19º Congresso Brasileiro de Sociologia- 9 a 12 de julho de 2019. UFSC- Florianópolis, SC.

GT36- Sociologia Digital.

O tamanho importa: desejo pelas travestis nas plataformas de pornografia digital.

Dionys Melo dos Santos1

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1 Mestre em Sociologia pelo Programa de Pós-graduação em Sociologia (PPGS) da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Este trabalho contou com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP). 1

Introdução.

O trabalho em tela possui como objetivo central pensar, a partir da relação entre pornografia e tecnologia, como o corpo travesti, o desejo e as forças sociais se articulam na construção da diferença sexual. No limite, esta investigação pretende analisar como o corpo travesti é colocado em cena pela pornografia contemporânea, predominantemente distribuída a partir de plataformas digitais gratuitas, de que maneira a pornografia digital reflete na construção e/ou no apagamento de uma feminilidade travesti e quais tecnologias e discursos incidem sobre o campo pornográfico na construção/reprodução de uma “transpornografia”. Para tanto, neste trabalho optou-se por produzir uma pesquisa bibliográfica e documental sobre aspectos da reprodução do sexo com travestis na pornografia e apresentar uma análise de gráficos e alguns dados de cunho mais quantitativos relativos ao consumo produzidos pela plataforma Pornhub Network, em especial, os mais recentes referentes ao ano de 2018, sem ignorar os conteúdos imagéticos e midiáticos dos arquivos audiovisuais selecionados nos sítios de pornografia disponíveis na internet. Tais plataformas de conteúdo pornográfico foram selecionadas a partir de critérios que buscavam privilegiar aquelas que possuíssem um maior fluxo de acessos a suas bases. Sendo assim, optamos por trabalhar apenas com sítios de distribuição pornográfica gratuitos2 entendendo ser neles que se desenvolve a maior parte do consumo. Os sites que serão analisadas aqui são: a) o Pornhub (.com); b) o Redtube (redtube.com) e; c) o Shemale Tube (ashemaletube.com). Criados em 2007, tanto o Pornhub como o Redtube fazem parte do conglomerado de distribuição pornográfica gratuita Pornhub Network que é composto também pelos domínios: Youporn (.com); Tube8 (tube8.com); PornMD (pornmd.com); Thumbzilla (thumbzilla.com); (xtube.com) e suas versões correspondentes especializadas em pornografia homossexual masculina: o Pornhub Gay, Redtube Gay, Youporn Gay, Tube8 Gay, PornMD Gay, Xtube

2 A questão da “gratuidade” destes conteúdos é um dos primeiros pontos que nos ajudam a compreender a ambivalência de trabalhar com tecnologias digitais a partir de uma perspectiva sociológica, pois é muito comum tais plataformas de distribuição pornográfica gratuitas serem acusadas de pirataria pelas produtoras de filmes de sexo explícito. 2

Gay e o Gaytube (gaytube.com), sendo que este último consiste no único que possui um domínio diferente e uma interface de navegação própria. O Pornhub Network começou a ganhar forma, em 2009, quando o programador alemão inicia um processo gradativo de aquisição de vários websites tubes e produtoras de conteúdo pornográfico. Há muito mistério em torno de quem realmente comanda e financiou esse processo de aquisição, mas a história pública sobre a formação do maior conglomerado de distribuição pornográfica da atualidade passa necessariamente pelo grupo Mansef3. A estrutura de negócio do grupo Mansef/Manwin foi montada em torno de sedes e mais de 20 subsidiárias localizadas, principalmente, no Chipre e em Luxemburgo, mas havendo também um escritório na Alemanha (Hamburgo) e sua sede principal no Canadá (Montreal). É um ponto controverso, mas a grande maioria dos websites tubes e sites de camgirls, como o Live Jasmin, ncontram-se localizados ou registrados em países conhecidos como “paraísos fiscais”. Este ponto levanta muitas dúvidas sobre a origem e procedência do dinheiro movimentado4. Devido à quantidade de sites que compõem o conglomerado, é possível afirmarmos que o Pornhub Network consiste no maior grupo de distribuição pornográfica gratuita na rede. Segundo as estatísticas mais recentes produzidas pela própria plataforma5, somente em 2018, foram registradas 33,5 bilhões de visitas ao site6 e 30,3 bilhões de pesquisas na plataforma7, sendo que somente no ano passado 4.791.799 de vídeos foram descarregados no sítio e 141.312.502 de

3 Mansef foi um grupo de investidores, criado em 2004, que tinha em Stephane Manos, Ouissam Youssef e Matt Keezer seus três principais nomes. Apesar da ascendência diversificada de seus criadores, todos tinham em comum o fato de frequentarem a Universidade de Concordia, localizada em Quebec no Canadá. Em 2010, Thylmann assume o protagonismo do grupo mudando o nome para Manwin em meio ao processo de aquisição de vários websites, como o Youporn e o Redtube, e produtoras, como a . Estima- se que a Manwin gastou por volta de 362 milhões de dólares para compor seu portfólio. Sendo que a maior parte dessa quantia foi levantada junto a fundos de investimentos como o Fourtress Investiment Group e o Could Back Capitals. Para mais ver o documentário produzido pelo Canal + “Pornocratie: Les nouvelles multinationales du sexe” (Ovidie, França, 2017). 4 A esse respeito o que é de conhecimento público, no que tange a Mansef/Manwin, é que em 2009 a Mansef, responsável no período por gerir a produtora , foi multada pelo serviço secreto de Atlanta nos Estados Unidos. E que em 2012, Fabian Thylmann é detido em Bruxelas por sonegação fiscal sendo que no ano seguinte, 2013, ele vende suas ações da Manwin deixando o posto de CEO para Feras Antoon que rebatiza a companhia para MIndgeek, nome atual da empresa. 5 Disponíveis em https://www.pornhub.com/insights/2018-year-in-review. Acessado em 20/05/2019. 6 Este valor corresponderia a uma média diária de 92 milhões de visitas. 7 O que corresponderia a uma média de 962 pesquisas por segundo. 3

