UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ CENTRO DE CIÊNCIAS BIOLÓGICAS DEPARTAMENTO DE BIOLOGIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ECOLOGIA DE AMBIENTES AQUÁTICOS CONTINENTAIS

PRISCILLA GUEDES GAMBALE

Partilha de recursos por espécies simpátricas de anfíbios anuros, centro- oeste do Brasil

Maringá 2016

PRISCILLA GUEDES GAMBALE

Partilha de recursos por espécies simpátricas de anfíbios anuros, centro- oeste do Brasil

Tese apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Ecologia de Ambientes Aquáticos Continentais do Departamento de Biologia, Centro de Ciências Biológicas da Universidade Estadual de Maringá, como requisito parcial para obtenção do título de Doutor em Ciências Ambientais. Área de concentração: Ciências Ambientais

Orientador: Prof. Dr. Rogério Pereira Bastos

Maringá 2016

"Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP)" (Biblioteca Setorial - UEM. Nupélia, Maringá, PR, Brasil)

Gambale, Priscilla Guedes, 1987- G187p Partilha de recursos por espécies simpátricas de anfíbios anuros, centro-oeste do Brasil / Priscilla Guedes Gambale. -- Maringá, 2016. 64 f. : il. Tese (doutorado em Ecologia de Ambientes Aquáticos Continentais)--Universidade Estadual de Maringá, Dep. de Biologia, 2016. Orientador: Prof. Dr. Rogério Pereira Bastos.

1. Physalaemus (Anura, Leptodactylidae) “rã” - Comportamento - Goiás - Brasil. 2. Anfíbios anuros – Partilha de recursos – Goiás - Brasil. 3. Anfíbios anuros – Nicho – Goiás - Brasil. I. Universidade Estadual de Maringá. Departamento de Biologia. Programa de Pós-Graduação em Ecologia de Ambientes Aquáticos Continentais.

CDD 23. ed. -597.87515098173 NBR/CIP - 12899 AACR/2

Maria Salete Ribelatto Arita CRB 9/858 João Fábio Hildebrandt CRB 9/1140

PRISCILLA GUEDES GAMBALE

Partilha de recursos por espécies simpátricas de anfíbios anuros, centro- oeste do Brasil

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ecologia de Ambientes Aquáticos Continentais do Departamento de Biologia, Centro de Ciências Biológicas da Universidade Estadual de Maringá, como requisito parcial para obtenção do título de Doutor em Ciências Ambientais pela Comissão Julgadora composta pelos membros:

COMISSÃO JULGADORA

Prof. Dr. Rogério Pereira Bastos Nupélia/Universidade Estadual de Maringá (Presidente)

Prof. Dr. Fausto Nomura Universidade Federal de Goiás (UFG)

Prof. Dr. Rômulo Diego de Lima Behrend UniCesumar

Prof. Dr. Luiz Carlos Gomes Nupélia/Universidade Estadual de Maringá

Prof.ª Dr.ª Norma Segatti Hahn Nupélia/Universidade Estadual de Maringá

Aprovada em: 18 de Abril de 2016. Local de defesa: Anfiteatro Prof. “Keshiyu Nakatani”, Nupélia, Bloco G-90, campus da Universidade Estadual de Maringá.

AGRADECIMENTOS

Gostaria de agradecer primeiramente à Deus pela proteção e por me guiar nos momentos de indecisão. Por me dar força quando precisei, por me fazer persistir no meu sonho, quando eu me sentia fraca e achava que não era mais possível. Em especial a minha família, sempre presente na minha vida, e por ter me apoiado em qualquer decisão que me fizesse garantir um melhor futuro profissional. Pelos conselhos do meu pai, grande profissional o qual sempre me espelho. Pelas idas a campo que meu pai fazia comigo quando ninguém podia ir, para mim uma das maiores demonstrações de apoio. Pelos puxões de orelha da minha mãe quando foi necessário. E pelas palavras encorajadoras da minha irmã. Às queridas rãs, que mesmo com falta de chuva nas épocas da coleta, dificuldades em gravar, ainda assim cantaram, e graças a esses sons pude concluir minha pesquisa. Sou muito grata a esses seres que me encantam cada dia mais com seus sons magníficos. À orientação do professor Dr. Rogério Pereira Bastos, que conseguiu me dar a atenção necessária mesmo à distância. Obrigada pelas inúmeras sugestões e críticas em todos os trabalhos durante estes quase 10 anos, que me fizeram crescer cada vez mais profissionalmente e pessoalmente. Lembro-me até hoje do meu primeiro dia de estágio digitalizando gravações no computador e esperando ansiosa para as idas a campo. Cada vez que ia a campo com o professor Rogério era uma descoberta nova que me fazia crescer nesta área. Obrigada por me ensinar tanto sobre a bioacústica e me instigar a querer ser uma profissional nesta área. Hoje, eu sei que independente de onde estiver, vou sempre poder contar com os conselhos e orientações deste grande profissional que sempre me estimulou a correr atrás do que eu queria. Aos meus amigos do Laboratório de Comportamento , que conseguiram me amparar mesmo à distância, e puderam de alguma forma contribuir para a realização do trabalho. A todos aqueles que foram para campo comigo, me ajudaram a carregar equipamentos, sofreram junto comigo em cada dia de coleta que alguma coisa não dava certo, correram de vacas comigo, me ajudaram a trocar pneus, me ajudaram a desatolar o carro ou simplesmente me fizeram companhia nas chuvas avassaladoras de Bonfinópolis. Aos meus amigos de Maringá e Goiânia que me apoiaram e sempre estiveram dispostos a me fazer bem nos momentos de angustia e desespero durante a tese. Não posso deixar de citar a Gisa de Maringá e ao Watson de Goiânia, que me ampararam em todos os momentos de desespero durante a realização do projeto. À Jasci e à Bruna que moraram comigo durante este período e me apoiaram nos momentos difíceis. Àquelas pessoas que durante minha estadia na Malásia fizeram um diferencial enorme na minha adaptação. A todos aqueles que pude conhecer na Malásia, e me fizeram crescer pessoalmente e profissionalmente de uma maneira incrível. Eu sempre vou carregar um carinho imenso por vocês. Ao Douglas pela presença constante durante os últimos dois anos em todos os momentos da minha vida, às palavras de carinhos, ao afeto demonstrado, ao apoio em todas as decisões importantes na minha carreira profissional, independente de onde essas decisões me levariam, sou imensamente grata por você ter cruzado meu caminho. Eu sempre vou carregar um carinho imenso por vocês. À Aldenir e Jocemara pelo carinho em responder todas as dúvidas sobre o curso independente do horário e das correrias. À Salete e o João sempre tão prestativos em ajudar na parte bibliográfica do trabalho. À CAPES pela bolsa de doutorado concedida e a FAPEG pelo financiamento do projeto de pesquisa. Ao ICMBio pela licença de coleta e transporte.

“É muito melhor lançar-se em busca de conquistas grandiosas, mesmo expondo-se ao fracasso, do que alinhar-se com os pobres de espírito, que nem gozam muito nem sofrem muito, porque vivem numa penumbra cinzenta, onde não conhecem nem vitória, nem derrota.”

(Theodore Roosevelt)

Partilha de recursos por espécies simpátricas de anfíbios anuros, centro- oeste do Brasil RESUMO Os anfíbios anuros têm sido excelentes modelos para entender os padrões de partição do recurso nas comunidades biológicas. As principais e mais estudadas dimensões de partilha em anuros são a espacial, de período de vocalização e alimentar. Em anfíbios anuros outra dimensão que tem sido estudada é o espaço acústico. Avaliou-se o uso diferencial do espaço acústico de três espécies de anuros do gênero Physalaemus, que ocorriam em simpatria e apresentavam características ecológicas e filogenéticas semelhantes, distribuídas em nove corpos d’água vizinhos, no estado de Goiás. Observou-se que a dimensão da estrutura do canto foi a mais importante na segregação das espécies, quando comparada com a dimensão de estrutura de micro-habitat e estrutura de período das espécies envolvidas. No entanto a coexistência das espécies deve ser explicada a partir das interações de todas as dimensões envolvidas. Testou-se também a diferença da composição dos itens alimentares entre as duas espécies simpátricas de Physalaemus. Nesta outra dimensão do nicho analisado, conclui-se que, apesar da alta sobreposição, a composição diferente dos itens alimentares pode garantir segregação no habitat, sendo o consumo comum devido a não limitação das presas. A ingestão de diferentes volumes de presas também pode servir como forma de segregação dos predadores.

Palavra-chave: Nicho. Espaço acústico. Dieta. Physalaemus. Simpatria

Resource sharing by sympatric species, midwestern Brazil ABSTRACT The amphibians have been excellent models to understand the resource partitioning patterns in biological communities. The main and most studied dimensions of resource partitioning are spatial, period of vocalization and diet. In anurans, another dimension that has been studied is the acoustic space.We evaluated the differential use in acoustic space of three anurans species, genus Physalaemus, occurring in sympatric that have similar ecological and phylogenetic characteristics, co-occurring in nine water bodies at Goiás state. We observed that the call structure’s dimension is the most important to segregation of species, compared with the micro-habitat and period structure’s dimension of species involved. However, the coexistence of species must be explained from the interactions of all dimensions involved. We tested the difference in food item’s composition between the two sympatric species of Physalaemus. In this other niche’s dimension, we concluded that despite the high overlap, the different food item’s composition can ensure segregation in the habitat, and the common consumption is due to no prey’s limitation. Ingestion of different preys’ volumes can also serve as a form of predator’s segregation. Keywords: Niche. Acoustic space. Diet. Physalaemus. Simpatric.

