Jornal Pessoal A AGENDA Amazônica de Lúcio Flávio Pinto • Ano XXXI • No 626 • FEVEREIRO de 2017 • 2a quinzena • R$ 5,00

LAVA-JATO Jader, o próximo? A Polícia Federal não prendeu ninguém na mais recente operação desdobrada da Lava- Jato, para apurar corrupção na obra da hidrelétrica de Belo Monte. O objetivo foi só coletar provas. Para fortalecer a próxima investida, contra alvos maiores?

o dia 16 a Polícia Federal avançou em son Fachin do Supremo Tribunal Federal, que mais uma etapa de desdobramento substituiu Teori Zavascki como relator da Lava- da Operação Lava-Jato, que investiga Jato. Os mandados foram executados nas resi- um esquema de pagamento de propi- dências dos investigados e escritório de trabalho Nnas ao PMDB e ao PT, no valor de 1% sobre o to- no , Brasília/DF e Belém. tal das obras que realizaram empresas integran- Os principais alvos da operação, denomi- tes do consórcio construtor da hidrelétrica de nada de Leviatã, foram Márcio Lobão, filho Belo Monte, no rio Xingu, no Pará. Todas elas as do senador Édison Lobão, do Maranhão, e o mesmas empreiteiras do esquema de corrupção ex-senador paraense Luiz Otávio Campos, in- na Petrobrás que deu origem às investigações. timamente ligado ao senador Os policiais cumpriram seis mandados de e ao seu grupo político, ambos do PMDB. Por busca e apreensão, expedidos pelo ministro Ed- causa do segredo de justiça do processo, a PF se

VALE VAI ACABAR • PSDB COM PMDB? limitou a informar que eles, “na me- Sarney, que mandava na Eletronorte, O Diário do Pará padece das limi- dida de suas participações, poderão a criadora de Belo Monte. tações às quais sempre está sujeito um responder pelos crimes de corrupção, As aparências indicam que a Ope- jornal de propriedade de um político. lavagem de dinheiro e organização ração Leviatã, sem prisões, foi apenas Os problemas se complicam ainda criminosa”. Nenhum foi preso, ao con- para a busca de documentos. Os próxi- mais quando o político, dono do jor- trário do que aconteceu na maioria mos alvos da Polícia Federal, seriam os nal, é polêmico como o senador Jader das operações. principais líderes do PMDB. Desde o Barbalho, frequentemente acusado de O crime teria sido o de favorecer o ex-presidente José Sarney até os sena- se apropriar de recursos públicos. consórcio para fazê-lo vencer o leilão dores Renan Calheiros, Romero Jucá, O senador do PMDB nega peremp- da usina. O percentual seria o mesmo Édison Lobão e Jader Barbalho. Todos toriamente todas as acusações que adotado em relação à estatal do petró- são suspeitos de receber propina. lhe foram feitas desde certo momen- leo: pagamento aos intermediários de Há muitos anos, Sarney, em pri- to das apurações pelo grupo-tarefa da 1% do valor da obra. Na época, ela foi meiro lugar, e Jader, depois dele, são Lava-Jato, agora com interjeições de estimada em 19 bilhões de reais. Seu os políticos com maior influência na irritação. Como as informações dos custo atual seria de R$ 33 bilhões. A Eletronorte, a estatal do sistema Ele- delatores se avolumam, observa-se propina, portanto, alcançaria R$ 190 trobrás que comanda o setor energéti- que a Polícia Federal se acerca dele. A milhões. Se fosse hoje, sairia por R$ co na Amazônia. A maioria dos dire- lentidão desse avanço e ela não ter até 330 milhões. tores da empresa foi por eles indicada. agora se dirigido diretamente a ele, é Luiz Otávio, conhecido popular- Sarney e Jader usaram vários prepos- indicador de que não há ainda provas mente por Pepeca, foi ligado ao go- tos, dentro e fora da Eletronorte, que robustas para confirmar as acusações vernador Hélio Gueiros, sendo se- foi criada em 1973 para construir a e autorizar uma investida sobre o ex- cretário de transporte na sua gestão hidrelétrica de Tucuruí, no rio Tocan- governador do Pará. Nada, porém, é (1987/1991). Depois aderiu ao senador tins, também no Pará, que é a quarta seguro. Jader Barbalho, que o mandara pren- maior do mundo. Por isso, o jornal tateia entre a der ao suceder Gueiros (1991/1994), Há alguns anos, Luiz Otávio é o obrigação de manter o seu leitor bem sob a acusação de corrupção. Mesmo principal intermediário de Jader, para informado e a estratégia do dono assim, Pepeca se tornou um dos prin- todos os assuntos políticos e para nesse cão-e-gato em que se acha en- cipais auxiliares de Jader em Brasília. questões deles derivadas. Ele é apon- volvido há meses. É uma situação ex- Acompanhou Jader Barbalho como tado em vários depoimentos como a tremamente delicada. Dela faz prova seu secretário nos cargos que ocupou pessoa autorizada a receber a parcela o noticiário do Diário do dia 15 so- nos governos Dilma e Temer. de 0,5% sobre o valor da obra para o bre a ação, na véspera, da PF atrás de As investigações se basearam em PMDB (outros 0,5% iriam para o PT, provas sobre o pagamento de propina delações premiadas de presos na La- por isso podendo envolver os ex-pre- a intermediário do favorecimento de va-Jato, que se transformaram em in- sidentes Lula e Dilma). empreiteiras na licitação da hidrelétri- quérito, em tramitação no STF. Del- Na mais ingênua das probabilida- ca de Belo Monte. fim Netto, ex-ministro dos governos des, o ex-senador jamais desempe- Foi omitida qualquer referên- militares e ex-deputado federal por nharia essa função sem autorização de cia aos nomes dos políticos visados, São Paulo, também está sendo inves- Jader. Se o intermediário recebeu pro- como o ex-senador Luiz Otávio Cam- tigado. Ele foi o principal conselheiro pina e não a repassou ao destinatário pos, estreitamente vinculado ao gru- econômico tanto de Lula quanto de final, é outra questão, que os investi- po político de Jader, seu padrinho em Dilma Rousseff, de quem se afastou gadores da Lava-Jato devem estar em- Brasília. De modo contrário, o jornal em 2014, durante a campanha pela re- penhados em esclarecer – ou provar. foi fartíssimo ao noticiar a recente eleição da presidente. Se o ex-governador do Pará não prisão do filho do governador Simão Delfim é apontado como inspirador recebeu um tostão sequer, tendo o di- Jatene, do PSDB, seu principal adver- dos detalhes do edital de licitação que nheiro sido usado em campanhas do sário político (até que se prove a falsi- dirigiram o resultado para beneficiar PMDB, com prestação de contas apro- dade das aparências sobre um acordo o vencedor. O leilão foi realizado jus- vada pela justiça eleitoral, é outra con- entre eles). tamente quando Dilma era eleita para versa, que agora vai ficar clara. A questão agora é saber se real- suceder Lula, em 2010. A hidrelétrica, Em nada ajudou a defesa do ex-mi- mente há um esquema de proteção e projetada para ser a terceira maior do nistro de Sarney o seu jornal, o Diário acobertamento dos principais políti- mundo, se tornou a principal obra do do Pará, ter minimizado como pôde a cos citados ou se, em função do peso Programa de Aceleração do Cresci- operação polícia, como se ela não tives- do senador, a PF está sendo mais cau- mento, o PAC, que teve a então minis- se qualquer importância (enquanto o telosa do que nunca, só partindo para tra de Minas e Energia como a gestora. adversário, O Liberal a ela dedicava três a prisão com provas suficientes para Quando ela assumiu a presidência, páginas). Publicou uma nota minúscu- que elas não venham a ser revogadas. chamou o senador Lobão para coman- la, em lugar quase invisível, como para Daí não prender, para não revelar o dar o ministério das Minas e Energia. não deixar de registrar o fato, mas sem conteúdo das provas que já acumulou. Lobão é aliado do ex-presidente José lhe dar a atenção devida. Logo se saberá qual é a verdade.

2 - JORNAL PESSOAL Nº 626 • FEVEREIRO DE 2017 • 2ª quinzena PMDB e PSDB juntos em aliança para 2018?