avaliações de vídeos, 7.898.478 de comentários e 63.954.319 novas mensagens foram registradas. O Shemale Tube é um site norte-americano que, assim como o Pornhub e o Redtube, possui seus domínios registrados na capital do Chipre, a cidade de Nicósia8. Criado em 2009, o Shemale Tube pode ser considerado o maior site de distribuição pornográfica gratuita exclusiva9 de travestis e mulheres trans10. Atualmente o sítio ocupa a 1.099º colocação no ranking global de sites11 produzidos pela Alexa Internet Inc12. Só para se ter uma noção do que representa o Shemale Tube nesse segmento, o segundo site mais acessado do gênero, o She Shaft (sheshaft.com), ocupava a 7.371º posição no ranking global13. É preciso ter em mente que o esforço deste trabalho é em pensar em contextos, como apontam Miller e Slater (2004), no intuito de evitar recair em conceitos como virtualidade ou ciberespaço na busca em superar a divisão on/off e pensar tais polos como definidos de forma contingente. Sherry Turkley (2011) e José Van Dijck (2016) apontam no sentido de uma conectividade perpétua produzida pelas novas mídias que reverberam na produção de comportamentos a partir de uma dinâmica de retroalimentação entre o humano e o informacional.

Tela inicial: a passagem dos desktops aos mobiles e as novas perspectivas que as tecnologias digitais possibilitaram ao campo dos Porn Studies.

Acredito que, antes de começarmos uma análise mais sistemática dos conteúdos disponíveis nas plataformas de distribuição pornográfica gratuita, seja necessário pontuarmos como a massificação das tecnologias digitais

8 A escolha por registrar seus domínios na capital do Chipre se dá devido às especificidades e maior permissividade da legislação local sobre tecnologias digitais, o que oferece uma maior estabilidade para esses domínios. É muito comum entre os sites pornográficos de origem norte-americana possuírem seus domínios registrados em países com legislação mais favorável a distribuição de conteúdos pela internet. 9 Tanto o Pornhub como o Redtube são sites predominantemente de distribuição pornográfica heterossexual. Onde a pornografia com travestis e mulheres trans compõem o espectro de conteúdos disponíveis, mas não exclusivamente como no Shemale Tube. 10 É possível encontrar também alguns conteúdos relacionados a homens trans, mas o seu volume é muito pequeno. 11 Dados referentes ao período de 21 de dezembro de 2018 a 20 de janeiro de 2019. Período esse em que produzimos a dissertação “As travestis no cinema da boca do lixo e na pornografia digital.” (DOS SANTOS, 2019) trabalho que deu origem a este artigo. 12 A Alexa Internet Inc. consiste em uma companhia de internet que fornece dados e análises sobre o tráfego na rede. Fundada por Bruce Gilliat e Brewster Kahle em 1996, ela possui como principal serviço a capacidade de mensuração do volume de acessos a determinado domínio e a partir destes dados produz um ranking global e regional de sites mais acessados. Em 1999 a empresa foi adquirida pela Amazon. 13 Dados referentes ao período de 21 de dezembro de 2018 a 20 de janeiro de 2019. 4

reconfiguram a produção, o consumo e, também, os próprios paradigmas que guiaram o campo dos Porn Studies até o século passado. No Brasil, o processo de expansão das tecnologias digitais se deu em muito a partir da popularização de dispositivos móveis de acesso, como o celular. Nesse sentido, os gráficos da plataforma Pornhub sobre consumo e formas de acesso a plataforma são exemplares de como esse processo ocorreu tardiamente no contexto brasileiro quando comparado ao E.U.A. Se em 2012 os Estados Unidos já registravam 54% do acesso à plataforma por meio de dispositivos móveis (celulares e tablets), no Brasil apenas 15% do acesso foi registrado por meio de tais dispositivos naquele ano14. Com o início dessa década os valores relativos ao contexto brasileiro foram se alterando até chegarmos a um empate técnico no ano de 2015, onde foram registrados 50% do acesso via desktops, 45% via smartphones e 5% através de tablets15. A partir de 2016 o Brasil seguiu a tendência global de predominância dos dispositivos móveis no volume de acesso ao site, com os smartphones sendo responsáveis por 54% do acesso16. Esta investigação nos leva a crer não ser mero fruto do acaso o fato de que a partir de 2016 podemos observar cada vez mais a presença de categorias relacionadas à pornografia com travestis e mulheres transexuais na plataforma. No limite, acredito ser possível estabelecer uma correlação entre o aumento do acesso através de dispositivos móveis e a ascensão de categorias relacionadas às trans17. Não no sentido de pensarmos em termos de um determinismo tecnológico18, mas, antes, recuperando o sentido que autores como Chauntelle Tibbals (2014) e Antoine Mazières et al. (2014) propõem de pensar como o advento da web 2.019 permitiu a emergência de alguns nichos do desejo sexual até então invisibilizados.

14 Dados disponíveis em https://www.pornhub.com/insights/pornhub-2013-year-in-review. Acessado em 20/05/2019. 15 Dados disponíveis em https://www.pornhub.com/insights/?s=2015++year+in+review. Acessado em 20/05/2019. 16 Dados disponíveis em https://www.pornhub.com/insights/?s=2016++year+in+review. Acessado em 20/05/2019. 17 Creio ser importante pontuar que neste artigo me valerei do termo guarda-chuva “trans” quando desejo me referir tanto a travestis quanto a mulheres transexuais. 18 Raymond Williams (2016), recuperando a premissa marxista da história ser produzida por homens, já apontava a importância de recusarmos a perspectiva que vê a tecnologia exercendo um efeito causal determinante sobre o comportamento humano. Seguindo os apontamentos do autor, esta pesquisa busca respeitar a necessidade de considerarmos analiticamente o modo como a tecnologia é articulada com grupos específicos de interesse inseridos em uma determinada ordem social. 19 De acordo com Carolina Parreiras (2012), o termo web 2.0 surgiu nos anos 2000 a partir de uma empresa estadunidense chamada O’Reilly Media. Este termo foi criado para batizar uma segunda geração de 5