Tese elaborada e formatada conforme as normas da publicação científica Journal of herpetology. Disponível em: < http://journalofherpetology.org/userimages/Conte ntEditor/1364395819989/instructions_to_authors. pdf > e, Zoological Studies. Disponível em:

SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO GERAL ...... 09 REFERÊNCIAS ...... 12 2 PARTIÇÃO DO NICHO ACÚSTICO DE TRÊS ESPÉCIES DE PHYSALAEMUS (ANURA, LEPTODACTYLIDAE) HABITANDO UMA ÁREA DE CERRADO DO BRASIL CENTRAL...... 16 2.1 INTRODUÇÃO ...... 18 2.2 MÉTODOS ...... 19 2.2.1 Área de estudo ...... 19 2.2.2 Coleta de dados ...... 21 2.2.3 Dimensão estrutura do canto ...... 22 2.2.4 Dimensão espacial ...... 23 2.2.5 Dimensão de período ...... 23 2.2.6 Análises de dados ...... 24 2.3 RESULTADOS ...... 25 2.4 DISCUSSÃO...... 33 2.4.1 Dimensão do canto ...... 33 2.4.2 Dimensão espacial ...... 34 2.4.3 Dimensão de período ...... 36 2.4.4 Conclusão ...... 37 REFERÊNCIAS ...... 40 3 PARTILHA DE RECURSOS ALIMENTARES DE DUAS ESPÉCIES SIMPÁTRICAS DE PHYSALAEMUS (ANURA, LEPTODACTYLIDAE) EM UMA ÁREA DE CERRADO, BRASIL CENTRAL...... 43 3.1 INTRODUÇÃO...... 45 3.2 MÉTODOS ...... 46 3.3 RESULTADOS ...... 50 3.4 DISCUSSÃO...... 56 REFERÊNCIAS ...... 59 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS ...... 63

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1 INTRODUÇÃO GERAL

A teoria de nicho é um tema central em Ecologia (Soberón, 2007), sendo abordada desde os primórdios das investigações ecológicas e evolucionistas (Chase, 2011). Ela prediz uma limitação evolutiva e ecológica para uma espécie que apresenta um grande número de espécies com nichos fundamentais semelhantes (Hutchinson, 1957; Holt, 2009). Nos últimos anos, a abordagem sobre o tema tem aumentado, em parte devido a urgência em se obter respostas ecológicas para as espécies mediante os impactos, das rápidas alterações ambientais, sobre as comunidades biológicas (Holt, 2009).

A partição no uso do recurso, a partir da redução das possibilidades de competição interespecífica (Pianka, 1975; Rossa-Feres & Jim, 2001; Pombal, 2010), é um ramo da ecologia necessário para analisar o limite da coexistência estável entre as espécies (Toft,

1985; Gordon, 2000). De acordo com o princípio de Gause (1934), ou “Princípio da exclusão competitiva”, para duas ou mais espécies competidoras coexistirem em um ambiente estável,

é necessária uma diferenciação de seus respectivos nichos efetivos (Gordon, 2000; Begon et al., 2007). Segundo Gordon (2000) este princípio tem servido como uma base conceitual para investigações ecológicas sobre a coexistência entre as espécies e vem sendo incorporado em trabalhos de partição do recurso. Abordagens sobre a coexistência de espécies filogeneticamente relacionadas são importantes, para o melhor entendimento dos fatores que influenciam a evolução do isolamento reprodutivo, bem como o sistema de reconhecimento de espécies (Martins et al., 2006; Pombal, 2010).

Dentro deste contexto os anfíbios anuros têm sido excelentes modelos para entender os padrões de partição do recurso nas comunidades biológicas (Toft, 1985; Tilman, 2004; Melo et al., 2007). A elevada diversidade de anuros da região Neotropical, no qual algumas espécies estritamente relacionadas ocorrem em alta frequência, favorece trabalhos ecológicos e evolutivos que investiguem os padrões de partição do recurso a partir das interações

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interespecíficas (Duellman, 1967; Crump, 1974; Melo et al., 2007). Além disso, a dependência da estação chuvosa para a reprodução nos anuros favorece um maior número de interações competitivas (Crump, 1974; Melo et al., 2007), sendo modelos para o estudo da teoria de nicho (Tilman, 2004).

As principais e mais estudadas dimensões do nicho são a espacial onde se insere o nicho acústico, a temporal e a alimentar que sem encontra dentro das duas dimensões anteriores (Pianka, 1994). Segundo Menin et al. (2005) estas dimensões apresentam importância variável nos anfíbios anuros, sendo que geralmente a dimensão espacial é mais importante que as demais (Schoener, 1974; Giller, 1984). Trabalhos que evidenciam a partilha do nicho nas dimensões espacial (Hödl, 1977; Díaz & Valencia, 1985; Santos & Rossa-Feres,

2007; Vasconcelos & Rossa-Feres, 2008), temporal (Díaz & Valencia, 1985; Menin et al.,

2005; Melo et al., 2007) e alimentar (Lima & Magnusson, 1998; Menin et al., 2005; Lima et al., 2010), demonstram a importância desses fatores para promover a coexistência de espécies de anuros estritamente relacionados.

Similaridades na dimensão espacial e alimentar do nicho, entre espécies simpátricas e que são ecológica e filogeneticamente semelhantes podem também ser evidenciadas (Rossa-

Feres & Jim, 2001; Menin et al., 2005; Melo et al., 2007; Pombal, 2010; Lima et al., 2010). A herança comportamental e fisiológica que os organismos adquirem de seus ancestrais favorece a evolução das interações entre as espécies, de maneira a ocuparem posições semelhantes em pelo menos uma das dimensões do nicho (Thompson, 1994).

Em anfíbios anuros outra dimensão que tem sido estudada é o espaço acústico, que compreende a comunicação em nível intra e interespecífico através dos sinais sonoros, gerando interferência acústica mútua entre os sinais (Littlejohn & Martin, 1969). Foi constatado que a segregação entre espécies similares pode ser explicada tanto pela estrutura física do canto, quanto pelo do sítio de vocalização dos anuros (Cardoso et al., 1989; Cardoso

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e Villiard, 1990; Rossa-Feres & Jim, 2001; Sinsch et al. 2012; Pombal, 2010), garantindo partição acústica do nicho a partir do uso diferencial de tais características pelas espécies

(Santos & Rossa-Feres, 2007; Vasconcelos & Rossa-Feres, 2008; Sinsch et al., 2012). Ainda assim, devido ao limitado repertório vocal em anfíbios anuros, sobreposições e convergências dos cantos de anúncio podem ser encontradas (Duellman & Trueb, 1994). Segundo

Abrunhosa et al. (2014) a partição do recurso pode ser causada por um deslocamento de caracter ocasionado devido a competição interespecífica das espécies no ambiente em que coexistem, segundo uma perspectiva ecológica.

Todavia ainda não são evidentes quais dimensões são fundamentais para a partição de recursos (Rossa-Feres & Jim, 1994; Martins et al., 2006). Espécies de anuros que vocalizam no chão ou sob a água, geralmente apresentam sobreposição dos sítios de vocalização e uma maior partição acústica do nicho, ao contrário das espécies que vocalizam empoleiradas, provavelmente devido a homogeneidade ambiental (Rossa-Feres & Jim, 2001; Santos &

Rossa-Feres, 2007; Vasconcelos & Rossa-Feres, 2008). Desta maneira, ocorre a complementaridade do nicho, que favorece a coexistência de espécies a partir da diferenciação das características físicas do canto, mesmo que ocorra sobreposição de outras dimensões do nicho (e.g., sítio de vocalização) (Rossa-Feres & Jim, 2001; Begon et al., 2007;

Santos & Rossa-Feres, 2007; Pombal, 2010).

O estudo apresentou duas abordagens, cada abordagem representada por um manuscrito científico, desenvolvido em corpos d’água do município de Bonfinópolis, estado de Goiás. Investiga-se como a partilha acústica em três espécies simpátricas de anfíbios anuros, Physalaemus nattereri Steindachner, 1863; Physalaemus atim Brasileiro & Haddad

2015 e Physalaemus cuvieri Fitzinger, 1826. Tais espécies compartilham características filogenéticas e ecológicas no domínio do Cerrado. Testa-se também a partilha alimentar de duas espécies simpátricas de anfíbios anuros Physalaemus atim Brasileiro & Haddad 2015 e

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Physalaemus cuvieri Fitzinger, 1826. Desta maneira as dimensões, acima mencionadas, de partilha de recursos são aqui estudadas.

REFERÊNCIAS

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2 PARTIÇÃO DO NICHO ACÚSTICO DE TRÊS ESPÉCIES DE PHYSALAEMUS (ANURA, LEPTODACTYLIDAE) HABITANDO UMA ÁREA DE CERRADO DO BRASIL CENTRAL

RESUMO

Interferências acústicas em um agregado reprodutivo de anuros são comuns, devido a um grande número de espécies relacionadas que co-ocorrem. Para atenuar estas interferências, as espécies podem se segregar devido a três dimensões do nicho: estrutura do canto, espacial e de período de vocalização. Assim, foram analisadas as características acústicas do canto de anúncio, características do sítio de vocalização e do período de vocalização das atividades acústicas de Physalaemus atim, P. cuvieri e P. nattereri, espécies em simpatria em áreas abertas de Cerrado pertencentes ao município de Bonfinópolis, estado de Goiás, Brasil. Testou-se se espécies em simpatria podem coocorrer em função (1) da diferenciação dos caracteres acústicos; (2) da diferenciação do uso do sítio de vocalização; e/ou (3) da diferenciação do período e vocalização das espécies. Foram analisados 894 cantos de anúncio, sendo 384 de P. atim, 384 de P. cuvieri e 246 de P. nattereri. As correlações da forma de onda e do espectrograma do canto das três espécies apresentaram valores menores que 0,68. A amplitude do nicho padronizada para a estrutura do canto (BA estrutura do canto) apresentou valores que representam um alto grau de especialização para todas as espécies, variando de 0,24 a 0,30. BA espacial variou de 0,70 a 0,73 e BA período de 0,63 a 0,89 para as espécies. A partir das permutações geradas pelo teste não paramétrico Permanova, foi possível verificar diferenças significativas dos parâmetros acústicos (Pseudo F = 211,11; p < 0,01). Diferenças da abundância das espécies em relação as características de micro-habitat só foram registradas para P. cuvieri e P. atim. Em relação ao período de vocalização, a interação das diferentes espécies com os horários de vocalização foram significativas para as diferenças na abundância registrada. A dimensão da estrutura do canto foi a mais importante na segregação das espécies devido à baixa amplitude do nicho. Com isso, as espécies conseguem mascarar a interferência acústica quando vocalizam em simpatria, facilitando a transmissão do sinal. No entanto, a coexistência delas nos ambientes abertos de Cerrado, não pode ser explicada a partir da análise de dimensões e variáveis separadas, mas sim pela interação das três dimensões acústicas aqui analisadas. PALAVRAS-CHAVE: Dimensões do nicho; estrutura do canto; nicho espacial; nicho do período de vocalização.