A opinião pública foi surpreendida diante da aprovação do dinheiro pelo Barbalhos e tentar furar a nau de Hel- pela imagem inesperada: o ministro ministro, que fez questão de entregar der para ela não atracar no governo do da Integração Nacional, Helder Bar- pessoalmente o recurso. Estado. O Diário do Pará fustiga dia- balho, e seu pai, o senador Jader Bar- Mas logo surgiram interpretações riamente o governador Simão Jatene e balho, ambos do PMDB, caminhando políticas. A reaproximação dos inimi- o prefeito Zenaldo Coutinho. alegremente com o prefeito Zenaldo gos tradicionais seria efeito de acordo Como, então, Zenaldo aprontou seu Coutinho, do PSB, pelo Mosqueiro, na nacional entre o PSDB e o PMDB, a melhor sorriso para caminhar ao lado sexta-feira, 17. partir da entrega de quatro ministé- de Helder e Jader? Não devia ser mais Até a véspera a cena era conside- rios do governo Temer aos tucanos.O formal e menos extrovertido? Uma fon- rada impossível. Helder está em plena PSDB não apenas decidiu participar da te tucana diz que não. “Se ele não fosse, campanha, mal disfarçada, para o go- administração peemedebista: teria de- iria deixar que o faturamento do ato fos- verno do Pará em 2018. Aproveita sua finido uma aliança para tentar proteger se todo ele em benefício dos Barbalhos, agenda ministerial para atrair políticos, Temer em troca do seu apoio para a que poderiam ainda criticar a ausência cabos eleitorais e fazer propaganda do eleição do próximo ano. do mais interessado no benefício, que é seu nome. Graças ao trânsito que seu Por ser uma aliança verticalizada, o prefeito. Ele tinha que ir e foi”. pai tem na cúpula do governo federal, pretendendo muito mais do que uma Prova disso foi o texto discreto, seco carrega verba para distribuir entre os saída conjuntural, ela se imporia, a par- e centrado em Zenaldo preparado pela que se dispuserem a aderir. tir de Brasília, a todos os Estados, que sua assessoria de imprensa. Ele deu o O PSDB, que tem nos Barbalhos os precisariam se enquadrar à nova situa- crédito devido ao ministro, mas não seus principais adversários, também ção. Segundo esse raciocínio, já haveria citou Jader. Na foto distribuída, o se- possui pretensões amplas para 2018. até acordos locais, como no Pará, com nador do PMDB aparece mais atrás de Por isso, estava fora da cogitação qual- a formação de uma chapa única, à fren- Zenaldo e Helder, falando ao celular. quer aproximação com o PMDB, ini- te da qual estaria para O prefeito se justificou, dizendo que migo mortal do principal abre-alas dos o governo. sempre buscou parcerias junto ao go- tucanos, o grupo de comunicação da É difícil confirmar uma ou outra verno federal, estadual, e com as pró- família Maiorana. Os ataques mútuos, versão, a segunda mais fértil na imagi- prias comunidades, “pois quem ganha às vezes raivosos, por serem constan- nação do que sustentada nos fatos. A é a população e os recursos são de to- tes, demonstrariam a completa invia- imprensa diária de Belém não se inte- dos, já que são provenientes de impos- bilidade de uma aliança entre os dois ressa por esclarecer a verdade e infor- tos pagos pelo povo brasileiro”. partidos mais fortes do Estado. mar sobre o que acontece nos bastido- A ênfase técnica acima da política Naturalmente, Jader, Helder e Ze- res. O Liberal só quer saber de atacar os e dos interesses pessoais, numa obra de naldo não se encontraram por 25 milhões de reais, foi ressal- acaso no Mosqueiro. Tudo tada pelo secretário municipal deve ter sido acertado, talvez de Urbanismo, Adnaldo Oli- ao longo de alguns dias. O pre- veira. “O prefeito foi pesso- feito pedira 25 milhões de reais almente a Brasília apresentar ao ministério comandado pelo nosso projeto para o ministério ex-prefeito de Ananindeua da Integração, e também para (hoje com o PSDB, através de o ministério das Cidades, pois Manoel Pioneiro) para pro- é uma obra importante para o teger a orla da ilha, ameaçada estado como um todo, e que pela erosão. o Município não conseguiria A assessoria do prefeito deu realizar sozinho. Foi a partir a entender que foi uma solici- daí, que originou esta visita de tação neutra, de fundo técnico, hoje”, disse ele. acima das contingências políti- O episódio pode não ter cas. E que Zenaldo compareceu passado de uma trégua na à caminhada com seus adver- guerra política travada entre sários porque a administração o PSDB e o PMDB. Os próxi- pública e o benefício social lhe mos passos é que esclarecerão impunham passar por cima sobre o que está por trás da das divergências. Era inevitável visita conjunta.

JORNAL PESSOAL Nº 626 • FEVEREIRO DE 2017 • 2ª quinzena 3 O governo Temer e a utopia brasileira

Controle da inflação, redução drás- Quem possui olhos de ver e cons- Nunca antes o Brasil teve tantos tica do déficit público e reforma da pre- ciência para constatar, há de notar que bilionários, tantas supostas multi- vidência são as três principais medidas há duas marcas nos oito anos de Lula nacionais brasileiras, tanto dinheiro adotadas pelo governo Temer para res- como presidente. Ele aprofundou e ex- circulando pelo território nacional. tabelecer a credibilidade no governo pandiu a abertura para o investimento Enquanto Lula gastava, Meirelles arre- federal e dar um rumo à desajustada social do governo FHC. O tucano mui- cadava. E assim seus erros e excessos, economia que herdou de Dilma Rou- to tímido nesse setor, mesmo tendo ao praticados sob uma conjuntura mun- sseff. Pode-se discordar do tratamento, seu lado uma figura de peso, sua espo- dial extremamente favorável (ao con- mas ele é técnico, o que caberia fazer sa, a antropóloga Ruth Cardoso. trário do que acontecera com FHC), sem mudar o sistema capitalista adota- Com tradição à esquerda, ela ten- foram absorvidos. do pelo Brasil. Nem, talvez, tirar o Bra- tou incrementar essas ações, através Qual o ato mais importante de Dil- sil do rumo do desastre. do programa Comunidade Solidária ma nesse setor, que ela aprofundou no É a face amarga, mas necessária. (nome que lembra o sindicato polo- curso de quatro anos, não indo além Tão amarga e polêmica que só se sus- nês de Lech Walesa, que contribuiu por ter dissipado todo seu capital e tentaria politicamente em um governo – como o Lula do leste europeu, ou iniciado a queda no maior buraco já de transição, sem a preocupação de mais do que isso – para a derrocada experimentado pela economia brasi- continuar além do final do mandato do tal “socialismo real”).Ruth foi voz leira? Trocou Meirelles pelo acadêmi- que lhe coube pelo impeachment da co (como ela, em certa medida) Guido sua antecessora. Mantega. Mantega não tinha a menor Ela foi afastada da presidência da competência para fazer – para o bem república não pelo descumprimento ou para o mal – o que Meirelles fazia, da lei de responsabilidade fiscal, que no timão da economia através do seu realmente violou, cometendo o crime gabinete no Banco Central, por quase de responsabilidade (sem desonestida- oito anos. de pessoal, até hoje não provada), mas O que Dilma mais queria era um porque as elites não acreditavam mais ministro fantoche, executor de uma na condução que dava ao país. política mais ortodoxa de guinada à Só os fanáticos são capazes de ain- esquerda (o que omite um artigo de da negar (também sem provar essa Vladimir Safatle, reproduzido nes- alegação) que Dilma comprometeu a ta edição para fazer o contracanto à saúde do Brasil para se reeleger, con- voz oficial, ao alegar que essa alter- tra os efeitos da sua incompetência e nativa nem foi tentada) para executar até mesmo a vontade do seu padrinho, suas ordens, muitas dadas aos gritos. Lula. Desafiou tudo em troca de nada. Quem não sabia acreditou na faro- Por isso perdeu o rumo, o prumo, a fagem de Lula: de que ela era quem credibilidade e a legitimidade. No sufocada perante a social-democracia mais sabia, a “gerentona”, a condutora mínimo, faria tão mal ao país quanto paulistana, de alvos colarinhos bran- do PAC (Programa de Aceleração do Temer, sem qualquer possibilidade de cos e viés financeiro. Crescimento), que, agora sabemos, es- evitar a tragédia. A continuidade veio com Lula, tava todo bichado. Diante do caos que deixou, não há cuja clientela ele atendeu à sua ma- Essa terra arrasada só pode voltar a milagre possível. É preciso cortar na neira, por impulso populista e evo- dar os frutos necessários para sustentar carne da nação, que, sangrando, re- cação biográfica. Mas não metendo a volta do rendimento saudável da eco- age, grita, esperneia e não aceita. Um o bedelho na cozinha econômica, nomia se for retrabalhada, revolvida, governo com tal programa não pode comandada pelo chef, o banqueiro submetida ao arado, posta para a reci- aspirar a um novo mandato, através da internacional (com seu ápice na pre- clagem dos seus nutrientes. O esquema eleição direta. Vai ser derrotado. sidência mundial do Banco Boston), adotado outra vez por Meirelles, de Tem que se imbuir da consciên- Henrique Meirelles. volta ao centro do poder com Temer, cia na oportunidade histórica única, Foi ele quem, na via paralela ao so- pode ser combatido e substituído por que lhe caiu no colo por um aciden- cial, deu prosseguimento a tudo que outro. Mas ele tem coerência, Guarda te político, e cumprir a missão que os tucanos faziam – e até os exceden- certa identidade com o Plano Real, tão lhe cabe nessa circunstância: ajeitar do no uso dos ingredientes do modelo criticado pela esquerda (e, em parti- o país para o seu sucessor, como fez de ação econômica avalizado por ins- cular, por Lula, sempre incapaz de ver Fernando Henrique Cardoso – com tituições financeiras internacionais, além da conjuntura) e o mais eficiente todos os erros de percurso e finaliza- como o FMI (o Fundo Monetário In- tratamento inflacionário já experimen- ção – para Lula. ternacional, de Washington). tado em todo mundo.

4 - JORNAL PESSOAL Nº 626 • FEVEREIRO DE 2017 • 2ª quinzena Esse esquema é aceitável, mesmo bastidores uma salvação pecaminosa misse formalmente o compromisso de não sendo sagrado nem puro, muito nem se ache impedido de ir às últimas não tentar disputar a reeleição, fazer menos imunizado contra aproveita- consequências por estar atado a com- um mea culpa e conclamar os brasilei- mentos laterais ou mesmo espúrios promissos espúrios. Em suma: não es- ros a trabalhar para que as eleições ge- (para cujo sucesso um acompanha- teja sem condições de sustentar o que é rais de 2018 escolham quem melhor se mento sério, honesto e competente da necessário fazer nas condições em que apresentar para repor o Brasil na trilha opinião pública, sobretudo da impren- o Brasil se encontra, não o que lhe é de uma história melhor e mais justa. sa, é fundamental). Mas só pode dar mais conveniente. Mas reconhecendo ao povo o direito certo se avalizado por um estadista, Infelizmente, o advogado constitu- de dizer não ao que propõe, a propos- um presidente que não lance mão de cionalista e antigo político Michel Te- ta exposta de forma clara e honesta, fisiologismo, não tenha pecados mor- mer não se enquadra nessas premissas. aberta ao debate. tais a esconder, não seja suscetível a Logo, não é um estadista. Podia se tor- Isto se tornou impossível ou ainda é chantagens, não precise negociar nos nar um, apesar dele mesmo, se assu- uma utopia? PM: depois do protesto, qual o próximo passo?

