graziela Obdulia Augusto Gumila de Mariani, que estava indo para o casamento de sua filha, sobre a hora estimada de chegada à Santiago, no Chile, logo no início do voo (Figura 26). O diálogo é bastante sútil. A princípio com uma panorâmica do corredor da aeronave, tendo o comissário de bordo, de pé, no corredor, na extremidade esquerda da cena e a dupla de poltronas em que estava a Sra. Graziela, na direita da cena, e em seguida com um close no rosto da passageira que pergunta: “Senhor, a que horas o senhor acha que nós chegaremos?”. O corte da cena volta para o corredor onde o Sr. Ovídio Joaquin Ramírez Barreto, comissário de bordo, responde: “As 12 ou 12h30 no mais tardar, se tudo sair bem”. A Sra. Graziela pergunta de imediato: “O que você quer dizer? O que pode acontecer? ”. O comissário de bordo responde para acalmá- la: “Nada. Não fique preocupada. Existem correntes de ar contrárias que atrasam o voo. E nós encontraremos algumas delas em nosso caminho. Mas é somente isso”. A Sra. Graziela, um pouco mais calma, agradece: “Obrigada”.

Figura 26 - Diálogo do Comissário de bordo com a Sra. Graziela Mariani

Fonte: Filme Sobreviventes dos Andes (1976), de René Cardona

Coincidentemente, a filha da Sra. Graziela, Srta. Maria de Mariani, era uma refugiada que morava no Chile, em virtude de ser pessoa ativa do movimento dos

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Tupamaros63, estudantes de classe média uruguaia que se uniram para protestar contra os desmandos dos governantes frente à fraca economia do país. No início, eles dialogavam e realizavam passeatas para os protestos, mas logo passaram a roubar bancos, sequestrar diplomatas estrangeiros, explodir fábricas de empresas multinacionais e, finalmente, assassinatos, como forma de pressionar os governantes. A sutileza do diretor fica evidente em quase todos os diálogos no início do filme, inclusive, em um que o jovem Carlito Páez fala para o seu colega da poltrona ao lado, Rafael Echavarren Vázquez, no exato momento em que a câmera os filma nas poltronas em que estavam sentados (figura 27), quase em close-up, como que tentando entrar na intimidade dos personagens “Ontem a noite eu sonhei que nós caíamos nos Andes”. Ao que Echavarren, sorrindo, ponderou: “Não se preocupe. Se cairmos, nós sairemos vivos e chutando a bola” (em referência ao jogo de rúgbi que iriam fazer).

Figura 27 - Diálogo entre Carlito Páez e Rafael Echavarren

Fonte: Filme Sobreviventes dos Andes (1976), de René Cardona

63 O “Movimento de Libertação Nacional – Tupamaros” (MLN-T) ou simplesmente “Tupamaros” foi um movimento político no Uruguai, que tinha guerrilheiros urbanos da esquerda radical atuando durante os anos 1960 e início dos anos 70, e se juntou à coalizão política de Frente Ampla em 1989. O exemplo dos “Tupamaros” foi imitado em outros lugares. Refira-se a título de exemplo: Facção do Exército Vermelho (ou Rote Armee Fraktion, o RAF, desde 1968, conduzido por Andreas Baader e Ulrike Meinhof), Movimento 2 de Junho (ou Bewegung 2. Juni, abreviado M2J, a partir de 1967, liderado por Fritz Teufel), “Tupamaros München” e “Tupamaros West-Berlin”, os quatro na Alemanha Ocidental. A imprensa europeia deu ampla publicidade à ação de guerrilha deles. (Tradução livre) disponível em < http://www.chasque.net/mlnweb/portada.htm >acessado em jul/2016.

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O medo que algumas pessoas tem de viajar de avião é trazido nos roteiros como um jogo de palavras dos personagens levantando a possibilidade do acidente com a aeronave acontecer, e esses diálogos são observados em todos os filmes assistidos e analisados nessa dissertação, tais como, O Dirigível Hindenburg (1975), Vivos (1993), Whisky Romeu Zulu (2004), Voo United 93 (2006), A Sociedade da Neve (2006), Sully – O Herói do rio Hudson (2016), além de muitas obras para a televisão, principalmente a que será apresentada no capítulo 5, I Am Alive: Sobrevivi al acidente aéreo de los Andes (2010), de Brad Osborne. Voltando ao filme e contribuindo para essa aura de mistério e de suspense, a personagem Sra. Graziela Mariani, inicia um diálogo com o seu vizinho de poltrona, o jovem Sr. German Canno64, perguntando se ele era supersticioso (Figura 28). O mesmo responde: “Não, senhora. Por quê?” Ela responde: “O meu marido não encontrou um lugar no voo, senão ele teria vindo comigo” “E parece que um jovem de seu time se atrasou e não conseguiu embarcar também”. O jovem German ao seu lado perguntou: “O que tem isso tem a ver, Senhora?” Ela logo responde: “Bem, eu li que quando uma pessoa se salva de um acidente aéreo, é porque ela se atrasou e perdeu o voo ou então não o deixaram embarcar”. Nesse momento, outro jovem personagem, passageiro da poltrona logo a sua frente, se inclina sobre a sua poltrona e diz: “Desculpe a interrupção, Senhora”. “E o jovem German Canno o apresenta para a Sra. Graziela: “Rodrigo Fernandez65, integrante da equipe”. Rodrigo então fala: “Eu estava escutando o que a senhora falou e isso não faz sentido” “Isso é somente uma pura coincidência” “Imagine quantas pessoas perdem os seus voos todos os dias ou quantos cancelam as suas viagens. Centenas” “Se acontecesse desse jeito como a senhora está falando, não existiria mais a aviação”. Com exceção do diálogo da senhora Graziela com o comissário de bordo, no início da viagem, nenhum dos demais diálogos foram confirmados nas várias literaturas encontradas acerca do acidente, pesquisadas para essa dissertação. Isso nos mostra a construção da realidade ficcional para criação de uma atmosfera de suspense preparada para o clima do filme. A tensão é criada e preenchida ainda mais com os rápidos cortes entre os diálogos na cabine dos passageiros e as atividades dos pilotos na cabine de comando.

64 Personagem baseado no jovem Daniel Agustine Maspons Rosso, falecido no acidente. 65 Personagem baseado no jovem Jorge Alejo Hounie Sere falecido no acidente.

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Figura 28 - Diálogo entre a Sra. Graziela e o jovem German Canno

Fonte: Filme Sobreviventes dos Andes (1976), de René Cardona

Até esse ponto percebemos o desenvolvimento dos momentos Personagens e Tripulação em constante interposição entre si, ou seja, a apresentação dos personagens principais e os pontos que os identificam com o público em geral, assim como os mesmos exercendo suas atividades operacionais cotidianas, incluindo pilotos e comissários, que cercam o evento que virá.

2.1 O acidente e o choque de realidade

O filme carrega os espectadores a uma aventura pelas montanhas das Cordilheiras dos Andes, chamando a atenção para o fato dos sobreviventes terem praticado o canibalismo para a garantia de vida em condições inóspitas, nas quais enfrentaram temperaturas de até -20ºC (vinte graus célsius negativos) sem estrutura e roupas adequadas.

O Plano de Voo66 era de um trecho direto Montevideo–Santiago, no Chile, uma viagem de cerca de três horas e meia (Figura 29), com sobrevoos das cidades de Buenos Aires e Mendoza, ambas na Argentina. Porém, o mau tempo na região forçou os pilotos a pernoitarem, nessa noite de 12 de outubro de 1972, na cidade de

66 Plano de Voo é um documento que contém informações a respeito de um voo (ou pre de um voo) que foi planejado pelo piloto em comando de uma aeronave. Tais informações são fornecidas aos órgãos que prestam Serviços de Tráfego Aéreo (ATS). Envolve basicamente dois pontos principais de segurança: o cálculo do consumo de combustível e a concordância do plano com o controle de tráfego aéreo, para minimizar as possibilidades de colisão em pleno voo. Disponível em: . Acesso em: 12 jul. 2016.

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Mendoza. No dia seguinte, sexta-feira, 13 de outubro, seguiriam para o destino. Isso é abordado de maneira bem rápida na cronologia do filme, deixando claro a intenção de abreviar a história para caber toda a aventura que ainda viria pela frente na película que estava sendo produzida. No trecho entre Mendoza, na Argentina, e Santiago, no Chile, o tempo continuava muito ruim no dia seguinte e as condições de visibilidade eram mínimas. Dessa forma, os pilotos estavam em condições de voo por instrumentos (IFR na sigla em inglês – Instrument Flight Rules67) na região. Nesse ponto temos o desenvolvimento do momento Aeronave com a operação de voo direto da cabine de comando e os pontos que levaram ao acidente em si.

Figura 29 - Plano de Voo do avião que caiu nos Andes

Fonte – Filme Sobreviventes dos Andes (1976), de René Cardona

As cenas dos segundos anteriores à queda do avião são recheadas de sonoridade e cortes rápidos, trazendo o espectador para dentro da aeronave com toda a intensidade que o momento exige. Esta estratégia também será usada nas sequências da filmagem da queda da aeronave, que reproduziu com muita fidelidade o relatório das autoridades aeronáuticas na época das investigações.

67 O livro de mão de Voo por Instrumentos da Administração Federal de Aviação (FAA, na sigla em inglês) define IFR como: "Regras e regulamentos estabelecidos pela FAA para governar voo sob condições nas quais voo por referência visual exterior não é seguro o voo IFR depende de voar por referência a instrumentos na cabina de pilotagem e a navegação é realizada por referência a sinais eletrônicos.” É também um termo usado por pilotos e controladores para indicar o tipo de plano de voo que uma aeronave está voando, como um IFR ou plano de voo VFR.

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O avião se choca com um cume de neve no topo de uma montanha e, na sequência perde as duas asas. Primeiro a asa direita cai e depois a asa esquerda e, por fim, perde a parte traseira da aeronave (cauda, leme e estabilizador horizontal), deixando a fuselagem deslizar livre pela neve até a completa parada do avião. Enquanto hoje temos o classicismo da mise em scène na ação, no início do sec. XXI era tradição sujar e destruir a imagem de um acidente para lhe proporcionar um aspecto “documental”, mas Cardona articula planos limpos em sua obra. Se a filmagem consegue captar a verossimilhança dos momentos da queda do avião, a loucura desse momento não contaminou a narrativa, mantendo a mesma de forma linear. Todas essas partes da película foram filmadas no estúdio e contaram com toda a equipe de cenografia e trabalhos técnicos de Marshall M. Borden e Alfredo Rosas Priego, na edição final. A seguir, na figura 30, está apresentada a sequência da queda do avião.

Figura 30 – Sequência da queda do avião nos Andes

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Até esse ponto temos o momento Acidente com as cenas mostrando o mesmo, assim como as breves consequências que serão experimentadas da queda da aeronave. O espectador começa a ter uma clara ideia do que foi a jornada pela sobrevivência quando, ao atender os feridos após o acidente, o jovem Gustavo Zerbino Stajano retira da barriga do jovem Enrique Platero Riet, uma barra de ferro que estava enterrada no seu abdômen inferior e expõe, com isso, parte dos intestinos do mesmo (Figura 31). A câmera entra em close-up com o pedaço do intestino do jovem, mostrando aos espectadores o órgão humano exposto. Ato seguinte, Zerbino recoloca o pedaço do intestino para dentro e pede para o jovem Platero pressionar o local para tentar contê-lo e aguardar ajuda posterior mais adequada, pedindo para que ele relaxe.

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Figura 31 - Retirada da barra de alumínio com parte do intestino à mostra

Fonte: Filme Sobreviventes dos Andes (1976), de René Cardona

Logo em seguida à cena do piloto repetindo o provável local da queda, em estado de choque (Figura 32), temos um corte do filme para a torre de controle do aeroporto de origem, observando as mensagens compulsórias que deveriam ter sido reportadas, de tempos em tempos, para acompanhamento do trajeto do voo e constatando que havia algo de errado, pois o avião havia sumido do radar e estava perdido no meio da cordilheira dos Andes. Nesse exato momento se iniciam as buscas pelos sobreviventes por meio dos órgãos de controle do tráfego aéreo do Uruguai, em conjunto com os órgãos de controle da Argentina e do Chile. A partir desse ponto e, em superposição com o momento Personagens, temos o 5º e último momento observado nos filmes catástrofes sobre acidentes aéreos reais, em todo o desenvolvimento da obra, ou seja, o trabalho de resgate dos sobreviventes, entremeado com a apresentação dos personagens mostrando as singularidades com o público em geral durante todo o período da sobrevivência nas montanhas. O filme mostra toda a operação montada, pelos três países, em conjunto, para o resgate das vítimas do acidente, paralelamente às ações do cotidiano dos sobreviventes para garantir suas vidas no cenário adverso em que se encontravam.

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Figura 32 - Cena posterior ao acidente

Fonte: Filme Sobreviventes dos Andes (1976), de René Cardona

Badiou (2007) aponta que “[...] o real, tal como é concebido em sua absolutidade contingente, nunca é bastante real para não se suspeitar que seja semblante [...]. Nada pode atestar que o real é real, nada, senão o sistema de ficção no qual ele virá desempenhar o papel de real.” E é nesse sistema contraditório de ficção no real que os jovens uruguaios percebem que estão inseridos e trabalham para manter suas mentes ocupadas em ações concretas de ajuda mútua e companheirismo. A narrativa inserida no filme só é percebida como real pelo fato de sabermos que o evento já aconteceu, mas é tão insólito que se mistura com a realidade e deixa de ter importância a distinção entre eles (Figura 33). Maffesoli (2012) expõe que “[...] Imaginário poderia ser esse céu de ideias que, de uma forma pouco misteriosa, garante a coesão do conjunto social. É uma característica cada vez mais solicitada. [...] chamando a atenção, com isso, para o fato de que só se pode captar o real a partir do que é, aparentemente, seu contrário: o irreal. [...]”

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Figura 33 - Sobreviventes dentro da carcaça do avião nos Andes

Fonte: Fernando Parrado (sobrevivente), 1972

O choque de realidade é percebido, em um determinado momento do filme, com alguns sobreviventes tentando saciar a sede comendo gelo e que são rapidamente orientados a não o fazer, pois poderiam contrair doenças estomacais e até pneumonia. Eles até tinham fósforos e isqueiros, mas quase nada para queimar, somente um pouco de papel. Nesse momento, a câmera dá um close-up em um jovem que avisa que encontrou uma mala cheia de dinheiro, provavelmente o presente de casamento que a Sra. Graziela estava levando para sua filha em Santiago. Pelo fato de que o dinheiro não teria mais serventia para a dona dele, os jovens acenderam uma fogueira com ele para derreter o gelo e produzir água. Diante do fato, o jovem José Luis Inciarte, brinca: “Esse deve ser o copo de água mais caro da história”. E a câmera brinda a reunião de todos em torno do elemento fogo que, antagonicamente, lhes propicia saciar a sede que os está matando. (Figura 34) Com o passar dos dias, os sobreviventes percebem que ficarão rapidamente sem alimentos e se deparam com um dilema: como encontrar comida em uma região tão devastada pelo frio, sem nada verde e com muita rocha e ventos cortantes?

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Figura 34 - Sobrevivente brincando com o fato de derreterem gelo com dinheiro

Fonte: Filme Sobreviventes dos Andes (1976), de René Cardona

Essa percepção traz justamente o desespero causado pela fome e isso é perfeitamente demonstrado no diálogo entre os sobreviventes no filme, quando um dos jovens durante a noite, tentando dormir, diz: “Eu quero comer”, e alguém lhe manda calar a boca e retruca: “Todos nós queremos comer”. Nesse mesmo momento, o jovem Roberto Canessa fala: “É hora de voltar à realidade”. “Nós estamos lentamente caminhando para o nosso fim, devido à falta de comida e deficiência de proteína. A esperança que temos em encontrar a cauda é pequena. Mas se encontrarmos, será que tem comida nela? Haverá o bastante para todos nós? E isso vai durar até o inverno acabar e a neve começar a derreter e nós termos uma chance de cair fora daqui. Está em nós, se vamos viver ou morrer. Aqui está a alternativa: se nós excluirmos os parentes dos que estão aqui, nós temos sete corpos congelados lá fora (Figura 35). E esses sete corpos podem nos ajudar a nos alimentar por um mês”. Após essa constatação, a câmera passa pelo rosto de cada um dos jovens sobreviventes e mostra a expressão em cada um e como ficaram petrificados com esse choque de realidade. Em seguida, o jovem Canessa, que os colocou de frente com essa realidade, complementa: “De qualquer forma, temos sorte de que alguém morreu, e que temos sete corpos congelados”.