O trabalho de Tibbals (2014) mostra como a pornografia com travestis/mulheres transexuais consiste em uma das tendências que emergem e moldam a produção e consumo pornográfico contemporâneo nos Estados Unidos. Acredito, assim como a autora, que a experiência de um consumo hiperindividualizado, engendrada pela massificação dos smartphones, favorece o aumento do consumo de tipos de pornografia consideradas frutos de um desejo desviante. Assim, não seria mera coincidência que a partir de 2016 os levantamentos produzidos pela plataforma Pornhub Network passaram a considerar cada vez mais termos relacionados a uma “transpornografia”, chegando a produzir análises exclusivamente centradas na pornografia trans em 2017. No contexto brasileiro, a passagem da predominância nas formas de acesso dos desktops ao crescente uso dos dispositivos móveis adquire ainda mais importância se tivermos em mente que a massificação do acesso à rede se dará principalmente a partir de tais dispositivos móveis devido ao contexto socioeconômico e ao fato de eles serem tecnologias mais acessíveis monetariamente. Mas, antes de passarmos para a análise dessas informações e dos conteúdos audiovisuais disponíveis nessas plataformas, gostaria de pontuar como a expansão de uma produção pornográfica digitalizada acaba por reconfigurar o próprio campo dos estudos em pornografia.

Durante a década de 1980, no contexto estadunidense, intensificaram-se os debates em torno do pornográfico. Autoras vinculadas a uma perspectiva feminista antipornografia e proibicionista, como Catherine MacKinnon (1997), pautavam o debate acerca dos conteúdos pornográficos partindo de um paradigma analítico que pressupunha a correlação entre palavras/imagens e a produção de comportamentos em seus espectadores. Para MacKinnon (1997), a pornografia não seria apenas um assunto moral, mas, principalmente, algo que possuiria capacidades práticas maléficas em produzir ações desvirtuadas em seu público alvo.

comunidades e programas da Internet. A web 1.0 designa as chamadas “ponto.com” onde a separação entre produtores e consumidores era bem delimitada, a grande inflexão incentivada pelo conceito de web 2.0 é justamente o borrar das fronteiras entre consumidores e produtores sendo cada usuário da rede um potencial produtor de conteúdo e consumidor. 6

Em paralelo a esse movimento anti porn surgiram trabalhos preocupados em contestar a perspectiva proibicionista adotando uma postura menos rígida frente ao pornográfico. Tal corrente de pensamento ficou conhecida como pró sex no âmbito norte-americano e, em um primeiro momento, buscou analisar o gênero pornográfico no sentido de problematizá-lo enquanto narrativa e desestabilizá-lo em seu lugar privilegiado de fala, entretanto, sem advogar em nome da proibição de tais conteúdos20. Trabalhos como o de Walter Kendrick (1987) e Linda Williams (1999) buscam, através de uma avaliação histórica da pornografia enquanto uma categoria de regulação/classificação, produzir uma análise mais detalhada do pornográfico enquanto um texto, em um sentido mais foucaultiano de análise, sem desconsiderar a eficácia pornô em produzir engajamentos passionais e sensoriais no público. Entretanto, tais autores recusam a perspectiva valorativa de uma afetação maléfica em si. Antes, buscam organizar um conjunto de convenções narrativas que estruturam as características centrais da pornografia. Williams (1999) aponta como eixo condutor do campo pornográfico a questão da máxima visibilidade, ou seja, o desejo em mostrar, de colocar em cena aquilo que deveria estar fora dela como elemento estruturante da pornografia. A partir dos anos 2000, como aponta Feona Attwood (2002), a teoria queer e as alterações nas formas de produzir, retratar e consumir o ato sexual desempenharam um importante papel na reorientação dos debates acerca do pornográfico. Além de mudanças nas agendas políticas e teóricas, borram-se as fronteiras entre pornografia e arte, pornografia e representações do sexo na mídia tradicional, principalmente a partir do advento da Web 2.0. No limite, como aponta Attwood (2002), a partir da massificação da internet seria como se o “museu secreto” de Kendrick (1987) tivesse suas portas escancaradas ao público, não sendo mais possível falar em Pornografia, mas em pornografias. Assim, a partir dos anos 2000 vive-se a experiência de um “novo” mundo onde a produção e o consumo pornográfico se multiplicam e se intensificam acompanhando a efervescência de novas formas e dinâmicas estético-culturais.

20 Trabalhos como o de Gayle Rubin (1993) e Larissa Duarte (2013) são importantes referências para pensarmos a questão das “guerras sexuais” em torno do pornográfico no contexto estadunidense dos anos de 1980. 7

No âmbito pornográfico, o domínio do “pornovídeo” (ABREU, 1996) aprofundara características da produção pornográfica tradicional como a proximidade entre corpo em tela e corpo/corporeidade dos espectadores. A multiplicação de vídeos POV (Point of View)21 e em realidade virtual (VR) nas plataformas gratuitas de distribuição pornográfica são sintomas desse processo de intensificação da experiência graças ao avanço da tecnologia. No intuito de dar conta das novas configurações do pornô na contemporaneidade, Susanna Paasonen (2011) busca, utilizando-se do conceito de “ressonância carnal”, pensar a pornografia na internet a partir de dispositivos de intensificação da experiência sem partir de posições radicais que trabalham em termos de males e consequências nefastas causadas pelo pornográfico a seus consumidores. O conceito de “ressonância carnal” diz respeito à coreografia das expressões sexuais na pornografia digital que visa produzir e intensificar determinadas ressonâncias no corpo do espectador através do prazer em olhar os corpos performando em tela, diferente do espectro mais contemplativo das produções pornográficas das décadas de 1970 e 1980. O esforço de Paasonen (2011) consiste em uma tentativa de explicar tanto os conteúdos audiovisuais disponíveis “online”, como as respostas materiais que eles provocam nos corpos de suas audiências. Cabe frisar que o “online” neste trabalho não é pensado enquanto um conceito autocontido de unidade, mas que busca trabalhar numa chave mais próxima a de Sherry Turkley (2011), que o utiliza no sentido de uma conectividade perpétua produzida pelas novas mídias.

Entre garotas e garotos: o desejo pelas trans nas plataformas do Pornhub Network.