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ACOUSTIC NICHE PARTITIONING OF THREE PHYSALAEMUS (ANURA, LEPTODACTYLIDAE) SPECIES INHABITING A SAVANNAH’S AREA IN CENTRAL BRAZIL

ABSTRACT

Acoustic interference in a frogs’ reproductive aggregate are common, due to a large number of related species co-occurring. To mitigate these interferences, species can be segregated due to three niche’s dimensions: call structure, spatial and vocalization period structure. Thus, we analyzed the acoustic characteristics of the advertisement call, the calling site and period characteristics of the acoustic activity of Physalaemus atim, P. cuvieri and P. nattereri, sympatric species in open areas of Cerrado belonging to the municipality of Bonfinópolis, state Goiás, Brazil. We tested if species can co-occur due to (1) the differentiation acoustic characters; (2) Differentiation of the use of calling site; and / or (3) the period differentiation of the acoustic space. We analyzed 384 advertisement calls of P. atim, 384 of P. cuvieri and 246 of P. nattereri. The waveform and spectrogram call’s correlations of the three species showed values less than 0.68. The amplitude of the standardized niche for the call structure (BA call structure) presented values that represent a high degree of specialization for all the species ranging from 0.24 to 0.30. BA Space ranged from 0.70 to 0.73 and BA period from 0.63 to 0.89 for the species. From the permutations generated by the non-parametric test PERMANOVA, we found significant differences in acoustic parameters (Pseudo F = 211.11, p <0.01). Differences in abundance on species in relation to micro-habitat characteristics were only recorded for P. cuvieri and P. atim. Regarding the period of vocalization, the interaction of different species and vocalization period were significant for the differences recorded in abundance of this species. The call structure dimension is the most important for segregation of the species due to the low niche’s amplitude. Thus, the species can mask the acoustic interference when vocalize sympatric, facilitating the transmission of the signal. However, dimensions and variables apart cannot explain the coexistence of them in open areas of Cerrado, but the interaction of the three acoustic dimensions analyzed here can. KEY-WORDS: Niche’s dimensions; call structure; spatial niche; period niche.

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2.1 INTRODUÇÃO

Segundo Sinsch et al. (2012), o nicho acústico pode ser formado por três dimensões: a estrutura do canto (ex. características físicas da vocalização), a espacial (ex. sítio de vocalização) e a temporal (ex. período que os indivíduos vocalizam), referente ao período. A estrutura do canto pode afetar a vocalização de anuros, enquanto a dimensão espacial afeta a disposição dos anuros no ambiente que habitam e a temporal inferem quando as espécies vão ocorrer na época reprodutiva. Quando se pensa em partição acústica do nicho, todas as dimensões devem ser levadas em consideração, o que nem sempre ocorre nos estudos de anuros. Todavia, ainda não são evidentes quais destas dimensões são fundamentais para a partição de recursos (Rossa-Feres & Jim, 1994; Martins et al., 2006).

A comunicação acústica em anuros desempenha um importante papel no contexto social dos indivíduos, como atração de fêmeas (Taylor et al., 2007), reconhecimento específico (Gambale et al. 2014) e isolamento reprodutivo (Bourne & York, 2001). No entanto, a produção de vocalizações em um agregado reprodutivo gera grande interferência dos sinais, prejudiciais na transmissão do sinal de cada espécie (Gehardt & Huber, 2002). Por isso, o nicho acústico de espécies simpátricas tem sido bem estudado em anuros (ex. Martins et al., 2006; Sinsch et al., 2012; Abrunhosa et al., 2014).

Para atenuar as interferências acústicas, as espécies têm acionado alguns mecanismos, como mudanças das características ecológicas e divergência das propriedades do canto, a fim de garantir uma melhor eficiência da transmissão do sinal (Gerhardt & Schwartz, 1995). Desta maneira, o espaço de comunicação deve ser particionado entre as espécies a fim de evitar os efeitos negativos da competição acústica (Schimidt et al., 2013). Logo, deve ocorrer uma diferenciação dos nichos efetivos de espécies simpátricas e filogeneticamente similares, favorecendo a coexistência estável delas no agregado reprodutivo (Gordon, 2000; Begon,

2007).

19

O gênero Physalaemus, inclui até o momento, 46 espécies que geralmente ocorrem em

áreas abertas e constroem ninhos de espuma (Frost, 2015). As espécies Physalaemus atim

(Brasileiro & Haddad, 2015), Physalaemus cuvieri Fitzinger, 1826; Physalaemus nattereri

Steindachner, 1863 ocorrem em simpatria na área de domínio Cerrado, do estado de Goiás,

Brasil e compartilham estratégias para ocupar o ambiente, micro-habitat utilizados, sítios de ovoposição com formação de ninhos de espuma e padrões do canto de anúncio. A existência destas espécies estritamente relacionadas e que ocorrerem em abundância favorece trabalhos que investiguem os padrões de partição do recurso (ex. fêmeas, locais de ocorrência etc) a partir das interações interespecíficas (Melo et al., 2007).

É predito que as espécies de anuros pertencente a família das rãs apresentam uma maior sobreposição dos sítios de vocalização e uma maior partição da estrutura do canto

(Santos & Rossa-Feres, 2007; Vasconcelos & Rossa-Feres, 2008). Assim, foram analisadas as características acústicas do canto de anúncio, características do sítio de vocalização e características temporais das atividades acústicas de P. atim, P. cuvieri e P. nattereri, para se testar as seguintes hipóteses: Espécies em simpatria que compartilham características ecológicas semelhantes podem coocorrer em função (1) da diferenciação dos caracteres acústicos; (2) da diferenciação do uso do sítio de vocalização; e/ou (3) da diferenciação do período do espaço acústico.

2.2 MÉTODOS

2.2.1 Área de estudo

A atividade de vocalização de P. cuvieri, P. atim e P. nattereri que ocorrem em simpatria, pertencentes ao gênero Physalaemus foram estudadas em nove corpos d´água localizados no município de Bonfinópolis, estado de Goiás (Sede do município: 16º37’2,9’’S

48º57’44,5’’O) (Tabela 1). A distância mínima entre os corpos d’água foi era de dois

20

quilômetros e a distância máxima de 25 quilômetros entre os corpos d’água (Fig. 1). A região

é dominada por pastagens, com uma série de fisionomias vegetais abertas, classificada em

Cerrado sensu lato, englobando áreas sem arbustos ou árvores (“Campo Limpo”) ou com pequenas árvores e arbustos dispersos (“Campo sujo”) (Oliveira-Filho & Ratter, 2002). O clima do local é considerado tropical, com estação seca (maio à setembro) e chuvosa

(outubro à abril) bem definidas, classificados como tipo Aw no sistema de classificação de

Koppen (Peel et al., 2007). A temperatura média é de 23oC, umidade do ar de 71% e média de chuva anual de 1487mm (Barbosa et al., 2014).

Figura 1. Mapa com o registro dos nove corpos d’água, onde foram feitas as coletas referente a atividade de vocalização das espécies P. cuvieri, P. atim e P. nattereri. Os corpos d’água estão localizados no município de Bonfinópolis, estado de Goiás.

21

Tabela 1. Coordenadas geográficas, valores de temperatura (oC) e umidade (%) médias dos corpos d’água amostrados no município de Bonfinópolis, centro-oeste do Brasil, estado de

Goiás, Brasil. T = Média de temperatura em oC e U = Média de umidade em %.

Locais Coordenadas geográficas T (oC) U (%)

Ponto 1 16o34'23,8''S 48o57'16,5''O 21,5 86,2 Ponto 2 16o33'59,7''S 48o55'53,7''O 27,7 86,0 o o Ponto 3 16 35'55,3''S 48 52'43,8''O 22,7 85,8 Ponto 4 16o32'21,4''S 48o57'48,2''O 21,7 87,7 Ponto 5 16o37'45,8''S 48o47'54,5''O 23,2 84,0 Ponto 6 16o34'40,2''S 48o56'00,9''O 21,4 85,0 Ponto 7 16o42'54,4''S 48o49'44,5''O 23,9 86,3 Ponto 8 16o40'15,4''S 48o50'55,4''O 23,0 82,0 Ponto 9 16o39'22,7''S 48o49'23,5''O 20,6 86,5

2.2.2 Coleta de dados

As observações de campo foram restritas às estações reprodutivas (Outubro-Março) dos anos de 2013 e 2015. Os corpos d’água foram vistoriados pelo menos três vezes ao mês.

Cada turno de observação iniciou-se ao final da tarde (18:00h) e foi encerrado quando a atividade dos indivíduos diminuíram (por volta das 01:00h). Foram feitas pelo menos 15 observações mensais. As observações noturnas foram realizadas com lanterna de luz branca e, quando necessário, foram utilizados filtros na cor vermelha nas lanternas, para reduzir o estresse dos animais, evitando, assim, interferências no comportamento acústico (Haddad &

Cardoso, 1992). Os exemplares testemunhos foram depositados na coleção Zoológica da

Universidade Federal de Goiás (ZUFG) (P. cuvieri – ZUFG 8504–8512; P. nattereri – ZUFG

8481–8484; P. atim – ZUFG 8497–8500).

As análises da partição acústica do nicho, para as três espécies simpátricas envolvidas, integrou a dimensão da estrutura do canto (ex. características físicas do canto de anúncio das

22

espécies), a dimensão espacial (ex. sítio de vocalização) e a dimensão de período (ex. abundância dos indivíduos que vocalizam ao longo da noite).

2.2.3 Dimensão estrutura do canto

Para as análises da dimensão estrutura do canto foram gravados cantos de anúncio de

54 machos de P. atim, 54 de P. cuvieri e 41 de P. nattereri, com o uso de um microfone

YOGA HT-81 acoplado ao gravador MARANTZ PMD 660, posicionados a uma distância de aproximadamente 50 cm do macho que vocalizava, por cerca de dois minutos. Para evitar gravar o mesmo macho mais de uma vez, os indivíduos foram coletados imediatamente após as gravações. Foi medido, também, o nível de pressão sonora (SPL) em decibéis para todos os machos com o decibilímetro digital Minipa® (Tipo II; ponderação temporal: rápida; A- ponderado), posicionado a cerca de 50 cm do macho que vocalizava.

Foram analisados seis cantos de anúncio de cada indivíduo. As gravações foram editadas em computador com frequência de entrada 22 kHz e resolução de 16 bits.

