Rev. eletrônica Mestr. Educ. Ambient. ISSN 1517-1256, Volume 08, janeiro a junho de 2002

Volume 08, janeiro a junho de 2002

Trabalhos Coletivos e Educação Ambiental para a Participação: uma parceria com moradores de Pedrinhas, /SP (FAPESP processo no 00/06371-0)1 Costa_Pinto, Alessandra Buonavoglia2 & Sorrentino, Marcos3

Resumo Este projeto focaliza o bairro de Pedrinhas, que se localiza no interior de Área de Proteção Ambiental no Vale do Ribeira/SP. Pesquisas realizadas apontam para a alteração do modo de vida da população caiçara, no tocante as suas práticas econômicas e culturais, como abandono da agricultura e da tradição de trabalhos coletivos a ela associados. Através da metodologia da pesquisa-ação, realiza-se uma intervenção educacional, voltada à re-significação de práticas culturais de ajuda mútua. Pretende-se assim garantir o sentido de pertença da população caiçara, visando aprimorar sua capacidade de enfrentamento de problemas comuns. Parte-se do pressuposto que a educação ambiental está imbuída de um conteúdo político. O trabalho busca contribuir com a construção de uma articulação entre conservação ambiental e bem estar social a partir da realidade cotidiana. Palavras Chave: educação ambiental, participação, trabalhos coletivos, Vale do Ribeira, caiçara.

1 Este artigo é fruto de um projeto que integra o componente "Intervenções e Educação Ambiental" do Projeto Temático “Floresta & Mar: Usos e Conflitos no Vale do Ribeira e Litoral Sul, SP" desenvolvido no Núcleo de Estudos e Pesquisas Ambientais / UNICAMP, FAPESP processo no 97/14514-1. Contato: [email protected]. 2 Mestranda em Ciência Ambiental pelo PROCAM - Programa de pós-graduação em Ciência Ambiental / USP. 3 Prof. Dr. do Depto de Ciências Florestais, ESALQ/USP e Coordenador do LEPA - Laboratório de Educação e Políticas Ambientais/ESALQ/USP.

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Summary This project focuses on the quarter of Pedrinhas4 which is located within an Environmental Protection Area (APA) in the Vale do Ribeira. Research conducted at the site reveals changes in the way of life of the caiçara5 population with regard to their economical and cultural practices, such as the abandonment of farming activities and tradition of collective work associated thereto. Using the methodology of action- research, the present project proposes to develop, by means of an educational- intervention, the salvaging of cultural practices of mutual help. It claims to maintain the belonging sense of caiçara population, starting with the presupposition that the environmental education is impregnated of politics content. The project seeks to construct an articulation between environmental conservation and social well-being based on their daily reality. Key words: environmental education, participation, collective work, Vale do Ribeira, caiçara.

Apresentação Este projeto focaliza o bairro de Pedrinhas em Ilha Comprida, no Vale do Ribeira – SP. Pesquisas realizadas no local apontam para a alteração do modo de vida da população caiçara, no que se refere a suas práticas econômicas e culturais, tais como abandono de práticas agrícolas e, consequentemente, da tradição de trabalhos coletivos a ela associados (Costa-Pinto, 2001a; Carvalho, 1999). O projeto que aqui se apresenta vem desenvolvendo uma intervenção educacional, voltada à re-significação de práticas culturais de ajuda mútua. Pretende-se com isso garantir o sentido de pertença da população caiçara, visando assim aprimorar sua capacidade de enfrentamento de problemas comuns. O trabalho vem sendo desenvolvido em parceria com um grupo de moradores interessados em atividades agrícolas. As reuniões e ajutórios realizados visam combinar a ação do plantio com uma reflexão a respeito de sua própria realidade. O texto está dividido em seis sessões. A primeira sessão conta com uma breve descrição da Ilha Comprida, buscando situá-la no Vale do Ribeira; a segunda apresenta

4 Located on Ilha Comprida , island at the southeastern tip of the State of São Paulo, Brazil. 5 The caiçaras: populations living in the southern part of the coast are called caiçaras. They descend from Indians and Portuguese, and sometimes Africans, and depend on agriculture and fishing, for cash and for subsistence.