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Figura 35 - O jovem Canessa confrontando todos com a única forma de vida

Fonte: Filme Sobreviventes dos Andes (1976), de René Cardona

Nesse momento, passam a mostrar como foi montada a operação de resgate, realçando a unidade familiar como fonte de motivação para se manter acesa a chama da esperança em seus corações, na hora de desespero e da angústia (Figura 36).

Figura 36 - Reunião dos familiares no gabinete do comando das F. A. Uruguaias

Fonte: Filme Sobreviventes dos Andes (1976), de René Cardona

A preocupação de todos no comando do resgate era com a pressa em encontrá-los, pois sabiam que a demora poderia colocar todos em situação crítica em relação à água e comida (Figura 37). Isso é demonstrado no filme de maneira clara

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para colocar os espectadores na expectativa de como será o desenvolvimento da trama. Conforme Oroz (1999, p. 43), “[...] O público da produção de massas tem uma bagagem cultural parecida ao se deparar com um de seus gêneros. [...] O conhecimento do futuro, que, supostamente, tiraria o suspense da história, converte- se num elemento de interesse tão forte quanto a própria trama, e com isso está próximo do domínio do futuro do herói/protagonista. [...]”

Figura 37 - Cena que demonstra a preocupação do comando do resgate

Fonte: Filme Sobreviventes dos Andes (1976), de René Cardona

Os sobreviventes conseguiram, em sua luta pela vida, desenvolver dispositivos que lhes garantissem o básico – a água – para matar a sede de todos. Depois que não tinham mais nada para queimar, para derreter a neve, encontraram as peças de alumínio que cobriam a parte de trás dos encostos das poltronas da aeronave, onde colocavam a neve em cima e o aquecimento da peça de metal exposta ao sol, ajudava a derreter a neve para obter água (Figura 38). Com isso, perceberam que poderiam ter um estoque de água para toda uma vida, dada a quantidade de neve de que dispunham. Dos vários dispositivos criados pelo grupo de sobreviventes, temos os óculos para a cegueira da neve, que eram feitos com restos de película encontrados nos escombros, provavelmente vindas de uma mala de um passageiro, (Figura 39) e os sapatos especiais para neve, feitos com a espuma dos assentos e encostos das poltronas da aeronave (Figura 40). Estes aparatos possibilitaram se aventurar cada

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vez mais longe dos destroços em busca de salvação. O que se começa a perceber, a partir desse ponto do filme é que ocorre um fortalecimento do companheirismo e da amizade entre todos, mas principalmente entre os integrantes do time de rúgbi.

Figura 38 - Montagem do dispositivo para derreter gelo

Fonte: Filme Sobreviventes dos Andes (1976), de René Cardona

Figura 39 -Sobrevivente confeccionando óculos de neve

Fonte: Filme Sobreviventes dos Andes (1976), de René Cardona

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Figura 40 - Sobrevivente pensando em como caminhar na neve

Fonte: Filme Sobreviventes dos Andes (1976), de René Cardona

A força da família tradicional, na época, fica evidente quando as autoridades uruguaias, depois de 144,5 horas de buscas em mais de 41 missões sem sucesso, decidem encerrar os esforços para encontrar sobreviventes e, os familiares decidem continuar as buscas por meios próprios. O pai de Fernando Parrado, alega que sente que seu filho ainda está vivo e não vai desistir enquanto não o encontrar (Figura 41). Oroz (1999) acentua esse aspecto quando diz:

Na cultura ocidental, o amor permite alcançar o perdão divino e produz uma purificação celestial na Terra. Isto o converte num valor universal, além das diferenças culturais e das classes sociais. Quem ama vale mais, por isto quem ama é ‘bom’. Esta é a maneira com que o amor permite ao pobre ser ‘rico’. A colocação judaico-cristã do amor ajuda a dar sentido à mediocridade da vida diárias e faz com que as pessoas se sintam heróis de alguma coisa. Isto foi sublimado pelo melodrama, o veículo de massas mais eficiente para atuar como referencial deste valor. (OROZ, 1999, p. 62)

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Figura 41 - Encerramento das buscas e decisão dos familiares

Fonte: Filme Sobreviventes dos Andes (1976), de René Cardona

Observa-se, ao longo do filme, a existência de uma luta do ‘Bem’ contra o ‘Mal’, nesse caso figurado como sendo a vontade de sobreviver contra as adversidades da natureza. Como em toda obra melodramática, temos a dimensão simbólica e a função denotativa da narrativa. Referente a essa questão, Bordwell (2008, p. 62) ressalta que

“[…] a denotação68 é a função central do estilo em praticamente qualquer filme narrativo. […] os críticos têm supervalorizado, sobretudo a dimensão simbólica, e desvalorizado a função denotativa. […] as funções denotativas do estilo são o habitual ponto de partida na análise do estilo do filme. […] na maioria dos casos, a denotação estilística serve para apresentar a informação mais relevante para a história que se desenrola na análise da narrativa do filme.” A cena a seguir (Figura 42) reflete bem a dimensão simbólica que o filme impele ao espectador referente à jornada pela vida desempenhada pelos sobreviventes. A imagem é carregada de simbolismo, pois coloca a adversidade da natureza contra a vontade de viver dos jovens, caminhando em busca da salvação, em condições desfavoráveis, em termos de roupas, equipamentos e alimento, mas eles persistem, lutando com todas as forças que possuem e buscando motivação onde nada mais é possível.

68 Vínculo direto de significação (sem sentidos derivativos ou figurados) que um nome estabelece com um objeto da realidade.

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Figura 42 - Jornada dos sobreviventes procurando uma saída ou ajuda

Fonte: Filme Sobreviventes dos Andes (1976), de René Cardona

A sequência de cenas em que o jovem Roberto Canessa corta a carne de um cadáver é de um realismo impressionante, em se tratando da época na qual o filme foi lançado (Figuras 43). Tal trecho foi elaborado para chocar o espectador e fazê-lo pensar e refletir no que teria feito se estivesse no lugar daquelas pessoas. Para se conseguir esse impacto nas imagens, foram desconsiderados alguns aspectos técnicos, o que não passou despercebido do público, tais como: Canessa corta a carne com muita facilidade, apesar da minúscula lâmina e, de se tratar de um corpo que já estava na neve, congelado, há pelo menos, quatro dias. Mesmo com todos esses detalhes passando desapercebidos, há uma simbiose entre o real e o irreal. Nesse contexto, podemos citar Gorovitz (2006) quando aponta que:

Como a participação afetiva e o jogo de identificações singularizam a mensagem cinematográfica, seu efeito estético deve ser analisado na relação dialética entre filme, espectador e sua interação. Trata-se de uma experiência individual, psicológica e estética, na qual o espectador está em constante reação, adaptação ou acomodação. O espectador faz significar o real que o filme proporciona, despertando outra coisa que não aquilo que transmite ao primeiro olhar. (GOROVITZ, 2006, p. 15)

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Figura 43 - Roberto Canessa cortando a carne de um cadáver

Fonte: Filme Sobreviventes dos Andes (1976), de René Cardona

A arte com que o diretor René Cardona e o diretor de edição, Marshall Borden preparam o espectador para o clima de suspense e angústia necessários ao desenrolar da trama é bem peculiar e inteligente, uma vez que o uso correto do espaço extradiegético69 está em sintonia com as imagens. Vemos isso de forma clara nesse ponto do filme, no qual o jovem Eduardo Strauch escreve o seu diário e o espectador “ouve” os seus pensamentos acerca do que coloca no papel (Figura 44).

Figura 44 - Jovem Eduardo Strauch escrevendo em seu diário

Fonte: Filme Sobreviventes dos Andes (1976), de René Cardona

69 É o campo particular ocupado pela ‘voz em off’, comentário e música. Ignorado e inaudível pelos personagens do filme, desempenha um papel fundamental em definir a forma como nós, a audiência, respondemos. Assim como a trilha de som ambiente e as superposições sonoras proporcionam uma ponte entre a tela e o espaço diegético, também a voz em off revela simplesmente o pensamento do personagem e representam aquilo que ele pode saber ou pensar naquele preciso momento. (ADEMIR, 2014, p. 12)

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O aspecto religioso fica evidente e é reforçado na sequência de cenas em que o jovem Roberto Canessa coloca as ‘tiras de carne’ para secar ao sol. Ele entra nos destroços da aeronave para dormir com os demais. Então, a câmera passa em uma externa em traveling da esquerda para a direita ao longo da fuselagem do avião, mostrando o nome ‘FUERZA AÉREA’ com o som da nevasca. Isso faz com que o espectador adentre no ambiente de diversidade da natureza. Logo em seguida, a câmera volta para dentro da aeronave e mostra os sobreviventes rezando o ‘Pai Nosso’ para, na sequência, todos saírem para comerem as ‘tiras de carne’. No instante em que alguns já estão fora, Canessa caminha até onde estão as carnes e come o seu pedaço. Depois, olha para o próximo jovem que se aproxima e pega um pedaço de carne e come. Na sequência, um a um, vão caminhando até o local de secagem das carnes e pegam um pedaço para comer. Os cortes feitos mostrando-os, pegando a carne e, um deles em pé, parado, segurando um terço nas mãos, novamente pegando a carne e, segurando o terço em pé e, assim sucessivamente, traz angústia e uma sensação incômoda ao espectador, colocando a tensão do momento de uma forma quase sólida, permitindo que todos a sintam. Nesse trecho não há nenhuma música ao fundo. O que se houve é somente o roçar de roupas andando e as passadas das pessoas na neve, deixando, assim, um clima favorável a esse desconforto dos espectadores. Na sequência, todos os que comeram voltam para dentro dos destroços da aeronave para rezarem, em uníssono, o ‘Pai Nosso’. Então, se vê o jovem Strauch escrevendo para a sua noiva e contando o feito inacreditável que tiveram que fazer para sobreviver, pelo fato de a comida ter acabado há algum tempo. Aqui novamente a ‘voz em off’ se faz impactante e dominante na cena, quando diz ‘Estamos esquartejando os corpos dos mortos, para poder comer’. Mesmo com toda a fome que reina entre eles, alguns estão resistentes e dizem ‘Prefiro morrer de fome’ para não comer a carne dos amigos mortos. Acerca disso, Thomasseau (2005, p. 48) reforça os aspectos do melodrama ao colocar que “A abnegação, o gosto do dever, a aptidão para o sofrimento, a generosidade, o devotamento, a humanidade são as qualidades mais praticadas no melodrama, juntamente com o otimismo e uma confiança inabalável na Providência: a Providência que ajudará sempre aquele que souber ajudar-se a si mesmo. [...]” Vencido o aspecto da falta de comida, os sobreviventes são surpreendidos com uma avalanche na noite do 17º dia, em que mais oito pessoas morrem no evento. No decorrer do filme percebemos que a jornada de volta para casa começa com o retorno

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deles à cauda do avião onde encontram material suficiente para fabricarem um saco de dormir. Esse saco de dormir pode permitir que passem as noites fora dos destroços da aeronave sem sofrerem uma hipotermia70 e continuarem, na manhã seguinte, a caminhada em busca de ajuda.

2.2 A procura por ajuda e a volta para casa

Parrado, Canessa e Vizintín iniciam a jornada para tentar voltar para casa em 12 de dezembro de 1972, dois meses depois do acidente. Parrado assumiu a liderança, e, muitas vezes, teve que ser chamado a desacelerar, embora o oxigênio rarefeito tenha tornado a viagem difícil para todos eles. Ainda era muito frio, mas o saco de dormir lhes permitiu sobreviver às noites geladas. No terceiro dia da caminhada, Parrado foi o primeiro a alcançar o topo da montanha. Ao olhar para o horizonte, tanto quanto os olhos podiam ver, percebeu que, na verdade, ele só tinha escalado uma das montanhas que formam a fronteira entre Argentina e Chile e a câmera mostrando a vastidão no horizonte, em uma lenta panorâmica da direita para a esquerda, decepciona o espectador que ansiava por uma imagem promissora, da mesma forma que os jovens sobreviventes. Isso significava que eles ainda estavam dezenas de quilômetros dos verdes vales do Chile. Depois de reconhecer uma pequena bifurcação à distância, ele imaginou que uma saída para as montanhas poderia estar além, e se recusou a desistir da empreitada. Quando Parrado e Canessa perceberam que a caminhada ia levar mais tempo do que tinham originalmente planejado, e que eles estavam ficando sem comida, enviaram Vizintín de volta para o local do acidente, e ficaram com todo o seu suprimento de comida. Vizintín, em seu retorno inteiramente em declive, só levou uma hora para voltar para a fuselagem. Ele usou um trenó improvisado. Parrado e Canessa caminharam por mais alguns dias. Primeiro, eles conseguiram chegar ao vale estreito que Parrado tinha visto no topo da montanha, onde encontraram o leito do Río San José, levando-os ao Río Portillo que se une ao

70 A hipotermia ocorre quando a temperatura corporal do organismo cai abaixo do normal (35°C), de modo não intencional, sendo seu metabolismo prejudicado. Se a temperatura ficar abaixo de 32°C, a condição pode ficar crítica. Temperaturas quase sempre fatais, são aquelas abaixo de 27°C. A hipotermia subaguda já acontece em escala de horas, comumente por permanecer em ambientes frios por longos períodos de tempo. Disponível em: < http://www.saj.med.br/uploaded/File/artigos/Hipotermia.pdf >. Acesso: em 13 jul. 2016.

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Río Azufre, em Maitenes. Eles seguiram o curso do rio e chegaram ao fim da linha da neve das montanhas. Gradualmente, foram aparecendo mais e mais sinais de presença humana. Inicialmente, alguns sinais de acampamentos e, finalmente, no nono dia, algumas vacas que estavam pastando. Foi nesse momento que eles descansaram naquela noite, pois estavam esgotados devido ao esforço empreendido, Canessa parecia incapaz de prosseguir. Quando o jovem Parrado estava recolhendo madeira para acender uma fogueira, Canessa notou o que parecia ser um homem em um cavalo no outro lado do rio, e gritou com Parrado que era míope para correr para baixo em direção aos bancos de areias do rio. Divididos pelo rio Portillo, Nando e Canessa tentaram transmitir a sua situação, porém, o ruído da correnteza do rio dificultou a comunicação. Um dos cavaleiros, um vaqueiro chileno chamado Sergio Catalán, gritou "amanhã". Eles sabiam que, neste ponto eles seriam salvos e se estabeleceram para dormir junto ao rio. No dia seguinte, Catalán levou alguns pães e voltou para a margem do rio. Lá ele encontrou os dois homens ainda do outro lado do rio, de joelhos a pedir ajuda. Catalán jogou os pães, que eles imediatamente comeram, e uma caneta e papel amarrado a uma pedra. Parrado escreveu um bilhete falando do acidente com o avião e pedindo ajuda. Em seguida, ele amarrou o papel a uma pedra e atirou-a de volta para Catalán. Então, o vaqueiro leu o bilhete e deixou claro que havia entendido a mensagem. Nesse momento, o filme já mostra o início da movimentação para os resgates, com o chefe de polícia da localidade de Puente Negro71, dando a notícia ao pai de Carlitos Páez acerca da grande descoberta. Enquanto isso, Parrado e Canessa foram resgatados e chegaram a Los Maitenes72, onde foram alimentados e deixados em repouso. Nessa mesma noite, o próprio Páez teve a visão do resgate em seu sonho e contou aos demais sobreviventes que aguardavam o resgate. Na manhã seguinte, a expedição de resgate deixou Santiago do Chile, e depois de uma parada em San Fernando, mudou-se para o leste. Dois helicópteros tiveram que voar na neblina. Porém, chegou a um lugar perto de Los Maitenes apenas quando Parrado e Canessa já estavam a cavalo, indo para Puente Negro. Nando Parrado foi recrutado para voar de volta à montanha a fim de orientar os helicópteros para

71 Pequena cidade da regional de O’Higgins, no Chile. 72 Pequena localidade dentro das cordilheiras no Vale de Gaveta de Maipo, em São José de Maipo, no Chile.

