Oecologia Australis 25(2):620–641, 2021 https://doi.org/10.4257/oeco.2021.2502.24

ECOLOGIA DE PEIXES DE RIACHOS DE CAVERNAS E OUTROS HABITAT SUBTERRÂNEOS

Maria Elina Bichuette1*

1 Universidade Federal de São Carlos, Departamento de Ecologia e Biologia Evolutiva, Laboratório de Estudos Subterrâneos, Via Washington Luís, km 235, CEP 13565-905, São Carlos, SP, Brasil.

E-mail: [email protected] (*autora correspondente)

Resumo: O Brasil desponta como um país rico em cavidades naturais subterrâneas, com mais de 20.000 cavernas cadastradas oficialmente. Além das cavernas, as quais se desenvolvem em diferentes tipos de rocha, há outros habitat subterrâneos (hipógeos) com corpos d’água na forma de drenagens (riachos de nível de base), de afloramentos do freático (zona saturada) em cavernas inundadas ou na forma de poças e lagos dentro de cavidades, além de bolsões de aquíferos superiores formados por água de infiltração na rocha. Em alguns casos, as águas subterrâneas não afloram em cavidades, e sim em aluviões próximos a rios, representando uma zona hiporreica. A ictiofauna subterrânea brasileira é composta por peixes restritos às cavernas e outros habitat subterrâneos (geralmente categorizados como troglóbios/estigóbios) ou por espécies que possuem populações bem estabelecidas nestes habitat, mas que também ocorrem em riachos e corpos d’água da superfície (categorizados como troglófilos). Atualmente há mais de 80 espécies de peixes com populações troglóbias e troglófilas no Brasil. Alguns estudos populacionais para peixes troglóbios/freatóbios apresentam estimativas de tamanhos e densidades populacionais variáveis, geralmente caracterizadas por populações pequenas; uma tendência ao sedentarismo; baixos valores de fator de condição e estratégias de ciclos de vida tendendo ao K dentro do continuum r-K. Estas características são relacionadas às condições abióticas únicas destes habitat, tais como aporte de nutrientes baixo, infrequente e muitas vezes imprevisível, o que pode representar um filtro acentuado. Em relação à conservação, os peixes de riachos de cavernas e de outros habitat subterrâneos encontram-se ameaçados e a maioria das espécies descritas formalmente está inserida em listas de fauna ameaçada no Brasil, apenas quatro espécies foram incluídas e avaliadas globalmente (a piaba Stygichthys typhlops e os bagres kronei, cisternarum e Phreatobius sanguijuela).

Palavras chave: Peixes subterrâneos; Cavernas; Freático; Epicarste; Ecologia; Conservação; Brasil.

ECOLOGY OF OF CAVE STREAMS AND OTHER SUBTERRANEAN HABITAT: Brazil is rich in caves, with more than 20,000 officially registered. In addition to the caves, which develop in different types of rock, there are other subterranean habitat (hypogean) with bodies of water in the form of drainages (level base streams), outcrops of the water table (saturated zone) in flooded caves or in the form of pools and lakes within caves, in addition to upper aquifers formed by infiltration of water in the rock. In some cases, groundwater does not emerge in caves, but in alluviums close to rivers, representing a hyporeic zone. The Brazilian subterranean ichthyofauna is composed of restricted to caves and other subterranean habitat (generally categorized as troglobites / stygobites) or that have well-established populations in these habitat, but which also occur in streams and bodies of water on the surface (categorized as troglophilics). Currently, there are more than 80 species of fish with troglobitic and troglophilic populations in Brazil. Bichuette | 621

Some population studies show estimates of varying population sizes and densities, generally characterized by small populations; a tendency towards a sedentary lifestyle; low condition factor values and life cycle strategies tending to K within the r-K continuum. These characteristics are related to the unique abiotic conditions of these habitat, such as low, infrequent and often unpredictable supply of nutrients, which can represent an accentuated filter. In relation to conservation, subterranean fish are threatened and most of the species formally described are included in lists of threatened fauna in Brazil. Only four species have been included and evaluated globally (Stygichthys typhlops, Pimelodella kronei, Phreatobius cisternarum and Phreatobius sanguijuela).

Keywords: Cave fishes; Caves; Phreatic; Epicarste; Ecology; Conservation; Brazil.

INTRODUÇÃO isolamento em habitat subterrâneos, definidas e nominadas como troglomorfismos (Christiansen Meio subterrâneo – conceitos e habitat 2012). É comum em várias citações a peixes que O meio subterrâneo ou hipógeo compreende ocorrem em habitat subterrâneos a denominação os espaços interconectados do subsolo, com “peixes troglomórficos”. dimensões variáveis, desde milímetros a grandes O Brasil desponta como um país rico em dimensões (cavernas), que foram formados em cavidades naturais subterrâneas, com mais de rocha maciça e estão preenchidos por água ou 20.000 cavernas cadastradas oficialmente (CANIE ar (Juberthie 2000). Quando comparado ao meio 2021). Além das cavernas, as quais se desenvolvem epígeo (superfície), o ambiente subterrâneo em diferentes tipos de rocha ou sedimentos apresenta algumas particularidades: ausência (calcários, dolomitos, arenitos, quartzitos, permanente de luz nas zonas profundas, granitos, minérios de ferro), há outros habitat acarretando a exclusão de organismos subterrâneos com corpos d’água na forma de fotossintetizantes, o que geralmente resulta em drenagens (riachos de nível de base que conectam- condições de escassez alimentar e dependência de se ou não com a superfície por sumidouros ou itens alóctones, tendência à estabilidade térmica ressurgências), de afloramentos do freático (zona e elevada umidade relativa do ar, aproximando-se saturada) em cavernas inundadas ou na forma de da saturação. Estas últimas relacionadas ao efeito poças e lagos dentro de cavidades, e, de bolsões tampão da rocha circundante (Culver & Pipan de aquíferos superiores formados por água de 2009). infiltração na rocha, definido como epicarste Organismos regularmente encontrados que pode formar tributários vadosos (Figura em ambientes subterrâneos são classificados 1a–d). A maior parte das cavernas desenvolve- considerando-se suas histórias ecológico- se em terrenos cársticos (principalmente em evolutivas. Assim, a classificação tradicional rochas carbonáticas), que representa uma feição considerada por Schiner-Racovitza em 1907 geomorfológica devido a dissolução química da discute a ocorrência ou não no meio superficial rocha. Em alguns casos, as águas subterrâneas (epígeo) e a ocorrência de estados de caráter não afloram em cavidades, e sim em aluviões relacionados ao isolamento no meio hipógeo: próximos a rios, representando um horizonte populações trogloxenas - habitam o meio hipógeo freático. regularmente, no entanto, devem retornar A ictiofauna subterrânea brasileira destaca- periodicamente à superfície para completarem se por sua diversidade taxonômica, tanto em seu ciclo de vida; populações troglófilas - capazes nível familiar (sete famílias) quanto genérica (13 de colonizar efetivamente tanto o meio hipógeo gêneros). Atualmente há registro de 36 táxons quanto o epígeo, são os subterrâneos facultativos; exclusivamente subterrâneos (populações populações troglóbias - restritos ao meio troglóbias), distribuídos em sete famílias, subterrâneo, incapazes de estabelecer populações ocorrendo em cavernas e outros habitat hipógeos epígeas (Holsinger & Culver 1988). Troglóbios de cinco bacias hidrográficas (Tabela 1, Figura 2a– podem apresentar características relacionadas ao c). A grande maioria pertence à ordem Siluriformes

Oecol. Aust. 25(2):620–641, 2021 622 | Ecologia de peixes subterrâneos

Figura 1. Habitat aquáticos subterrâneos. a) riachos de nível de base interconectado com a superfície, freático, zona vadosa e epicarste; b) Zona hiporreica; c) Caverna inundada (Abismo Anhumas, Mato Grosso do Sul); d) Sumidouro (Lapa São Vicente, Goiás). Figure 1. Subterranean aquatic habitat. a) base level streams interconnected with the surface, water table, vadose zone and epicarste; b) Hyporrheic zone; c) Flooded cave (Abismo Anhumas, Mato Grosso do Sul); d) Sumidouro (Lapa São Vicente, Goiás). (bagres e cascudos), principalmente das famílias variáveis, desde riachos de nível de base de Trichomycteridae e (Trajano & fluxo rápido ou lêntico, epicarste alimentando Bichuette 2010) (Figura 2a). tributários vadosos (aquíferos superiores), além de Os países com a maior riqueza de peixes zonas saturadas de lençóis freáticos, representado hipógeos são China (+79 espécies) e Brasil (36 por cavernas inundadas. Peixes isolados nestes espécies). Entretanto, o Brasil compara-se à tipos de ambientes são adaptados a diferentes China quanto à diversidade filogenética (10 condições ecológicas, variando desde uma gêneros em quatro famílias – gêneros Bibarba, acentuada escassez alimentar, frequentemente Oreonectes, Paralepidocephalus, Protocobitis, sazonal, até uma relativa estabilidade climática Pseudosinocyclocheilus, Sinocyclocheilus, e, em alguns casos, abundância de recursos Triplophysa, Troglonectes, Xiueranbagrus, alimentares. Yunannilus) (Niemiller et al. 2019), o que demonstra Os bagrinhos da família Trichomycteridae que o Brasil além de rico taxonomicamente, pode (ordem Siluriformes) despontam com quatro ser considerado diverso filogeneticamente. Tal gêneros (Trichomycterus, Ituglanis, Glaphyropoma fato, juntamente com as cerca de 50 populações e Copionodon) em 15 espécies (Figura 3a) e troglófilas que ocorrem no Brasil, (Bichuette & ocorrem em diversos tipos de habitat, como Trajano 2003, Trajano & Bichuette 2010, Rabello riachos de nível de base, epicarste, tributários 2021), evidenciam a urgência da proteção de vadosos alimentados por águas do epicarste e habitat subterrâneos e dos peixes que aí ocorrem. zona saturada (freático) (Figura 4). Siluriformes Os peixes subterrâneos brasileiros ocupam uma da família Heptapteridae representam o segundo grande diversidade de habitat, com características grupo com representantes exclusivos em águas