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alguns aspectos do bairro de Pedrinhas. A terceira sessão discorre sobre trabalhos coletivos; a quarta apresenta a proposta do presente trabalho; a quinta descreve brevemente as etapas realizadas e a sexta, e última, traz as considerações finais.

I. A Ilha Comprida Dentre os muitos municípios que compõem o Vale do Ribeira está o município de Ilha Comprida, que se localiza ao sul do litoral paulista, fazendo parte do complexo estuarino-lagunar de -Cananéia-Paranaguá, (Soares et alli,1999:15). A população da Ilha é estimada em cerca de 8 000 habitantes (Soares et alli, 1999:16), dos quais cerca de 23,9% são ilha compridenses natos (Carvalho, 1999:29). Em 1984 foi criada a APA federal de Cananéia-Iguape-Peruíbe (APA/CIP) e em 1987 foi criada a APA estadual de Ilha Comprida (APA/IC), ficando a Ilha inserida dentro de duas APAs. Ilha Comprida (IC) pertenceu a Iguape e Cananéia até 1992, quando se emancipou e tornou-se um município (Soares et alli,1999). Segue abaixo detalhamento do Macrozoneamento proposto pela APA Estadual de Ilha Comprida, segundo Alves (1999) (Quadro 1):

Quadro 1: APA Estadual de Ilha Comprida - Macrozoneamento

a) Zonas Urbanas • ZU 1, 3 e 4: Lotes mínimos de 500 m2 desde que existente rede de abastecimento de água e rede coletora de esgotos, dotada de tratamento. • ZU 2: lotes mínimos de 1000 m2 desde que existente rede de abastecimento de água e rede coletora de esgotos, dotada de tratamento. b) Zona de Ocupação Controlada (1 e 2) • a. lotes mínimos de 1500 m2, quando adotado sistema coletivo de tratamento completo de esgoto ou solução equivalente. • b. lotes mínimos de 3500 m2, quando adotado sistema individual de tratamento e disposição de esgotos compatível com o inciso V do artigo 2o do Decreto 30.817/89. c) Zona de Proteção Especial • não serão permitidos parcelamento de solo, qualquer que seja a sua modalidade d) Zona de Vida Silvestre • regulamentada pela resolução CONAMA 10/88. Estabelece condições ou proíbe urbanização, atividades agrícolas ou pecuárias, mineração, terraplenagem, escavação, drenagem e outros. Pode proibir o uso da biota de tal forma a restringir o exercício da propriedade privada - indenização (equivalente a reservas ecológicas públicas ou privadas) ou permitir o uso moderado e auto-sustentado da biota, regulado de modo a assegurar a manutenção dos ecossistemas.

OBS: Zonas urbanizadas até agora: ZU 1, ZU 2, ZU 3 e ZOC2.

A APA Federal, por sua vez, prevê sete unidades de gestão, nestas propostas IC ficou inserida em duas delas: I. Alta proteção através do controle e manejo sustentável;

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IV) Conservação através do gerenciamento e controle, com medidas de recuperação (Secretaria do Estado do Meio Ambiente, 1996).