Após a breve exposição sobre o atual estágio dos Porn Studies, acredito que já possamos adentrar na questão dos conteúdos midiáticos nas plataformas de distribuição pornográfica gratuita selecionados. Para tanto, começarei nossa análise pelas plataformas do Pornhub Network, em especial os próprios Pornhub e o Redtube, além de retomar algumas pesquisas sobre consumo mais recentes e que atentam às especificidades do contexto brasileiro.

21 Point of view pode ser traduzido enquanto “plano ponto de vista”. 8

Será a partir de 2016 que a categoria “shemale” aparecerá entre as 20 mais pesquisadas na plataforma Pornhub (17º colocação)22. No mesmo ano, em uma pesquisa centrada apenas no consumo brasileiro no site 23, a categoria “shemale” apareceu entre as cinco mais visualizadas no território nacional, apresentando um aumento de 89% em seu volume de pesquisas e visualizações na plataforma quando comparada à média mundial de busca de pornografia com travestis e mulheres trans na plataforma Redtube. Em 2017, o Pornhub Network, percebendo o aumento das buscas por conteúdos pornográficos com travestis/transexuais, produziu uma pesquisa exclusivamente centrada neste tipo de conteúdo24. Esta pesquisa, intitulada “Transgender Porn Searchs”, será fundamental para nesta investigação entendermos o papel que o consumidor brasileiro desempenha na busca por tais conteúdos. Nela o Brasil aparece em 2º lugar no ranking dos países que mais procuram “transpornografia” no sítio, atrás apenas da Argentina e seguido pela Colômbia e pela Venezuela. Este é um ponto interessante, pois no topo do ranking estão situados países com um alto grau de conservadorismo no que tange às questões de sexualidade e gênero, países onde a violência contra mulheres, gays, lésbicas, trans e toda uma diversidade de experiências que escapam ao espectro da heterossexualidade é cotidiana. Além disso, os três primeiros colocados (Argentina, Brasil e Colômbia) são países que vivenciam atualmente a ascensão de regimes que buscam alinhar a tradição conservadora no campo dos costumes a uma política econômica de cunho mais neoliberal25. Não gostaria de estabelecer aqui correlações de causa e efeito, uma vez que a questão do desejo e violência as quais as travestis são sujeitadas no contexto brasileiro necessita de um trabalho mais sistemático e profundo sobre as características do consumo na América do Sul e de como travestis e transexuais

22 Dados disponíveis em https://www.pornhub.com/insights/2016-year-in-review. Acessado em 20/05/2019. 23 Disponível em https://www.pornhub.com/insights/redtube-brazil. Acessado em 20/05/2019. 24 Disponível em https://www.pornhub.com/insights/transgender-searches. Acessado em 20/05/2019. 25 De acordo com a ANTRA (Associação Nacional de Travestis e Transexuais), apenas em 2017 ocorreram 179 assassinatos de travestis, mulheres trans e homens trans no Brasil. Este número faz do país líder em números absolutos no ranking mundial de homicídios dessa população. Dos 179 casos registrados, 169 foram cometidos contra travestis e mulheres trans, sendo que 80% das vítimas eram negras/pardas e 70% dos casos tinham como alvo profissionais do sexo. Uma análise mais sistemática sobre os dados de 2017 e os mais recentes produzidos em 2018 pode ser encontrada no capítulo 5 da dissertação que deu origem a este artigo (DOS SANTOS, 2019). 9

são figuras que permeiam o entretenimento e o desejo das massas há muito tempo26. Esta investigação pretende atingir um equilíbrio entre perspectivas que pensam o papel das narrativas pornográficas na cristalização de determinados dispositivos de saber e poder e as que reconhecem a capacidade pornográfica de construir fissuras no edifício branco e masculino da heteronormatividade. As pesquisas mais recentes27 disponibilizadas pela plataforma Pornhub colocam o termo “trans” em 5º lugar dentre aqueles que definiram o consumo na plataforma no ano de 2018. A categoria “transgender”28 aparece em 13º entre aquelas que foram mais visualizadas e o Brasil aparece em 12º entre os 20 países que mais trafegam no site, sendo que somados os 20 países que mais acessam o site seriam responsáveis por 80% do tráfego diário na plataforma. No que tange aos dispositivos utilizados no acesso em território brasileiro, 72% se deu por meio de smartphones, o maior valor de acesso por meio de tecnologias móveis29 registrado até então. No que se refere a especificidade do consumo brasileiro, o Brasil apresenta um valor de 57% acima de buscas por pornografia com travestis quando comparado à média mundial, sendo esta a categoria mais procurada em território nacional quando pensamos em aumento de buscas em relação à média mundial. No geral, a categoria “transgender” aparece em 4º lugar entre as mais consumidas no Brasil no ano de 2018. Se até 201730 a busca por tais conteúdos no Brasil estava na casa dos 80% acima da média mundial, no ano de 2018 foi registrado uma queda nesse valor, mas acredito que isso tenha se dado, não pelo fato de o brasileiro buscar menos esse tipo de conteúdo, mas, sim, pelo aumento nas buscas por uma “transpornografia” ao redor do globo. O próprio fato de o termo “trans” aparecer entre os 5 primeiros definidores do que foi o ano de 2018 na plataforma é um indicativo.

26 Em um artigo intitulado “Dos consultórios às delegacias: o corpo travesti no cinema da boca do lixo paulistana” (DOS SANTOS, 2018) busco apresentar uma breve síntese da pertinência das travestis no entretenimento brasileiro de massa. 27 https://www.pornhub.com/insights/?s=2018+year+review. Acessado em 20/05/2019. 28 Aqui é sensível a preocupação do site em utilizar termos menos ofensivos como, por exemplo, “transgender” em detrimento de “shemale” que pode ser considerado um termo degradante, principalmente, fora do campo pornográfico. 29 Dados disponíveis em https://www.pornhub.com/insights/?s=2018+year+review. Acessado em 20/05/2019. 30 Dados disponíveis em https://www.pornhub.com/insights/2017-year-in-review . Acessado em 20/05/2019. 10

