UNIJUI - UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

LUISA GASPAROTTO JALIL

UMA ANÁLISE SOBRE UNIÃO POLIAFETIVA E SUA RECEPÇÃO PELO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

Ijuí (RS) 2019

LUISA GASPAROTTO JALIL

UMA ANÁLISE SOBRE UNIÃO POLIAFETIVA E SUA RECEPÇÃO PELO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

Trabalho de Conclusão do Curso de Graduação em Direito objetivando a aprovação no componente curricular Trabalho de Conclusão de Curso - TCC. UNIJUÍ – Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul. DCJS – Departamento de Ciências Jurídicas e Sociais.

Orientador(a): Drª Joice Graciele Nielsson

Ijuí (RS) 2019

Dedico este trabalho a todos que me deram apoio durante a minha jornada acadêmica.

AGRADECIMENTOS

À minha família, agradeço o amparo e acolhimento ao longo da minha vida acadêmica, especialmente a minha madrasta Mara, que em nenhum momento mediu esforços para me auxiliar na construção deste trabalho.

Agradeço também à minha orientadora Joice, pela sua ousadia, dedicação e criatividade.

A todos que sempre me dão ânimo para que eu continue realizando meus objetivos, obrigada!

“Pode-se estar apaixonado por várias pessoas ao mesmo tempo, por todas com a mesma dor, sem trair nenhuma.” Gabriel García Márquez

RESUMO

O presente trabalho teve o objetivo de analisar a união poliafetiva, a relação composta por três pessoas ou mais, e sua recepção pelo direito brasileiro. O problema inicial consiste em legislações que nem sempre conseguem acompanhar a dinâmica das transformações nos modos de vida das pessoas e, frequentemente, apenas passam, tardiamente, a regularizar situações precedentes. O estudo pretende verificar as formulações e adequações sofridas pelo Código Civil brasileiro e pela Constituição Federal, e as demais decisões relativas às uniões afetivas, sejam elas uniões estáveis, homoafetivas ou poliafetivas; também, analisar se nosso ordenamento jurídico está preparado para regulamentar as uniões poliafetivas, e o modo com que esta regulamentação se dará. Em sua concepção, este documento considerou, inicialmente, a evolução histórica da família e a família nos dias de hoje, seus diferentes conceitos e a previsão constitucional, bem como sua alteração, a emancipação feminina e os organismos familiares poligâmicos e monogâmicos, à luz da compreensão da família na atualidade. Em um segundo momento, analisou a união estável e sua aceitação no Direito de Família, e a equiparação da união homoafetiva à união estável e, por fim, apresentou o conceito de poliamor e os argumentos favoráveis e contrários à sua prática no direito brasileiro, os casos conhecidos no Brasil, a proibição pelo Conselho Nacional de Justiça, e a possibilidade de reconhecimento no ordenamento jurídico brasileiro. Para a realização do trabalho, foi empregada a metodologia de coleta de dados em fontes bibliográficas físicas disponíveis e na rede de computadores, como monografias, teses, dissertações, decisões, acórdãos e artigos, que tratem do assunto. Ao final, conclui que é nítida a evolução de entidades familiares e é dever por parte do Estado a proteção destas novas relações, tendo como preocupação maior o afeto.

Palavras-Chave: Família. Direito de Família. União Estável. União Homoafetiva. Poliamor.

ABSTRACT

The present work aimed to analyze the polyaffective union, the relationship of three or more people, and its reception by the Brazilian law. The initial problem consists of legislations that are not always able to keep up with the dynamics of change in people's ways of life and often only belatedly regularize previous situations. The study intends to verify which formulations and adaptations suffered by the Brazilian Civil Code and by the Federal Constitution, and the other decisions related to the affective unions, such as stable, homoaffective or polyaffective unions; and to examine whether our legal system is prepared to regulate polyaffective unions, and how this regulation will take place. In its conception, this document initially considered the historical evolution of the family and the family in the present day, its different concepts and constitutional prediction, as well as its alteration, feminine emancipation and polygamous and monogamous family organisms, in the light of understanding of the family today. In a second moment, it analyzed the stable union and its acceptance in Family Law, and the equation of the homoaffective union with the stable union, and finally presented the concept of polyamory and the favorable and contrary arguments to its practice in Brazilian law, the cases known in Brazil, the prohibition by the National Council of Justice, and the possibility of recognition in the Brazilian legal system. For the accomplishment of the work was used the methodology of data collection in available physical bibliographical sources and in the computers network, as monographs, theses, dissertations, decisions, judgments and articles, that deal with the subject. In the end, it concludes that the evolution of family entities is clear, and it is the duty of the State to protect these new relationships, with the affection as its main concern.

Keywords: Family. Family right. Stable union. Homoaffective union. Polyamory.

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...... 9

1 CONCEITO E EVOLUÇÃO HISTÓRICA DAS RELAÇÕES DE FAMÍLIA ...... 12 1.1 Evolução histórica da família: famílias monogâmicas e poligâmica...... 12 1.2 Compreensão de família na atualidade ...... 20

2 ROMPENDO A BARREIRA: A UNIÃO ESTÁVEL E A UNIÃO HOMOAFETIVA28 2.1 A União Estável no Ordenamento jurídico pátrio...... 28 2.1.1 Inconstitucionalidade do art. 1.790 do código civil ...... 33 2.2 A homossexualidade e o reconhecimento como entidade familiar da união homoafetiva ...... 36

3. A UNIÃO POLIAFETIVA ...... 45 3.1 União poliafetiva no direito brasileiro ...... 46 3.2 Posições divergentes e a busca por um caminho ...... 53

CONCLUSÃO ...... 59

REFERÊNCIAS ...... 61

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INTRODUÇÃO

O conceito de família, os regramentos jurídicos acerca das relações afetivas entre os seres humanos, bem como as formas com que estas relações se apresentam vêm se transformando ao longo dos tempos, na esteira das constantes mudanças culturais nas formas de se relacionar da nossa sociedade. Isso para evitar repetições e dubiedades. A possibilidade de novas formas de convívio é uma realidade social e vem revolucionando o matrimônio. Porém, contradizem princípios pessoais, educação familiar ou religião de uma parcela significativa da sociedade e acabam por fazer aflorar preconceito e intolerância no meio social. Um outro exemplo de resistência às mudanças foi o que ocorreu com a emancipação feminina; depois de muita luta e de conquistar seu espaço profissional e social, as mulheres ainda sofrem preconceito em função do conservadorismo predominante na sociedade. Outro exemplo é a união estável entre homem e mulher, que não era bem vista antes de ser reconhecida por lei.

Diante deste cenário, verificamos a evolução dos regramentos familiares monogâmicos e poligâmicos, da união estável, da união homoafetiva e, mais recentemente, das uniões poliafetivas, que se tornam cada dia mais comuns, demandando respostas do direito, sejam elas por parte da doutrina, da jurisprudência ou da legislação pátria. Especialmente por abarcar um campo no qual questões afetivas e patrimoniais se interligam, as legislações nem sempre têm conseguido acompanhar a dinâmica das transformações nos modos de vida das pessoas e, frequentemente, apenas passam, tardiamente, a regularizar situações precedentes.

Diante disso, o presente trabalho tem como tema principal a possibilidade ou não do reconhecimento da união poliafetiva pelo direito brasileiro. Seus objetivos constituem em compreender o modo pelo qual o direito brasileiro tem abordado, seja legislativamente, doutrinariamente ou jurisprudencialmente, as uniões poliafetivas; estudar os aspectos históricos 10

da regulamentação das relações afetivas no Brasil, sistematizando a legislação vigente no Brasil sobre casamentos; identificar a evolução histórica nas formas de relacionamentos afetivos da sociedade brasileira e a regulamentação da união estável e das uniões homoafetivas; compreender a poliafetividade e como ela se dá na nossa sociedade, a fim de evidenciar sua abordagem pelo direito pátrio.

O problema principal e a hipótese buscam abordar a resistência social em relação ao diferente ou incomum, por isso, quando a vontade das minorias é contrária à do restante da sociedade, a articulação torna-se difícil, porém progride para a pluralização e o reconhecimento dos direitos individuais dessas minorias, particularmente em virtude da renovação da sociedade ao longo das gerações. Nesse sentido, considera-se como hipótese que, apesar das dificuldades iniciais, o direito de família evolui juntamente com as sociedades das quais emerge. A discussão busca esclarecer por que as legislações não são suficientemente ágeis, tratando de reconhecer postergadamente situações há muito consolidadadas na sociedade.

A metodologia empregada consistiu em seleção bibliográfica e de documentos afins à temática em meios físicos e na Internet, capazes o suficiente para construir uma pesquisa coerente sobre o tema em estudo, responder o problema proposto, corroborar ou refutar as hipóteses levantadas, com leitura e fichamento do material selecionado, reflexão crítica sobre o material e exposição de argumentos de doutrinadores.

Para sua realização, o texto dividiu-se em três capítulos. No primeiro, analisou a evolução histórica da família, desde o seu formato patriarcal até a emancipação feminina, quando as mulheres passaram a trabalhar fora de casa, deixando o homem de ser a única fonte de subsistência da família. Diferenciou organismos familiares poligâmicos e monogâmicos, analisando o histórico de cada organismo e expôs as críticas de alguns autores sobre os dois tipos. Abordou a família na atualidade, sua função social (patriarcal, que foi substituída pela afetividade entre os membros), natureza e disciplina da organização familiar, na qual o Estado intervém na dissolução da família, no casamento e na união estável; e por fim tratou da questão da afetividade, identificando a família pela presença de afetividade, que une pessoas com projetos de vida comuns.

No segundo capítulo, analisou a união estável e união homoafetiva, o homem e a mulher que convivem como se casados fossem e o concubinato, quando a pessoa tem envolvimento 11

com outra, casada. Aborda a inconstitucionalidade do artigo 1.790, pois preceitua que a companheira participará da sucessão somente dos bens adquiridos na união estável. O capítulo trata, ainda, da homossexualidade e do reconhecimento como entidade familiar da união homoafetiva, com o julgamento pelo Supremo Tribunal Federal da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4277 e a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 132.

No terceiro capítulo, o trabalho analisou a união poliafetiva, que é o relacionamento de três pessoas ou mais que se aceitam entre si. Apresentou posicionamentos favoráveis a essa modalidade de relacionamento, e contrários. Sendo assim, este trabalho chama a atenção para aspectos jurídicos e sociais polêmicos, buscando uma reflexão que contribua para o estabelecimento de justiça e de garantia aos direitos individuais de cidadãos em situação de exclusão.

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1 CONCEITO E EVOLUÇÃO HISTÓRICA DAS RELAÇÕES DE FAMÍLIA

A família é uma construção cultural e dispõe de estruturação psíquica, na qual todos ocupam um lugar e possuem uma função: lugar do pai, lugar da mãe, lugar dos filhos, sem, entretanto, estarem necessariamente ligados biologicamente (PEREIRA, 1999). Provavelmente o acasalamento sempre existiu entre os seres humanos, tanto é que a ideia de felicidade é definida como a vida a dois, eliminando o sujeito, quando sozinho, da dádiva da felicidade. Nesse sentido, a família aparece na sociedade como instituição necessária, sagrada e protegida pelo Estado, sendo lugar de afeto e respeito (DIAS, 2012). Por esses motivos, o direito de família é intimamente ligado à vida humana; as pessoas provêm de um organismo familiar e conservam-se vinculadas a ele, mesmo até depois de constituir a sua nova família (GONÇALVES, 2012).

É possível verificar, ao longo do tempo, uma grande mudança do conceito de família, em cada fase de sua evolução, o ser humano se desprendeu de conceitos, e os pensamentos e valores mudaram em decorrência de novas situações. Esses novos direitos tendem a ser futuramente tutelados pelo estado (CHATER, 2015). Na atualidade, é muito difícil encontrar um conceito uno de família, em que se encaixem todos os tipos de grupos familiares. Quando se fala em família, pensa-se no casamento ou vem à mente a imagem da família patriarcal, o pai como chefe da família. Porém esse conceito sofreu grandes transformações com a evolução das sociedades humanas, notadamente com a emancipação feminina. Diante de todas estas questões, o capítulo que segue busca analisar a evolução histórica do conceito de “família” e sua regulação pelo direito brasileiro, a fim de compreender o percurso percorrido até o advento das novas “famílias” da atualidade.

1.1 Evolução histórica da família: famílias monogâmicas e poligâmicas

A ideia de família existe desde os primórdios da civilização. Ao se deparar com dificuldades e perceber que viver em grupo garantiria maiores chances de sobrevivência, as pessoas passaram a criar grupos familiares. Em razão da cultura e comportamento de cada época, houve significativas mudanças no conceito de família (MATTIONI, 2018).

Para Dias (2012), a família é o primeiro agente socializador do ser humano. A família identifica o indivíduo como seu integrante e como partícipe no contexto social (DIAS, 2012). 13

A família recebe total proteção do Estado por meio do artigo 226 da Constituição Federal Brasileira de 1988, que estabelece a família como base da sociedade (BRASIL, 1988, Art. 266).

Em determinado momento da história, o casamento foi instituído como regra de conduta. O casamento é o centro, o instituto mais importante dentro da sociedade, com imposição de direitos e deveres recíprocos. As sociedades conservadoras aceitavam o vínculo afetivo apenas dentro do matrimônio. Além disso, a família dispunha de um patriarca, chefe de sua esposa e filhos.

O pater famílias exercia sobre os filhos direito de vida e de morte (ius vitae ac necis). Podia, desse modo, vendê-los, impor-lhes castigos e penas corporais e até mesmo tirar-lhes a vida. A mulher era totalmente subordinada à autoridade marital e podia ser repudiada por ato unilateral do marido. (...) A família era, então, simultaneamente uma unidade econômica, religiosa, política e jurisdicional. O ascendente comum vivo mais velho era, ao mesmo tempo, chefe político, sacerdote e juiz. Comandava, oficiava o culto dos deuses domésticos e distribuía justiça (GONÇALVES, 2012, p. 15).

O formato patriarcal da família (isto é, o controle da mulher e da prole pelo homem) é de administrar toda a extensão econômica e toda influência social que a família exerce. O ascendente comum mais velho era, ao mesmo tempo, chefe político, sacerdote e juiz.

Nesse sentido, segundo Dias (2011, grifo do autor), “A família tinha uma formação extensiva, verdadeira comunidade rural, integrada por todos os parentes, formando uma unidade de produção, com amplo incentivo à procriação. Sendo entidade patrimonializada, seus membros eram força de trabalho”. Sob esta lógica, compreendia-se que a procriação e, portanto, o “crescimento da família ensejava melhores condições de sobrevivência a todos. O núcleo familiar dispunha de perfil hierarquizado e patriarcal”. Por patriarcal, pode-se entender a condição de subordinação, tanto da mulher, quanto dos filhos e dos bens à vontade do homem. Todos, mulheres, filhos e bens figuravam como propriedades do patriarca.

A mulher estaria propensa à passividade, à submissão, à docilidade, à meiguice e à clareza dos sentimentos. Deveria ser exemplo da moral e dos bons costumes. Então lhe era negado o direito de estudar ou manifestar-se socialmente. A idealização da mulher enquanto modelo, a imagem da esposa virtuosa, boa mãe e filha dedicada, sempre esteve fortemente ligada ao imaginário da sociedade ocidental (SILVA, 2009).

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A mulher que veio colonizar o Brasil só tinha espaço no meio doméstico. Esta inferioridade da mulher diante do homem não era somente física, era também ligada ao seu papel de reprodução, que fazia com que fosse vista como produtora de filhos. Ela os gerava, os criava, os alimentava, dentro da casa. E por essas funções serem atribuídas à mulher como seu papel social, acabavam sendo vistas como algo natural, como uma vocação (KRUCZEVESKI, 2014).

