RBS: A NETWORK DE BOMBACHA OU A TEORIA DO BOLO FATIADO Paulo Scarduelli1

“Segmentar o sinal torna a TV mais acessível ao anunciante. Às vezes, o negócio é tão viável que até salão de cabeleireiro pode anunciar.” (Ricardo Orsi, assessor da Globo - 9 de maio de 1996)

Foi na economia e, particularmente, no mercado publicitário do interior do e de que a implantação do modelo de TV da Rede Brasil Sul de Comunicações (RBS) provocou os maiores efeitos. Antes da implantação da rede e da segmentação do sinal da Globo em diversas emissoras e regiões, a televisão era um veículo atraente apenas aos grandes anunciantes, já que a única alternativa era a veiculação estadual. A partir da rede, em 1978, ficou possível fazer a exibição regional e mais barata. Para as empresas de pequeno e médio portes, isso abriu um canal de acesso à TV. A divisão do sinal fez com que a RBS se aproximasse de sua própria região. Isso permitiu melhor atendimento do mercado de pequenos anunciantes, que numa emissora menor tornam-se grandes clientes. Numa estação maior, eles não têm poder de compra. A tabela de preços vai além de seu orçamento. Com a segmentação, surgem novos negócios, como por exemplo, um supermercado do sul de Santa Catarina. A gerente comercial da RBS TV Florianópolis, Elizabeth Silva, explica este caso.2 “Um supermercado que só tem lojas em Criciúma, Araranguá e Içara, como o Giassi, desperdiçava muito dinheiro se quisesse anunciar em Florianópolis. O custo era desproporcional. A partir do momento em que entrou a emissora em Criciúma, ele passou a ser nosso anunciante fixo.” Aproveitando o exemplo do supermercado Giassi, dá para entender porque, para a RBS, o bolo fatiado é sempre maior que o bolo inteiro. Para resolver esse mistério, não basta simplesmente dividir o bolo em pedaços, pois o resultado final será sempre o mesmo. O segredo reside no aproveitamento de cada fatia, cujo preço varia de acordo com o seu tamanho. Quanto menor, mais barato e mais fácil de ser comercializado. Isso permite

1 - Professor do curso de Comunicação Social da Universidade do Sul de Santa Catarina (Unisul) e jornalista da Agência de Comunicação da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). 2 - Em entrevista concedida ao pesquisador, em Florianópolis, no dia 17 de junho de 1996. ampliar a oportunidade de negócios e o leque de clientes, que seria reduzido se houvesse apenas a mídia estadual - e mínimo se fosse somente nacional.3 Quando o anunciante precisa atingir diferentes partes de um Estado, a presença da televisão regionalizada também é importante. O exemplo que podemos tomar é o da Lojas Nicola, sediada em Santiago, uma cidade com pouco mais de 50 mil habitantes, na fronteira oeste do Rio Grande do Sul.4 Suas lojas estão espalhadas por diversas regiões do Estado, em municípios cobertos pelas emissoras de Santa Maria, Cruz Alta, Santa Rosa, Bagé e . Seu mercado consumidor não atinge todo o Rio Grande, mas parte dele. A Lojas Nicola, então, não precisa fazer a compra de um intervalo estadual, mas apenas daqueles cinco pontos que lhe interessam. Samir Salimen, diretor da Símbolo Propaganda, a agência mais antiga em atividade de e uma das maiores do Rio Grande, questiona a operação estadual.5 “Sempre é mais negócio trabalhar regionalmente. Em vez de comprar um bloco estadual, é melhor comprar pontos do Estado. É mais fácil trabalhar em alguns pontos. Assim, você otimiza o dinheiro do cliente.” Entre as contas da Símbolo, só o Banrisul faz a mídia estadual. Mesmo a Tumelero, que tem 36 lojas no Estado, anuncia na RBS TV Porto Alegre e em mais oito emissoras do interior. Como se vê, a veiculação estadual ou regional pode variar de acordo com as necessidades de cobertura de cada cliente e de sua penetração no mercado. Mas também a sazonalidade do produto e sua participação de vendas em cada praça podem decidir pela opção de uma ou outra mídia. A regionalização permite alternativas táticas diferenciadas, como a permanência por maior tempo e com maior impacto em mercados prioritários. Em todas essas fórmulas, sobressai-se a grande vantagem da regionalização da TV: o