Assim, para esta investigação buscou-se trabalhar com os cinco vídeos mais assistidos com travestis brasileiras em cena, em números absolutos, em cada uma das plataformas selecionadas. Para tal, utilizamos a metodologia de contagem das próprias plataformas que costumam ser disponibilizadas em termos de “número de visualizações”. Sendo que o corpus de pesquisa foi definido a partir do critério de nacionalidade das performers travestis/transexuais em cena, buscamos selecionar vídeos onde nas interações ficasse evidente a nacionalidade brasileira das performers, optando por não trabalhar com vídeos compilações devido ao seu caráter extremamente rapsódico. Os cinco vídeos coletados que serão apresentados a seguir foram selecionados durante o ano de 201831. A escolha por trabalhar com números absolutos se dá também no intuito de minimizar possíveis desvios no ranqueamento devido aos valores elevados no número de visualizações que esses vídeos apresentam. Os títulos dos vídeos serão mantidos na língua original dos sites (inglês) respeitando a forma como quem adicionou na plataforma nomeou, ou seja, mantendo possíveis erros de gramática, concordância, digitação e/ou a utilização de expressões populares do universo pornográfico. Comecemos pelos vídeos coletados no Pornhub (pornhub.com):

NOME VISUALIZAÇÕES DURAÇÃO Sexy Shemale Fucking with hot 11.959.634 (junho de 2018) 18:23 girl32. 13.157.053 (janeiro de 2019) 13.554.934 (maio de 2019) 3 shemales on 3 females orgy33. 4.161.583 (junho de 2018) 27:05 4.699.656 (janeiro de 2019) 4.920.133 (maio de 2019) Nicolli Navarro fuck a girl with big 2.768.299 (junho de 2018) 21:45 cock34. 3.072.600 (janeiro de 2019) 3.201.463 (maio de 2019) 2 shemales bang a girl35. 2.223.121 (junho de 2018) 20:28 2.287.237 (janeiro de 2019) 2.315.042 (maio de 2019)

31 Período em que a pesquisa de mestrado que deu origem a este artigo foi desenvolvida. A primeira coleta de vídeos nos sites foi realizada em junho de 2018, a segunda foi feita em janeiro de 2019. 32 https://www.pornhub.com/view_video.php?viewkey=1243621058. Acessado em 20/05/2019. 33 https://www.pornhub.com/view_video.php?viewkey=1128822630. Acessado em 20/05/2019. 34 https://www.pornhub.com/view_video.php?viewkey=1458242142. Acessado em 20/05/2019. 35 https://www.pornhub.com/view_video.php?viewkey=1887131111. Acessado em 20/05/2019. 11

Shemale barebacking a female36 1.614.885 (junho de 2018) 25:18 1.641.937 (janeiro de 2019) 1.660.677 (maio de 2019)

O primeiro ponto que chama a atenção quando analisamos a tabela acima é a predominância de vídeos pornográficos onde travestis performam junto de mulheres cis37. Todas as cinco obras apresentam performances de travestis/mulheres trans desempenhando o papel ativo durante a coreografia sexual com atrizes mulheres. É possível afirmarmos que entre as preferências dos consumidores da plataforma Pornhub existe uma tendência no desejo em acessar conteúdos pornográficos protagonizados por pessoas que se identificam com o gênero feminino. Neste ponto, o mercado brasileiro não é diferente. Se retomarmos os dados anuais citados anteriormente observaremos que em todos os anos acompanhados a categoria que aparece em 1º lugar na preferência nacional será a “lesbian”, refletindo uma tendência global na plataforma que coloca a categoria “lesbian” como a mais consumida em toda a história da plataforma38. É preciso que tenhamos em mente o fato de que a pornografia mainstream é pensada a partir do desejo masculino, sendo o pornô com travestis analisado aqui pautado pela lógica/coreografia da pornografia mainstream heterossexual. Outro ponto que precisa ser evidenciado está no fato de que os vídeos mais visualizados em números absolutos costumam ser aqueles que estão há mais tempo disponíveis no site39. Entretanto, a partir do acompanhamento da plataforma durante o ano de 2018, é possível afirmarmos que os vídeos que apresentam uma melhor qualidade técnica de captação de imagem e resolução tendem a ser mais visualizados do que aqueles que apresentam uma qualidade inferior.

36 https://www.pornhub.com/view_video.php?viewkey=165535462. Acessado em 20/05/2019. 37 Neste texto utilizarei da abreviação “cis” para me referir a performers cisgêneros. 38 Dados que podem ser confirmados em https://www.pornhub.com/insights/10-years. Acessado em 20/05/2019. 39 As plataformas disponibilizam outras metodologias de contagem que levam em conta vídeos mais visualizados no “mês” e na “semana”, entretanto, optamos por trabalhar com vídeos mais assistidos em números absolutos devido a maior estabilidade que eles fornecem, correndo um menor risco de serem excluídos da plataforma. 12

Este é o caso dos vídeos “2 shemales bang a girl” e “shemale barebacking a female”, que apresentam uma qualidade de imagem inferior e que aumentaram suas visualizações em uma escala menor no período de coleta de dados, apresentando os respetivos valores de 91.921 e 45.792 de novos views. Se analisarmos os que mais aumentaram suas visualizações, é sensível o fato de serem vídeos que apresentam uma maior qualidade de resolução, apresentando um aumento nas visualizações maior que o dobro dos citados anteriormente. São eles “Sexy Shemale Fucking with a hot girl” e “3 shemales on 3 females orgy” que tiveram um ganho respectivo de 1.595.300 e 758.550 de novas visualizações no período40. Quando olhamos para o conteúdo destes vídeos, é possível identificar alguns elementos que são constantes a pornografia contemporânea. O primeiro será o cenário onde se desenvolve a ação sexual, sempre constituído pelo ambiente padronizado dos quartos de motéis. As cenas buscam seguir uma coreografia sexual simples: primeiramente há uma interação entre as performers que costuma durar entre 3 e 5 minutos, onde as atrizes se apresentam para a câmera e começam a trocar carícias como beijos molhados e toques pelo corpo enquanto se despem. Na sequência, já completamente nuas, a performer cis, geralmente, começa a estimular a genitália da travesti com beijos, masturbação e sexo oral. Após os pênis das travestis se encontrarem totalmente eretos, as atrizes passam a protagonizar uma certa ordem de posições que se iniciam com a penetração da travesti nas atrizes, ainda por cima, desempenhando um papel ativo sexualmente, depois a coreografia avança para a penetração por trás com a mulher na posição passiva deitada de bruços sem necessariamente praticar o sexo anal. Já no climax das coreografias, se invertem as posições, onde as performers cis passam a ficar por cima das travestis controlando o ato sexual, tanto de frente para a câmera como também de costas. Finalizando o roteiro sexual, geralmente, em uma nova inversão de posições a mulher cis volta a ficar por baixo sendo penetrada até o momento catártico do gozo das travestis, costumeiramente, fora, na região dos seios e/ou boca para que a câmera possa capturá-los em close.