II. Pedrinhas O bairro de Pedrinhas está inserido na ZU 3 da APA estadual e na unidade de gestão I da APA federal, concentra cerca de 60% das famílias caiçaras da Ilha, onde existem hoje aproximadamente 250 casas, sendo cerca de 190 de veranistas e 1/3 deste valor (cerca de 60) de moradores locais (Carvalho, 1999). A população caiçara vem tendo suas práticas econômicas e culturais alteradas, um exemplo disso é o abandono dos trabalhos ligados à agricultura e de tradições culturais a ela associadas (Costa-Pinto, 2001a; Carvalho, 1999). De acordo com Hanazaki (2001) práticas agrícolas são hoje residuais não só em Pedrinhas, mas na Ilha Comprida com um todo. Algumas das causas destas alterações parecem estar relacionadas à chegada do turismo, à implantação das APAs e à questão fundiária da Ilha (Costa-Pinto, 2001a; Carvalho, 1999). Em Pedrinhas, a Companhia Melhoramentos de Cananéia comprou terras dos moradores e realizou uma escritura do abraço6 (Carvalho, 1999). Com isso os moradores locais perderam grande parte, ou em alguns casos todas as suas terras. Depoimentos de caiçaras coletados por Carvalho (1999:71) estabelecem uma relação direta entre a questão fundiária e o abandono das práticas agrícolas, quando dizem que deixaram de plantar “depois que apareceu esse negócio de balneário”7. A APA é uma das UCs menos restritivas e que prevê atividades humanas em seu interior. No caso da APA Federal de Canaéia-Iguape-Peruíbe está previsto inclusive o extrativismo comunitário regulamentado, implantação de projetos-pilotos de manejo sustentado, manutenção das comunidades "tradicionais", entre outras atividades (Soares et alli, 1999). Mas, como aconteceu em todo o Vale, a população local desconhece os direitos legais que possuem, associando a APA a uma completa restrição ao uso de recursos naturais. A presença do turismo se faz muito evidente ao olharmos para a ocupação dos moradores, pois praticamente todas as famílias residentes no bairro têm ao menos uma

6 Negociou com os moradores a compra de parte das terras e na escritura consta a compra de toda a propriedade. 7 Os loteamentos são os balneários.

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parcela de sua renda mensal ligada a atividades turísticas, tais como caseiros(as), jardineiros(as), lavadeiras, piloteiros, pedreiros, comerciáros(as), comerciantes, faxineiros(as) entre outras.

III. Trabalhos coletivos Pedrinhas possui uma organização social e política bastante peculiar, pois a conquista de infra-estrutura, como água, luz, transporte coletivo entre outras, se deu graças a organização dos moradores para a realização de trabalhos coletivos. Refiro-me aos mutirões, ajutórios e pujuvas, trabalhos coletivos praticados pelos moradores caiçaras da região em função da prática agrícola (Costa-Pinto, 2001a; Carvalho, 1999). O mutirão é a reunião de moradores da comunidade para a realização de um trabalho coletivo, em que o beneficiário arca com as refeições dos que trabalham e com uma festa no final do dia, animada pelo fandango, no caso de Ilha Comprida (Costa- Pinto, 2001a; Carvalho, 1999). Pujuva é um mutirão de meio período, do meio-dia em diante e assim como o mutirão, conta com um baile. Já o ajutório não tem baile, o beneficiário arca com as refeições dos participantes. Ajutório é também conhecido como "troca de dia", esta modalidade foi a mais praticada, pois muitas pessoas não possuíam poder aquisitivo para oferecer uma festa aos que trabalharam (Costa-Pinto, 2001a). Os trabalhos comunitários realizados hoje em Pedrinhas são ajutórios, embora nominados de mutirões. Nestes casos a alimentação dos participantes fica a cargo de todos, pois não há um único beneficiário. Os trabalhos coletivos estão vinculados a uma necessidade de ajuda mútua imposta pela própria técnica agrícola adotada na agricultura de subsistência, estando imbuídos de um caráter de solidariedade que determina a formação de uma rede ampla de relações, que liga os moradores de um grupo de vizinhança e contribui para sua unidade estrutural e funcional (Candido, 1964). Compreendemos que representam um ponto de união da comunidade e podem ser utilizados para a identificação coletiva de problemas comuns e o encaminhamento de demandas coletivas, atuando desta forma, na direção da consolidação de seus direitos, estando portanto em consonância com as colocações de Avanzi (1998).