3 - Segundo o diretor da Central Globo de Afiliadas, Francisco Goes, quanto mais o bolo for fatiado, maior é a participação da Globo, pois aumenta o universo de anunciantes. “Se você disser ‘só vendo nacional’, vai ter apenas 20 clientes.” As informações de Francisco Goes foram obtidas através de entrevista feita no dia 9 de maio de 1996, em São Paulo. 4 - A Lojas Nicola, que surgiu em 1964 como vendedora de móveis e eletrodomésticos e hoje atua em seis segmentos de mercado diferentes, optou em abrir filiais em cidades que se encontrassem dentro da área de cobertura de uma mesma emissora. Assim, ela maximizava o investimento em mídia. Tornou-se um fiel anunciante da RBS, e hoje tem 39 lojas instaladas em cidades diferentes. (Mercado Global, nº 98: 32) 5 - Em entrevista concedida ao pesquisador, em Porto Alegre, no dia 28 de junho de 1996. atendimento do anunciante sem desperdício de verba, cobrando apenas o valor correspondente ao mercado onde ele tem interesse. Para manter-se na liderança e não perder público para os seus concorrentes - entre eles, o SBT e a TV por assinatura -, a Rede Globo tem diminuído os intervalos em sua programação, principalmente no horário nobre. No primeiro semestre de 1996, ela reduziu este tempo em 15%.6 O objetivo é qualificar os intervalos e, assim, aumentar a sua audiência, que é o que realmente interessa aos anunciantes. Antes, o telespectador saía da frente da TV, tomava um café, voltava e ainda havia propaganda no ar. O intervalo ficou menor, mas nem por isso a Globo encurtou seu faturamento. Ela compensa reajustando o preço dos comerciais, o que repercute diretamente na conta dos anunciantes. Principalmente dos pequenos, que não dispõem de tanta verba para publicidade. Mesmo neste caso, o modelo de TV regional da RBS tem seus benefícios, pois permite a fração do preço nacional, que varia de acordo com o tamanho da audiência e do mercado da emissora. Os QUADROS 1 e 2, que apresentam as tabelas válidas para o período de 2 de junho a 30 de setembro de 1996, permitem duas constatações: 1ª) a participação dos mercados gaúcho e catarinense no preço final da Globo; 2ª) a redução do custo do comercial mais comum, de 30 segundos, quando passa de nacional para estadual e local. Um anúncio em cadeia em todas emissoras do Rio Grande representa cerca de 9% do preço nacional da Globo. A participação de Santa Catarina é de 4%.7 Foram escolhidos os cinco programas mais caros da grade de programação. No QUADRO 1, são apresentados os preços de três fórmulas de anúncio: a) em rede nacional (Net); b) nas 12 emissoras da RBS no Rio Grande; c) nas cinco de Santa Catarina. No QUADRO 2, são os preços de anúncios locais nas três emissoras mais baratas da RBS.

6 - A informação é do superintendente comercial da Rede Globo, Octávio Florisbal, publicada em Meio & Mensagem, 20/mai/1996: 27. Para o segundo semestre de 1996, haveria outra redução, desta vez de 16%. 7 - Estes percentuais superam bastante o Índice do Potencial de Consumo que os dois estados representam no quadro nacional. O IPC gaúcho é de 7,3% e o catarinense de 2,9%, segundo a ALPHA, que faz estudos de potencial de consumo e sua distribuição. Estes índices, que são os mais atuais, referem-se a 1990. QUADRO 1 - PREÇOS NET, RS E SC - BASE 30” (EM REAIS) ______Programa Net RBS TV RS RBS TV SC Jornal Nacional 84.797,00 7.262,00 3.493,00 Novela das Oito 77.506,00 7.029,00 3.165,00 RBS Notícias - 6.122,00 2.884,00 Fantástico 69.690,00 5.876,00 2.637,00 Novela das Sete 51.524,00 4.771,00 2.141,00 Fontes: Central Globo de Comercialização e Gerência Comercial da RBS.

QUADRO 2 - PREÇOS NAS MENORES TVs RBS - BASE 30” (EM REAIS) ______Programa Cruz Alta Bagé Jornal Nacional 328,00 216,00 196,00 Novela das Oito 315,00 211,00 191,00 RBS Notícias 270,00 177,00 162,00 Fantástico 263,00 176,00 162,00 Novela das Sete 218,00 146,00 132,00 Fonte: Gerência Comercial da RBS TV RS.