No Código Civil Brasileiro de 1916, os direitos e deveres do marido e da mulher estavam separados: Do marido: art. 233 a 239 CC; Da mulher: art. 240 a 255 CC. Neste instrumento jurídico, as atribuições de cada membro do casal eram claramente estabelecidas: “O marido é o chefe da sociedade conjugal, função que exerce com a colaboração da mulher, competindo- lhe”: a) a representação legal da família; b) a administração dos bens comuns e dos particulares da mulher; c) o direito de fixar o domicílio da família; d) prover a manutenção da família.

Um estudioso do feminismo, Cancian (2008), acredita que o feminismo se iniciou na Revolução Francesa (1789), época marcante para a história, que trouxe os ideais de liberdade, igualdade e fraternidade. O autor descreve em sua pesquisa a jornada de uma revolucionária chamada Olímpia de Gouges, a qual elaborou uma declaração, informando que a mulher possuía direitos idênticos aos dos homens, tendo direito de participar da política e na formulação de leis. No entanto, esse documento teria sido rejeitado pelos homens. A declaração de Gouges é o símbolo mais representativo do feminismo (CANCIAN, 2008).

A revolução industrial fez aumentar a necessidade de mão de obra nas fábricas, principalmente para desempenhar atividades terciárias, por isso, mulheres eram contratadas com o objetivo de reduzir as despesas com salários e de discipliná-las ao seu modo. Foi assim que a mulher entrou no mercado de trabalho, deixando o homem de ser a única fonte de subsistência da família (DIAS, 2012). Logo, o provedor da família não atendia todas as demandas e os filhos e também as mulheres precisaram sair para o mercado de trabalho para ajudar. Por conseguinte, a mulher ingressou no mercado de trabalho, libertando-se de sua submissão, conquistando uma posição igualitária dentro da família. A emancipação feminina, consolidada pela independência econômica, coloca em destaque o reconhecimento de direitos da mulher diante do homem.

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Nessa fase de transição, outro direito conquistado pelas mulheres foi o direito ao voto, com o advento da Constituição Federal de 1934, elevando, assim, o potencial de exercício da cidadania e dos direitos políticos das mulheres da época. No entanto, somente o Estatuto da Mulher Casada, Lei 4.121/62, representou um marco para romper a hegemonia masculina. Nessa época, foi reconhecido à mãe o direito de ficar com a guarda dos filhos menores no caso de culpa recíproca pela separação, e foi dado à esposa o direito de permanecer com os bens adquiridos por ela com o seu trabalho (LÔBO, 2004). O próximo avanço foi a aprovação do divórcio, rompendo a resistência da Igreja Católica.

A Lei do Divórcio trouxe avanços em relação à mulher. Tornou facultativa a adoção do nome do cônjuge. Também, estendeu ao homem o direito de pedir alimentos, o que antes era direito só da mulher pobre. Outra mudança foi do regime legal de bens, em vez da comunhão universal passou a vigorar o regime da comunhão parcial de bens (DIAS, 2012).

Segundo Dias (2012), a Constituição Federal Brasileira de 1988 esgarçou o conceito de família, passando a proteger de forma igualitária todos os seus membros.

O formato hierárquico da família cedeu lugar à sua democratização, e as relações são muito mais de igualdade e de respeito mútuo. O traço fundamental é a lealdade. Talvez não mais existam razões, quer morais, religiosas, políticas, físicas ou naturais, que justifiquem esta verdadeira estatização do afeto, excessiva e indevida ingerência na vida das pessoas. O grande problema reside em se encontrar, na estrutura formalista do sistema jurídico, a forma de proteger sem sufocar e de regular sem engessar (RUZYK, 2005, p. 16).

Com o passar do tempo, além da igualdade de todos perante a lei (art. 5º CF, 1988), foi enfatizada na Constituição Federal de 1988 a igualdade entre o homem e mulher, em direitos e obrigações, reforçando, no Art. 226 § 5°, que esses direitos e deveres são exercidos pela sociedade conjugal igualmente pelo homem e pela mulher. Também, foi imposta a isonomia entre os filhos havidos no casamento ou por adoção, tendo todos os mesmos direitos (art. 227 § 6° CF).

Antes disso, conforme Dias (2012, p. 99), “A prole concebida fora do casamento era alijada de qualquer direito. Nominados de naturais, espúrios, adulterinos, incestuosos, eram considerados filhos ilegítimos e sem direito de buscar sua identidade”. Neste sentido, tais crianças “Não podiam ser reconhecidas enquanto o pai fosse casado. Só o desquite ou a morte do genitor permitia a demanda investigatória de paternidade. Os filhos eram punidos pela 16

tortura do pai, que saia premiado, não assumindo qualquer responsabilidade para com os frutos de suas aventuras amorosas”. Tal situação gerava uma oneração excessiva da mulher/mãe, que acabava tendo de sustentar sozinha o filho, “pagando o preço pela “desonra” de ter dado à luz a um “bastardo”. (DIAS, 2012, p. 99).

No transcorrer dessa evolução, foi reconhecida como entidade familiar não só a família constituída pelo matrimônio, como também foram albergadas nesse conceito tanto a união estável entre o homem e a mulher (BRASIL, 2002, Código Civil Artigo 1.723), quanto a comunidade formada por qualquer um dos pais e seus descendentes (BRASIL, artigo 226 § 4°, 1988).

No entanto, todos esses avanços objetivos precisam ser acompanhados de uma evolução psicológica e moral, que reconheça a mulher como ser de igual valor ao homem. A grande contribuição da psicanálise trazida por Pereira (2006) foi de que a subjetividade feminina precisa ser compreendida, para que se faça a devida justiça. “É preciso desfazer a confusão de que a igualdade é possível sem considerar que o campo da objetividade perpassa pelas subjetividades masculina e feminina” (PEREIRA, 2006, p. 160).

As mulheres trilharam um longo caminho e o desafio agora é compatibilizar as diferenças com o princípio da igualdade, para que não se retroceda à discriminação em razão do sexo (DIAS, 1998). As mulheres foram submetidas a muitos momentos difíceis, até alcançarem a igualdade no plano constitucional. Mas a emancipação jurídica da mulher, a conquista de um lugar na sociedade civil e produtiva, abalou a organização familiar, gerando o declínio da sociedade conjugal patriarcal (DIAS, 2012).

Antes, a mulher devia obediência ao marido, sempre esteve excluída do poder e dos negócios jurídicos, econômicos e científicos. Era rejeitada na cena política, sua força sempre foi desconsiderada e o valor econômico dos afazeres domésticos não era reconhecido. Hoje, a partir de sua emancipação pessoal e profissional, a mulher é parte integrante da estrutura social e passou a exercer funções relevantes para a sociedade e para a família. Felizmente, vê-se um novo caminho para a igualdade de direitos entre homens e mulheres, com um novo tipo de contrato conjugal, pois as mulheres são esposas com voz e voto (DIAS, 2012). A luta feminista foi a responsável pela imposição do império da liberdade e da igualdade. Foi a libertação feminina que levou à decadência do viés patriarcal da família. 17

No Brasil, o tipo de família aceito e normatizado é a família monogâmica, que permite apenas um casal, ou seja, a união de duas pessoas (e seus descendentes) para a formação de um grupo familiar. No entanto, família não segue regra, ela é definida de acordo com os costumes e a cultura de determinada sociedade, havendo sociedades que admitem organismos familiares com desenhos diversos.

“Enquanto a monogamia representa uma forma de casamento entre um homem e uma mulher, a poligamia admite múltiplos casamentos” (SCHAEFER, 2006, p. 303). A poligamia pode ocorrer de duas formas: poliginia e poliandria. Poliginia é o casamento com várias mulheres e poliandria é o casamento com vários homens. Silva (2018) entende que a poligamia é um estímulo para a desigualdade de gênero, uma vez que instiga o conflito, a inveja, a competição e defende que o marido vai favorecer, inevitavelmente, uma sobre as outras. Por isso, a poligamia é considerada uma ameaça às conquistas femininas até hoje obtidas, acentuando a subordinação da mulher: “Não é por acaso que, atualmente, a poligamia é ilegal ou proibida em toda a Europa e América, bem como na China e na Austrália, entre outros inúmeros países.” (SILVA, 2018, p. 2).

Chater (2015), porém, tem o entendimento de que a monogamia chegou aos dias de hoje como forma disfarçada de poligamia, tendo em vista que as relações simultâneas ao casamento ou à união estável foram toleradas pela sociedade, ainda mais se praticadas por homens. No entanto, por mais que se imponha a monogamia e criminalize a bigamia, é muito comum vermos traições nos casamentos. É hipocrisia defender o casamento, “bons costumes”, a família tradicional feliz, quando se pratica a traição.

A teoria do “gene guloso”, trazida por Harari (2011), é de que os antigos bandos de caçadores-coletores não eram compostos de famílias nucleares centradas em casais monogâmicos. Ao contrário disso, viviam em comunidades nas quais não havia propriedade privada, relações monogâmicas ou mesmo paternidade. Nesse bando, a mulher podia ter relações sexuais e formar laços íntimos com vários homens (e mulheres) ao mesmo tempo. Os homens cooperavam para cuidar das crianças, mesmo não sabendo quais exatamente eram seus filhos. Segundo esse autor, os defensores dessa teoria afirmam que as infidelidades que caracterizam os casamentos modernos resultam de forçar os humanos a viverem em famílias monogâmicas, que são incompatíveis com nosso programa biológico (HARARI, 2011). 18

Outra teoria (denominada “monogamia eterna”) defende que as sociedades humanas primitivas, mesmo sendo mais comunais e igualitárias, eram constituídas por famílias nucleares, compostas por um casal de parceiros ciumentos e seus descendentes. O que corroboraria essa ideia é o fato de que as relações monogâmicas são a norma na maioria das culturas atualmente, talvez por uma questão religiosa, econômica ou social (HARARI, 2011).

A família poligâmica é atualmente aceita em algumas sociedades. Na Arábia Saudita, o casamento é permitido entre um homem com até quatro mulheres, com a premissa de que o marido possa sustentá-las e tratá-las com igualdade, além de pressupor aceitação pela esposa já existente: “Casai com quantas mulheres quiserdes, 2, 3 ou 4; mas, se temeis não poder tratá-las com equidade, então tende uma só”. (ALCORÃO, 650 d.C.).

Essa situação ocorre mais frequentemente em famílias ricas. Além da Arábia Saudita, seguem essa mesma linha a Tanzânia, o Iêmen, o Sudão, o Nepal, entre outros. Porém, o Alcorão não permite haréns com dezenas ou centenas de mulheres, como os filmes mostram. Em alguns casos, houve tentativa de burlar as leis do Alcorão, como por exemplo, um cidadão chamado Saleh Al-Sayeri, que se dizia casado com três esposas há mais de 20 anos, mas a 4ª vaga estava sempre vacante. Há boatos que ele já tenha passado por 58 casamentos (NADALE, 2018).

Silva (2018) faz uma crítica à poligamia, comparando índices que mostram como a desigualdade de gênero é maior em sociedades poligâmicas, conforme demonstrado na Tabela 1. Nota-se que, em países poligâmicos, os índices de analfabetismo são maiores entre mulheres e há menor participação delas na política (Índice de desenvolvimento de gênero).

Tabela 1. Comparativo de Índice de desenvolvimento de gênero e Proporção de mulheres alfabetizadas entre países de tradição poligâmica e monogâmica. Países poligâmicos Países Monogâmicos Índice de desenvolvimento de gênero (2003) 0.22 0.50 Proporção de mulheres alfabetizadas (2000) 0.66 0.95 O Índice de desenvolvimento de gênero é um índice composto de desigualdade de gênero construído pela Organização das Nações Unidas (ONU), com escala de 0 a 1. FONTE: (ESTADÃO, 2018)

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A análise feita por meio dessa pesquisa sobre desigualdade de gênero confirma a importância do poder aquisitivo no mercado do casamento. É evidente que existe uma relação de poder econômico nas sociedades que admitem a poliginia, contribuindo para o aumento da desigualdade de gênero em níveis extremos. Já as relações formadas por uma mulher e vários maridos (poliandria) nunca existiram (VERSIGNASSI, 2015):

Sempre que a poligamia foi liberada, os homens mais ricos, poderosos e desejáveis dominaram o mercado do casamento – pegaram quase todas as noivas para eles [...] A massa teria que disputar as poucas garotas que sobrassem. E a violência bombaria. Aí complica. “Líderes proibiram a poligamia quando precisaram que seus súditos combatessem um inimigo em vez de lutarem entre si”, escreveu o neurocientista Steven Pinker, da Universidade Harvard. Não é à toa que, orgias à parte, Grécia e Roma defendiam a monogamia. Sem ela, talvez não tivéssemos chegado até aqui (VERSIGNASSI, 2015, p. 1).

Segundo Aviram (2016, apud HOGENBOOM, 2016), no início da história a poligamia era comum entre nossos ancestrais nômades. A monogamia começou a ganhar espaço devido a mudanças biológicas e culturais e por motivos financeiros. A monogamia transformou-se na norma vigente depois de ganhar popularidade entre os idealistas românticos do século 19. Porém, a existência corriqueira de relacionamentos extraconjugais prova a existência dos nossos ancestrais: “A ideia da exclusividade sexual surgiu mais tarde em nossa história” (AVIRAM apud HOGENBOOM, 2016, p. 2).

Segundo artigo na BBC Brasil (21/08/2008), um estudo feito por pesquisadores na Grã- Bretanha observou que, em países em que a poligamia é aceita, os homens vivem mais que aqueles que vivem em países onde essa prática é proibida. Os homens acima de 60 anos de 140 países poligâmicos têm uma expectativa de vida em média 12% maior que a de homens de 49 nações monogâmicas. "Não me surpreende que homens nessas sociedades vivam mais que homens em sociedades monogâmicas, onde eles ficam viúvos e ninguém cuida deles." (WILSON, 2008, p. 1 apud BBC Brasil, 2008).

Em muitos segmentos da sociedade, observa-se um crescente posicionamento a favor da pluralidade de arranjos nos relacionamentos amorosos e familiares. Este posicionamento é bem expresso pela música “A Maçã”, de Raul Seixas, Paulo Coelho e Marcelo Motta (1975):

Se eu te amo e tu me amas E outro vem quando tu chamas Como poderei te condenar 20

Infinita a tua beleza Como podes ficar presa Que nem santa no altar

Quando eu te escolhi Para morar junto de mim Eu quis ser sua alma Ter seu corpo, tudo enfim Mas compreendi Que além de dois existem mais

O amor só dura em liberdade O ciúme é só vaidade Sofro, mas eu vou te libertar O que é que eu quero Se eu te privo Do que eu mais venero Que é a beleza de deitar. (Seixas, Coelho e Motta, 1975)

As diferenças vão sendo abstraídas, ressaltando o aspecto que as unifica: são todos pontos de vista, caminhos, possibilidades, embora haja uma disputa em torno dos significados de ambas as práticas, como mais louváveis que as outras (REVISTA ARTEMIS, 2012).

1.2 Compreensão de família na atualidade

São vários os arranjos familiares possíveis em nossa sociedade, não se segue um único padrão no mundo. A realidade fática demonstra que existe inúmeras possibilidades de uniões, baseadas no afeto, que merecem a mesma proteção do Estado.

A família conheceu, ao longo do desenvolvimento histórico, diversas funções que se diferenciavam: religiosas, políticas, econômicas, protetivas, reprodutivas, socioculturais. Inicialmente, apresentou uma marca patriarcal, que foi substituída na atualidade pela afetividade entre seus membros. Nesse processo evolutivo, a influência dos ditames constitucionais foi muito importante para a dimensão que a família alcançou ao longo do tempo. Essa importância se deve à paulatina transferência dos deveres da família para o Estado. Esse Estado Democrático de Direito tem, entre seus fundamentos, a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III), a construção de uma sociedade livre, justa e solidária (art. 3º, I), a promoção do 21

bem comum evitando-se qualquer forma de discriminação (art. 3º, IV), e está embasado na prevalência dos direitos humanos (art.4º, II da CF) (MALUF, 2010).