40 Junho de 2018, início do acompanhamento nas plataformas, a Maio de 2019. 13

Todo o roteiro descrito acima possui como objetivo algo que é fundamental para a pornografia digital contemporânea: a intensificação da experiência do consumidor, radicalizando com o princípio da máxima visibilidade defendido por Linda Williams (1999). Na pornografia contemporânea é fundamental pensarmos na interação de corpos em cena com aparatos e dispositivos tecnológicos de intensificação da experiência que convidam o corpo do espectador a fluir, daí a importância de pensarmos estes conteúdos a partir da idéia de “ressonância carnal” (PAASONEN, 2011), pois são essas ressonâncias físicas o objetivo principal da pornografia atual. Mas antes de prosseguir, gostaria de introduzir os vídeos mais visualizados na plataforma RedTube para que tenhamos mais elementos para analisar e comparar. Entretanto, é preciso pontuar que, em 2019, a plataforma sofreu uma revisão em seus métodos de contagem de visualizações comprometendo a amostragem inicial selecionada e o acompanhamento da evolução nos números de views, pois alguns vídeos selecionados anteriormente sofreram uma redução tão brusca em seus valores que deixaram de integrar o top cinco dos vídeos mais assistidos na plataforma dando espaço a vídeos que não constavam na amostragem inicial selecionada no período de finalização da pesquisa de mestrado que deu origem a este texto (DOS SANTOS, 2019). Assim, a tabela a seguir apresenta os valores corrigidos e, quando disponíveis, os valores anteriores daqueles vídeos que já constavam na amostragem inicial.

NOME VISUALIZAÇÕES DURAÇÃO Shemales fuck girls41. 4.626.796 (junho de 2018) 18:06 4.774.261 (janeiro de 2019) 3.030.801 (maio de 2019)

Shemales fuck girls42. 3.108.138 (junho de 2018) 18:58 3.210.644 (janeiro de 2019) 1.673.647 (maio de 2019) Shemale and girl43. 1.219.707 (maio de 2019) 19:48

41 https://www.redtube.com.br/411669. Acessado em 20/05/2019. 42 https://www.redtube.com.br/411103. Acessado em 20/05/2019. 43 https://www.redtube.com.br/23824. Acessado em 20/05/2019. 14

Big boner transvestite44. 2.956.802 (junho de 2018) 13:28 3.031.877 (janeiro de 2019) 1.219.707 (maio de 2019)

He loves pussy and ladyboys45. 959.449 (maio de 2019) 57:38

Em relação ao Pornhub, a plataforma Redtube mantém a tendência de seus consumidores privilegiarem o consumo de vídeos protagonizados por travestis e mulheres cis. Entretanto, o quinto vídeo mais visualizado “He loves pussy and ladyboys” rompe com essa tendência ao apresentar um filme onde o foco da coreografia está na interação entre uma travesti, um homem cis e uma mulher cis. Neste vídeo de mais de 40 minutos protagonizado pela travesti brasileira, radicada na Itália, Camilla Jolie, a coreografia do ato sexual difere um pouco da dos vídeos protagonizados por trans e mulheres cis. Em “He loves pussy and ladyboys” prevalece um primeiro ato onde a travesti é apresentada para câmera, só que posteriormente, com a entrada do ator e atriz cis em cena, há uma maior variabilidade entre as posições assumidas. Homem e travesti, durante a coreografia, revezam o papel sexualmente ativo sendo que a travesti é quem primeiro penetra o ator cis e na sequência ambos revezam a penetração na atriz cis. Somente na sequência final é que o homem penetra a travesti, finalizando o ato com a travesti e a mulher cis de joelhos esperando que o ator ejacule sobre elas46. Outro ponto que chama a atenção na tabela acima é a repetição do nome nos dois vídeos mais assistidos: “Shemales fuck girl”. Ambos os vídeos apresentam um roteiro simples, centrado nas coreografias sexuais e que não apresentam grandes alterações em relação ao padrão de interação entre trans e mulheres cis citado anteriormente em relação aos vídeos da plataforma Pornhub. Entretanto, o vídeo mais assistido tem como cenário não mais o espaço padronizado dos quartos de motel, mas, sim, o ambiente do banheiro, flertando com a ideia de que a cumplicidade feminina na ida ao banheiro permite que a condição da amiga travesti seja revelada. A mulher cis cede ao desejo e dá início a coreografia do ato sexual.

44 https://www.redtube.com.br/307608. Acessado em 20/05/2019. 45 https://www.redtube.com.br/68444. Acessado em 20/05/2019. 46 O momento de ejaculação geralmente é chamado no meio pornô de “money shot” ou “cum shot” sendo um elemento fundamental para as produções pornográficas audiovisuais. 15

Ainda sobre o vídeo primeiro colocado, a ideia de travesti e mulheres cis ocupando o mesmo banheiro reverbera politicamente na luta constante de travestis pela possibilidade de utilizarem banheiros mais adequados a suas condições. A questão do acesso ao banheiro é um ponto que constantemente atravessa as discussões do movimento feminista47, onde setores mais radicais advogam pela exclusão de travestis e mulheres trans destes espaços. O interessante desse vídeo é que ele serve para evidenciar a ambivalência política do pornográfico, pois se por um lado pode servir para cristalizar e reificar a “ameaça” travesti, mesmo que em nenhum momento da performance sexual a travesti viole o consentimento da atriz cis, por outro provoca fissuras ao apresentarem travestis e mulheres trans ocupando esse espaço. É possível afirmar que, tanto na pornografia trans com homens cis como na pornografia trans com mulheres cis, um elemento fundamental do desejo dos consumidores é observar a performer travesti desempenhando um papel ambivalente sexualmente, sendo penetrada e também desempenhando o papel ativo nas relações e atingindo o climax da ejaculação em close. Antes de finalizarmos este artigo, gostaria de apresentar os vídeos mais visualizados na plataforma Shemale Tube, que possuem como principal fator de diferenciação em relação às plataformas trabalhadas até agora o fato de constituir um domínio especializado em pornografia com travestis e mulheres trans, assim como as prováveis rupturas em relação ao consumo de uma plataforma predominantemente heterossexual para uma exclusivamente centrada na “transpornografia”.