Em tempo de economia estável, a Globo tem feito o que seus noticiários denunciam quase diariamente: aumentado o preço dos comerciais bem acima dos índices da inflação e do custo de vida. De agosto de 1995 a agosto de 1996, a Fipe registrou uma taxa de inflação de 19,29%. No mesmo período, a Globo reajustou cinco vezes a sua tabela, totalizando um aumento final de 51% - ou seja, mais que o dobro da inflação. Nem todos os anunciantes suportam o acréscimo imposto pela Globo. Alguns se retiram do mercado. Nesta hora, ter um bom número de emissoras na mão é um grande negócio. Dá para ajeitar os índices à realidade de cada mercado, pois quem define o valor exato das suas emissoras é a RBS.8 Em março de 1996, por exemplo, a Globo aumentou o preço de sua tabela em 7%. Como a economia da região de Chapecó, no oeste catarinense, não estava em

8 - Há uma certa maleabilidade na tabela, segundo Rogério Caldana, diretor de Mídia Eletrônica da RBS em SC. Isso só é possível porque a RBS é formada por várias emissoras. “A Globo coloca a sugestão de preço, mas nós é que definimos o valor exato para cada emissora. De repente, a Globo quer aumentar a tabela em 5%. Nós podemos aumentar 1,5% em Criciúma e 7,5% em Florianópolis.” Essas informações foram tiradas da entrevista feita com Rogério Caldana, em Florianópolis, no dia 7 de maio de 1996. boa situação e, certamente, não suportaria os novos custos, a saída foi dividir o peso entre as outras quatro emissoras de Santa Catarina. Resultado: reajuste de 8,48% para as praças de Criciúma, e Blumenau, e 11,4% para Florianópolis. Assim, a média estadual alcançou um pouco mais que os 7% exigidos pela Globo. Mesmo com o aumento da tabela, os anunciantes continuam fechando negócios com a Globo, no Brasil, e com a RBS, nos dois estados do sul. O motivo é simples, explica o diretor de comercialização e marketing da mídia eletrônica da RBS em Santa Catarina, Sérgio Sirotsky.9 “Por causa da maciça audiência da sua programação, ainda sai mais barato anunciar na Globo, devido ao custo por mil. O anunciante gastaria mais se pulverizasse os recursos em diversos veículos. Os custos não compensariam.” Mas só isso não basta. A RBS tenta facilitar o acesso ao veículo para velhos e novos clientes. Ela tem criado alternativas mais baratas. Afinal, o estoque de comerciais é algo muito perecível, e a emissora não pode deixá-lo morrer sendo dura demais na negociação. Com a TV regional, a medida que você tem um índice de ocupação dos intervalos no mercado de Chapecó diferente do de Florianópolis, não há porque seguir a mesma política comercial, praticando preços iguais em todas as emissoras. O mesmo esquema serve para o Rio Grande do Sul. O diretor-presidente da RBS, Nelson Sirotsky, mostra como o sistema criado pelo grupo, ao buscar a descentralização, agradou aos telespectadores e tornou-se um grande negócio. “O fermento da regionalização fez com que, desde o início de sua implantação, cinco mil novos anunciantes entrassem no mercado somente no Rio Grande do Sul. Com novos anunciantes, estimulou-se o surgimento de novas agências e a qualificação das já existentes. No início da regionalização, entre 1978 e 1980, foram criadas mais de 100 novas agências de publicidade no interior do Rio Grande.” (Sirotsky, 1995: 31) O setor publicitário se desenvolve mais rapidamente que os demais, porque a entrada da TV numa determinada região exige a criação de comerciais para a exibição nos seus intervalos comerciais. Começam a aparecer, então, agências, estúdios gráficos, escritores, talentos. Enfim, abre-se um mercado de trabalho. É por isso que Saulo Silva, diretor de uma das mais importantes agências de Santa Catarina, a Quadra Comunicação, acredita que a

9 - Em entrevista concedida ao pesquisador, em Florianópolis, no dia 19 de junho de 1996. regionalização do sinal é um dos alicerces para o aproveitamento do mercado de televisão.10 “A TV regional fortalece as agências e os anunciantes, proporcionando maior integração, troca de experiências e união. O nascimento de agências no interior de Santa Catarina vem da estratégia da RBS de diluição de mercados. Com sua postura agressiva de atrair os clientes locais, despertou o interesse de muitas pessoas que passaram a ver como possível a propaganda regional, além de mostrar aos pequenos clientes a importância de anunciar e se fazer presente junto ao consumidor.” No Rio Grande do Sul, o processo não foi diferente. Samir Salimen confirma a relação entre a Rede Brasil Sul e o desenvolvimento da publicidade gaúcha. “A formação do mercado do interior vem através da implantação das emissoras e dos escritórios comerciais da RBS. Até então, o mote das agências era Porto Alegre. A exceção de Caxias e , nos anos 70, não havia agência no interior. A formação estourou nos anos 80 e 90. Hoje, o número de agências no interior do Estado deve passar de 300.” Saber exatamente o número de agências que havia no interior do Rio Grande - e mesmo de Santa Catarina - há 10 ou 20 anos é uma tarefa basicamente impossível, pois os sindicatos e associações não possuem um histórico. Mesmo os números atuais são suspeitos. O Sindicato das Agências de Propaganda do Rio Grande do Sul tem apenas 131 associados, sendo 89 em Porto Alegre e 42 no interior.11 Só 10% delas têm mais 20 funcionários. Cerca de 80% têm menos de 10 empregados. O secretário-geral do Sindicato calcula que existam cerca de 1.800 agências gaúchas de propaganda, sendo que apenas 400 com empregados. O restante são firmas individuais. A distribuição geográfica delas segue a média das associadas. Ou seja, 67% na região metropolitana de Porto Alegre e 33% no interior. Uma análise do QUADRO 3, que mostra a evolução da receita e do número de clientes atendidos pelas emissoras da RBS em Santa Catarina nos últimos cinco anos, é uma referência importante para se entender a relação entre a TV regional e o aumento do mercado de anunciantes - e, conseqüentemente, do faturamento da RBS. Percebe-se também