Devido à sua importância para a estruturação da sociedade, a família recebe orientação direta do Estado. Logo, suas normas reguladoras são de ordem pública e disciplinam as formas de organismos familiares. Sendo assim, o Estado intervém na dissolução da família, no casamento, na união estável, na monoparentalidade ou na valorização da dignidade da pessoa humana. O Estado também regula a proteção da prole, normatizando as práticas de inseminação artificial, de interrupção da gravidez, de doação de material genético ou impondo exames pré- nupciais, tendo em vista a manutenção da família e do Estado. Por outro lado, as uniões homoafetivas receberam respaldo em Documentos Internacionais e Cartas Constitucionais, fazendo-se respeitarem os direitos das partes envolvidas nessas relações (MALUF, 2010).

Nos últimos anos, mundialmente, a atividade legislativa em matéria de família tem crescido muito, visando o reconhecimento de formas novas, com o direito acompanhando as transformações sociais e subordinando tais acontecimentos novos às normas (PINHEIRO, 2004). Esse mesmo movimento é observável no Brasil.

A família contemporânea iniciou-se no século XIX e foi precedida pelas Revoluções Francesa e Industrial, quando o mundo estava em processo de renovação. Após esse período, intensificaram-se a convivência e o interagir de sentimentos e valores, permitindo a cada indivíduo a realização de seu projeto de felicidade. O Direito de Família foi o que mais avançou nos últimos tempos, tendo em vista que seu objeto são as relações interpessoais, acompanhando, portanto, a evolução social (BARRETO, 2013).

Compreender a evolução do direito das famílias deve ter como premissa a construção e a aplicação de uma nova cultura jurídica, que permita conhecer a proposta de proteção às entidades familiares, estabelecendo um processo de responsabilização dessas relações, devendo centrar-se na manutenção do afeto, sua maior preocupação (BRAUNER, 2006 apud DIAS 2012, p. 30).

Nessa premissa, é nítida a evolução de entidades familiares e o dever de uma proteção por parte do Estado destas novas relações, tendo como preocupação maior o afeto. O papel da afetividade tem crescido no Direito de Família, e deve ser sempre considerado em qualquer vínculo nas relações familiares. Jamais a análise jurídica pode ser alheia a este relevante aspecto dos relacionamentos. 22

O discurso jurídico, que sempre foi conservador, tem aberto espaço para a diversidade de famílias, que sempre existiu, no entanto com formas que não são protegidas pelo Estado. O conceito de família se modificou e não se vê com tanta facilidade a família com casamento, ligada pelo vínculo do matrimônio. A visão de família hierarquizada, onde o pai era o chefe de família, sofreu drásticas alterações. Um novo modelo de família se inspira na própria afetividade, pluralidade e eudemonismo, em que a felicidade é o objetivo principal da vida. Essa transformação contribui para o desenvolvimento de seus integrantes e, também, da própria sociedade, tendo proteção do Estado. Cada vez mais as pessoas têm o direito de escolha, podendo transitar de uma comunidade de vida para outra que lhe pareça mais atrativa ou gratificante. Na expressão de Villela (1994, apud DIAS, 2012, pg. 44), “a teoria e a prática das famílias dependem, em última análise, da competência em dar e receber amor”. Ribeiro (2000, apud DIAS, 2012, pg. 44) reforça essa ideia: “A família continua mais empenhada do que nunca em ser feliz. A manutenção da família visa, sobretudo, buscar a felicidade. Não é mais obrigatório manter a família, ela só sobrevive quando vale a pena. É um desafio”.

Para termos uma ideia de quanto a família mudou, podemos olhar a situação familiar pregressa: antigamente, ao casar-se, a mulher era considerada incapaz, proibida de trabalhar e administrar seus bens. O regime da comunhão universal de bens era o oficial, formava uma unidade patrimonial e quem administrava era o homem. O casamento podia ser anulado pelo homem quando alegasse o desvirginamento da mulher (DIAS, 2014).

Segundo Strucker (2017), há em nossa sociedade uma corrente de discussão sobre o conceito de família que indica uma tendência ao retorno da hierarquia e dominação masculina, aos moldes do conceito de família patriarcal antigo (casamento, sexo e procriação). Porém, a mesma autora afirma que a família vem sendo também discutida num novo paradigma, que desconstrói essa ideia de família patriarcal (STRUCKER, 2017).

O casamento ostenta uma importância social mais relevante, sendo considerado o centro do direito de família. É estudado desde as formalidades preliminares da celebração, efeitos nas relações entre cônjuges e em caráter patrimonial, com a escolha de regime de bens, até a sua anulabilidade, bem como a dissolução da sociedade conjugal.

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Conceitos mais novos de família foram surgindo e evoluindo, até se chegar à previsão e tutela da Constituição Federal de 1988. Nela foram estipuladas regras de direito de família e, também, foram reconhecidas novas entidades familiares. Hoje, a família é entendida num conceito mais amplo: a família formada por um dos pais com seus filhos ou filhos adotados, mulheres que utilizam técnicas de inseminação artificial e pais separados ou divorciados, a chamada família monoparental; a família pluriparental, constituída por casal no qual um ou ambos os membros são egressos de casamentos ou uniões anteriores; a família parental, que é a convivência dos parentes colaterais, tios e sobrinhos, os irmãos e primos; a família paralela, constituída por duas comunidades familiares que tenham entre si um membro em comum; a eudemonista, que decorre apenas de vínculos afetivos; famílias homoafetivas, entre outras.

A Lei 8.213/1991 dispõe sobre os planos de benefício da Previdência Social e inclui como dependentes o cônjuge, o companheiro, filhos menores de 21 anos não emancipados ou inválidos, assim como os pais, os irmãos menores de 21 anos não emancipados ou inválidos, enteados e menores tutelados, demonstrando um conceito de família com um alcance social, inspirado pelos princípios de solidariedade e fraternidade.

A Lei Maria da Penha (Lei n° 11.340/2006) considera família a associação de dois indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa, independentemente de orientação sexual. Essa é a primeira lei que admite a existência de uma família homoafetiva.

A Lei da Adoção (Lei nº 12.010/2009) amplia conceito de família para além dos pais e filhos ou da unidade do casal, considerando a associação formada por parentes próximos da criança ou adolescente com os quais ele convive e com quem mantém vínculos de afinidade e afetividade.

A Lei nº 12. 424/2011, sobre o Programa Minha Casa, Minha Vida, vai muito mais além, conceituando a família como uma associação de dois ou mais indivíduos que contribuem com o orçamento.

Sobre isso, Serejo (2014, p. 29 apud SOUSA, WAQUIM, 2015) conclui que “o Direito de Família vai para onde a família for e renova-se com a mesma velocidade”. O entendimento sobre a transformação do conceito de família foi o estopim para a equiparação das uniões de 24

casais homoafetivos à categoria da união estável (art. 226, § 3º), logo após a evolução do concubinato para o instituto da união estável (KRELL, 2008).

Até algum tempo atrás, qualquer união que não fosse devidamente legalizada pelo casamento civil era considerada concubinato. Se um ou ambos da união não fossem casados com outras pessoas, tratava-se de um concubinato puro, caso contrário, era um concubinato impuro. Com as mudanças, o relacionamento público e duradouro entre duas pessoas que não possuem impedimentos ao casamento passou a se chamar união estável (ZEGER, 2016).

A União Estável foi inclusa no Código Civil de 2002, inserindo o título, em cinco artigos (1.723 a 1.727). Não há formalismo para a constituição de uma união estável, esta independe de qualquer solenidade. É uma relação não oficializada pelo casamento, mas que apresenta formação de entidade familiar entre os parceiros, acompanhada de prole ou não. No entanto, código Civil foi omisso com relação às uniões homoafetivas, cabendo à jurisprudência a extensão da aplicação da lei a essas relações.

O artigo 1.723 preceitua que “é reconhecida como entidade familiar a união estável entre homem e mulher, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento, configurada pela convivência pública, contínua e duradoura estabelecida com o objetivo de constituição de família” (Código Civil de 2002). Existe, nesse dispositivo, omissão do legislador com relação à união homoafetiva, que já foi suprida pelo julgamento da ADPF nº 132 pelo STF, que julgou procedentes os pedidos (VIEIRA, 2013).

A realidade de conceito de família evoluiu muito, sendo reconhecidas as uniões estáveis e homoafetivas: O STF, na ADI n. 4.277, em 2011, tendo em vista a omissão do legislador ordinário na disciplina da matéria e as controvérsias reinantes na jurisprudência dos tribunais, decidiu, aplicando diretamente a Constituição, que a união homoafetiva é espécie do gênero união estável. Para o STF, a norma constante do art. 1.723 do CC, que alude à união estável entre homem e mulher, não obsta que a união de pessoas do mesmo sexo possa ser reconhecida como entidade familiar apta a merecer a proteção estatal. Assim, sua interpretação em conformidade com a Constituição exclui qualquer significado que impeça o reconhecimento da união contínua, pública e duradoura entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar, entendida esta como sinônimo perfeito de família. Esse reconhecimento deve ser feito segundo as mesmas regras e com idênticas consequências da união estável heterossexual (LÔBO apud LIMA, 2015, p. 80).

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Nos dias de hoje, o que identifica a família não é a celebração do casamento ou a união de duas pessoas do mesmo sexo, mas sim a presença de vínculo afetivo, que une pessoas com projetos de vida e propósitos comuns.

O embate sobre a união homoafetiva perdurou de forma controversa durante anos na doutrina e na jurisprudência, até que os ministros do Supremo Tribunal Federal julgaram a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4277 e a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 132, que reconheceu a união estável para casais do mesmo sexo.

O que distingue, do ponto de vista ontológico, as uniões estáveis, heteroafetivas, das uniões homoafetivas? Será impossível que duas pessoas do mesmo sexo não tenham entre si relação de afeto, suporte e assistência recíprocos? Que criem para si, em comunhão, projetos de vida duradoura em comum? Que se identifiquem, para si e para terceiros, como integrantes de uma célula única, inexoravelmente ligados? A resposta a essas questões é uma só: Nada as distingue (BRITO, 2011, p. 13).

Fica evidente no voto no ministro Ayres Brito a compreensão da relação homoafetiva equivalente a uma união heteroafetiva. A Constituição Federal não distingue a família formada por sujeitos heteroafetivos e a que se constitui por pessoas de inclinação homoafetiva.

Uma das mais importantes conquistas que veio com a família contemporânea foi o princípio da afetividade, por representar a reciprocidade de sentimentos e responsabilidades. O estado tem o dever de assegurar o afeto dentro de uma sociedade, mesmo ele não estando elencado no texto constitucional. A afetividade que une duas pessoas pela união estável, sem o casamento, adquiriu reconhecimento e inserção no sistema jurídico. Houve a constitucionalização de um modelo de família eudemonista e igualitário, com maior esforço para o afeto e a realização individual (DIAS, 2012).

A família transforma-se na medida em que se acentuam as relações de sentimentos entre seus membros valorizando as funções de afetividade entre as famílias. A família e o casamento passaram a realizar interesses afetivos e existenciais de seus integrantes. Por isso que a afetividade entrou nas cogitações dos juristas, buscando explicar as relações familiares contemporâneas. O novo olhar sobre sexualidade valorizou os vínculos conjugais sustentando- se no amor de afeto. O direito das famílias instalou uma nova ordem jurídica para a família, atribuindo valor jurídico ao afeto. Hoje, pode-se dizer que o princípio norteador do direito das famílias é o princípio da afetividade (DIAS, 2012). O Judiciário chamar de união estável a 26

relação afetiva entre pessoas do mesmo sexo é um importante marco na luta pela visibilidade, pois a exclusão perpretada pela Justiça levaria ao preconceito, que leva a exclusão e discriminações.

Lôbo (2011) define o princípio da afetividade como aquele que fundamenta o direito de família na estabilidade das relações socioafetivas e na comunhão da vida, com primazia sobre as considerações de caráter patrimonial ou biológico. Esse princípio conquistou lugar no âmbito jurídico e na jurisprudência. Com isso a família conseguiu realizar sua função dentro da família, unida por desejos, laços afetivos, compartilhamento da vida. Uma família derivada pela afetividade é uma família que dá aos seus membros a devida dignidade.

No entanto, o Judiciário, buscou refúgio no campo do direito das obrigações, identificando como uma sociedade de fato, o que nada mais é do que uma sociedade de afeto (as uniões homossexuais, pela omissão legal, ainda são identificadas como meras sociedades de fato). Antes, a inserção de tais relacionamentos impedia a concessão de direitos dentro da relação familiar como meação, herança, ao usufruto, à habitação, alimentos, benefícios previdenciários. Agora, a Justiça do Rio Grande do Sul, além de assegurar ao parceiro o direito à meação, insere-os no âmbito do direito de família e busca se embasar na legislação que rege a união estável. Claro que, a resistência dos juízes em reconhecer a judicialidade às uniões extrapatrimoniais repetiu – se frente às relações homossexuais, por ter dificuldade em identificá-las como uma entidade familiar (DIAS, 2004). Porém, cabe destacar que as famílias homoafetivas, expressão de afetividade que vem obtendo respeitabilidade social e visibilidade jurídica, graças ao poder Judiciário.

Há uma resistência em relação ao diferente ou incomum, por isso, quando a vontade das minorias é contrária à do restante da sociedade, a articulação torna-se difícil, porém progride para a pluralização e o reconhecimento dos direitos individuais dessas minorias, particularmente em virtude da renovação da sociedade ao longo das gerações. Neste sentido, considera-se como hipótese que, apesar das dificuldades iniciais, o direito de família evolui das sociedades das quais emergem.

O tema abordado nesse estudo, a união poliafetiva, vem sendo cada vez mais discutido pelos doutrinadores e juristas atuantes no direito de família. O “poliamorismo”, termo psicológico que começa a se descortinar para o Direito, admite a existência de relações 27

paralelas, podendo ser três ou mais partícipes, que conhecem e aceitam uns aos outros. As uniões poliafetivas ou poliamor não devem ser confundidas com a poligamia, que é um sistema não permitido no Brasil. O poliamor é uma interação recíproca com mais de duas pessoas, diferente da união paralela, em que muitas vezes a existência de um/a parceiro/a é desconhecida da outra pessoa (GAGLIANO, 2012 apud ROSALINO, 2012).

A união poliafetiva já foi extensamente tratada na literatura e no cinema; exemplos são o romance de Jorge Amado, depois transformado em filme “Dona Flor e seus dois maridos”. Mais recentemente, um caso de relacionamento poliafetivo foi retratado na novela “Segundo Sol” (TV GLOBO, 2018). “Não se pode ignorar, ainda, que o conceito de família já passou por inúmeras adaptações e que a existência de relações poliafetivas é uma realidade” (ZAMATARO, 2015, p. 2).

O direito de família lida com pessoas dotadas de sentimentos, movidas por medos e inseguranças que sofrem desencantos e frustrações e buscam no Judiciário o devido apoio. Por isso a importância de uma Justiça mais ligada à realidade da vida, mais sensível, mais retributiva e menos punitiva. Dias (2017) diz escrever sobre o assunto para os jovens de idade e espírito pois serão eles que garantirão o diálogo sobre transformações quanto a organismos familiares do futuro com gerações mais velhas. O direito à felicidade é de todos. Portanto, na busca do conceito de entidade familiar, é necessária uma visão pluralista.

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2. ROMPENDO A BARREIRA: A UNIÃO ESTÁVEL E A UNIÃO HOMOAFETIVA

A união estável, também conhecida pela expressão companheirismo, caracteriza a união informal entre homem e mulher, com o objetivo de constituição de família. A palavra “união” vem de ligação, convivência, junção, e “estável” vem de permanente, duradouro, fixo. A expressão “união estável”, então, corresponde à ligação permanente entre homem e mulher na comunhão de sentimentos, na comunhão material e na relação conjugal exclusiva de deveres e direitos matrimoniais (RIZZARDO, 2011 apud CHATER, 2012).