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resgatar os demais sobreviventes. O filme termina mostrando como teriam sido as cenas do resgate de helicóptero e a emoção do reencontro dos sobreviventes com seus familiares. Por fim, a obra enaltece a coragem dos dois jovens que se arriscaram para salvar a vida de todos.

Figura 45 - Final do trailer de apresentação do filme ao público na ocasião

Fonte: IMDb – Sobreviventes dos Andes, 2015.

No que se refere a estrutura narrativa da obra, constatamos que o período de produção e lançamento do filme teve influência em suas características. Na afirmação de que um determinado período intervém de forma positiva ou negativa na definição desses estilo e narrativas, Turner (1997, p. 72) enfatiza que “[...] os filmes de longa- metragem são narrativos – eles contam histórias. Mesmo os filmes baseados em eventos reais fazem ficção a fim de gerar drama, condensar o tempo, evitar o aparecimento de muitas personagens secundárias ou simplesmente para serem mais divertidos.” Na questão da narrativa, a autora prossegue, expondo que “[...] o estruturalista observa os filmes para ver como se encaixam num gênero, estilo ou movimento, ou como ajudam a definí-los. […] a narrativa é iniciada pelo estabelecimento de algum tipo de conflito. A maioria dos filmes começa estabelecendo as linhas de uma ameaça, um desafio ou uma necessidade que precisa ser atendida ou satisfeita.” (TURNER, 1997, p. 78). Com relação ao gênero, Turner (1997, p. 88; 111), acrescenta que “[...] foi emprestado dos estúdios literários, em que é usado para delinear a diferença entre

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sátira e comédia, tragédia e farsa, e assim por diante, o termo ‘gênero’ tornou-se um instrumento útil na análise do cinema. Aqui, o gênero é um sistema de códigos, convenções e estilos visuais que possibilita ao público determinar rapidamente e com alguma complexidade o tipo de narrativa a que está assistindo.” Concernente à definição do público do cinema, a autora sublinha que “[...] a dissolução das fronteiras entre o imaginário e o real faz parte do cerne da experiência do cinema. A representação aparece como percepção.” O objetivo de nossa pesquisa fica mais forte, pois aqui também percebemos todos os momentos citados na estrutura sugerida em filmes catástrofes com acidentes aéreos, tais como: - Mostram, no início e em flashback ao longo da trama, alguns dos personagens com suas rotinas diárias para maior afinidade com o público em geral. Além disso, cria-se o clima de proximidade com o espectador na percepção de aspectos humanos e comuns a todos; Nessa obra, a abertura, mostrando a movimentação de um aeroporto, assim como os passageiros interagindo entre si no começo do voo, deixam claro a relação com a vida real. Os diálogos, pontuados antes do acidente, colocam todos os atores em sintonia com o que os espectadores querem ver, por se tratar de um filme construindo a sua verdade baseada em um acidente real. - Os personagens escolhidos desempenham, ao longo da trama, papeis em destaque, desenvolvendo a narrativa clara e consistente com seus atos no desfecho da ação; Da mesma forma que os filmes que serão adiante analisados, os jovens Carlito Páez, Fernando Parrado, Gustavo Zerbino e Roberto Canessa se destacam e desempenham papeis marcantes ao longo de toda a sobrevivência nas montanhas e se mostram decisivos no retorno para casa, da mesma forma que foi citado por todos os livros publicados sobre o acidente aéreo. - Apresentam a aeronave, objeto central do drama e, explicam os aspectos técnicos que podem, ao longo do filme, influenciar no acidente aéreo e como a tripulação lida com essas informações em seu dia-a-dia, a fim de criar uma aura de suspense e expectativa no público em geral. Nesse filme, o diretor tem a preocupação em mostrar os aspectos básicos que fizeram os pilotos errarem em seus julgamentos de análise em relação à situação

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climática na ocasião, o que os levou a entrar em circunstâncias adversas às condições de navegação aérea da região. - Contemplam os fatos, na verdade que é construída na obra, tal qual foram demonstrados nos relatórios finais das investigações, nas cenas do acidente aéreo. Com isso, procuram colocar o público dentro do evento, fazendo-o sentir o ‘já sentido’ (PERNIOLA, 1993), pelas vítimas ou sobreviventes, assim como as ações que foram desencadeadas para os resgates e/ou investigações. Entendemos que a verossimilhança encontrada nessa obra em relação ao que dizem os relatórios oficiais, assim como os aspectos marcantes encontrados no livro de Clay Blair Jr. foram bem explorados pelo diretor Cardona, pois os momentos relatados no livro são encenados de modo a construir a verdade do próprio filme, com uma boa coordenação, sem prejudicar o sentido de continuidade e de tempo encontrados. As cenas mais fortes, tais como: o intestino saindo da barriga de Platero e Canessa cortando a carne de um cadáver, trazem o terror e o suspense adequados a um relato de sobrevivência. A seguir faremos a analise da segunda obra, referente ao mesmo evento real, para sabermos se podemos encontrar os mesmos momentos vistos nessa obra já decupada.

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3 Os aspectos da estrutura narrativa do filme Vivos (1993), de Frank Marshall

Esse é o segundo filme que encenou o acidente aéreo nas cordilheiras dos Andes que vitimou os jovens jogadores de rúgbi uruguaios. Faremos a análise fílmica da obra citada, além de algumas comparações com o filme Supervivientes de los Andes (Sobreviventes dos Andes, 1976), de René Cardona e, Stranded: I’ve Come From a Plane That Crashed on the Mountains (A Sociedade da Neve, 2007), de Gonzalo Arijón. A definição de Aristóteles para ‘tragédia’ é de que se trata de uma imitação “dos caracteres, das paixões e das ações humanas’ sobretudo ‘de ações, da felicidade e da infelicidade” (sd., p. 300) de seres humanos em meio a atividades humanas. Aristóteles, portanto, supõe que a tragédia, pela imitação dos caracteres e das paixões, valendo-se da música, da dança, do espetáculo e, sobretudo, do princípio de verossimilhança, provoca um prazer que lhe é próprio, instigando no ânimo do espectador o terror e a compaixão. A partir deste princípio faremos também a associação da obra citada com os arquétipos do melodrama, assim como a narrativa e estrutura presentes no filme catástrofe com acidente aéreo real. (ARISTÓTELES, s.d.) Convém relembrar que o “cinema é uma arte industrial ou o próprio resultado do processo capitalista. Sendo assim, tem a própria essência da indústria. No cinema, toda a sua organização é industrial, é taylorista, em suas divisões de departamentos, de trabalho e mão-de-obra. O cinema é um produto da indústria, é arte, e ele mesmo se configura como uma indústria, e é pensado como todo produto fabricado.”

(VADICO, 2016)73 O Melodrama é a base de quase todas as narrativas do cinema e se fortaleceu ao longo do século XX, mas se impõe como gênero a partir da década de 1920. Thomasseau (2005), em seu livro O Melodrama, coloca de forma simples e clara que o gênero nasce com o surgimento e desenvolvimento da burguesia, no ápice da Revolução Francesa, no final do século XVIII, e que seus arquétipos são “personae, máscaras de comportamentos e linguagens fortemente codificadas e imediatamente

73 Nota de sala de aula da disciplina “Estética dos meios audiovisuais – O melodrama em processo”, do mestrado em Comunicação Audiovisual, da Universidade Anhembi Morumbi, ministrada pelo Prof. Dr. Luiz Vadico. 2016-1.

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identificáveis. Esta tipologia caracterizada pela fixidez dos tipos reduz-se a algumas entidades principais: o vilão, a vítima inocente, o cômico e outras secundárias, como o pai nobre ou o protetor misterioso” (THOMASSEAU, 2005, p. 39). Essa definição não se impõe como definitiva, pois ainda temos algumas dualidades típicas do melodrama, tais como: a luta do bem contra o mal, o herói contra o vilão, o religioso contra o profano, a luz contra as trevas74, a moral contra o crime, etc. e tudo isso com o objetivo principal de se formar a família nuclear ideal. Faremos, no desenvolvimento desse capítulo, a mostra de alguns aspectos do melodrama no enredo e os simbolismos encontrados ao longo das cenas do filme Vivos (1993), de Frank Marshall, assim como as similaridades com as demais obras, referentes ao mesmo acidente.

3.1 A Queda e os conflitos gerados

A película começa com a exposição de algumas fotos dos integrantes do time uruguaio de rúgbi, com a voz ao fundo de um dos sobreviventes, Carlos Miguel Páez Rodrigues, mais conhecido como Carlitos Páez. O ambiente é sombrio, a atmosfera de uma penumbra calculada para deixar o espectador com uma sensação de angústia e sofrimento quase palpáveis, inerentes ao enredo. Paez fez o seu próprio depoimento e abre o filme com suas palavras 20 anos após o acidente. Em seu testemunho, ele faz uma breve apresentação dos integrantes do time, que estão nas fotos que vão passando às vistas dos espectadores. Em seguida, fala sobre o Deus que ele conheceu nas montanhas, oculto, que cerca toda a civilização e que era diferente do Deus que o haviam apresentado na escola. Esse início nos coloca a frente de um arquétipo do melodrama que é a religiosidade dos participantes que enfrentaram os acontecimentos (OROZ, 1999), pois tinham formação judaico-cristã. A oratória de Carlitos Páez é recheada de um recurso recorrente nas obras cinematográficas, o flashback, que segundo Jacques Aumont:

Sendo a ordem dos planos de um filme indefinidamente modificável, em particular, em um filme narrativo, fazer suceder a uma sequência que relata acontecimentos anteriores; dir-se-á, então, que se "volta atrás" (no tempo). Essa figura narrativa [...] é a mais banal e consiste em apresentar a narrativa em uma ordem que não é a da história. (AUMONT, 2003, p. 131)

74 Simplificação da Doutrina de Maniqueu, filósofo cristão do século III, que divide o mundo simplesmente entre Bom, ou Deus, e Mau, ou o Diabo.

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Conforme Barnier (2008, p.51) “[...] quando a fonte sonora não é visualizada, [...] falamos de som fora-de-campo; quando uma voz [...] se junta à imagem, [...] ou quando é extradiegética (comentário de documentário), propomos, na esteira de Jean Châteauvert, usar o nome voz over.” Aos 01’59” de filme, essa técnica de voice-over, ou voz em off, é usada para dar conhecimento à plateia dos aspectos que levaram os jovens estarem dentro do avião sobrevoando as cordilheiras dos Andes. Esse recurso é utilizado juntamente com a legenda do que está sendo falado. O avião é um Fairchild FH-227 (Figura 46), bimotor de fabricação norte- americana, que havia sido comprado pela Força Aérea Uruguaia (FAU) apenas dois anos antes. A cena aos 02’26” nos demonstra a jovialidade dos integrantes do time brincando no interior da aeronave, com diversas conversas, sob o olhar desaprovador do Sgt. Ovidio Joaquín Ramírez75, comissário de bordo, que acabara de sair da cabine dos pilotos para buscar uma bebida para o Cel. Julio Ferrádas, comandante da aeronave que, da mesma forma que acontece no primeiro filme, é mostrado sentado no lado direito dos comandos, contrário ao que deveria estar sentado, pois de acordo com as regras da aviação o comando da aeronave de asas fixas sempre é posicionado ao lado esquerdo da cabine de voo. (GARDIES, 2008) Aos 03’28”, ao final da uma breve conversa com a sua mãe, Eugenia Parrado, mãe de Fernando Parrado, também integrante do time de rúgbi, Susana Parrado, com a câmera em close-up, olha pela janela da aeronave e comenta “Tá ficando enevoado!”. A cena seguinte é uma externa do avião sobrevoando as montanhas e entrando em nuvens esparsas, com o barulho dos motores turboélice em regime de cruzeiro e voltando para dentro da cabine dos pilotos. Nessa cena, a tripulação do avião é mostrada em alguns procedimentos comuns aos profissionais da aviação quando estão em voo, com o comandante alertando ao Tenente Coronel Dante Lagurara, copiloto, para que se mantenha acima das nuvens, ao que se ouve a resposta: “Vou me manter!”. Aqui já temos o 3º momento em conexão com o 2º momento, ou seja, o filme mostrando a aeronave em operação assim como a tripulação em suas atividades operacionais rotineiras.

75 Neste trabalho foram mantidos os nomes reais dos tripulantes e passageiros do voo 571.

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Figura 46 - O avião Fairchild FH-227D que caiu em 1972

Fonte – Reprodução site 40graus.al, 2015

Na cena aos 04’15”, o comissário, ao retornar à cabine com a bebida do comandante, a câmera mostra, como se fosse a visão do comissário que está em pé logo atrás dos assentos, o copiloto falando com o Centro de Controle de Área76, informando que estará subindo para 10.000 pés de altura. O comandante, então se vira para o comissário e pede para que o mesmo retorne aos passageiros e os avisem para sentarem em seus assentos e, que apertem os cintos porque enfrentarão alguma turbulência à frente. Ao retornar à cabine de passageiros o comissário se depara com os jovens brincando e tirando fotos (Figura 47). A observação de como os jovens se relacionam com as imagens, e de como é feito o entremeio de fotos reais com a encenação do filme, nos leva ao que Aumont coloca em seu livro “a imagem é sempre modelada por estruturas profundas, ligadas ao exercício de uma linguagem, assim como a vinculação a uma organização simbólica (a uma cultura, a uma sociedade); mas a imagem é também um meio de comunicação e de representação do mundo, que tem seu lugar em todas as sociedades humanas.” E ele finaliza sua conclusão afirmando “A imagem é universal, mas sempre particularizada.” (AUMONT, 1993, p. 131)

76 Ou simplesmente ACC que é um órgão do Controle de Tráfego Aéreo (ATC) cuja função é prover o controle do tráfego aéreo à todas as aeronaves que estejam trafegando dentro de aerovias, além de prover o Serviço de Informação de Voo (FIS) e o Serviço de Alerta (ALRS) à todas as aeronaves voando em Região de Informação de Voo (FIR).

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A utilização de imagens reais com a ficcionalidade do filme leva o espectador a experimentar uma verdade construída pela obra como se o mesmo estivesse participando dos acontecimentos. O que acontece logo na cena seguinte é um erro técnico também, pois os pilotos fazem o movimento de puxarem o manche77 da aeronave para ela subir. Até então, está correto, mas ao invés de darem potência aos motores, levando os manetes78 de acionamento dos motores à frente, eles puxam esse manete e isso significa que estão tirando potência dos motores, diminuindo a rotação das hélices, o que significa que a aeronave irá descer, e não subir.

Figura 47- Passageiros do voo 571, antes da queda nos Andes

Fonte – Fernando Parrado (sobrevivente), 1972

A partir dos 5’ até os 05’58” são apresentados os instantes que antecedem a queda da aeronave com breves diálogos que são trabalhados de forma curta e pontuada para não deixar escapar a atenção do espectador para as situações de tensão entre os passageiros, buscando colocar a plateia dentro do clima de ansiedade de todos que estavam na aeronave. Esses recortes nos diálogos são observados

77 Controlam superfícies móveis nas asas e na cauda (ailerons e profundores). Girando, o piloto comanda o aileron e o avião vira para a direita ou a esquerda. Ao puxar o manche em sua direção, o piloto controla o profundor, elevando o nariz do avião para ganhar altitude. Ao empurrá-lo, baixa o nariz e a aeronave desce. Disponível em HOMA, Jorge. Aeronaves e Motores. São Paulo: Ed. ASA, 2007. 78 São quatro alavancas: duas para cada piloto. Os manetes de potência aceleram e reduzem a potência do motor tanto em solo quanto em voo. Os manetes do reverso são alavancas menores, acionadas apenas no pouso, após o avião tocar o solo. Elas invertem o fluxo de descarga do motor, reduzindo a velocidade do jato. Disponível em HOMA, Jorge. Aeronaves e Motores. São Paulo: Ed. ASA, 2007.