10 - A entrevista com Saulo Silva foi a única feita via fax, no dia 10 de julho de 1996. 11 - As cidades do interior com maior número de agências, em maio de 1996, eram Novo Hamburgo e , ambas com nove. Depois, vinham Pelotas e , cada uma com quatro. que, a cada ano, aumenta a proporção da receita por cliente. Entre 1991 e 1995, o faturamento cresceu em torno 750%, e o número de clientes subiu quase 250%.

QUADRO 3 - EVOLUÇÃO DA RECEITA E DE CLIENTES DA RBS TV SC ______Ano Receita (US$) Clientes 1991 3.720.696,00 1.316 1992 9.351.392,00 2.068 1993 11.262.832,00 2.418 1994 17.610.389,00 2.807 1995 28.399.593,00 3.202 Fonte: RBS, junho de 1996.

O GRANDE CLIENTE MÉDIO O perfil dos anunciantes das emissoras de TV da RBS é de empresas médias. Não dá para definir exatamente o seu faturamento.12 Mas nem sempre isso é importante, pois o tamanho, neste caso, é relativo. Às vezes, uma pequena empresa é um grande cliente. E uma excepcional empresa, de porte internacional, nem sempre é um anunciante de peso.13 Do faturamento total das emissoras de TV da RBS, em 1995, a maior parte veio das fatias do bolo - ou seja, dos clientes locais, os que pagam os menores preços da tabela. É o que revelam os números da Gerência de Operações Comerciais. No Rio Grande do Sul, 21% da receita foi venda estado e 79% venda local. Em Santa Catarina, quase se repetiram os mesmos índices: 20 e 80%, respectivamente. Dois terços do faturamento das emissoras catarinenses da RBS vêm de três tipos de clientes: varejo, serviços e Governo. Da receita de 1995, só o setor varejista representou

12 - Mas dá para saber quanto ele investiu em publicidade. Pelo QUADRO 3, nota-se que, em 1991, cada cliente da RBS TV SC injetou, em média, US$ 2,8 mil em propaganda. Em 1995, aumentou para US$ 8,8 mil. 13 - O início da RBS em Santa Catarina, a partir de 1979, é a prova de que grande empresa não é garantia de bom anunciante. A característica exportadora do setor produtivo do Estado - aqui se incluem marcas como Cônsul, Tigre, Hering, Sadia, Perdigão, Seara, Chapecó, Eliane, Sulfabril - restringia o investimento na mídia local, afinal Santa Catarina representava uma pequena parte de seu mercado consumidor. A RBS teve que desenvolver campanhas específicas para atrair estes anunciantes. Cruz (1996) conta que era veiculada uma espécie de “balanço social”, com dados da importância da empresa para a cidade e o Estado. A RBS chegou a criar um programa semanal - o “Modelo Empresarial Catarinense”, exibido durante dois anos nos domingos de manhã - para mostrar essas indústrias. mais de 40%. No Rio Grande, ele foi responsável por 38%.14 Esses índices não chegam a surpreender. Conforme o projeto “Intermeios”, que calcula o tamanho do bolo publicitário nacional, a TV foi o segundo veículo mais utilizado pelo varejo, em 1995. O setor investiu de US$ 2,4 bilhões - ou 28% do bolo. Entre os veículos, o varejo aplicou 32% na TV e 56% no Jornal. Rádio, Revista e Outdoor, juntos, somaram 12%.15 O QUADRO 4 mostra a participação dos cinco principais setores na receita das emissoras catarinenses da RBS. Juntos, eles são responsáveis por 85% do faturamento.

