CÂMARA DOS DEPUTADOS

DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA, REVISÃO E REDAÇÃO

NÚCLEO DE REDAÇÃO FINAL EM COMISSÕES

TEXTO COM REDAÇÃO FINAL

Versão para registro histórico

Não passível de alteração

COMISSÃO EXTERNA - TRANSPOSIÇÃO DO RIO SÃO FRANCISCO EVENTO: Audiência Pública REUNIÃO Nº: 1098/15 DATA: 07/07/2015 LOCAL: Plenário 16 INÍCIO: 14h50min TÉRMINO: 17h54min PÁGINAS: 57 das Comissões

DEPOENTE/CONVIDADO - QUALIFICAÇÃO

OTTO ALENCAR - Senador JOÃO ALVES FILHO - Prefeito de Aracaju.

SUMÁRIO

Discussão sobre a transposição e a revitalização do Rio São Francisco e debate acerca do Projeto de Lei nº 202, de 2015, de autoria do Senador Otto Alencar.

OBSERVAÇÕES

Houve exibição de imagens.

CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINAL Comissão Externa - Transposição do Rio São Francisco Número: 1098/15 07/07/2015

O SR. PRESIDENTE (Deputado Raimundo Gomes de Matos) - Boa tarde aos senhores presentes, aos Srs. Parlamentares, aos assessores de imprensa, aos telespectadores da TV Câmara. Havendo número regimental, declaro aberta a 15ª Reunião da Comissão Externa destinada a acompanhar as obras do Projeto de Integração do Rio São Francisco com as Bacias Hidrográficas do Nordeste Setentrional, popularmente conhecida como “Transposição do Rio São Francisco”, bem como o Programa de Revitalização da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco. Encontra-se à disposição a ata da reunião anterior. O SR. DEPUTADO RÔMULO GOUVEIA - Peço dispensa da leitura da ata, Sr. Presidente. O SR. PRESIDENTE (Deputado Raimundo Gomes de Matos) - Não havendo discordância, nós estamos aguardando o quórum. No final da sessão nós iremos debater a apreciação da ata. A Ordem do Dia está dividida em duas etapas: audiência pública e deliberação de requerimento. Para darmos início à primeira etapa, a audiência de hoje tem como objetivo discutir sobre a transposição e a revitalização do Rio São Francisco, atendendo ao Requerimento nº 22, de minha autoria, e sobre o Projeto de Lei nº 202, de 2015, do Senado, de autoria do Senador Otto Alencar, que altera a Lei nº 9.393, de 19 de dezembro de 1996, para prever isenção do Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural — ITR a imóvel rural localizado à margem do Rio São Francisco, atendendo ao Requerimento nº 21, de autoria da Deputada Raquel Muniz. Serão expostas as vantagens da aprovação do projeto Registro a presença do nobre Senador Otto e o convido a ocupar um lugar à mesa, para que nós possamos dar início aos nossos trabalhos. Ressaltando a presença do nosso Relator, o Deputado Rômulo Gouveia, convido a Deputada Raquel para presidir a sessão, em homenagem ao nosso Senador, para que eu possa ficar como telespectador, como ouvinte. Passo a presidência dos trabalhos à Deputada Raquel. A SRA. PRESIDENTA (Deputada Raquel Muniz) - Boa tarde, Srs. Deputados, Senador Otto, que nos honra com sua presença hoje. Como grande estudioso da

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revitalização, em especial a do Rio São Francisco, tenho certeza de que vai deixar uma importante contribuição para esta Comissão e para o Brasil nesta tarde. Quero destacar a presença do Deputado Estadual Augusto Bezerra, de , e do Sr. José Carlos Machado, Vice-Prefeito da nossa querida Aracaju. Também agradeço a presença do Deputado Rômulo Gouveia. Agradeço imensamente ao Presidente desta Comissão, Deputado Raimundo Gomes de Matos, por me dar hoje o prestígio de comandar esta importante reunião, com a presença do nosso Senador Otto. Antes de passar a palavra aos nossos convidados de hoje, peço atenção aos Srs. Deputados para os procedimentos a serem observados durante esta audiência. Cada convidado dispõe de 20 minutos para sua exposição e não poderá ser aparteado. Ao fim da exposição, será concedida a palavra aos Deputados, observada a ordem de inscrição — será passada uma lista —, para, no prazo de 3 minutos, cada um formular suas considerações ou pedidos de esclarecimento, dispondo os convidados do mesmo tempo para resposta. Serão permitidas a réplica e a tréplica, pelo prazo de 3 minutos improrrogáveis. Vamos dar início à audiência. Concedo a palavra ao Sr. Senador Otto Alencar, do PSD da . O SR. SENADOR OTTO ALENCAR - Quero agradecer à Deputada Raquel Muniz o convite. Agradeço também ao Deputado Raimundo Gomes de Matos, Coordenador desta Comissão; ao Vice-Prefeito de Aracaju, José Carlos, que aqui representa um dos maiores conhecedores dos problemas da Bacia do Rio São Francisco e atual Prefeito de Aracaju, João Alves; ao meu prezado amigo Rômulo Gouveia, que está aqui e que conheço há muito tempo; aos Srs. Deputados e aos outros componentes da Comissão. A Deputada Raquel procurou-me algum tempo atrás, há uns 60 dias, logo que eu cheguei ao Congresso Nacional, e nós desfraldamos a bandeira da revitalização do Rio São Francisco. Como conhecedor de todo o trecho do rio na Bahia — o trecho do rio na Bahia e em Minas talvez seja o mais longo —, chamava-me a atenção a transposição caminhar como está caminhando, podendo ser concluída em 18 meses ou em 2 anos, no máximo, segundo previsão do Ministro Gilberto Occhi, e a

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revitalização estar na estaca zero. Não há, na verdade, absolutamente nenhuma revitalização da Bacia do Rio São Francisco. Não há nenhuma revitalização. Chegou agora o ex-Governador de Sergipe e atual Prefeito de Aracaju. A SRA. PRESIDENTA (Deputada Raquel Muniz) - Aproveitamos para convidar para compor a Mesa o querido Dr. João, que se tornou nosso amigo e amigo desta Comissão. O SR. SENADOR OTTO ALENCAR - Com o levantamento feito, nós observamos que o Rio São Francisco, ao longo de todo o seu trajeto, desde São Roque de Minas, na Serra da Canastra, onde nasce, até o Atlântico, na divisa de com Sergipe, está totalmente comprometido. O rio tem um trajeto longo — 2.780 quilômetros de extensão — e tem também características únicas no Brasil, eu acredito. Neste ano, por exemplo, estão previstos em torno de 1 bilhão e 100 milhões de reais para a transposição e apenas 175 milhões de reais para a revitalização. E, neste ano, não houve nenhuma ação que pudesse ser considerada como revitalização. Eu provoquei uma reunião com a Presidente Dilma no dia 23 de abril. Ela convocou o Ministro da Defesa, ; a Ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira; o Ministro da Integração Nacional, Gilberto Occhi, e o Ministro do Planejamento, Nelson Barbosa. Entregamos a ela um relatório oriundo da CODEVASF, com um estudo completo do Rio São Francisco e com a proposta de sua revitalização. Ele está aqui com o Rafael, técnico da CODEVASF. Ela pediu que, em 30 dias, fosse feito um projeto para intensificar a revitalização do São Francisco. Eu o cobrei depois de 30 dias, de 60 dias. Já passou esse período, e ainda não houve apresentação, por nenhum dos Ministérios, do projeto para intensificar a revitalização do Rio São Francisco. O que foi feito de revitalização não acrescenta absolutamente nada ao rio. Alguns investimentos foram feitos para tratamento e saneamento de esgoto de cidades próximas ao Rio São Francisco. Na Bahia, foram iniciadas as obras em 47 cidades, mas em somente duas elas foram concluídas. O Estado de Minas, de Alagoas e Sergipe estão na mesma situação.