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também nos filmes O Dirigível Hindenburg (1975), Sobreviventes dos Andes (1976), Whisky Romeu Zulu (2004), Voo United 93 (2006), A Sociedade da Neve (2007) e, no mais recente filme lançado Sully – O herói do rio Hudson (2016), além de várias outras obras para a televisão, como forma de criar a angustia e o suspense necessário ao desenrolar da trama. A cena aos 06’01” mostra um alerta sonoro na cabine dos pilotos, junto com o piscar de um alerta visual na cor vermelha79, chamando atenção para que algo não estava correto. Neste ponto, todos demonstram seu desespero aos verem as montanhas tão perto e tentam fazer a aeronave subir. Nesse momento, o filme mostra um integrante do time perguntando se deveriam estar voando tão perto das montanhas e um outro rezando a “Ave Maria” como um sinal do que estava para acontecer. O momento que antecede a queda é angustiante, pois mostra o desespero dos pilotos ao perceberem o que seria inevitável. Eles tentam fazer a aeronave subir, mas, com dificuldade pela falta de potência necessária nos motores para uma atitude de cabine mais vertical e acentuada, não conseguem. A cena da queda se inicia aos 06’41”, com o comandante Coronel Ferrádas olhando a sua direita e vendo a montanha se aproximar da aeronave (Figura 48). No primeiro impacto o avião perde a asa direita e, aos 06’49” vemos a cena da perda da cauda do avião com algumas pessoas sendo arremessadas para fora da aeronave. O avião continua a sua trajetória descontrolada, perde a sua asa esquerda e, aos 07’40” temos a parada repentina da mesma com o choque com uma massa de gelo a sua frente. Esse choque faz com que grande parte das poltronas dos passageiros se desloquem para a frente fazendo com que vários passageiros morram esmagados em seus próprios assentos, o que é mostrado com bastante verossimilhança no filme. O silêncio que se faz nos 20 segundos em seguida da parada da aeronave é muito desconfortável e a primeira palavra que se ouve quebrando esse silêncio é “Amém” dito por um dos jovens sobreviventes. Na sequência, outro jovem pergunta “Parou?” e de repente outro passageiro, como que acordasse de um pesadelo, pula e grita “Jesus”.

79 Em qualquer aeronave, toda situação adversa, que pode resultar em eminente perigo, é antecedida de um sinal sonoro e um sinal visual, para os pilotos, nos instrumentos da cabine.

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Figura 48 - Início da queda do avião com o choque com as montanhas

Fonte – Filme Alive (Vivos, 1993), de Frank Marshall

Esses 60 segundos expondo as cenas da queda da aeronave, como já falamos antes, levou nove dias para ser rodado. Este período submeteu os atores a um verdadeiro sacrifício, pois para se conseguir o realismo necessário ao clima do enredo, o cenário foi construído em cima de um eixo cardam, e isso fazia com que os atores fossem agitados de um lado para o outro, constantemente, de modo a simular a movimentação da aeronave durante a queda. Já nos instantes posteriores à queda, os sobreviventes começam a juntar os pedaços do que sobrou no interior do avião e a se recomporem para ajuda e conforto mútuos. Uma cena emblemática acontece aos 11’01”, conforme sequência abaixo

(Figura 49), com a câmera em close quando Pablo Montero80 chama por Gustavo Zerbino Stajano, que era um dos jovens que ajudavam os feridos, ambos do time de rúgbi, e mostra uma barra de alumínio, provavelmente parte de um assento da aeronave, que havia perfurado o seu abdômen. Zerbino olha para o pedaço de alumínio enterrado na barriga do amigo enquanto Pablo lhe pergunta “É sério?”. Zerbino responde “Esquece. Você está legal.”. Pablo então pergunta “É mesmo?” e Zerbino responde “É, não se preocupe, você é forte como um touro”. Tentando desviar a atenção de Pablo, Zerbino diz “Ajude aqui com essa cadeira, tá?” e quando Pablo se vira para ajudar, Zerbino, em um rápido movimento, puxa a barra de alumínio da barriga de Pablo e fica por um segundo olhando aquele pedaço de metal sujo de

80Personagem baseado em Enrique Platero Riet, falecido durante o período de sobrevivência nas montanhas.

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sangue em sua mão. Em seguida, Zerbino pega uma camisa e diz para Pablo - “Toma. Amarra com essa camisa. Depois a gente vê isso” - e sai para olhar outros feridos. Essa cena é emblemática, porque é bem diferente do que foi narrado pelo primeiro filme, e também do relatado nos livros. Ao olharmos a filmografia de Marshall percebemos um pragmatismo exagerado em suas obras, tais como, o documentário para a televisão The Making of “Poltergeister” (1980), Arachnophobia (1990) e Congo (1995) além de outros. Esse pragmatismo não confirma nada, mas deixa dúvidas quanto a vontade e desejo de seguir regras pré-definidas nas obras já publicadas enquanto diretor de seus filmes.

Figura 49 - Zerbino e Pablo com a barra de alumínio em seu abdômen

Fonte: Filme Alive (Vivos, 1993), de Frank Marshall.

Em todos os livros, o fato da barra de alumínio ter perfurado o abdômen de Platero, existiu, mas o filme Alive não mostra a parte do livro em que Zerbino, ao puxar

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a barra de metal do abdômen de Platero, expõe parte dos intestinos do mesmo. A câmera, em nenhum momento, mostra o fato deixando o espectador imaginar o mesmo em sua verdade construída em função da experiência de vida de cada um. Na cena aos 13’13”, Zerbino foi ver o estado em que se encontrava o Tenente Coronel Lagurara, copiloto da aeronave. Então, ele pede água ao ver o jovem entrar na cabine. Zerbino pede para Ramon "Moncho" Sabella, que o acompanhou até a cabine, pega um pouco de neve e coloca na boca do copiloto. Neste ponto Sabella pergunta “Onde é que está o rádio? Temos que chamar Santiago”. Em seu delírio do choque pós-trauma, Lagurara balbucia com a câmera em close-up em seu rosto machucado “Passamos por Curicó. Passamos por Curicó”81. Neste momento percebe-se que, ao puxar o headset para tentar ouvir algo na fonia, cai um crucifixo atrás da cabeça do copiloto e este pede por sua bolsa (Figura 50). No entanto, Zerbino não dá atenção ao pedido do copiloto e pergunta “Como chamamos Santiago?”. Lagurara balbucia a frequência do Centro de Controle de Área do Chile que era de 113.00 MHz82. Zerbino coloca a frequência no rádio e tenta ouvir algo, mas diz “Está mudo. Não temos energia”. Lagurara insiste em continuar pedindo pela sua bolsa e Sabella fala “Não tem nada no chão. Eu não vejo a bolsa”. Neste momento, Zerbino fala ao copiloto “Estamos procurando pela bolsa. O que tem nela?”, ao que o copiloto vira a cabeça com dificuldade para olhá-lo e dizer “Minha arma. Minha arma”. A câmera fecha o ângulo no rosto de Zerbino que diz “Não meu amigo, eu não permito isso”, reforçando a formação católica do grupo que fazia parte e que não pactuava com o suicídio. Um dos pilares do gênero melodrama é “o sagrado contra o profano” e esse aspecto nos coloca a frente de um arquétipo desse gênero que doutrina e educa no seio da sociedade. (OROZ, 1999) Observamos, até esse ponto, os momentos Personagens, Tripulação, Aeronave e Acidente sendo usados de forma não linear, ou seja, a construção do sofrimento dos sobreviventes como pessoas normais assim como os espectadores, entremeados com os aspectos técnicos e peculiaridades que levaram a queda da

81 Em alusão à cidade de Curicó, na Província de Curicó, localizada na região de Maule, ao sul de Santiago do Chile. 82 O Hertz é uma unidade de medida de frequência, ela deriva do Sistema Internacional de Medidas. O Hertz é equivalente a ciclos por segundo e pode ser usado para medir a frequência de ondas sonoras como o rádio. 1 hertz equivale a 1 ciclo, 10 hertz a 10 ciclos, 100 hertz a 100 ciclos e assim por diante. 1 MHz (megahertz) equivale a um milhão de hertz. Disponível em: Ferraro, Nicolau. Toledo, Paulo. Fogo, Ronaldo. Física Básica. 3 ed. São Paulo: Atual Editora, 2009 (unid. 6, cap. 29, 30 e 31)

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aeronave, além dos esforços dos pilotos tentando evitar o acidente, operacionalizando as tarefas necessárias conforme treinamento recebido, assim como o que restou dos destroços do avião em plena cordilheira.

Figura 50 - Crucifixo que cai atrás da cabeça do copiloto quando puxam o headset

Fonte: Filme Alive (Vivos, 1993), de Frank Marshall

3.2 A sobrevivência

A música que toca a partir dos 17’11”, até 17’34” na contemplação do jovem Fito Strauch, com a câmera em close em seu rosto, na desolação que os cerca naquele momento (Figura 51) e, a mostra que é dada aos espectadores dessa natureza extrema com uma panorâmica do local em que estão, força o espectador a imaginar as dificuldades que virão e demonstra o que espera pelos sobreviventes do acidente naquele local. Aqui já temos uma amostra de outro arquétipo do melodrama que será a luta que terão que travar com o vilão que se apresenta. A partir daquele instante, terão que aprender a lidar com as intempéries da natureza em seus extremos de temperatura baixa, sem os devidos equipamentos para suportá-los, ou seja, o ‘Bem’, que é em todo o filme “a vontade de sobreviver”, contra o ‘Mal’, que é “a força da natureza em seus extremos”. (THOMASSEAU, 2005)

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Figura 51 - Contemplação de Fito Strauch

Fonte – Filme Alive (Vivos, 1993), de Frank Marshall.

A partir de 22’29” acontece o primeiro enterro coletivo dos que morreram durante a queda ou logo após ela. Nesta cena alguns jovens trazem o corpo de uma mulher para ser enterrado junto com os demais. Alguém comenta com o grupo “Nunca pensei em passar por isso”. Carlito Paez ao ver que estão trazendo mais um corpo pergunta “Quem é essa?”, ao que Zerbino respondeu “É a mulher que gritou a noite toda. A senhora Alfonsin”83. Carlito diz “Não me diga que é ela. Eu gritei com ela. Mandei ela calar a boca.”, então Sabella diz “Era o desejo de todos”, “Mas eu fiz. Agora ela está morta. Eu estou tão envergonhado.”, começa a chorar e continua “Que Deus me perdoe”. Nesse momento alguém fala “Que é isso? Fique calmo” e, sem que ninguém planeje o fato, todos ficam de pé em volta dos corpos estendidos no chão e começam a rezar o ‘Pai Nosso’. Nessa cena a câmera se afasta do grupo, fazendo um travelling de baixo para cima junto com um zoom out (Figura 52) e, na sequência, sobe o foco para o céu, enquanto o grupo continua a oração com uma música instrumental ao fundo. O simbolismo presente na cena leva os espectadores a perceberem o caminho que a alma, ao deixar o corpo, faz para subir aos céus, lembrando que as almas partem mas deixam na Terra os demais que lutam pela sobrevivência. Esse é mais um arquétipo do melodrama, o sagrado, o religioso em sua concepção de sociedade ocidental civilizada. (OROZ, 1999)

83Personagem baseada em Graziela Obdulia Augusto Gumila de Mariani, falecida um dia após a queda do avião.

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Figura 52 - Oração do grupo no enterro dos mortos no acidente

Fonte – Filme Alive (Vivos, 1993), de Frank Marshall

Mesmo nas horas de conflito em que precisaram racionar, lutando para conseguir alimentos e a bebida, a amizade se fez presente e foi mais forte do que o desespero de todos. Eles demonstraram isso com a preocupação em alimentar Fernando Parrado, que se encontra em coma, mas ainda vivo. Na cena aos 27’52”, quando Fernando Parrado está acordando do seu coma, após dois dias da queda, fica evidente a força da família no enredo do filme, mostrando a preocupação de Parrado com os seus. Já nas primeiras perguntas que faz ao jovem Canessa, ele diz “O que houve? E minha mãe?”. Ao saber da morte da mãe, demonstra seu desespero e é contido por Canessa, que diz para ele não se preocupar com sua irmã (que está gravemente ferida) e com seu pai (que ficou em Montevidéu), pois ainda estão vivos. Imediatamente Parrado, com dificuldade se coloca de pé, gritando e procurando por sua irmã Susana. Quando a encontra, se ajoelha ao lado dela e diz “Agora eu estou aqui.” E, em seguida, a cena é cortada para uma panorâmica de mais uma noite nas montanhas com uma música instrumental ao fundo. Logo após, vê-se o interior dos destroços da aeronave, mostrando o jovem Parrado cuidando com carinho de sua irmã (Figura 53), mesmo estando debilitado de seu recente coma.

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Figura 53 - Nando Parrado depois de acordar do coma, cuidando de sua irmã

Fonte: Filme Alive (Vivos, 1993), de Frank Marshall

A luta pela sobrevivência é intensa e mostra toda a dificuldade no confronto com as adversidades da natureza. A partir da noite do sétimo dia, começam a rezar toda noite como forma de se manterem unidos em torno de um só objetivo: continuarem vivos. Nessa hora, um dos integrantes do grupo se diz agnóstico e, imediatamente, um dos jovens diz “Então não reze e verá se Deus virá salvar você. Alguém mais quer arriscar a sorte desse jeito?”. Segue um silêncio por alguns segundos e logo começam a rezar a ‘Ave Maria’, em um coro uníssono (Figura 54), enquanto a câmera continua com uma panorâmica em torno da vastidão das montanhas e seus entornos, mostrando o que os espera para os próximos dias, mesmo continuando a ouvir a voz de todos em oração.

Figura 54 - Sobreviventes rezando antes de dormir no interior da aeronave

Fonte: Filme Alive (Vivos, 1993), de Frank Marshall

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No nono dia, aos 45’09” do filme, quando escutam no rádio, que haviam encontrado os destroços da aeronave e estavam encerrando os resgates. Então, Fernando Parrado reúne todos os sobreviventes para dar a notícia e diz que agora eles têm que sair daquela situação por sua própria conta, sem esperar nada de ninguém. Nesse momento, alguém fala que não tem forças nem para subir um morrinho, quanto mais escalar as montanhas pelo fato de estarem debilitados, sem alimentos. O choque com a realidade chega quando Parrado argumenta “Porque estamos sem comer. Se cancelaram as buscas agora temos que salvar as nossas vidas e nós temos que comer.” Então, Liliana Methol84 pergunta “Comer o que?”. Faz- se um silêncio de vários segundos, enquanto a câmera focaliza os rostos de todos os sobreviventes, mostrando o impacto da realidade em cada um deles (Figura 55). Alguém diz, quase que perguntando “Os mortos?!” e Parrado responde “Exato. Temos que comer os mortos.” E se retira do interior da aeronave.

Figura 55 - Sobreviventes atônitos com o choque de realidade

Fonte: Filme Alive (Vivos, 1993), de Frank Marshall

Essa questão é retratada de forma diferente em relação ao livro a partir do qual se baseia o filme, pois quem coloca todos de frente com a realidade dos fatos é o jovem Roberto Canessa que, com seus poucos meses de estudo em medicina, alega que “os corpos dos que morreram são somente carne sem vida, já que não possuem mais alma” e isso não iria contra os seus princípios como cristão. Ao passo que esse

84Uma das passageiras que faleceu no dia da avalanche nas montanhas.

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filme coloca esse fato dessa forma, o filme ‘Sobreviventes dos Andes’ (1976), de René Cardona, expõe esse detalhe como foi relatado pelos sobreviventes e, não encontramos, em nenhuma literatura sobre esse acidente, o motivo de o diretor Frank Marshall ter alterado o relato da história, a não ser por pura constituição ficcional. Aqui temos a luta de um forte arquétipo do melodrama, que são os ‘princípios morais’ em contraponto com a ‘necessidade de sobrevivência’, ou seja, essa necessidade de sobrevivência está propondo irem contra os seus valores aprendidos em sociedade como corretos e moralmente aceitos. (OROZ, 1999) Também podemos perceber que a narrativa inserida no filme só é percebida como real pelo fato de sabermos que o evento já aconteceu, mas é tão insólito que se mistura com a realidade e deixa de ter importância a distinção entre eles. Maffesoli (2012) expõe “Imaginário poderia ser esse céu de ideias que, de uma forma pouco misteriosa, garante a coesão do conjunto social. É uma característica cada vez mais solicitada. [...] chamando a atenção, com isso, para o fato de que só se pode captar o real a partir do que é, aparentemente, seu contrário: o irreal. [...]”. Essa dualidade Real e Irreal se apresenta muito forte nesse melodrama (Figura 55). E tudo isso consegue mostrar e fazer o espectador participar do mesmo, vivendo as diversidades e experimentando “o já vivido e já sentido pelos outros” (PERNIOLA, 1993).