QUADRO 4 - RANKING DE VENDAS POR SETOR NA RBS TV SC - 1995 ______Setor Receita (em R$) Participação (%) Varejo 11.616.644,00 41,38 Prestação de Serviços/Governo 6.154.242,00 21,92 Ensino/Diversões/Brinquedos 3.154.657,00 11,24 Construção Civil 1.524.778,00 5,43 Têxtil/Vestuário 1.484.566,00 5,29 Outros setores 4.138.935,00 14,74 Total 28.073.822,00 100,00 Fonte: Central Globo de Informática, junho de 1996.

De acordo com os dados fornecidos pela Secretaria de Comunicação Social de SC, os gastos publicitários do Governo na RBS TV, em 1995, foram de R$ 1.592.348,00. Esses números representaram 26% do seu investimento total em propaganda e 56% do bolo destinado apenas às emissoras de televisão. Embora o setor varejista seja o maior cliente da RBS, a conta do Governo, isoladamente, é a mais importante do sistema. É o que se pode ver no QUADRO 5, que traz o ranking dos 10 principais anunciantes da RBS TV no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina. Apenas a gerência comercial catarinense forneceu o valor de investimento dos clientes.

14 - Conforme Meio & Mensagem, 22/abr/1996: 6. 15 - Conforme Mídia & Mercado, nº 13: 10. QUADRO 5 - OS 10 MAIORES ANUNCIANTES DA RBS TV - 1995 (EM DÓLAR) ______RBS TV RS RBS TV SC Investimento Ingá - Produtos Lotéricos Governo...... 1.736.273,00 Banrisul Disapel...... 778.844,00 Lojas Renner Sesi...... 771.966,00 Goldem Cross Supermercados Angeloni...... 652.663,00 Lojas Colombo Lojas Americanas...... 539.972,00 Nacional Supermercados Lojas Zomer...... 509.229,00 Disapel Lojas Colombo...... 371.386,00 C & A Modas Lojas Renner...... 364.683,00 Rainha das Noivas Muller Vestuário...... 307.988,00 Laboratório Quinsul Joinville Esporte Clube...... 294.624,00 Fontes: Gerência Comercial da RBS TV Porto Alegre e da RBS TV Florianópolis.

Como regra básica, o que determina a maior participação de uma emissora nos investimentos de mídia é a sua cobertura, o público atingido e sua audiência. Tendo a RBS uma participação média de 70% da audiência bruta de Santa Catarina, esta participação se reflete na verba que lhe é destinada. Por atingir um maior número de pessoas, a RBS funciona como otimizador de verba. Esta regra funciona nas campanhas dos clientes da Quadra Comunicação, explica Saulo Silva. “A RBS absorve 70% da verba aplicada no meio televisão, ficando o SBT com 15%, a Bandeirantes 10% e a Record com 5%, em média.” Há alteração nos índices gaúchos, que estão ainda mais concentrados nas garras da RBS. Pelo menos é o que garante Samir Salimen, diretor da Símbolo. “Quando se faz a mídia TV, a RBS fica com 80% a 85% da verba das agências.” Saber o destino das contas das agências tem significado importante para entender a receita final das duas cabeças de rede. Na RBS TV Florianópolis, 85% do faturamento vêm das agências.16 Em Porto Alegre,

16 - Sérgio Sirotsky lembra que, quando a RBS foi inaugurada em Florianópolis, em 1979, a verba das agências representava somente 40% da receita da emissora. “Naquela época era importante o esse percentual é ainda maior: 95%. Nas emissoras do interior, a relação se inverte um pouco. Em alguns casos, onde o mercado é menos profissional, chega a 50/50. Ou seja, metade do faturamento sai das agências e a outra metade vem diretamente dos clientes. O princípio da RBS de trabalhar com programação própria nas suas 17 emissoras não é apenas uma questão de praticar a filosofia comunitária implantada por seu fundador, Maurício Sirotsky Sobrinho.17 Na verdade, a estratégia da produção local tem seu lado rentável, que é fundamental para entender o faturamento de US$ 160 milhões, que as duas redes estaduais da RBS somaram em 1995. O assessor da Central Globo de Afiliadas, Ricardo Orsi, explica porque programação local e receita caminham juntas.18 “Quando uma emissora produz notícia local, ela cria empatia com a comunidade. E quando a comunidade começa a se ver na emissora, ela passa a ter interesse em anunciar naquela emissora. Isso é positivo. A tendência é fazer o jornalismo cada vez mais próximo da comunidade. A Globo incentiva isso.” Dessa forma, a produção local desenvolve com o telespectador e o anunciante uma espécie de relação de fidelidade. Quem confirma o interesse do cliente pela programação local é Samir Salimen, que decide o destino das verbas de 32 clientes, entre eles Sesi, Vinícola Aurora, Banrisul, um shopping center, uma rede de hotéis. “Com certeza, o cliente local tem interesse no programa local que a emissora exibe. Por isso, cercar a programação local é questão prioritária. O telespectador tem interesse em assistir ao ‘Jornal Nacional’, mas é num programa como o ‘Jornal do Almoço’, no bloco local, onde estão as informações sobre a sua cidade e sua região, que o grau de interesse desse telespectador aumenta. Então, eu vou colar o comercial do meu cliente ali.” Talvez por isso dê para entender porque a emissora da RBS de Porto Alegre, que ficou com 61% da audiência média de 1995, abocanhe de 80 a 85% da verba das agências gaúchas. E a TVS, que retransmite o SBT na Grande Porto Alegre e não faz programação