O tamanho importa: a centralidade do pênis no consumo na plataforma Shemale Tube.

NOME VISUALIZAÇÕES DURAÇÃO Biggest tranny cock you have ever 5.106.040 (junho de 2018) 6:31 seen48. 5.193.803 (janeiro de 2019) 5.326.428 (maio de 2019)

47 Não é somente o movimento feminista. Muito da resistência vem também de homens cis que advogam em nome do risco que seria deixar tais sujeitos adentrar o mesmo espaço que suas filhas e companheiras. 48 https://www.ashemaletube.com/videos/19492/biggest-tranny-cock-you-have-ever-seen/. Acessado em 20/05/2019. 16

Sexy chicks with dicks49. 2.460.607 (junho de 2018) 23:11 2.574.303 (janeiro de 2019) 2.596.489 (maio de 2019) TS with huge dick and yummy 2.197.961 (junho de 2018) 17:23 boobs needs your attention50. 2.253.750 (janeiro de 2019) 2.263.726 (maio de 2019) Naughty tgirl Angel Cortez fucks 2.190.126 (junho de 2018) 5:06 female hottie Britney Bitch51. 2.383.192 (janeiro de 2019) 2.436.663 (maio de 2019) Kinky tranny fucked dude in his 2.114.868 (junho de 2018) 5:26 asshole52. 2.213.460 (janeiro de 2019) 2.244. 296 (maio de 2019)

Quando acessamos o Shemale Tube percebemos que o sítio apresenta uma interface de navegação semelhante à dos outros sites analisados anteriormente. No topo da tela a plataforma apresenta uma barra que redireciona para outros domínios que compõem o conglomerado de distribuição53. Logo abaixo, outra barra redireciona o usuário para determinadas seções do site como fotos, favoritos, perfil de usuário, modelos, fóruns, chats, categorias (tags), livesex (camgirls trans) e “date a tranny”54. As semelhanças com os sites anteriormente analisados se mantêm no modelo de comunidade adotado pela plataforma onde o usuário deve se registrar, através do endereço de e-mail e criação de uma senha, podendo só então criar perfis, participar de fóruns, postar vídeos, trocar mensagens e acessar determinados conteúdos exclusivos. No contexto brasileiro, o Shemale Tube ocupa a 604º colocação entre os sites mais acessados em território nacional. Sendo que o Brasil aparece entre os cinco países com mais acessos na plataforma, ocupando o 4º lugar e sendo responsável por 6.2% do tráfego de visitantes no sítio55.

49 https://www.ashemaletube.com/videos/87418/sexy-chicks-with-dicks/. Acessado em 20/05/2019. 50 https://www.ashemaletube.com/videos/13040/ts-with-huge-dick-and-yummy-boobs-needs-your-attention/. Acessado em 20/05/2019. 51https://www.ashemaletube.com/videos/174086/naughty-tgirl-angel-cortez-fucks-female-hottie-britney-bitch/. Acessado em 20/05/2019. 52 https://www.ashemaletube.com/videos/215230/kinky-tranny-fucked-dude-in-his-asshole/ . Acessado em 20/05/2019. 53 São eles: o Pornoxo (pornoxo.com), Boyfriend TV (boyfriendtv.com), Fetish Papa (fetishpapa.com) e o AST.TV (ast.tv). 54 Este redireciona o usuário para o site TS Dates (tsdates.com), especializado em parear encontros entre trans e pretendentes mediante pagamento ou não. 55 Dados retirados da plataforma Alexa referentes ao período de 21 de dezembro de 2018 a 20 de janeiro de 2019. 17

A partir do quadro de vídeos mais assistidos acima é possível perceber uma maior diversidade nos conteúdos acessados pelos usuários do Shemale Tube. Variando entre obras mais próximas do voyeur, onde o espectador é convidado a desfrutar/observar os corpos travestis performando frente à câmera56, vídeos de sexo exclusivamente centrados na interação entre travesti, outros focados na interação entre trans e homens cis, como também, alguns protagonizados por travestis e mulheres cis, mas que terão todos como fio condutor a questão do tamanho do pênis das travestis em ação. O vídeo mais assistido na plataforma, “Biggest tranny cock your have ever seen”, é um bom exemplo dessa dinâmica de consumo. Nele o espectador é convidado a observar, a partir de uma câmera em close na região pélvica, o pênis avantajado de uma travesti que se masturba com o auxílio do cameraman. O grande chamariz deste vídeo está já exposto no título e consiste no tamanho do órgão genital da travesti, que certamente apresenta um comprimento maior que 25 centímetros. Pelo aspecto da genitália da travesti é muito provável que ela tenha recorrido a aplicação de polimetilmetacrilato (PMMA)57 para atingir tais medidas. O fetiche da travesti bem-dotada é uma constante quando pensamos nos padrões de consumo de uma transpornografia, sendo comum que muitas travestis recorram às aplicações de PMMA para aumentar seus lucros. O quarto vídeo mais assistido, “TS with huge dick and yummy bobs needs your atention”, segue a mesma tendência do citado anteriormente. O próprio nome da performer que protagoniza o ato, Anaconda, já faz referência direta ao tamanho do pênis da atriz, sendo que entre os comentários de ambos os vídeos a maioria consiste em glorificar o tamanho da genitália e apontar o desejo em praticar determinadas coreografias sexuais com ela. Estes vídeos reforçam o que Leite Júnior (2006; 2011; 2012; 2014) busca formular ao pensar o corpo trans a partir da perspectiva do monstruoso por evocar uma marca hiperbólica de algo