Oecol. Aust. 25(2):620–641, 2021 Bichuette | 623

Tabela 1. Peixes subterrâneos brasileiros por região/tipo de rocha, bacias hidrográficas e habitat. Táxons não descritos foram designados com nomes das regiões de ocorrência (localidades), entre aspas. Table 1. Brazilian subterranean fish by region / rock type, basins and habitat. Taxa not described were designated with names of the regions of occurrence (localities), in quotation marks. Táxon Região/Rocha Bacia Habitat Stygichthys typhlops Brittan & Minas Gerais/ Médio Rio São Freático superior Böhlke, 1965 Calcário Francisco (caverna) GYMNOTIFORMES Sternopygidae Eigenmannia vicentespelaea Triques, Riacho nível de Goiás/Calcário Alto Rio Tocantins 1996 base SILURIFORMES Loricariidae Hancistrus cryptophthalmus Reis, Riacho nível de Goiás/Calcário Alto Rio Tocantins 1987 base Ancistrus formoso Sabino & Trajano, Mato Grosso do Sul/ Alto Rio Paraguai Caverna inundada 1997 Calcário Mato Grosso do Sul/ Ancistrus sp. “bodoquena” Alto Rio Paraguai Caverna inundada Calcário Callichthyidae Aspidoras mephisto Tencatt & Riacho nível de Goiás/Calcário Alto Rio Tocantins Bichuette, 2017 base Trichomycteridae Trichomycterus itacarambiensis de Minas Gerais/ Médio Rio São Riacho nível de Pinna & Trajano, 1996 Calcário Francisco base Trichomycterus dali Rizzato, Costa-Jr, Mato Grosso do Sul/ Alto Rio Paraguai Caverna inundada Trajano, & Bichuette, 2011 Calcário Trichomycterus rubbioli Bichuette & Bahia/Calcário Alto Rio Tocantins Tributário vadoso Rizzato, 2012 Médio Rio São Riacho nível de Trichomycterus sp. “ramalho” Bahia/Calcário Francisco base Médio Rio São Freático superior Trichomycterus sp. “iu iu” Bahia/Calcário Francisco (caverna) Ituglanis passensis Fernández & Riacho nível de Goiás/Calcário Alto Rio Tocantins Bichuette, 2002 base Ituglanis bambui Bichuette & Goiás/Calcário Alto Rio Tocantins Tributário vadoso Trajano, 2004 Ituglanis epikarsticus Bichuette & Goiás/Calcário Alto Rio Tocantins Epicarste Trajano, 2004 Ituglanis ramiroi Bichuette & Goiás/Calcário Alto Rio Tocantins Tributário vadoso Trajano, 2004 Ituglanis mambai Bichuette & Riacho nível de Goiás/Calcário Alto Rio Tocantins Trajano, 2008 base Ituglanis boticario Rizzato & Riacho nível de Goiás/Calcário Alto Rio Tocantins Bichuette, 2014 base Ituglanis sp. “terra ronca” Goiás/Calcário Alto Rio Tocantins Tributário vadoso

Tabela 1. Continua na próxima página... Table 1. Continues on next page...

Oecol. Aust. 25(2):620–641, 2021 624 | Ecologia de peixes subterrâneos

Tabela 1. ...continuação Table 1. ...continued

Táxon Região/Rocha Bacia Habitat Riacho de nível de Ituglanis sp. “posse” Goiás/Calcário Alto Rio Tocantins base Minas Gerais/ Alto Rio São Riacho nível de Ituglanis sp. “canastra” Calcário Francisco base Glaphyropoma spinosum Bichuette, Riacho nível de Bahia/Arenito Alto Rio Paraguaçu de Pinna & Trajano, 2008 base Riacho nível de Copionodon sp. “igatu” Bahia/Arenito Alto Rio Paraguaçu base Heptapteridae Riacho nível de Pimelodella kronei (Ribeiro, 1907) São Paulo/Calcário Alto Rio Ribeira base Pimelodella spelaea Reis, Bichuette & Goiás/Calcário Alto Rio Tocantins Tributário vadoso Trajano, 2007 Riacho nível de Pimelodella sp. “açungui” São Paulo/Evaporitos Alto Rio Ribeira base Rhamdia enfurnada Bichuette & Médio Rio São Riacho nível de Bahia/Calcário Trajano, 2005 Francisco base Mato Grosso do Sul/ Riacho nível de Rhamdia sp. “bodoquena” Alto Rio Paraguai Calcário base Rhamdiopsis krugi Bockmann & Freático superior Bahia/Calcário Alto Rio Paraguaçu Castro, 2010 (caverna) Médio Rio São Freático superior Rhamdiopsis sp. “campo formoso” Bahia/Calcário Francisco (caverna) Minas Gerais/ Médio Rio São Riacho nível de Rhamdiopsis sp. “cordisburgo” Calcário Francisco base Médio Rio São Freático superior Rhamdiopsis sp. “caatinga” Bahia/Calcário Francisco (caverna) Médio São Freático superior Rhamdiopsis sp. “ramalho Bahia/Calcário Francisco (caverna) Freático superior Phenacorhamdia sp. “posse” Goiás/Calcário Alto Rio Tocantins (caverna) Phreatobiidae Phreatobius cisternarum Goeldi, Pará, Amazonas/ Amazonas Freático (aluvião) 1905 Aluvião Phreatobius dracunculus Shibatta, Rondônia/Aluvião Amazonas Freático (aluvião) Muriel-Cunha & de Pinna, 2007 Phreatobius sanguijuela Fernández, Saucedo, Carvajal-Vallejos & Rondônia/Aluvião Amazonas Freático (aluvião) Schaefer, 2007 subterrâneas (10 espécies, gêneros Rhamdia, exclusivas da bacia Amazônia. Os microhabitat Rhamdiopsis, Phenacorhamdia e Pimelodella) destes bagrinhos é formado por água de aquíferos, (Figura 3b), também ocorrendo em diversos que afloram na serapilheira ou em poços artificiais habitat, desde riachos de nível de base, tributários cavados no solo, sendo estes ambientes sempre vadosos alimentados por epicarste, cavernas marginais a drenagens (Figuras 1b e 4) (Ohara et inundadas, e mesmo poças formadas por águas al. 2016). Os cascudinhos da família Loricariidae, do hiporreico (Figura 4). Neste habitat único estão representados por três espécies, todas do ocorre um bagrinho da família Phreatobiidae do gênero Ancistrus (Figura 3d) e ocorrem em riachos gênero Phreatobius (Figura 3c) com três espécies de nível de base, em trechos de grande correnteza.

Oecol. Aust. 25(2):620–641, 2021 Bichuette | 625

Duas ordens, Gymnotiformes e Characiformes e uma família de Siluriformes (Callichthyidae), possuem um único representante subterrâneo cada. Os peixes-elétricos da ordem Gymnotiformes vivem em águas turvas e / ou têm atividade noturna, orientando-se por eletrorrecepção, características úteis para um modo de vida subterrâneo. A espécie troglóbia, Eigenmannia vicentespelaea (Figura 3e), exemplo de peixe-elétrico, ocorre em um único sistema de cavernas no Brasil, em trechos de correnteza moderada em riachos de nível de base (Bichuette 2003, Bichuette & Trajano 2015). O único representante subterrâneo para a ordem Characiformes é a piaba emblemática Stygichthys typhlops (Figura 3f), drasticamente ameaçada e que necessita de esforços imediatos para sua conservação; essa espécie representa os graus de ameaça de outros peixes subterrâneos no Brasil, por isso é emblemática. Stygichthys typhlops utiliza os espaços de águas lênticas do freático da região de Jaíba (Minas Gerais). O acesso às suas populações ocorreu por meio de poços artificiais nos anos de 1960, sendo redescoberta em 2004 (Moreira et al. 2010). O cascudinho troglóbio Aspidoras mephisto, representa a única espécie de Callichthyidae troglóbia para a América do Sul. Esta espécie ocorre em três cavernas da região de Posse no estado de Goiás, com densidades populacionais elevadas e ameaças no seu entorno (Tencatt & Bichuette 2017) (Figura 3g). As áreas cársticas de São Domingos, Posse e Mambaí, região nordeste do estado de Goiás e bacia do Alto Rio Tocantins, é a mais rica em espécies subterrâneas (12 espécies) (Reis 1987, Triques 1996, Fernández & Bichuette 2002, Bichuette & Trajano 2004, Bichuette & Trajano 2008, Rizzato Figura 2. Distribuição e representatividade dos & Bichuette 2014, Tencatt & Bichuette 2017) e peixes subterrâneos brasileiros: a) por famílias; b) troglófilas (Bichuette & Trajano 2003). No entanto, por regiões; c) por bacias hidrográficas. os troglóbios mais especializados ocorrem em Figure 2. Distribution and representativeness of áreas cársticas do semi-árido localizadas na Bahia Brazilian subterranean fish: a) by families; b) by (bacias do Alto Rio Paraguaçu e do Médio Rio São regions; c) by Hydrographic Basins. Francisco). Dentre as nove espécies que ocorrem nesta região (gêneros Copionodon, Glaphyropoma, as drenagens superficiais não são perenes (bacia Trichomycterus, Rhamdia e Rhamdiopsis), as do Médio São Francisco). Neste caso, os peixes pertencentes ao gênero Rhamdiopsis são as geralmente estão confinados às águas freáticas mais especializadas, com estados de caráter (Tabela 1, Figura 2c). A bacia do Alto Paraguai (nos relacionados ao isolamento em habitat hipógeos, estados do Mato Grosso e Mato Grosso do Sul) como anoftalmia e despigmentação melânica também mostra-se particularmente importante, cutânea, dentre outras especializações. Espécies mesmo que ainda a riqueza seja baixa, pois há do gênero Rhamdiopsis ocorrem em regiões onde ocorrência de populações de peixes em diversas