atendimento direto do cliente.” Em seu trabalho sobre como a RBS conquistou o mercado catarinense de televisão, Cruz (1996) conta que os profissionais do grupo tiveram que “catequizar” o mercado publicitário local, pois os clientes viam as agências como “encarecedoras” e não como facilitadoras do processo. 17 - Entre os seis princípios fundamentais do Ideário da RBS, um trata da questão local: “Vinculação íntima às comunidades em que atua”. A RBS, aliás, é uma das poucas empresas de comunicação do país que possui um Ideário. 18 - Em entrevista concedida ao pesquisador, em São Paulo, no dia 9 de maio de 1996. local, não receba o equivalente a sua audiência, que em 1995 teve a segunda maior média, com 21 pontos. Salimen completa o raciocínio. “O SBT é uma emissora difícil de fazer mídia porque não tem programação regional. A TV Guaíba, que tem a menor audiência, mas faz programa local, consegue vendê-los muito bem. Programa de quatro, cinco da tarde, na Guaíba, tem cinco patrocinadores. Agora, é difícil vender uma Hebe Camargo, de noite. Pois a Hebe nunca vai dizer: ‘...hoje, na Rua da Praia,19 aconteceu tal coisa...’ O que isso significa? É mais fácil vender a coisa localizada.”

MAIS UMA TV PARA A RBS A mais nova emissora da Rede Brasil Sul, a RBS TV Criciúma, foi adquirida em setembro de 1995 por US$ 2 milhões. É a quinta em Santa Catarina e a 17ª do sistema. A emissora já existia desde 1979, era afiliada da CNT e integrava outra rede estadual, a Rede de Comunicações Eldorado, que foi extinta com a venda da estação de Criciúma para a RBS e as outras três - Florianópolis, Xanxerê e Itajaí - para a Record, de São Paulo. As palavras do diretor executivo de Mídia Eletrônica da RBS em Santa Catarina, Rogério Caldana, resumem a satisfação do grupo com o negócio. “Há 15 anos desejávamos entrar no sul de Santa Catarina. Finalmente, conseguimos realizar esse sonho.” 20 Na verdade, a RBS já atingia os municípios que hoje integram a emissora de Criciúma, através do sinal da RBS TV Florianópolis. A diferença é que agora o sul do Estado passou a ter cobertura jornalística local e participação nos noticiários da rede com blocos específicos para a região. Na prática, isso significou quase uma hora diária de programação própria. Além disso, a RBS pôde rentabilizar a verba da propaganda, pois o custo comercial ficou mais reduzido, compatível com a necessidade específica da região. Até então, o cliente do sul tinha que anunciar via Florianópolis, com preço mais caro e uma área de abrangência que nem sempre lhe interessava. O primeiro fator a ser analisado no desenvolvimento de uma nova emissora, como a RBS TV Criciúma, é o técnico. Até então, havia uma região de 41 municípios - com quase 800 mil telespectadores e mais de 15% do potencial de consumo do Estado - disputando o