A união de fato passou a ser negada juridicamente depois da instituição legal do casamento no século XVI. A sociedade passou a exigir o casamento como regra, sendo as outras formas de convívio menosprezadas. Assim, a união que não fosse devidamente legalizada pelo matrimônio era considerada concubinato. Se um ou ambos membros da união não fossem casados com outras pessoas, tratava-se de um concubinato puro, caso contrário, era um concubinato impuro (adulterino, que tinha envolvimento com pessoa casada ou concomitância de uniões de fato). No Brasil, as constituições anteriores à de 1988 foram fortemente influenciadas por valores tradicionais do cristianismo, de forma que a sociedade e o Estado não apenas repudiaram certos tipos de relações, como privilegiaram somente o casamento (MARTINS JÚNIOR. et al., s.d.). Com as mudanças sociais, o relacionamento público e duradouro entre duas pessoas que não possuem impedimentos ao casamento passou a se chamar estável (ZEGER, 2016). Porém, o concubinato (relação entre amantes) não pode ser confundido com a união estável pois, segundo o art. 1.727 do Código Civil, concubinato traduz uma relação não eventual entre o homem e a mulher, impedidos de casarem-se, à exceção das pessoas separadas de fato (§1º do art. 1.723 do CC). Por outro lado, a união estável pode ser conceituada como uma relação afetiva de convivência pública e duradoura entre duas pessoas, com o objetivo imediato de constituição de família (GAGLIANO, PAMPLONA FILHO, 2012).

2.1 A união estável no ordenamento jurídico pátrio

Durante muito tempo, as uniões formadas fora do casamento foram vistas com preconceito e repulsa social. A união livre não se encaixava na definição de família, além de sua concepção ser ilícita e associada ao adultério, devendo, portanto, ser rejeitada e proibida. O código civil brasileiro de 1916 fez o possível para repelir e rejeitar essa modalidade de 29

relacionamento e, por isso, neste não havia nem presença de tutela (GAGLIANO, PAMPLONA FILHO, 2012).

Após a fase da rejeição, iniciou-se a fase da tolerância (tutela de natureza previdenciária). Ainda chamada de concubinato, a união estável teve seu reconhecimento como apta para determinados efeitos jurídicos, como tutela previdenciária. Nesta fase, houve a edição da súmula 380 pelo Supremo Tribunal Federal: “Comprovada a existência de sociedade de fato entre concubinos, é cabível a dissolução judicial, com a partilha do patrimônio adquirido pelo esforço comum” (STF, 1963). Este enunciado surgiu com grande protecionismo à mulher, ao determinar a partição dos bens adquiridos durante o período de convivência e, em geral, registrados somente em nome do varão. A contribuição da concubina na relação não necessariamente tinha que ser com dinheiro ou qualquer outro meio material, podia ser com trabalho doméstico. A súmula foi editada em 1963, portanto antes da constitucionalização da relação concubinária (DIAS, 2012). Essas demandas permaneceram nas varas cíveis, não sendo redistribuídas às varas de família. Não houve evolução em matéria sucessória, pois permaneceu a vedação para conceder ao companheiro sobrevivente a herança e o direito real de habitação ou usufruto de parte dos bens.

As uniões que surgiram sem selo de matrimônio foram nomeadas concubinato. Quando alguma união rompesse, pela separação ou morte de um dos companheiros, havia, imediatamente, demandas ao Judiciário para resolução do litígio. Às mulheres que não exerciam atividade remunerada e não tinham fonte de renda, os tribunais concediam alimentos de forma camuflada, sob o nome de indenização por serviços domésticos, talvez em compensação dos serviços de cama e mesa por elas prestados. Os homens que se aproveitavam do trabalho e dedicação de uma mulher não poderiam abandoná-la sem indenização (DIAS, 2012).

Na constituição brasileira de 1988, o concubinato foi reconhecido como união estável, recebendo proteção do Direito de Família. Dispõe a Constituição:

Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. (...) §3.º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento” (grifos não originais do texto da lei). (BRASIL, 1988).

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O artigo, ao falar de família, a trata como base da sociedade e, portanto, lhe confere especial proteção do Estado. Como se tratava de instituto novo em 1988, foi exposto que deveria ocorrer entre homem e mulher (LETTIÈRE, 2010).

Para Lobo (2011), é possível definir união estável dessa forma:

A união estável é a entidade familiar constituída por homem e mulher que convivem em posse do estado de casado, ou com aparência de casado (more uxório). É um estado de fato que se converteu em relação jurídica em virtude de Constituição e a lei atribuírem-lhe dignidade de entidade familiar própria, com seus elencos de direitos e deveres. Ainda que o casamento seja sua referência estrutural, é distinta deste; cada entidade é dotada de estudo jurídico próprio, sem hierarquia ou primazia (LÔBO, 2011 apud CHATER, 2012).

Portanto, segundo o Direito de Família brasileiro e as regras da CF/88, a união estável é a convivência em posse do estado de casado, havendo a equiparação da união estável ao casamento. Se possuir os requisitos necessários, a união se converte em relação jurídica e passa a ser tutelada pelo Estado. União estável e casamento, porém, não se confundem, pois são institutos diferentes, por mais que a Constituição Federal lhe confira direitos como entidade familiar. Nesse sentido, segundo Andrade (2018), qualquer regra que trate o companheiro em situação inferior e desfavorável à do cônjuge deve ser abolida.

Azevedo (2013), por sua vez, assevera que a união estável é restrita pela impossibilidade de haver relações íntimas com terceiros. A lealdade e a exclusividade são essenciais à demonstração da união estável. Segundo julgamento do STJ, a convivência em mesmo local não é necessária se em razão de estudo, trabalho, e condições de saúde (VENOSA, 2012; AZEVEDO, 2013). O fato de não existir coabitação não quer dizer que não exista a união estável. Também, não há na lei lapso temporal para caracterização da união estável e, por isso, incumbe ao juiz reconhecer a união estável independentemente de sua duração (VIEIRA, 2012).

De acordo com a interpretação de Dias (2012),

A constituição reconheceu por juridicidade ao afeto ao levar as uniões constituídas pelo vínculo de afetividade à categoria de entidade familiar. Paulo Lobo sustenta que o caput do art. 226 da CF é cláusula geral de inclusão, não sendo admissível excluir qualquer entidade que preencha os requisitos de afetividade, estabilidade e ostensibilidade” (DIAS, 2012, p. 167).

Ainda, Venosa (2012) lembra que é importante distinguir união estável de concubinato, pois há consequências jurídicas diversas em cada um dos institutos. “No 31

concubinato podem ocorrer os efeitos patrimoniais de uma sociedade de fato, sem que existam outros direitos dedicados exclusivamente à união estável, tratada muito proximamente como se matrimônio fosse” (VENOSA, 2012, p. 423).

A União Estável foi incluída no Código Civil de 2002, inserindo o título em cinco artigos (1.723 a 1.727). Segundo esse Código, não há formalismo para a constituição de uma união estável, esta é independe de qualquer solenidade. É uma relação não oficializada pelo casamento, mas que apresenta formação de entidade familiar entre os parceiros, acompanhada de prole ou não.

Segundo Torres (2009), com o advento da Constituição de 1988, a família passou a ser interpretada à luz do princípio da afetividade e dignidade da pessoa humana. Essa evolução, materializada com a vinda do código civil de 2002, concebeu a família pautada na afetividade, passando essa a ser “eudemonista”, ou seja, garantindo a felicidade para os membros.

A designação desse afeto passou por alterações: concubinato, união livre, união de fato, união consensual, união estável. Com a admissão expressa pela Constituição Federal da união informal entre homem e mulher como família, rompeu-se o modelo de casamento como único possível, não havendo, em tese, hierarquia entre os institutos (GAGLIANO, PAMPLONA FILHO, 2012). Ainda que o casamento não se confunda com a união estável, ocorreu equiparação das entidades familiares, sendo todas merecedoras de proteção do Estado.

A união estável é uma situação de fato (que não altera o estado civil: solteiro, desquitado, separado, divorciado e viúvo) e, por isso, o fato de o indivíduo não ter documento sobre essa união não quer dizer que ela não exista. Ela poderá ser provada de várias formas: conta conjunta, testemunhas, disposições testamentárias, apólice de seguro, declaração de dependência em imposto de renda, certidão de casamento religioso, certidão de nascimento dos filhos comuns, entre outras, vide § 3º, do art. 22, do decreto 3.048, de 06/05/99 (LEITÃO, 2017). É necessário um conjunto probatório e cumprimento dos requisitos legais.

Primeiramente, se exigia o prazo de cinco anos ou existência de prole para se configurar uma união estável. Atualmente, não há prazo, a forma como a pessoa é apresentada à sociedade e a vontade de constituir família é requisito essencial. Apenas para fins previdenciários a lei 13.135/15 exige o prazo de dois anos para a obtenção dos benefícios (LEITÃO, 2017). 32

O artigo 1.723 do Código Civil de 2002 preceitua que:

[...] é reconhecida como entidade familiar a união estável entre homem e mulher, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento, configurada pela convivência pública, contínua e duradoura estabelecida com o objetivo de constituição de família. (BRASIL, 2002).

Ainda sobre a União Estável, há duas leis ordinárias (federais) que tratam do assunto: Lei nº. 9.278/1998 (que regula o § 3º do art. 226 da CF) e Lei nº 8.971/1994 (que regula o direito dos companheiros a alimentos e sucessões). A união estável passou a fazer parte da Constituição devido às discussões e influências que surgiram a partir de 1994. A lei 8.971/94, lei infraconstitucional, determinou regras sobre alimentos e direito sucessório (herança) aos companheiros, conceituando a união estável como a união de pessoas solteiras, separadas judicialmente, divorciadas ou viúvas, que convivam por mais de 5 anos (antigamente, hoje não mais se estipula prazo) ou que tenham filhos comuns. Também, assegurou ao companheiro sobrevivente o usufruto sobre parte dos bens deixados pelo de cujus. No caso de inexistirem descendentes ou ascendentes, o companheiro foi incluído na ordem de vocação hereditária como herdeiro legítimo (CAVALCANTI, 2009). A lei 9.278/96 não quantificou prazo mínimo de convivência para o reconhecimento da união estável, albergou as relações entre pessoas separadas de fato, fixou competência das varas de família para julgamento dos litígios oriundos dessas relações, e reconheceu o direito real de habitação.

Na inexistência de contrato escrito relacionado às questões patrimoniais, a legislação determina que sejam aplicadas as regras cabíveis do regime da comunhão parcial de bens, nos termos do artigo 1.725 do Código Civil. Comprovada a união estável, é presumida a mútua colaboração dos conviventes para a aquisição dos bens a título oneroso na constância da união, devendo estes serem partilhados igualitariamente, devendo apenas ser comprovada a união estável, a data e a forma onerosa de aquisição. A Constituição Federal prevê, mediante pedido dos companheiros ao juiz, a conversão da união estável em casamento, com assento no registro civil competente, gerando efeitos ex tunc, já que se trata de união previamente existente antes da conversão (VIEIRA, 2012).

No direito sucessório, o cônjuge foi erigido à condição de herdeiro necessário (art. 1.845 do Código Civil de 2002) ao lado dos ascendentes e descendentes, com direito de concorrer à legítima do falecido sem prejuízo da sua meação. Além disso, pelo art. 1.831 CC de 2002, independentemente do regime de bens, será assegurado ao cônjuge sobrevivente o direito real 33

de habitação, desde que seja o único a inventariar. Também poderá ter mais direitos do que os filhos do falecido (GAGLIANO, PAMPLONA FILHO, 2012):

Art. 1.832. Em concorrência com os descendentes (art. 1.829, inciso I) caberá ao cônjuge quinhão igual ao dos que sucederem por cabeça, não podendo a sua quota ser inferior à quarta parte da herança, se for ascendente dos herdeiros com que concorrer. (BRASIL, 2002).

A união estável foi inserida no código civil brasileiro de 2002 e desde lá tem sido a opção de muitos casais, já que não é um ato formal, porém pode ser facilmente convertida em casamento a pedido dos companheiros. Com o passar do tempo, as legislações que tratavam da união estável foram se modernizando, e hoje a união estável confere os mesmos direitos legais do casamento. Por fim, mostra que tal relacionamento tem proteção constitucional e do código civil e atende aos anseios da coletividade.

2.1.1 Inconstitucionalidade do art. 1.790 CC/02

Com relação às questões afetas à União Estável, uma das de maior destaque é aquela que trata da inconstitucionalidade do artigo 1.790 do Código Civil de 2002. O tema sucessão após a morte trata do patrimônio das pessoas, como se dará a transmissão patrimonial para os seus herdeiros e/ou legatários (não é herdeiro, mas parte da herança é deixada a ele). O art. 1.790 do Código Civil de 2002 preceitua que, somente quanto aos bens adquiridos onerosamente na constância da união estável, a companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro, nada tendo direito aos bens particulares (BRASIL, 2002). Todavia, o legislador aniquilou o direito hereditário do companheiro viúvo.

A regra do art. 1.790 do Código Civil para a sucessão patrimonial após a morte foi amplamente criticada, pois o companheiro só herdar a totalidade da herança na falta de colaterais o deixava em situação bastante inferior à do cônjuge, vez que herda a totalidade na falta de ascendente e descendente. Na interpretação de alguns, não poderia haver diferença entre a viuvez de uma esposa e a de uma companheira, pois ambas tinham afeto com o falecido (GAGLIANO, PAMPLONA FILHO, 2012). Segundo alguns juristas, o artigo 1.790 é de feição extremamente retrógrada e preconceituosa, e a vigorosa maioria dos pensadores, juristas e aplicadores do direito tem registrado com todas as letras que o dispositivo é inconstitucional, exatamente porque trata desigualmente situações familiares que foram 34

equalizadas pela ordem constitucional, como é o caso das entidades familiares oriundas do casamento e da união estável (HIRONAKA, 2017 apud TATURCE, 2017).

A esse respeito, Andrade (2018) explica que diversos tribunais estaduais reconheceram a inconstitucionalidade do art. 1.790 CC/02, por afrontar alguns princípios constitucionais: Dignidade da Pessoa Humana, Igualdade, Liberdade de constituir famílias e Afetividade, uma vez que o art. 226, §3º CF/88, deu tratamento paritário ao casamento e à união estável. O STF, em 10 de maio de 2017, finalizou o julgamento sobre a inconstitucionalidade do art. 1.790 do CC, através do recurso extraordinário nº 878.694/MG, sendo relator o ministro Luís Roberto Barroso (ANDRADE, 2018).

Em análise ao caso, a decisão de primeira instância reconheceu ser a companheira herdeira universal dos bens do casal, pois o falecido não tinha descendentes e nem ascendentes vivos, sendo assim justa a equiparação da união estável ao casamento, aplicando ao caso o inciso III do 1.829 CC/02 (ao cônjuge sobrevivente). Porém, o falecido tinha irmãos vivos e eles concorrem à herança junto com a companheira segundo o inciso II. Os irmãos do falecido recorreram da decisão a quo ao Tribunal, este reformando a decisão, dando à companheira sobrevivente o direito a um terço dos bens adquiridos de forma onerosa pelo casal, ficando o restante com os três irmãos do falecido, reconhecendo a constitucionalidade do art. 1.790 do Código Civil de 2002. A companheira sobrevivente interpôs Recurso Extraordinário dirigido ao Supremo Tribunal Federal buscando reformar o acórdão publicado pelo TJ-MG (ANDRADE, 2018).