Figura 56 - Sobreviventes tomando sol com um mês de convivência

Fonte – Fernando Parrado (sobrevivente), 1972

De certa forma o antropofagismo (canibalismo), como propalado nessa obra, dotou os sobreviventes de energia suficientes para vencerem os 72 dias na cordilheira

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dos Andes e contribuiu para o crescimento espiritual de cada um, face o sofrimento que estavam passando em vida, influenciados pela crença religiosa da maioria. Essa constatação salvou a vida dos remanescentes (Figura 57). O que no começo sofreu resistência da maioria dos sobreviventes, foi se mostrando, ao longo dos dias, a única forma de vida para os mesmos. (JUNQUEIRA, 1994, p. 61) Procuramos entender por que esse roteiro ficou tanto tempo longe das telas e não temos registros, na filmografia mundial, de nenhuma tendência ao canibalismo até então. Os filmes de maior impacto na sociedade, com esse tema na época foram No Mundo de 2020 (Soylent Green, 1973), de Richard Fleischer, Holocausto Canibal (Cannibal Holocaust, 1980), de Ruggero Deodato, O Que Há para Jantar? (Parents, 1989), de Bob Balaban, dentre outros, mas nenhum deles teve tanta repercussão como o fato verídico acontecido no acidente aéreo na cordilheira dos Andes. Essa demora do roteiro longe das telas é conhecida de todos, pois temos registros de que o mesmo, baseado no livro de Read, já havia percorrido vários estúdios, sem nunca ter sido sequer colocado em apreciação.

Figura 57 - Roberto Canessa cortando um corpo sob o olhar dos demais

Fonte: Filme Alive (Vivos, 1993), de Frank Marshall

3.3 A jornada de volta

O filme segue o seu curso de dramatização e mostra, logo em seguida, a avalanche que os atingiu, em plena noite, matando mais oito pessoas (Figura 58). Alguns dias depois de enterrá-los, eles encontram a cauda do avião que havia se

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partido durante a queda (Figura 59) e, iniciam mais uma tentativa de contato usando os rádios da aeronave e as baterias que encontraram, sem sucesso.

Figura 58 - Sobrevivente tentando escapar da avalache que atingiu o avião

Fonte: Filme Alive (Vivos, 1993), de Frank Marshall

Figura 59 – Prostação de um sobrevivente ao encontrar as baterias reservas

Fonte: Filme Alive (Vivos, 1993), de Frank Marshall

Em uma ensolarada manhã do dia 12 de dezembro de 1972, os jovens Roberto Canessa, Fernando Parrado e Antonio Vizintín decidem começar a jornada de volta para casa, sem ainda saberem se terão êxito e, logo no início, percebem que será bem mais longa do que haviam previsto e se preparado. Tomam a decisão pelo retorno de Vizintín aos destroços da aeronave e ficam com todo o seu suprimento para dividir entre os dois que farão a jornada. Após dez dias de caminhada (Figura

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60), passando por muitas dificuldades por não terem os equipamentos e condições adequadas, conseguem encontrar um vaqueiro que avisa as autoridades locais, as quais providenciam o resgate de todos os demais sobreviventes.

Figura 60 - Caminho percorrido por Fernando Parrado e Roberto Canessa

Fonte – Wikimedia, 2002

Um dia antes do resgate, o uruguaio Carlito Páez, o mesmo jovem que havia sonhado com a queda do avião, um dia antes do ocorrido, avisa que teve a visão de que todos os sobreviventes seriam resgatados no dia seguinte, dia 22 de dezembro de 1972 (Figura 61). Nesse mesmo sonho em que teve essa visão, comentou que os jovens Canessa e Parrado, que haviam saído em busca de ajuda, tinham chegado bem e conseguido encontrar auxílio para todos. O resgate aconteceu nos dias 22 e 23 de dezembro de 1972, período natalício. Isso ajudou o mundo inteiro chamar o evento de Milagre dos Andes em referência ao Natal daquele ano. A alegria está estampada nos rostos dos sobreviventes como vemos na fotografia de dentro do helicóptero no dia do primeiro pouso para o embarque dos primeiros jovens (Figura 62). Embarcaram os mais doentes e debilitados e, no dia seguinte, todos foram resgatados para o seio familiar.

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Figura 61 - Carlito Paez conta seu sonho do resgate aos seus colegas

Fonte: Filme Alive (Vivos, 1993), de Frank Marshall

Figura 62 - Sobreviventes acenam para helicóptero de resgate

Fonte – Reprodução site 40graus.al

O filme, por ser a adaptação de um livro que relata os fatos investigados e de entrevistas com os sobreviventes, além dos familiares dos mortos no acidente, e dos relatórios oficiais da investigação do acidente pelos órgãos oficiais, deixa claro que essas obras são recheadas de romantismos e carregadas de apelo comercial de seus diretores e produtores. Porém, isso tudo não interfere na construção da verossimilhança dos fatos, uma vez que houve aprovação de todos os sobreviventes quanto à veiculação da obra em si. O objetivo de nosso trabalho começa a tomar força ao percebermos a clara disposição dos blocos narrativa sugeridos na introdução dessa pesquisa. Nesse contexto, percebemos, nessa obra, todos os momentos citados na estrutura narrativa

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sugerida em filmes catástrofes com acidentes aéreos, que também estão em um filme clássico, de algo que começa bem, em harmonia, isso se rompe, causa sofrimento, e a evolução da trama que caminha para a resolução e o final feliz, tais como: - Mostram, no início, alguns dos personagens com suas rotinas diárias para maior afinidade com o público em geral. Além disso, cria-se o clima de proximidade com o espectador na percepção de aspectos humanos e comuns a todos; Aqui temos os minutos dentro da aeronave, antes da queda, com a confraternização dos jovens uruguaios, com suas brincadeiras e descontração natural características dos adolescentes de qualquer período. - Os personagens escolhidos desempenham, ao longo da trama, papeis em destaque, desenvolvendo a narrativa clara e consistente com seus atos no desfecho da ação; Focam os jovens Carlito Páez, Fernando Parrado, Gustavo Zerbino e Roberto Canessa, que desempenharam papeis marcantes ao longo de toda a sobrevivência nas montanhas e foram decisivos para o retorno para casa. - Apresentam a aeronave, objeto central do drama e, explicam os aspectos técnicos que podem, ao longo do filme, ter influenciado no acidente aéreo e como a tripulação lida com essas informações em seu dia-a-dia para criar uma aura de suspense e expectativa no público em geral. Os procedimentos em voo ficam claros nas rotinas dos pilotos e do comissário de bordo, mostrando aos espectadores as atividades necessárias ao desempenho das funções e sua importância no desenrolar da trama. - Contemplam os fatos, tal qual foram demonstrados nos relatórios finais das investigações, nas cenas dos acidentes aéreos, procurando colocar o público dentro do evento, fazendo-o sentir o ‘já sentido’, pelas vítimas ou sobreviventes, assim como as ações que foram desencadeadas para os resgates e/ou investigações. (PERNIOLA, 1993) Nesse ponto, além dos relatórios, o diretor fez questão de realçar as entrevistas obtidas pelo autor Piers Read, ao escrever seu livro, dando verossimilhança à narração com o que foi vivido pelos envolvidos. As cenas do acidente em si, assim como os dias que se passaram nas montanhas construíram uma versão fiel aos relatos dos jovens sobreviventes e, conforme os relatórios oficiais da investigação do ocorrido. O diretor procurou um roteiro que permitisse um relato carregado de tecnicidade, sem perder a noção de

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continuidade para o tempo de uma obra para o cinema, adaptada de um livro com 295 páginas, recheado com notas técnicas e de entrevistas com os envolvidos e dos familiares dos mortos. O filme termina com uma panorâmica (Figura 63) sobre o altar de pedra com um grande cruzeiro, que foi construído em homenagem aos que morreram no acidente e durante os dias nas montanhas, assim como aos que conseguiram sobreviver, no alto de um penhasco, próximo do local onde foram queimados os restos do avião. Esse simbolismo remete a formação judaico-cristã da maioria dos jovens envolvidos e, reforça o arquétipo do melodrama de que, no final, o Bem sempre vence o Mal. (OROZ, 1999)

Figura 63 - Panorâmica do altar de pedra com um cruzeiro no local do acidente

Fonte: Filme Alive (Vivos, 1993), de Frank Marshall

No próximo capítulo faremos a análise da obra de Gonzalo Arijón, Stranded: I’ve come from a plane that crashed on the mountains (A Sociedade da Neve, 2007), para a comparação com os demais filmes já analisados.

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4 Os aspectos da estrutura narrativa do filme Stranded: I’ve come from a plane that crashed on the mountains (2007), de Gonzalo Arijón

Essa é a terceira obra referente ao mesmo acidente na Cordilheira dos Andes em outubro de 1972, com os jovens jogadores de rúgbi do ‘Old Christians RFC’ de Montevideo, Uruguai. Dessa vez, o diretor tem uma relação emocional direta com os sobreviventes, pois estudou e jogou rúgbi com eles em sua adolescência. O filme começa com a filmagem sombria do interior de uma aeronave que acabou de se acidentar, filmando as janelas e sugerindo um ser humano abrindo os olhos para conseguir ver alguma coisa e, no começo, enxergando tudo embaçado. A música ao fundo, durante todo o filme, é instrumental e um tanto quanto sinistra, trazendo ao filme a angústia que o diretor quer mostrar ao espectador ao longo do roteiro. A obra é entremeada com os depoimentos dos sobreviventes, cara-a-cara com a câmera, em relação aos fatos e memórias de todos e, as encenações do que está sendo contado acerca do que aconteceu antes e durante o embarque na aeronave, os acontecimentos no voo antes do acidente e, principalmente, ao longo da jornada de sobrevivência dos jovens na Cordilheira dos Andes. O fato de o diretor ser amigo da maioria dos sobreviventes, trouxe uma forte carga emocional aos depoimentos. Percebe-se o quanto os envolvidos estão soltos e muito à vontade frente às câmeras, agindo com a naturalidade que os longos 35 anos após o acidente lhes concedeu acerca do assunto tão propagado. O entrelaçamento da vida de todos é narrado de forma cíclica e bem pontuada, mostrando as séries de coincidências ao longo dos dias que antecederam o embarque e que os levou ao fatídico evento. Esse filme se assemelha a um documentário e, embora tenhamos uma definição, em dicionários, apropriada do termo, Nichols (2007) afirma que há dois tipos de documentários e os classifica como sendo documentários de satisfação de desejos e documentários de representação social. De acordo com Nichols (2007: 47):

A definição de “documentário” não é mais fácil do que a de “amor” ou de “cultura”. Seu significado não pode ser reduzido a um verbete de dicionário, como “temperatura” ou “sal de cozinha”. Não é uma definição completa em si mesma (...). A definição de “documentário” é sempre relativa e comparativa. Assim como amor adquire significado em comparação com indiferença ou ódio, e cultura adquire significado quando contrastada com barbárie ou caos,

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o documentário define-se pelo contraste com filme de ficção ou filme experimental de vanguarda.

O documentário quando é produzido com os arquétipos melodramáticos é chamado de docudrama85, cujo termo foi primeiramente utilizado na década de 1930 e, esse termo, se enquadra na definição de Nichols de que o documentário não é simplesmente a reprodução do real, mas uma forma de representação em que o diretor assume o seu papel de construtor da verdade encenada no filme. Para Rosenthal (1999) o docudrama é um híbrido resultante da fusão entre ‘documentário’ e ‘drama’, que busca reconstruir ou retratar fatos históricos. Baudrillard (2002) tratou da complexidade da mistura entre o ficcional e o documental da seguinte forma:

[...] É a técnica que nos leva para além da semelhança, ao cerne do trompe l’oeil da realidade... É preciso que a imagem nos toque por ela mesma, que ela nos imponha sua ilusão específica, sua língua original, para que algum conteúdo nos afete. Para que haja transferência afetiva sobre o real, é preciso haver contratransferência da imagem.[...] É só libertando a imagem do real que lhe conferimos a sua potência.” (p. 143, 148)

A verossimilhança, construída na ficção, de maneira equilibrada no docudrama possibilita uma visão por parte do espectador que faz com que ele se sinta preso pelas imagens, que conquistam, seduzem, emocionam, provocam e passa a interagir com o mesmo. As muitas teorias que falam sobre a observação cinematográfica contemplam a experiência do espectador, olhando a ficção no cinema, analisando as reações emocionais e suas razões, e percebem algumas sensações aos enredos que o próprio espectador conhece como não sendo real. E não podemos ignorar o fato de que para o espectador não interessa somente se o filme é ficção, se é um documentário ou uma mistura desses dois gêneros, pois existe também o prazer de se assistir a um bom filme, o prazer harmônico, agradável que Edgar Morin afirma ser em função da identificação. Dessa forma Morin (1956)

85 É um estilo de documentário que apresenta de forma dramática a reconstituição de fatos, utilizando- se atores para isso (encenação). Podem ser representados assuntos contemporâneos ou eventos históricos. Apesar da tentativa de representar o real, muito é questionado sobre o docudrama, pois críticos defendem que a filmagem nunca é fiel ao fato original, podendo representar ângulos e pontos de vista particulares. Disponível em: Goodwin, Andrew, et al. Drama-Documentary. Londres: British Film Institute, 1983.

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propõe que há um desimpedimento afetivo, que culmina nesse processo de projeção/identificação proveniente do que o autor denomina de “afinidades” entre cinema e magia, sonho, ilusão. Para ele essa identificação constitui a “alma do cinema”, sendo que a participação afetiva pode ser considerada “como estado genético e como fundamento estrutural do cinema”. Com relação às emoções dos espectadores trazemos mais uma vez a afirmativa de Gorovitz (2006, p. 15), de que “Se as emoções fundamentam a recepção da obra impressa, fazem-no igualmente com relação aos filmes dos mais diversos gêneros. O cinema provoca no espectador uma resposta, seja esta de empatia, aceitação, dúvida ou rejeição. [...] O espectador faz significar o real que o filme proporciona, despertando outra coisa que não aquilo que transmite ao primeiro olhar” E, claramente, observamos a plena empatia e aceitação de crítica e público à obra produzida por Arijón.

4.1 Cronologia através dos depoimentos

A passagem das cenas dos depoimentos dos sobreviventes para as cenas com os atores que as representam se dá por meio de um flash que leva o espectador a imaginar um sonho, no qual as imagens se misturam e, ocasionalmente, perdem a nitidez, passando para outra cena de melhor definição.

Figura 64 - Sobrevivente Fernando Parrado, em depoimentos para o filme

Fonte: Filme Stranded (2007), de Gonzalo Arijón

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Figura 65 - Sobrevivente Roberto Canssa, em depoimento para o filme

Fonte: Filme Stranded (2007), de Gonzalo Arijón

O filme é baseado na obra A Sociedade da Neve: Os Dezesseis Sobreviventes da Tragédia dos Andes Contam Toda a História Pela Primeira Vez (2007), de Pablo Vierci e é uma junção dos depoimentos de todos os sobreviventes que foi encabeçado por Carlitos Páez e tem, na abertura do filme o movimento de câmera como se alguém estivesse abrindo os olhos e enxergando de forma embaçada as janelas do avião, com a narração de Nando Parrado falando do momento em que acorda do coma que já durava dois dias e recebendo a notícia de seus amigos que a sua mãe estava morta e que a sua irmã estava muito ferida e precisava dele para cuidar dela. Após essa cena, o filme começa a mostrar os depoimentos dos sobreviventes e a encenação do que está sendo contado por eles. Primeiramente, Fernando Parrado (Figura 64), depois Roberto Canessa (Figura 65), que foram os dois jovens que conseguiram fazer a longa viagem pelas montanhas para se salvarem e, aos amigos que estavam nos destroços da aeronave. Em seguida, temos a cena do início do embarque dos passageiros do voo 571 da Força Aérea Uruguaia (Figura 66), que havia sido arrendado para esse transporte, com os depoimentos, como se fossem narradores, dos sobreviventes (em ordem de apresentação) Gustavo Zerbino (Figura 67); Roy Harley (Figura 68); Antonio “Tintin” Vizintin (Figura 69); Adolfo “Fito” Strauch e sua filha Alejandra (Figura 70); Javier

Methol86 (Figura 71); Carlitos Páez (Figura 72); Eduardo Strauch, primo de “Fito”

86 O mais velho entre os sobreviventes, na época do acidente tinha 36 anos e, faleceu em 04/06/15.

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Strauch (Figura 73); Ramon “Moncho” Sabella (Figura 74); José Luis “Coche” Iniciarte

(Figura 75); fotógrafo Antonio Caruso87 (Figura 76); Carlos Páez Vilaró88 (Figura 77);

Alvaro Mangino (Figura 78); Jorge Massa89 (Figura 79); Roberto “Bobby” François (Figura 80); Daniel Fernández Strauch (Figura 81); Ruan Pedro Nicola e seu filho

Mateo (Figura 82); Madelón Rodriguez90 (Figura 86); Pedro Algorta (Figura 87); Roberto Canessa aparece também com sua filha Maria Inés (Figura 88); Alfredo

“Pancho” Delgado (Figura 89); Juan Catalán91 (Figura 95); o pastor de ovelhas Sérgio

Catalán92 (Figura 96); e o enfermeiro José Gilberto Bravo Castro93 (Figura 97), entremeadas com cenas reais (recuperadas de arquivos pessoais dos integrantes do time de rúgbi e da imprensa local) e de cenas com os atores performando os jovens da época.

