Versão online: http://www.lneg.pt/iedt/unidades/16/paginas/26/30/185 Comunicações Geológicas (2014) 101, Especial I, 225-228 IX CNG/2º CoGePLiP, 2014 ISSN: 0873-948X; e-ISSN: 1647-581X

Geocronologia U-Pb (SHRIMP) e Sm-Nd do ortognaisse biotítico do Complexo Metamórfico da Foz do (NW de )

U-Pb (SHRIMP) and Sm-Nd geochronology on Foz do Douro Metamorphic Complex biotite orthognaiss (NW Portugal)

M. Sousa1*, H. Sant’Ovaia1, C. Tassinari2, F. Noronha1

Artigo Curto Short Article © 2014 LNEG – Laboratório Nacional de Geologia e Energia IP

Resumo: Estudos geocronológicos pelos métodos U-Pb (SHRIMP) e idade das diferentes formações que constituem o CMFD Sm-Nd foram realizados em zircões de ortognaisses biotíticos, uma foram realizados estudos geocronológicos. das formações do “Complexo Metamórfico da Foz do Douro”. Os No presente trabalho são apresentados os resultados de resultados de U-Pb revelaram uma idade de implantação de 452-456 ± 7,8 Ma e uma idade herdada de 1735 ± 70 Ma. Os dados isotópicos análises geocronológicas realizadas pelos métodos U-Pb de rocha total de Sm-Nd indicam uma idade modelo (TDM) de ca. 500 (SHRIMP) e Sm-Nd numa das formações: o ortognaisse Ma e o valor de ƐNd=+6,88 confirma uma contribuição mantélica para biotítico. a rocha magmática percursora do gnaisse datado. Palavras-chave: Geocronologia U-Pb e Sm-Nd, Zircão, “Complexo 2. Enquadramento geológico Metamórfico da Foz do Douro” (Porto), NW Portugal, Ortognaisse biotítico. A geologia do CMFD é dominada pela presença de uma estreita faixa de rochas metamórficas intruídas por granitos Abstract: High resolution U-Pb (SHRIMP) and Sm-Nd variscos, muito bem representados no Castelo do Queijo. geochronological analysis in zircon grains were obtained in a biotite Estes granitos pertencem ao grupo dos granitos tardi- orthogneis from the “Foz do Douro Metamorphic Complex”. The U- Pb results revealed an emplacement age of 452-456 ± 7.8 Ma and an variscos (Mendes, 1967/1968; Silva, 1995; Martins et al., inherited age of 1735 ± 70 Ma. The Sm-Nd whole rock isotopic data 2001), e definem, no seu conjunto, um alinhamento suggests a model age (TDM) of ca. 500 Ma and the ƐNd=+6.88 paralelo à zona de cisalhamento Porto-Tomar, que terá confirms a mantle contribution for the original magmatic rock. condicionado a sua instalação (Chaminé et al., 2003). Na Keywords: U-Pb and Sm-Nd Geochronology, Zircon, “Foz do faixa metamórfica estão representados magníficos Douro Metamorphic Complex” (Porto), NW Portugal, Biotite afloramentos de rochas metassedimentares, espacialmente orthogneiss. associadas a ortognaisses de diferentes tipos e a anfibolitos

1Centro de Geologia da Universidade do Porto, Departamento de Geociências, (Borges et al., 1985; Noronha & Leterrier, 2000; Ribeiro et Ambiente e Ordenamento do Território da FCUP (CGUP-DGAOT/FCUP). al., 2007). Estes afloramentos contrastam com os presentes 2Centro de Pesquisas Geocronológicas, Instituto de Geociências da na zona oriental da cidade, os quais não incluem Universidade de São Paulo (CPGeo-IGUSP). * ortognaisses e anfibolitos e onde micaxistos e Autor correspondente / Corresponding author: [email protected] metagrauvaques, numa sequência relativamente monótona