O julgamento no STF teve início em agosto de 2016, com sete votos pelo reconhecimento da inconstitucionalidade do art. 1.790 CC/02. Votaram pela inconstitucionalidade do artigo os ministros Luiz Edson Fachin, Teori Zavascki, Rosa Weber, Luiz Fux, Celso de Mello e Cármen Lúcia Antunes Rocha, e ministro relator Luís Roberto Barroso. O ministro Dias Toffoli pediu vistas e, por isso, a tramitação foi interrompida, voltando à pauta de julgamento apenas em 2017. Toffoli proferiu voto com posicionamento diverso, sendo pela constitucionalidade do art. 1.790 CC/02, alegando que a Constituição Federal de 1988 não igualou a União Estável ao casamento, se fosse assim não teria facilitado a sua conversão em casamento. O ministro Marco Aurélio também pediu novas vistas do processo, unindo-o ao julgamento do recurso extraordinário 646.721/RS, que tratava da sucessão de companheiro homoafetivo, do qual era relator, entendendo não haver motivo para distinção 35

entre estes. O próprio STF já havia reconhecido a União Homoafetiva, através da ADPF 132/RJ, dando tratamento igualitário em relação à União Estável.

O ministro Marco Aurélio também não viu qualquer inconstitucionalidade, votando pela preservação de todo o teor do art. 1.790 do Código Civil, vez que o art. 226, § 3º da CF/88, não igualou a união estável ao casamento, principalmente porque trouxe a possibilidade da conversão da união estável em casamento e expôs em seu voto que a CF/88 reconheceu uma hierarquia entre as duas entidades familiares. também votou pela constitucionalidade do art. 1.790 CC/02 (ANDRADE, 2018). Por fim, com o placar de sete a três votos, ficou decidido pela inconstitucionalidade do art. 1.790 CC/02. Com a finalidade de preservar a segurança jurídica, o entendimento sobre a inconstitucionalidade do art. 1.790 deve ser aplicado apenas aos inventários judiciais em que a sentença de partilha não tenha transitado em julgado e às partilhas extrajudiciais (que facilitou a divisão dos bens após o falecimento) em que ainda não haja escritura pública (ANDRADE, 2018).

A Ementa do Recurso Extraordinário nº 878.694, publicada em novembro de 2017 teve a seguinte redação:

DIREITO CONSTITUCIONAL E CIVIL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL. INCONSTITUCIONALIDADE DA DISTINÇÃO DE REGIME SUCESSÓRIO ENTRE CÔNJUGES E COMPANHEIROS. 1. A Constituição brasileira contempla diferentes formas de família legítima, além da que resulta do casamento. Nesse rol incluem-se as famílias formadas mediante união estável. 2. Não é legítimo desequiparar, para fins sucessórios, os cônjuges e os companheiros, isto é, a família formada pelo casamento e a formada por união estável. Tal hierarquização entre entidades familiares é incompatível com a Constituição de 1988. 3. Assim sendo, o art. 1790 do Código Civil, ao revogar as Leis nº 8.971/94 e 9.278/96 e discriminar a companheira (ou o companheiro), dando-lhe direitos sucessórios bem inferiores aos conferidos à esposa (ou ao marido), entra em contraste com os princípios da igualdade, da dignidade humana, da proporcionalidade como vedação à proteção deficiente, e da vedação do retrocesso. 4. Com a finalidade de preservar a segurança jurídica, o entendimento ora firmado é aplicável apenas aos inventários judiciais em que não tenha havido trânsito em julgado da sentença de partilha, e às partilhas extrajudiciais em que ainda não haja escritura pública. 5. Provimento do recurso extraordinário. Afirmação, em repercussão geral, da seguinte tese: “No sistema constitucional vigente, é inconstitucional a distinção de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros, devendo ser aplicado, em ambos os casos, o regime estabelecido no art. 1.829 do CC/2002”. (STF, 2017).

Sendo assim, é cabível entender que o mesmo tratamento deve prevalecer para as uniões estáveis de casais homoafetivos, estendendo-se os mesmos efeitos da decisão, prevista no art. 1.723 do Código Civil/02, independentemente da orientação sexual dos casais. Atualmente, o 36

companheiro é equiparado ao cônjuge em relação a sucessão. As uniões homoafetivas possuem os mesmos direitos e obrigações das uniões heteroafetivas (ANDRADE, 2018).

2.2 A homossexualidade e o reconhecimento como entidade familiar da União homoafetiva

O vocábulo “homossexualidade” foi criado pelo médico húngaro Karoly Benkert e introduzido na literatura técnica no ano de 1869 (UZIEL, 2006 apud DIAS, 2006). O termo “homossexualismo”, anteriormente usado, ganhou uma conotação pejorativa, já que o sufixo “ismo” significa doença, anormalidade, enfermidade que acarreta a diminuição das faculdades mentais, mal contagioso decorrente de um defeito genético. Contudo, desde 1985 o homossexualismo não mais figura como doença na Classificação Internacional de Doenças (CID 302). Por isso, esse vocábulo foi substituído por “homossexualidade”; o sufixo “dade” quer dizer modo de ser e agir. Além de descrever melhor a pluralidade de práticas ou desejos de determinados sujeitos, ao propor o vocábulo “homossexualidade” o médico pretendeu revalorizar e dar um outro peso moral às experiências afetivo-sexuais que, com isso, passam a ser vistas como um comportamento, uma opção (NUAN, 2012 apud DIAS, 2006).

Entende-se por orientação sexual a identidade atribuída a alguém em função de seu desejo ou condutas sexuais para com outra pessoa do mesmo sexo. O direito à orientação sexual decorre da Constituição, que assegura a liberdade, a igualdade sem distinção de qualquer natureza, a inviolabilidade da intimidade e da vida privada e a proteção da família (seja casamento, união estável ou monoparentais). É um direito inserido nos direitos humanos, portanto, inalienável, indisponível, imprescindível e intransmissível. Segundo Lettière (2010), o ser humano tem o direito de formar família, de se relacionar e optar por exercer seu direito à orientação sexual. Violar tal direito é privar o ser humano de sua existência plena. A própria Política Nacional de Direitos Humanos prevê a regulamentação de uniões entre pessoas do mesmo sexo (LETTIÈRE, 2010).

Nos dias de hoje, o neologismo “homoafetividade” (vocábulo que expressa o vínculo que envolve o par, pois o afeto existente na maior parte das uniões homossexuais é igual ao das uniões conjugais) já está inserido no vocabulário jurídico e na linguagem comum (SILVA JÚNIOR, 2011 apud DIAS, 2006). O afeto passou a ser visto como um valor jurídico que une 37

as famílias. Abandonou-se a visão de família enquanto mero núcleo econômico e patrimonial e o afeto foi reconhecido como o grande motivador das uniões.

Em relação ao comportamento propriamente dito, todos os métodos experimentados para modificá-lo foram nulos (COSTA, 2011 apud DIAS, 2006). A busca pelas origens genéticas de manifestações patológicas e comportamentais é um dos ramos mais produtivos da pesquisa científica contemporânea. Vários estudos propuseram-se a descobrir qual(is) gene(s) atuam no desenvolvimento da homossexualidade. Uma reportagem publicada em 1991 na revista Veja, sobre um estudo realizado nos Estados Unidos da América (EUA) buscou demonstrar a existência de causas genéticas para a homossexualidade, com características biológicas hereditárias, desvinculando-a de causas ligadas ao ambiente social e afetivo. A pesquisa foi feita com pares de gêmeos e irmãos adotivos, sendo um deles homossexual, apontando que, em 52 % dos casos de gêmeos univitelinos (os que têm características genéticas idênticas), os dois irmãos eram homossexuais.

Entre os gêmeos bivitelinos (geneticamente distintos), a proporção de homossexualidade caiu para 22%, e entre os irmãos adotivos, para 11%. Esses resultados indicam forte componente genético, mas evidenciam que a coincidência de comportamentos decorre também da influência do ambiente familiar. Baily (1991 apud DIAS, 2006), professor de psicologia da Universidade do Noroeste de Evanston nos Estados Unidos, afirma que a homossexualidade decorre de fatores genéticos em 30 a 70% dos casos, e não somente do meio no qual as pessoas são criadas. Le-Vay (1991 apud DIAS, 2006) descreveu que o hipotálamo (região do cérebro que controla certos impulsos sexuais) dos homens homossexuais tem a metade do tamanho do hipotálamo dos homens heterossexuais, dimensão semelhante ao de mulheres. Pataro (1996) aponta como possibilidade explicativa a ocorrência de uma anomalia genética, ou uma perturbação psicológica ou endócrina. Witelson (1996) analisou o cérebro de 10 heterossexuais e 11 homossexuais e constatou, com o uso de ressonância magnética, que a região do cérebro chamada “caloso” (região ligada à habilidade verbal e motora) é maior nos homossexuais. Silva (1996 apud DIAS, 2006) revelou que os homens homossexuais têm impressões digitais com padrão caracteristicamente feminino, concluindo que a homossexualidade integra a própria estrutura biológica da pessoa.

No ano de 1973, a Associação Americana de Psiquiatria (APA) retirou a homossexualidade da lista dos distúrbios mentais, sob o fundamento de ser muito mais realidade 38

social e política do que psicológica, destacando o comportamento e a orientação. Em seu estudo sobre Leonardo Da Vinci, Freud sintetiza como fatores potencializadores da homossexualidade e dos desvios sexuais:

Em todos os homossexuais submetidos à análise se descobre um intenso enlace infantil de caráter erótico e esquecido depois pelo indivíduo, pelo sujeito feminino, geralmente a mãe; enlace provocado ou favorecido pela excessiva ternura da mesma e apoiado depois por um distanciamento do pai da vida infantil do filho (GRAÑA, 1996, apud DIAS, 2006, p. 42).

Acerca do tema, importante observar o papel representado pela Igreja na crítica à homoafetividade. A Igreja Católica considera perversão as relações de pessoas do mesmo sexo. Segundo seus dogmas, o amor carnal associado ao prazer é rival ao amor de Deus. Na filosofia de São Tomás de Aquilo, justificava-se o sexo como o caminho da procriação. O matrimônio era um remédio que Deus deu ao homem para preservá-lo da luxúria. Durante a Santa Inquisição, o Concílio de Latrão, de 1179, tornou crime a homossexualidade (naquela época denominada de sodomia), prescrevendo a pena de morte à sua prática (DIAS, 2006).

Ao longo da história, a união de pessoas do mesmo sexo recebeu rejeição religiosa e discriminação. A infertilidade dos homossexuais levou a igreja repudiá-los. O legislador não aprovou leis que concedam direito às minorias, por isso as uniões homossexuais continuaram marginalizadas e excluídas do sistema jurídico. O espaço público brasileiro tem se transformado em palco de controvérsias entre agentes laicos defensores dos direitos humanos e grupos religiosos, principalmente evangélicos e católicos. Esse fato contemporâneo reflete-se em redefinições sobre as relações que estão sendo sustentadas entre o religioso e a esfera pública (COITINHO FILHO, RINALDI, 2018). Segundo Giumbelli (2008), o estado brasileiro não construiu uma separação entre estado e religião. As diversas manifestações religiosas acabam influenciando questões como aborto e casamento civil igualitário. Um exemplo de manifestação foi a de Ralph Lichote (advogado e jornalista), na sessão plenária em que se discutia a união homoafetiva, que apontou para uma cruz e disse que é da vontade do povo ela estar ali, que se o povo não a quisesse, já a teria tirado dali. E logo afirmou: “o povo não quer a “união homoafetiva” (COITINHO FILHO, RINALDI, 2018). Por outro lado, alguns ministros e representantes dos grupos de direito presentes pautavam-se nessa visão constitucionalizada de família e no afeto. Como exemplo, o ministro Ayres Brito defendeu oralmente sua posição perante a plenária (COITINHO FILHO, RINALDI, 2018):

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[...] a família é, por natureza ou no plano dos fatos, vocacionalmente amorosa, parental e protetora dos respectivos membros, constituindo-se, no espaço ideal das mais duradouras, afetivas, solidárias ou espiritualizadas relações humanas de índole privada].

O Código Civil foi omisso em relação às uniões homoafetivas, sendo a jurisprudência relevante à extensão da aplicação da lei a essas relações. O artigo 1.723 preceitua que “é reconhecida como entidade familiar a união estável entre homem e mulher, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento, configurada pela convivência pública, contínua e duradoura estabelecida com objetivo de constituição de família”.

Existe, no Código Civil de 2002, omissão do legislador com relação à união homoafetiva (ante a possibilidade de interpretação em sentido preconceituoso ou discriminatório desse dispositivo do CC), mas que foi suprida pelo julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN) nº 4.277 e da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 132 pelo STF, que julgou procedentes os pedidos de equiparação às uniões heteroafetivas.

Além disso, a exclusão da união homoafetiva do Direito das Famílias impede alguns direitos como: usufruto, meação, benefícios previdenciários, alimentos, habitação, herança, entre outros. Porém, é importante lembrar que a Constituição outorgou proteção à família, independentemente da realização do casamento. O Judiciário tem sido chamado a se posicionar sobre direitos de minorias, já que estas não têm acesso ao Parlamento. Também, na concepção atual da maioria das pessoas, a família não é vínculo entre homem e mulher, apenas. Segundo Dias (2006), se há vida em comum: coabitação e mútua assistência, é necessário possuírem os mesmos direitos e se há convivência duradoura, pública e contínua, independentemente do gênero dos parceiros, estes fazem jus à mesma proteção.

Muitas foram as mudanças sociais que levaram a uma sociedade menos homofóbica. Novas estruturam de convívio surgiram; o afeto passando a ser o principal requisito para a estrutura familiar. A Igreja foi perdendo influência sobre as novas gerações, que ampliaram continuadamente a sua compreensão e aceitação do prazer sexual. Assim, a sexualidade deixou de ser crime (DIAS, 2006) mas, atualmente, os homossexuais formam um grupo ciente de sua identidade, reivindicando direitos a uma sociedade que ainda não os aceita.

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Em maio de 2011, o Supremo Tribunal Federal (STF) brasileiro julgou a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 132 e a ADI 4277. O resultado desse julgamento foi a decisão que reconheceu a união de homossexuais como entidade familiar merecedora de mesma proteção jurídica que a união estável. A ADPF 132, de autoria do governador do estado do Rio de Janeiro Sérgio Cabral, requisitava que o STF interpretasse, conforme a Constituição Federal de 1988, o Estatuto dos servidores públicos civis do estado do Rio de Janeiro, aplicando analogicamente o art. 1.723 do código civil brasileiro de 2002 às “uniões estáveis homoafetivas”. Como pedido subsidiário foi pleiteado que a ADPF fosse recebida como ação direta de inconstitucionalidade, o que de fato aconteceu em 2009. Nesta data, a Procuradoria Geral da República propôs a ADPF 178, recebida como ADI 4.277 pelo então presidente do STF, ministro . Tratava-se de uma ação cujo objetivo era reconhecer a união entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar, nas situações em que estivessem preenchidos os mesmos requisitos necessários para a configuração da “união estável” entre homem e mulher, fazendo com que “os mesmos deveres e direitos originários da união estável fossem estendidos aos companheiros nas uniões homoafetivas” (CHAVES, 2012 apud COITINHO FILHO, RINALDI, 2010). As ações foram propostas por força dos princípios de igualdade, da dignidade da pessoa humana, da liberdade e da segurança jurídica, e os votantes manifestaram-se pela procedência das mesmas.