Informações da frequência foram obtidas através do Fast Fourier Transformation (FFT, 1024 points). Para análise da duração do canto (ms), intervalo entre cantos (ms), frequência mínima

(Hz) e frequência máxima (Hz) foi utilizado o software Avisoft-SAS Lab Lite. Para análise do parâmetro espectral frequência dominante foi utilizado o software Cool Edit 2000. As frequências mínima e máxima foram obtidas pelos valores mínimos e máximos observados nos oscilogramas construídos no Avisoft-SAS Lab Lite para cada canto. A amplitude de frequência foi obtida pela subtração da frequência mínima pela frequência máxima. Para verificar a correlação das formas de onda do canto, bem como a correlação dos espectogramas, foi selecionado para cada espécie um canto no qual as variáveis acústicas se encontram próximos a média da população e calculado a correlação através do software

Raven Pro 1.5, versão 64-bit (Bioacoustics Research Program, 2012). Oscilogramas,

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sonogramas e espectro de amplitude do canto foram feitos pelo programa SoundRuler. Para interpretações bioacústicas, os termos utilizados seguiram Gerhardt & Huber (2002).

2.2.4 Dimensão espacial

Para as análises da dimensão espacial do nicho acústico, foi utilizado um raio de 50 cm, a partir do sítio de vocalização, para cada indivíduo gravado. As variáveis medidas, foram selecionadas a partir de variáveis utilizadas previamente em trabalhos com anfíbios anuros sobre caracterização de micro-hábitat (veja Rossa-Feres & Jim, 2001). As seguintes variáveis espaciais foram obtidas:

a) Altura da vegetação: pequena (até 15 cm), média (de 15 a 35 cm) e grande (maior que

36 cm). A altura da vegetação foi obtida através da média da altura de dez vegetações

aleatórias, com o uso de uma trena, encontradas no sítio de vocalização.

b) Tipo de substrato no qual os machos estão vocalizando (úmido ou inundado).

c) Perfil do sítio de vocalização (plano ou inclinado).

d) Número de tipos de vegetação (um, dois ou três tipos). Os tipos de vegetação

registrados eram herbácea, arbustivo e arbóreo.

e) Porcentagem de vegetação no local de vocalização (nenhuma, até 25%, entre 26 e

50%, entre 51 e 75%, maior que 76%).

Posteriormente, obteve-se a abundância de indivíduos em cada uma dessas variáveis

de caracterização de micro-habitat para cada local registrado.

2.2.5 Dimensão do período de vocalização

A abundância das espécies foi determinada através do método auditivo (Heyer et al.

1994). Cada noite de amostragem, uma única pessoa percorria o corpo d’água durante 30 minutos por quatro períodos diferentes, às 18:30 h; 19:30 h; 21:30 h e 23:30 h (sessões de

24

amostragens), totalizando duas horas por pessoa em cada noite. A abundância das espécies foi determinada para cada sessão de amostragem durante a noite.

2.2.6 Análises de dados

A amplitude de nicho foi calculada para cada dimensão do nicho acústico (estrutura do canto, espacial e temporal) a partir do Índice de Levins (1968), cuja fórmula é B = 1/ Σ Pi2 onde, B representa a amplitude do nicho e Pi = proporção da categoria i para uma espécie.

Para uniformizar a medida do nicho trófico foi utilizado o índice numérico variando de 0 a 1 da amplitude do nicho padronizada, segundo a fórmula BA = B – 1/ n – 1 onde, BA representa a amplitude do nicho padronizada, B a amplitude do nicho e n o número total de itens avaliados. A amplitude de nicho padronizado de Levins varia de 0 (amplitude mais estreita), quando existe exclusividade no uso de uma única categoria, até 1 (a maior amplitude), quando todas as categorias são igualmente utilizadas (Krebs 1999). A padronização garante uma melhor interpretação dos dados, sem viés (Krebs 1999).

Para descrever a organização espacial das espécies em relação a estrutura do canto, foi feito uma análise de componentes principais (PCA) . Para seleção dos eixos foi utilizado o critério de Kaiser-Guttman. A PCA é uma ferramenta válida quando as variáveis são correlacionadas como neste estudo, e garante a redução das variáveis dependentes em poucos componentes (McKillup, 2012). Uma vez identificados os grupos a partir da construção de gráficos do eixo 1 e 2 da PCA de cada dimensão analisada, análises multivariadas de variância permutacional (PERMANOVA-distância euclidiana) avaliaram a existência de diferenças significativas entre as espécies para a dimensão da estrutura do canto.

Para a dimensão espacial utilizou-se análises de variância one-way (ANOVA) (Zar

1999) para verificar se existiam diferenças da abundância de indivíduos de cada espécie em relação a estruturação de micro-habitat. Para isso os dados de abundância foram

25

transformados em log X + 1. Quando os dados não seguiram os pressupostos da análise, uma análise de variância de WELCHS foi utilizada.

Para a dimensão período foi aplicado uma análise de variância de medidas repetidas.

No qual as espécies e o período da noite foram os fatores, enquanto a abundância das espécies em cada período foram as variáveis dependentes. Desta maneira é possível testar diferenças da abundância em relação às espécies e aos períodos de amostragem ao longo da noite. Todas as análises estatísticas estão de acordo com Zar (1999) e foram efetuadas por meio do programa Statistica (vers. 7.0, Statsoft; www.statsoft.com), utilizando nível de significância de P=0,05.

2.3 RESULTADOS

Foram analisados 894 cantos de anúncio, sendo 324 de P. atim, 324 de P. cuvieri e

246 de P. nattereri. O canto de anúncio foi o mais comum, emitido por todas as espécies. O canto de anúncio de P. atim é caracterizado por uma modulação de frequência ascendente, enquanto que P. cuvieri e P. nattereri apresentam uma modulação de frequência descendente.

Todos os cantos apresentaram estrutura com faixas de frequência mais intensa. A tabela 2 caracteriza-se pelos valores médios das variáveis acústicas medidas. Na figura 2 encontram-se os sonograma e oscilograma dos cantos das espécies do trabalho.

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Tabela 2. Média e desvio padrão (DP) das estruturas dos cantos de anúncio de Physalaemus

atim, P. cuvieri e P. nattereri para o município de Bonfinópolis, no estado de Goiás. Valores

dos parâmetros do canto são expressos em média ± DP. Valores em dB são médias.

Parâmetros acústicos P. atim P. cuvieri P. nattereri

(n=54) (n=54) (n=41)

Duração do canto (ms) 0,60 ± 0,09 0,26 ± 0,04 0,06 ± 0,01

Frequência mínima (Hz) 233,33 ± 88,78 271,08 ± 47,67 234,47 ± 65,63

Frequência máxima (Hz) 3850,31 ± 333,61 3287,07 ± 332,05 2651,10 ± 461,81

Amplitude de frequência (Hz) 3611,42 ± 356,53 3015,99 ± 337 2386,87 ± 507,33

Intervalo entre cantos (ms) 3,88 ± 2,12 0,88 ± 0,29 0,25 ± 0,13

Taxa de repetição 10,87 ± 4,89 32,78 ± 17,83 127,08 ± 57,39 (cantos/min)

Intensidade (dB) 77,74 ± 5,38 66,25 ± 3,32 78,95 ± 13,21

Frequência dominante (Hz) 2506,57 ± 203,07 789,20 ± 157,42 724,16 ± 94,60

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Figura 2. Oscilograma, sonograma e espectro de amplitude dos cantos de anúncio correspondentes a três espécies de anuros que habitam o município de Bonfinópolis, estado de

Goiás. A) Physalaemus atim (temperatura do ar = 20 oC; Comprimento rostro-cloacal = 28,18

28

mm ), B) P. cuvieri (temperatura do ar = 22,1 oC; Comprimento rostro-cloacal = 29,54 mm) e

C) P. nattereri (temperatura do ar = 23,1 oC; Comprimento rostro-cloacal = 41,65 mm).

As correlações da forma de onda e do espectrograma do canto das três espécies apresentaram valores baixos, indicando alta diferenciação acústica entre elas. Os valores de correlação de forma de onda de P. atim com P cuvieri foi de 0,02, e com P. nattereri o valor foi de 0,04. Os valores de correlação de forma de onda de P. cuvieri e P. nattereri foi 0,30. Os valores mais altos de correlação, principalmente quando se considera o espectograma, foram encontrados para P. cuvieri e P. nattereri (0,68), indicando maior similaridade acústica nestas duas espécies. Os valores de correlação de forma de espectograma de P. atim com P cuvieri foi de 0,02, e com P. nattereri o valor foi de 0,01.

A amplitude do nicho padronizada para a estrutura do canto (BA canto) apresentou valores que representam alto grau de especialização para todas as espécies, variando de 0,24 para P. atim, 0,24 para P. cuvieri e 0,27 para P. nattereri. Por outro lado, os valores de amplitude de nicho padronizada para a estrutura do micro-habitat utilizada como sítio de vocalização (BA espacial) foram mais heterogêneos, variando de 0,70 para P. atim, 0,71 para P. cuvieri e 0,73 para P. nattereri. Isto representa uma ampla variedade de tipos de sítios de vocalização. Os valores de amplitude do nicho acústico na escala do período de vocalização

(BA período) variaram de 0,90 para P. atim, 0,75 para P. cuvieri e 0,63 para P. nattereri.

A PCA aplicada nas oito variáveis acústicas gerou dois principais componentes com autovalores maiores que um, representando 73,85% da variação total. O primeiro componente principal apresenta 55,13% da variação total e apresenta relação com as seguintes variáveis: duração do canto, frequência máxima, frequência dominante e amplitude de frequência. O segundo componente principal apresenta 18,72% da variação total e apresenta a variável intensidade do canto com alta correlação (Tabela 3). A projeção do eixo 1 e eixo 2 da

PCA discrimina três grupos que representam as espécies analisadas (Figura 3). A partir das

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permutações geradas pelo teste não paramétrico Permanova, foi possível verificar diferenças significativas dos parâmetros acústicos nas três espécies (Pseudo F = 211,11; p < 0,01), indicando que a estrutura do canto serve para segregar as três espécies simpátricas.

Figura 3. Escores da análise de componentes principais para (A) as oito variáveis acústicas da combinação de 149 machos gravados. Os símbolos representam os indivíduos de cada espécie: quadrados cinzas – P. atim; círculos negros – P. cuvieri; losangos abertos – P. nattereri.