19 - Rua da Praia é uma das mais movimentadas de Porto Alegre. 20 - Meio & Mensagem, 21/ago/1995: 30. espaço disponível no estoque de intervalos comerciais da RBS TV Florianópolis, que tem a indústria de serviços melhor desenvolvida de Santa Catarina. O diretor de comercialização e marketing da Mídia Eletrônica da RBS em SC, Sérgio Sirotsky, explica a situação. “A gente tinha um preço muito alto, em função do tamanho da área de cobertura, e um estoque saturado. Assim, havia uma demanda reprimida de duas pontas: uma porque não conseguia espaço e outra porque o custo era muito alto. A partir do momento que nós passamos a oferecer, através da emissora de Criciúma, mais espaço a um preço mais acessível, o crescimento daquela emissora foi imediato.” A conquista da comunidade - e também da audiência - começou com o aumento do jornalismo, que era reduzido quando Criciúma significava apenas mais uma das três sucursais da RBS TV Florianópolis. As outras duas estavam em Lages e Tubarão. É bom lembrar que nas sucursais funcionam apenas um escritório comercial e uma equipe de reportagem. As matérias do sul de Santa Catarina eram geradas para a emissora da Capital e exibidas, geralmente, dentro dos blocos estaduais dos programas. Ou seja, as informações de interesse local se misturavam com as de abrangência estadual. A região de Criciúma não tinha uma janela exclusiva para ver suas notícias e discutir seus problemas. Por trás da informação local, há uma questão subjetiva que atrai o anunciante e em cima da qual pode se resumir a característica da RBS, que é desenvolver mercados regionais. Ou seja: se eu sou um cliente do varejo local e estou tendo noticiário local que abranja a minha comunidade, eu vou acreditar mais naquela emissora, me identificar mais com ela. É por aí que a RBS TV Criciúma começou a trilhar o seu segundo caminho: o do comercial. Na época em que funcionava como sucursal de Florianópolis, Criciúma ocupava comercialmente apenas 31% de seu potencial de consumo. Era o limite que se conseguia vender. O anúncio era mais caro, pois cobria 72 municípios. Um ano depois da aquisição da emissora pela RBS, o aproveitamento dos intervalos atingia 55%. Já ultrapassou a média de ocupação da praça de Chapecó e está empatada com as emissoras gaúchas de Uruguaiana, Santa Rosa e Cruz Alta - todas elas mais antigas. Pela estimativa do gerente da emissora, o mercado de Criciúma comporta vender US$ 500 mil mensais. E esta é a meta comercial da empresa para o final de 1996. Os números podem ser ousados, mas o QUADRO 6 mostra que a previsão não está tão fora da realidade. Um mês depois da aquisição, seu faturamento superava US$ 100 mil. Em julho deste ano, ele já é mais que o dobro: US$ 224 mil. Como no final de ano sempre há um crescimento real da movimentação de dinheiro em todos os setores da economia, por causa do 13º salário e das festas natalinas, é provável que a meta de US$ 500 mil, gerados apenas no mercado da emissora de Criciúma, saia do papel e vire realidade.

QUADRO 6 - RECEITA DA RBS TV CRICIÚMA (EM DÓLARES) 21 ______Como sucursal da RBS TV Florianópolis Como RBS TV Criciúma Mês Faturamento Mês Faturamento Jan/95 96.250 Set/95 72.509 Fev/95 111.736 Out/95 107.875 Mar/95 104.202 Nov/95 140.113 Abr/95 130.588 Dez/95 182.623 Mai/95 93.223 Jan/96 120.911 Jun/95 52.864 Fev/96 166.587 Jul/95 83.420 Mar/96 151.436 Ago/95 89.365 Abr/96 107.678 Mai/96 225.839 Jun/96 175.087 Jul/96 224.747 Fonte: RBS, agosto de 1996.

A saída da região de Criciúma do raio de cobertura da RBS TV Florianópolis reduziu em 11% o preço dos comerciais da emissora da capital, já que o público atingido ficou menor. Então, você pode pensar: “se a RBS ganhou de um lado, perdeu do outro”. O raciocínio tem lógica, mas na prática a coisa não é bem assim. No início, realmente há uma queda na receita, mas com o tempo o panorama vai se alterando. A gerente comercial da emissora de Florianópolis, Elizabeth Silva, explica essa mágica. “Não houve queda do nosso faturamento. Ficamos com foco para os mercados de Florianópolis e Lages, que antes eram divididos com Criciúma e Tubarão. Assim, pudemos desenvolvê-los melhor. Ou seja, conseguimos novos anunciantes de porte menor e motivamos antigos clientes a aumentar a verba publicitária.” Os números do QUADRO 7 comprovam as palavras da gerente.

21 - No QUADRO 6, não estão computadas as receitas vindas da Globo e a exportação. QUADRO 7 - RECEITA DA RBS TV FLORIANÓPOLIS (EM DÓLARES) 22

Antes da criação da RBS Criciúma Após a criação da RBS Criciúma Mês Faturamento Mês Faturamento Jan/95 515.774 Set/95 415.547 Fev/95 643.090 Out/95 497.091 Mar/95 575.238 Nov/95 528.448 Abr/95 589.447 Dez/95 668.241 Mai/95 604.402 Jan/96 400.113 Jun/95 434.149 Fev/96 474.643 Jul/95 593.117 Mar/96 444.233 Ago/95 536.735 Abr/96 475.392 Mai/96 549.217 Jun/96 525.441 Jul/96 549.048 Fonte: RBS, agosto de 1996.