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O que nós levamos à Presidente Dilma é que a situação do Rio São Francisco é de morte iminente. O rio está morrendo numa velocidade que eu nunca pensei ver. Eu conheci o Rio São Francisco aos 15 anos de idade, na altura de Ibotirama e o vi sadio, sem nenhum problema, sem nenhum comprometimento. Na época, os índios o chamavam de Grande Rio, na Bahia, e os fazendeiros o chamavam de Rio dos Currais, porque compravam gado na margem esquerda do Rio São Francisco, tiravam-no de dentro do curral, transportavam-no pela balsa, do lado direito, levavam-no para a Chapada e, depois, para Feira de Santana e, de lá, o levavam para o abate, em Salvador. Eu fazia esse percurso com meu pai e via isso direitinho. Eu tenho corrido o Rio São Francisco ao longo do todo o seu trajeto e posso dizer que até agora nenhuma ação efetiva, pragmática, foi feita para salvá-lo. Tratamento de esgoto não resolve o problema; pode resolver o problema de saneamento, mas não resolve o resto. O que está acontecendo com o rio é que seus mananciais, suas artérias, que vêm das nascentes, das fontes, dos afluentes que formam o grande rio, e a calha do rio estão morrendo em quantidade muito grande, tanto no Estado de Minas como também no Estado da Bahia. No Estado de , onde 75% das suas águas são formadas, seus grandes afluentes estão todos comprometidos: o Rio das Velhas, o Rio Paraopeba, o Rio Jequitaí, na margem direita, o Rio Verde Grande, na, o Rio Paracatu, o Rio Urucuia, margem esquerda, todos esses afluentes do Rio São Francisco estão comprometidos. Eles estão comprometidos por quê? Porque há assoreamento e erosão; porque, nos últimos 30 anos, os investimentos na pecuária, na agroindústria e no agronegócio fizeram o desmatamento completo dessas matas ciliares próximas ao rio. Quase não há mais proteção das matas ciliares. O que há, na verdade, é o plantio de gramíneas para a pecuária e, em alguns setores do rio, o lançamento de efluentes líquidos e sólidos próximos a fábricas, que são quem polui o rio. Num desses rios, por exemplo — acho que no Paraopeba —, em alguns momentos, não há água nem para consumo humano. É necessário o abastecimento de água pelo caminhão-pipa, para as pessoas que moram próximas dali. Essa situação é grave. O relatório que o Ministério Público de Minas Gerais, através do

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Procurador-Geral — na época, o Dr. Jarbas Soares —, apresentou apontou para o comprometimento completo das nascentes do rio. A situação é gravíssima, e o grave problema está em Minas Gerais. Nós temos dados que nos preocupam sobremaneira. Antes do agronegócio e dos investimentos na pecuária, quanto à utilização de todas essas áreas em Minas Gerais e na Bahia, o relatório da CHESF mostra que havia algo em torno de 8 milhões de toneladas de sedimentos há 30 anos e que isso agora está em torno de 27 milhões de sedimentos, por ano, no Rio São Francisco. Ou seja, o rio está sendo aterrado, assoreado. A Barragem de Sobradinho caminha na mesma direção. A vazão de sedimentos na Barragem de Sobradinho e nas diversas barragens da região de Paulo Afonso era de, mais ou menos, 8 milhões de toneladas e está em torno de 13 milhões de toneladas. Por isso a pressão sobre o mar diminuiu, e ele avança. Eu acredito — o Governador João Alves deve ter esse dado — que o mar avance em torno de 15 quilômetros na direção do Rio São Francisco. O mar já entrou quase 20 quilômetros no Rio São Francisco. As cidades próximas ao Atlântico estão com as águas do rio completamente salinizadas pela entrada do mar no rio. Então, eu estou dando o diagnóstico da gravidade da situação. Ontem, domingo, eu estive no Município de Bom Jesus da Lapa, que, em 5 de julho, sempre promove a Romaria das Terras e das Águas. Estive com o Bispo da Lapa, D. Josafá, e com o Bispo da Barra, D. Luiz Cappio. Nós fizemos uma cartilha, para os alunos do primeiro grau e do segundo grau terem noção da preservação dos rios. Foi uma coisa simples, mas bem didática. Atrás dessa cartilha, eu coloquei uma frase do Bispo D. Luiz Cappio, que, em 2003, se contrapôs à transposição sem a revitalização. Eu quero deixar bem claro que eu sou a favor da transposição, mas não se pode fazê-la sem a revitalização, porque, sem nenhuma dúvida, a água vai faltar para a transposição. Essa é uma situação que já nós conhecemos, e o diagnóstico é muito claro nessa direção. Eu coloquei nessa cartilha uma frase de 2003, em que D. Luiz Cappio dizia que o Rio São Francisco estava na UTI e que não haveria água para a transposição quando ela fosse concluída, dali a 2 anos ou mais. Eu mostrei a cartilha a ele, que

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disse: “Otto, mude a frase, pelo amor de Deus, porque o rio não está mais na UTI. Quando se está na UTI, há quem cuide, há cardiologista, intensivista, clínico, cirurgião. Mude e coloque outra frase. Diga que o rio está no último lugar da fila do INAMPS, ou seja, não vai ser socorrido e vai morrer”. Eu não tenho a menor dúvida disso. Se não houver uma ação rápida e intensiva do Governo Federal para resolver essa questão, que não sei se vai ser resolvida no Governo Dilma; se continuar como está, com erosão, com assoreamento, com desmatamento do rio, com essa situação dramática das nascentes do Rio São Francisco, um próximo Presidente da República, daqui a 8 ou 10 anos vai colocar o epitáfio: “Aqui jaz o Rio São Francisco”. Não tenho a menor dúvida disso. Entre Sobradinho e Morpará — o Governador João Alves sabe disso —, na semana passada, um dos nossos técnicos foi visitar o rio de canoa, e ela encalhou. Ou seja, não há calado para canoa. No rio onde já esteve a FRANAVE, o barco a vapor e que já foi uma hidrovia, não há mais calado para canoa. Essa é uma situação muito grave, muito ruim. O que acontece com o Rio São Francisco é o que acontece com todas as pessoas generosas neste mundo: elas fazem mais pelos outros do que por si. O Rio São Francisco fez mais por todos — por Minas Gerais, pela Bahia, por , por Alagoas, por Sergipe — e não recebeu absolutamente nada de volta. Não houve nenhum investimento para a preservação do Rio São Francisco. Vamos dar só um exemplo agora: na Bahia, na margem direita do Rio São Francisco, há rios mortos, enterrados, que não eram mortos. O Rio Paramirim, que passa pelo Município de Paramirim, desembocava no Rio São Francisco, na altura de Morpará. Nunca mais chegou uma gota d’água ao Rio São Francisco através do Rio Paramirim. Nós íamos fazer uma ponte de 220 metros sobre o Rio Paramirim, projetada há 20 anos. Cheguei ao local e fiz uma passagem molhada, porque o rio não passa mais por lá. Por que eu vou gastar 12 milhões de reais, como Secretário de Infraestrutura, para fazer uma ponte sobre um rio em que não há mais água? Não chega mais água desse rio ao Rio São Francisco. O Rio Verde, no Município de Itaguaçu da Bahia, não chega mais ao Rio São Francisco. O Rio Jacaré, em Irecê, está morto, assim como o Rio Verde, o Rio