Oecol. Aust. 25(2):620–641, 2021 626 | Ecologia de peixes subterrâneos

Figura 3. Representantes de peixes subterrâneos brasileiros. a) Ituglanis passensis; b) Rhamdiopsis sp. “caatinga”; c) Phreatobius sanguijuela; d) Ancistrus cryptophthalmus; e) Eigenmannia vicentespelaea; f) Stygichthys typhlops; g) Aspidoras mephisto. Figure 3. Representatives of Brazilian subterranean fish. a)Ituglanis passensis; b) Rhamdiopsis sp.“caatinga: c) Phreatobius sanguijuela; d) Ancistrus cryptophthalmus; e) Eigenmannia vicentespelaea; f) Stygichthys typhlops; g) Aspidoras mephisto. cavernas inundadas desta região, o que implica pouco conhecidas e possuem inumeras lacunas, em área potencial para elevada diversidade de representando um gargalo. troglóbios (Cordeiro 2014). Idealmente, diferentes As populações troglófilas de peixes são tipos de evidências, tais como geomorfologia, particularmente importantes, e o Brasil também evidências paleoclimáticas, biogeografia, devem se destaca para esta categoria. A diferenciação ser consideradas a fim de revelar os processos mais entre peixes troglófilos e acidentais em cavernas prováveis que levam à diversificação da fauna depende de estudos populacionais com foco na subterrânea. Cabe ressaltar que a insuficiência distribuição e reprodução neste ambiente. Definir amostral é grande em diversas regiões brasileiras tais populações não é uma tarefa trivial e há ainda (défice Linneano), principalmente nos estados do poucos estudos de cunho ecológico conduzidos Mato Grosso, Amazonas, Pará, Maranhão, Ceará, até então, sendo a maioria sobre a ocorrência Minas Gerais, Paraná, Santa Catarina, o que dos táxons ou aspectos da biologia, como dieta implica em um défice Wallaceano (Whittaker et e reprodução (Bichuette & Trajano 2003). Peixes al. 2005), já que as distribuiçes geograficas sao das ordens Siluriformes e Gymnotiformes tem

Oecol. Aust. 25(2):620–641, 2021 Bichuette | 627

Figura 4. Representatividade dos peixes em habitat subterrâneos. Figure 4. Representativeness of fish in subterranean habitat. sido os mais recorrentes em cavernas dos estados Bichuette 2007, Bichuette & Trajano 2015, Guil da Bahia, Goiás, Minas Gerais e São Paulo 2011, Trajano et al. 2009b, Borghezan 2013). Esses (Gerhard 1999, Bichuette & Trajano 2003, Trajano trabalhos incluem informações sobre parâmetros et al. 2009a, b, Secutti & Bichuette 2013, Ratton populacionais, como tamanhos e densidades, et al. 2018). Mesmo entre os Characiformes os movimentos de peixes e aspectos de histórias de registros têm sido recorrentes: populações de vida, como alimentação, reprodução e taxas de traíras da família Erythrinidae, frequentes em crescimento. algumas cavernas que abrigam populações de presas potenciais (Bichuette & Trajano 2021), Ecologia e Conservação além de diversas espécies da família Characidae. Habitat Peixes de outras ordens também tem ocorrido Em relação aos habitat, os peixes subterrâneos como populações troglófilas tais como ciclídeos brasileiros ocorrem desde sedimentos aluviais (Ordem Cichliformes), sinbranquídeos (ordem em zona hiporreica, epicarste que alimenta Synbranchiformes) e Cyprinodontiformes. tributários vadosos, riachos de nível de base rasos, O Brasil destaca-se em termos mundiais em cavernas inundadas, e freático (zona saturada). A estudos ecológicos de peixes subterrâneos. Estes maioria ocorre em riachos de nível de base, um tiveram início nos anos 1990 (ver Trajano 2001 dos primeiros passos na colonização de outros para um panorama amplo e, a partir dos anos habitat, entretanto, é notável a ocorrência de 2000, alguns trabalhos gerais foram publicados peixes em habitat únicos. Ituglanis epikarsticus (Trajano 2001). Estudos subsequentes foram (Trichomycteridae) foi reportado para um aquífero então conduzidos com bagres das famílias epicárstico alimentado por água de infiltração Trichomycterdae e Heptapteridade, além de na rocha (Figura 5a, b) em uma única caverna cascudos Loricariidae e os peixes-elétricos do nordeste de Goiás, registro único em termos Sternopygidae (Bichuette 2003, Trajano & mundiais. Ainda, há evidências que apontam

Oecol. Aust. 25(2):620–641, 2021 628 | Ecologia de peixes subterrâneos

Figura 5. Represas de travertinos alimentadas por água de epicarste (a), Lapa do São Mateus, São Domingos, Goiás, localidade-tipo da espécie Ituglanis epikarsticus (b). Figure 5. Travertine pools fed by epicarste water (a), Lapa do São Mateus, São Domingos, Goiás, type-locality of Ituglanis epikarsticus (b). o mesmo para outras duas espécies troglóbias typhlops e aos bagrinhos do gênero Phreatobius, da mesma região, Ituglanis bambui e I. ramiroi sempre amostrados em poços artificiais de (Bichuette 2003, Bichuette & Trajano 2004). Para afloramento de águas cársticas (no caso de os bagres Copionodontinae (Trichomycteridae, Stygichthys typhlops) ou em bancos de serapilheira gêneros Glaphyropoma e Copionodon), os riachos submersos e poços cavados no solo onde águas do de nível de base atravessam cavernas em arenito hiporreico afloram (no caso da espécie Phreatobius associado a quartzitos e conglomerados, o que spp.). Tais habitat são extremamente vulneráveis representa o único registro de peixes troglóbios às perturbações, além de serem únicos em termos neste tipo de rocha (Figura 6a, b) (Bichuette et al. mundiais e pouco reportados na literatura (Figura 2008). 1b). Os principais impactos estão relacionados A maioria dos peixes subterrâneos brasileiros ao uso excessivo de águas subterrâneas para vive em habitat subterrâneos acessíveis por irrigação de grandes plantações ou mesmo para cavernas, exceção à piaba branca Stygichthys subsistência.

Oecol. Aust. 25(2):620–641, 2021 Bichuette | 629

Hábitos alimentares e Fator de Condição Os estudos tem mostrado que a maioria dos peixes que ocorrem em habitat subterrâneos, sejam populações troglóbias (exclusivas) ou troglófilas é representada por carnívoros generalistas (tricomicterídeos, heptapterídeos, freatobiídeos, caracídeos, além de diversas espécies de gimnotiformes) (Trajano 1997, Bichuette 2003, Bichuette & Trajano 2003, Simões et al. 2013), com alguns casos de preferência alimentar. É o observado para as espécies de Phreatobius, as quais se alimentam preferencialmente de minhocas aquáticas (Ohara et al. 2016). De fato, os peixes que vivem em habitat subterrâneos podem explorar muitos tipos de recursos, como crustáceos (anfípodes, ostrácodes, isópodes, copépodes), insetos aquáticos (juvenis e adultos), moluscos, vermes (anelídeos), ácaros aquáticos, além de vários itens alóctones (invertebrados terrestres) (Trajano & Bichuette 2010). Canibalismo também tem sido registrado para a piaba branca S. typhlops (Moreira et al. 2010). Algumas particularidades podem demonstrar que o oportunismo em um ambiente escasso em alimento deve ser a regra, os bagrinhos Rhamdiopsis krugi da Chapada Diamantina, comumente forrageiam em guano submerso de morcegos hematófagos (Mendes 1995, M. E. Bichuette comunicação pessoal). A análise do conteúdo estomacal nesta espécie revelou que além de invertebrados autóctones Figura 6. Habitat da espécie Glaphyropoma e alóctones, o guano ocupa um volume spinosum (a) - riacho de nível de base em caverna significativo nos estômagos e mesmo que ingerido arenítica da Chapada Diamantina, Bahia (b). acidentalmente, pode representar um recurso Figure 6. Habitat of Glaphyropoma spinosum (a) energético para estes peixes (M. E. Bichuette – base-level stream in a sandstone cave of Chapada Diamantina, Bahia (b). comunicação pessoal). Cascudos do gênero Ancistrus, especificamenteA. cryptophthalmus, Por exemplo, as populações de Trichomycterus são tipicamente detritívoros (Trajano 2001a), itacarambiensis e de Ituglanis passensis e I. bambui alimentando-se do filme de detritos que cobrem apresentam tal padrão ao longo da estação seca as rochas e troncos nos trechos hipógeos de rios (Trajano 1997, Bichuette, 2003), além de uma subterrâneos em Goiás. Para aqueles estudos tendência de diminuição na diversidade de itens onde ocorreu comparação da dieta entre espécies alimentares e volumes estomacais ao longo das epígeas e hipógeas, evidenciou-se que as guildas estações secas (Trajano 1997, Bichuette 2003). tróficas são semelhantes as de seus parentes Estudos sobre fator de condição, que é um epígeos (Trajano 1989, Bichuette 2003, Bichuette & indicador do grau de higidez de um indivíduo ou Trajano 2015). até de populações inteiras, apresentam condições A elevada proporção de espécimes capturados alimentares recentes. Em geral, para os peixes com estômagos vazios ou com poucos itens troglóbios brasileiros, observam-se valores baixos, está diretamente relacionada com o efeito da demonstrando restrição alimentar, (Trajano & escassez de alimento em habitat subterrâneos. Bichuette 2010) e provavelmente o principal filtro