AS MINI-TVs DO FUTURO Para a direção da RBS, ainda é cedo para uma análise mais profunda da influência da emissora de Criciúma na economia da região, pois o relacionamento com o mercado ainda está amadurecendo. Mas algumas pistas já começaram a aparecer, menos de um ano depois, especialmente no setor publicitário. Em setembro de 1995, havia 20 agências estruturadas na região. Dez meses depois, já passavam de 30. No início, a RBS produzia os comerciais de alguns clientes. Isso não acontece mais. De acordo com o gerente da emissora, além de ter aumentado em número, as agências têm produzido com mais qualidade também.23 Dentro desse processo de regionalização, o objetivo da RBS é continuar fomentando mercados novos e acessando novos anunciantes. Por isso, a discussão atual é saber se o modelo de TV regional pode ser ainda mais local do que já é. Ou seja, se há condições de

22 - O QUADRO 7 só apresenta a receita da praça de Cricúma, sem o que veio da Globo e da exportação. 23 - Na época da pesquisa em Criciúma, em junho, a emissora tinha 484 VTs de comerciais, sendo alguns do mesmo cliente, com até 10 tipos diferentes de mensagens. aprofundar ainda mais a questão local, trabalhando com regiões ainda menores e continuar fazendo uma operação economicamente viável. O assunto ainda está na fase de análise, mas já tem um nome: as mini-TVs. Se olharmos pelo lado financeiro, essa pequena emissora certamente trará pequeno acréscimo à receita final do sistema de TV da RBS. Mas as mini- TVs resumem não só a vocação da própria empresa como refletem uma tendência mundial. É o que se pode apreender do raciocínio de Gilberto, diretor de programação e eventos da RBS TV.24 “A tendência é que cada um dos 425 municípios gaúchos - e também os 260 catarinenses - tenham a sua própria emissora local, mas é evidente que ela vai oferecer uma programação de acordo com o seu tamanho. Nós pretendemos ter emissoras em muitos outros municípios, só que serão televisões menores.” Se a mini-TV ainda é um projeto da RBS, os mini-estúdios já são uma realidade. Em Santa Catarina, eles funcionam em cinco cidades: Xanxerê, Jaraguá do Sul, Tubarão, Lages e Itajaí. Exceto Xanxerê, os demais municípios têm acima de 75 mil habitantes. Estrategicamente instalados, cada um destes mini-estúdios está ligado a uma emissora diferente: Lages com Florianópolis, Tubarão com Criciúma, Xanxerê com Chapecó, Itajaí com Blumenau e Jaraguá do Sul com Joinville. O mini-estúdio é uma retransmissora. A legislação não permite que uma retransmissora gere sinais de TV, mas não proíbe que ela grave programas. Em Jaraguá do Sul, por exemplo, são gravadas entrevistas, que depois são enviadas pela Telesc para a emissora de Joinville. Com cenários dos programas da RBS, os mini-estúdios são utilizados apenas para fazer geração de matéria ou entradas ao vivo para a emissora local e a cabeça de rede, em Florianópolis. O objetivo, com isso, é aproximar ainda mais a TV da comunidade. Mas nem todo mini-estúdio vai virar, obrigatoriamente, uma mini-TV, pois é necessária a viabilidade econômica para se montar a infra-estrutura necessária. Entre os cinco mini-estúdios da RBS, o de Itajaí é o que hoje apresenta as melhores condições para se transformar em emissora, por causa do poder econômico da cidade.25 Antes de tudo, para fazer esta mudança são necessárias reformas na atual legislação que regulamenta a radiodifusão. O assunto já está

24 - Em entrevista concedida ao pesquisador, em Porto Alegre, no dia 31 de maio de 1996. 25 - Rogério Caldana admite que, em Santa Catarina, há espaço para outra emissora. Uma região, em especial, chama a atenção da RBS: o oeste. A RBS TV Chapecó, que cobre 102 municípios, não consegue fazer um atendimento perfeito do mercado publicitário. A cobertura jornalística também pode melhorar com outra emissora. sendo discutido, mas aprofundá-lo não é a proposta deste trabalho. Por isso, o assunto das mini-TVs da RBS pára por aqui.

BIBLIOGRAFIA CRUZ, Dulce Márcia. A RBS em Santa Catarina: estratégias políticas, econômicas e culturais na conquista do mercado televisivo regional. Florianópolis, EdUFSC e FURB, 1996. FERREIRA DE MATTOS, Sérgio. TV Barriga Verde de Florianópolis: estudo de caso no período 1984/87. Dissertação de Mestrado, ECA/USP, (mimeo), 1992. SIROTSKY, Nelson. “Regionalizar: a receita do sucesso”, in Mercado Global, São Paulo, nº 98, 1995: 28-33.

OUTRAS PUBLICAÇÕES Meio & Mensagem Imprensa Anuário Brasileiro de Mídia/1995 Anuário Brasileiro de Propaganda/1995