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Paramirim, o Rio Santo Onofre e o Rio Paratinga. Só na margem direita, quatros rios que alimentavam o Rio São Francisco estão mortos. A música Riacho do Navio, de Luiz Gonzaga, que todo mundo cantava, dizia que o riacho ia dar no Rio Pajeú, que ia dar no São Francisco, mas morreu o riacho do navio, morreu o Pajeú, morreu o Rio Salitre. Morreram todos, na Bahia, depois do Rio Grande. Isso é um absurdo! É um crime contra o Nordeste! O último afluente que entra com água no Rio São Francisco — o Governador João Alves sabe disso — é o Rio Grande, na altura do Município da Barra, onde mora o Bispo D. Luiz Cappio. É o último afluente. Do Município de Barra de São Francisco, ele vai, por mais de 800 quilômetros, até o Atlântico sem receber uma gota de nenhum afluente. Eu quero saber como um rio pode percorrer 850 quilômetros sem receber nenhum afluente. Estão todos mortos. Ele vai continuar como? Vai ser alimentado por qual artéria? Não há nenhuma artéria. Por quê? Porque não há investimento no principal. Só se produz água quando se plantam árvores nas nascentes, nos riachos, nos afluentes, para preservar as matas ciliares. Isso não foi feito; pelo contrário, foi feito o desmatamento completo das matas ciliares. Se a nascente não está funcionando, deve-se cercá-la e plantar árvores para brotar água. A natureza demora a fazer isso, mas ela se recompõe, embora não o faça com a mesma velocidade com que é decomposta pela ação do homem. Eu apresentei dois projetos no Senado Federal. O primeiro deles foi aprovado hoje na Comissão de Meio Ambiente, Defesa do Consumidor e Fiscalização e Controle. Esse projeto visa a que todos os proprietários de terras na Bacia do Rio São Francisco, em todos os Estados, fiquem isentos de pagar o Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural, desde que se comprometam a fazer a recomposição das matas ciliares. Esse projeto foi aprovado hoje na CMA e vai para a Comissão de Assuntos Econômicos. Eu acho que, através disso, estimulando esses proprietários de terra e lhes dizendo: “Olhem, com esse projeto, o Governo está abrindo mão de imposto e lhes dando um cartão amarelo, porque a água vai secar um dia, se vocês não tomarem providências”.

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Não acredito, de jeito nenhum, que o Governo Federal faça a sua parte. Não tenho nenhuma crença — e sou da base do Governo! — em que o Governo Federal faça isso. Então, quem pode fazer isso? A sociedade civil organizada, os proprietários de terra, a igreja, as organizações, as Prefeituras que estão às margens dos rios — os Prefeitos têm que se envolver nisso — e os Governadores de cada Estado, que não podem ficar de braços cruzados vendo o principal rio do Nordeste morrer à míngua, sem nenhuma ação. Esse foi um dos projetos que apresentei, e hoje ele foi aprovado na CMA. O segundo projeto é o que proíbe, a partir do dia em que for aprovado — espero que seja aprovado —, a transposição de qualquer rio do Brasil, sem que antes seja feita a sua revitalização. Ou seja, se esse projeto existisse em 2003, o Presidente Lula, antes de fazer a transposição, teria que fazer a revitalização completa do Rio São Francisco. A transposição vai custar 8 bilhões de reais. Eu acredito que, em revitalização, foram aplicados 15% ou 20% do que foi aplicado na transposição. Eu quero que a água chegue ao Sertão da Paraíba, ao Agreste de Pernambuco, ao , a Sergipe, ao Ceará. Eu não sou contra a transposição. Em 2003, o Governador João Alves foi ao Colorado conosco. S.Exa. lembra que passamos 15 dias lá para ver a transposição do Rio Colorado. Para fazer a transposição do Rio Colorado, nos Estados Unidos, o Governo Federal americano, teve que fazer todos os investimentos na preservação do rio. Aqui, começou-se pela transposição, e não se fez a revitalização. A mesma coisa aconteceu, nos Estados Unidos, com o Rio Mississipi, que hoje é a principal hidrovia para o transporte de grãos no país. Quase a maior parte do transporte de grãos nos Estados Unidos é feita pelo Rio Mississipi, tanto é que uma tonelada de transporte de grãos no Rio Mississipi custa 4 dólares, e, no Brasil, uma tonelada de soja custa 16, porque vem de caminhão, em cima de buracos, com espera na fila do porto. O que eu vejo é que não se avançou absolutamente nada nesse sentido. O Rio São Francisco tem uma hidrovia de 1.300 quilômetros, saindo de vapor de Pirapora até Juazeiro, não é isso, Governador? Mas o vapor era movido à lenha. O

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dono do vapor cortava a lenha às margens das águas do rio e botava dentro da caldeira para fazê-lo andar. Essa é a ação do homem destruindo a natureza. O que eu vejo é que tanto a Câmara Federal quanto o Senado Federal, o Governo Federal e os Governos dos Estados e dos Municípios têm que participar dessa ação do replantio de árvores. Eu tive uma audiência com o Ministro , do Ministério de Minas e Energia. Fui Secretário de Indústria e Comércio na Bahia, onde funciona a CENTREL, uma central de tratamento de efluentes líquidos e sólidos do Polo Industrial de Camaçari. Nós fizemos lá, Deputado Raimundo Gomes de Matos, através de um projeto-piloto, o replantio das matas ciliares do Polo Industrial. Isso foi feito, através da BRASKEM, pelo Instituto Fábrica de Florestas. Eles têm um viveiro onde plantam todas as mudas das árvores nativas do Polo Industrial de Camaçari. Com isso feito, os rios, na parte industrial do Polo de Camaçari, foram saneados e preservados completamente. Essa não é uma coisa difícil de ser feita, depende de o Governo decidir fazê-la. Depois da conversa com o Ministro Eduardo Braga, nós resolvemos fazer um convênio com esse Instituto. Deve ser feito na Agência Nacional de Energia Elétrica — ANEEL, através da Superintendência de Pesquisa e Desenvolvimento, um projeto-piloto num rio da Bahia que é um dos principais afluentes do Rio São Francisco: o Rio Corrente, que, aliás, já perdeu várias nascentes. No Rio Corrente, já devem estar mortas em torno de cem nascentes. Nós vamos fazer esse projeto- piloto para revitalizar o Rio Corrente com recursos da ANEEL. Espero que esse dinheiro saia, porque, para os outros, não saiu. O Ministério do Meio Ambiente tem muitos fundos com recursos que poderiam ser aplicados, como o FUNCLIMA. Agora, através da Ministra Izabella Teixeira e da Agência Nacional de Águas — ANA, eu tenho informações de que vai começar uma ação, mesmo tímida, no Estado de Minas Gerais, da Deputada Raquel Muniz. Portanto, eu quero deixar bem claro que não tenho — nunca tive — nenhuma posição contrária à transposição do Rio São Francisco. É bom deixar isso bem claro. Sou nordestino, não tenho nenhum tipo de egoísmo, mas vejo o rio na situação iminente de as águas poderem parar de correr, até porque o Rio São Francisco tem uma peculiaridade interessante: em cada quilômetro do rio, a inclinação é de 7,6

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centímetros. Ou seja, ele é um rio quase parado. Ele fica quase em uma planície morta. Então, cada quilômetro tem uma inclinação de 7,6 centímetros, inclinação muito pequena para quem desce da serra de Minas para trazer as águas para a Bahia e também para servir ao Nordeste. E, nesse trajeto, há o Canal do Sertão, há a transposição, há as adutoras em quantidade muito grande. Na Bahia mesmo, o Rio São Francisco salvou o Município de Irecê, com a Adutora de Irecê, que o Governador Jaques Wagner fez em convênio com o Ministério da Integração Nacional. Há a Adutora do Algodão, em Guanambi, há várias adutoras. E há também algumas coisas que me chamam atenção e que realmente não consigo entender: na Bahia, algumas cidades que são da bacia do rio não têm água do rio. Ou seja, está-se levando água para Pernambuco, para Paraíba, para o Rio Grande do Norte, mas Buritirama tem água de poço artesiano e fica a 60 quilômetros da margem esquerda do Rio São Francisco. Campo Alegre de Lurdes também não tem água do Rio São Francisco; pode ter agora. O planejamento disso escapou completamente da previsão do Governo Federal. Eu espero que o Governo Federal, através da CODEVASF, tenha condição de fazer esse trabalho. Não vejo a possibilidade de ele ser feito agora. Não tenho nenhuma confiança em que a intensificação da revitalização se faça agora. Revitalização, antes de qualquer coisa, é desassoreamento do rio, ou seja, tirar a terra e sedimentos que correram para o rio ao longo desses anos, e fazer o plantio das matas ciliares das nascentes, dos afluentes e da calha do rio. Só se produz água, plantando árvores. A Folha de S. Paulo, há mais ou menos 30 dias, fez um artigo muito bem feito a respeito dessa situação. Ou seja, ou se faz o replantio de todas as nascentes que morreram do rio e a preservação das que ainda existem ou, então — não sei se vai ser neste Governo, mas daqui a 10 ou 15 anos —, o Presidente da República, se não fizer uma ação, vai colocar lá o epitáfio: Aqui jaz o Rio São Francisco. Ele vai ser um retrato na parede, uma lembrança triste de um rio que é o único que cumpre a expectativa de abastecimento humano, animal, industrial e de geração de energia e irrigação.