A manifestação de protesto or- rio baixo e atrasado, desvalorização da militarização que lhes foi imposta ganizada pelas esposas dos policiais da carreira, exposição excessiva ao durante a ditadura, precisa ser refeita militares, que acamparem em frente risco de morte e outros fatores que em função dos acontecimentos no Es- a algumas unidades da corporação e criam um ambiente de tensão nos pírito Santo. Eles demonstraram que a à sede do comando para cobrar me- quartéis e nas ruas, onde a popula- ação da polícia civil, como instrumen- lhores condições de trabalho e mais ção não sabe se saúda ou lamenta a to do poder judiciário, na instrução dinheiro no fim do mês do soldo dos presença dos policiais, dos processos criminais, em conjunto maridos, terminou de forma insólita No Espírito Santo, os cidadãos com o Ministério Público, não é su- na semana passada, depois de alguns puderam experimentar, em grau ex- ficiente para tratar da violência nas dias de resistência, tremo, o lado bom e ruim da PM. ruas, em escala assustadora. Foram recebidas inicialmente sem Acantonada nos quartéis, a polícia Mas se a PM é um mal necessário, obter, depois, qualquer resposta das abandonou a sua missão. Sua ausência a ação pública deve se preocupar em autoridades na hierarquia de coman- provocou a maior onda de violência combater os aspectos ruins de uma do: do vice-governador, que respondia já registrada na Grande Vitória. Tudo polícia extremamente violenta, cor- pelo cargo na ausência do governador, parou e ocorreram mais de 100 mor- porativa e tendente a abusar do seu do secretário de segurança pública tes violentas. Asegurança pública do poder, atentando para a necessidade ou do comandante da Polícia Militar. Estado ainda está sob controle federal. que a sociedade tem dela. A neces- Talvez sua estratégia tenha sido a de Mais de 700 policiais foram indi- sidade deve impulsionar iniciativas deixar o movimento se esvair por ele ciados pelo crime militar de revolta para atender as justas reivindicações mesmo, diante da precariedade da sua por estarem armados e aquartelados dos PMs, dando-lhes a prioridade infraestrutura e do pequeno número nos batalhões. Neste mês, não vão re- que elas precisam realmente ter. Só de adesões. ceber salário. Podem ser condenados assim será imposto um pressuposto O promotor Armando Brasil, po- a penas que variam de 8 a 20 anos de sem o qual a PM se torna descartável: rém, decidiu intervir no processo e detenção em um presídio militar e à seu compromisso é atender a socie- apresentar uma saída honrosa: prome- expulsão da corporação. dade, que lhe delegou um poder úni- teu proteger os PMs de represálias, que A constituição proíbe que milita- co dentre todos os servidores públi- podem caber na letra fria da lei, mas res grevem. Por isso, a execução do cos, o de andar armada e poder usar a também podem ser atenuadas pelo ca- protesto pelas esposas em frentes aos força no desempenho das suas tarefas ráter pacífico do protesto. Se fez isso quartéis, impedindo os maridos de profissionais. após consultar quem pode aplicar as sair, teve a intenção de forçar a sus- Esse princípio não se concilia com penas ou de moto próprio, só o tempo pensão das atividades policiais sem o direito de greve. No seu exercício, o poderá responder. O tempo e a reinci- expô-los a punições. grevista, por estar armado, pode abu- dência dos problemas que inspiraram a Toda controvérsia em torno de sar do seu direito e ameaçar a socie- iniciativa das esposas dos miliares. Eles desmilitarizar a PM para permitir que dade. O PM deve dispor de condições continuam latentes e urgentes. os integrantes da corporação se sin- satisfatórias de trabalho para que se Em todo país os PMs se queixam dicalizem e participem da atividade conscientize de que acima dele está a de más condições de trabalho, salá- política, libertando-os dos grilhões lei e o seu destinatário: o povo.

JORNAL PESSOAL Nº 626 • FEVEREIRO DE 2017 • 2ª quinzena 5 A receita para destruir um país (Artigo de Vladimir Safatle, professor livre-docente da Universidade de S. Paulo, publicado na Folha de S. Paulo da semana passada.)

á três formas de destruir um 3,6 milhões de pessoas verão seus ren- pazes de propor a taxação progressiva país. As duas primeiras são dimentos caírem para menos de R$ de rendas e riquezas, a transferência por meio da guerra e de ca- 140 por mês. paulatina da detenção dos meios de Htástrofes naturais. A terceira, a mais se- Isso em um cenário no qual o Brasil produção para as mãos dos trabalha- gura e certa de todas, é entregando seu tem a maior taxa de capacidade ocio- dores e a limitação dos ganhos do sis- país para economistas liberais amigos sa da indústria dos últimos 70 anos, tema financeiro de esquerdista é algo de operadores do sistema financeiro. já que não há mais compradores para da ordem do simples jogo de palavras. Em todos os países onde eles apli- seus produtos. Enquanto isso, uma parcela da po- caram suas receitas de “austeridade”, a Se somarmos a isso a reforma da pulação aplaude tudo, já que acredita recompensa foi a pobreza, a desigual- Previdência, a limitação de investi- ficar imune à degradação econômica dade e a precarização. mentos estatais para guardar dinheiro nacional. Alguns países, como a Letônia, ven- a fim de pagar os mais de R$ 400 bi- Essa mesma parcela julga-se hoje dido por alguns como modelo de recu- detentora de alguma forma de superio- peração bem-sucedida, viu sua popu- ridade moral que faria calar os descon- lação diminuir em quase 10% em cinco tentes com este governo. anos, algo que apenas as guerras são No entanto, que as coisas sejam di- capazes de fazer. tas de forma clara: eles nunca estive- Ou seja, o preço para essa peculiar ram nem estão, de fato, preocupados noção de sucesso foi expulsar quase com julgamentos morais. 10% da população para refazer suas vi- Os mesmos que gritam contra das em outros países. corruptos do antigo governo sem- No Brasil, não faltou economista pre votaram e continuaram votando a eleger, meses atrás, o Espírito Santo em políticos notoriamente corruptos, como um modelo de ajuste econômico continuaram calados diante de casos e responsabilidade fiscal. O mesmo Es- gritantes de corrupção neste governo, pírito Santo que tem números piores do como ficaram calados quando, nesta que média nacional (retração de 13,8% semana, o STF publicou uma decisão até o terceiro trimestre de 2016) e que inacreditável e criminosa para permitir há algumas semanas simplesmente en- o gato Angorá, vulgo Moreira Franco, trou em colapso, virando uma zona de com suas citações na Lava Jato, ocupar anomia em meio à greve de policiais. um ministério. Não poderia ser diferente. Nada estranho, já que o problema No mundo desses senhores não deles nunca foi a corrupção, e sim existe gente, não se levam em conta a luta contra políticos com os quais reações populares a medidas econô- eles não se identificam. O discurso micas, muito menos experiências de contra a corrupção era apenas uma sofrimento social e revoltas políticas grande farsa, senão produziria ações contra processos de pauperização ven- simétricas contra toda a classe políti- didos como “remédios amargos, po- lhões em serviços da dívida pública, a ca brasileira. rém necessários”. proposta de terceirização irrestrita e o Julgamentos morais não aceitam Outros tantos desses economistas colapso do sistema brasileiro de servi- usos estratégicos. Quem usa moral encheram as páginas de jornais e tem- ços públicos teremos um cenário sim- de forma estratégica é um “moralis- po de televisão para levar a sociedade ples: o Brasil foi destruído pelas polí- ta da imoralidade”. Na verdade, essas brasileira a acreditar que, conduzindo ticas implementadas desde a guinada pessoas são atualmente cúmplices de Michel Miguel à Presidência, a “con- neoliberal do governo Dilma. O pró- um governo cuja única preocupação fiança” dos mercados daria o ar de sua ximo passo será a imigração em mas- é se blindar e escapar da cadeia. Até graça e, com ela, viria a estabilidade. sa dos que puderem, normalmente os porque, Michel Miguel e os seus não Bem, nos últimos dias, o Banco mais bem formados. governam, eles têm coisas mais ur- Mundial divulgou uma análise segun- É claro que haverá aqueles que di- gentes para fazer. do a qual espera que, até o final do rão que isso é “herança maldita” de Enquanto tentam salvar a própria ano, 3,6 milhões de pessoas voltem à políticas econômicas esquerdistas. Mas pele, terceirizaram o Brasil para ges- pobreza no Brasil. Para ser mais claro, chamar governos que nunca foram ca- tores da catástrofe.

6 - JORNAL PESSOAL Nº 626 • FEVEREIRO DE 2017 • 2ª quinzena Mais um passo para Carajás ficar chinesa