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Tabela 3. Resultados da análise de componentes principais dos parâmetros do canto de anúncio de Physalaemus atim, P. cuvieri e P. nattereri. Eixos para os oito parâmetros acústicos são fornecidos. Os valores mais autocorrelacionados estão em negrito. DC: duração do canto (ms); FMIN: frequência mínima (Hz); FMAX: frequência máxima (Hz); A: amplitude de frequência (Hz); IC: intervalo de cantos (ms); TX: taxa de repetição

(cantos/min); DF: freqüência dominante (Hz); AV: autovalor; V: variância; VA: variância acumulativa (%).

Parâmetros Eixo 1 Eixo 2 acústicos

DC -0,432 -0,088

FMIN 0,037 0,548

FMAX -0,426 0,051

A -0,425 0,001

IC -0,371 -0,017

TX 0,359 -0,391

I -0,025 -0,706

FD -0,425 -0,188

AV 4,41 1,49

V 55,13 18,72

VA 55,13 71,85

A análise de variância, com os dados logaritimizados da abundância para os micro- habitats, mostrou que para a maioria dos parâmetros espaciais não houveram diferenças da abundância das espécie. Para P. cuvieri diferenças da abundância foram registradas para número de tipos de vegetação (F(2,43) = 20,94; p<0,01) e para altura da vegetação (FWalchs(2,45)

31

= 11,15; p<0,02) (Figura 4). As características de micro-habitat tipo de substrato (F(2,28) =

0,32; p =0,57); perfil do substrato (F(2,28) = 3,92; p =0,06) e porcentagem de vegetação (F(4,70)

= 2,39; p =0,06) não apresentaram diferenças da abundância da espécie. Para P. atim diferenças da abundância foram registradas para altura da vegetação (F(227) = 8,76; p<0,01) e para perfil do micro-habitat (F(1,18) = 17,30; p<0,01) (Figura 5). As características de micro- habitat tipo de substrato (F(1,18) = 0,99; p =0,33); número de tipos de vegetação (F(2,28) = 0,77; p =0,47) e porcentagem de vegetação (F(4,70) = 0,49; p =0,74) não apresentaram diferenças da abundância da espécie. Para P. nattereri não foram verificadas diferenças da abundância dos indivíduos em relação as características de micro-habitat: altura da vegetação (F(2,36) = 0,43; p

=0,65), tipo de substrato (F(1,24) = 0,65; p =0,42), perfil do substrato (F(1,24) = 0,21; p =0,65), número de tipos de vegetação (F(2,28) Walchs = 11,15; p =0,06) e porcentagem de vegetação(F(4,60) = 0,37; p =0,82) .

Figura 4. Médias e desvio-padrão dos valores logaritimizados da abundância dos indivíuos de

P. cuvieri em relação aos (A) valores de altura de vegetação; (B) e dos números de tipos de vegetação.

32

Figura 5. Médias e desvio-padrão dos valores logaritimizados da abundância dos indivíuos de

P. atim em relação aos (A) valores de altura de vegetação; (B) e perfil do substrato.

A análise de variância bifatorial mostrou que houveram diferenças (F(2,28) = 12,78; p

<0,01) da abundância dos indivíduos sobre a influência das diferentes espécies e distintos períodos de vocalização (Figura 6).

Figura 6. Abundância das espécies P. cuvieri, P. atim e P. nattereri em relação aos períodos de vocalização ao longo da noite (Dezoito e trinta, Dezenove e trinta, Vinte e uma e trinta e vinte e três e trinta).

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2.4 DISCUSSÃO

2.4.1 Dimensão estrutura do canto

As espécies de Pysalaemus estudadas aqui emitem cantos repetidos variando no intervalo entre as notas, padrão recorrente neste gênero (Provete et al., 2012). Além da composição de cantos repetidos, o canto de anúncio de P. atim, P. cuvieri e P. nattereri apresenta uma estrutura pulsionada harmônica e com sobreposição de alguns parâmetros espectrais (ex. frequência mínima). A correlação dos espectrogramas de P. cuvieri e P. nattereri (valor = 0,68) também indica esta sobreposição. Apesar de algumas similaridades acústicas, afirma-se que esses cantos contêm informação suficiente para garantir o isolamento pre-zigótico entre as espécies. Isto ocorre devido a divergência dos parâmetros acústicos entre as espécies que podem tornar o sinal mais eficiente (Gerhardt & Schwartz, 1995).

A maioria das variáveis acústicas que caracterizam o canto de anúncio das três espécies, garantem a segregação no ambiente que ocorrem em simpatria. A partição do sinal acústico tem sido reportada para várias taxas em nível de comunidade: cigarras (Sueur, 2002), grilos (Schimidt et al., 2013), pássaros (Planqué & Slabbekoorn, 2008) e morcegos (Sattler et al., 2007; Schuchmann & Siemers, 2010). Desta maneira, a estrutura do canto de anúncio tem sido tratada como a dimensão acústica do nicho mais importante dentre espécies simpátricas na determinação do sucesso reprodutivo de parceiros coespecíficos (Sinsch et al., 2012).

As variáveis acústicas que mais favorecem a partição acústica dos Physalaemus foram duração do canto, variáveis espectrais (ex. frequência dominante e máxima) e a intensidade, em ordem decrescente de importância. Desta maneira, assume-se que não só parâmetros espectrais do canto, mas também os temporais são importantes na partição do espaço acústico.

Assim, corrobora-se com a hipótese de lacunas preenchidas, que prediz a adição do domínio temporal dos parâmetros do canto de anúncio aos parâmetros espectrais, na partição do espaço de reconhecimento das espécies em simpatria (Amézquita et al., 2011). Cardoso & Villiard

34

(1990) e Martins et al. (2006) também registraram os parâmetros temporais como os mais importantes na partição do espaço acústico. Assim, estruturas temporais do canto também são importantes no mecanismo de isolamento reprodutivo entre as espécies de Physalameus analisadas e, provavelmente, os receptores do sinal acústico são mais seletivos a estas variáveis (Bee, 2007). Assim, observa-se a diferenciação da estrutura do canto por espécies simpátricas de Physalaemus.

A baixa amplitude do nicho na dimensão estrutura do canto indica uma forte especialização das espécies para estes parâmetros (Sinsh et al., 2012). Um longo período de coevolução destas espécies deve ter ocorrido, a fim de garantir uma segregação do nicho nesta dimensão. Isto era esperado principalmente por se tratar de comunidades em áreas cultivadas, onde a similaridade de micro-habitat para espécies que vocalizam no chão é maior devido aos efeitos antrópicos. Assim, a estrutura do canto é a escala do nicho acústico mais importante na partição acústica dos três Physalaemus aqui estudados.

Ao contrário do que ocorre dentro da família Hylidae na região Neotropical, os leptodactilídeos tendem a exibir um maior grau de sobreposição dos sítios de vocalização e maior segregação da estrutura do canto de anúncio (Vasconcelos & Rossa-Feres, 2008). Tal padrão é registrado para as três espécies estudadas, indicando uma complementariedade do nicho a fim de garantir a coexistência das espécies (Santos & Rossa-Feres, 2007; Vasconcelos

& Rossa-Feres, 2008). Esta complementariedade do nicho envolve a segregação de espécies a partir de diferentes dimensões do nicho (Santos & Rossa-Feres, 2007).

2.4.2 Dimensão espacial

Para as três espécies de Physalaemus estudadas o tipo de habitat onde vocalizam compreende pequenas depressões com água, podendo ser formado até mesmo por pegadas de animais localizadas nas bordas dos corpos d’água. O comportamento destas espécies ao vocalizar é o de permanecer com a cabeça levantada flutuando sobre a água, direcionados

35

diagonalmente geralmente para o corpo d’água. Adicionalmente, são espécies que apresentam o mesmo modo reprodutivo com formação de ninhos de espuma em ambientes lênticos (Bastos et al., 2003).

Algumas variáveis que caracterizam o sítio de vocalização garantem a segregação das espécies analisadas. Desta maneira P. atim é uma espécie que depende de ambientes com maiores alturas de vegetação, mostrando preferências mais específicas para os recursos disponíveis. Segundo Martins et al. (2006) e MacAlpine & Diworth (1989) aspectos estruturais da vegetação são importantes na discriminação de micro-habitat em anuros que ocorram em simpatria.

Todavia, P. cuvieri apresentou maior abundância quando havia apenas um tipo de vegetação e vegetação de altura mediana. Apesar de se pensar que em áreas abertas o grau de sobreposição do nicho é alto (Pombal & Gordo, 2004; Vasconcelos & Rossa-Feres, 2008) devido ao grande número de espécies e ao baixo número de sítios de vocalização (Cardoso et al., 1989), aqui é mostrado que mesmo em áreas abertas podem ocorrer graus distintos de segregação espacial. A segregação que foi observada pode ser explicada então pela maior heterogeneidade do micro-habitat nos corpos d’água analisados. Mesmo com a predominância de vegetação herbácea nas bordas dos corpos d’água, como consequência dos impactos da agricultura, foi possível verificar características distintas entre os sítios de vocalização que favorecem a coexistência destas três espécies.

As características de sítio de vocalização de P. cuvieri e P. nattereri são mais similares, tornando-as com grau de sobreposição maior. Similaridades na dimensão espacial do nicho também podem ser encontradas em outros grupos de anuros que vocalizam no chão

(Menin et al., 2005; Melo et al., 2007). Isto deve ocorrer devido a herança fisiológica e comportamental que os organismos adquirem de seus ancestrais, evoluindo de maneira a ocupar algumas posições similares em pelo menos uma dimensão do nicho (Thompson,

36

1994). No entanto, são espécies com estratégias de reprodução diferentes: P. nattereri - reprodução explosiva (Rodrigues et al., 2004), P. cuvieri - reprodução prolongada (Barreto &

Andrade, 1995). Neste caso outras dimensões do nicho devem ser mais importantes para a segregação destas espécies.

A alta amplitude do nicho na dimensão espacial analisada indica baixa especialização das espécies para as características dos sítios de vocalização. Segundo Sinsch et al. (2012) isso ocorre devido a caraterísticas ecológicas e fisiológicas similares das espécies envolvidas que garantem a elas escolherem micro-habitat com características amplas. Desta maneira, a dimensão espacial colabora na segregação das espécies quando ocorrem em simpatria, mas não é a dimensão mais importante neste processo.