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Aqui está o Jonas Paulo, da Bahia. Ele foi Superintendente da CODEVASF. Eu estive na Romaria da Terra e das Águas, de Bom Jesus da Lapa, no domingo e fui abordado pelos irrigantes do Projeto Formoso, que emprega em torno de 8 mil pessoas. Eles estão com dificuldades de captação de água, pois é preciso captar a água mais profunda. Além disso, eles vão parar de irrigar, Governador João Alves. Sabe por quê? Porque hoje, 70% do custo total deles é com energia. Praticamente dobrou a tarifa de energia para o irrigante. O irrigante não vai ter como continuar. Então, ou se toma a decisão de subsidiar a energia, ou esses projetos de irrigação não vão prosperar, porque o irrigante não vai poder pagar a bandeira vermelha, não têm a menor condição de fazer isso. O Governo Federal tem que tomar uma providência. Eu inclusive marquei audiência com o Ministro Eduardo Braga para levar a ele essa questão, uma reivindicação que deve ser do Nordeste, dos Deputados do Nordeste, dos Senadores do Nordeste. Nós não ficar calados diante de uma situação desta. Não se pode produzir manga, cebola, uva, se 70% do custo da produção é com energia. Esta é uma situação que não pode continuar. Este é o relatório que eu recebi dos irrigantes do Projeto Formoso, do Município de Bom Jesus da Lapa, e que vou levar agora à audiência com o Ministro de Minas e Energia. Deputada Raquel Muniz, eu agradeço a sua presença, como a de todos os Deputados que aqui vieram. Como baiano, nordestino e brasileiro, chego a esta situação aqui no Senado Federal... Eu nunca fui Deputado Federal. Sempre tive cargos no meu Estado. Cheguei aqui agora num momento de crise grande, uma crise econômica, uma crise moral, mas, acima de tudo, minha bandeira vai ser defender a crise do Rio São Francisco, a crise hídrica. Obrigado. A SR. PRESIDENTA (Deputada Raquel Muniz) - Agradecemos a brilhante exposição do Senador Otto Alencar. Quero aproveitar para fazer um convite a todos. O Senador Otto Alencar não pôde estar no seminário do Rio São Francisco, mas todo o material que ele tinha dos seus estudos sobre a revitalização foi disponibilizado. Eu lhe agradeço novamente, Senador. O Dr. João Alves esteve lá.

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O SR. SENADOR OTTO ALENCAR - A cópia do projeto que apresentei na Comissão sobre isenção do ITR. A SR. PRESIDENTA (Deputada Raquel Muniz) - Vou passar para o nosso Presidente, Deputado Raimundo Gomes de Matos. S.Exa. não pôde ir lá ver o que resta do Rio São Francisco, mas no dia 14, às 14 horas, nesta Comissão, nós receberemos o pessoal do Instituto Vidas Áridas, que vem fazer uma exposição, também artística, com fotos semelhantes a essas fotos do livro Salve o Velho Chico, que o senhor deixa na Comissão, com algumas observações. O SR. SENADOR OTTO ALENCAR - Esse livro é para estudantes de 1º grau, para as futuras gerações não destruírem o Rio. A SR. PRESIDENTA (Deputada Raquel Muniz) - É para as crianças mesmo, que são a nossa esperança, porque até agora nós não soubemos cuidar bem do Rio. Nossa esperança são as crianças. O SR. SENADOR OTTO ALENCAR - Aqui atrás está uma frase de D. Cappio. A SR. PRESIDENTA (Deputada Raquel Muniz) - Sim, na parte de trás do livro: “O rio está numa UTI. Um anêmico, como é o caso do São Francisco, não pode doar sangue”. D. Luiz Flávio Cappio. Vou passar todo esse material para o nosso Presidente, Deputado Raimundo. Agradeço mais uma vez a contribuição do Senador. Quero dizer ao nosso Presidente que é necessário que façamos depois uma mesa-redonda com outros convidados que vieram aqui, porque, de todas as falas que eu ouvi hoje, talvez a mais contundente, a que mais nos choca, seja a fala do Senador Otto Alencar, que faz toda essa defesa da revitalização e também da transposição, mas lembrando que, como fizeram outros países, é preciso primeiro revitalizar o Rio. Quero convidar o Deputado Rômulo Gouveia, nosso Relator, para fazer as suas perguntas. (Pausa.) Ele está ausente. Seguindo a ordem de inscrição, vou convidar o Deputado Raimundo Gomes de Matos, nosso Presidente.

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O SR. DEPUTADO RAIMUNDO GOMES DE MATOS - Inicialmente, quero parabenizar a Deputada Raquel Muniz pela iniciativa de trazer o nobre Senador a esta modesta Comissão, que surgiu da necessidade de nós nordestinos buscarmos, tendo em mente o pacto federativo, ouvir as autoridades, para que possamos contribuir para a aceleração desse processo. Nós sabemos do empenho do Governo em fazer a obra física. O canal está caminhando, dia e noite, 24 horas. Entretanto, as ações complementares nos preocupam. Vemos no material que o nobre Senador nos trouxe uma briga pela água. Um professor que esteve aqui disse que uísque é para beber e que, hoje, água é para brigar. Isso vai ao encontro do que está neste material que o Senador nos trouxe. Aproveito para parabenizá-lo pela iniciativa do Projeto de Lei nº 202, de 2015, do Senado, aprovado hoje na Comissão de Meio Ambiente — não é isso? A matéria vai agora tramitar em que outras Comissões, antes de vir a esta Casa? O SR. SENADOR OTTO ALENCAR - Ela vai para a Comissão de Assuntos Econômicos. O SR. DEPUTADO RAIMUNDO GOMES DE MATOS - Assuntos Econômicos, depois CCJ... O SR. SENADOR OTTO ALENCAR - Não, só Assuntos Econômicos. Depois vem para a Câmara. O SR. DEPUTADO RAIMUNDO GOMES DE MATOS - Então nós vamos ficar atentos. O SR. SENADOR OTTO ALENCAR - Eu espero ter a colaboração dos Deputados. O SR. DEPUTADO RAIMUNDO GOMES DE MATOS - Sem dúvida! Essa vai ser uma missão da Comissão. Outro projeto de autoria do nobre Senador... O SR. SENADOR OTTO ALENCAR - Para acrescentar, Deputado... O SR. DEPUTADO RAIMUNDO GOMES DE MATOS - Pois não. O SR. SENADOR OTTO ALENCAR - Nós fizemos um levantamento, um estudo. O Governo não vai perder muito com o ITR, porque esse é um imposto que é parte do Governo Federal e parte dos Municípios. Ele é um imposto paritário.

