1. Introdução E Objetivos
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Departamento de Letras ADAPTAÇÕES DE PEÇAS DE SHAKESPEARE PARA O PÚBLICO JOVEM Aluna: Lorena Moraes de Vasconcellos Orientadora: Marcia Amaral Peixoto Martins 1. Introdução e objetivos Esta pesquisa, que dá continuidade ao trabalho desenvolvido no período 2013.2- 2014.1, busca mapear e analisar adaptações das peças de William Shakespeare para jovens e neoleitores sob forma de quadrinhos e romances em prosa. Para fins deste estudo, o conceito de adaptação empregado é o de Julie Sanders (2006, p. 18-19), que assim resume suas definições: (i) transposição de um gênero para outro (como da literatura para o cinema, ou do teatro para a ficção em prosa); (ii) intervenção nos textos por meio de cortes e omissões (similar à editoração), acréscimos, expansões ou interpolações (que podem, inclusive, ser sob a forma de comentário, dando voz aos silenciados no texto de origem ou explicitando razões hipotéticas para as ações dos personagens); (iii) tentativa de tornar os textos “relevantes” ou facilmente compreensíveis para novos leitores e espectadores por meio de aproximações e atualizações (motivação de inúmeras adaptações dos chamados “clássicos” para a televisão e o cinema). A definição de público jovem é a da editora Galera Record, que estipula duas faixas dentro do segmento: (i) público juvenil: leitores entre 10 e 14 anos; (ii) público jovem adulto: leitores com mais de 14 anos. As adaptações em mangá são voltadas para a segunda faixa. Além disso, trabalhamos com o conceito de neoleitores de Tiepolo (2009, p.126), público alvo de algumas adaptações de Shakespeare sob forma de romances em prosa: jovens – além de adultos e idosos também –, com variados níveis de escolarização, iniciando-se na prática de leitura. Diante do grande impulso ganho pelas publicações de clássicos em quadrinhos/novelas gráficas no mercado editorial brasileiro nos últimos anos, assim como do aumento nas políticas de incentivo à produção e publicação de obras voltadas para leitores jovens e neoleitores, consideramos importante examinar: (i) os aspectos gerais dessas adaptações; (ii) o grau de manutenção das principais características da 1 Departamento de Letras obra com respeito a tema, trama, desenho dos personagens e linguagem; e (iii) a imagem do autor e da obra que resulta do trabalho de reescrita. A intenção do estudo é que os resultados desta pesquisa contribuam para avaliação e seleção dessas obras por parte dos educadores e dos órgãos responsáveis pela elaboração e revisão das listas de títulos a serem adquiridos para/por bibliotecas e escolas. Foram examinadas minuciosamente as adaptações para o português do Brasil das seguintes peças: A tempestade, da série Manga Shakespeare da editora inglesa SelfMadeHero, publicada pela Galera Record; Rei Lear e Hamlet, da série Manga Dokuha da japonesa East Press, adaptados respectivamente pelas editoras JBC como parte da coleção Clássicos em Mangá e L&PM na série Mangás; e o Hamlet em prosa da coleção É só o começo, também da editora L&PM. O estudo seguiu a seguinte metodologia: cada peça foi lida primeiro no original e, em seguida, na versão adaptada para o português. A adaptação em língua inglesa também foi analisada, sempre que disponível. Nesses casos, a comparação foi realizada em três etapas. Apresentamos, a seguir, as análises das peças. 2. Análise dos dados 2.1 Mangá Shakespeare 2.1.1 The Tempest (adaptação em inglês) Como nas adaptações da mesma coleção analisadas na pesquisa de 2013.2-2014.11, a adaptação da peça The Tempest ao mesmo tempo que aproxima a peça do leitor jovem por meio de novidades – o formato em mangá, com suas ilustrações inspiradas na arte típica do gênero –, se mantém inteiramente fiel ao texto original no que se refere à linguagem – mesmo com recortes que, por vezes, reduzem drasticamente e simplificam as falas, processo necessário para a adaptação ao formato em quadrinhos. O exemplo a seguir ilustra bem a estratégia mencionada2: PEÇA (Ato 1, Cena 2) Miranda: If by your art, my dearest father, you have Put the wild waters in this roar, allay them. The sky, it seems, would pour down stinking pitch, 1 Romeo e Julieta e Ricardo III. 2 Os trechos de peças originais de Shakespeare foram extraídos de SHAKESPEARE, William. The Oxford Shakespeare: The Complete Works. Oxford, 2005: Oxford University Press; 2nd edition. 