Oecol. Aust. 25(2):620–641, 2021 630 | Ecologia de peixes subterrâneos

às espécies que venham colonizar os habitat populações de Pimelodella kronei (Trajano 1991), hipógeos (Bichuette & Trajano 2021, Rabello 2021). Ancistrus cryptophthalmus (Trajano & Bichuette Entretanto, deve-se considerer que a maioria dos 2007) e Eigenmannia vicentespelaea (Bichuette & estudos sobre fator de condição foi conduzida ao Trajano 2015). longo de estações secas, quando, geralmente, este Em relação ao crescimento individual, diminui, demonstrando a influência da limitação taxas muito baixas (0,06 mm.mês-1 em média) alimentar nas espécies e populações. ou mesmo crescimento negativo, sugerindo decréscimo no seu tamanho, foram registradas Reprodução e ciclos de vida para Trichomycterus itacarambiensis (Trajano Os organismos troglóbios geralmente 1997) e Ituglanis passensis, com taxas de 0,89 -1 apresentam um estilo de vida tardio, como mm.mês em média e também crescimento -1 ovos com grande quantidade de vitelo, negativo (- 0,35 mm. mês ) (Bichuette & Trajano baixa fecundidade, reprodução atrasada e 2021). Baixas taxas de crescimento individual (0,35 -1 infrequente, taxas de crescimento lentas e alta - 0,70 mm.mês ) e crescimento negativo também longevidade (Culver & Pipan 2009). Algumas foram observadas para Ancistrus cryptophthalmus dessas características foram verificadas para (Trajano & Bichuette 2007). Para Pimelodella Trichomycterus itacarambiensis, Ancistrus kronei, as taxas médias de crescimento foram de -1 cryptophthalmus e Rhamdiopsis krugi, os 1,0 mm.mês (Trajano 1991). quais apresentam baixa proporção de fêmeas Longevidades elevadas têm sido observadas reprodutivas, produzindo ovos relativamente para diversos peixes troglóbios, através de modelos grandes, taxas de crescimento individual lentas baseados em estudos de captura-marcação- e alta longevidade, ultrapassando 10 anos para a recaptura ou indiretamente com peixes mantidos maioria das espécies, algumas chegando a 20-30 em condições de cativeiro (biotério de criação). anos (Trajano 1997, Trajano & Bichuette 2007, M. Trajano (1991) calculou uma taxa em torno de E. Bichuette comunicação pessoal). O estilo de 10 - 15 anos para Pimelodella kronei através de vida tardio pode ser uma característica já presente estimativas baseadas em modelos populacionais. nos ancestrais epígeos, favorecendo a colonização Indivíduos da espécie Rhamdia enfurnada estão de habitat subterrâneos (Trajano 1989, Bichuette há 18 anos em condições de cativeiro (M.E. 2003). Bichuette comunicação pessoal). Bichuette (2003) Em geral, os dados reprodutivos para peixes estimou, utilizando modelos populacionais, subterrâneos são limitados, uma vez que vários de longevidade de 10 anos para bagres do gênero seus habitat não são acessíveis durante os períodos Ituglanis de Goiás (Trichomycteridae) e mais de chuvosos e as coletas representam amostras 20 anos em condições de cativeiro para duas das pequenas. Entretanto a estabilidade ambiental cinco espécies troglóbias deste gênero (Ituglanis observada na maioria destes habitat, influencia ramiroi e I. bambui). Para Trichomycterus alguns aspectos reprodutivos, observados itacarambiensis a estimativa foi de sete anos para algumas espécies troglóbias. Reprodução através de modelos populacionais (Trajano 1997) fracamente sazonal foi observada para os e de pelo menos 15 anos em condições de cativeiro bagrinhos Rhamdiopsis krugi e Trichomycterus (M.E. Bichuette comunicação pessoal). Alta itacarambiensis, os quais apresentaram fêmeas longevidade também é observada para uma nova com gônadas desenvolvidas no final da estação espécie de Trichomycterus da região da Serra do chuvosa, sugerindo um pico reprodutivo neste Ramalho (Bahia), mantida em cativeiro há nove período (Mendes 1995, Trajano 1997, M. E. anos (M.E. Bichuette comunicação pessoal). Os Bichuette comunicação pessoal). O oposto foi cascudinhos Ancistrus cryptophthalmus estão há observado para os bagres Ituglanis passensis e I. 23 anos em condições de cativeiro, reproduzindo- bambui, indicando pico reprodutivo no final da se duas vezes ao ano (M.E. Bichuette comunicação estação seca, quando foi observado um número pessoal). A piaba branca Stygichthys typhlops maior de fêmeas com ovócitos no máximo de está há 13 anos em condições de cativeiro (M.E. seu desenvolvimento (Bichuette 2003). Ainda, Bichuette comunicação pessoal). Os dados reprodução não sazonal foi observada para as relacionados à manutenção em cativeiro vem do

Oecol. Aust. 25(2):620–641, 2021 Bichuette | 631 plantel do Laboratório de Estudos Subterrâneos, epikarsticus, Stygichthys typhlops e as espécies UFSCar, com registro na CEUA da mesma de Phreatobius da região Amazônica. Ohara et al. universidade (responsável: M. E. Bichuette). Esses (2016) apresentaram dados de abundância por dados corroboram a hipótese de longevidade alta local de ocorrência para a espécie Phreatobius para táxons troglóbios. sanguijuela, entre 3 a 14 indivíduos por poço, valores difíceis de definir como baixas ou altas Populações densidades. Ainda, em muitos estudos de CMR Estudos de cunho populacional foram realizados os indivíduos jovens ou muito diminutos não são por meio dos métodos de captura-marcação- considerados devido a dificuldade em marcá-los recaptura (CMR) ou censo visual (CV). Para o e as estimativas apresentam vieses (Bichuette, método de CMR, as densidades populacionais 2003). foram calculadas dividindo-se o tamanho As densidades populacionais em geral estimado da população pela área total (obtida a são pequenas para os peixes troglóbios e partir de mapas topográficos das cavernas) ou freatóbios brasileiros (maioria menores que -2 modelos matemáticos com inclusão das variáveis 0,3 indivíduos.m ) (Tabela 2), o que já denota reguladoras. Para CV, os valores de densidades fragilidade às perturbações ambientais. Os correspondem, geralmente, às contagens no tamanhos populacionais em geral pequenos habitat acessível divididas pela área amostrada, (Tabela 2) estão relacionados à própria extensão uma estimativa simples (veja aplicação do do habitat, menor que as paisagens da superfície. método em Bichuette & Trajano 2021). Os Portanto espera-se que estas populações sejam métodos de captura-marcação-recaptura e de menores que as dos parentes epígeos, o que censo visual tem se mostrado eficientes, com demonstra o forte filtro ambiental dos habitat algumas restrições. No caso de CV, por exemplo, subterrâneos. a observação direta através de mergulho livre ou espeleomergulho (técnica que requer formação Ameaças e Conservação específica e treinamento) ou indireta, tem Atualmente são conhecidas +220 espécies válidas trazido informações relevantes (Cordeiro 2014), de peixes troglóbias no mundo (Niemiller et al. entretanto, com alguns vieses nas contagens. 2019) e, para o Brasil, das 36 espécies, 16 estão O método de CMR possibilita entender a incluídas em Lista de Fauna Ameaçada Brasileira área de vida das espécies. Estudos detalhados (Gallão & Bichuette 2012, 2018), homologada de deslocamentos de peixes troglóbios foram pelo Instituto Chico Mendes para Conservação realizados para Pimelodella kronei (Trajano da Biodiversidade (ICMBio) e publicada em 1991, Guil 2011), Trichomycterus itacarambiensis 2014. São nove espécies inseridas na categoria (Trajano 1997), Ituglanis passensis e I. bambui Vulnerável (VU – Ancistrus formoso, Eigenmannia (Bichuette 2003, Bichuette & Trajano 2021), vicentespelaea, Glaphyropoma spinosum, Ituglanis além de Ancistrus crypthophthalmus (Trajano & epikarsticus, Ituglanis passensis, Ituglanis Bichuette 2007). Tais estudos mostraram um alto ramiroi, Rhamdiopsis krugi, Trichomycterus grau de sedentarismo para estas espécies. dali, Trichomycterus rubbioli), cinco espécies Observa-se uma grande variação nas na categoria Em Perigo (EN – Ancistrus densidades e alguma variação nos tamanhos cryptophthalmus, Ituglanis mambai, Pimelodella populacionais (Tabela 2), às vezes relacionada kronei, Pimelodella spelaea e Stygichthys typhlops) aos métodos não tão robustos (como censo e duas espécies na categoria Criticamente em visual), à dificuldade em acessar espaços Perigo (CR – Ituglanis bambui e Trichomycetrus como o epicarste, freático e aluviões (parte itacarambiensis). Uma espécie foi considerada do hiporreico) ou mesmo pelo fato de muitas Menos Preocupante (LC - Rhamdia enfurnada). populações terem distribuição ampla no maciço Apenas quatro espécies troglóbias estão incluídas cárstico (distribuição em várias cavernas de um em Lista Global de Ameaça da IUCN - IUCN Red mesmo sistema como os cascudinhos Ancistrus List of Threatened Species (IUCN 2021): Stygichthys cryptophthalmus) ou mesmo vadoso, freático typhlops, Pimelodella kronei e Phreatobius e hiporreico, como por exemplo Ituglanis cisternarum como Dados Insuficientes (DD) e

Oecol. Aust. 25(2):620–641, 2021 632 | Ecologia de peixes subterrâneos

Tabela 2. Densidades e Tamanhos populacionais para peixes subterrâneos brasileiros (métodos de Captura-Marcação Recaptura/CMR ou Censo Visual/CV). Valores apresentados em faixas de variação ou números absolutos. *, Dados populacionais por referências; sobre-escritos para Rhamdiopsis krugi e Ancistrus cryptophthalmus representam as densidades para cada localidade de ocorrência destas espécies (cavernas). Table 2. Densities and population sizes for Brazilian subterranean fish (Capture-Marking Recapture / CMR or Visual Census / CV methods). Values represented in ranges or absolute numbers. *, Population data by references; overwritten for Rhamdiopsis krugi and Ancistrus cryptophthalmus represent the densities for each locality of occurrence of these species (caves).