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O SR. DEPUTADO RAIMUNDO GOMES DE MATOS - Exato. O SR. SENADOR OTTO ALENCAR - O levantamento que fizemos, em toda a bacia do Rio, indica que a perda deve ser insignificante, algo em torno de 50 ou 60 milhões de reais, o que não é nada diante do que nós estamos vendo aqui de perda de recursos. O SR. DEPUTADO RAIMUNDO GOMES DE MATOS - Sem dúvida. A Comissão, com certeza, vai ficar atenta, para dar essa contribuição e também para auxiliar no projeto que proíbe o início de novas transposições antes da efetiva revitalização, até porque, pelos dados que nos chegam — o nobre ex- Ministro João Alves sabe disto —, somente a água da transposição do Rio São Francisco, pelo que os Estados estão necessitando, será insuficiente. No Estado do Ceará, nós estamos construindo um cinto chamado Cinturão das Águas que vai precisar de cerca de 30 metros cúbicos por segundo. A vazão que será liberada futuramente não vai atender a esse planejamento do Estado. Já se pensa num projeto antigo que também está em tramitação, a transposição do para o São Francisco, uma coisa que precisa ser avaliada. Se isso for feito sem se fazer antes a revitalização, teremos toda uma instabilidade. O SR. SENADOR OTTO ALENCAR - Só para se ter uma ideia, o Rio Tocantins perdeu 10 mil metros cúbicos de vazão em 15 anos. O Araguaia está comprometido, e o Tocantins está comprometido também. Vai acontecer com o Tocantins o que aconteceu com o São Francisco se não for feito um projeto, se não houver uma ação de governo. Eu inclusive acho que poderíamos acabar com 15 dos 39 Ministérios e criar o Ministério da Infraestrutura Hídrica. Com o Semiárido que nós temos, este seria um Ministério de ponta, com recursos para fazer investimentos, com um fundo para revitalizar nossos rios. Se isso não for feito, vai Tocantins, vai Araguaia... Hoje mesmo, o Senador Caiado disse que o Araguaia está todo comprometido. Isso vai chegar ao norte do Estado! Não foi embora a Mata Atlântica? O SR. DEPUTADO RAIMUNDO GOMES DE MATOS - Exato. O SR. SENADOR OTTO ALENCAR - E Vai a Amazônia também! Não dá para esperar 200 anos até uma aroeira ficar adulta. Uma árvore fica adulta em 200 anos!

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O SR. DEPUTADO RAIMUNDO GOMES DE MATOS - Com certeza essa iniciativa do Senador Otto vai constar no nosso relatório final, essa proposta, que nós vamos consolidar. Foi de suma importância termos hoje a presença do Senador. Eu creio que tanto esta Casa Legislativa como o Senado Federal têm uma grande contribuição a dar para que nós possamos normatizar a matéria, que é de suma importância. No Estado do Ceará, já temos 46 Municípios com a sede sendo abastecida por carro-pipa. Há todo um questionamento da qualidade da água, tudo isso, e nós estamos em junho. Ainda vem julho, agosto, setembro, outubro, novembro... Vamos torcer para que no próximo ano haja modificações no aspecto climático, para retermos alguma recarga e garantirmos o abastecimento. De nossa parte, queremos parabenizar o Senador. Vamos estar atentos. No nosso relatório, vamos incluir essa proposta do nobre Senador. O SR. SENADOR OTTO ALENCAR - Eu só quero acrescentar que, segundo uma previsão feita pela CODEVASF, é bem provável que Sobradinho, em setembro, chegue ao volume morto. Isso é muito grave. Vai ser muito difícil chegar água ao trecho entre Xique-Xique e Morpará. A situação é muito ruim. O Presidente do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia, Desembargador Eserval Rocha, é de Xique-Xique. Ele foi lá semana passada, fazer uma visita. Foi de canoa, nem foi de barco grande, e teve dificuldade, porque o calado está muito raso. Ele ficou muito triste com isso. Então, é grave a situação. É como disse D. Luiz Cappio: na UTI há quem atenda, mas, na fila do SUS, está longe o atendimento. A SRA. PRESIDENTA (Deputada Raquel Muniz) - Quero fazer ao nosso Senador uma pergunta sobre o Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural, ITR. Como o senhor pensa que vai se dar esse processo de recomposição, à medida que as pessoas tiverem a possibilidade de isenção do imposto? Como é que nós vamos conseguir fazer essa preservação, a conscientização mesmo das pessoas que estão próximas a essas nascentes ou a seus afluentes? O SR. SENADOR OTTO ALENCAR - V.Exa. viu que a isenção é muito pequena, de 60 milhões de reais no máximo, e vai se dar na Bacia do Rio São Francisco. Primeiro, a isenção do ITR é para mostrar ao proprietário da área rural,

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seja ele pequeno, seja ele médio, seja ele grande proprietário, que o Governo está abrindo mão do imposto para que ele tome consciência de que precisa replantar as matas ciliares. Quem vai fiscalizar isso? O IBAMA. Aquele que fizer o replantio terá a isenção do imposto. E como vai ser feita essa ação? Através da instalação de viveiros, de mudas que possam ser oferecidas a esses proprietários. Cada trecho do Rio tem uma vegetação singular. A vegetação do Alto São Francisco difere alguma coisa da do Médio São Francisco e da do Baixo São Francisco, então é preciso fazer isso. Essa é mais uma conscientização de que o Governo está abrindo mão do imposto para que o proprietário entre na luta. Porque, se o proprietário não participar, ele vai perder também, ele não vai ter água para a irrigação, para o replantio. E não vai haver condição para o abastecimento humano, para o abastecimento industrial, para a geração de energia. O comprometimento vai ser muito grande. As hidrelétricas de Paulo Afonso, que são seis, se não me engano — Paulo Afonso I, II e III, Itaparica, Moxotó e Xingó —, elas não vão ter água para a geração de energia. A crise hídrica, que já é muito grande, vai se aprofundar mais ainda. Essa isenção do Imposto Territorial Rural serve exatamente para isso. Além de isentar do imposto, ela vai dizer: “Você que é proprietário de uma área próxima a uma nascente, próxima a uma afluente do Rio São Francisco, tome a inciativa de fazer isso. Você terá a isenção, e fique alerta, porque todos se servem do Rio”. Servir-se do Rio matando-o é um crime cometido por quem toma a iniciativa da ação, e os Governos Municipais, Estaduais e Federal têm que agir. Lá na região de Araci, na Chapada Diamantina, temos o Parque Nacional da Chapada. O Governo do Estado da Bahia, há 12 ou 13 anos, implantou por lá um projeto chamado Projeto Sempre Viva — sempre-viva é uma plantinha que nasce lá na Chapada, além das orquídeas. Essa área de 70 mil quilômetros quadrados foi transformada em área de preservação ambiental também, para preservar as nascentes do Rio Paraguaçu, um rio da Bahia que responde por 52% de toda a água ofertada pela empresa de águas, através da Barragem de Pedra do Cavalo. Agora no dia 3 de junho, dia das águas, numa mobilização de iniciativa nossa, os prefeitos

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da região foram para as margens do Rio Utinga, o principal afluente, e para as margens dos Rios Santo Antônio e São José, fazer o replantio das árvores. O alerta que eu faço é este: não podemos ficar esperando o Governo resolver o problema. Todos que dependem do Rio, todos que vivem do Rio têm que tomar a iniciativa de preservá-lo. A SRA. PRESIDENTA (Deputada Raquel Muniz) - Antes de passar a palavra ao Senador Otto para as considerações finais, eu gostaria de fazer um alerta para a imprensa de modo geral, e peço a ajuda do Senador Otto e de toda a Comissão. Vimos que, quando se iniciou o processo de discussão da transposição do São Francisco e da revitalização, os holofotes de toda a imprensa nacional, até mundial, ficaram por muito tempo tratando da greve de fome que houve no Nordeste, da manifestação da população. Hoje, com todas as dificuldades que o Brasil vem enfrentando, o que observamos é que os holofotes vão para várias... Eu observo em quase todo Ministério aonde eu vou falar da revitalização que o Senador Otto já passou por lá antes, já pediu relatório. Eles já têm tudo pronto, quase que me passam uma cópia do que foi entregue ao Senador. Como é que nós podemos unir forças, Câmara, Senado e a imprensa mesmo, para mostrar essa dificuldade de abastecimento de água? Aqui na Câmara já temos um movimento interno, já temos a Comissão Especial da Crise Hídrica, a Frente Parlamentar da Segurança Hídrica, a própria Comissão Externa da Transposição do Rio São Francisco, os estudos do nosso professor no Senado — chamo de professor porque estou aprendendo muito com o nosso Senador Otto Alencar. O SR. SENADOR OTTO ALENCAR - Não sou professor de meio ambiente, sou professor de ortopedia e de traumatologia. Eu ensinei cirurgia durante 15 anos, na Universidade Federal da Bahia. Quando entrei na política, encerrei essa carreira. A SRA. PRESIDENTA (Deputada Raquel Muniz) - E eu estou na Comissão de Educação, onde relato disciplinas de meio ambiente. Enfim, conto com todos vocês. Acho que temos que unir forças. Mais uma vez agradeço ao Senador Otto Alencar esta disponibilidade. Sabemos que ele tem compromissos agora à tarde. Passo a palavra a S.Exa. para as considerações finais.