Figura 66 - Início do embarque dos passageiros do Fairchild FH-227D

Fonte: Filme Stranded (2007), de Gonzalo Arijón

Apesar desse filme contar, pela terceira vez, o mesmo episódio do acidente de 13 de outubro de 1972, a forma como é contada a história é peculiar, pela distinção dos diretores em todas as obras, além dos períodos em que foram produzidas. O olhar

87 Fotógrafo que acompanhou e registrou todas as fases das operações de busca e salvamento do acidente na época. 88 Pai do sobrevivente Carlito Páez. 89 Piloto da equipe de resgate em 22 e 23/12/1972. 90 Mãe do sobrevivente Carlito Páez. 91 Filho do pastor de ovelhas Sérgio Catalán. 92 Que foi visto pelos jovens “Nando” Parrado e Roberto Canessa no 10º dia da jornada de volta para casa nas montanhas. 93 Um dos primeiros socorristas a cuidar dos sobreviventes ainda nas montanhas.

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dos diretores em relação ao evento, recebeu influência dos livros em que se baseiam e nos relatórios oficiais do acidente. Na época, não existia uma legislação específica e apropriada acerca da investigação de acidentes aéreos, como a que temos atualmente, e isso prejudicou o andamento das verificações de procedimentos e resultou em vários documentos, ao invés de um único relatório. As obras que foram publicadas sobre o acidente levaram em consideração os depoimentos dos sobreviventes e, também, os depoimentos dos familiares das vítimas o que deixou um viés emocional marcante nas mesmas. Diferente de relatórios oficiais que deixam o emocional para focarem somente nos fatores que contribuíram para o acidente em si, sejam eles, fatores humanos (médicos e psicológicos), operacionais ou materiais.

Figura 67 - Sobrevivente Gustavo Zerbino, em depoimento para o filme

Fonte: Filme Stranded (2007), de Gonzalo Arijón

Figura 68 - Sobrevivente Roy Harley, em depoimento para o filme

Fonte: Filme Stranded (2007), de Gonzalo Arijón

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Figura 69 - Sobrevivente Antonio Vizíntin, em depoimento para o filme

Fonte: Filme Stranded (2007), de Gonzalo Arijón

Figura 70 - Sobrevivente Adolfo “Fito” Strauch, e sua filha Alejandra

Fonte: Filme Stranded (2007), de Gonzalo Arijón

O recurso de voice-over, com os depoimentos dos próprios sobreviventes às cenas da paisagem do local do acidente e com os atores encenando o evento em si, deixa mais angustiante o desenrolar da trama. Sempre com a música instrumental ao fundo, a energia que aflora da narrativa empregada é envolvente e assustadora. Aos 19’08”, Gustavo Zerbino e “Moncho” Sabella contam como encontraram os pilotos na cabine de comando: presos contra o painel de instrumentos da aeronave, completamente inertes e, ao chegarem perto do copiloto, “Moncho” perguntou onde estavam. O copiloto respondeu ‘Em Curicó, acabamos de passar Malargue’. E continuou a repetir ‘Passamos por Curicó. Passamos por Curicó’, mas nenhum deles sabia do que se tratava, se era uma cidade, uma vila ou uma montanha. Na sequência, o copiloto diz que está com sede e “Moncho” lhe coloca um pouco de neve na boca para derreter e saciar a sede e afrouxa sua gravata. Nesse momento, o copiloto lhe

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diz algo que o petrificou na hora, ‘Pegue o revólver’, disse à “Moncho”, ‘Pegue o revólver e atire em mim’. E nisso a cena corta para outro momento distinto do drama. Na cena da filmagem do céu nublado de um pôr do sol em Punta Balena, Uruguai, aos 21’35”, com uma aeronave passando ao largo e da baia local com a luz do final de tarde, local onde o pai de Carlitos Páez, Carlos Páez-Vilaró, deu o seu depoimento para o filme, fica notório a plástica e o cuidado com a fotografia de seu diretor, na criação do clima de ansiedade e angústia nos espectadores. Com simplicidade e muita criatividade, o diretor leva o espectador para dentro do evento e faz com que todos reflitam acerca do que fariam nessa mesma situação. Trata-se de um verdadeiro guia pessoal de ruptura de pré-conceitos e valores morais.

Figura 71 - Sobrevivente Javier Methol, em depoimento para o filme

Fonte: Filme Stranded (2007), de Gonzalo Arijón

Figura 72 - Sobrevivente Carlito Páez, em depoimento para o filme

Fonte: Filme Stranded (2007), de Gonzalo Arijón

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A cena dos sobreviventes, contando o dilema em aceitar a prática do antropofagismo para garantirem a vida, é antológica. A partir dos 37’27”, sentados em um semicírculo, próximo ao local da queda da aeronave, passados mais de 35 anos do evento, ainda se emocionam ao contar os detalhes de como foi torturante vencer os arquétipos aos quais estavam centrados, como católicos praticantes, para a manutenção da vida. Inicia-se a cena com Gustavo Zerbino, expondo que haviam, no quinto dia, criado coragem para falar com Roberto Canessa e “Fito” Strauch acerca disso. Nessa mesma noite, entraram nos destroços da aeronave e começaram a discutir isso, considerando todos os tabus – mental, cultural e religioso. Enquanto Gustavo conta a sua parte, a câmera passa pelos rostos de “Moncho” Sabella, do próprio Gustavo, logo em seguida Roberto e “Fito”. Ao fundo da cena, somente o branco da neve do local e o som do vento cortante dos Andes, criam o clima necessário para o espectador absorver a emoção do momento. Nando Parrado conta que abordou Carlito Páez e lhe disse que “Para sair desse lugar eu tenho que comer.” Isso jogou Carlito de encontro à realidade. Ele confessou que ficou atordoado no momento, mas que outros já haviam pensado nisso, só não haviam externado seus pensamentos. Nesse trecho, Roberto Canessa expõe “A ideia começou a crescer entre todos. Fomos conversando entre nós e, sempre como acontecia, sob vários ângulos, porque eles poderiam nos resgatar a qualquer momento e não teríamos que dar esse passo. Ao mesmo tempo fomos percebendo que estávamos nos distanciando, cada vez mais, do mundo como o conhecíamos e vivíamos e que, a ruptura com esse mundo, havia acontecido no exato momento da queda. Isso nos estava levando a tomar caminhos que nunca havíamos pensado que teríamos que tomar. Começamos a desenvolver uma nova sociedade em que dinheiro era só papel para queimar, onde a água tinha que ser criada e onde o corpo de um morto podia ser a comida que nós precisávamos.” A emoção, sempre presente, é notória na cena em que “Fito” Strauch, com os olhos marejados, recorda, contando para a câmera, quando teve que cortar o corpo de um morto para obter a carne de que tanto precisavam para lutar pela sobrevivência. Ele descreve como foram os segundos seguintes ao obter a carne, combatendo todos os arquétipos do cristianismo e da civilidade, conseguir colocar na boca e engolir rápido, para não precisar mastigar o pedaço de carne.

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Figura 73 - Sobrevivente Eduardo Strauch, em depoimento para o filme

Fonte: Filme Stranded (2007), de Gonzalo Arijón

Logo em seguida, conta como se agachou, tentando se esconder de todos, com vergonha por ter engolido algo tão sagrado até então: o pedaço do corpo de um amigo morto. Estavam, definitivamente, dando um passo à certeza do desconhecido e não faziam ideia se estavam caminhando para uma nova forma de convívio em sociedade ou se estavam retrocedendo aos instintos selvagens de sobrevivência de nossos antepassados.

Figura 74 - Sobrevivente Ramon “Moncho” Sabella, em depoimento para o filme

Fonte: Filme Stranded (2007), de Gonzalo Arijón

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Figura 75 - Sobrevivente José Luis “Coche” Inciarte, em depoimento

Fonte: Filme Stranded (2007), de Gonzalo Arijón

O mais esclarecedor de tudo foi terem constatado que, após o ato de comerem a carne do corpo do amigo morto, nada de mágico ou diferente havia acontecido. Com isso, foram confrontados a respeito da realidade a partir da qual se tratava somente de proteína que estava sendo ingerida por todos.

Figura 76 - Antonio Caruso, fotógrafo de toda operação de resgate

Fonte: Filme Stranded (2007), de Gonzalo Arijón

O choque veio quando ouviram, no rádio que haviam encontrado entre as coisas dos que estavam mortos, que os governos do Uruguai e do Chile tinham suspendido os resgastes por conta das fortes tempestades na região, que colocava as missões de busca e salvamento em constante perigo, devido aos fortes ventos e também pela ocorrência de intensa turbulência nas Cordilheiras.

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Figura 77 - Carlos Páez Vilaró, pai do sobrevivente Carlitos Páez

Fonte: Filme Stranded (2007), de Gonzalo Arijón

Figura 78- Sobrevivente Alvaro Mangino, em depoimento para o filme

Fonte: Filme Stranded (2007), de Gonzalo Arijón

Figura 79 - Jorge Massa, piloto da equipe de resgate

Fonte: Filme Stranded (2007), de Gonzalo Arijón

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Isso foi recebido por eles como um golpe de misericórdia em todos os esforços que estavam fazendo para se manterem vivos para saírem daquele lugar o mais rápido possível. A partir desse momento, perceberam que estavam entregues à própria sorte.

Figura 80 - Sobrevivente Roberto “Bobby” François, em depoimento

Fonte: Filme Stranded (2007), de Gonzalo Arijón

Figura 81 - Sobrevivente Daniel Fernández Strauch, em depoimento

Fonte: Filme Stranded (2007), de Gonzalo Arijón

Aqueles que ainda estavam resistentes em comer carne humana foram convencidos, pela maioria, de que Cristo havia morrido por eles e, havia deixado seu corpo e seu sangue, para salvá-los, tomando-os como uma comunhão, colocando um dos últimos tabus existentes por água abaixo.

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Figura 82 - Sobrevivente Juan Pedro Nicola e seu filho, Mateo

Fonte: Filme Stranded (2007), de Gonzalo Arijón

Figura 83 - Fotografia tirada por Roy Harley, poucos minutos após a queda

Fonte: Filme Stranded (2007), de Gonzalo Arijón

Quando perceberam que estavam por conta própria, começaram a planejar formas de iniciarem buscas por trilhas que os tirassem daquela situação. A primeira incursão desse tipo foi realizada feita por Gustavo Zerbino, Numa Turcatti Pesqueira (falecido no 60º dia de complicações de seus ferimentos) e Daniel Agustine Maspons Rosso (falecido na avalanche do 10º dia nas montanhas). Eles tinham a intenção de procurar a cauda da aeronave que tinha as baterias sobressalentes da aeronave, conforme instrução de Carlos Roque Gonzales, mecânico da equipe de voo para fazer funcionar o rádio da cabine dos pilotos.

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Sem planejamento e sem nenhuma preparação em equipamentos e vestuário, perceberam, após andar quase o dia todo, que não conseguiriam voltar para os destroços da aeronave, antes do cair da noite. A agonia de passar a noite com temperaturas de até 20ºC negativos sem nenhuma preparação, aterrorizou-os. O relato de Zerbino a respeito da agonia da noite “eterna” que passaram nessas condições é muito claro e objetivo. Os três passaram a noite toda se batendo, uns aos outros, nas costas, rostos, braços e pernas, pulando e gritando, para tentarem se manter aquecidos, com o sangue circulando pelo corpo, para evitar uma morte dolorosa. As forças foram sendo drenadas pelo frio, mas uma chama de vida ainda se preservava em cada um deles. E, quando estavam totalmente congelados com estalactites por todo o corpo, em uma noite que parecia “infinita”, perceberam os primeiros raios de sol nos rostos como se fosse uma mágica. Como se Deus os estivesse salvando e oferecendo a oportunidade de mais um dia de vida. Foi então que iniciaram a jornada de volta à aeronave e, ao chegarem, Zerbino estava cego, Maspons sem fala e, Numa havia perdido muitos quilos em uma só noite. A saúde de todos declinou aceleradamente, pois haviam se doado totalmente na insana jornada. Essa aventura os destruiu completamente e perceberam, a partir desse momento, que não conseguiriam ultrapassar o pico da montanha, mesmo que fossem cada vez mais longe. Em outubro seria impossível, mas poderiam tentar em dezembro quando a neve começaria a derreter com o início do verão no hemisfério sul. A questão era chegar até lá sem comida e roupas adequadas.

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Figura 84 - O Vale das Lágrimas, Cordilheira dos Andes, no verão de 2007

Fonte: Filme Stranded (2007), de Gonzalo Arjón

Figura 85 - Sobreviventes tomando sol nos destroços da aeronave

Fonte: Foto tirada por Antonio Vizintin na máquina fotográfica de Fernando “Nando” Parrado, novembro/1972, mostrada no filme Stranded (2007), de Gonzalo Arijón

No 17º dia nas montanhas, uma avalanche caiu sobre os destroços da aeronave e soterrou-os. Era de noite e perceberam que algo estava errado quando começaram a escutar uma vibração muito forte, parecida com uma manada de cavalos se aproximando de onde estavam. Essa cena é contada no filme, também à noite, com todos sentados em semicírculo em volta de uma fogueira, sem o uso de recursos sofisticados de iluminação, o que deixa o momento especial e angustiante.

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Figura 86 - Sra. Madelón Rodrigues, Mãe de Carlito Páez, em seu depoimento

Fonte: Filme Stranded (2007), de Gonzalo Arijón

Figura 87 - Sobrevivente Pedro Algorta, em depoimento para o filme

Fonte: Filme Stranded (2007), de Gonzalo Arijón

A experiência contada pelos sobreviventes dos momentos vividos logo após a avalanche, com toneladas de gelo sobre seus corpos, é carregada de arquétipos do catolicismo em que foram educados e que compartilhavam entre si. Zerbino, Eduardo Strauch e “Moncho” Zabella, contam que estiveram em uma espécie de estado pré- morte, no qual assistiram todas as suas vidas passarem na frente de seus olhos. Eles relatam que experimentaram uma onda de serenidade e paz interior e visualizaram uma luz que irradiava muita energia e bondade, que os colocava em um estado de intenso prazer e quietude.

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Aos poucos foram escutando vozes distantes e perceberam que eram os amigos gritando por ajuda e procurando por todos que estavam soterrados ainda. Começaram a cavar e conseguiram resgatar a maioria. Porém, oito faleceram na avalanche, porque não conseguiram se livrar do gelo a tempo de se reanimarem. No amanhecer do dia seguinte, depois de cavarem um túnel para saírem pela traseira dos destroços da aeronave e contemplarem os fatos, imaginaram que haviam passado por um ato de purificação, por não conseguirem ver os restos do avião, enterrado em toneladas de neve branca, tal qual uma sepultura. Os depoimentos de todos, com o dançar das labaredas da fogueira em frente de cada um, com a música instrumental ao fundo e o leve crepitar das chamas, leva o momento a um profundo estado de catarse, em que o espectador experimenta o sofrimento alheio na purificação de seus espíritos e paixões, e no qual “os objetos, as pessoas, os acontecimentos apresentam-se como algo já sentido, que vem ocupar- nos com uma tonalidade sensorial, emotiva, espiritual já determinada.” (PERNIOLA, 1993, p. 12) A jornada de sobrevivência segue em sua trilha sinistra e cheia de percalços. Fernando “Nando” Parrado era um dos que mais queriam sair dali, por dois motivos. O primeiro era que o seu pai estava vivo e ele queria reencontrá-lo e abraçá-lo. O segundo era que não queria ficar ali por tantos dias, e não gostaria de ser obrigado a comer da carne do corpo de sua mãe e de sua irmã para continuar vivendo. Por mais que estivessem em condições de total selvageria em sua luta, ainda o dominava a forte formação cristã-judaica de sua família.