A notícia chegou à grande im- ação ordinária por ação Vale querem se livrar prensa nacional: os acionistas da Vale preferencial. O valor da companhia do go- decidiram extinguir a Valepar, a hol- das ações será definido verno, beneficiar os ding que controla a ex-estatal, maior com base no preço de investidores estran- produtora de minério ferro do Brasil fechamento das ações geiros e abrir caminho e terceira maior do mundo. A decisão, ordinárias e preferen- para o que pode vir a tomada durante as negociações para ciais. A apuração terá ser a maior transação renovar o acordo de acionistas, que por base a média dos da história da minera- vencerá em abril, “permitirá que cada últimos 30 pregões na ção no Brasil: a trans- um sócio controle diretamente suas bolsa de valores de São ferência da Vale aos ações na Vale e decida individualmen- Paulo anteriores a 17 chineses. te seus votos”, segundo a nota de Lau- de fevereiro, ponde- A imprensa apenas ro Jardim na sua coluna em O Globo rada pelo volume de divulgou as informa- de domingo, 19. ações negociado nesses ções, sem procurar as No dia seguinte, o que se previa des- pregões. razões para a mudança. de bem antes aconteceu. A Vale anun- Cumprida essa eta- Mas há uma maneira de ciou um novo acordo de acionistas, pa, a Vale incorporará interpretá-la: os sócios com o qual se tornará uma sociedade a sua controladora, a privados estão interes- “sem controle definido”. A mudança Valepar, e pagará aos sados em vender suas seria para “aumentar a transparência seus proprietários um ações, sem submeter a e a igualdade de direitos para todos os prêmio de 10% por decisão ao colegiado. detentores de ação”. suas ações. Essa ini- Para facilitar, pulverizar O novo modelo societário ainda ciativa diluirá os acio- o capital da empresa e será submetido aos sócios para apro- nistas minoritários ao ainda converterão ações vação. Mera formalidade, já que a de- limite de 3% do capital, preferenciais em ordi- cisão foi tomada pelos controladores considerada condição nárias. O ágio se tornará do capital da companhia. Bastará que prévia para o restante do processo de fonte de receita para financiar o prejui- contem com a adesão dos detentores transformação da estrutura da Vale. zo aos acionitas minoritários. A oferta de 20% do controle acionário. Ao final Tudo realizado, a empresa deixará de é interessante para os compradores das da transição que será agora iniciada, a existir em novembro de 2020. ações, que já ganharam muitos dividen- Vale desaparecerá. “Fontes familiarizadas com o assun- dos, mas agora estão em maré baixa por Os principais acionistas da maior to” disseram à Reuters em janeiro que causa da queda do preço do minério e mineradora brasileira e a terceira do a Bradespar e o Previ, fundo de pen- do período de investimentos pesados mundo, que foi estatal até 1997, vão são dos empregados do Banco do Bra- que a Vale fez para colocar em atividade renovar, por mais três anos e meio (a sil, buscaram o plano para aumentar o o seu maior projeto, o S11D, que quase vigorar a partir de 10 de maio), o atual apelo da Vale entre os investidores. duplicará a produção de Carajás. acordo, que lhes assegura o controle do Uma vez que o acordo expirar, ne- Libertos das amarras societárias, os capital e, portanto, das decisões. nhum acionista poderá ter mais de controladores da mineradora poderão “A transação parece ser uma vitó- 25% da Vale, sob pena de ter que reali- negociar diretamente com os eventuais ria para os acionistas controladores e zar Oferta Pública de Aquisição (Opa) interessados. O maior e já identificado minoritários”, disse à Reuters Rodol- para os demais acionistas titulares de é a China. fo de Angele, analista da JPMorgan ações ordinárias. Assumindo o controle acionário da Securities. A proposta prevê ainda que 20% dos Vale, os chineses, que compram 60% da As mudanças na Vale foram acerta- integrantes do Conselho de Administra- produção de Carajás, estariam nas duas das pelos maiores acionistas da com- ção serão conselheiros independentes. pontas do processo: na mina e no bene- panhia: Litel Participações (que reúne Para analistas ouvidos pela agência ficiamento. Depois de ter entregado à os fundos de pensão Funcef e Petros, inglesa de notícias, o plano também Norsk Hydro (controlada pelo governo sob o comando da Previ, do Banco do ajudará a limitar as interferências do da Noruega) todo o ciclo do alumínio, do Brasil), Litela Participações, Bradespar governo na empresa. “A melhoria da minério de bauxita ao metal, passando (do Bradesco), a japonesa Mitsui e o governança decorrente da mudança pela alumina, o Brasil vai fazer o mesmo BNDES Participações. poderia ajudar as ações da Vale a redu- com o precioso minério de ferro de Cara- O acordo prevê a conversão volun- zirem o ‘gap’ de valorização em relação jás. Além de desestatizar, desnacionaliza- tária (se o acionista assim desejar) das aos seus pares globais de mineração”, rá a antiga Companhia Vale do Rio Doce. ações preferenciais classe A da Vale em declararam. E ninguém diz nada. ações ordinárias, na relação de 0,9342 Na surdina, os controladores da

JORNAL PESSOAL Nº 626 • FEVEREIRO DE 2017 • 2ª quinzena 7 Zavascki, Esteves,Filgueiras e os elos de uma relação Em novembro de 2015, o banqueiro An- O débito só foi quitado oito meses depois, caiu em Parati pertencia ao amigo do minis- dré Esteves, que é o principal acionista do quando o fato se tornou público e a questão tro, empresário Carlos Alberto Fernandes Fil- banco de investimentos BTG Pactual, foi pre- já estava na justiça. Gonçalves foi demiti- gueiras, um dos donos do hotel Emiliano de so pela Operação Lava Jato. Ele foi acusado do, no último dia 6, quatro dias depois que São Paulo, um dos mais caros do país, onde o de participar de uma negociação para impe- a informação se tornou de domínio público relator da Operação Lava-Jato passou a hospe- dir que o diretor da área internacional da Pe- e 10 meses após o incidente acontecer, por dar em 2013, para acompanhar o tratamento trobrás, Nestor Cerveró, assinasse acordo de determinação da direção do banco. O BTG se câncer da esposa, que viria a morrer. A par- delação premiada. O ex-senador Delcídio do se limitara a aceitara o pedido de licença de tir daí, eles se tornaram amigos. Amaral, do PT, que participou da articula- Esteves, quando ele foi preso. Filgueira seria dono da J. Filgueiras Em- ção, também foi preso. Ambos enquadrados Não demonstrando qualquer abalo, o preendimentos e Negócios Ltda. A empre- no crime de obstrução da justiça. ex-sócio está abrindo um escritório na ave- sa projetava construir um complexo hotelei- Delcídio continuou preso, assim como nida Faria Lima, zona nobre de São Paulo, ro na Fazenda Itatinga, em Paraty, mas teve outros três indiciados na trama. Menos de onde terá sua própria consultora de fusões a licença prévia indeferida pela secretaria de um mês depois das prisões pela Polícia Fede- e aquisições. Meio Ambiente do Rio de Janeiro em outu- ral,o ministro do Supremo Tribunal Federal,- Enquanto o espantoso acontecimento se bro de 2016. De acordo com a revista Fórum Teori Zavascki, mandou soltar o banqueiro, a espalhava pelo mundo, no Brasil, o BTG se (ver artigo reproduzido abaixo), o empresá- quem concedeu a prisão domiciliar. Aceitou limitou a divulgar uma nota curta, assinada rio era réu no Supremo, acusado de crime o argumento da defesa, de que a prisão fora pelo próprio Marco Gonçalves, que dizia: ambienta. Ele estaria fazendo construções decretada com base apenas nas declarações “Em relação à reportagem publicada pelo irregulares na ilha das Almas, onde fica a fa- do líder do governo no Congresso Nacional. ‘New York Daily News’, repercutida por al- zenda. Continuava como réu quando levou Os argumentos não prevaleceram em relação guns veículos de comunicação do Brasil, in- o ministro no seu avião para Parati, onde o aos demais envolvidos. formo que desconheço os fatos ali narrados hospedaria em sua própria casa. Outros indiciamentos, acusações e pri- e que não possuo nenhum tipo de pendên- Em 2009 o procurador da República, Fer- sões se basearam nas mesmas informações cia com o estabelecimento comercial men- nando Amorim Lavieri, investigou possíveis prestadas por Delcídio, Quatro meses de- cionado no texto”. danos ambientais na região da fazenda, loca- pois, em abril do ano passado, Teori revo- A primeira parte da declaração, de des- lizada na Área de Proteção AmbientalCairu- gou a prisão domiciliar e permitiu que o conhecimento dos fatos, parece ser menti- çu, para a preservação dos seus manguezais, executivo do BTG voltasse a trabalhar. An- rosa. Já a segunda não passa de sofisma: de de jurisdição federal. dré Esteves nunca mais voltou a ser pertur- fato, a pendência não existe mais, apenas Filgueiras era sócio (com 10% das ações) bado pela Lava-Jato. porque foi resolvida, por pressão da reper- de Carlos Daniel Rizzo da Fonseca (com Voltou agora, mas por outros motivos. cussão – extremamente negativa para um 90%) na empresa Forte Mar Empreendimen- Um dos seus sócios no BTG, Marco Gonçal- banco que lida com papeis comercializados tos e Participações S.A.Segundo o jornal O ves, que atuava na área de fusões e aquisições, em bolsa, tendo que merecer a confiança Globo, a empesa era proprietária do prédio foi processado por uma casa noturna no cir- dos seus clientes – e da ação da justiça. ocupado pelo Hotel Emiliano na praia de cuito VIP de Manhattan, em Nova York. Ele Essas histórias cheias de nós e laços reme- Copacabana, no Rio de Janeiro. Fonseca é não pagou uma conta de 340 mil dólares tem a informações que circularam, sem maior um dos sócios do BTG. (mais de um milhão de reais), por duas noites destaque, à margem da morte de Teori Zavas- O ministro desconhecia essas teias, nas consumindo as bebidas mais caras do mun- cki, quando novamente, por vias transversas, quais se enredou, ao menos por fios éticos e do, segundo notícia do jornal Daily News. apareceu o BTG Pactual.O dono do avião que morais? Teori: amigo sócio do BTG investigado pela Lava-Jato (Artigo de Alceu Luís Castilho) to. Outros acusados no mesmo caso, como o senador Delcídio do Amaral (sem partido-MS), ainda estão presos. Zavascki também ti- Forte Mar Empreendimentos e Participações, uma das empre- rou da Lava-Jato um inquérito que apurava ligação do ex-deputado sas de Carlos Alberto Fernandes Filgueiras, tem 90% de seu ca- Eduardo Cunha (PMDB-RJ) com o BTG. Apital social em nome do DevelopmentFundWarehouse, um fundo de investimentos do BTG Pactual. O banco é investigado na Lava- Empresário efazendeiro Jato e teve seu presidente, André Esteves, preso na operação. O mi- Carlos Filgueiras não era apenas “dono do hotel Emiliano”, como nistro Teori Zavascki, do Supremo Tribunal Federal – que morreu descrito muitas vezes após o acidente desta quinta-feira. E sim um com Filgueiras no avião do empresário e amigo, em Paraty – julgou empresário multimilionário, com várias atividades no ramo imobi- no STF casos relativos ao BTG. Em abril, revogou prisão de Esteves. liário e agropecuário. Ele era dono da Tuagro Agrícola, produtora de Os outros 10% da Forte Mar pertencem à J. Filgueiras Empre- café, dona da fazenda Diamante, em Patrocínio (MG). A Emiliano endimentos e Negócios Ltda. É essa empresa de Filgueiras que pre- Empreendimentos e Participações nem era a empresa mais valiosa tende fazer um complexo hoteleiro na Fazenda Itatinga, em Paraty de Filgueiras, com capital social de R$ 8,1 milhões. A J. Filgueiras (RJ), cuja licença prévia foi indeferida, em outubro, pela Secretaria (R$ 17,2 milhões) e a Forte Mar (R$ 117 milhões) aparecem à frente. de Estado do Ambiente do Rio de Janeiro. O empresário era réu no A Forte Mar já teve vários nomes, como Forte Rio Empreendi- STF, acusado de crime ambiental, por causa de construções irregu- mentos e Participações e CMNPAR Twenty-Seven Participações. A lares na Ilha das Almas, onde fica a fazenda. CMNPAR, por sua vez, já sem o nome de Filgueiras, multiplica sua Filgueiras era o diretor da Forte Mar Empreendimentos. Uma sigla a partir de vários nomes intermediários para as holdings – de- das pessoas físicas que aparecem como sócios da empresa é Carlos pois da Twenty-Seven vieram Thirty-Eight, Fifty-Four, Sixty-Five, Daniel Rizzo da Fonseca, ex-presidente do Conselho de Adminis- Seventy-Four, Seventy-Six, Eighty, Eight-Two, Ninety, Ninety-Six -, tração do BTG Pactual, sócio de 23 empresas (entre elas o próprio com repetição de sócios, mas diferentes CNPJs. BTG) e atual presidente do Conselho de Administração – ele foi Filgueiras era dono também da Fazenda Itatinga, em Paraty (RJ). eleito em abril – da Brasil Pharma, o braço farmacêutico do BTG. Em 2009 o procurador da República Fernando Amorim Lavieri in- Teori Zavascki julgou casos relativos ao BTG. Em dezembro de vestigou possíveis danos ambientais na fazenda, localizada em área 2015, revogou a prisão preventiva de André Esteves, enviando-o à de manguezal. A fazenda fica na Área de Proteção Ambiental (APA) prisão domiciliar. Em abril de 2016, revogou a prisão domiciliar. O Cairuçu, de preservação federal. E, segundo ele, está “situado na banqueiro é acusado de pagamento de propina à família de Nestor faixa de marinha, pertencente à União Federal”. A fazenda está no Cerveró, ex-diretor da Petrobras, para tentar obstruir a Lava-Ja- nome da Ama Empreendimentos, também de Filgueiras. 8 - JORNAL PESSOAL Nº 626 • FEVEREIRO DE 2017 • 2ª quinzena Como noticiar quando vítima é um jornalista