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O SR. SENADOR OTTO ALENCAR - Eu é que agradeço, Deputada Raquel Muniz, a V.Exa., ao Deputado Raimundo Gomes de Matos, a todos que estão aqui. A presença do Ministro João Alves, ex-Governador de Sergipe e atual Prefeito de Aracaju, eleva muito esta reunião. S.Exa. já escreveu um livro sobre esta questão, que conhece profundamente. Foi um grande Ministro, um grande Governador e é hoje um grande Prefeito da sua querida Aracaju, apaixonado pela vida pública. Não há outro caminho para resolver essas questões que não seja pela política. Não vejo outro. As pessoas criticam muito a política e os políticos, mas eles formam um colegiado como qualquer outro, com muito gente que é santo e dois ou três que terminam sendo o demônio. Mas não vamos demonizar a política, de jeito nenhum, porque este País avançou pela ação de grandes políticos que passaram pelos Municípios, pelos Estados, pelo Governo Federal e fizeram muito por este País. O ex-Governador, ex-Ministro e atual Prefeito tem muito a contribuir. Eu vou continuar a minha luta. Vou buscar todos os caminhos para ajudar na revitalização. E não farei isso sozinho, em hipótese alguma. Serei 0,01% da ação para revitalizar o Rio. Todos temos que estar unidos. Eu quero louvar a sua iniciativa e do Deputado Raimundo Gomes de Matos de tomar essa frente. O Ceará é um Estado que está recebendo a água, é um Estado receptor das águas; Minas Gerais e Bahia são Estados doadores das águas. Vamos doar as águas. Infelizmente, Deputada — o Governador sabe disso —, nós não temos no Brasil um pacto federativo. Quem manda no trecho do Rio São Francisco que está na Bahia deveria ser o Estado da Bahia, mas é o Governo Federal; quem manda no trecho de Minas também é o Governador Federal, não é o Estado de Minas; e o mesmo acontece quando ele passa em Alagoas ou Sergipe. Os Estados não têm autonomia. Se tivessem, na hora da transposição diriam que, sim, tudo bem, vamos fazer a transposição, vamos doar as nossas águas, mas vamos também revitalizar o Rio no trecho da Bahia, no trecho de Minas, vamos fazer esgotamento sanitário, vamos recuperar as nascentes, vamos conter a erosão, o assoreamento, o aterramento das barragens. A Barragem de Três Marias tem um aterramento já muito substancial, ela vai sendo aterrada pelo sedimento de terra que entra ao longo dos anos. Esta é a situação.

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Então, eu conclamo a Câmara dos Deputados, que tem uma força muito grande — a voz do Deputado soa muito forte aqui na Câmara Federal — e todos aqueles que estão envolvidos nisso a fazermos uma corrente e envolver o Governo Federal. Eu confio ainda que o Governo possa se envolver nesse projeto de intensificação da revitalização. Nós temos um levantamento feito pela CODEVASF — ali está o Dr. Rafael, que é técnico —, e também foi feito um estudo por um grupo de engenheiros do Exército americano que tem experiência lá no Mississipi, para revitalização do Rio São Francisco. Em tempo médio, para ele ter revitalizadas todas as suas nascentes e afluentes, para voltar a ter vida aquilo que morreu de afluente, de rio tributário, de nascente, seriam necessários investimentos da ordem de 600 milhões de reais, para a revitalização em 10 anos, 600 milhões de reais por ano. Ou seja, em 10 anos, o Governo teria que investir 6 bilhões de reais para revitalizar toda a Bacia do Rio São Francisco. E não é muito, não, porque vai gastar 8 bilhões para fazer a transposição, e não haverá transposição sem revitalização. Não tenho a menor dúvida disso! Ninguém se engane, não haverá transposição, não haverá água para atender os Estados receptores se não for feita a revitalização. Isso não é coisa para se brincar, é coisa séria, absolutamente séria, que demanda o comprometimento, como eu disse, de todos que estão envolvidos: sociedade civil organizada, Municípios, Estados, Governadores, Presidente da República, Ministros, a Igreja, que faz na Bahia um trabalho muito grande sobre isso, o Ministério Público — na Bahia nós temos a Dra. Luciana Cury, que faz esse trabalho muito bem; em Minas Gerais, o Dr. Jarbas Soares, do Ministério Público, Procurador-Geral da Justiça. Portanto, temos que envolver o Brasil para salvar o Rio São Francisco, esse rio generoso que doou tudo de sua vida e agora está morrendo. Nós não podemos ficar de braços cruzados. Temos que fazer uma corrente grande para salvar o Rio São Francisco. E agora vou ter que me retirar, porque tenho uma reunião em outra Comissão, no Senado. Diziam que o Senado era o céu, porque lá se chegava sem precisar morrer, dava para chegar vivo. Eu participo de cinco Comissões lá. Saio de uma, vou para outra, volto, às vezes não almoço. Espero que o meu trabalho possa dar algum resultado, que não fique no papel.

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Agradeço aos Deputados. A propósito, chegou um grande Deputado da minha terra, o Deputado Daniel Almeida. E também está presente o Deputado Davidson Magalhães. O Deputado Daniel é do Sertão, é lá de Mairi, sofredor como eu: nasceu na seca, viveu na seca, cresceu na seca, mas não tem medo da seca. E o Deputado Davidson Magalhães é de uma região onde chove todo dia, é de Itabuna. Lá eles pedem para parar de chover. Na cidade onde eu nasci, Ruy Barbosa, meu avô tinha umas propriedades. Ficou uma pequena propriedade, de que eu tomo conta, e tenho umas terrinhas. O Prefeito de Ruy Barbosa, o Bonifácio, está ali. Outro dia eu estava conversando com um primo meu, Roberto Alencar, que é lá de Juazeiro — tem um hospital —, e ele me disse: “Otto, eu estou decepcionado”. “Por que, Roberto?” “Rapaz, eu fiz um açude aqui em 2004, e até hoje não forrou nem o fundo do açude, só tem chuva para fazer capim, não tem chuva para fazer água.” Está a mesma coisa em Mairi, a mesma coisa do Semiárido da Bahia. E hoje nós aprovamos também, Governador João Alves, um projeto importante — agora me lembrei —, um PLC aqui da Câmara, do então Deputado Inácio Arruda, que foi Senador também, sobre a política de combate à desertificação do Semiárido. A Bahia tem um Semiárido de 328 quilômetros quadrados, área duas vezes e meia maior que o Estado do Ceará! Sabia disso? Só o Semiárido da Bahia é duas vezes e meia maior que o Estado do Ceará! Nós aprovamos esse projeto hoje na Comissão de Meio Ambiente e vamos agora aprová-lo no Plenário, porque semana passada eu aprovei um requerimento de urgência e creio que o Presidente Renan vai colocar a matéria em votação, para aprovar hoje esse projeto do então Deputado Inácio Arruda, que foi Senador e é cearense cabeça chata como nós — meu bisavô é do Crato, eu sou Alencar do Crato, portanto tenho um pezinho no Ceará. Eu agradeço. Muito obrigado. A SRA. PRESIDENTA (Deputada Raquel Muniz) - O Dr. João que fazer um comentário rápido antes de o Senador sair. O SR. JOÃO ALVES FILHO - Senador Otto Alencar, eu ouvi com muita atenção a sua exposição e quero me congratular com V.Exa. pelo seu conhecimento e pelo seu entusiasmo. Isto é muito importante.