Figura 88 - Roberto Canessa e sua filha Laura Inés, em depoimento

Fonte: Filme Stranded (2007), de Gonzalo Arijón

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Figura 89 - Sobrevivente Alfredo “Poncho” Delgado, em depoimento

Fonte: Filme Stranded (2007), de Gonzalo Arijón Em uma das expedições, no 36º dia nas montanhas, os jovens encontraram a cauda do avião (Figura 90). Isso lhes redobrou as esperanças de conseguirem fazer o rádio da aeronave funcionar com as baterias reservas (Figura 91). Além das baterias, encontraram malas com roupas limpas, tubos de pasta de dentes que usaram como “sobremesa” após as parcas refeições de lascas de carne humana. Foi nesse instante que Vizintín encontrou pedaços de forro de nylon e começou a fazer uma jaqueta para dormir mais aquecido. Canessa, ao ver o amigo fazendo aquilo, teve a ideia de costurarem um saco de dormir que lhes possibilitasse passar as noites fora da aeronave (Figura 92), o que daria mais autonomia e alongaria as caminhadas pelas montanhas.

Figura 90 - Expedição dos sobreviventes que descobriu a cauda do avião

Fonte: Filme Stranded (2007), de Gonzalo Arijón

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Figura 91 - Sobreviventes tentam utilizar o rádio com as baterias reservas

Fonte: Foto tirada por Antonio Vizintin na máquina fotográfica de Fernando “Nando” Parrado, novembro/1972, mostrada no filme Stranded (2007), de Gonzalo Arijó

Figura 92 - Sobreviventes localizam a cauda do avião no 36º dia nas montanhas

Fonte: Foto tirada por Antonio Vizintin na máquina fotográfica de Fernando “Nando” Parrado, novembro/1972, mostrada no filme Stranded (2007), de Gonzalo Arijón

Os dias nas montanhas foram longos e passavam quase em câmera lenta para todos os jovens. Nada de significativo acontecia na maioria dos dias, com exceção de pequenas discussões entre todos sobre as chances de saírem dali, mas que, para isso, teriam que encontrar o caminho sozinhos. Todos sabiam que deviam fazer o mínimo de esforços possível, como garantia de que não gastariam energias em vão. Quando estavam com o saco de dormir costurado, pronto para o uso, determinaram a data da jornada decisiva, e fecharam para o dia 12 de dezembro de 1972 (61º dia na montanha). Essa data foi escolhida em uma difícil decisão pois, se de um lado estava a pressa em sair daquele lugar, por causa do rápido aumento na

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debilidade de todos; de outro lado, estava a necessidade de se esperar mais tempo para a entrada do verão na região e, automaticamente, de um tempo mais firme, com a ausência de tormentas e com uma quantidade maior de sol para se tornar possível a longa jornada. Nesse dia, as 06h30 da manhã, todos saíram dos destroços da aeronave para se despedir dos três jovens que estavam saindo em busca de um resgate (Figura 93). Todos sabiam que se tratava da última cartada para a salvação e, estavam depositando todas as suas esperanças e orações no sucesso dessa viagem. Nas pernas dos três jovens, estavam as vidas de todos que haviam ficado no local da queda.

Figura 93 - O trio de jovens, Nando, Roberto e “Tintin”, no início da jornada

Fonte: Filme Stranded (2007), de Gonzalo Arijón

Logo no início de sua jornada, Nando Parrado, parou a poucos metros e, voltando à Carlito Páez, lhe disse “Eu não sei o que irá acontecer, mas se precisarem dos corpos de minha família para sobreviverem, não hesitem.” Mesmo com toda dor que uma situação dessa pode apresentar, Nando pensou mais no sofrimento físico dos sobreviventes, do que em seu sofrimento emocional, abrindo mão de sua crença. A jornada foi dura e áspera com os três jovens. No terceiro dia, decidiram que Antonio “Tintin” Vizintín deveria voltar ao “acampamento” e que lhes deixasse roupas e comida que tinha, pois, a viagem seria bem mais longa do que o planejado. Com essa porção de ração a mais, os jovens Nando e Roberto seguiram as escaladas e declives da viagem. As cenas do filme mostram os jovens caminhando na imensidão

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de neve, seguido de flashes como se estivessem vivendo um sonho ao longo da jornada, entremeada com pesadelos e angústias dos espectadores ao absorverem a emoção contida no enredo. Pelo fato dessa obra ser a visão de todos os sobreviventes, baseada no livro “A Sociedade da Neve: Os Dezesseis Sobreviventes da Tragédia dos Andes Contam Toda a História Pela Primeira Vez” (2007), de Pablo Vierci, temos uma carga emocional muito grande nos contos narrados por todos, principalmente, dos que ficaram para trás, na esperança de serem resgatados. Com o passar dos dias, a esperança foi se tornando mais tênue e passavam horas e horas sem darem uma só palavra entre si. Via-se que a felicidade sentida, a cada manhã, por estarem vivos já não era tão grande entre eles. Os amigos sabiam que a comida dos que foram na viagem só daria para, no máximo, 10 dias, e alguns começaram a pensar em, se até o Natal daquele ano não tivessem sido resgatados, não valeria mais a pena continuar lutando pela vida, e o suicídio era uma solução. As cenas dos jovens caminhando com os fortes ventos rodeados de uma paisagem inóspita deixa os espectadores como se estivessem juntos na jornada. Todos os medos, angústias e desesperos dos jovens viajantes foram se evaporando rapidamente a partir do momento em que começaram a encontrar leves traços de civilização e de terras com possibilidade de cultivos nas margens de rios e córregos que encontravam. Ao final do 10º dia de viagem, o jovem Roberto grita para Nando “Eu vi um homem a cavalo. Eu vi um homem a cavalo” e corre em direção ao vulto que havia visto no horizonte distante (Figura 94). O vaqueiro Sérgio Catalán, que foi encontrado por Roberto e “Nando” pensou, no início do contato com os jovens, de que se tratava de turistas que estavam acampando pelas cercanias. Como percebeu a agitação da dupla de jovens e, como não conseguia escutar nada do que gritavam por causa do barulho da correnteza do rio que os separava, resolveu jogar um pedaço de papel e lápis enrolado em uma pedra para a outra margem. Os jovens receberam o papel e escreveram a mensagem, que se encontra, até hoje, no Museu dos Andes 1972, em Montevidéu, Uruguai, pedindo ajuda e resgate, pois eram de um avião que havia caído nas montanhas. Sérgio Catalán, apesar de estar com a saúde muito debilitada pela idade avançada, fez questão de colocar o seu depoimento no filme, para registrar a emoção que ainda sentido por ter conseguido ajudar os jovens sobreviventes.

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Um dos sentimentos mais fortes presente na decupagem dos três filmes, e percebida de maneira mais intensa no filme Stranded, é o amor em família. Em relação a esse amor, Oroz (1999) bem coloca, que:

[...] na cultura ocidental, o amor permite alcançar o perdão divino e produz uma purificação celestial na Terra. Isto o converte num valor universal, além das diferenças culturais e das classes sociais. Quem ama vale mais, por isto quem ama é ‘bom’. Esta é a maneira com que o amor permite ao pobre ser ‘rico’. A colocação judaico-cristã do amor ajuda a dar sentido à mediocridade da vida diária e faz com que as pessoas se sintam heróis de alguma coisa. Isto foi sublimado pelo melodrama, o veículo de massas mais eficiente para atuar como referencial deste valor. (OROZ, 1999, p. 62)

O final do filme mostra cenas gravadas na ocasião dos desfechos do resgate dos dezesseis sobreviventes dos Andes, todas em preto e branco, tecnologia existente no Uruguai e Chile à época. A pressão aos sobreviventes para que contassem detalhes de suas jornadas ficou insuportável e, em um dado momento, isso trouxe à tona a questão da antropofagia praticada entre eles.

Figura 94 - No 10º dia de caminhada, Roberto vê um homem a cavalo

Fonte: Filme Stranded (2007), de Gonzalo Arijón

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Figura 95 - Juan Catalán, filho do pastor Sérgio Catalán

Fonte: Filme Stranded (2007), de Gonzalo Arijón

O impacto da notícia do antropofagismo praticado pelos sobreviventes, correu o mundo e causou opiniões diversas e muita especulação, críticas e apoio dos mais variados tipos e fontes. Imediatamente, todos os sobreviventes convocaram uma coletiva de imprensa (Figura 98) para falarem dos detalhes dos dias de vida nas montanhas. Foi um evento muito concorrido, com a imprensa e jornalistas do mundo todo presentes.

Figura 96 - Pastor Sérgio Catalán mostra o local onde encontrou os jovens

Fonte: Filme Stranded (2007), de Gonzalo Arijón

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Figura 97 - O Enfermeiro José Gilberto Bravo Castro, da Equipe de Resgate

Fonte: Filme Stranded (2007), de Gonzalo Arijón

A seguir, um trecho das declarações de Alfredo “Poncho” Delgado, eleito entre os sobreviventes como o representante do grupo para falar perante todos e responder as perguntas que seriam proferidas pelos jornalistas presentes:

[...] Chegamos em um ponto em que não havia comida ou qualquer outra coisa que pudéssemos nos alimentar. Então nós pensamos – se Jesus, na última Ceia, havia partido seu corpo e sangue, com todos os Apóstolos, Ele estava nos mostrando que deveríamos fazer o mesmo: tomando o seu corpo e sangue que seria encarnado. Isso foi uma comunhão, muito íntima de todos nós. Isso nos ajudou a sobreviver. E isso foi o presente que cada uma pessoa fez...[...] (DELGADO, Filme Stranded, 2007 – Tradução livre)

Nesse momento da declaração, “Poncho” foi interrompido por uma grande salva de palmas entre os presentes na coletiva e, em seguida, finalizou:

[...] Nós não queremos que isso, que para nós é uma coisa íntima, muito íntima, seja manipulada ou denegrida de qualquer forma. Isso tem que ser tomado e interpretado pela sua real dimensão. Vocês devem pensar em quão grandes esses homens foram. [...] (DELGADO, Filme Stranded, 2007 – Tradução livre)

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Figura 98 - Coletiva de Imprensa em Montevideo

Fonte: Filme Stranded (2007), de Gonzalo Arijón

No making of do filme, o diretor Gonzalo Arijón deu a seguinte declaração:

Isso é o resultado de muitos anos de trabalho, e desejo de contar a história como, creio, que nunca se contou antes. Isso é, sem tanta ação das coisas, mas como o acidente foi vivido e experimentado por cada um dos indivíduos. Os dezesseis sobreviventes se envolveram muito. Isso é um pouco do testemunho dessa aventura que foi uma das mais extraordinárias, mais extrema experiência humana da vida moderna, do século vinte. (ARIJÓN, Filme Stranded, 2007 – Tradução livre)

Observamos que a estrutura narrativa desse filme só não comporta, na teoria levantada da similaridade, entre todos os filmes de acidentes aéreos reais, a parte da aeronave ao conhecimento do público espectador, por ser baseada em obra que tem somente a visão dos sobreviventes, que em nada conheciam da parte técnica do avião. Como nos filmes analisados anteriores, também percebemos todos os pontos citados na estrutura sugerida em filmes catástrofes com acidentes aéreos, tais como: - Mostram, no início, alguns dos personagens com suas rotinas diárias para maior afinidade com o público em geral. Da mesma forma, cria-se o clima de proximidade com o espectador na percepção de aspectos humanos e comuns a todos; Esse filme tem os dezesseis sobreviventes frente-a-frente com a câmera de forma simples, direta e de maneira emocionante, relembrando os sentimentos, angústias, medos, anseios e esperanças que experimentaram com o acidente nos Andes. Essa ‘fórmula’ do diretor, Gonzalo Arijón, adicionada com a vasta experiência

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dele com fotografia de César Charlone, com a sua câmera Super-16mm nas mãos, nos trouxe a certeza de que estávamos de volta ao acidente nas montanhas. - Os personagens escolhidos desempenham, ao longo da trama, papeis em destaque, desenvolvendo a narrativa clara e consistente com seus atos no desfecho da ação; Nessa obra, apesar de todos os dezesseis sobreviventes terem a sua participação, o protagonismo ficou a cargo dos que se destacaram na ocasião do acidente, com os próprios depoimentos de todos confirmando as ações e iniciativas dos jovens Carlito Páez, Fernando Parrado, Gustavo Zerbino e Roberto Canessa. - Contemplam os fatos, tal qual foram demonstrados nos relatórios finais das investigações, nas cenas dos acidentes aéreos, procurando colocar o público dentro do evento, fazendo-o sentir o ‘já sentido’ (PERNIOLA, 1993), pelas vítimas ou sobreviventes, assim como as ações que foram desencadeadas para os resgates e/ou investigações. O filme de Gonzalo Arijón retrata, de forma objetiva, o livro de Fernando Parrado com o jornalista Vince Rause. Além de ser entremeada com a emoção dos depoimentos, podemos afirmar que essa obra é um complemento as demais, pela sensação de que ‘falta algo’ nas obras anteriores pela dificuldade de se colocar 72 dias nas montanhas em pouco menos de duas horas de filme. Enquanto que os demais filmes mostram a estrutura completa encontrada nos filmes catástrofes com acidentes aéreos, esse mostra, do ponto de vista dos ‘jovens sobreviventes’, os fatos vividos, sem o viés técnico da aeronave. Com os aspectos levantados nesses três filmes referentes ao mesmo acidente aéreo que permitiu, com a existência de sobreviventes, que os mesmos contassem com riqueza de detalhes acerca da saga vivida por eles, notamos a similaridade com obras que foram produzidas somente para a televisão, de outros acidentes reais, e que foram assistidas e catalogadas na lista apresentada anteriormente. Falaremos um pouco mais a respeito do filme produzido para a televisão sobre o mesmo acidente aéreo nos Andes, no capítulo seguinte.

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5 Uma análise dos momentos no filme I Am Alive: Surviving the Andes Plane Crash (2010), de Brad Osborne

Na lista de filmes para a televisão apresentada anteriormente, que possui as obras classificadas como Documentários/Séries (TV/DVD filmes) concernente a acidentes aéreos reais, encontramos 18 filmes para essa lista. Como se tratam de obras feitas para um ambiente que está fora do cinema, não faremos a decupagem ou análise detalhada de nenhuma delas, mas levantaremos os momentos encontrados na obra que venham a corroborar ou derrubar a teoria de uma estrutura similar aos filmes catástrofes sobre acidentes aéreos reais. Uma coisa nos chamou a atenção no desenvolvimento desse trabalho e será explorado em uma nova pesquisa mais adiante, é a importância das séries para a televisão acerca dos acidentes reais, na educação de todos os envolvidos na aviação civil. Essas séries estão sendo usadas para comunicar de forma ostensiva à classe de aeronautas e aeroviários o que se descobriu nas investigações dos referidos acidentes, em termos de fatores contribuintes94, preparando todos para que situações semelhantes não ocorram novamente. O forte impacto e a comoção que os acidentes aéreos, assim como toda catástrofe, gera na sociedade faz todos pensarem a saírem de suas zonas de conforto para mudar o que possa ter contribuído para isso. As reações, apesar de diferentes culturas, mundo afora, são similares e, cheias de emoções e comoção geral. Barthes (1973, p. 48) muito bem definiu cultura como sendo “[...] o processo que constrói o modo de vida de uma sociedade: seus sistemas para produzir significado, sentido ou consciência, especialmente aqueles sistemas e meios de representação que dão às imagens sua significação cultural.” Aliado à questão cultural na investigação dos fatores contribuintes encontrados em um acidente aéreo e, sua consequente divulgação a toda uma classe de profissionais, temos a parte ética, pois, na maioria dos grandes acidentes aéreos, não temos sobreviventes (com raríssimas exceções) e essas investigações não servem para apontar culpados ou responsáveis pelos acidentes. A única motivação das

94 Todo acidente aéreo é o resultado de vários fatores que contribuem para o mesmo, nunca é causado por um único ato falho. A junção de todos os atos falhos, descobertos na investigação do acidente colaboram para a montagem de ações de prevenção de acidentes aéreos nas diversas empresas da aviação civil.