e menos metamorfizada, são também recortados por granitos variscos. 1. Introdução O CMFD é constituído por duas unidades tectono- estratigráficas distintas: a “Unidade dos Gnaisses da Foz O “Complexo Metamórfico da Foz do Douro” (CMFD) do Douro” (UGFD) e a “Unidade de ” (Fig. 1) situa-se na zona ocidental da cidade do Porto, (ULO) (Fig. 1) (Carta Geológica, 2003; Chaminé et al., estendendo-se ao longo de uma série de pequenas praias 2003). até 3,5 km para Norte da foz do rio Douro e tem sido, A UGFD é essencialmente constituída por anfibolitos e estudado por vários autores e dada a sua complexidade tem quatro tipos de ortognaisses: gnaisses biotíticos de sido apresentadas diversas propostas, nomeadamente composição tonalítica, gnaisses leucocratas de tendência quanto às unidades litológicas presentes, sua idade e ocelada, gnaisses leucocratas e gnaisses leucocratas evolução geotectónica (Mendes 1967/1968; Noronha & ocelados, estes últimos nitidamente afetados por Leterrier, 2000; Chaminé et al., 2003, Ribeiro et al., 2007, deformação cisalhante (Borges et al., 1985). Os três 2009). primeiros tipos constituem o essencial da faixa Com o objetivo de contribuir para a resposta a algumas metamórfica a sul, enquanto que a norte a unidade tem um das questões ainda em aberto relativamente à origem e 226 M. Sousa et al. / Comunicações Geológicas (2014) 101, Especial I, 225-228 aspeto completamente distinto, sendo constituída, Os estudos de geocronologia efetuados por Noronha & dominantemente, por gnaisses leucocratas ocelados. Leterrier (2000) nestas rochas gnáissicas (método U-Pb em A UGFD contacta a NE e SW com a ULO que é zircões por diluição isotópica) indicaram uma idade de 567 essencialmente constituída por micaxistos a que se ± 6 Ma para os gnaisses biotíticos e de 606 ± 17 Ma para associam, por vezes, rochas calcossilicatadas e anfibolitos. os gnaisses leucocratas ocelados e de tendência ocelada, o Os metassedimentos da ULO estão dobrados verificando- que levou estes autores a considerá-los como resultantes da se diferentes atitudes entre as foliações neles visíveis e as deformação de rochas magmáticas cadomianas. presentes nos gnaisses. Esta diferença de atitudes é ainda mais evidente nos pequenos retalhos de rochas 3. Geocronologia U-Pb (SHRIMP) e Sm-Nd metassedimentares dispersos no seio dos ortognaisses, o Foram realizadas análises geocronológicas através dos que atesta o carácter intrusivo dos protólitos destes últimos. métodos U-Pb (SHRIMP) e Sm-Nd em formações do Estudos geoquímicos efetuados com base em CMFD, apresentando-se neste trabalho os resultados elementos maiores, elementos menores e terras raras obtidos para o ortognaisse biotítico da UGFD. (Noronha & Leterrier, 2000) confirmaram a presença de O concentrado de zircão foi obtido através dos métodos convencionais de moagem e separação mineral (peneiração diferentes tipos de gnaisses, cujas caraterísticas químicas e químico-mineralógicas permitiram o seu agrupamento em mecânica e separação em líquidos densos e separador dois grandes grupos composicionais: eletromagnético do tipo Frantz) e escolhido da fração menos magnética. Posteriormente, selecionaram-se à lupa - Grupo dos Gnaisses com composição granodorítico- tonalítica, constituído pelos gnaisses leucocratas e binocular os cristais de zircão, tendo sido escolhidos os pelos gnaisses biotíticos; grãos mais límpidos e com ausência de fraturas ou inclusões. Estes trabalhos foram realizados no Centro de - Grupo dos gnaisses de composição granítico-adamelítica, englobando os gnaisses leucocratas ocelados e os Geologia da Universidade do Porto (CGUP) e finalizados gnaisses leucocratas de tendência ocelada. no Centro de Pesquisas Geocronológicas da Universidade de São Paulo (CPGeo-USP) onde foi montada a secção Os dados geoquímicos obtidos por Noronha & Leterrier (2000) indicaram, ainda, uma origem profunda contendo os zircões selecionados. A fração destinada à com assinatura mantélica para os gnaisses biotíticos, e uma análise isotópica de rocha total pelo método Sm-Nd foi também obtida através dos métodos convencionais de origem francamente crustal para os gnaisses leucocratas ocelados e de tendência ocelada. moagem. A preparação das amostras foi realizada no CGUP e finalizada no CPGeo-USP. As análises geocronológicas U-Pb de alta resolução foram realizadas em cristais de zircão pelo equipamento SHRIMP IIe (Sensitive High Resolution Ion Microprobe), com o apoio de imagens de catodoluminescência (CL) e as idades foram calculadas através do Software ISOPLOT (Ludwig, 2008). Os procedimentos analíticos deste método estão descritos em Compston et al. (1992). As análises isotópicas de rocha total pelo método Sm-Nd foram realizadas através do Espectrómetro de Massas de Termoionização (TIMS) Finnigan Mat 262 e as concentrações de Sm e Nd foram obtidas por diluição isotópica, de acordo com o procedimento analítico de Sato et al. (1995). Todas as análises isotópicas foram realizadas no CPGeo-USP. Foram selecionados grãos de zircão com morfologias diversas para a análise por SHRIMP (Fig. 2). A população de zircões é relativamente heterogénea e apresenta um ligeiro arredondamento das faces piramidais. Os cristais de zircão apresentam, na sua maioria, uma estrutura zonada oscilatória (zonas de crescimento ou zonamento setorial) e, por vezes, núcleos herdados, apresentando uma razão Th/U elevada Fig. 1. Mapa geológico do “Complexo Metamórfico da Foz do Douro” característica de eventos ígneos. Todos os cristais apresentam (extrato da Carta Geológica - Carta Geotécnica do Porto 1: 10 000; adaptado de Noronha et al., 2003). sobrecrescimento periférico, distinguindo-se cristais que apresentam apenas um sobrecrescimento externo e cristais Fig. 1. “Foz do Douro Metamorphic Complex” geological map (from the que apresentam um sobrecrescimento interno e um externo Geological Map - Geothecnical map of Porto 1:10 000; adapted from (Fig. 2). Os sobrecrescimentos internos são de natureza Noronha et al., 2003). magmática e desenvolvem-se em continuidade com as zonas internas ou envolvem núcleos herdados. À semelhança das