Densidades Tamanhos Espécie -2 (número de Referências (inds.m ) indivíduos) Pimelodella kronei 0,1-1,0 900-1.200* Trajano (1991)*, Guil - CMR 600-750** (2011)** Trichomycterus itacarambiensis - CMR 0,1-1,0 1.500-2.000 Trajano (1997) Trichomycterus dali - CV 0,01-0,1 - Rizzato et al. (2011) Bichuette & Rizzato Trichomycterus rubbioli - CV 0,1 - (2012), M.E. Bichuette (comunicação pessoal) Rhamdiopsis krugi (quatro populações Poço Encantado, Azul-Pratinha, Poço Azul 0,1 - Mendes (1995) do Milu, Lapa Doce) - CV Rhamdiopsis krugi (Sete populações - Poço Encantado1, 0,16; 0,35; 1,01; M.E. Bichuette Natal2, Moreno3, Lapa do Bode4, Torrinha5, 3,02; 4,03,7; - (comunicação pessoal) Artemizia6, Canoa Quebrada7) - CV 9,04 Rhamdiopsis sp. “campo formoso” - CV 0,1 - Trajano & Bichuette (2010) Ancistrus cryptophthalmus 1,01 20.0001 (populações Angélica1 e Passa Três2) - CMR 0,6252 1.0002 Trajano & Bichuette (2007)

Ituglanis passensis Bichuette (2003), Bichuette - CMR 0,08-0,65 504 & Trajano (2021) Ituglanis bambui Bichuette (2003), Bichuette - CMR 0,08-0,27 63-246 & Trajano (2021) Ituglanis ramiroi Bichuette (2003), Bichuette - CV 0,13-0,3 - & Trajano (2021) Ituglanis epikarsticus Bichuette (2003), Bichuette - CV 0,03-0,17 - & Trajano (2021)

Ituglanis mambai - CV 0,12 250 Bichuette & Trajano (2008)

Ituglanis M.E. Bichuette sp. “canastra” - CV 0,3 - (comunicação pessoal)

Aspidoras mephisto - CV 5-6 - Tencatt & Bichuette (2017)

Eigenmannia vicentespelaea - CV 0,04-0,172 - Bichuette & Trajano (2015)

Phreatobius sanguijuela como criticamente em menos estar presente na categoria vulnerável (VU) perigo (CR). Tal fato impossibilita ações mais da IUCN (International Union for Conservation globais de conservação. of Nature). Ainda, a intensa exploração de Espécies subterrâneas são inerentemente bens minerais e o aumento na construção de frágeis e vulneráveis a alterações ambientais, hidrelétricas observados desde 2008, após a apresentando populações frequentemente publicação do DECRETO FEDERAL 6640 que pequenas e com baixa resiliência. Assim, todas categoriza cavernas em níveis de relevância, as espécies deveriam ser protegidas por lei e ao observa-se drástico impacto em terrenos cársticos

Oecol. Aust. 25(2):620–641, 2021 Bichuette | 633 ou outros tipos de terrenos/afloramentos e áreas de recarga também deve estar na área de drenagens subterrâneas, aumentando as ameaças proteção. Por exemplo, as oito espécies de peixes às populações de peixes subterrâneos (Bichuette troglóbios que ocorrem em São Domingos, Goiás, & Trajano 2010, M. E. Bichuette comunicação estão localizadas em cavernas nos limites do pessoal). Parque Estadual de Terra Ronca (PeTER), estando As ameaças às populações de peixes teoricamente protegidas. Entretanto, uma das subterrâneos são inúmeras, tais como nascentes que atravessa o principal sistema de desmatamentos de margens de rios a montante cavernas da região (São Vicente) fica fora da área de sumidouros (Figura 1d) e consequente do Parque (Gallão & Bichuette 2012) e mesmo as assoreamento e diminuição do aporte de alimento nascentes dos outros sistemas com ocorrência para as populações de peixes, diminuição do de peixes troglóbios (Angélica, Bezerra, São volume de água devido uso excessivo desta Bernardo e São Mateus) tem impactos indiretos de para grandes projetos de irrigação e mesmo de plantações em larga escala próximas (Bichuette expansão urbana, destruição total do habitat & Trajano 2021). Aquela região é conhecida por projetos minerários, alteração de vazão de pela criação extensiva de gado, extração de rios por construção de hidrelétricas, poluição de madeira para produção de carvão, plantio de aquíferos por fitossanitários e esgoto doméstico, monoculturas no entorno (principalmente soja e supercoletas de peixes que possuem populações algodão) das nascentes causando assoreamento pequenas e vulneráveis, turismo não planejado de rios, poluição por uso de defensivos agrícolas e sem planos de manejo para visitação, dentre pulverizados por aviões. e, mais recentemente, outros (Gallão & Bichuette 2018). projetos de mineração (Gallão & Bichuette A piaba branca Stygichthys typhlops, que 2018, Bichuette & Trajano 2021). Próximo a São vive em zona freática na bacia do Médio Rio São Domingos há duas regiões com elevada riqueza Francisco, município de Jaíba, norte de Minas de peixes troglóbios, Posse e Mambaí, e nestes Gerais, representa uma espécie muito ameaçada casos, a principal ameaça é a expansãoo urbana (Bichuette et al. 2018). O córrego Escuro, e poluição de riachos (caso de Aspidoras mephisto) afloramento superficial do freático, era perene até (Tencatt & Bichuette 2017) e desmatamentos meados de 1980 e hoje é um riacho intermitente no entorno das cavidades para atividades de com drenagem superficial apenas no auge da pecuária, ameaçando as populações e Ituglanis estação chuvosa. Assim, é inevitável atribuir esse boticario, I. mambai e as ainda não descritas para rebaixamento acelerado ao intenso bombeamento a região (M. E. Bichuette comunicação pessoal). de água subterrânea, principalmente para O habitat do bagre Pimelodella kronei, habitante projetos de irrigação de plantações de frutas como das cavernas do Parque Estadual Turístico do Alto banana e manga. Outra ameaça é a contaminação Ribeira (PETAR), sul do estado de São Paulo, sofre do freático por defensivos agrícolas, devido com a poluição do riacho que atravessa o Sistema à intensa atividade agrícola (Moreira et al. Areias por saponáceos e mesmo lixo e esgoto 2010). A espécie foi avaliada como EN na Lista de casas próximas, além de visitação ainda sem Brasileira de Fauna Ameaçada de 2014 (Bichuette controle (Bichuette & Trajano 2010, M. E. Bichuette et al. 2018). Assim como Stygichthys typhlops, comunicação pessoal). Neste caso, é urgente o as três espécies de Phreatobius também estão mapeamento de todas as áreas de recarga não só distribuídas em aquíferos subterrâneos extensos, do sistema Areias, como também de outras com mais precisamente aluviões no hiporreico. Para ocorrência de populações de Pimelodella kronei. essas espécies é necessária uma delimitação Os limites espaciais de proteção das espécies, de área mínima de proteção. Apenas estudos além de englobar o habitat, devem também incluir populacionais irão possibilitar tal delimitação e as bacias e micro bacias e aquíferos associados possível proteção de espécies tão frágeis. nas quais estas se incluem, visto que grande parte A presença das espécies nas listas de fauna do alimento presente no meio subterrâneo é de ameaçada é eficaz na proteção do local em que origem alóctone e há forte influência dos impactos estas ocorrem, no entanto, e principalmente da paisagem na biota subterrânea (Bichuette & no caso específico de cavernas, o entorno e Trajano 2010). Ainda, densidades e/ou tamanhos