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IV. A Proposta O trabalho que aqui se apresenta vem sendo desenvolvido em parceria com moradores do bairro de Pedrinhas que possuem interesse em desenvolver atividades agrícolas. O intuito é contribuir para o desencadeamento de um processo reflexivo sobre a realidade vivida pelos moradores que se baseia na práxis, ou seja, partindo da ação busca-se desencadear uma reflexão que ressignifica a própria ação (ação-reflexão-ação). Assim sendo, vêm-se desenvolvendo através da metodologia da pesquisa-ação, uma intervenção educacional que visa incrementar uma prática reflexiva por parte da população caiçara a respeito de suas práticas culturais, sobretudo no que se refere a trabalhos coletivos, identificando os problemas enfrentados e suas causas, facilitando assim sua organização na busca da solução dos mesmos e, portanto, na busca de uma melhoria de sua qualidade de vida, o que vem ao encontro das proposições de Gadotti & Gutiérrez, (1993). O processo educativo aqui desencadeado baseia-se nas proposições de Dayrell (1996:142) que compreende que a educação "ocorre nos mais diferentes espaços e situações sociais, num complexo de experiências, relações e atividades, cujos limites estão fixados pela estrutura material e simbólica da sociedade, em determinado momento histórico. Neste campo educativo amplo, estão incluídas também as instituições (família, escola, igreja etc), assim como o cotidiano difuso de trabalho, do bairro, do lazer etc". No nosso entender, as reflexões de Vera Telles (1994) reforçam as idéias trazidas por Dayrell (1996), quando a autora aponta que os grupos populares organizados são potencialmente construtores do que ela intitula de "espaços públicos". Espaços em que "as diferenças podem se expressar e se representar em uma negociação possível", onde ocorre a circulação de valores, articulação de argumentos, formação de opinião, de permanente e sempre renovada interlocução, de convivência democrática com as diferenças e conflitos (Telles, 1994: 92). A hipótese do trabalho é que a partir da resignificação de uma prática cultural local, no caso os trabalhos coletivos ligados à agricultura, é possível fortalecer o sentido de pertença do grupo, de identidade coletiva, em que os indivíduos se percebem como sujeitos que têm direito a ter direitos (Jelin, 1994) e propiciar o aprendizado de

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repertórios que podem contribuir para a melhor compreensão e intervenção de e na sua própria realidade. No entanto, dentro do campo da educação ambiental tem sido presente também uma visão que se contrapõe a esta e que se baseia na "pedagogia da declaração". Não enfatizando os interlocutores como protagonistas das ações, esta metodologia coloca- lhes a tarefa de apropriar-se das "verdades ecológicas" a partir de sua cotidianidade, pautando-se em proposições teóricas ecologistas e práticas coercitivas, verticais e enunciativas (Gutiérrez & Prado, 1999:50). "Esta associação da educação ambiental a práticas de coerção - em que a noção de estabelecimento de direitos por parte das coletividades, tão cara à cidadania (Benevides, 1991; Jelin, 1994), é substituída pela noção de cumprimento de deveres - tende a polarizar a discussão entre conservação ambiental e bem estar social. As ações de educação ambiental pautadas nesta visão buscam enquadrar as práticas sócio- culturais locais nos princípios da conservação ambiental, colocando-os muitas vezes como algo imposto de cima para baixo, desconsiderando configurações específicas de cada localidade" (Costa-Pinto et alli, 2001). Com base nas reflexões expostas acima compreendemos que o processo educativo visa o despertar/fortalecer das potências de ação8 de educandos e educadores, pois como nos lembra Demo (1995:20) "educação é essencialmente auto-educação, ou seja, não é tanto obra do educador, mas do educando. Por outro lado a obra e arte do educador não será jamais fabricar o educando, o discípulo, o assecla, mas motivar magicamente as capacidades do educando, para que ele também seja um educador". E, desta forma, entendemos que uma concepção de Educação Ambiental que contempla as dimensões supracitadas, é aquela que visa "contribuir para a conservação da biodiversidade, para a auto-realização individual e comunitária e para a auto-gestão política e econômica, através de processos educativos que promovam a melhoria do meio ambiente e da qualidade de vida” (Sorrentino, 1995). Partimos do pressuposto que a educação ambiental “está imbuída de um conteúdo político e de que a ação educativa situa-se numa ampla e complexa relação de conflitos histórica, social e culturalmente condicionados“ (Avanzi et alli, 2001). Partilhamos das idéias de autores como Gadotti (2000) e Santos (1996) que consideram

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que um processo educativo que se propõe transformador da realidade estará sempre lidando com conflitos, por se tratar da ruptura com algo.