zonas internas e núcleos herdados, os sobrecrescimentos U-Pb and Sm-Nd geochronology on FDMC formations 227 internos apresentam também razões Th/U elevadas. Por sua projeção das análises no diagrama concórdia resultou numa vez, os sobrecrescimentos externos apresentam na sua maioria idade corrigida de 452 ± 7,8Ma (MSWD = 1,03) (Fig. 3B). U elevado (alta luminescência) e razões Th/U baixas, o que Os resultados obtidos para os sobrecrescimentos internos resultará de uma possível recristalização metamórfica. foram igualmente projetados num diagrama concórdia (Fig. Foram analisados 28 spots em 21 grãos e os resultados 3C), obtendo-se uma idade de 456 ± 7,8 Ma (MSWD = 1,12) foram agrupados tendo em conta a natureza do local onde foi concordante com a idade das zonas internas, sugerindo tratar- realizada a análise [zona interna e/ou no núcleo herdado (10), se de fases contemporâneas. As análises efetuadas nos sobrecrescimento interno (7) e sobrecrescimento externo (11). sobrecrescimentos externos revelaram elevado 204Pb, elevado Os resultados relativos às análises efetuadas na zona interna e U e muito baixa razão Th/U pelo que a sua idade não foi para /ou no núcleo herdado dos cristais foram projetados num já considerada. No cálculo destas idades não foram diagrama concórdia (Fig. 3A), indicando no intercepto considerados resultados com discordância superior a 20%. superior a idade de 1735 ± 70 Ma (MSWD = 0,14), Os dados isotópicos de Sm-Nd fornecem uma idade interpretada como a idade do protólito crustal da rocha, e no modelo TDM de ca. 500 Ma e um valor de ƐNd=+6,88, intercepto inferior a idade de 452 ± 25 Ma, considerada calculado para uma idade de 456 Ma, que confirma uma como a idade de idade de cristalização magmática desta contribuição mantélica para a rocha magmática percursora do rocha. Retirando os dados relativos aos núcleos herdados, a gnaisse datado.

Fig. 2. Imagens de catodoluminescência dos grãos de zircão com os spots analisados.

Fig. 2. Cathodoluminescence images of the zircon grains with the analyzed spots.

Fig. 3. Diagramas concordia com os dados obtidos nos cristais analisados da amostra GNGON01: (3A) resultados relativos às análises obtidas nas zonas internas e/ou núcleos herdados, (3B) resultados relativos às análises obtidas apenas nas zonas internas, (3C) resultados relativos às análises obtidas nos sobrecrescimentos internos.

Fig. 3. Concordia diagrams with data from the analyzed crystals from sample GNGON01: (3A): results from the analysis obtained on the internal zones and inherited cores, (3B) results from the analysis obtained only on the internal zones, (3C) results from the analysis obtained on the internal rims.