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investigações é o cunho educacional ostensivo para que fatos semelhantes não voltem a acontecer. O trabalho das comissões de investigação se debruça sobre questões éticas e de alto profissionalismo. E em relação à ética, Carneiro et al. (2013, p. 38) corretamente colocam que “[...] a ética é a ciência que estuda a conduta dos seres humanos entre si, em sociedade. O que devo fazer? Como agir? Estou certo ou errado? Perante injustiças, o que fazer? – São indagações éticas fundamentais, com as quais nos confrontamos permanentemente, pois a vida nos oferece sempre, a cada dia, por muitas vezes, situações em que devemos buscar o bem ou a verdade em nós mesmos e nos valores que aprendemos.” Em cima dessa premissa, os investigadores de um acidente aéreo se primam pelo respeito e transparência para os que se foram desse plano. Sem perder o foco de nossa pesquisa, observamos, em todos os 18 filmes assistidos na lista apresentada anteriormente, no início desse trabalho, que existem similaridades com a estrutura observada nas obras para o cinema. Isso reforçou o aspecto segundo o qual, independente do meio de veiculação e a forma de produção, a existência de quase um ‘acordo’ tácito entre os roteiristas de que é a forma adequada de divulgar a informação acerca do evento em si, pela coerência e objetividade, sem esquecer do romantismo que recheia todos os produtos com viés comercial. O filme de Brad Osborne começa mostrando um ditado chileno que diz “The

Andes don’t give back what they take!”95 com letras brancas em um fundo preto, com uma música instrumental que lembra um lamurio de uma pessoa ao som do vento das montanhas. Em seguida traz uma panorâmica do altar que foi construído em homenagem aos mortos no acidente de outubro de 1972, com o sobrevivente “Nando” Parrado fazendo o relato inicial do ocorrido, com a câmera simulando um voo sobre as montanhas. Ele comenta a falta de sorte de alguns em comparação com a grande sorte dos outros que sobreviveram aos mais de dois meses nas montanhas geladas dos Andes. Da mesma forma que o filme Stranded, esse filme pode ser considerado um docudrama pela forma como foi desenvolvido com um tempo não linear e recheado de depoimentos dos sobreviventes e encenações do real construído pela obra.

95 “Os Andes não devolvem o que tomam!” (Tradução livre)

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Como o filme está baseado no livro Miracle in the Andes: 72 days on the mountain and my long trek home (Milagre nos Andes: 72 dias na montanha e minha longa volta para casa) de Fernando “Nando” Parrado e do jornalista americano Vince Rause (Figura 99), ele é narrado pelo próprio autor e sobrevivente, com a visão de quem participou do evento. Começa da mesma forma que o livro: “Nando” Parrado acordando, depois de dois dias de seu coma temporário, devido ao trauma em sua cabeça após o acidente. Na sequência, ele recebe a notícia de seus amigos, Roberto Canessa e Gustavo Zerbino, de que a sua mãe estava morta e que sua Irmã estava muito ferida e precisava dele vivo para cuidar dela. Isso nos traz um momento muito similar ao que foi apresentado no filme Stranded. O filme apresenta muito da tão discutida “fidelidade” das adaptações – respeitando, evidentemente, as características específicas de conteúdo, forma e linguagem de cada meio.

Figura 99 – Capa do livro Milagre nos Andes

Fonte: IMDb, 2016

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Figura 85 - Cartaz do filme veiculado pelo History, em 20/10/2010

Fonte: IMDb, 2016

Com flashbacks e flashforwards de encenação do que estava sendo narrado por Nando Parrado e o retorno ao rosto do mesmo, o filme começa a construir a sua verossimilhança para o espectador. Inicialmente por falar os aspectos que os levaram ao início da jornada para Santiago do Chile, os detalhes do arrendamento da aeronave e do fato de que o acidente aconteceu em um 13 de outubro de 1972, em plena sexta- feira, apesar de não ser supersticioso. Em seguida, temos a voz do Comandante Rand Peck, falando da experiência do piloto da aeronave, o Coronel da Força Aérea do Uruguai (FAU), Júlio Ferradas, de quantas vezes o mesmo já tinha sobrevoado os Andes, isso tudo enquanto passa uma fotografia do avião com o piloto em frente dele. A câmera volta para o rosto de Peck e, logo em seguida, entra a voz e o rosto de outro comandante aposentado, o Coronel da FAU, Enrique Crosa, também dando o seu depoimento sobre as boas condições climáticas na região na época. Os minutos seguintes são dedicados a apresentação da aeronave e suas características técnicas pelo comandante Peck e pelo pesquisador e historiador Gary Orlando, especialista no avião Fairshild FH-227 que se acidentou, com entremeios de fotos de aeronaves do mesmo modelo acidentadas e de matérias em jornais e revistas da época sobre os mesmos. Outra característica forte nessa obra é a preocupação com os detalhes técnicos que acompanharam toda a jornada da aeronave até a sua queda. Temos o diálogo, na íntegra, da torre de controle do espaço aéreo de Santiago com o comandante do

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voo 571 e relacionam esses diálogos ocorridos com o erro que levou os pilotos a calcularem de maneira equivocada, o local exato em que estavam. As vozes em off que ouvimos nesse docudrama nos levam a Jacques Aumont (2003), quando define “Como material fônico, a voz caracteriza-se, antes de tudo, por um timbre, que permite identificá-la; ela pode ser modulada pela entonação, pela tônica e pelo ritmo das frases, o que transforma sua expressão de maneira frequentemente espetacular”. O espectador percebe, nesse ritmo e entonação, uma narrativa mais emotiva e envolvente. Durante todo o filme estamos diante de ideias filosóficas sobre amizade, liberdade, sociedade, moral, valores, verdade, solidão, ideais, entre outros. A cena da queda da aeronave é toda reconstituída por computadores de acordo com os relatos dos sobreviventes e é mostrada com o relato de Roberto Canessa e Nando Parrado sobre a mesma, além da participação do escritor Piers Paul Read, autor do livro Os Sobreviventes – A Tragédia dos Andes, relatando a sorte que todos tiveram pelo fato da aeronave não ter se desintegrado durante a queda.

Figura 86 – Reconstituição em computadores da cena da queda

Fonte: Filme I Am Alive (2010), de Brad Osborne

A estrutura dessa obra é mais clara enquanto seu objetivo informativo, pois percebemos, claramente, a realidade documental da mesma. Mesmo assim, observamos todos os momentos citados anteriormente: - Mostram, no início, alguns dos personagens com suas rotinas diárias para maior afinidade com o público em geral.

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O filme já começa encenando os aspectos normais de todos os integrantes do time de rúgbi em suas atividades cotidianas. - Os personagens escolhidos desempenham, ao longo da trama, papeis em destaque, desenvolvendo a narrativa clara e consistente com seus atos no desfecho da ação; Aqui nem todos os sobreviventes participam, mas os que tiveram ações decisivas relatam, pessoalmente, em frente as câmeras, seus atos e consequências. Em ordem de aparição, temos: Nando Parrado, Gustavo Zerbino, Roberto Canessa, Carlitos Páez, Eduardo Strauch, além de alguns parentes dos mesmos como Graciela Parrado (irmã de Nando), e muitos outros especialistas em diversas áreas. - Mostra da aeronave envolvida no evento e suas peculiaridades. A explicação das características técnicas do avião Fairshild FH-227 é um ponto forte desse documentário com mais de 06 minutos de explanação dos pontos que interferiram na queda da mesma. - O acidente em si. A completa reconstituição da queda em sistemas computacionais dão a exata dimensão do ocorrido ao espectador usando a tecnologia para interagir com a plateia. - O resgate das vítimas ou sobreviventes, assim como as ações que foram desencadeadas para as investigações. Essa obra mostra toda a estrutura que foi empreendida nas buscas que duraram mais de 30 dias e que se seguiram com as buscas pelos familiares, quando as buscas oficiais foram encerradas. A estrutura narrativa clássica observada no começo desse trabalho está presente também nessa obra para a televisão, de forma que, esses momentos são distintos e constantes, independentes do meio de veiculação do filme.

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CONCLUSÃO – A confirmação da similaridade

O assunto em tela tornou-se uma paixão e me despertou para a pesquisa acadêmica relacionada ao tema. Como não poderia deixar de ser, muito artigos virão adiante acerca de vários pontos já observados e sem espaço para finalização com este trabalho. A estrutura proposta na introdução desta dissertação foi encontrada e analisada nos vinte e cinco filmes assistidos, tanto os produzidos para o cinema, quanto os lançados para a televisão. Como já dito anteriormente, de maneira ostensiva, inclusive, encontramos todos os arquétipos do melodrama do cinema ocidental, com viés educativo ou apelativo, reforçando o aspecto comercial das obras. Essa estrutura analisada, e abaixo comentada, não aparece, obrigatoriamente, na mesma sequência, mas ressalta os pontos vistos do gênero no entremeio das obras, levando ao espectador a sensação de “já visto em algum lugar” dessa similaridade dos filmes catástrofes sobre acidentes aéreos reais. O primeiro filme analisado no Capítulo 2, Supervivientes de los Andes (Sobreviventes dos Andes, 1976), de René Cardona, possui o mesmo estilo de estrutura narrativa clássica das demais obras. Essa produção teve, apesar de ter sido a primeira obra sobre o acidente aéreo dos Andes, um cuidado extremo em colocar o espectador dentro da aeronave na ocasião da queda, fazendo com que essas cenas, assim como àquelas imediatamente posteriores à queda, ocupassem quase um sexto do filme. Mesmo com esse extremo, as nuances dos momentos analisados são perceptíveis nas demais fases da obra com os outros filmes. O segundo filme analisado no capítulo 3, Alive (Vivos, 1993), de Frank Marshall, apresenta, também, uma estrutura narrativa clássica, tal qual está presente em todos os filmes analisados. Apesar de ter sido produzido em época na qual a tecnologia já permitia vantagens na produção de efeitos visuais, o diretor optou por um uso minimalista, dando mais importância à retórica dos diálogos pontuados em emoção e recortes rápidos de cenas de ação e suspense. O terceiro filme analisado no capítulo 4, A Sociedade da Neve (Stranded: I’ve come from a plane that crashed on the mountains, 2007), de Gonzalo Arijón, tem a estrutura narrativa clássica dos filmes documentários e todos os arquétipos do melodrama, o que podemos classificar, conforme Rosenthal (1999) de ‘docudrama’. A obra coloca esses aspectos, que chamamos de momentos, no limite máximo de sua

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produção. Pelo fato desse filme ter a visão dos sobreviventes, a influência do diretor é sentida somente na condução dos cortes para a edição final. Porém, o roteiro tem a criação dos personagens da história e afloram as recordações e a dor na época do convívio entre si. O quarto filme, rapidamente apresentado, no capítulo 5, I Am Alive: Surviving the Andes Plane Crash (2010) de Brad Osborne, trata-se de um documentário que pode, também, ser classificado como ‘docudrama’, pois apesar de ser classificado como um documentário pela A&E Network, possui todos os arquétipos do melodrama nas encenações entremeadas aos depoimentos, para a criação de sua verdade ficcional. A similaridade entre os filmes acima citados não fica restrita ao fato de terem abordado o mesmo acidente aéreo nas montanhas dos Andes, em 13 de outubro de 1972, mas em seu estilo clássico característico de filmes que retratam acidentes aéreos reais. Assisti, nas vinte e cinco obras ao longo do período de desenvolvimento dessa dissertação, mesmo as veiculadas para a televisão, a estrutura que chamamos de momentos, tais como: - Apresentam no início, ao espectador, alguns dos personagens principais em suas rotinas diárias e os aspectos que mostram as similaridades com o público em geral. Além de criarem afinidade com o público em geral, estabelecem o clima de proximidade com o espectador na percepção de aspectos humanos e comuns a toda a plateia; - Os personagens escolhidos desempenham, ao longo do filme, papeis de destaque, desenvolvendo suas atividades operacionais cotidianas com ênfase na narrativa clara e consistente com seus atos no desfecho da ação; - Mostram a aeronave, objeto central do drama e, explicam os aspectos técnicos que podem, ao longo do filme, influenciar no acidente aéreo e como a tripulação lida com essas informações em seu dia-a-dia, a fim de criar uma aura de suspense e expectativa no público em geral. - Encenam como aconteceu o acidente aéreo, baseado nos depoimentos dos sobreviventes ou dos relatórios oficiais e de testemunhas, para que o espectador se sinta participante do evento de acordo com suas experiências de vida. - Contemplam no ‘real encenado’ os resgates dos sobreviventes ou o desenrolar das investigações dos acidentes, tal qual foram demonstrados nos relatórios finais oficiais ou nas obras literárias publicadas nas quais se baseiam.

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Esses momentos não são lineares, ou seja, não estão dispostos de forma cronológica aos fatos vivenciados nos livros e relatórios em que se baseiam, mas de forma a fazer o espectador entender todos pontos que tem impacto nos acontecimentos, mesmo que não tenham sido levados em consideração nos relatórios oficiais das investigações dos acidentes aéreos, tais como os depoimentos dos familiares e amigos das vítimas ou sobreviventes. Ao longo deste estudo e, após as análises das obras acima, podemos concluir que existe a similaridade entre os filmes citados e, como se referem ao mesmo acidente, ficou mais perceptiva essa estrutura narrativa clássica. Essa constatação ficou evidente, pois apesar de diferentes períodos de lançamento dos filmes de diferentes diretores e produtores, com suas formações específicas, não vimos diferenças sofridas por essa distinção nas experiências fílmicas de cada um. Dessa forma respondemos ao nosso primeiro objetivo desse trabalho – “Como percebemos a estrutura clássica de um filme catástrofe sobre um acidente aéreo real? E como isso sofre a influência da adaptação das obras literárias e na construção dos personagens dos enredos?” O gênero melodrama, e seu modo narrativo, é visto com muita intensidade nas obras analisadas pelo forte apelo dramático e de muita comoção. O maior sentimento que observamos nas obras analisadas é o amor em família e entre amigos, conforme já comentamos antes, em função da luta pela sobrevivência dos que se salvaram do trágico acidente em outubro de 1972. Esses arquétipos não sofreram influência, apesar das épocas distintas dos lançamentos das obras, e como os livros foram publicados com visões diferentes do mesmo acidente, os filmes retratam com fidelidade em suas verdades de ‘real encenado’ as obras que se baseiam. Aqui respondemos ao segundo objetivo de nosso projeto – “A narrativa empregada nas produções analisadas sofreu influência dos períodos em que as mesmas foram produzidas, além da formação e qualificação dos cineastas e das obras literárias que se baseiam?” Obviamente que, para entendermos com maior profundidade a questão da forma como o público responde a esses produtos ficcionais baseado na verossimilhança dos acidentes aéreos, é necessário um estudo muito maior e mais denso que essa dissertação, no qual se contemple questões que vão desde as teorias do cinema até os recursos de estilo e de estética adotados nas obras cinematográficas.

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Portanto, percebemos que há a necessidade de buscar em várias fontes a sustentação para pesquisas que busquem entender como se dá essa disposição emocional do espectador, que se envolve com os filmes catástrofes sobre acidentes aéreos reais, que interpreta, que constrói sentido a partir dessa “realidade”, “fração de realidade” ou “realidade ficcional”.

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APÊNDICE I

Formulário de Pesquisa Filmes Catástrofes sobre Acidentes Aéreos Reais Título do Filme

Título Original

Ano

Direção

Produção

Duração

Acidente Aéreo / Local / Ano

Sobreviventes / Quantidade ( ) Sim ______( ) Não Livro Publicado / Autor / Ano

Veiculação ( ) Cinema ( ) Televisão ( ) DVD

( ) Color ( ) P&B Sinopse

Estrutura / Momentos 1º

Assistido em 1- ___/___/___ 2- ___/___/___ 3- ___/___/___ 4- ___/___/___