V. Mão na massa A realização da presente proposta teve início com um pré-diagnóstico (visita ao bairro, conversa com moradores, com o poder público e com pesquisadores que estavam realizando trabalhos no local, bem como leitura de teses, monografias e artigos, entre outros). O segundo passo foi a aprofundamento deste pré-diagnóstico, que durou cerca de cinco meses e contou com observação de costumes, problemas ambientais existentes, organização social do bairro, levantamento dos moradores caiçaras que atualmente desenvolvem práticas agrícolas, identificação dos moradores caiçaras que deixaram de praticar agricultura e verificação de como e onde estão ocorrendo trabalhos coletivos no bairro. A etapa seguinte constituiu-se da formação do grupo local de trabalho, o "Grupo do Plantio", a partir da realização de um convite aos moradores do bairro. O próximo passo foi a realização das "Reuniões de Plantio" e o início dos trabalhos coletivos ("mutirões") ligados a práticas agrícolas, no caso uma horta comunitária. * Chegança * Cabe aqui ressaltar a importância da chegada ao campo ter sido acompanhada de outros dois pesquisadores do projeto temático ao qual esta vinculado este trabalho, que também desenvolviam trabalhos no local, pois, uma vez que estes pesquisadores já haviam construído relações de confiança com os moradores, nossa chegada foi imensamente facilitada. Outro ponto relevante para a realização destas atividades, foi o envolvimento de outras pesquisadoras do Grupo de Educação Ambiental -Alik Wunder, Maria Rita Avanzi, Rita de Cássia Nonato e Vivian Gladys de Oliveira9- que integram o

8 O Conceito de Potência de Ação aqui mencionado é trazido por Sawaia (2001) da obra Ética do filósofo do século XVII Baruch de Espinosa. 9 Alik Wunder é mestranda da faculdade de Educação da UNICAMP, onde desenvolve o projeto " ‘Encontro da águas’ na Barra do Ribeira: a escola como um espaço de confluência de experiências e transfiguração de identidades" com apoio da FAPESP; Maria Rita Avanzi é Coordenadora do componente "Intervenções e Educação Ambiental" do Projeto temático "Floresta e Mar", é doutoranda da Faculdade de Educação da USP onde desenvolve o projeto "A Trama da Rede: uma proposta de construção coletiva de conhecimento a respeito da realidade sócio-ambiental do Vale do Ribeira - SP";

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componente "Intervenções e Educação Ambiental" do Projeto Temático "Floresta e Mar", possibilitando assim o exercício da triangulação de pesquisadores, uma técnica sugerida por diversos pesquisadores (Denzin (1970 apud André e Lüdke, 1986; Denzin e Lilincoln,1994 e Janesick,1994). Em nossas caminhanças nos arredores do bairro de Pedrinhas na companhia de moradores locais, visitamos algumas de suas roças. O intuito destas visitas foi identificar moradores que ainda estavam envolvidos com práticas agrícolas, saber se os trabalhos coletivos de ajuda mútua ainda aconteciam, conhecer suas roças e averiguar seu interesse em participar do que chamamos de "Reuniões de Plantio". Vale destacar que as atividades ligadas à agricultura itinerante ou de coivara, tradicionalmente praticada por populações caiçaras (Schmidt, 1958 e Adams, 2000) são hoje residuais, não só no bairro de Pedrinhas como na Ilha Comprida como um todo (Carvalho, 1999 e Costa-Pinto, 2001a). Aqueles que ainda cultivam a mandioca (mandioca brava que se destina a produção da farinha e seus derivados) e/ou o aipim (mandioca de mesa) o fazem com muita insegurança devido as proibições advindas da legislação ambiental, vivendo "fora da lei" em seu lugar, da mesma forma como descreve Furlan (2000) para os caiçaras residentes no interior e entorno do Parque Estadual de Ilhabela, SP. * Partindo de demandas locais* Foi possível constatar que a realização de atividade agrícola era uma demanda de muitos no local e o que se tratava de uma informação coletada em fontes secundárias (pesquisas realizadas no local) passou a ser a possibilidade concreta de um trabalho a ser realizado. O envolvimento de D. Joana Barbosa e D. Benedita de Camargo Teixeira, duas moradoras do bairro, desde a primeira ida a campo foi fundamental para a formação do "Grupo de Plantio". Após um dia de caminhada pelos arredores de Pedrinhas, uma delas assumiu o papel de articuladora do grupo ao voltar para o bairro, iniciando uma enquete com os moradores que encontrávamos:

"Você plantava né? Não planta mais? E se fosse pra nóis voltá a plantá, você achava bom?" (moradora caiçara de Pedrinhas).

Rita de Cássia Nonato foi bolsista do PIBC/CNPq ao desenvolver o projeto "Concepção da Educação Ambiental nos órgãos públicos responsáveis pelos programas nas Unidades de Conservação: PETAR e EEJI". Vivian Gladys de Oliveira é mestre pelo Departamento de Recursos Florestais da ESALQ/USP, onde desenvolve o projeto "Educação Ambiental e Manejo de Recursos Naturais em Área de Proteção Ambiental: o caso dos extratores de samambaias de Ilha Comprida - SP".

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A partir disto, a notícia de que havia alguém de fora procurando reunir pessoas que tivessem interesse em plantar para iniciar um trabalho de retomada de atividades de plantio, foi sendo por elas divulgada às pessoas mais próximas, causando um misto de curiosidade movida por um interesse na proposta e, ao mesmo tempo, desconfiança. Com o convívio a desconfiança de alguns foi sendo diluída e a idéia ganhando novos adeptos. * Parcerias * Nesta fase de formação do grupo foram fundamentais a aprovação da proposta por parte do poder público municipal, representado pelo prefeito do município, e o apoio do líder comunitário do bairro e diretor do Departamento de Ecologia e Pesca da prefeitura de Ilha Comprida. As "atividades de plantio" realizadas juntamente com o grupo local de trabalho (reuniões e "mutirões") contaram com a presença de várias famílias residentes no bairro, além de pesquisadores/facilitadores (membros do Grupo de Educação Ambiental). As reuniões, momentos de reflexão sobre as atividades realizadas, têm acontecido mensalmente e houve uma flutuação no número de famílias participantes, em torno de 5 a 14 famílias, tendo se estabilizado recentemente com 6 ou 7. Os "mutirões" acontecem semanalmente. * Ação e reflexão* Realizamos em reunião apresentação dos objetivos do trabalho. Em seguida, a partir da pergunta: “que tipo de plantio desejamos fazer?”, realizamos em um cartaz o registro escrito das colocações dos participantes, o mesmo se deu tanto com as respostas oferecidas à pergunta: “que dificuldades eu vejo para realizar o tipo de plantio que eu desejo?”, como para as soluções e sugestões apontadas. Foram apontadas duas formas distintas de práticas agrícolas: horta e roça. Ambas as propostas longamente foram discutidas. A horta foi eleita pela maioria dos presentes. Alguns apontaram a roça de mandioca para fazer farinha como muito trabalhosa para obtenção de pouco resultado:

"mandioca para farinha nem pensar (...) , coisas de comer: aipi, batata sim. Verdura, maxixe, abóbora, cheiro verde" (moradora caiçara de Pedrinhas).