Na sua rotina de sensacionalismo, emprego dela ganhassem mais im- O sindicato diz que já vinha acom- aproveitando-se do noticiário policial portância do que o crime ocorrido. panhando a jornalista, “devido a per- para manter ou conquistar leitores, o Da mesma forma, expor a imagem da seguições que estava sofrendo, prome- Diário do Pará ocupou dois espaços da vítima em portal de notícias, mesmo tendo continuar atento “às posturas de sua capa com as fotos de mais duas víti- que ao lado do criminoso, mas fazen- veículos e jornalistas sobre o episódio, mas da assustadora violência cotidiana do o uso da tarja preta não passa de não estando descartadas providências em Belém. Numa, o corpo do soldado ‘ética de açougue.’ A tarja não esconde jurídicas futuras, bem como estamos Moisés Jesus, mais uma vítima da Polí- nada e, historicamente, foi usada para empenhados que o criminoso seja pu- cia Militar, morto pela manhã durante supostamente preservar a imagem de nido e a segurança da jornalista seja um assalto. adolescentes em conflito com a lei. Afi- garantida”. Convocou os interessados Na outra foto, a jornalista Dandara nal, que crime a vítima cometeu, nesse pela questão a participarem de uma de Almeida, esfaqueada à noite pelo caso? O de ser mulher? Ser jornalista?” reunião na quarta-feira, 22, para in- ex-marido, Roberto Baima. Ele a pro- O sindicato lamenta que os jornalis- tegrarem a sua Comissão de Direitos curou na casa dela, no bairro do Una. tas, “empregados de grupos de comu- Humanos. Houve uma discussão e ele a golpeou nicação que se digladiam no cotidiano, De fato, é lamentável e condenável a na garganta com uma faca. A jornalista somos instrumento dessa disputa no agressão à jornalista, vítima de violên- conseguiu fugir. Roberto teria tentado trabalho e até quando somos vítimas. cia por ser mulher e estar sujeita a esse se matar em seguida, sendo contido É necessário reavaliar a nossa conduta tipo de agressão, qualquer que tenha por familiares dela e vizinhos, alguns de trabalho, focar a ética na profissão, sido o pretexto do seu ex-marido. Foi dos quais o agrediram. Ambos foram o coleguismo e a autopreservação de também indigna a forma adotada pelo internados no Hospital Metropolitano, uma categoria já massacrada por assé- Diário do Pará na divulgação dos fatos, ele já algemado, sob vigilância policial, dio, injustiças e precarização”. usando o noticiário no âmbito da sua preso em flagrante por tentativa de ho- Lembra que, em situação anterior, guerra com o jornal dos Maioranas. micídio e violência doméstica. Ela sob “em que a vítima de tentativa de femini- Mas se Dandara não fosse jornalista tratamento médico. cídio foi repórter do grupo adversário, e se não houvesse a rivalidade selva- Protestos e declarações sobre o se- o mesmo que estampou agora o rosto gem entre os dois grupos de comuni- gundo episódio passaram a circular pe- da nova vítima, a postura dos colegas cação, o sindicato e os participantes da las redes sociais, culminando com uma de imprensa foi completamente distin- discussão do caso pelas redes sociais nota do sindicato dos jornalistas. Para ta. O nome e a imagem da jornalista teriam saído das suas tocas para se o Sinjor, “não foi uma violência qual- foram preservados, causando surpresa manifestar? O que fizeram no curso de quer, foi uma tentativa de feminicídio, a reação adversa, agora, o que só con- tanto sensacionalismo de lado a lado, uma agressão de natureza doméstica e tribui para o desentendimento entre ano após ano, que massacra diariamen- familiar e de gênero”. Mais um episódio a classe. Da mesma forma, postagens te pessoas anônimas, pobres, humildes, “do sexismo e do machismo em nosso em redes sociais que expõem a vítima de bairros periféricos, sem relações País”., com “a revitimização em man- também só contribuem para reafirmar com o mundo do poder, suas extensões chetes da imprensa”. a falta de ética e de solidariedade. Feliz- e aderências? “Substituir o rosto do agressor pelo mente, nem todos os jornalistas parti- Quem se interessou pelo soldado, da vítima em capa de jornal para es- lham da mesma opinião e, pautados na que morreu no mesmo dia, mais uma tampar que ela é repórter do jornal ética e na defesa dos Direitos Huma- vítima de uma violência já sem padrões concorrente, expondo seu nome e so- nos, se manifestam publicamente em ou limites, como no dia a dia de san- brenome, fez com que a profissão e o repúdio à situação colocada”. gue, silêncio, omissão ou conivência? Os discursos

Admiro tanto os textos caudalosos 2016, no museu Lasar Segall, em São culado, mas quase não pôde falar. Foi quanto os que são concisos. Talvez mais Paulo. Agradeceu pela inesperada hon- interrompido por vaias e apupos. Os a estes, que rompem com a tradição de raria e sapecou críticas ao governo de desagradados pelo que ele disse de- verbosidade dos latinos em geral e dos . Não foi interrompido. viam ser coerentes com a atitude dos brasileiros em particular. Admiro mui- No final, recebeu as palmas de que se desagrados pela manifestação de Ra- to Raduan Nassar, o paulista que escre- tornara credor, por sua condição de es- duan Nassar, que o ouviram até o fim veu dois livros profundos sem precisar critor e cidadão. do seu discurso – curto e grosso, como escrever muito: Lavoura Arcaica e Um Mas o ministro da Cultura, o polí- é do seu estilo e do seu direito. copo de cólera. tico (ex-comunista?) pernambucano É difícil ser educado e civilizado. Mais Raduan foi fiel ao seu estilo ao re- Roberto Freire, o contraditou e defen- difícil ainda é ser democrático. Para cer- ceber, no dia 17, o Prêmio Camões de deu a administração a que está vin- ta esquerda, praticamente impossível.

JORNAL PESSOAL Nº 626 • FEVEREIRO DE 2017 • 2ª quinzena 9 Mina de ouro do Xingu: mais uma vã promessa?