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Vou tomar uma liberdade. Lamentavelmente, Senador, eu nunca fui do Senado Federal. Isso cabe à minha esposa. O Lourival Baptista, que V.Exa. conheceu bem, um baiano que foi dos maiores Governadores de Sergipe, quando eu lhe dizia que igual ao céu só o Senado, ele respondia: “Não, João Alves, o Senado é melhor!” E eu: “Senador, o senhor é um homem católico...” Ele então respondia: “É o seguinte: para a gente chegar ao céu, a gente tem que morrer, e para o Senado a gente vai vivo.” (Risos.) Eu queria apenas dar uma sugestão, Senador Otto. Estou participando ativamente, como, tenho certeza, todos aqui também, desta revisão do pacto federativo. Tenho gostado muito de um aspecto. Houve quase que uma fusão dos trabalhos. Existe realmente um trabalho autônomo na Câmara e um trabalho autônomo no Senado. Mas eles estão antenados. Então, sugiro a V.Exa., permita- me a liberdade — eu já lhe consigo uma eleitora, a Maria do Carmo (risos) —, fazer lá uma Comissão igual a esta. É louvável o que esta Comissão está fazendo. Assim, o trabalho sai das duas Casas, da Câmara e do Senado. Desculpem-me a nossa Deputada Raquel e o nosso Presidente da Comissão, Deputado Raimundo Matos, eu tomar a liberdade de propor isto. É que eu passei a ser, Deputado Raimundo e Deputada Raquel, um grande admirador do trabalho que esta Comissão está fazendo. Por isso eu tomo a liberdade de dar esta sugestão. Tenho participado ativamente destas discussões. Eu fui inclusive um dos palestrantes no debate do pacto federativo, há 1 mês, mais ou menos, e vi essa integração. Achei muito interessante, Deputada Raquel. V.Exa. me perdoe a liberdade, eu que sou um modesto alcaide lá do pequeno interior de Sergipe. Tomo esta liberdade porque acho que defender o Rio São Francisco é uma questão de brasilidade, não é questão de quem nasceu nas margens do São Francisco. Senador Otto Alencar, a V.Exa. que é um entusiasta, um estudioso, eu gostaria de deixar esta modesta sugestão. Tenho certeza de que o Senador Renan, Presidente da Casa, vai comungar nessa ideia. Perdão, Deputado Raimundo, se estou entrando numa seara sobre a qual não tenho nenhuma autoridade. Só o faço com a intenção de ajudar no trabalho que V.Exa. tem realizado, um trabalho exemplar! Eu poucas vezes vi no Congresso algo semelhante ao que esta Comissão está fazendo em favor do São Francisco.

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A SRA. PRESIDENTA (Deputada Raquel Muniz) - Agradeço ao nosso convidado e passo a palavra ao Senador, que já está sendo chamado no Senado. O SR. SENADOR OTTO ALENCAR - A sugestão, que nós vamos analisar, é ótima. Vamos acatá-la. A SRA. PRESIDENTA (Deputada Raquel Muniz) - Vou passar a presidência dos trabalhos ao nosso Deputado Raimundo Matos. O SR. SENADOR OTTO ALENCAR - Pois não. Prefeito João Alves, eu sou Presidente da Comissão de Meio Ambiente, Defesa do Consumidor e Fiscalização e Controle do Senado. Nesses 2 anos à frente da Presidência, nós colocamos como política pública da Comissão a revitalização do Rio São Francisco. Estamos apresentando projetos, estudando, lendo, conversando. Acho que neste pacto federativo o que se deveria fazer é aquilo que eu disse antes: dar a cada Estado autonomia sobre as águas dos rios, mesmo que esses rios não nasçam no Estado. Se passam pelo Estado, o Estado teria autonomia para dizer, por exemplo, que podem transpor as águas, mas depois de fazer a revitalização, o saneamento, os investimentos necessários. Na minha opinião, Governo João Alves, tudo se resolve em Brasília. Então, para resumir, o pacto federativo tem que ser menos Brasília e mais Estados, menos Brasília e mais Municípios. Porque tudo está centralizado aqui. Isso é um absurdo! No Brasil, com seus 26 Estados e o Distrito Federal, tudo se decide em Brasília. O Estado não tem autonomia nenhuma. Esse é um erro inclusive da Constituição Federal de 1988, que deu poder excessivo, poder político, administrativo e financeiro, e o Congresso, ao longo desses anos, de 1988 para cá, não tomou a iniciativa de dar mais condição aos Municípios. V.Exa. é Prefeito da Capital do Estado de Sergipe, Aracaju, e sabe das dificuldades orçamentárias que ela vive, porque não tem nenhuma condição de ter a participação na arrecadação das contribuições que são pagas no Município e no Estado. Fica tudo para o Governo Federal. Então essa é uma questão que se precisa ver. Em minha opinião, o pacto federativo só poderá funcionar e será bom para o Brasil se se devolver a autonomia aos Municípios, aos Estados, nos setores administrativo, financeiro e político.

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O SR. JOÃO ALVES FILHO - Senador Otto Alencar, eu não tenho nenhuma autoridade para falar em nome da Comissão do Pacto Federativo. O SR. SENADOR OTTO ALENCAR - Tem sim. O SR. JOÃO ALVES FILHO - Eu estou participando apenas como um convidado, mas, semana passada nós tivemos a reunião aqui das duas Casas, da Câmara e do Senado, e eu vi uma integração, uma sinergia de pensamento muito grande. O problema é que no Brasil, nessa história de pacto federativo, nós nunca tivemos pacto federativo, revisão de pacto federativo. O que nós tivemos foi um Marechal na República que, quando assumiu depois do Império, assinou a criação da Federação, sem ouvir nenhum brasileiro. É diferente dos Estados Unidos, em que as províncias se separaram e resolveram se unir para formar realmente uma nação forte. Então o poder está todo com a União, e isso é terrível para um país continental como o nosso. É assim que eu penso, Senador. E eu estou vendo com muito bons olhos essa atitude do pacto federativo por isso. A SRA. PRESIDENTA (Deputada Raquel Muniz) - O Presidente Raimundo convida todos para uma foto. Em seguida ele assumirá a Presidência. (Pausa.) O SR. PRESIDENTE (Deputado Raimundo Gomes de Matos) - Dando sequência à nossa audiência pública e atendendo a requerimento já aprovado nesta Comissão, nós temos a grata satisfação de ouvir o ex-Ministro João Alves. Vale ressaltar que o ex-Ministro João Alves deu uma grande contribuição. Quando Ministro, junto com o ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso, fez com que aquele Ministério concluísse grande parte dos estudos sobre a transposição de água do Rio São Francisco. O Ministro João Alves, também ex-Governador e como gestor municipal, sabe perfeitamente da necessidade que nós desta Comissão temos de buscar os apoios necessários dentro do próprio Governo, das entidades de classe, das demais entidades, para concretizarmos esse projeto que, com certeza, vai melhorar muito a situação do povo nordestino. Com a palestra dele em Pirapora, Minas Gerais, verificamos a necessidade da sua contribuição do seu conhecimento, para que nós possamos, em nosso