Vale aqui colocar que os participantes elaboraram um estatuto de funcionamento do "Grupo de Plantio", no qual estão previstas normas de utilização do terreno (uma vez

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que este foi emprestado pela AABP - Associação dos Amigos do Bairro de Pedrinhas), de divisão de trabalho entre os participantes, de destinação/divisão da produção, regulamentação para a entrada de novos integrantes e a instância de tomada de decisões, no caso o Grupo, pois definiu-se que quando algo tiver que ser decidido seria convocada uma reunião. Quando perguntado a respeito de quem estaria convocando as reuniões para que os problemas ligados ao plantio fossem discutidos, o Grupo optou pela formação de uma comissão, composta por três pessoas. Neste momento delineou-se a possibilidade de uma ação autônoma por parte do grupo em relação aos pesquisadores/facilitadores do trabalho. * Memória Viva* Em uma das reuniões, propusemos uma rodada de contação de pequenas histórias ligadas a experiências relativas à participação em mutirões. A recomposição de cenas em que os participantes haviam se envolvido com mutirões foram momentos muito importantes da reunião que, no nosso entender, contribuíram para fortalecer a coesão no grupo, rememorando uma cumplicidade vivida em outros tempos e possibilitando aos mais jovens e aos migrantes tanto partilhar das histórias que aconteceram no local como trazer também histórias de outros lugares. Este momento de contar a história de vida possibilita uma releitura do passado no presente, permitindo uma reflexão crítica a respeito da própria realidade. Outros exemplos de trabalhos coletivos que apareceram nos depoimentos da reunião, foram os mutirões e ajutórios comunitários, como por exemplo o da construção do posto de saúde do bairro:

"(...) então nóis sempre costumava fazer ajutório, (...), que nem ali na parte que é o postinho hoje. Ali era uma bola de mato, (...),era um brejão (...) e ai nóis fizemos nosso ajutório,(...). Pessoal aqui mesmo da comunidade, prá (...) construir o prédio do postinho de saúde. Tudo nóis reunido, cada um trabalhava um pouco, cada dia ia um pouco e até que enfim nós conseguimos chegar onde nóis queria (...) então postinho servindo pra todo mundo (...)" (morador caiçara de Pedrinhas).

Outro ponto importante foi o primeiro mutirão de limpeza da área a ser cultivada. Esses momentos de trabalho foram intensos, não só pela troca de experiências e aprendizados, mas também pela aproximação ocorrida entre as pessoas ali presentes.

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VI. Considerações finais Cabe aqui comentar que as descrições realizadas no item anterior não aconteceram da forma linear como aqui apresentadas e nem estão organizadas em ordem cronológica. A opção por apresentá-las desta forma se deve ao pouco espaço para descrevê-las uma vez que esta experiência se apresenta em forma de artigo. Uma série de imprevistos e surpresas aconteceram no decorrer destes cerca de 18 meses de trabalho em conjunto com os moradores de Pedrinhas. Este trabalho ainda está em andamento e faz parte de uma futura dissertação de mestrado até então intitulada "Educação e Participação na Agricultura caiçara: um estudo no bairro de Pedrinhas, na Área de Proteção Ambiental de Ilha Comprida, SP". Como já enunciado acima, as atividades realizadas objetivam, contribuir para a construção de uma articulação entre conservação ambiental e bem estar social a partir da realidade cotidiana, buscando através da re-significação de práticas culturais de ajuda mútua, fomentar/incrementar a participação dos integrantes do "Grupo do Plantio", no processo de tomada de decisões. Os resultados até agora obtidos têm apontado nesta direção. Vale lembrar que processos participativos são de longo prazo e que uma dissertação de mestrado não possui duração suficiente para realizar uma análise 'conclusiva' a este respeito. Por fim gostaríamos de colocar que outros moradores, além dos aqui apontados, fazem parte deste processo e que seus depoimentos só não foram citados devido ao pouco espaço que um artigo nos oferece. Agradecemos aos moradores de Pedrinhas pela oportunidade de estarmos trocando experiências e aprendendo juntos.

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