2.4.3 Dimensão do período

A maioria dos anuros da região tropical utiliza a estação chuvosa para se reproduzir

(Duellman & Trueb, 1994; Prado et al., 2005). No entanto, P. nattereri apresentou menor amplitude neste nicho para a espécie devido ao período reprodutivo restrito poucos dias do ano. Isto também explica uma menor amplitude de nicho temporal para a espécie. Os recursos então podem ser particionados pelas espécies devido às diferenças dos padrões de atividade reprodutiva entre elas. Assim, os mesmos sítios de vocalização podem ser utilizados por espécies simpátricas (ex. P. cuvieri e P. nattereri), desde que haja uma partição temporal dos recursos (Prado et al., 2005).

Espécies estritamente correlacionadas podem ter picos de atividade de vocalização diferente no mesmo dia. O período das 21:30 h é considerado o mais importante na separação dos picos ativos entre as espécies, onde ocorre alta abundância de P. cuvieri em relação às outras. Assim, uma minimização da interferência de cantos heteroespecíficos deve ocorrer, favorecendo a transmissão do sinal (Abrunhosa et al., 2014). Isto se faz importante,

37

principalmente para P. cuvieri, por apresentar as menores frequências dominantes e intensidade do canto. As vocalizações de P. cuvieri podem ser mascaradas quando as duas outras estão em atividade de vocalização, e por isso sua maior abundância quando as outras diminuem sua atividade ao longo da noite. Segundo Betolluci & Rodrigues (2002) a segregação do período pode ser um importante mecanismo de isolamento reprodutivo para espécies que reproduzem sincronicamente.

Acredita-se também que outros fatores do nicho acústico, como partilha da estrutura do canto e a segregação dos sítios de vocalização, sejam mais importantes por garantir o limite de coexistência destas espécies. Isto porque a amplitude do nicho temporal apresentou os maiores valores, indicando baixa especificidade no uso destes recursos. A menor importância da segregação temporal na coexistência de anuros também é reportada em outras comunidades de anuros (Santos et al., 2007; Sinsch et al., 2012).

2.4.4 Conclusão

Conclui-se que a partição acústica do nicho das três espécies de Physalaemus é explicada, principalmente, pela dimensão da estrutura do canto de anúncio das espécies. Com isso, as espécies conseguem mascarar a interferência acústica quando vocalizam em simpatria, facilitando a transmissão do sinal (Gerhardt & Schwartz, 1995). No entanto, a coexistência das espécies nos ambientes abertos de Cerrado, não pode ser explicada a partir de dimensões e variáveis separadas, mas sim pela interação das três dimensões acústicas aqui analisadas. A combinação destas variáveis garante a possibilidade de ajustes no uso de recurso entre as espécies, favorecendo sua segregação (Martins et al., 2006). A maneira como o nicho acústico tem evoluído em função da competição entre as espécies ainda não é claro. Por fim, sempre existem aspectos ou dimensões do nicho que favorecem a coexistência de espécies estritamente correlacionadas no ambiente.

38

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43

3 PARTILHA DE RECURSOS ALIMENTARES DE DUAS ESPÉCIES SIMPÁTRICAS DE PHYSALAEMUS (ANURA, LEPTODACTYLIDAE) EM UMA ÁREA DE CERRADO, BRASIL CENTRAL

RESUMO

Conhecimento: Espécies com as mesmas características de vida e que ocorram em simpatria, podem partilhar recursos. A elevada diversidade de anuros da região Neotropical, com espécies ocorrendo em simpatria, favorece trabalhos que investigam os padrões de partição do recurso a partir das interações interespecíficas. Dentre estas espécies Physalaemus cuvieri e Physalaemus atim apresentam sobreposição de sua distribuição no Cerrado e para este estudo nós apresentamos a dieta das duas espécies, determinamos a amplitude de nicho, o índice alimentar, a sobreposição de nicho e testamos a diferença da composição da dieta, e relações do tamanho corporal e da boca com o volume dos itens alimentares. Resultados: P. cuvieri consumiu 12 categorias de presas, enquanto Physalaemus atim apresentou 18, nas quais os cupins e as formigas tiveram os maiores valores de importância. Restos de vegetais foram constantes nos conteúdos estomacais. A amplitude de nicho foi maior para Physalaemus atim (Ba=0,22) do que para P. cuvieri (Ba=0,03), com sobreposição de nicho de 88%. Todavia, registrou-se diferenças da composição da dieta. O tamanho corporal e da boca foram positivamente correlacionados com o volume de presas consumidas em ambas as espécies. Não foram encontradas diferenças do tamanho da boca entre as espécies, mas diferenças corporais foram registradas. Conclusões: A alta importância de cupins e formigas na dieta podem indicar o forrageamento oportunístico nas espécies. O tamanho do nicho sugere que Physalaemus atim é um predador mais generalista do que Physalaemus cuvieri. Concluímos, que apesar da alta sobreposição, a composição diferente sugere segregação no habitat, sendo o consumo comum devido a não limitação das presas. A ingestão de diferentes volumes de presas também pode servir como forma de segregação dos predadores. Palavras-chave: Dieta, nicho trófico, segregação, anuros

44

FOOD RESOURCES USE OF TWO SYMPATRIC SPECIES OF PHYSALAEMUS (ANURA, LEPTODACTYLIDAE) IN SAVANNAHS AREA, CENTRAL BRAZIL

ABSTRACT

Background: Species with same life’s characteristics and occurring in sympatry, should share resources. The high diversity of frogs in Neotropical region correlated with species occurring in sympatry, favors studies that investigate the resource partition patterns through interspecific interactions. Among these species Physalaemus cuvieri and Physalaemus atim have overlapping distribution in the Cerrado biome. In this study we present the diet of both species, and determined the niche breadth, index of food items, the niche overlap and test the difference in diet composition, and relationships of body size and mouth with the volume of food items. Results: P. cuvieri consumed 12 prey categories, while Physalaemus atim 18, termites and ants had the highest importance values. Plants remains were contained in the stomach contents. The niche breadth was higher for Physalaemus atim (Ba = 0.22) than for P. cuvieri (Ba = 0.03), with 88% niche overlap. However, it enrolled differences in diet composition. The body and mouth size were positively correlated with the prey volume consumed. There were no differences in the mouth size between species, but body size differences were recorded. Conclusions: The high importance of termites and ants in diet may indicate opportunistic foraging on species. The niche breadth suggests that Physalaemus atim is more generalist predator than Physalaemus cuvieri. We conclude that despite the high overlap the different composition suggest segregation in habitat, and the commum consumer due to no limitation of prey. Ingestion of different prey volumes can also serve as a form of segregation. Keywords: Diet; niche, segregation; anurans

45

3.1 INTRODUÇÃO

A partição no uso do recurso, considerando a redução das possibilidades de competição interespecífica (Pianka 1973; Rossa-Feres & Jim 2001; Pombal et al. 2010), é um ramo da ecologia necessário para analisar o limite da coexistência estável entre as espécies

(Toft 1985; Gordon 2000). Neste contexto, os anfíbios anuros são excelentes modelos para entender os padrões de partição do recurso nas comunidades biológicas (Melo et al. 2007;

Sabagh & Carvalho-e-Silva 2008; Sabagh et al. 2012).

Espécies com as mesmas características de vida e que coexistem em um mesmo habitat, partilham o recurso a fim de garantir segregação (Heyer et al. 1990). Por isso a dieta tem sido considerada uma das principais dimensões do nicho (Pianka 1994), que auxilia na mensuração desse atributo ecológico. Supõe-se que a partilha nesta dimensão estrutura comunidades biológicas (Andrew & Christensen 2001).

Alguns autores relatam a sobreposição na composição alimentar de espécies simpátricas de anuros (Lima et al. 2010; Sabagh et al. 2012; Oliveira et al. 2015), enquanto outros demonstraram a partição do recurso em relação ao tamanho de presa, período de alimentação e classes de tamanho dos predadores (Lima & Magnusson 1998; Menin et al.

2005). Dessa maneira, o grau de sobreposição do nicho é variável (Etges 1987; Heyer et al.

1990), mas a sobreposição total é rara (Rossa-Feres & Jim 2001).

O estudo das relações interespecíficas que envolvem a alimentação em anuros faz-se necessário para conhecer a organização das populações, as quais podem estar associadas com suas características comportamentais e ecológicas (Telles et al. 2007), bem como interpretar os processos biológicos e evolutivos que estruturam as comunidades biológicas (Toft 1980;

Santos et al. 2003).

O gênero Physalaemus inclui até o momento 46 espécies com ampla extensão geográfica na América do Sul (Frost 2015). Physalaemus cuvieri e P. atim são

46

leptodactilídeos de pequeno porte encontrados em áreas de Cerrado aberto com reprodução se estendendo de setembro a março e ovos depositados em ninhos de espuma (Bastos et al. 2003;

Brasileiro & Haddad 2015). Ainda apresentam sobreposição de sua distribuição no bioma

Cerrado, sendo encontrados em simpatria no estado de Goiás (Gambale, obs. pess.).

Os objetivos foram: (1) analisar a dieta de Physalaemus atim e P.cuvieri que ocorrem em simpatria em áreas abertas de região de cerrado no centro-oeste do Brasil; (2) determinar a sobreposição de nicho apresentado pelas duas espécies; (5) testar a hipótese de segregação trófica entre as duas espécies, bem como as relações positivas entre tamanho da presa com tamanho do corpo do predador.

3.2 MÉTODOS

O estudo foi realizado no município de Bonfinópolis, estado de Goiás (coordenadas da sede município: 16º37’2,9’’S 48º57’44,5’’O). A região é dominada por pastagens, com uma série de fisionomias vegetais abertas classificados em Cerrado sensu lato, englobando áreas sem arbustos ou árvores (“Campo Limpo”) ou com pequenas árvores e arbustos dispersos

(”Campo sujo”) (Oliveira-Filho & Ratter 2002). O clima do local é considerado tropical, com a estação seca (Maio a Setembro) e chuvosa (Outubro a Abril) bem definidas, classificados como tipo Aw no sistema de classificação de Koppen (Peel et al. 2007). A temperatura média

é de 23oC, umidade do ar de 71% e média de chuva anual de 1487mm (Barbosa et al. 2014).