Os ministros reconheceram a união homoafetiva como família e aplicaram o regime concernente à união estável (Art. 1.723 CC). Os fundamentos constitucionais que embasaram a decisão foram os princípios da dignidade da pessoa humana (Art. 1º, inciso III), da vedação à discriminação odiosa (Art. 3º, inciso IV), e da igualdade (Art. 5º, caput), da liberdade (Art. 5º, caput) e da proteção a segurança jurídica (COITINHO FILHO, RINALDI, 2018). Os ministros participantes da sessão foram: Ayres Brito, como relator; Luiz Fux, Ricardo Lewandowski, , Gilmar Mendes, Marco Aurélio, Celso de Mello, (à época presidente do STF), bem como as ministras Carmem Lucia Antunes Rocha e . Dias Toffoli considerou-se impedido por já ter representado juridicamente a causa na qualidade de advogado geral da união. Sendo assim, foram considerados como votantes dez ministros e acompanharam o entendimento do Ministro Ayres Britto pela procedência dos pedidos com efeito vinculante, dando interpretação de acordo com a Constituição Federal para aplicação do art. 1.723 do Código Civil a qualquer caso de reconhecimento de união estável entre pessoas do mesmo sexo, podendo assim construir-se como entidade familiar (VIEIRA, 2012). O ministro Ayres Britto, em seu voto final como relator, argumentou que o art. 3º, inciso 41

IV da Constituição veda qualquer discriminação em virtude de sexo, raça e cor. Os demais ministros acompanharam a linha de raciocínio de Britto, pela procedência das ações e de seu efeito vinculante.

A interpretação do STF reconheceu um quarto modelo de família brasileira, uma vez que a Constituição Federal até então previa três enquadramentos: a decorrente do casamento, a união estável e família monoparental (uma pessoa e seus filhos). Após essa decisão, o STF reconheceu a família decorrente da “união homoafetiva”. A realidade de conceito de família evoluiu muito, sendo reconhecidas as uniões estáveis e homoafetivas:

O STF, na ADI n. 4.277, em 2011, tendo em vista a omissão do legislador ordinário na disciplina da matéria e as controvérsias reinantes na jurisprudência dos tribunais, decidiu, aplicando diretamente a Constituição, que a união homoafetiva é espécie do gênero união estável. Para o STF, a norma constante do art. 1.723 do CC, que alude à união estável entre homem e mulher, não obsta que a união de pessoas do mesmo sexo possa ser reconhecida como entidade familiar apta a merecer a proteção estatal. Assim, sua interpretação em conformidade com a Constituição exclui qualquer significado que impeça o reconhecimento da união contínua, pública e duradoura entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar, entendida esta como sinônimo perfeito de família. Esse reconhecimento deve ser feito segundo as mesmas regras e com idênticas consequências da união estável heterossexual (LÔBO, 2011 apud LIMA, 2015, p. 80).

Em decisão unânime, em dezessete de abril de 2012, os desembargadores da oitava Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro autorizaram a conversão em casamento da união estável de um casal homossexual que vive em união estável há oito anos, cujo pedido havia sido indeferido pelo Juízo da Vara de Registros Públicos da Capital (VIEIRA, 2012). O código civil regulamenta a união estável, a ela atribuindo efeitos patrimoniais decorrentes da vontade das partes e causa mortis entre homem e mulher. Evidentemente, o código não esgota todas as questões referentes à união estável, sendo certo que as lacunas devem ser preenchidas pela jurisprudência como já vem ocorrendo, notadamente com relação às uniões homoafetivas (VIEIRA, 2012).

Após reconhecimento da união homoafetiva pelo direito de família, houve efeitos jurídicos pessoais (direitos e deveres recíprocos) e patrimoniais (alimentos, regime de bens e direito sucessório). Segundo art.1.724 do Código Civil “as relações pessoais entre os companheiros obedecerão aos deveres de lealdade, respeito e assistência, e de guarda, sustento e educação dos filhos.” (BRASIL, 2002). O dever de lealdade, quando violado, pode resultar na dissolução da relação de companheirismo. O dever de respeito, necessário em qualquer 42

união, é pressuposto da própria afetividade. O dever de assistência é auxílio espiritual, moral, alimentar ao longo de toda a união (BRASIL, 2002). Segundo Gagliano e Pamplona Filho (2012), os efeitos patrimoniais acarretam consequências, como a fixação de alimentos ao companheiro necessitado, a observância de um regime de bens e, ainda, o direito à herança.

Segundo o relato de Barifouse (2019), recentemente, o STF suspendeu temporariamente o julgamento que avalia se a discriminação por orientação sexual e identidade de gênero deve ser considerada crime. Quatro ministros votaram a favor das propostas feitas pelas duas ações que levaram a questão ao plenário da Corte. Em 13 de fevereiro de 2019, a questão começou a ser debatida, foram ouvidos os autores dos dois processos (ADO 26 e MI 4733), a Procuradoria- Geral da República (PGR), a Advocacia-Geral da União (AGU), o Senado e grupos favoráveis e contrários à criminalização da homotransfobia. Houve quatro votos até então, dos ministros Celso de Mello (relator de uma das ações), Edson Fachin (relator da outra ação), Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso, todos favoráveis à criminalização. Após o voto de Barroso, Toffoli suspendeu o julgamento, pois a pauta do plenário precisou ser reorganizada. Mello propôs que a homofobia e a transfobia sejam enquadradas/equiparadas na Lei do Racismo (Lei 7.716/1989).

Na mesma publicação, Barifouse (2019) cita o advogado Paulo Iotti, doutor em Direito Constitucional e representante do Partido Popular Socialista (PPS) e da Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transgêneros e Intersexos (ABGLT), que defende que: "O direito penal existe para defender a sociedade e também minorias e grupos sociais vulneráveis"; "Por isso, criminaliza o racismo e coíbe a violência contra a mulher, mas o Código Penal não é suficiente hoje para proteger a população LGBT (lésbicas, gays, bissexuais e transsexuais)."; "Queremos igual proteção penal. Se você criminaliza alguns tipos de opressão e não outras, passa uma ideia sinistra de que são menos relevantes. Não se pode hierarquizar opressões.”

Um levantamento da Associação Internacional de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais e Intersexuais (ILGA, na sigla em inglês), que reúne mais de 1,3 mil grupos de defesa de direitos LGBT, mostra que 43 países (ou 23% dos Estados-membros da ONU) já têm legislações contra crimes de ódio motivados pela orientação sexual da vítima (Tabela 2). Estas leis estabelecem crimes específicos ou consideram o motivo um agravante para elevar penas de 43

crimes comuns. Em 39 países, há leis que punem discursos que incitam o ódio contra esse público (BARIFOUSE, 2019).

Lucas Mendos, pesquisador da ILGA e coautor da 12ª edição do relatório Homofobia Patrocinada pelo Estado, afirma que leis locais resultam em níveis diferentes de proteção; leis federais, no entanto, criam um padrão federal obrigatório para todos os juízes. Segundo o pesquisador, a lista de países que têm leis de combate ao preconceito por orientação sexual vem aumentando desde a primeira edição do relatório, principalmente devido à atuação de militantes LGBT junto aos seus Legislativos. O Brasil foi incluído na primeira lista (Tabela 2), devido a leis locais de alguns Estados, capitais, e do Distrito Federal (regiões onde vivem 78% da população do país), que preveem sanções civis, como multas e perdas de licenças, sem que haja uma lei federal sobre a questão (BARIFOUSE, 2019).

Tabela 2: Países com legislação contra crimes de ódio motivados pela orientação sexual da vítima por continente. Fonte: ILGA – Relatório State-Sponsored Homophobia 2017. Américas Europa Ásia Oceania Argentina Albânia Lituânia Timor Leste Nova Zelândia Bolívia Andorra Luxemburgo Samoa Brasil* Bélgica Malta Canadá Croácia Mônaco Chile Dinamarca Montenegro Colômbia Eslováquia Noruega Equador Espanha Portugal El Salvador Finlândia Romênia Estados Unidos França Reino Unido Honduras Geórgia San Marino Nicarágua Grécia Sérvia Peru Holanda Suécia Uruguai Hungria Suíça Kossovo *Não há lei federal, mas punições como multas e perdas de licenças previstas nas leis de 14 Estados (Amazonas, Bahia, Espírito Santo, Maranhão, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Pará, Paraíba, Piauí, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Rio Grande do Norte, Santa Catarina, São Paulo), do Distrito Federal e duas capitais (Fortaleza e Recife).

A sociedade, com o passar do tempo, está ficando mais tolerante para as relações de pessoas do mesmo sexo. A aceitação da união estável no ordenamento jurídico brasileiro e o reconhecimento da união homoafetiva como entidade familiar foi um grande passo para romper barreiras de exclusão. O debate ganhou visibilidade a partir de denúncias de omissão da justiça 44

e então, o judiciário, embora não haja previsão em lei, entendeu que não poderia ignorar essa realidade e reconheceu a união homoafetiva como união estável, dando o respaldo necessário às pessoas com essa condição. Tais decisões foram tomadas com o intuito de diminuir as desigualdades sociais. O direito de constituir uma relação conjugal ou união estável hetero ou homossexual decorre do princípio da liberdade. Agora, as uniões poliafetivas aguardam reconhecimento pelo direito de família no ordenamento jurídico pátrio.

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3. A UNIÃO POLIAFETIVA

União poliafetiva ou relação poliamorosa é aquela formada por três ou mais partícipes que conhecem e aceitam uns aos outros e que tem dever de fidelidade. Mesmo não sendo o padrão comportamental da vida afetiva comum, essa teoria baseia-se em uma realidade existente. Em geral, observa-se que a busca de uma união romântica (poliafetiva) é um processo que, como em qualquer outro tipo de relacionamento, envolve expectativas de satisfação, bem- estar e felicidade. As uniões poliafetivas ou poliamor não devem ser confundidas com a poligamia, que é um sistema não permitido no Brasil.

Cabe diferenciar Poliamor e Poliafetividade. O Poliamor é um relacionamento aberto ou fechado, que as pessoas convivem com amor, honestidade, ética e lealdade, sendo possível amar e ser amado por mais de uma pessoa. Já a poliafetividade, decorre do poliamor e tem o objetivo de formar uma família, dividindo projetos comuns, baseados na afetividade e colaboração mútua.

Segundo Sá e Mesquita (s.d), poliamor ou poliafetividade é a materialização da consciência de que é possível amar mais de uma pessoa ao mesmo tempo; ou, ainda, é um relacionamento em que os partícipes afirmam ser possível não somente relacionar-se, mas também optar por um relacionamento fixo, responsável e consensual, porém envolvendo três ou mais pessoas.

Na área do Direito, é uma teoria psicológica recente. Questiona-se a possibilidade do reconhecimento ou não da união poliafetiva, já que as uniões poliafetivas demandam respostas do direito, sejam elas por parte da doutrina, da jurisprudência ou da legislação pátria.

A união poliafetiva é um dos temas de discussão mais recentes no âmbito do direito de família (ZAMATARO, 2015). As uniões poliafetivas, sendo uma realidade em nossa sociedade, se apresentam como um caminho pluralizado, aberto. Em razão do despreparo da sociedade, é uma situação ainda estranha à cultura e à moral brasileira. Em adição a isto, não há entendimento no STJ nem no STF sobre o poliamorismo, pois a sociedade não amadureceu o assunto e ainda tem preconceito por arranjos familiares que não estejam no ordenamento jurídico brasileiro, principalmente quando estes não são monogâmicos. É desafiador tratar do assunto, pois se defende que o Estado não pode ser indiferente a essa realidade vivenciada por 46

pessoas dotadas de liberdade, capacidade, autonomia e dignidade, as quais não podem ser excluídas (TIZZO, BERTOLINI, s.d.). Resta, portanto, a dúvida se a união poliafetiva poderá ser reconhecida ou não a partir do que se conhece das regras e princípios tutelados no Brasil.

3.1 Considerações sobre união poliafetiva no direito brasileiro

O termo União Poliafetiva se destacou após a elaboração, no cartório da cidade de Tupã (SP), em 21 de agosto de 2012, de escritura de união estável poliafetiva, entre um homem e duas mulheres, conviventes há três anos na mesma casa. O fato gerou repercussão, aparecendo na televisão, jornais e redes sociais1. Em julgamento liminar, em 13 de abril de 2016, a Corregedora-Geral de Justiça à época, Ministra Nancy Andrighi, rejeitou o pleito de proibição imediata do ato. Entretanto, recomendou aos cartórios que não lavrassem novas escrituras declaratórias de uniões civis poliafetivas, até a sua conclusão. Em junho de 2018, após votação no Plenário do Conselho Nacional de Justiça, houve julgamento final do pedido, com proibição do registro de união poliafetiva pelos cartórios nacionais. Além das discussões no meio social, também no âmbito jurídico surgiram alguns posicionamentos contrários ou favoráveis a essa modalidade de relacionamento, sob a perspectiva da afetividade, o que fez com que a possibilidade de reconhecimento da união poliafetiva suscitasse intensos debates doutrinários e jurisdicionais.

Segundo a tabeliã que fez o registro em Tupã (SP), Cláudia Nascimento Rodrigues2, a declaração é uma forma de garantir os direitos de família entre eles, pois há uma união estável, onde são estabelecidas as regras da estrutura familiar. Explicitou que, “como não são casados, mas vivem juntos, existe uma união estável, em que são estabelecidas regras para estrutura familiar”. Complementou, dizendo que essa escritura não passa de um contrato entre três pessoas. Em síntese, o que pretendeu a cartorária foi garantir igualdade ao “trisal”, já que a lei é omissa quanto ao assunto “... eu não poderia me recusar a lavrar a declaração. O tabelião tem a função pública de dar garantia jurídica ao conhecimento de fato”. Ela se questiona sobre questões externas à relação,

1 Informação disponível em: http://g1.globo.com/sp/bauru-marilia/noticia/2012/08/uniao-estavel-entre-tres- pessoas-e-oficializada-em-cartorio-de-tupa-sp.html. Acesso em: 15 mar. 2019 2 Informação disponível em: http://g1.globo.com/sp/bauru-marilia/noticia/2012/08/uniao-estavel-entre-tres- pessoas-e-oficializada-em-cartorio-de-tupa-sp.html. Acesso em: 15 mar. 2019 47

pois não há legislação que trate do assunto. Tal aceitação envolve a maturação do Direito (IBDFAM, 2012). O jurista que orientou o trio na elaboração do documento, Natanael dos Santos Batista Júnior, afirma que o documento assegura a eles os mesmos direitos de uma família e, dentro do previsto no código civil, é estabelecida a forma de divisão do patrimônio no caso de um dos parceiros falecer ou no caso de separação, além de buscar o respeito e aceitação social dessa estrutura familiar3.

Demonstra-se a Escritura Pública Declaratória de União Poliafetiva:

Os declarantes, diante da lacuna legal no reconhecimento desse modelo de união afetiva múltipla e simultânea, intentam estabelecer as regras para garantia de seus direitos e deveres, pretendendo vê-las reconhecidas e respeitadas social, econômica e juridicamente, em caso de questionamentos ou litígios surgidos entre si ou com terceiros, tendo por base os princípios constitucionais da liberdade, dignidade e igualdade (IBDFAM, 2012, p.1).

Além desse caso em Tupã (SP), a partir de 2012 foram lavradas escrituras públicas de uniões poliafetivas nos cartórios dos municípios de São Vicente (SP), Rio de Janeiro (RJ) e Pará. Tais fatos jurídicos levaram a Associação de Direito de Família e das Sucessões (ADFAS) a instaurar o Pedido de Providências nº 0001459-08.2016.2.00.0000, perante o Conselho Nacional de Justiça, visando a proibição de lavratura de escrituras públicas de uniões poliafetivas pelas serventias extrajudiciais do Brasil. Este Pedido foi julgado procedente em 26 de maio de 2018 (PAMPLONA FL., VIEGAS, 2019).

Pelos veículos de informação, sabe-se que houve o registro de união poliafetiva também em São Vicente (SP) e no Pará. No entanto, não há mais informações sobre os casos, apenas que foram registradas escrituras e, posteriormente, tornada inválidas, assim como a de Tupã (SP).