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4. Conclusões Chaminé, H.I., Gama Pereira, L.C., Fonseca, P.E., Noronha, F., Lemos de Sousa, M.J., 2003. Tectonoestratigrafia da faixa de Os dados geocronológicos U-Pb (SHRIMP) apresentados, cisalhamento de Porto–Albergaria-a-Velha–Coimbra–Tomar, suportados pelas imagens de catodoluminescência, entre as Zonas Centro-Ibérica e de Ossa-Morena (Maciço permitiram identificar idades de cristalização magmática (452 Ibérico, W de Portugal). Cadernos do Laboratorio Xeolóxico ± 7,8 Ma), de herança (1735 ± 70 Ma) e de sobrecrescimentos de Laxe, 28, 37-78. Compston, W., Williamns, I.S., Kirschvink, J.L., 1992. Zircon U- ígneos (456 ± 7,8 Ma). A idade dos sobrecrescimentos ígneos Pb ages for the Early Cambrian time-scale. Journal of the é contemporânea com a idade de cristalização magmática, o Geological Society (London), 149, 181-174. que sugere tratar-se do mesmo evento magmático em que, ao Ludwig, K.R., 2008. User’s manual for Isoplot/Ex Version 3.70 mesmo tempo em que ocorria o sobrecrescimento magmático (2009). A geochronological toolkit for Microsoft Excel. de grãos de zircão, novos cristais do mesmo mineral estavam Berkeley Geochronological Centre Special Publication, 4, 1- 76 a ser nucleados. Os sobrecrescimentos externos sugerem um Martins, H.C.B., Almeida, A., Noronha, F., Leterrier, J., 2001. evento metamórfico posterior. As idades agora determinadas, Novos dados geocronológicos de granitos da região do Porto: para os ortognaisses biotíticos, são inferiores aos 567 ± 6 Ma Granito do Porto e Granito de Lavadores. Actas do VI indicados por Noronha & Leterrier (2000). A idade modelo Congresso de Geoquímica dos Países de Língua Portuguesa e manto empobrecido de 500 Ma, obtida pelo método Sm-Nd, XII Semana de Geoquímica, Faro, 2001, 146-148. aproxima-se da idade de cristalização magmática e dos Mendes, F., 1967/1968. Contribution à l’étude géochronologique, par la méthode au strontium, des formations cristallines du sobrecrescimentos ígneos (método U-Pb), indicando a época Portugal. Boletim do Museu e Laboratório Mineralógico e média de diferenciação mantélica dos protólitos das rochas Geológico da Faculdade de Ciências de Lisboa, 11(1), 3-155. estudadas. Os dados de ƐNd=+6,88 calculado para 456 Ma Noronha, F., Leterrier, J., 2000. Complexo Metamórfico da Foz obtidos para os gnaises biotíticos estudados confirmam uma do Douro (Porto). Geoquímica e Geocronologia. Revista Real importante contribuição de uma fonte mantélica, a qual teria Academia Galega de Ciências, XIV, 21-42. sido gerada pouco tempo antes da cristalização dos protólitos Noronha, F., Oliveira, R., Gomes, C., Gouveia, C., Borges, L., Paulo, J.P., 2003. Carta Geológica da Carta Geotécnica do das rochas gnáissicas. Porto à escala 1:10 000. Câmara Municipal do Porto, COBA, FCUP. Agradecimentos Ribeiro, A., Munhá, J., Dias, R., Mateus, A., Fonseca, P., Pereira, E., Noronha, F., Romão, J., Rodrigues, J., Castro, P., Meireles, O presente trabalho integra-se nas atividades de C., Ferreira, N., 2009. Mechanics of thick-skinned Variscan desenvolvimento da tese de doutoramento da primeira autora. overprinting of Cadomian basement (Iberian Variscides). M. Sousa beneficiou de uma Bolsa de Doutoramento Comptes Rendus Geoscience, 341, 127-139. financiada pela Fundação para a Ciência e Tecnologia Ribeiro, A., Munhá, J., Dias, R., Mateus, A., Pereira, E., Ribeiro, M. L., Fonseca, P., Araújo, A., Oliveira, T., Romão, J., (SFRH/BD/47891/2008). Os autores agradecem todo o apoio Chaminé, H., Coke, C., Pedro, J., 2007. Geodynamic evolution do pessoal técnico do CPGeo-USP onde foram realizadas as of SW Europe Variscides. Tectonics, 26(6), análises geocronológicas, em particular ao Marcelo Pechio e Sato, K., Tassinari, C.C.G., Kawashita, K., Petronilho, L.A., Vasco Loios e ao colega Kei Sato. 1995. O método geocronológicoSm-Nd no IGc-USP e suas aplicações. Anais da Academia Brasileira de Ciências, 3(67), Referências 313-336. Silva, M.M.V.G. 1995. Mineralogia, petrologia e geoquímica de Borges, F.S., Marques, M., Noronha, F., 1985. Excursão geológica no encraves de rochas graníticas de algumas regiões complexo gnáissico da Foz do Douro. In: Livro guia das excursões portuguesas. Tese de doutoramento, Universidade de Coimbra geológicas a realizar e Portugal. IX Reunião sobre a Geologia do (não publicada), 288 p. Oeste Peninsular, Porto.