De dezembro de 2013 a fevereiro de 2014 indivíduos adultos de P. cuvieri e P. atim foram coletados mensalmente, através dos métodos de procuras visuais (Crump & Scott 1994) e auditivas (Heyer et al. 1994) durante o período noturno quando os indivíduos começavam suas atividades (18:00 h) até quando as atividades diminuíam (00:00 h). Foram selecionados nove corpos d’água para coleta de indivíduos e análise de conteúdo estomacal, onde as duas espécies ocorriam em simpatria (Tabela 1). O conteúdo estomacal de 67 indivíduos de P. cuvieri e 58 indivíduos de P. atim foram obtidos através da indução do regurgito (Solé et al.

47

2005). Os 125 indivíduos submetidos ao processo de lavagem estomacal foram marcados e puderam ser capturados posteriormente, garantindo a sobrevivência dos espécimes após o procedimento. Assim, o método utilizado foi pouco invasivo e sem necessidade de sacrifício destes indivíduos para a análise do conteúdo estomacal.

Os exemplares testemunhos foram depositados na coleção Zoológica da Universidade

Federal de Goiás (ZUFG) (Physalaemus atim – ZUFG 8497–8500; Physalaemus. cuvieri –

ZUFG 8504–8512). A suficiência da amostragem foi avaliada a partir de um curva de acumulação de categorias de presas, utilizando o programa Estimates 9 com 1000 aleatorizações adicionais (Colwell 2009).

Tabela 1. Coordenadas geográficas dos corpos d’água amostrados no município de

Bonfinópolis, Centro-oeste do Brasil, estado de Goiás, Brasil.

Locais Coordenadas geográficas

Ponto 1 16o34'23,8''S 48o57'16,5''O Ponto 2 16o33'59,7''S 48o55'53,7''O Ponto 3 16 o35'55,3''S 48o52'43,8''O Ponto 4 16o32'21,4''S 48o57'48,2''O Ponto 5 16o37'45,8''S 48o47'54,5''O Ponto 6 16o34'40,2''S 48o56'00,9''O Ponto 7 16o42'54,4''S 48o49'44,5''O Ponto 8 16o40'15,4''S 48o50'55,4''O Ponto 9 16o39'22,7''S 48o49'23,5''O

O comprimento rostro-cloacal, a largura da boca e o comprimento da boca foram medidos para cada indivíduo submetido à análise de conteúdo estomacal, utilizando-se para isso paquímetro digital Minipa (precisão 0,01mm). Adicionalmente a massa de cada indivíduo foi medida com utilização de uma balança digital de precisão de 0,01g.

48

Os conteúdos estomacais foram fixados em álcool 70% (Luna 2005), e numerados para posterior identificação por meio de esteriomicroscópio (Resh & Cardé 2003). A dieta foi analisada a partir dos métodos de ocorrência, número e volume de cada categoria de presas, as quais foram identificadas a menor nível taxonômico possível. Os itens foram medidos e expressos como volume total de itens através do método de ocorrência, numérico e volumétrico (Hyslop 1980), usando uma placa de vidro milimetrada (Hellawell & Abel 1971).

A ocorrência é calculada pela quantidade de vezes que o item alimentar aparece na dieta dos indivíduos de cada espécie. O volume foi obtido pela compressão dos itens alimentares, sob uma lâmina de vidro em umplaca com uma malha de um milímetro, a uma altura conhecida (1 mm), calculando-se a área coberta pelos itens.

O índice alimentar (IAi) foi calculado para caracterizar a dieta de cada espeie de anuro

(Kawakami & Vazzoler 1980), que combina o volume total e a frequência de ocorrência de cada item:

Onde IAi = índece alimentar; FOi = percentage de frequência de ocorrência e VOi = percentagem de frequência volumétrica; i = 1, 2,.., n item alimentar. A amplitude de nicho trófico foi calculada pelo Índice de Levins (1968), cuja fórmula é:

B = 1/ Σ Pi2 onde,

B representa a amplitude do nicho alimentar e Pi = proporção de volume do item i para uma espécie. De acordo com Rossa-Feres & Jim (2001) valores de B acima de 2,36 para pelo menos duas variáveis indicam espécies generalistas.

A fim de observar a composição da dieta das duas espécies, uma matriz de dados do volume dos conteúdos estomacais foi sumarizada por uma análise de correspondência destendenciada (DCA) (Gauch Jr. 1982). O teste não paramétrico de permutação (“Multi-

49

Response Permutations Procedures”, MRPP-distância euclidiana) foi utilizado os dados de volume dos itens alimentares, para verificar diferenças da composição da dieta entre as espécies. Estas análises foram realizadas através do programa PC-ORD para Windows, versão

5 (MacCune & Mefford1999).

Considerando as espécies amostradas como fatores, diferenças no volume das presas consumidas, tamanho dos indivíduos (comprimento rostro-cloacal x massa corporal) e proporções da boca (largura da boca x comprimento da boca) foram testadas através de um teste de ANOVA one-way para cada espécie (Zar 1999). Uma curva de acumulação de categorias de presas foi construída, a fim de registrar que o número de categorias de presas chegou a uma estabilização com o número de dados amostrados. As análises foram computadas pelo programa Statistica (version 7.0, Statsoft; www.statsoft.com). O nível de significância utilizado foi p < 0,05.

Fig. 1: Curva de acumulação de categorias de presas consumidas por Physalaemus atim

(barras pretas; n=58) e P. cuvieri (barras cinzas; n=67) no município de Bonfinópolis, Goiás,

50

Brasil. Pontos e quadrados representam as médias e as barras representam o desvio padrão das médias.

3.3 RESULTADOS

Dentre os 67 machos adultos de P. cuvieri submetidos ao processo de regurgito estomacal, 14 (20,89 %) não continham conteúdo estomacal e 53 (79,11%) apresentaram estômagos cheios. Para P. atim, dos 58 machos adultos submetidos ao processo, 13 (22,41%) apresentaram os estômagos vazios e 45 (77,59%) continham conteúdo em seus estômagos. A categoria denominada de restos de plantas (incluindo principalmente fragmentos de folhas, de gravetos e sementes) foram registrados em 36 estômagos de P. cuvieri e 26 de P.atim.

A dieta de P. cuvieri foi composta por 12 categorias taxonômicas de presas, enquanto

P. atim apresentou uma dieta composta de 18 categorias de presas (Tabela 2). Duas categorias de presas registradas em P. atim: Bryozoa e Collembola, não foram inseridas nas análises estatísticas devido à baixa ocorrência.

Todas as presas registradas para P. cuvieri também foram encontradas em P. atim, com exceção de Vespoidae, que apesar da frequência baixa apresentou volume de 3 mm3 em

P. cuvieri. Os itens consumidos somente por P. atim foram larvas de insetos, Blattaria,

Coleoptera, Diptera, Collembola e Lepidoptera e outros invertebrados como, Bryozoa e

Gastropoda. O volume médio de presas ingeridas por P. cuvieri foi de 12,73 mm3 enquanto

3 que P. atim apresentou uma média de 9,38 mm , sem diferenças estatísticas (F (1,96)=1,03; p=0,31). Para P. cuvieri, isopteras estão entre os itens mais importantes na dieta, seguido de restos vegetais, formigas e adultos da ordem Coleoptera. Enquanto que em P. atim isopteras e restos vegetais compõem os principais itens da dieta, seguidas de araneae e larvas

(Lepidoptera e Diptera).

51

Physalaemus atim (B=4,63) teve amplitude de nicho maior que a de P. cuvieri

(B=1,30). Mesmo com a variedade da dieta registrada, a amplitude do nicho de ambas as espécies foi considerada baixa e com baixa equitabilidade no consumo de categorias de presas

(Ba<0,5).

Os resultados da ordenação da dieta através da DCA foram explicados pelo eixo 1

(autovalor=13,96%) e eixo 2 (autovalor=10,70%). A distribuição dos pontos evidencia que a dieta de P. atim teve distribuição mais ampla e diferente de P. cuvieri (Figura 2). A partir das permutações geradas pelo teste não paramétrico MRPP, foi possível verificar diferenças significativas da composição da dieta das espécies (p<0,01).

Fig. 2: Análise de Correspondência Destendenciada (DCA), aplicada sobre os dados de percentual de volume dos itens alimentares de Physalaemus atim (quadrados cinza) e

Physalaemus cuvieri (quadrados pretos) do município de Bonfinópolis, estado de Goiás,

Brasil.

52

Relações positivas foram encontradas entre o volume das presas com o tamanho de

2 2 ambas as espécies (R P.cuvieri = 0,45; R P.atim = 0,40) (Figura 3A e B). O tamanho da boca maior foi correlacionado com a ingestão de maior volume de presas em ambas as espécies (R2

2 P.cuvieri = 0,44; R P.atim = 0,32) (Figura 4A e B). Foram encontradas diferenças entre o tamanho corporal de P. cuvieri e P. atim (F(1,95)=25,24; p<0,01), no entanto as médias relativas ao tamanho da boca se mostraram similares (F(1,89)=0,13; p=0,72) (Figura 5).

Fig.3: Regressão linear do tamanho corporal dos machos, medido pela multiplicação do comprimento rostro-cloacal pela massa, e o volume de presas ingeridas (cm3) para A)

Physalaemus cuvieri e B) Physalaemus atim, no município de Bonfinópolis, estado de Goiás,

Centro-Oeste do Brasil.

Fig. 4: Regressão linear do tamanho da boca dos machos, medido por meio da multiplicação da largura da boca pelo comprimento da boca, e o volume de presas ingeridas (cm3) para A)

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Physalaemus cuvieri e B) Physalaemus atim, no município de Bonfinópolis, estado de Goiás,

Centro-Oeste do Brasil.

Fig. 5: Médias e desvio padrão para as médias do (A) tamanho corporal (resultado da multiplicação do comprimento rostro cloacal e massa) e (B) tamanho da boca (resultado da multiplicação do comprimento da boca e largura da boca), de Physalaemus atim e

Physalaemus cuvieri, registrados no município de Bonfinópolis, estado de Goiás, centro-oeste do Brasil. *p < 0,05.

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Tabela 2: Categorias de presas consumidas por Physalaemus atim (n=45 conteúdos estomacais analisados) e Physalaemus cuvieri (n=53 conteúdos estomacais analisados) no município de Bonfinópolis, Goiás, Brasil. O volume foi medido em mm3. FO= Percentagem de frequência de ocorrência;

V= Percentagem de volume de cada classe, IAi: Índice alimentar.