Oecol. Aust. 25(2):620–641, 2021 634 | Ecologia de peixes subterrâneos populacionais pequenos são norteadores nas Métodos de Estudo e Análises avaliações do status de conservação e são Distribuição e uso do espaço observados para a maioria dos peixes subterrâneos Os locais de ocorrência de peixes subterrâneos brasileiros. Tal fato já os categoriza sempre em devem ser descritos detalhadamente para o algum nível de ameaça (Gallão & Bichuette 2018, entendimento do uso do espaço por estes peixes e Bichuette & Trajano 2021) e reforça urgência na possíveis modificações relacionadas ao isolamento proposição de projetos de monitoramento de no meio hipógeo, preferências por microhabitat e longo prazo para essas populações. prever se estes peixes são tolerantes às alterações Por fim, deve-se flexibilizar a inclusão de físicas e poluição no ambiente hipógeo e seu espécies sem descrição formal nas Listas de Fauna entorno (como nas nascentes próximas, aquíferos). Ameaçada, pelo menos aquelas que apresentam Os métodos utilizados são os de observação diagnoses inequívocas e tenham exemplares direta. Geralmente anota-se os tipo de habitat testemunho depositados em coleções científicas (lótico ou lêntico, permanente ou temporário, fieis depositárias. profundo ou raso) e de substratos (rocha-mãe, blocos, seixos, cascalho, areia, silte). O ideal é ASPECTOS METODOLÓGICOS também efetuar diversos registros fotográficos e filmagens. Estudos focando populações subterrâneas de Para verificação de um possível filtro, peixes no Brasil tem priorizado aspectos acerca influenciada pela diminuição da influência de distribuição, biologia (dieta, reprodução) e do meio epígeo, variáveis físico-químicas (pH, autoecologia. Por se tratarem de populações que temperatura, condutividade, turbidez e oxigênio ocupam habitat que podem representar filtros dissolvido) são também medidas por meio de ecológicos e físicos (espaços restritos), e principal sondas multiparâmetros (Figura 7a), de preferência hipótese a ser testada, as principais perguntas a diferentes distâncias dos contatos com o exterior. que emergem são: (1) Qual a distribuição (local e A temperatura em maiores profundidades pode uso do espaço)? Há preferências por microhabitat ser medida por meio dos computadores de nos corpos d’água hipógeos? (2) Essas populações mergulho, e pH e oxigênio dissolvido podem ser possuem dietas restritas e particulares? Há medidos com coletas de água em garrafas para relação com a disponibilidade de alimento? profundidade. A vazão também representa uma (3) Há sazonalidade na dieta desses peixes? (4) variável importante a ser calculada utilizando-se Reproduzem-se periodicamente ou sazonalmente? dados de velocidade, largura e profundidade de (5) Essas populações apresentam altas taxas de trechos epígeos e hipógeos para comparação, a crescimento e são saudáveis, considerando-se o velocidade pode ser medida com um aparelho do grau de higidez? (6) Essas populações apresentam tipo fluxímetro (Figura 7b). ciclos de vida relacionados às especificidades do habitat? (7) Qual o tamanho e densidades dessas Dieta e Reprodução populações? Dependendo da pergunta, o estudo pode ser O conhecimento da dieta e reprodução dos a longo prazo (trianuais ou mais), tais como os peixes fornece dados importantes para que buscam entender a influência do ambiente o entendimento da estrutura trófica de em parâmetros populacionais, e mesmo projetos ecossistemas aquáticos como um todo e da de curto prazo (estudos anuais), quando se estrutura populacional. A maioria dos habitat pretende entender aspectos da biologia, em subterrâneos tende a ser restrito em relação termos qualitativos, tais como dieta e reprodução. ao alimento e, em muitos casos, este não está As respostas dessas questões podem trazer dados disponível de maneira sazonal, o que também que contam histórias evolutivas, de isolamento, influencia a reprodução dos peixes. únicas ou mesmo serem aplicadas em diversas Comparativamente aos métodos utilizados áreas do conhecimento, tais como a conservação para populações de peixes epígeos, há uma de espécies. diferença importante, as amostras, em geral, são pequenas, devido ao pequeno tamanho das

Oecol. Aust. 25(2):620–641, 2021 Bichuette | 635 populações subterrâneas. Para a detecção de possível sazonalidade na dieta e reprodução, coletas e eutanásia dos espécimes são conduzidas, sempre de maneira parcimoniosa, em diferentes ocasiões de visita (para projetos com réplicas em estações seca e chuvosa). Em geral, os estudos conduzidos no Brasil consideraram amostras entre 2 e 5 indivíduos por ocasião de visita. Após as coletas, a eutanásia é efetuada com doses letais de benzocaína ou MS 222, fixados em formol 10% por pelo menos três dias e preservados em álcool 70%. Em laboratório, estes são dissecados visando- se determinar o estádio gonadal, por exame macroscópico das gônadas, e realizar o exame do conteúdo estomacal. Esta análise é clássica e possibilita interpretações importantes acerca de dieta, preferência alimentar e mesmo possíveis épocas reprodutivas. Muitas localidades (cavernas dentre outros habitat) podem ser de difícil acesso, o que geralmente inviabiliza a análise de material fresco em campo. Os métodos de análise da dieta mais utilizados e geralmente simples são o de frequência de ocorrência (FO), tratando-se de um método qualitativo e não dando ideia do volume e biomassa do alimento consumido (Zavala-Camin 1996), o método de composição percentual (CP), que registra o número de ocorrências de cada item como porcentagem do número total de todos os itens e o de frequência volumétrica (FV), onde se registra o volume total de cada item e Figura 7. faz-se um cálculo da porcentagem em relação ao Medidas de variáveis ambientais. a) uso de sonda multiparâmetros; b) uso de aparelho do volume total de todos os itens (Luiz et al. 1998). tipo fluxímetro. Ainda, para definição do espectro alimentar Figure 7. Measurements of environmental variables. das espécies, pode-se utilizar combinação de a) use of multiparameter probe; b) use of a flow métodos (FO e FV), expressa no índice alimentar meter type device. (IA) de Kawakami & Vazzoler (1980), revelando a constância e participação de cada item, em termos abdominal, sendo possível a visualização, a olho de biomassa. nu, de ovócitos nas fêmeas. Em relação ao estudo da reprodução, os Os dados gerados nos estudos de dieta e estudos seguem métodos clássicos e diretos. reprodução podem ser relacionados às estações Geralmente determinando-se o sexo dos do ano (seca ou chuvosa e transições entre estas), indivíduos pela distinção da morfologia da distância e influência do ambiente epígeo e gônada e definidas categorias de estádio gonadal disponibilidade de alimento nos corpos d’água. (Vazzoler 1996): imaturos (IM), com as gônadas Ainda, a comparação com peixes aparentados que pouco desenvolvidas, ocupando um pequeno ocorrem em ambientes superficiais é fundamental espaço na cavidade abdominal; em maturação para detectar diferenças marcadas ou sutis e testar (EM), com as gônadas ocupando entre 1/3 a 2/3 filtros ambientais. da cavidade abdominal; ou maduros (MA), com as gônadas ocupando quase a totalidade da cavidade Fator de Condição

Oecol. Aust. 25(2):620–641, 2021 636 | Ecologia de peixes subterrâneos

Estudos relacionados ao fator de condição são Nos dois métodos de estudo devem ser fundamentais para entender a nutrição, higidez e considerados dois fatores primordiais: a mesmo doenças relacionadas diretamente com o possibilidade de acesso aos habitat, com segurança desenvolvimento dos peixes. aos pesquisadores (em muitos casos apenas O fator de condição é um indicador por meio de espeleomergulho) e o cuidado no qualitativo do grau de higidez ou de bem estar dos manuseio dos peixes, incluindo uso de anestésico peixes, indicando suas condições alimentares. para realização de medidas, pesagens e inclusão Este cálculo é dado pela relação entre o peso e o de marcas (tags ou tintas subcutâneas), já que, comprimento-padrão dos indivíduos (Bagenal em sua grande maioria, populações subterrâneas & Tesch 1978) e, pressupõe um incremento são pequenas e frágeis. Visitas aos locais de isométrico ou alométrico, independente da espécie estudo anteriores ao início das pesquisas (pilotos) em estudo (Vazzoler 1996). Os dados referentes aos também são fundamentais para que o projeto comprimentos-padrão e pesos tem sido obtidos tenha sucesso na execução, pois muitos habitat de estudos populacionais que utilizam o método aquáticos subterrâneos são efêmeros e mudam de captura-marcação-recaptura (CMR, detalhes constantemente, movendo suas populações. em tópico a seguir), o qual possibilita a obtenção Para o método de CMR, os peixes avistados de dados in loco dos peixes, ou seja, robustos em ao longo das seções estabelecidas nos riachos de relação às suas condições de higidez e nutrição. cavernas, poças, freático, tributários vadosos, Para a interpretação de diferenças nos valores devem ser capturados com apetrechos clássicos de K, podem ser confeccionados gráficos de de amostragem de peixes, vistoriando todas as distribuição do fator de condição (K), tais como possíveis tocas e revirando seixos nas cavernas histogramas de frequências, para cada localidade e outros habitat (Figura 8a, b) ou por instalação de ocorrência dos peixes (riachos de nível de base, de armadilhas do tipo covo, considerando-se poças, freático, tributários vadosos) e gráficos para número e tempo fixos. Após serem capturados, visualizar a dispersão dos dados, considerando-se os peixes devem ser anestesiados em solução de medianas dos valores de K e respectivos erros- benzocaína ou MS 222, medidos (comprimento- padrão. Cabe ressaltar que os valores de Fator de padrão - CP) com paquímetros (Figura 8c) Condição (K) devem ser calculados para amostras e pesados (P) com dinamômetro (Figura mínimas de três indivíduos para cada ambiente 8d). As marcas podem ser feitas com tintas de ocorrência. biocompatíveis (e.g., nanquim ou fluorescente) ou por meio de etiquetas alfanuméricas detectadas Populações, Taxas de Crescimento e Longevidade com luz ultravioleta (Figura 8e), ambas por meio Dependendo dos habitat de ocorrência dos peixes de injeção subcutânea. Com estes métodos, é subterrâneos, pode-se utilizar métodos mais possível um reconhecimento individual por meio robustos para entendimento dos parâmetros da associação entre a posição das marcas e as populacionais, tais como o método de captura- faixas de comprimento-padrão (no caso de uso marcação-recaptura (CMR) ou métodos indiretos de tintas) ou pela numeração específica de cada de contagens por meio de visualizações dos indivíduo (etiquetas alfanuméricas). Os dados indivíduos no ambiente (censo visual - CV), referentes a cada indivíduo capturado e marcado relacionando com medidas de área e volume deste. devem ser registrados em fichas numeradas, Os dois métodos (CMR e CV) implicam em uma com data e seção da captura, posição das marcas delimitação de esforço amostral, considerando- e outras observações pertinentes. Após tais se tempo e número de coletores/observadores procedimentos, os animais são liberados na e estabelecimentos das seções de estudo, com mesma seção em que são capturados. medidas acuradas de extensão, larguras e Para o estudo por meio de censo visual (CV), profundidades, além da descrição físico-químicas as contagens também devem seguir um protocolo desses ambientes (tipo de fundo, correnteza, pH, robusto relativo ao esforço amostral. O método temperatura, condutividade, salinidade, turbidez de CV é muito utilizado para habitas freáticos e e oxigênio dissolvido) e proximidade e influência cavernas inundadas, quando em geral, técnicas do ambiente epígeo (superfície). de snorkeling (primeiro caso) ou espeleomergulho

Oecol. Aust. 25(2):620–641, 2021 Bichuette | 637

Figura 8. Métodos para estudos populacionais. a) captura de peixes em riacho; b) captura de peixes em represas de travertinos; c) medidas de comprimento-padrão utilizando-se paquímetro; d) pesagem utilizando-se dinamômetro; e) processo de uso de etiquetas alfanuméricas para marcação. Figure 8. Methods for population studies. a) capture of fish in a stream; b) capture of fish in travertine dams; c) standard length measurements using a caliper; d) weighing using a dynamometer; and, process of using alphanumeric tags for marking.