Talvez a Belo Sun tenha sido a pri- Os opositores do projeto querem meira mineradora de ouro da Amazô- que o Ibama seja integrado ao licencia- nia (ou mesmo do Brasil) a publicar mento, do qual ficou ausente, porque um grande anúncio na imprensa. Em embora a mina se localize no Pará, o meia página nos jornais de Belém, ela rio tem origem em Mato Grosso, o que comemorou a obtenção da licença de obrigaria a participação do governo fe- instalação para implantar “o primei- deral. A secretaria estadual nega vali- ro projeto exclusivamente de ouro no dade à pretensão. Pará”, que “já é uma realidade”. Pode ser que esse contencioso acabe A licença definitiva foi concedi- como em Belo Monte, Juruá, Santo An- da no dia 2 pela secretaria estadual tonio ou Tucuruí, as grandes hidrelé- do meio ambiente, dois anos depois tricas amazônicas e brasileiras, todas da expedição da licença prévia. A se- em funcionamento depois de um per- cretaria garante que todos os estudos curso tortuoso e acidentado. A lei do necessários para a aprovação do em- mais forte prevaleceu nos casos delas preendimento foram realizados, in- e o fato consumado foi atingido an- clusive com audiências públicas nos tes que houvesse resistência suficiente locais onde a mina de ouro será de- para inviabilizar as obras. senvolvida. A Belo Sun prevê o início O que mais impressiona neste das obras para setembro, três meses Uma nova queda de braço está ha- novo capítulo de “grandes projetos”, depois do verão na região. vendo com a Belo Sun. O primeiro ar- implantados na lei ou na marra, é a Não, se depender do Conselho de gumento contra a sua iniciativa é que pressa em concretizá-lo. Para o Faber Direitos Humanos, da Funai, do Iba- só agora houve o represamento do Xin- Mahnattan , o banco canadense de ca- ma e de entidades de representação gu, um dos mais volumosos e extensos pital fechado que desenvolve projetos da sociedade civil que defendem os rios do Brasil. Seria necessário aguar- de mineração ao redor do mundo, o índios e a população nativa. Uma se- dar por pelo menos seis anos para ve- interesse pelo ouro do Xingu se ma- mana depois da expedição da licença, rificar o comportamento do rio abaixo terializou em 2010, quando adquiriu o conselho pediu a sua suspensão. To- da barragem. Sua vazão vai ficar menor uma empresa de mineração de Alta- dos que questionam o projeto alegam justamente na chamada Volta Grande, mira, a Verena, transformando-a em não dispor de informações suficientes uma extensa curva, com leito aciden- Belo Sun Minning. para medir a profundidade e a exten- tado e complexidade ambiental, onde A Verena era uma das empresas são do seu impacto, por falta de maior moram dois grupos indígenas. locais que tentaram introduzir a lavra divulgação dos dados. A Belo Sun e a secretaria estadual mecanizada na Volta Grande do Xin- A medição de forças se assemelha retrucam. Dizem que a mina ficará dis- gu, onde só garimpeiros atuavam, des- à verdadeira guerra travada ao longo tante dois quilômetros da margem do de o início do século XX. A Oca Mi- de um quarto de século para impedir rio. E que sequer usará a água do Xin- neração foi a que mais avançou nessa a construção da hidrelétrica de Belo gu. Fará a coleta das chuvas, armaze- direção. Chegou a montar e colocar Monte, num trecho do rio Xingu mais nando-a em dois lagos artificiais, devi- em funcionamento uma usina seme- acima de onde será implantada a lavra damente protegidos. lhante à prevista pela Belo Sun, embo- de ouro. Quanto aos dois grupos indígenas, ra em escala muito menor. Mas teve Houve conflitos, greves de traba- estão distantes 12 e 16 quilômetros da conflitos com garimpeiros e pistolei- lhadores, depredações no canteiro de mina. A lei só obriga a empresa a fazer ros, Suas instalações foram destruídas obras, denúncias sobre fraudes e cor- os estudos do componente indígena a e a empresa desistiu. rupção (que acabaram transbordando partir de distância inferior a 10 quilô- A escala dos canadenses é muito para a Operação Lava-Jato), além de metros. Mesmo assim, o trabalho foi maior. Seu investimento é de 1,22 bi- outros atritos e tensões, mas a usina realizado, embora a Funai, que dele lhão de reais, “um dos cinco maiores – projetada para ser a terceira maior participou, agora o conteste. A funda- empreendimentos de mineração de do mundo – começou a funcionar no ção entende que não houve uma ver- ouro do Brasil”. Com ele, o município ano passado. Até 2019 todas as suas dadeira consulta aos índios. A empresa de Senador José Porfírio arrecadará 18 gigantescas turbinas deverão estar alega que só caberia a inclusão da Fu- cinco milhões de reais. Mas apenas em operação, ao custo de 33 bilhões nai se a lavra fosse em território indíge- por 12 anos. Nesse tempo de vida de reais. na, o que não acontece. útil, a Belo Sun espera retirar 160

10 - JORNAL PESSOAL Nº 626 • FEVEREIRO DE 2017 • 2ª quinzena toneladas de ouro. É pura e simples de ouro (mais do que a famosa Serra promete encher os buracos com ter- extração primária. Pelada), vai retirar mais de 25 milhões ra e matéria orgânica, recobrindo-os A empresa diz que pode evoluir de metros cúbicos de terra, que serão com vegetação e restabelecendo a pai- para um produto de muito maior va- empilhados em dois montes de rejei- sagem natural. lor, através do refino do minério. O tos. Com altura média de 150 metros, Será que a evidente rapidez do pro- investimento é pequeno, de R$ 100 equivalerão a um prédio de 50 andares cesso de lavra será correspondida pela milhões, menos de 12% do que vai in- e terão um terço da altura do Pão de dinâmica da restauração do ambiente vestir na mina. Mas só se tornará viável Açúcar. E um terço da barragem de ecológico, ou o descompasso é inevitá- se dispuser de oferta maior de matéria Fundão, em Mariana, em Minas, cujo vel? Nesse caso, quanto tempo depois prima. A jazida do Xingu não seria su- rompimento provocou o maior aciden- que cessar a produção será preciso para ficiente, embora o detalhamento geoló- te ecológico da mineração mundial em as compensações e correções necessá- gico tenha revelado riqueza maior do todos os tempos. rias? Ou a exaustão será um bom moti- que a inicialmente prevista. A empresa usa essa proporção em vo para a empresa se retirar e descartar A Vale instalou uma refinaria de sua defesa, omitindo que o famoso a responsabilidade, como em numero- ouro em Carajás, também no Pará, nos cartão postal carioca é obra da natu- sos casos da história da mineração? anos 1990, desmentindo a afirmativa reza, o que não acontece com os rejei- Os prós e contras mostram que po- propagandística dos canadenses, que tos produzidos pelo homem. Assegura derá ser vã a promessa da Belo Sun de também esqueceram a produção de que o material descartado terá apenas iniciar a industrialização de ouro num ouro a partir do cobre, ainda em Cara- terra e rocha, sem ouro e sem produto Estado que, tanto o produzindo, sem- jás, pela mesma Vale. O igarapé Bahia químico. pre ficou como uma província mineral, chegou a produzir mais do que a mina Não chega a ser explícita nesse as- sem avançar no beneficiamento da ma- de Morro Velho, em Minas Gerais, que pecto, presumindo-se, porém, que reu- téria prima. Se essa perspectiva é tênue há mais de 150 anos é a maior fonte do tilizará todo cianeto aplicado para se- demais para um projeto de existência minério no Brasil. Mas não foi além parar o minério. O processo é mesmo tão curta, pela produção intensiva que das barras de ouro. O depósito se exau- seguro? Nada ela diz a respeito. adotará, os efeitos negativos serão con- riu, desfazendo os sonhos de um polo Os buracos que a lavra a céu aberto cretos e duradouros. de joias no Estado. vai provocar no local terão 220 metros Melhor, portanto, ir devagar com O passivo de Belo Sun é muito de profundidade, correspondendo a esse andor dourado porque o santo, na maior. Para produzir 160 toneladas um prédio de 73 andares. A empresa verdade, é de barro. Corrupção no BRT: ainda faltam as provas

O Diário do Pará de terça-feira, 14, paulistas, apresentou seu envelope abriu a sua principal coluna, o Repórter na sexta-feira, novamente, coinci- Diário, com uma notícia que classifi- dentemente, a única proposta da cou de exclusiva. Disse que o resultado licitação”. da licitação para o BRT Metropolitano, Acrescenta o jornal: “Quem en- que fará a ligação de Belém com Ana- tende, diz que o edital foi feito por nindeua, gerou “grande desconfian- alfaiate, não servindo mais ninguém ça”. A obra, em valor estimado de 500 e afastado até mesmo as parcerias milhões de reais, foi arrematada “por paraenses”. Observa que editais des- construtora paulista”. se tipo “são os mais visados pelo trutora paulistana, a Paulitec, nem o O que mais chamou atenção, garan- Ministério Público, quando estranha- das suas sócias no consórcio, a Com- tiu o jornal do senador Jader Barbalho, mente resultam em licitação de uma panhia Ferreira Guedes e a Tiisa In- “foi que sem alarde, em uma sexta-feira empresa só”. fraestrutura e Investimento. Até agora [dia 10]”, o governo do tucano Simão O jornal questiona o que fará a Jica, a sua proposta, a única apresentada e Jatene “consagrou vencedora a única a agência de cooperação internacional recebida, não foi aberta nem publicada participante do certame”. O jornal es- do governo japonês, que projetou e fi- a ata da sessão de recebimento. Nem tranhou uma coincidência: “a vencedo- nancia o BRT. E arremata com veneno mais nada. ra por WO é a mesma que já fez o BRT e mistério: “O alfaiate terno 45 [número Se a denúncia de corrupção que o de Belém, do prefeito cassado e empos- da sigla do PSDB] , teria deixado tudo senador Jader Barbalho fez, duas sema- sado Zenaldo Coutinho, a Alça Viária, sob medida, excluindo qualquer outro nas antes, se materializou na nota do o Hangar Centro de Convenções, o de tentar, especialmente os paraenses, Repórter Diário, então ele precisa vol- restauro da Casa das Onze Janelas e a tudo para a paulistana, sua menina dos tar ao assunto com mais informações. reforma da ponte do Moju”. o l h o s”. A estranheza, de qualquer maneira, Relata o Diário: “A empresa pau- Estranho é também o procedimen- procede. E se a prefeitura nada teme, lista, junto com outras sócias sempre to do jornal: não deu o nome da cons- convém que esclareça a questão.