Categorias de presas Physalaemus cuvieri Physalaemus atim FO (%) V (%) IAi FO (%) V (%) IAi Insecta Blattaria - - - 2 (1,6) 38 (5,45) 0,98 Bryozoa - - - 1 (0,8) 0,01 (0,001) 0,0001 Chilopoda 2 (1,57) 1,5 (0,14) 0,009 1 (0,8) 1 (0,14) 0,01 Coleoptera 10 (7,87) 31,8 (2,88) 0,93 3 (2,4) 8 (1,19) 0,31 Coleoptera (larvae) - - - 4 (3,2) 27,8 (4,13) 1,43 Collembola - - - 1 (0,8) 0,25 (0,03) 0,003 Diptera 5 (3,94) 9,05 (0,82) 0,13 9 (7,2) 18,2 (2,70) 2,11 Diptera (larvae) - - - 6 (4,8) 8,96 (1,33) 0,69 Formicidae 24 (18,90) 48,02 (4,35) 3,38 17 (13,6) 23,88 (3,55) 5,25 Hemiptera 5 (3,94) 1,93 (0,17) 0,03 8 (6,4) 49,5 (7,37) 5,12 Homoptera 2 (1,58) 2,4 (0,22) 0,01 7 (5,6) 95 (14,14) 8,60 Isoptera 33 (25,98) 895,63 (81,13) 86,74 16 (12,8) 272,9 (40,63) 56,47 Lepidoptera (larvae) - - - 4 (3,2) 84 (12,51) 4,35 Cont Orthoptera 3 (2,36) 11 (1,00) 0,10 2 (1,6) 5 (0,74) 0,12

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Categorias de presas Physalaemus cuvieri Physalaemus atim FO (%) V (%) IAi FO (%) V (%) IAi Vespoidae 1 (0,79) 3 (0,27) 0,009 - - - Arachnida Acarii 3 (2,36) 5 (0,45) 0,04 1 (0,8) 0,2 (0,03) 0,003 Araneae 3 (2,36) 14,33 (1,30) 0,12 13 (10,4) 32,49 (4,84) 5,46 Mollusca Gastropoda - - - 4 (3,2) 6,4 (0,95) 0,33 Extras categories Plants remains 36 (28,34) 80,28 (7,27) 8,48 26 (20,8) 25,9 (3,71) 8,71 Total 1103,94 697,49

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3. 4 DISCUSSÃO

Physalaemus atim e P. cuvieri apresentaram amplitude de nicho trófico similar ao registrado em outras espécies do gênero Physalaemus com dieta já conhecida: P. cf. cicada (8 categorias de presas) (Santana & Juncá 2007), P. gracilis (13 categorias), P biligonigerus (12 categorias) (Oliveira et al. 2015) e P. ephippfer (20 categorias) (Rodrigues & Santos-Costa

2014). Diferentes habitats podem garantir variação na disponibilidade das presas (Born et al.

2010; Caldart et al. 2012), o que evidencia um certo grau de plasticidade na espécie, considerada especialista.

Restos de plantas são comuns de serem encontrados nos estômagos dos anuros e geralmente são associados à alimentação acidental (Solé & Pelz 2007, Kovács et al. 2007), uma vez que restos de planta se associam com insetos herbívoros. As formas de captura de presas por anuros, que inclui a movimentação do corpo e protação da língua em direção às mesmas (Monroy & Nishikawa 2010), sugerem a ingestão de qualquer material que esteja associado à presa. Considera-se ainda, que a digestibilidade de fragmentos de vegetal pode ser lenta nesses animais cujas enzimas não são conhecidamente apropriadas para tal função, o que pode retardar o tempo de digestão desse tipo material no estômago dos indivíduos.

No entanto, os restos vegetais em P. cuvieri e P. atim foi uma categoria constante na dieta dos espécimes coletados, com frequência e volume altos quando comparados às outras categorias de presas. Tal padrão também foi encontrado para o gênero Phyllomedusa (Lima et al. 2010). O registro de anuros herbívoros foi evidenciado em Xenohyla truncata (Silva et al.

1989) e Euphlyctis hexadactylus (Das 1996). Segundo Anderson et al. (1999), a ingestão de plantas pode facilitar a digestão de exoesqueleto dos insetos, ajudar na eliminação de parasitas e contribuir como um recurso extra de água a fim de evitar a desidratação. Portanto, sugerimos um estudo mais detalhado sobre a função e o consumo de plantas nestas espécies

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para se compreender padrões comportamentais e chegar a conclusões mais precisas sobre tal ingestão.

Os cupins e formigas como evidenciado para as duas espécies de Physalaemus estudadas, estão entre os principais itens alimentares consumidas por diversos anuros

(Siqueira et al.; 2006; Forti et al. 2011; Caldart et al. 2012; Oliveira et al. 2015). Solé et al.

(2002) observaram que para o microhilídeo Elachistocleis bicolor, os cupins e formigas são itens exclusivos da dieta. A elevada importância destes recursos em P. atim e P. cuvieri indica que eles são forrageadores oportunísticos e ativos, consumindo itens alimentares menores e com alta disponibilidade em um único local (Toft 1981; Solé & Rodder 2009). Embora

Strussman et al. (1984) tenham considerado os leptodactilídeos como não especializados em formigas, este não é um padrão dentre os Physalaemus, uma vez que este itens também são encontrados em outras espécies do gênero: P. cf. cicada (Santana & Juncá 2007), P. gracilis,

P biligonigerus (Oliveira et al. 2015) e P. ephippfer (Rodrigues & Santos-Costa 2014).

Este modo de forrageamento também foi registrado em espécies do gênero

Phyllomedusa (Lima et al. 2010). Em geral, o consumo de formigas e cupins está associado aos anuros com presença de alcaloides na pele que favorecem a coloração aposemática utilizados na estratégia defensiva (Darst et al. 2005). Este padrão aposemático é encontrado em Physalaemus cuvieri na região inguinal da coxa, uma coloração vermelha característica da espécie. No entanto, a coloração aposemática não foi evidenciado em P. atim, acredita-se que por isso sua dieta seja mais ampla envolvendo outros itens alimentares que não cupins e formigas.

De modo geral a sobreposição da dieta de P. atim e P. cuvieri foi alta, devido a alta importância de cupins e formigas para ambas a espécies. Embora a sobreposição seja alta, a composição dos itens alimentares foi diferente, enfatizado pela diferença do tamanho das espécies. Este padrão é reforçado pelo tamanho do nicho, que sugere que P. atim é um

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predador mais generalista do que P. cuvieri nos locais amostrados. Raros são os estudos sobre a classificação das espécies de anuros em predadores generalistas e especialistas na região tropical (Hirai & Matsui 2000; Maneyro et al. 2004). Embora alguns autores afirmem que anfíbios são, em geral, predadores generalistas com dietas influenciadas por fatores extrínsecos (e.g. disponibilidade de alimento) e intrínsecos (e.g. tamanho do corpo e formato do crânio) (Sugai et al. 2012).

Segundo Oliveira et al. (2015) a exclusividade de categorias de presas por espécies simpátricas, poderiam também indicar diferenças no comportamento de forrageamento entre elas. Assim, apesar da alta sobreposição as espécies apresentam alguns itens alimentares e frequência de ingestão que as tornam distintas no habitat. O consumo comum de outros itens deve ocorrer devido a abundância destas presas no ambiente, desta maneira não há um prejuízo das duas espécies (Pianka 1994).

Os anuros apresentaram tamanhos corporais distintos, e as regressões entre o tamanho do corpo e da boca dos predadores com o volume das presas evidenciaram relações positivas.

Desta maneira, o tamanho dos indivíduos pode limitar o volume de presas consumidas, acredita-se haver discreta seleção de presas de acordo com o tamanho dos predadores. Então, a ingestão de diferentes volumes de presas também pode servir como forma de segregação dos predadores no ambiente que habitam, uma vez que os indivíduos maiores podem se alimentar de presas maiores (Vitt & Caldwell 2009; Solé & Rodder 2009).

A relação encontrada para P. cuvieri e P. atim quanto ao tamanho dos espécimes com o volume das presas (fator intrínseco) ocorreu com a amostragem somente de adultos.

Correlações do tamanho de anuros com tamanho e volume de presas também foram reportadas por López et al. (2007), Maneyro et al. (2004), Sabah & Carvalho-e-Silva (2008) e

Sugai et al. (2012).

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Conclui-se que P. atim apresenta amplitude de nicho maior que P. cuvieri, e por isso uma característica mais generalista de dieta. Apesar das diferenças de tamanho entre as espécies, ocorreu alta sobreposição do nicho. Todavia, a composição difere garantindo um grau de segregação no ambiente em que ocorrem em simpatria. As correlações do tamanho corporal e da boca de P. cuvieri e P. atim revelam que indivíduos maiores predam presas proporcionalmente maiores ou em maior volume. Adicionalmente outras dimensões do nicho devem ser analisadas, para que os mecanismos de coexistências das espécies sejam melhor compreendidos. Estudos de dieta em outros anuros ainda são necessários para determinar padrões comportamentais, como o de forrageamento, para melhor entendimento a respeito da importância de alguns itens alimentares em decorrência de outros, bem como testar questões ecológicas pertinentes aos grupos envolvidos.

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4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir das dimensões de nicho estudado, espacial, temporal, estrutura do canto e alimentar, o estudo evidenciou que em pelo menos uma das dimensões ocorre uma separação clara entre as espécies, permitindo a coexistência das mesmas no meio que habitam. A partição acústica do nicho das três espécies de Physalaemus é explicada principalmente pela

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dimensão da estrutura do canto de anúncio das espécies. No entanto, a coexistência delas nos ambientes abertos de Cerrado, deve ser explicada a partir da interação de todas as dimensões analisadas. Também foi encontrado que a dimensão alimentar do nicho de P. atim e P. cuvieri apresenta uma alta sobreposição. Todavia, a composição da dieta difere garantindo um grau de segregação no ambiente em que ocorrem em simpatria. Desta maneira conclui-se que existem aspectos ou dimensões do nicho diferenciáveis entre espécies estritamente correlacionadas, que favorecem a coexistência das mesmas no ambiente. Adicionalmente ampliaram-se informações acerca da biologia das espécies estudadas.