(segundo caso), são as mais utilizadas ou ainda para populações fechadas, considerado o mais quando as amostragens são realizadas em uma simples para estudos utilizando marcação e única ocasião de visita. recaptura, baseando-se em um único episódio de Os dados obtidos podem ser utilizados para marcação e um único de recaptura (Begon 1979, determinação de abundância e cálculos de Krebs 1989). Tais métodos são os mais utilizados densidades populacionais mínimas e médias, para populações subterrâneas. Estimativas e estas últimas quando o estudo compreende cálculos podem ser efetuados no ambiente R (R réplicas em ciclos anuais, o que possibilita verificar Core Team 2017), por meio de scripts ou pacotes a existência de flutuações. específicos ou programas específicos como o Para estimativa de tamanho populacional, MARK (White & Burnham 1999). Estes programas pode-se aplicar os métodos para populações já calculam probabilidades de captura, tamanhos abertas baseados em múltiplas recapturas, como populacionais, taxas de crescimento individual, o de Jolly-Seber ou o método de Lincoln-Petersen taxas de mortalidade, taxas de sobrevivência,

Oecol. Aust. 25(2):620–641, 2021 638 | Ecologia de peixes subterrâneos deslocamentos e podem gerar modelos fotos utilizadas no capítulo: Adriano Gambarini explicativos para as variações observadas nas (Figuras 1c, 1e, 5b, 6a, 6b), Alexandre Lobo (Figura populações. 5a), Danté Fenolio (Figuras 3a, 3d), Jonas Eduardo Cabe reforçar que alguns vieses nas Gallão (Figuras 8c, 8d e 8e) e William Ohara (Figura amostragens são impossíveis de se evitar, tais 3c). Ao Leonardo de Assis (LES/UFSCar) pela como a impossibilidade de coletas em épocas elaboração dos desenhos das Figuras 1a e 1b; ao chuvosas em diversas cavernas no Brasil (riscos Jonas Eduardo Gallão pelas discussões e condução e inundação), enchentes e enxurradas carreando dos estudos sobre o estado de conservação dos parte dos indivíduos das populações para partes peixes troglóbios brasileiros, ao CNPq e Fapesp inacessíveis do ambiente subterrâneo, além de pelos financiamentos aos projetos; aos revisores secas drásticas alterando corpos d’água freáticos. do trabalho, com as excelentes sugestões; a Erica Caramaschi, Rosana Mazzoni e Rafael Leitão pelo CONCLUSÃO convite para compartilhar parte do conhecimento sobre nossos peixes subterrâneos. A ictiofauna subterrânea brasileira é particularmente rica, diversa taxonomicamente REFERÊNCIAS e filogeneticamente. Estes peixes ocorrem em habitat diversos, desde riachos de nível de base Bagenal, T. B., & Tesch, F. W. 1978. Age and até tributários vadosos formados por águas growth. In: Bagenal, T. B. (Ed.), Methods for the epicársticas, único em termos mundiais. Para as assessment of fish production in fresh waters. espécies estudadas até o momento, observamos pp. 101–136. Oxford: Blackwell Scientific que, em geral, estas possuem populações Publications. pequenas e restritas a uma única caverna ou Balon, E. K. 1990. Epigenesis of an epigeneticist: poucas cavernas de um sistema ou área específica; the development of some alternative concepts densidades populacionais pequenas a moderadas; on the early ontogeny and evolution of fishes. as espécies são principalmente carnívoros e Guelph Ichthyological Review, 1: 1–42. detritívoras (com exceções e especificidades em Begon, M. 1979. Investigating abundance. dieta para algumas espécies); não apresentam London: Edward Arnold. p. 97. sazonalidade nos aspectos reprodutivos, podendo Bichuette, M. E. 2003. Distribuição, biologia, ser infrequentes na reprodução; crescem ecologia populacional e comportamento vagarosamente, deslocam-se pouco, tendendo ao de peixes subterrâneos, gêneros Ituglanis sedentarismo e são longevos. Várias localidades (Siluriformes: Trichomycteridae) e de ocorrência destes peixes encontram-se fora de Eigenmannia (Gymnotiformes: Sternopygidae) Unidades de Conservação (UCs) e a única proteção da área cárstica de São Domingos, nordeste legal atual é a inclusão destas espécies em Lista de Goiás. Tese de Doutorado. Instituto de de Fauna Ameaçada e a proposta da urgência Biociências da Universidade de São Paulo. p. de projetos de monitoramento. O trabalho em 330. cavernas não é trivial e simples, envolve riscos e Bichuette, M. E., de Pinna, M. C. C., & Trajano, E. equipe experiente, mas o treinamento de novos 2008. A new species of Glaphyropoma: the first espeleobiólogos, com foco em estudos de peixes, subterranean copionodontine and the é possível e viável. first occurrence of opercular odontodes in the subfamily (Siluriformes, Trichomycteridae). AGRADECIMENTOS Neotropical , 6, 301–306. Bichuette, M. E., Gallão, J. E., Trajano, E., Pavanelli, Aos alunos e colaboradores do Laboratório C. S., Bock, C. L., Oiveira, C., Dario, F., Vieira, de Estudos Subterrâneos da Universidade F., Neo, F. A., Ingenito, L. F. S., Silva, L. F. D., Federal de São Carlos (LES/UFSCar) pela ajuda Mehanna, M. N., Albornoz, P. C. L., Buckup, em diversos projetos, manutenção do plantel P. A., Castro, R. M. C., Rocha, R. C. G. A., Reis, (biotério LES) e auxílio em todos os momentos R. E., Santos Junior, S., & Ramos, T. P. A. 2018. de campo e laboratório; aos autores de parte das Stygichthys typhlops Brittan & Böhlke, 1965.

Oecol. Aust. 25(2):620–641, 2021 Bichuette | 639

In: Instituto Chico Mendes de Conservação da Instituto de Biociências da Universidade de São Biodiversidade (Ed.), Livro Vermelho da Fauna Paulo. p. 134. Brasileira Ameaçada de Extinção, Volume VI - Chaves, A. J. M. 2018. Aspectos ecológicos de uma Peixes. pp. 160–164. Brasília - DF: ICMBio. população de bagres troglófilos do gênero Bichuette, M. E., & Trajano, E. 2003. Epigean and Ituglanis Costa & Bockmann, 1993 do Centro- subterranean ichthyofauna from São Domingos Oeste de Minas Gerais, Brasil. Dissertação de karst area, Upper Tocantins river basin, Central Mestrado. Universidade Federal de Lavras. p. Brazil. Journal of Fish Biology, 63, 1100–1121. 97. DOI: 10.1046/j.1095-8649.2003.00227.x Cordeiro, L. M. 2014. Distribuição, filogeografia Bichuette, M. E., & Trajano, E. 2004. Three new e ecologia de bagres troglóbios do gênero subterranean species of Ituglanis from Central Trichomycterus da área cárstica da Brazil (Siluriformes: Trichomycteridae). Serra da Bodoquena, MS (Siluriformes: Ichthyological Explorations of Freshwaters, Trichomycteridae). Tese de Doutorado. 15(3), 243–256. Instituto de Biociências da Universidade de São Bichuette, M. E., & Trajano, E. 2008. Ituglanis Paulo. p. 160. mambai, a new subterranean catfish from a Culver, D. C., & Pipan, T. 2009. The Biology of karst area of Central Brazil, rio Tocantins basin Caves and Other Subterranean Habitats. 1st ed. (Siluriformes: Trichomycteridae). Neotropical Oxford: Oxford University Press: p. 274. Ichthyoliology, 6(1), 9–15. Fernández, L., & Bichuette, M. E. 2002. A new Bichuette, M. E., & Trajano, E. 2010. Conservation cave dwelling species of Ituglanis from the São of Subterranean Fishes. In: E. Trajano, M. Domingos karst, central Brazil (Siluriformes: E. Bichuette & B. G. Kapoor. (Eds.), Biology Trichomycteridae). Ichthyological Exploration of Subterranean Fishes. pp. 65–80. New of Freshwaters, 13, 273–278. Hampshire: Science Publishers. Gallão, J. E., & Bichuette, M. E. 2012. A Lista de Bichuette, M. E., & Trajano, E. 2015. Population Fauna Ameaçada de Extinção e os Entraves density and habitat of an endangered cave para a Inclusão de espécies - o Exemplo dos fish Eigenmannia vicentespelaea Triques, 1996 Peixes Troglóbios Brasileiros. Natureza & (: Gymnotiformes) from a karst Conservação, 10, 83–87. area in central Brazil. Neotropical Ichthyology, Gallão, J. E., & Bichuette M. E. 2018. Brazilian 13(1), 113–122. DOI: 10.1590/1982-0224- obligatory subterranean fauna and threats 20140095 to the hypogean environment. ZooKeys, 746, Bichuette, M. E., & Trajano, E. 2021. Monitoring 1–23. Brazilian : Ecology and Conservation Gerhard, P. 1999. Ecologia de populações e of Four Threatened Catfish of Ituglanis comportamento de quatro espécies de bagres (Siluriformes: Trichomycteridae) from Central Heptapterinae (Teleostei: Siluriformes) em Brazil. Diversity, 13(2), 91. DOI: 10.3390/ riachos do Alto vale do rio Ribeira (Iporanga, d13020091 São Paulo). Dissertação de Mestrado. Instituto CANIE. 2021. Cadastro Nacional de Informações de Biociências da Universidade de São Paulo. p. Espeleológicas. https://www.icmbio.gov.br/ 129. cecav/canie.html. Acessado em 10/03/2021. Guil, A. L. M. 2011. Ecologia populacional e Christiansen, K. A. 2012. Morphological evolução do bagre cego Pimelodella kronei, do adaptations. In: W. B. White & D. C. Culver Vale do Alto Ribeira, Iporanga, SP (Siluriformes, (Eds.), Encyclopedia of Caves. pp. 517–527. heptapteridae): uma comparação com Trajano, Amsterdam: Elsevier Academic Press. 1987. Dissertação de Mestrado. Instituto de Borguezan, R. 2013. Ecologia populacional e Biociências da Universidade de São Paulo, São comportamento de peixes subterrâneos, Paulo. p. 106. Rhamdia sp. n. e Ancistrus sp. n., da área Holsinger, J. R., & Culver, D. C. 1988. The cárstica da Serra da Bodoquena, Mato invertebrate cave fauna of Virginia and a part of Grosso do Sul (Siluriformes: Heptapteridae, Eastern Tennessee: Zoogeography and ecology. Loricariidae). Dissertação de Mestrado. Brimleyana 14, 1–162.