56 É possível estabelecer algumas relações entre algumas dessas performances e o trabalho das camgirls. 57 O PMMA é um polímero derivado do petróleo que possui como característica a capacidade de se manter inerte junto dos tecidos do organismo humano, sendo muito comum sua utilização na medicina ortopédica enquanto uma espécie de cola na colocação de próteses. A grande questão do PMMA reside na concentração do produto, no “cimento” ortopédico o PMMA apresenta uma concentração próxima de 85%, mas se colocado em baixas concentrações (entre 10 a 20%) o produto comporta-se enquanto um tipo de resina podendo ser moldado e permitindo maior flexibilidade. Daí sua utilização na bioplastia peniana por via de injeções do material diretamente no pênis. 18

fora da ordem natural, onde apesar de ser enxergado enquanto inferior frente aos corpos ditos “normais” consiste em uma fonte de um tipo de curiosidade erótica. A centralidade do pênis é uma constante em todos os vídeos analisados até aqui e reforçam a perspectiva de trabalhos que já apontavam ele como um elemento central do desejo pelas travestis (BENEDETTI 2005; LEITE JÚNIOR 2011 e 2014). Paul B. Preciado (2017) aponta como a sexualidade moderna heterocentrada se estruturou em torno da localização do prazer em órgãos específicos como o pênis, seguindo a ideia de contraprodutividade (FOUCAULT, 1988). O autor afirma que o desejo, a excitação sexual e o orgasmo nada mais são do que produtos que dizem respeito a uma determinada tecnologia sexual que associa os órgãos reprodutivos a órgãos sexuais. Dentre os vídeos que tiveram maior crescimento de visualizações na plataforma durante o desenvolvimento desta pesquisa destaco “Naughty tgirl Angel Cortez fucks female hottie Britney Bitch” (aumento de 246.537 views) por este ser um vídeo curto (5:06 minutos) e editado de modo a fazer o espectador acessar o domínio si-33.com, que redireciona para o site da produtora Evil Angel especializado em pornografia trans, o She- Male Idol (shemaleidol.com), para acessar a cena completa. A estratégia de editar cenas em clipes curtos e colocar nas plataformas de distribuição gratuita é uma constante entre as produtoras que postam conteúdos seguindo sempre o padrão de encerrar estes vídeos curtos antes da ejaculação das performers que desempenham o papel ativo. “Kinky tranny fucked dude in his asshole” é outro vídeo que registrou um crescimento destacado (129.428 views) e que segue o padrão citado anteriormente, redirecionando o espectador ao final para o site TS Playground (tsplayground.com). A diferença entre os conteúdos mais acessados no Pornhub, RedTube e Shemale Tube é sensível. Enquanto nos dois primeiros prevalecem obras onde travestis performam junto a homens e, principalmente, mulheres cis, no Shemale Tube é perceptível uma maior variedade de cenas, mesmo com amostragem pequena selecionada no âmbito deste artigo, apresentando tanto conteúdos de sexo focados na interação entre travestis, entre travestis e homens cis e entre travestis e mulheres cis. Além disso, o Shemale Tube apresenta entre os vídeos mais assistidos alguns cujo mote central não está na coreografia dos atos 19

sexuais, mas, sim, a exibição do corpo travesti e suas exuberâncias para a câmera.

Considerações finais.

Não era o objetivo desta investigação esgotar o tema da pornografia com travestis e mulheres transexuais, mas, antes, produzir uma análise do pornográfico enquanto um dispositivo, respeitando a sua discursividade sem apagar sua materialidade e o estatuto midiático da imagem. Gayle Rubin, em entrevista concedida a Judith Butler (2016), aponta no sentido de uma história da sexualidade enquanto parte de um processo mais amplo da história das tecnologias, da produção de objetos de consumo e da transformação de matérias primas. A “transpornografia” analisada aqui consiste em um objeto rico que ajuda a evidenciar como a sexualidade é fruto também de uma tecnologia custosa de produção de um corpo sexuado. A pornografia observada aqui desempenha um papel fundamental ao desestabilizar e, por vezes, reforçar a sexualidade moderna, cristalizando as ambivalências políticas que o pornô pode assumir. Trabalhar com a relação entre pornografia e tecnologia evidencia a impossibilidade de isolarmos corpo, e também o desejo, das forças sociais que atuam na construção da diferença sexual. Eis a grande questão da biopolítica foucaultiana, a percepção de como o capitalismo pretende não apenas controlar, mas, também, produzir a própria vida onde a biotecnologia trabalha simultaneamente em cima de corpos e das estruturas sociais que controlam e regulam a variabilidade cultural. Por fim, é inegável que o caso do Pornhub/Mindgeek é paradigmático dos riscos que o monopólio da distribuição gratuita pode causar a indústria, pois acaba por sujeitar seus trabalhadores a lógica dos websites tubes que é centrada na capacidade de gerar fluxos de acesso, se desconectando dos sujeitos que estão no fim dessa cadeia produtiva. Atrizes e atores cada vez recebem menos pelo seu trabalho enquanto os websites cada vez maximizam mais seus lucros. No limite, se com o advento da massificação do acesso a rede o consumo pornográfico aumentou, paralelamente, a indústria como um todo encolheu 20

ficando na mão de poucos grupos. O risco da monopolização assombra vários setores da internet, mas a indústria pornográfica parece estar mais vulnerável aos efeitos nefastos de um capitalismo sem fronteiras e ultraliberal. A questão da pirataria e da falta de regulação coloca a indústria pornográfica sob um risco que nem mesmo o feminismo radical em sua vertente proibicionista conseguiu. Tornando fundamental que futuras investigações no tema atentem para as estratégias que as produtoras estão desenvolvendo para concorrer com os websites gratuitos. A pornografia desempenha um papel “pedagógico” na contemporaneidade, assim sendo, é preciso ter em mente que o pornô, por vezes, evidencia problemas que estão na sociedade e que habitam outras formas de produção cultural. Por isso é fundamental que estimulemos o senso crítico de seus consumidores e é neste sentido que este trabalho pretende contribuir.

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