JORNAL PESSOAL Nº 626 • FEVEREIRO DE 2017 • 2ª quinzena11 ANÚNCIOS

Anúncios publicados na EM 1947 imprensa refletindo a época, idois anos depois de finda a Segunda Guerra Mundial: JORNAL *Explodiu a bomba atô- mica na “Flor da Primave- Quem queria ser assi- CHAMADO TÁXIS ra”. Sedas, linhos, tropicais nante da Folha do Norte ti- e algodão por preços abaixo nha que ir até os escritórios Quem não pagava as Havia 15 pontos de do custo, diferente de todas do jornal, “dentro do expe- suas dívidas do jornal era táxi (sem taxímetro) em as outras casas que estão fa- diente normal”, das 8 às 11 e chamado através das suas Belém, frequentados pe- zendo queimas [liquidações] das 15 às 17 horas. Mas de- páginas. Eram bem conhe- los famosos automóveis na cidade. Esse formidável viam ir “com a devida ante- cidos os chamados da Folha americanos contrabandea- incêndio começará dia 4, cedência, a fim de evitar os do Norte. Num deles, o jor- dos: Aliados, São Francis- sexta-feira. Aguardem e não atropelos que as providên- nal “precisa falar” com Fran- co, Camaleão, Central, do percam a oportunidade de cias de última hora sempre cisco Lima, proprietário da Comércio, Jabuti, Palácio, boas compras. João Alfredo, acarretam”. Casa Lontrinha, que ficava Pescadinha, Pontiac, São 33. Fone 1970. Não havia corretores da na Ocidental do Mercado Cristóvão, Brasil, Avenida, *Notícia de última hora. empresa atrás de assinantes. (de carne), no Ver-o-Peso, e Moderna, Posto Universal Paraenses amigos: a tão es- Os grandes jornais não pre- com Estanislau Vasconcelos, e Jurunense. perada baixa de 10, 20 e 30% cisavam usar esse recurso. na 13 de Maio. Os “carros de aluguel”, chegou. Preços baixos aces- As pessoas é que os procura- Os nominados tratavam como se dizia, não circula- síveis a todos. Visitem a Boa vam, deles necessitadas para de ir à sede do jornal, na vam aleatoriamente pela ci- Fama, a cooperativa do bol- se informar melhor. Não só Gaspar Viana (onde depois dade. Ficavam acantonados so em calçados. Por preços os leitores como também se instalou O Liberal, antes nos seus pontos à espera de iguais, Jamais! os anunciantes. Não havia de se transferir para a 25 de chamadas, feitas pelo tele- *Gatão de Botas e Quina- marketing nem promoções. Setembro, que virou Romu- fone. Todos possuíam um do Borges. Experimentem Era a fase áurea da imprensa lo Maiorana). Quem recalci- aparelho, também conheci- estes deliciosos vinhos por- em papel impresso. trava, era intimado de novo. do como de automático. tugueses de S. V. Borges& Ir- mão Ltda. À venda em todos os Armazéns e Bares. Agen- tes em Belém: Higson&Co.

VIAGEM

Compraram passagens para Portugal no paquete Hilary os comerciantes da praça de Belém Antônio Rodrigues Santiago, Jai- me Nunes Alves, Ildefonso Paes de Figueiredo (com a família), Joaquim Tavares Nogueira, Adriano Tavares da Costa (ex-presidente da Tuna Luso, que ainda era Comercial) e Sabino de Ma- PROPAGANDA tos. Mais uma excursão à Colchão duradouro “terrinha”. ANIVERSÁRIOS O colchão de molas Imperador, fabricado no Pará mesmo, devia ser realmente durável. A garantia era por nada menos do que 10 Aniversariava Sara Rofé anos. Só tinha dois pontos de venda: na loja própria, na avenida Lemos, quintanista da Fa- Independência (atual Magalhães Barata) e na Casa Bibelot, na 13 culdade de Medicina do de Maio. Pará, filha do dr. Ferreira de Lemos, “conceituado of- 12 - JORNAL PESSOAL Nº 626 • FEVEREIRO DE 2017 • 2ª quinzena FOTOGRAFIA Natal com GuaraSuco Comemoração do natal de 1965 na Rádio Marajoara, dos Diários e Emissoras Associados, junto com a TV Marajoara e o jornal A Província do Pará. De paletó, os dirigentes da rede de veículos de comunicação de Assis Chateaubriand (o Roberto Marinho dos anos 1950/60) no Pará, da direita para a esquerda: Agostinho Monteiro (que era vice do governador Jarbas Passarinho), Milton Trindade (suplente de senador do mesmo Passarinho, um ano depois), o carioca Alfredo Sade e Roberto Jares Martins, que superintendia as emissoras de rádio e televisão, sempre o mais elegante. Á mesa, o guaraná GuaraSuco, aquele que estava em todas. talmologista paraense”, e de Sol Rofé de Lemos. veira Viegas, Expedito Castelo Branco Leão, Osvaldo Sam- Também era dia de anos de Letícia Lavina Rego, filha de paio de Melo (que viria a ser prefeito de Belém, secretário Carlos (Maria) Morais Rego. de governo deputado estadual e deputado federal), Evandro Palmira da Silva Brito completava 14 “risonhas prima- Rodrigues do Carmo, Artemio de Almeida Lins e Edgar veras, numa existência perfumada de rosas”. O registro ga- Maia Lassance Cunha (futuro desembargador). rantia que “não lhe faltarão, de certo, os beijinhos de suas amiguinhas e os parabéns dos que lhe estimam”. ICOARACI

CINEMAS Como dependiam da “fracassada” Companhia de Eletri- cidade Paraense, os moradores de Icoaraci, na maioria das Belém contava então com 11 cinemas: Olímpia, Iracema, vezes sem luz, dependem de lanternas para se locomover. Poeira, Moderno, Guarani, Universal, Independência, Íris, Sua luz “era focada imprudentemente nos rostos dos tran- S. João, Popular e Vitória. Para todos eles o juiz de menores, seuntes, sujeitando-os a vexames e possíveis atentados “a sua João Tertuliano de Almeida Lins, designou comissários de integridade física”. polícia e oficiais de justiça. A situação estava mudando, graças à instalação de dois geradores conjugados de energia, que seriam seguidos por POLÍCIA mais um par. Com esse “grande melhoramento”, a população já podia colocar para funcionar “os seus rádios e ‘frigidaires’, Eram comissários de polícia nessa época personagens integrando-se assim numa relativa fase de progresso públicos, como Igal Caetano Sarmanho, Agostinho de Oli- . E guardar as lanternas.

JORNAL PESSOAL Nº 626 • FEVEREIRO DE 2017 • 2ª quinzena13 Por uma educação melhor: escola particular ou pública?

A maioria dos estudantes que che- senta 4% da população do país. Antes maior demanda por parte de famílias gam às instituições particulares de ensi- do golpe militar de 1964, o Centro Po- com maior poder aquisitivo) do que a no superior tem um perfil triste: é “um pular de Cultura da Une criou e mon- decadente escola pública, vítima de má aluno malformado em escolas públicas, tou o Auto dos 99%, para lamentar que gestão, demagogia, politicagem e aban- com graves deficiências de aprendizado os universitários fossem apenas 1% da dono dos critérios de qualidade. e falta de domínio da Língua Portugue- população nacional. Em mais de meio Por isso, os filhos dos mais ricos sa e de Matemática. Também não pode século, com o concurso das instituições ocupam a maioria dos lugares nas pagar as mensalidades e depende de da iniciativa privada, financiada pelo escolas públicas, enquanto os mais programas sociais do Governo”. poder público, através dos seus alu- pobres têm que se pendurar em dí- O diagnóstico, com base nos dados nos apoiados por bolsas, a população vidas para frequentar escolas parti- do Censo da Educação Superior, na universitária cresceu 400%. Dá para se culares, cuja qualidade, descontada sua última versão, de 2015, é do mes- alegrar e comemorar? as constantes greves dos professores, tre e doutor em direito Janguiê Diniz, Se não fosse empresário do seg- servidores e mesmo de alunos (por em artigo publicado em O Liberal. Ele mento educacional, o mestre e doutor iniciativa própria ou como adesão), é próprio aponta a solução, já na con- em direito talvez concluísse do seu muito inferior. dição de reitor da Uninassau, de Per- diagnóstico que o melhor para a na- Continuará assim se a solução do nambuco, e da Unama, do Pará, além ção seria bons investimentos do ensino mestre e doutor Janguiê Diniz for a de presidente do conselho de admi- fundamental e médio. Fazer com que, adotada. Ou melhor: voltar a ser ado- nistração do grupo Ser Educacional: dentro de escolas públicas, a criança e tada, como já foi sob os dois governos financiar os estudantes para que eles o adolescente dispusessem dos melho- do PT, que, por sua incompetência até possam frequentar alguma das mais res recursos pedagógicos e educacio- nesse métier, afundou quando os re- de duas mil faculdades, centros uni- nais para concorrer ao ensino gratuito, cursos escassearam e a inadimplência. versitários e universidades da iniciati- hoje reservado aos mais abonados. O mestre e doutor não está atrás va privada, é claro. Eles seguem caminho inverso. Es- de uma saída para o sofrido e mal Graças aos empresários da educa- tudam em escolas particulares, que se formado Brasil, mas para ele mesmo ção, a população universitária repre- tornaram ainda melhores (porque com e sua empresa. Os preferidos dos paraenses

A Unama já não é a instituição de ensino foram feitas para outros hotéis, indicando superior privado preferida pelo consumidor um nivelamento por baixo. de Belém. Ficou com 19,22%, enquanto o Liderança incontestável é a do grupo Lí- Errata Cesupa alcançou 19,22%, segundo a última der no supermercado de varejo, com quase A edição anterior des- pesquisa Top de Negócios, que o Bureau de o dobro (34,58%) do Formosa (16,45%), que te jornal saiu com muito Marketing e Pesquisa fez para o caderno de tem próximo o Atacadão (11,45%) e o Arma- mais erros do que o to- negócios do Diário do Pará. Bem atrás, a Fi- zém (10,83%). O Nazaré está mais distante: lerável. Até repetição de bra ficou em terceiro lugar, com 7,87%, em 5,71%. A Yamada desapareceu. início de matéria ocor- ligeira vantagem sobre a Estácio e a Esamaz, O segmento de maior dinamismo, que reu: a do cheiro ruim no com os mesmos 7,04%. Mas já há tanta facul- ameaça ocupar espaços das lojas de varejo, é sorteio do novo relator dade que as outras instituições, não individu- o chamado “atacarejo”, misto de varejo e ata- da Lava-Jato no STF no alizadas, somaram 38,38% das preferências.. cado. A liderança é do Atacadão (24,92%), pé do texto sobre a ação No segmento hotéis, o Grand Mercure com a boa distância do Líder (16,66%). O da polícia paraense nos (antigo Crowne), com 14,19%, e o Regente mais novo do setor, o Assaí, do grupo Pão casos de massacre. (12,79%) superaram o ex-Hilton, atual Prin- de Açúcar, já tem 6,08%, na quinta posição. Mais uma vez, per- cesa louçã, que ficou empatado com o Vila Veio com disposição, estacionamento e pre- dão, leitores. Rica. Quase metade das indicações (46,84%) ço baixo.