Oecol. Aust. 25(2):620–641, 2021 640 | Ecologia de peixes subterrâneos

IUCN. 2021. The IUCN Red List of Threatened filtros ambientais considerando-se riqueza, Species. Version 2020-3. . Acessado em 10/03/2021. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós- Juberthie, C. 2000. The diversity of the karstic Graduação em Ecologia e Recursos Naturais, and pseudokarstic hypogean habitats in the Universidade Federal de São Carlos, São world. In: H. Wilkens, D. C. Culver & W. F. Carlos, p. 80. Humphreys (Eds.), Ecosystems of the World, Ratton, P., Ferreira, R. L., & Pompeu, P. S. 2018. Vol. 30: Subterranean Ecosystems. pp. 17–39. Fish community of a small karstic Neotropical Amsterdam: Elsevier. drainage and its relationship with the physical Kawakami, E., & Vazzoler, G. 1980. Método habitat. Marine and Freshwater Research, 10, gráfico e estimativa de índice alimentar 1–9. aplicado no estudo de alimentação de peixes. Reis, R. E. 1987. Ancistrus cryptophthalmus sp. Boletim do Instituto Oceanográfico, 29(2), n., a blind mailed catfish from the Tocantins 205–207. River basin, Brazil (Pisces, Siluriformes, Krebs, C. J. 1989. Ecological Methodology. New Loricariidae). Revue française d’Aquariologie York: HarperCollins. p. 654. Herpétologie 14(3), 81–84. Luiz, E. A., Agostinho, A. A., Gomes, R. C., & Rizzato, P. P., & Bichuette, M. E. 2014. Ituglanis Hahn, N. S. 1998. Ecologia trófica de peixes em boticario, a new troglomorphic catfish dois riachos da bacia do rio Paraná. Revista (Teleostei: Siluriformes: Trichomycteridae) Brasileira de Biologia, 58(2), 273–285. from Mambaí karst area, central Brazil. Mendes, L. F. 1995. Ecologia populacional e Zoologia, 31(6), 577–598. DOI: 10.1590/S1984- comportamento de uma nova espécie de 46702014000600006 bagres cavernícolas da Chapada Diamantina, Secutti, S., & Bichuette, M. E. 2013. Ictiofauna da BA (Siluriformes, Pimelodidae). Dissertação área cárstica de Presidente Olegário, Estado de Mestrado. Instituto de Biociências da de Minas Gerais, com ênfase nas espécies Universidade de São Paulo. p. 86. subterrâneas. Revista da Biologia, 10(2), 13–20. Moreira, C. R., Bichuette, M. E., Oyakawa, O. T., de 2013. DOI: 10.7594/revbio.10.02.03 Pinna, M. C. C., & Trajano, E. 2010. Rediscovery Simões, L. B., Rantin, B., & Bichuette, M. E. 2013. and redescription of the unusual subterranean Notes on feeding and reproduction of the characiform Stygichthys typhlops, with threatened phreatic fish Stygichthys typhlops notes on its life history. Journal of Fish Brittan & Böhlke, 1965 (Characiformes: Biology, 76(7), 1815–1824. DOI: 10.1111/j.1095- Characidae) from eastern Brazil. Speleobiology 8649.2010.02625.x Notes, 5, 1–8. Niemiller, M. L., Bichuette, M. E., Chakrabarty, P., Tencatt, L. F. C., & Bichuette, M. E. 2017. Aspidoras Fenolio, D. B., Gluesenkamp, A. G., Soares, D., mephisto, new species: the first troglobitic & Zhao, Y. 2019. . In: W. B. White, D. Callichthyidae (Teleostei: Siluriformes) from C. Culver & T. Pipan. (Eds.), Encyclopedia of South America. PLoS One 12(3): e0171309. DOI: Caves. pp. 227–236. San Diego: Academic Press. 10.1371/journal.pone.0171309 Ohara, W. M., Fonseca, M. L., & Da Costa, I. Trajano, E. 1989. Estudo do comportamento D. 2016. Behaviour, feeding habits and espontâneo e alimentar e da dieta do bagre ecology of the blind catfishPhreatobius cavernícola, Pimelodella kronei, e seu ancestral sanguijuela(Ostariophysi: Siluriformes). epigeo, Pimelodella transitoria (Siluriformes, Journal of Fish Biology, 89, 1295–1301. DOI: Pimelodidae). Revista Brasileira de Biologia, 10.1111/jfb.13037 49(3), 757–769. R Core Team. 2017. R: A language and environment Trajano, E. 1991. Populational ecology of for statistical computing. R Foundation Pimelodella kronei, troglobitic catfish for Statistical Computing, Vienna, Austria. from southeastern Brazil (Siluriformes, URL https://www.R-project.org/ Pimelodidae). Environmental Biology of Rabello, G. C. R. 2021. Ictiofauna da região da Fishes, 30, 407–421. Serra da Canastra, Minas Gerais: cavernas são Trajano, E. 1997. Population ecology of

Oecol. Aust. 25(2):620–641, 2021 Bichuette | 641

Trichomycterus itacarambiensis, a cave Whittaker, R., Araújo, M. B., Jepson, P., Ladle, catfish from Eastern Brazil (Siluriformes, R.J., Watson, J. E. M. & Willis, K.J. 2005. Trichomycteridae). Environmental Biology of Conservation biogeography: assessment and Fishes, 50, 357–369. prospect. Diversity and Distributions, 11, Trajano, E. 2001. Ecology of subterranean fishes: 3–23. DOI:10.1111/j.1366-9516.2005.00143.x an overview. Environmental Biology of Fishes Zavala-Camin, L. A. 1996. Introdução aos 62(1-3), 133–160. estudos sobre alimentação natural em peixes. Trajano, E., & Bichuette, M. E. 2005. Diversity Maringá: EDUEM. p. 129. of subterranean fishes in Brazil. In: World Subterranean Biodiversity. J. Gibert (Ed.), Proceedings of an International Symposium held on 8-10 December 2004, Villeurbaine, pp. 161–163. Submitted: 23 August 2020 Trajano, E., & Bichuette, M. E. 2007. Population Accepted: 30 March 2021 ecology of cave armoured catfish, Ancistrus Associate Editors: Érica Pellegrini Caramaschi, cryptophthalmus Reis, 1987, from central Rosana Mazzoni Brazil (Siluriformes: Loricariidae). Ecology of e Rafael Pereira Leitão Freshwater Fish, 16, 105–115. Trajano, E., & Bichuette, M. E. 2010. Subterranean Fishes of Brazil. In: E. Trajano, M. E. Bichuette & B. G. Kapoor. (Eds.), Biology of Subterranean Fishes. pp. 331–355. New Hampshire: Science Publishers. Trajano, E., Secutti, S., & Bichuette, M. E. 2009a. Natural history and population data of fishes in caves of the Serra do Ramalho karst area, Middle São Francisco basin, northeastern Brazil. Biota Neotropica, 9(1), 129–133. Trajano, E., Secutti, S., & Bichuette, M. E. 2009b. Population decline in a Brazilian cave catfish, Trichomycterus itacarambiensis Trajano & Pinna, 1996 (Siluriformes): reduced flashflood as a probable cause. Speleobiology Notes, 1, 24–27. Trajano, E., Secutti, S., & Mattox, G. M. T. 2009. Epigean and subterranean ichthyofauna in Cordisburgo karst area, eastern Brazil. Biota Neotropica, 9(3), 277–281. Triques, M. L. 1996. Eigenmannia vicentespelaea, a new species of cave dwelling electrogenic Neotropical fish (Ostariophysi: Gymnotiformes: Sternopygidae). Revue Francaise de Aquariologie, 23(1-2), 1–4. Vazzoler, A. E. A. M. 1996. Biologia da reprodução de peixes teleósteos: teoria e prática. Maringá: EDUEM. p. 169. White, G. C., & K. P. Burnham. 1999. Program MARK: survival estimation from populations of marked . Bird Study, 46 Supplement, 120–138.

Oecol. Aust. 25(2):620–641, 2021