Em um outro caso, no Rio de Janeiro, um trio (Leandro, Thais e Yasmin) conseguiu registrar sua união poliafetiva. Em entrevista ao g14, Leandro comentou que encontram muitas dificuldades burocráticas como, por exemplo, para a inclusão das duas mulheres no plano de

3 Informação disponível em: https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/dois-anos-apos-conseguir-o- registro-da-uniao-poliafetiva-trio-do-rio-ainda-enfrenta-problemas-burocraticos.ghtml. Acesso em: 10 abr. 2019. 4 Informação disponível em: https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/dois-anos-apos-conseguir-o- registro-da-uniao-poliafetiva-trio-do-rio-ainda-enfrenta-problemas-burocraticos.ghtml Acesso em: 10 abr. 2019. 48

saúde do companheiro e para registrar a filha, de quatro meses, com duas mães. A menina Isabela foi registrada com o nome da mãe biológica (Yasmin) mas o casal não desistiu de incluir o nome da segunda mãe (Thais) (g1, 2018):

Em relação à documentação, conseguimos a inclusão da Yasmin no plano de saúde. Mas eu não consegui a inclusão da Thais. Mas nós vamos procurar os meios legais para isso e tentar adicionar ela. Nós fizemos o pedido administrativo para inclusão das duas. Foi negado. Eu pedi a inclusão de uma e o documento foi aceito normalmente. Se o documento foi aceito para uma, por que não para as duas? Não tem coerência” “[...] O que a gente mais preza é o amor e sentimento. Então as duas são mães para nós (g1)5.

A Escritura Pública é o instrumento jurídico de declaração de vontades celebrado entre uma ou mais pessoas perante um Cartório de Tabelionato de Notas, que tem a responsabilidade legal e formal para a sua lavratura. A escritura trata dos direitos e deveres dos conviventes, das relações patrimoniais, bem como dispõe sobre a dissolução da união e sobre os efeitos jurídicos da união. A escritura estabelece um regime patrimonial de comunhão parcial, análogo ao regime da comunhão parcial de bens estabelecido nos artigos 1.658 a 1.666 (regime de comunhão parcial) do Código Civil Brasileiro. Sendo assim, dentre os direitos e deveres dos conviventes está a assistência material e emocional eventualmente para o bem-estar individual e comum, e o dever da lealdade e manutenção da harmonia na convivência entre os três (IBDFAM, 2012). A escritura irá, assim, estabelecer um regime acordado por todos os envolvidos, da comunhão que lhes aprouver, total ou parcial.

Posteriormente a esses fatos, no dia 27 de julho de 2018, o Plenário do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) decidiu, com13 membros votantes, por 12 contra 1, que os cartórios brasileiros não podem registrar uniões poliafetivas formadas por três ou mais pessoas, em escrituras públicas (CNJ, 2018). Uma grande parte dos conselheiros considera o documento empecilho ao reconhecimento de direitos a casais ligados por casamento ou união estável, herança ou previdenciários, por exemplo. Os ministros entenderam que o reconhecimento dessas uniões contradiz a normatização das relações familiares prevista na Constituição Federal e no Código Civil e os cartórios devem estar em conformidade com o sistema jurídico. O CNJ determina que as corregedorias gerais de Justiça proíbam os cartórios de seus respectivos estados de lavrar escrituras públicas para registrar uniões poliafetivas. Segundo informação no noticiário do CNJ (2018), a decisão tornou juridicamente inválida a oficialização da união realizada em Tupã (SP), em 2012.

5 Informação disponível em: https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/dois-anos-apos-conseguir-o- registro-da-uniao-poliafetiva-trio-do-rio-ainda-enfrenta-problemas-burocraticos.ghtml. Acesso em: 10 abr. 2019. 49

Segundo o ministro relator do processo, João Otavio de Noronha, documentos como a escritura de união poliafetiva não têm respaldo na legislação nem na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal:

Eu não discuto se é possível uma união poliafetiva ou não. O corregedor normatiza os atos dos cartórios. Os atos cartorários devem estar em consonância com o sistema jurídico, está dito na lei. As escrituras públicas servem para representar as manifestações de vontade consideradas lícitas. Um cartório não pode lavrar em escritura um ato ilícito como um assassinato, por exemplo (CNJ, 2018, p.1).

A presidente do CNJ e do STF àquela época, ministra Cármen Lúcia, fez uma ressalva para delimitar o objeto da discussão:

Não é atribuição do CNJ tratar da relação entre as pessoas, mas do dever e do poder dos cartórios de lavrar escrituras. Não temos nada com a vida de ninguém. A liberdade de conviver não está sob a competência do CNJ. Todos somos livres, de acordo com a constituição (CNJ, 2018, p.1).

Os exemplos mencionados mostram que independentemente de haver registro, a união estável poliafetiva é uma realidade em nossa sociedade, ainda que não exista divulgação de números oficiais para isto. Nesse sentido, a lavratura de escritura pública se presta apenas para publicizar um núcleo familiar já existente, para garantir direitos e segurança jurídica à conjugalidade múltipla (PAMPLONA FL., VIEGAS, 2019)

A decisão do órgão administrativo reconhece a monogamia como única forma apta a gerar uma entidade familiar no Brasil, bem como admite que “a união poliafetiva viola o direito em vigência no país”, em face da vedação de possibilidade de mais de um vínculo matrimonial simultâneo. No entanto, essa interpretação pode estar equivocada, pois trata-se, no caso da união poliafetivas, de um único vínculo jurídico familiar que une mais de duas pessoas, inexistindo, desse modo, bigamia ou poligamia, as quais pressupõem mais de um vínculo simultâneo (PAMPLONA FL., VIEGAS, 2019).

Pode-se dizer que, ao proibir a lavratura da escritura pública declaratória de união poliafetiva, o Conselho Nacional de Justiça realizou julgamento de mérito de caráter jurisdicional, função que extrapola a sua competência constitucional. O CNJ pressupôs que a monogamia é a única estrutura da família brasileira, concluindo pela supressão de outras formas de constituição de família. Essa interpretação, no entanto, pode ser questionada, uma vez que a 50

monogamia não é um princípio jurídico. A união estável, por sua vez, é um fato jurídico, instituto constituído e alterado pelo contexto da sociedade na qual está inserido e ocorre independentemente da lavratura de escritura pública, não estando o CNJ apto a restringir o conceito de família no Brasil.

Segundo Pamplona Fl. e Viegas (2019), o poliamor é um relacionamento não monogâmico, aberto ou fechado, em que três ou mais pessoas convivem amorosamente, de forma simultânea, com o conhecimento e consentimento de todos os envolvidos, tomando por base a lealdade, a honestidade, o amor e a ética (a boa-fé-objetiva). A poliafetividade, sendo assim, decorre do poliamor qualificado pelo intuito de constituir uma família, ou seja, um núcleo familiar formado por três ou mais pessoas, que manifestam vontade de criar sua própria família, partilhando sonhos e conquistas, fundados da afetividade, boa-fé e solidariedade (PAMPLONA FL., VIEGAS, 2019).

Cardin e Morais (2018), por sua vez, exemplificam que, no poliamor, há o relacionamento aberto (as pessoas entram e saem adeptos livremente, não se importam com as relações extraconjugais) e o fechado (os envolvidos moram juntos, formando uma única entidade familiar, são fiéis aos parceiros daquela relação entre si, sejam eles três ou mais, limitando-se as relações sexuais aos entes do relacionamento) e assim, há companheirismo, confiança, transparência, colaboração, afetividade, de maneira que possam estar em harmonia no relacionamento.

Por outro lado, Pilão e Goldenberg (2012) citam três modelos de relações poliamoristas:

O‘casamento em grupo’ ou ‘relação em grupo’, quando todos os membros têm relações amorosas entre si. A ‘rede de relacionamentos interconectados’, quando cada um tem relacionamentos poliamoristas distintos dos parceiros – ou seja - os namorados de uma pessoa não o são entre si. Há, ainda, as ‘relações mono/poli’, quando um dos parceiros é poliamorista e o outro é monogâmico. O poliamorista mantém relacionamentos paralelos enquanto o monogâmico, por opção, tem só um parceiro. Os três modelos acima citados se dividem em “aberto” e “fechado”. No primeiro caso, está colocada a possibilidade de novos amores e, no segundo, é praticada a polifidelidade, restringindo as experiências amorosas (PILÃO, GOLDENBERG, 2012, p. 64).

Para os autores, classificam-se como poliamoristas: “o casamento em grupo”, no qual todos os membros se relacionam entre si, “a rede de relacionamentos interconectados”, na qual cada um dos componentes relaciona-se com parceiros poliamoristas diferentes e, por fim, “as relações mono/poli”, quando um dos parceiros é poli e o outro monogâmico. 51

A partir dessas diferentes posições acerca do poliamor, o site vidapoliamor (2017) aborda as relações abertas e fechadas, justificando que uma relação pode ser fechada com duas pessoas, mas também pode ser fechada com três, quatro, seis pessoas etc. No caso de uma relação fechada com três ou mais pessoas, existe o acordo entre elas, que chamamos de polifidelidade. Poliamor pode ser aberto. Poliamor pode ser fechado. Relação aberta pode ser poliamor. Relação aberta pode não ser poliamor (VIDAPOLIAMOR, 2017). O quadro 1 pode ajudar a compreender estes conceitos.

Seguindo essa linha de raciocínio, se um dos parceiros não sabe ou não aceita outra relação fora daquele relacionamento poliamoroso, sobrevirá uma traição, por violação à lealdade ali constituída. Afinal, o poliamor pressupõe consentimento de todos os envolvidos, transparência, colaboração, solidariedade, respeito, fidelidade, ética, honestidade, confiança. Jamais um parceiro pode prejudicar o outro, por ciúme, por exemplo (PAMPLONA FL., VIEGAS, 2019).

Figura1: Relações abertas e relações fechadas. Fonte: Vida Poliamor 2017.

Com efeito, Pamplona Fl. e Viegas (2019, p. 45) sugerem que o ciúme também é um sentimento que tem impacto nas relações não monogâmicas. No poliamor, o ciúme deve ser algo a ser dominado, por isso, cultivam um princípio denominado compersion, ou seja, devem levar em consideração a alegria que a pessoa sente ao se deparar com o seu parceiro feliz com outra pessoa. Desse modo, compersão seria a aceitação da liberdade do parceiro, ou seja, sentir- 52

se feliz quando o parceiro é amado por mais alguém. A não possessividade é entendida como ausência de ciúmes dos parceiros entre si. Pilão (201) entende que:

A quebra de barreiras na comunicação poliamorista implica uma transformação na forma de lidar com a liberdade do amado, ao invés de ‘ciúme’ e ‘controle’ são valorizados a ‘flexibilidade’ e a ‘compersão’. O termo ‘compersão’ é uma tradução do neologismo em inglês ‘compersion’ e é considerado um ‘novo’ sentimento, oposto ao ciúme e fruto de um movimento de superação do sentimento de posse, a partir da aceitação da liberdade de amar do(s) parceiro(s) (PILÃO, 2012, p. 07 apud PAMPLONA FL., VIEGAS, 2019).

Klesse (2011) justifica que o poliamor coloca em discussão o modo ético de se relacionar consigo e com o outro. Dado que as pessoas traem, os poliamoristas fazem o seguinte questionamento: se ambos querem se relacionar com outras pessoas, por que não? Mas, porque, ao invés de mentir ou esconder seus instintos naturais, não assumir e ser honesto com o outro? É por isso que o poliamor questiona a ética das relações monogâmicas e também a ética de modalidades de relacionamento aberto (KLESSE, 2011 apud CAMPOS, 2017).

União poliafetiva e famílias paralelas precisam ser diferenciadas. As famílias paralelas são aquelas formadas por diferentes núcleos familiares, que tem pelo menos um integrante comum mantendo comunhão plena de vida e interesses com estes diferentes núcleos, e nem sempre os envolvidos sabem que há outro relacionamento além do seu. Já a união poliafetiva é aquela formada por três ou mais pessoas que mantém uma comunhão plena de vida e interesses entre si, prevalecendo a honestidade, pois se aceitam (VECCHIATTI, 2017).

É importante salientar que há, ainda, mesmo por parte do Poder Judiciário e do CNJ, um desconhecimento e um certo assombro diante da temática. Segundo os autores, no conceito da expressão poliamor encontra-se uma palavra híbrida, com combinações do grego poli, que significa vários ou muitos, e amor, que vem do latim, e essa filosofia amorista nada mais é do que a aceitação direta e a celebração da realidade da natureza humana (SÁ, MESQUITA, 2019). Para os autores, ainda, essa filosofia da poliafetividade tem como essência o fato de que todos os indivíduos envolvidos na relação estão cientes e se sentem à vontade com a situação. Assim, fundamenta-se na admissão da diversidade de sentimentos que se desenvolvem em relação a muitas pessoas, e não restringem a mera relação casual, tendo como pressuposto a honestidade e o consentimento. Ambos, honestidade e consentimento são fundamentos caracterizadores da relação poliafetiva, configurando um relacionamento com regras específicas definidas pelos 53

seus participantes, sendo ordenado e guiado na confiança que não se foca apenas em relações sexuais, mas no aspecto psicoemocional das relações humanas (SÁ, MESQUITA, 2019).

Neste sentido, Sá e Mesquita (2019) afirmam que a relação poliafetiva difere não só da monogamia, mas também do relacionamento aberto e da poligamia. Todas estas formas de relacionamento seriam menos livres, pois a existência de um relacionamento seria impedimento para outros; e seriam, portanto, menos igualitárias, na medida em que a monogamia, geralmente, privilegiaria o desejo masculino, e a poligamia seria constituída por uma assimetria de gênero. Portanto, as bases da união poliafetiva, prosseguem os autores (2019, p. 03), estaria pautada nos “valores de liberdade, igualdade, honestidade, respeito e amor”. É necessário destacar que essas não podem ser confundidas com uniões paralelas, nas quais se formam dois ou mais núcleos familiares distintos, enquanto nas uniões poliafetivas forma-se um único núcleo familiar conjugal, com mais de duas pessoas. Então, as uniões poliafetivas se pautam na confiança de todos os envolvidos, do que se depreende o seu consentimento (SÁ, MESQUITA, 2019).

Dentro deste enfoque, ao contrário de ferir a legislação pátria, a possibilidade do reconhecimento legal das escolhas pessoais e das formas de vida de cada cidadão seria nada mais do que a concretização dos princípios constitucionais da liberdade, da igualdade e da dignidade humana. O afeto, juntamente com o respeito, a vontade de construir um caminho em conjunto com a, ou as pessoas que ama e o tratamento igualitário seriam, portanto, os elos que comporiam uma família a qual não se pode deixar de prover o reconhecimento jurídico.

3.2 Posições divergentes e a busca por um caminho

O tema tem gerado grandes controvérsias na mídia e no sistema jurídico, pois as pessoas que já tiveram suas uniões poliafetivas registradas entendem que a decisão do CNJ nega direitos que já estavam assegurados. Elas argumentam que, por ser um tema que envolve terceiros, direito de família, sucessório, previdenciário, o assunto precisa ser regulamentado. Por ser um tema delicado demais para ser decidido sem o envolvimento da sociedade, a Corregedoria Geral de Justiça propôs, à época, realizar audiências públicas para ouvir o que a sociedade tem a falar sobre a união poliafetiva.

Rosa e Oliveira (2017) consideram que, como a união não foi declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, essas relações devem receber toda proteção jurídica. É por isso que os 54

tabeliães realizaram essas escrituras de uniões poliafetivas e muitos doutrinadores como Maria Berenice Dias (2007) e Rodrigo da Cunha Pereira (2012) defendem esse posicionamento (ROSA, OLIVEIRA, 2017). Muitos são os argumentos a favor e contra a união poliafetiva e à sua legalização. Algumas das vozes mais frequentes chamam atenção para os direitos de cada um constituir a própria entidade familiar fundada no afeto. Outras, relacionam a união poliafetiva com poligamia.