Jornal Pessoal Editor: Lúcio Flávio Pinto Contato: Rua Aristides Lobo, 871 - Belém/PA • CEP: 66.053-030 • Fone: (091) 3241-7626 • E-mail: [email protected] • Site: www.jornalpessoal.com.br Blog: http://lucioflaviopinto.wordpress.com • Diagramação/ilustração: Luiz Antonio de Faria Pinto (LuizPê) • [email protected] 14 - JORNAL PESSOAL Nº 626 • FEVEREIRO DE 2017 • 2ª quinzena MEU SEBO De Passarinho a Cléo

A dedicatória de Jarbas Passarinho, datada de Brasília, em 1973, é “ao ve- lho Cléo”, a quem chama de “bom e leal amigo”. Ao advogado, ex-deputado estadual e líder político em Santarém, Cléo Bernardo de Macambira Braga, o então ministro oferecia “este ’exercício literário’ em homenagem ao seu insu- perável amor pelo Homem”. O “exercício literário” é o romance Terra encharcada, com o qual o então major do Exército ganhou o prêmio Samuel Wallace Mac Dowell de 1959 da Academia Paraense de Letras, da qual era associado. Passarinho escre- veu o livro em 1948, quando era tenen- te instrutor da academia militar. Alte- rou “ligeiramente” o texto original para concorrer ao prêmio. Os jurados que o declararam ven- Um viajante amazônico autor (o último que escreveu foi o da 5ª cedor disseram que a história mostra a edição, de 1938). A edição, em 232 pá- reação de “dois seres humanos – cada Raymundo Moraes foi um co- ginas, é da Conquista, do Rio de Janei- um em um plano diferente – dian- mandante de gaiola, navio que fazia ro, com ilustrações de Israel Cysneiros. te da degradação e da miséria”. É um a ligação das principais cidades ribei- A leitura desse volume é útil, mas o protesto “contra a sociedade, contra a rinhas da Amazônia e era o principal que mais me interessou neste registro indiferença dos poderes públicos, con- transportador de cargas na região. No foram as dedicatórias, que demons- tra a corrupção e o poder dos grupos timão, percorreu muitas vezes os rios, tram certo servilismo de Raymundo plutocratas”. parando em todos os locais da linha. Moraes pelos poderosos. Exatamente Passarinho se inspirou num fato Acumulou histórias numerosas e ricas, por isso, as referências são um quem real dos anos 1920: a revolta dos tra- que usou em 14 livros de sucesso na é quem das pessoas influentes na Re- balhadores braçais do império do co- época, ainda com bom preço e venda- pública Velha no Pará e na Amazônia, ronel José Júlio de Andrade no vale do gem em sebos espalhados pelo país. acrescidos de três personagens nacio- rio Jari (onde, depois, se instalaria o O valor desses livros é irregular. Meu nais: Pedro Calmon, Gustavo Barroso milionário americano Daniel Ludwig). dicionário de coisas da Amazônia, em e Cândido Mariano Rondon. Liderados por um retirante cearense, dois volumes, é uma preciosa fonte de São citados por Raymundo Moraes um “arigó”, Genésio, os seringueiros, informações sobre a história, o folclore e Dorval Porto, Santana Marques, De- extratores de castanha, caçadores, pes- a geografia da região. Outros, com pre- jard de Mendonça, o irmão marista cadores e outros trabalhadores fugiram tensão científica, perderam o interesse. Pedro de Alcântara, Acilino de Leão, das condições de autêntica escraviza- Há um que é a beatificação de um per- Artur Virgílio, Jaime Aben-Athar, Sá ção, chocando Belém quando surgiram sonagem que não merecia tantos louvo- Peixoto, Carlos Fernandes, Paulo Emí- no porto famintos e doentes. res sem sustentação, o coronel José Júlio lio, Caio Valadares, Otávio Oliva, Al- A dedicatória é muito expressiva de Andrade, o “dono” do rio Jari (e é um berto Autran, Aristides Rocha, Oscar porque Passarinho servia à ditadura dos livros mais difíceis de encontrar, de Carvalho, Adriano Jorge, Edgard militar, que cassou o mandato e sus- talvez porque o homenageado comprou Chermont, Alves de Sousa, Agnello pendeu os direitos políticos de Cléo toda a edição ou o homenageador se ar- Bittencourt, Henrique Santa Rosa, De- Bernardo, em 1964. A edição, de 236 rependeu do cometimento, retirando-o odoro de Mendonça. páginas, foi publicada pela editora por- até da sua bibliografia). Valia a pena reeditar as obras de tuguesa Livros do Brasil, na coleção Li- O livro de Raymundo Moraes mais Raymundo Moraes, anotadas e corri- vros do Brasil, com um bonito desenho bem sucedido foi Na planície amazô- gidas. Ou pelo menos montar as bio- de Dorindo de Carvalho na capa. nica. A edição mais recente que tenho, grafias de todas as pessoas às quais Não há qualquer sinal indicando dentre todas que comprei em sebos, dedicou seus livros. Seria um rol de que Cléo leu oo romance, que Passari- principalmente em São Paulo, é a 6ª, de personagens da I República, sob a ótica nho dedicou à sua mulher, Ruth. 1960, que já não teve mais prefácio do do autor.

JORNAL PESSOAL Nº 626 • FEVEREIRO DE 2017 • 2ª quinzena15 O eco de Umberto

Umberto Eco, cujo primeiro ano de morte foi lembrado no dia 19, é o melhor modelo, para mim, do intelectual que transitou da era do humanismo, da sabedoria muitas vezes enclausurada em bibliotecas e gabinetes, para o combate de rua do nosso tempo, sem perder a herança da cultura constituída nem se deixar fascinar pelos meios de expressão postos à disposição pelo mais acelerado processo de inovação tecnológica da história da humanidade. Li quase todos os seus livros, inclusive – e principalmente – o que lhe deu fama e dinheiro, sem desnaturá-lo: O nome da Rosa, de 1980. Li e reli a trama criminosa, transplantada da Idade Graças à intensa vendagem dos seus livros, Eco Média como um noir do nosso gosto de admiradores construiu uma versão dos fascinantes mosteiros europeus, de Chandler, Stout, Hammet ou Simenon, dentre guardiães do acervo de conhecimentos durante a sempre tantos mestres subestimados de uma literatura mal conhecida Idade Média: a sua biblioteca em Milão, única. Vi e revi a primorosa versão cinematográfica, onde morava. Uma versão própria do que foi a biblioteca criada com maestria para quem gosta de aventura de José Mindlin em São Paulo, o sábio paulista mais bem e de inteligência, de ação e livros. De livros, sucedido ainda nesse labor do que o intelectual italiano. principalmente. Mas o que mais li é o menos citado A frase é um chavão, mas nele tem vida: Umberto deles: o Diário Mínimo, conciso, culto, espirituoso e Eco deixou um buraco enorme no nosso mundo, que muito pedagógico make-off de O Nome da Rosa, que ninguém preencherá. Pode-se dizer melhor do gênero passou incólume pelos leitores brasileiros. humano que sempre morre? O círculo quadrado da educação Vai completar exatamente 70 anos o artigo a seguir reproduzido. Guilherme Ferreira o escreveu na Folha do Norte, de julho de 1947, em resposta a outro artigo, assinado por um certo Rivato. Mas pode ser lido hoje com enorme proveito e a sensação de que tudo mudou para tudo continuar como antes, o debate dito avançado girando pela quadratura do círculo a um ponto anterior. E como escrevia bem o Guilherme! Característica cada vez mais difícil nos nossos dias.

eu distinto confrade: les, nem nossa, nem da falta do curso por semana, o que é crime. O que se MEstou contra v. Rivato e lanço o secundário. É do Gustavo Capanema torna necessário é ensinar português, meu protesto contra o apelo que v. faz e do Estado Novo, exclusivamente. mas ensinar mesmo, nos grupos e nas ao Departamento de Educação para Reformaram muito o ensino e sempre escolas primárias, verificando antes se que intervenha no caso das professoras para pior. Atrapalharam tudo, empe- as professoras o sabem... Uma casa só datilógrafas, forçando os dirigentes das nhados em que ninguém sentisse o pode oferecer segurança se tiver um escolas a só dar diploma a quem tiver o mal da predestinação do ditador para sólido alicerce. O alicerce da inteligên- curso secundário. o Brasil. cia humana é o ensino primário [o atu- É o cúmulo exigir curso de huma- Estudar hoje em dia é um martí- al fundamental]. Voltemos ao método nidades para quem deseja apenas ser rio dos maiores. Passa-se mais tempo antigo e a coisa será outra. datilógrafo. Estudar sete anos, fazer aprendendo do que praticando. O mal Sabe v. que existem doutores por um curso clássico [variação do que é é do ensino capaneano. Abriram a car- este Brasil afora que com anel, diploma hoje o ensino médio] para conseguir tilha do ABC. Inventaram as imagens. e cartaz, não sabem escrever um reque- um diploma de datilógrafo é demais. O soletrar para aprender depressa e rimento nem redigir uma carta... É desumano. Depois, cada qual no seu melhor também aboliram. Querem que Perdoemos, portanto, os datiló- ofício. O datilógrafo tem o dever de ba- o raciocínio trabalhe e produza antes grafos que queriam ser jornalistas e ter muito bem a máquina que lhe en- da luz do analfabetismo nele penetrar. ganhar honestamente o pão nosso de tregam. É datilógrafo e não escrevente Coisas do Estado Novo, meu velho. cada dia na mais desgraçada de todas ou securitário. Há dias foi publicado um telegra- as profissões, enquanto Ditadura for O mal da burrice que está contami- ma do sul, no qual se prova que os Democracia e a Democracia necessitar nando a cabeça dos moços não é de- humanistas de hoje estudam 90 horas de Ditadura para não desaparecer...