2 Departamento de Letras But that the sea, mounting to the welkin's cheek, Dashes the fire out. O, I have suffered With those that I saw suffer: a brave vessel, Who had, no doubt, some noble creature in her, Dash'd all to pieces. O, the cry did knock Against my very heart. Poor souls, they perish'd. Had I been any god of power, I would Have sunk the sea within the earth or ere It should the good ship so have swallow'd and The fraughting souls within her. MANGÁ (p.17) Miranda: If by your art, my dearest father, you have put the wild waters in this roar, allay them. A brave vessel, dashed all to pieces. O! The cry did knock against my heart! Poor souls, they perished. A simbiose entre as falas selecionadas por Richard Appignanesi e as ilustrações de Paul Duffield sugere um trabalho de intensa parceria durante a produção da adaptação. Nenhuma cena foi excluída, elas foram apenas reduzidas sem perder o necessário para o fluxo da história ou influenciar o enredo e a construção dos personagens shakespearianos. Quanto à ambientação, assim como a peça original, a história se passa em uma ilha sem localização especifica, mas presumidamente em algum lugar do Mar Mediterrâneo – já que o navio, tendo saído da de Tunis na África, naufraga a caminho de Nápoles na Itália. Entretanto, diferente do original, que não tem um momento definido no tempo, o mangá traz a história para um período cronológico mais recente, a partir da década de 50, ao colocar Próspero em uma ilha com uma refinaria abandonada como estrutura principal, onde se localiza a cela, e velhos campos de extração de petróleo. A adaptação apresenta também um mapa da ilha, no qual os caminhos percorridos por cada personagem até a cela de Próspero são traçados em diferentes cores para que o leitor possa acompanhar o progresso dos personagens ao longo da história e cria nomes para cada área da ilha. Outro fato interessante que pode ter a intenção de abranger um público mais amplo e de não distrair da leitura da obra de Shakespeare o leitor desacostumado com mangás onde a história é apresentada na direção de leitura ocidental (da direita para a esquerda) 3 Departamento de Letras e, apesar das ilustrações apresentarem traços característicos da arte tradicional japonesa, não faz uso das expressões exageradas encontradas no gênero. Como as outras peças da série, The Tempest adaptada para mangá é bem sucedida no desafio de adaptar a peça shakespeariana para o público jovem, empregando uma linguagem familiar a esse público sem abrir mão das principais características do texto- base em termos de trama, de linguagem e de falas emblemáticas. Para facilitar ainda mais o que pode ser o primeiro contato do leitor com uma peça shakespeariana, nas últimas páginas, o mangá oferece um breve resumo do enredo em prosa que esclarece qualquer dúvida que o jovem leitor possa ter após o fim da leitura. Logo em seguida, oferece uma curta biografia de William Shakespeare para o leitor curioso se familiarizar com a trajetória do bardo. Dessa forma, a adaptação analisada aproxima e torna mais acessível a obra de Shakespeare ao público jovem. 2.1.2 A tempestade (tradução para o português) Seguindo o padrão dos outros mangás da coleção, já que a adaptação em inglês apresenta recortes diretos da peça original, o trabalho de Alexei Bueno continuou sendo o de traduzir Shakespeare, e não uma versão simplificada da obra do bardo. Um desafio para poucos, mas que o tradutor enfrentou procurando respeitar a forma de expressão shakespeariana, como avisa na nota do tradutor que acompanha todos os livros da coleção: “o que é verso foi traduzido em verso, os trechos em prosa foram traduzidos em prosa, e quando havia rima esta sempre foi mantida” (Bueno, 2011). Alguns claros exemplos podem ser observados nos seguintes trechos: Trecho em verso: PEÇA (Ato 5, Cena1) Epilogue - Spoken By Prospero Now my charms are all o'erthrown, And what strength I have's mine own, Which is most faint: now, 'tis true, I must be here confined by you, Or sent to Naples. Let me not, Since I have my dukedom got And pardon'd the deceiver, dwell In this bare island by your spell; But release me from my bands With the help of your good hands: Gentle breath of yours my sails 4 Departamento de Letras Must fill, or else my project fails, Which was to please. Now I want Spirits to enforce, art to enchant, And my ending is despair, Unless I be relieved by prayer, Which pierces so that it assaults Mercy itself and frees all faults. As you from crimes would pardon'd be, Let your indulgence set me free. MANGÁ – Inglês (p. 204-205) Prospero: Now my charms are all o'erthrown, And what strength I have's mine own, Which is most faint. Now, 'tis true I must be here confined by you, Or sent to Naples. Let me not, since I have my dukedom got, And pardon'd the deceiver, dwell In this bare island by your spell But release me from my bands With the help of your good hands. Gentle breath of yours my sails Must fill, or else my project fails… …Which was to please. Now I want Spirits to enforce, art to enchant, And my ending is despair Unless I be relieved by prayer, Which pierces so that it assaults Mercy itself and frees all faults.