Alguns autores têm opiniões contrárias a essa modalidade de relacionamento, como, por exemplo, Silva (2018, p.1): “A expressão poliafeto é um engodo, um estelionato jurídico, na medida em que, por meio de sua utilização, procura-se validar relacionamentos com formação poligâmica”. Ainda segundo Silva (2018), "É um absurdo. Isso não vai para frente, nem que sejam celebradas milhares dessas escrituras. É algo totalmente inaceitável, que vai contra a moral e os costumes brasileiros". Também, argumenta que, apesar de outros países aceitarem a poligamia, no Brasil o comportamento é diferente. No país, isso seria um crime de bigamia (realização de novo casamento, sem que se tenha dissolvido o anterior), previsto no art. 235 do Código Penal, sendo também estímulo para acabar com a família, já que infringe a dignidade das três pessoas (SILVA, 2018). Puff (2012) interpreta essa opinião, afirmando que as cláusulas constantes no documento, que versam de temas que vão de comunhão de bens, separação, direitos, responsabilidades e até mesmo filhos em comum, tendem a ser rejeitadas por empresas, prestadoras como planos de saúde e seguradoras, além dos tribunais.

Segundo a posição destes autores, contrários à legalização da poliafetividade, o STF autorizou, na ADPF 132 e na ADI 4.277 das uniões homossexuais, a formação de família entre pessoas do mesmo sexo, desde que o façam em monogamia (SILVA, 2018). A partir dessa decisão, o Conselho Nacional de Justiça permitiu a lavratura de escrituras de uniões estáveis aos pares do mesmo sexo.

Também veremos posicionamentos favoráveis ao reconhecimento das uniões poliafetivas. Um deles, de Dias (2012, p. 1), afirma que “O princípio da monogamia não está na constituição, é um viés cultural. O código civil proíbe apenas o casamento entre pessoas casadas, o que não é o caso. Essas pessoas trabalham, contribuem e, por isso, devem ter seus direitos garantidos. A justiça não pode chancelar a injustiça.”

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Segundo Carneiro e Magalhães (2013), a bigamia é bastante frequente, mas se fecham os olhos para essa realidade, já que ninguém aplica essa figura penal nos dias de hoje. Ainda na mesma linha de raciocínio, expõe Chater: “A monogamia chegou aos dias de hoje como uma forma disfarçada de poligamia, tendo em vista que as relações simultâneas ao casamento ou a união estável foram toleradas pela sociedade, ainda mais se praticadas por homens” (CHATER, 2012). A sociedade é revestida por um falso moralismo. Aqueles que impõem certos comportamentos, como a monogamia, não a praticam. Não se aceita a união poliafetiva por considerá-la indigna e imoral, mas ao mesmo tempo se escondem relacionamentos extraconjugais (CARNEIRO, MAGALHÃES, 2013). Como vemos, a monogamia não nasceu do amor. Ela surgiu como uma forma de submissão ao outro, estimulando-se um conflito entre os sexos.

Segundo França (2017) a poligamia exige o casamento, mas muitas vezes o sentimento não é nutrido por todos. No poliamorismo, que surge para pregar o amor acima de qualquer padrão e costume, o requisito é apenas o afeto, sem necessariamente existir o casamento (FRANÇA, 2017).

Ferreira (2017), por sua vez, afirma que a definição de poliamor é complexa, tendo vários conceitos, sendo um deles o relacionamento simultâneo com outros, sem ocorrer a traição. O amor dos “poliamoristas” é mais parecido ao que amigos compartilham, sem posse. A busca pela individualidade é um impulso para esse tipo de relacionamento. O ciúme, o medo da perda, em tese não existiria, já que uma pessoa não é "trocada" pela outra (FERREIRA, 2017 apud SHEFFER, 2018).

Neste mesmo sentido é que Dias (2012) argumenta que é preciso reconhecer os diversos tipos de relacionamentos que fazem parte da nossa sociedade atual: “Temos que respeitar a natureza privada dos relacionamentos e aprender a viver nessa sociedade plural reconhecendo os diferentes desejos”. Para a autora, não há impedimento em garantir direitos a uma união duradoura só porque envolve a união de três pessoas.

Esse tipo de união, decorrente do poliamorismo, é fruto de amadurecimento reflexivo, baseada em laços de afeto ou boa convivência, à qual resta ao Direito garantir igualdade com outras escolhas, ainda que aos olhos mais preconceituosos da sociedade:

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É hora de romper com a sombra denegatória de direitos, que um dia encobriu os filhos ilegítimos, a mulher não casada, a união homoafetiva e, que hoje, paira sobre as famílias poliafetivas. O direito de família há de se superar barreiras de exclusão (POLI, HAZAN, 2016, p. 271).

A união poliafetiva trata da liberdade individual de pessoas desimpedidas, sem vínculo anterior matrimonial ou de fato, e que buscam o reconhecimento de sua união. O Estado, enquanto ente que tem o dever de efetivar os direitos e garantias individuais, deve torná-los possíveis, pois essa proteção tem como destinatários os cidadãos, que são unicamente os merecedores dessa tutela, que vem assegurar a sua dignidade e igualdade, e não a sociedade moralista que tem o único intuito de privá-los desses direitos (CARNEIRO, MAGALHÃES, 2013).

O princípio da afetividade é o mais importante para o direito de família, após sua constitucionalização. Segundo ele, é necessário identificar o afeto entre as partes para distinguir um relacionamento despretensioso de um relacionamento familiar. Esse princípio, juntamente com o da Dignidade da Pessoa Humana, é o responsável pelo reconhecimento e “surgimento” de novas entidades familiares. Para Lôbo (2002), a afetividade é o fundamento e a finalidade da família. Nessa família socioafetiva, cada membro passa a ser valorizado individualmente, em detrimento da valorização da entidade em si (VIGO, 2017).

Nesse sentido, debate acerca do tema engloba dogmas culturais e sociais acerca da afetividade e da sexualidade, temas de grande debate, que tendem a repercutir no campo do direito. Há na literatura doutrinária e jurisprudencial, uma discussão de grande repercussão envolvendo poliamorismo. Segundo Noronha (2017), várias são as possíveis explicações para o incômodo que a sexualidade alheia provoca em alguns indivíduos, nenhuma delas positiva. As motivações citadas por especialistas na área costumam ser:

Desejo de controlar os próprios pensamentos: muitas pessoas confundem o pensar, o desejar e o querer com o fazer. Como consequência, passam a atacar amigos, celebridades, exposições de arte, campanhas publicitárias, tudo que imaginam que outra pessoa possa estar pensando, também.

Medo dos próprios sentimentos: são muitas as pessoas que, para aplacarem fantasias íntimas, intensificam a visão no outro daquilo que se negam a enxergar em si mesmas. Também, o discurso de ódio é uma forma de manter o controle do próprio desejo. 57

Inveja: muitos se importam com a sexualidade alheia por não conseguirem ou temerem olhar a própria, alimentam inveja daqueles que conseguem viver sua sexualidade e serem felizes como são.

Educação repressora e/ou crenças religiosa: a sexualidade ocupou por muito tempo a esfera do "não dito", seja em função de uma educação repressora ou por crenças religiosas. Por isso, há fantasia sobre o que está escondido. Ou seja, por maiores e mais efetivos que tenham sido os avanços em se tratando de sexo, nem todo mundo pôde ou quis acompanhá-los. Há resistência, ao mesmo tempo em que há muita luta entre pontos de vistas e estilos de vida diferentes.

Dificuldade de empatia: o que se aponta no outro é o que está mal resolvido em si mesmo. Para Freud, muitas das pessoas que assumem o papel de defensoras da moralidade e dos bons costumes querem camuflar quem são de verdade (NORONHA, 2017).

Sem dúvida, o lento debate acerca da poliafetividade e a resistência do mundo jurídico em reconhecer, por meio de seus instrumentos formais, lentos e heteronormativos tais relações demonstra o quanto o direito pode tornar-se um instrumento de manutenção do status quo. A união de três ou mais pessoas, na qual todos conhecem essa condição e se aceitam; é um fato, não se trata de algo fictício, ela realmente existe. Não há traição, as pessoas se relacionam e não escondem que amam outras. A falta de legislação sobre o tema e o preconceito é uma barreira para se reconhecer a relação poliafetiva, mesmo não violando a Constituição Federal e o Código Civil. É por isso que os envolvidos esperam do Judiciário um posicionamento que os proteja, dando-lhes segurança jurídica. Muitas discussões virão, com muitas dúvidas, mas trata-se aqui da liberdade dos indivíduos para viver como escolheram, com o mesmo respeito que qualquer outro casal, já que possuem elementos essenciais para uma união de fato: estabilidade, animus de constituir família, afetividade, publicidade e afetividade. E a melhor forma de garantir a proteção das partes com boa- fé e segurança jurídica é regularizando a relação através de escritura pública ou contrato de convivência. O relacionamento poliamoroso é algo verdadeiro e nada pode impedir o envolvimento das pessoas, desde que estejam confortáveis com a situação.

Se três ou mais pessoas desejam estabelecer entre si união conjugal (comunhão plena de vida e interesses) de forma duradora e pública, o Estado não pode discriminar modelos de entidades familiares, garantindo mais direitos a um e menos a outro. Segundo Vecchiatti (2016), se o Estado 58

não proteger a união poliafetiva como família, ele a está menosprezando e dizendo que ela não é merecedora da proteção que o Estado dá às uniões monoafetivas. Por esse argumento, se torna inconstitucional o não reconhecimento da união poliafetiva.

As uniões poliafetivas são constitucionalmente protegidas, haja vista que a pessoa tem o direito e a garantia de expressar sua sexualidade e afetividade, se com livre consentimento dos demais partícipes. Os componentes da união precisam ser capazes e maiores. É por isso que o CNJ precisa garantir o direito dessas pessoas que estão envolvidas nessas relações, até porque as relações humanas não são baseadas unicamente na hierarquia de um sistema tradicional e biologicista (ROSA, OLIVEIRA, 2017).

A poliafetividade é um conceito de amor e todos que estão na relação participam de forma consciente. Não convém ao Estado limitar o amor entre os indivíduos. Na realidade, cabe ao Estado, proteger e promover os direitos que esse núcleo familiar deseja, reconhecendo as vontades íntimas dos particulares, já que as leis são retrógadas e preconceituosas.

Segundo Cardin e Moraes (2018), poliamor significa a possibilidade de amar, sentir atração sexual e relacionar-se com mais de uma pessoa ao mesmo tempo. Mas não pode ser confundido com promiscuidade, pois não se fala em procurar diversas relações sexuais, e sim manter a honestidade sendo que todas as pessoas sabem e estão bem com o relacionamento. É uma forma não tradicional de se relacionar, pois rompe com a forma do amor exclusivo e abre espaço para formas variadas de relacionamento (CARDIN, MORAIS, 2018).

Aposta-se nas novas gerações para dialogar com gerações mais antigas. O diálogo é um importante instrumento para a aprendizagem e atualização sobre assuntos mais recentes e polêmicos. Ao passo que vamos tomando conhecimento sobre a diversidade de comportamentos humanos, também caminhamos para a aceitação e o respeito às opções de vida de outras pessoas. Temas como homossexualidade, poliamor, famílias poliparentais, entre outros, são ainda muito novos e cabe aos mais jovens compreensão e respeito pelas reações suscitadas nos mais velhos, que tiveram outra forma de educação e cresceram num mundo em que esses conceitos eram inaceitáveis; ao mesmo tempo, estes, das gerações mais antigas, precisam estar abertos ao diálogo, para que venham a compreender os sentimentos e as motivações daqueles que optam por formas alternativas de afetividade e relacionamento.

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CONCLUSÃO

Este trabalho discutiu um dos temas de discussão mais recentes no âmbito do direito de família, que é a união poliafetiva, uma realidade em nossa sociedade. Nesse contexto, a temática possui relevância no debate sobre o preconceito e na análise das formas de relacionamento afetivo na sociedade, com intuito de enriquecer a reflexão sobre a matéria.

Na primeira parte, o trabalho identificou as diversas mudanças ocorridas em relação à organização das famílias, começando pela troca do formato patriarcal pela emancipação feminina, a mulher conquistando direitos iguais aos dos homens e entrando no mercado de trabalho. Mostrou a proibição da poligamia em nosso país, mas identificou a monogamia como uma farsa, por não ser respeitada dentro do casamento.

Na segunda parte, verificou que a sociedade está ficando mais tolerante para com as relações entre pessoas do mesmo sexo. O embate sobre a união homoafetiva perdurou de forma controversa durante anos na doutrina e na jurisprudência, até que os ministros do Supremo Tribunal Federal julgaram a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4277 e a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 132, que reconheceu a união estável para casais do mesmo sexo. A anuência da união estável e o reconhecimento da união homoafetiva foi um salto para romper a exclusão dessa modalidade de relacionamento. Mais recentemente, foi decidido pela criminalização da homofobia, equiparando-a ao crime de racismo, também mais um avanço na jurisprudência brasileira.

Na parte final, por sua vez, o trabalho apresentou o conceito de poliamor e sua evolução histórica na sociedade, sua receptividade no ordenamento jurídico brasileiro, a diversidade de opiniões de autores no ramo de Direito de Família. A repercussão sobre o assunto após a proibição pelo CNJ fez crescer o debate tornando-o ainda mais polêmico.

Conclui-se que ter ou não um relacionamento poliamoroso é uma questão muito pessoal, que deve ser decidida entre os partícipes da relação, e não cabe a outros julgarem. Nenhum tipo de relação interpessoal é pior ou melhor que outro. Relacionamentos diferentes atendem a pessoas com necessidades diferentes. O poliamorismo é mais uma dentre tantas formas humanas de se relacionar, nem mais, nem menos valorosa ou adequada que as demais. Deve, 61

portanto, ser respeitada assim como as outras. Ademais, não pode ser confundida com a poligamia (muitas vezes não há sentimentos entre todos), que não é aceita constitucionalmente no Brasil. O poliamor prega o sentimento entre as partes e não tem como requisito necessariamente o casamento. A família sobrevive quando tem felicidade e o que a une são os projetos de vida comuns.

Mais importante que analisar os posicionamentos sobre o tema, sejam favoráveis ou não, é reconhecer a necessidade de haver uma tutela que ofereça igualdade entre os entes formadores de qualquer tipo de família, pois é objetivo principal do Direito a proteção do ser humano. Por atos do Judiciário, as famílias homoafetivas ganharam respeitabilidade social e visibilidade jurídica, passando a ser aceitas como entidade familiar. Com o debate sobre poliamorismo, observa-se a busca pela mesma visibilidade jurídica que ganharam as uniões estáveis e homoafetivas. Buscam, também, o reconhecimento do dever de uma proteção por parte do Estado destas novas relações, tendo como preocupação maior o afeto. A equiparação da união homoafetiva à união estável entre pessoas de gêneros diferentes foi um importante marco jurídico na luta pela visibilidade, pois a exclusão perpretada pela Justiça justificaria o preconceito, que leva à exclusão e discriminação. O papel da afetividade tem crescido no Direito de Família e deve ser sempre considerado na análise de qualquer vínculo nas relações familiares. A análise jurídica não pode ser contra este imponente aspecto das relações.

A escritura é válida, devendo os efeitos jurídicos de tal ato ser interpretados pelo Judiciário e não pelo CNJ, órgão colegiado administrativo, que não tem competência para estabelecer o mérito excludente em relação ao modo de uma família. Sendo assim, opino pela visão pluralista no posicionamento nos Tribunais de Justiça. Alguns dos principais princípios que norteiam o direito de família são o da dignidade da pessoa humana, da liberdade, da igualdade e respeito à diferença, da solidariedade familiar, do pluralismo das entidades familiares, da proteção integral a crianças, adolescentes, jovens e idosos, de proibição ao retrocesso social, da afetividade. A equiparação da união poliafetiva com os demais tipos de estruturas familiares legalmente aceitas no Brasil viria ao encontro desses princípios.

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