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relatório final, fazer os devidos encaminhamentos. E na tarde de hoje tivemos a contribuição do Senador Otto Alencar. Temos a satisfação de receber aqui o atual Prefeito de Aracaju, que já foi Governador e Ministro e que sempre deu essa grande contribuição ao Nordeste brasileiro, por meio de seu trabalho no projeto de transposição de águas do Rio São Francisco. Passo a palavra ao nosso estimado Prefeito de Aracaju, o Sr. João Alves Filho. O SR. JOÃO ALVES FILHO - Cumprimento o Exmo. Sr. Presidente desta Comissão, Deputado Raimundo Gomes de Matos, um grande nordestino, um grande cearense, que está aqui nos ajudando, ajudando o Brasil e, de modo particular, o Nordeste brasileiro. Saúdo o Deputado Rômulo Gouveia, ex-Governador da Paraíba, que é o Relator, e a Deputada Raquel Muniz, uma mineira extraordinária de Montes Claros. Nós nordestinos, Deputado Raimundo, como o senhor sabe, consideramos Montes Claros a capital de Minas Gerais no Nordeste, ou melhor, no Semiárido. Os mineiros são normalmente solidários em tudo que diz respeito ao bem do Brasil, porque Minas Gerais faz limite com todas as grandes regiões do Brasil. Mas Minas Gerais tem uma região que é realmente semiárida, e Montes Claros é a capital dessa região. A Deputada Raquel tem feito um trabalho também extraordinário. Como eu disse ao pedir a palavra para expor meu posicionamento ao Senador Otto Alencar, quando conheci o trabalho desta Comissão, que trata da transposição das águas do Rio São Francisco, eu fiquei, Deputado André Moura — outro nordestino valoroso —, entusiasmado. O São Francisco e os rios, de modo geral, sempre foram a paixão da minha vida. Há pelos menos 50 anos eu sou apaixonado por essa questão de rios e eu viagens pelo mundo. Mas eu disse à Deputada Raquel Muniz uma coisa que é absolutamente verdadeira: participei de inúmeros eventos e encontros sobre o São Francisco, mas o de Pirapora, em Minas Gerais, coordenado pela Deputada Raquel, foi, Augusto Bezerra — você já me acompanhou em tantas caminhadas na defesa do São

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Francisco —, o mais organizado evento sobre o tema de que tive a oportunidade de participar. Eu acho que isso é muito importante. Como nós vamos exibir agora algumas projeções, eu peço permissão ao Deputado Raimundo Gomes de Matos para falar de pé, de modo que eu possa ver de perto os quadros. (Segue-se exibição de imagens.) Amigos, antes, eu queria dizer ao Plenário que é bom que nós tenhamos em mente que esse projeto da revitalização do São Francisco não tem nada de ideológico nem partidário. Eu entendo que ele é interesse de todos os brasileiros. O Rio São Francisco ficou conhecido durante toda a história brasileira como o Rio da Integração Nacional, pela importância que teve para a formação desta Nação continental, que todos nós amamos. Mas ele está, como disse o Senador Alencar, correndo um risco muito grande. Então, é importante que nós unamos forças, porque há como salvá-lo. E isso é interesse não apenas dos que vivem próximos a ele, mas de todo o Nordeste brasileiro. Afinal, perder o Rio São Francisco é algo inimaginável para essa região, porque ela é toda iluminada por meio da energia gerada por ele. Então, nós temos que lutar pela sobrevivência do rio. Estou falando isso porque em determinado momento, Deputado Raimundo, eu fiquei muito triste, pois, na minha modesta vida pública, a minha paixão central sempre foi a defesa do Nordeste. Eu fiquei muito triste quando, em determinado instante, por má condução aqui de Brasília, nós quase ficamos divididos, como se estivéssemos defendo coisas diferentes sobre a questão da transposição. Não era esse o caso. Nós tínhamos o mesmo interesse de levar águas para os nossos irmãos do Ceará, do Rio Grande do Norte, do Piauí. Apenas defendíamos métodos diferentes. Se nos sentássemos à mesa para conversar, resolveríamos tudo isso. Contudo, o Governo Federal conduziu esse processo de forma equivocada. Mas não vamos tratar disso. O que eu quero dizer é o seguinte: se houve esse aspecto naquele momento, ele já não existe mais. Hoje, todos nós estamos unidos. Temos aqui um cearense ilustre, bem como uma nobre mineira do Semiárido. Temos também o nosso Relator,

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o Deputado Rômulo Gouveia, que é de Campina Grande, na Paraíba. E todos estamos unidos para salvar o rio. Há 15 anos, mais ou menos, eu comecei essa luta em defesa do São Francisco, porque, como disse aos senhores, sou um apaixonado por essa questão de rios há pelo menos 50 anos. E não me limito apenas a ler livros ou documentos sobre o assunto — não, eu faço questão de viajar. Eu conheço todos os grandes rios que morreram no mundo, mas os conheço no sentido de ter ido ao local para vê-los, estudá-los, fazer perguntas aos técnicos da região. Isso é quase uma obsessão minha. Mas é que eu sempre tive a consciência da importância dessa questão. Hoje nós estamos vendo isso. O mundo inteiro sabe que o maior desafio da humanidade hoje é a falta de água. Porém, antes mesmo de isso acontecer, eu já tinha essa sensação de que a água era fundamental e lutava por ela. No caso do Rio São Francisco, há 15 anos, pelo menos, eu vi que a foz está localizada no nosso Estado, Sergipe, e em Alagoas. E todos — todos, sem exceção — os grandes rios que morreram no mundo morreram a partir da foz. Eu não sou da região, mas a minha esposa, Maria do Carmo, nasceu às margens do São Francisco. Então, eu tive oportunidade de ver os sinais de morte desse rio já há 15 anos. Naquela época, era preciso ter certo conhecimento de rios nessa situação, mas, hoje, não é preciso ter conhecimento nenhum. Se algum dos integrantes desta Comissão — eu faço até de público este convite ao nosso ilustre Deputado Raimundo Gomes de Matos — quiser visitar a foz do rio, eu terei muito prazer em ciceroneá-lo. Hoje, se qualquer um de nós aqui levar um filho ou, como no meu caso, um neto de 5 ou 6 anos à foz do São Francisco, essa criança vai dizer assim: “Este rio está morrendo”. Não há dúvidas quanto a isso. Está claro. A foz de um rio deve ser o local mais profundo dele, mas a do Rio São Francisco já se atravessa a cavalo! E mal vemos as patas do animal. É uma coisa dramática! Ouvi o Senador Otto Alencar fazer uma sugestão e fiquei muito feliz, Deputado Raimundo Matos, quando percebi a reação de V.Exa., que disse que achou a ideia muito boa e que ela vai participar do relatório final. A ideia é criar,

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como existe na Índia e na China, um Ministério para tratar de recursos hídricos. Esse problema é a maior ameaça da humanidade hoje. Então, isso é importante. O grande erro que existiu sobre as águas e que vitimizou o Rio São Francisco foi imaginar que a água tem uma finalidade específica. Foi o que aconteceu com o rio. Nós tivemos um dos dois maiores estadistas do século passado, o grande Getúlio Vargas, que entendeu que o Nordeste precisava de uma força energética forte. O Nordeste era a região mais pobre, e nós não tínhamos uma autonomia energética forte. Foi ele, então, o primeiro a introduzir no Brasil, como Governo, como política de Governo, as hidrelétricas. Ele criou a CHESF para gerar energia, para cuidar da geração de energia. Só que houve uma falha, Deputado Raimundo: nós, diferentemente dos países de bom senso no mundo, não tínhamos uma lei de recursos hídricos. Para que se tenha uma ideia, nós vamos mostrar aqui uns quadros do Rio Colorado, nos Estados Unidos. Começou-se a trabalhar no Rio Colorado antes da década de 30, na década de 20, e não foi nem com o Presidente Franklin Delano Roosevelt, mas com o seu tio, Teddy Roosevelt. Pois bem, a primeira coisa que eles fizeram foi a lei de recursos hídricos, na década de 20. Nós só viemos a fazer a lei de recursos hídricos no fim do século, quando estávamos no Governo Fernando Henrique Cardoso, que se inspirou em grande parte na França. Mas foi feito. Então, quer dizer, lá, eles fizeram antes. Antes, não, no começo do século passado. Nós fizemos no fim do século passado. Sou engenheiro e posso falar com muita vontade. O meu colega José Carlos Machado foi um grande Parlamentar, grande Deputado Federal, e eu tenho a honra de tê-lo como colega de gestão. Ele é o nosso Vice-Prefeito, mas, na realidade, é um Prefeito, porque trabalhamos em harmonia total, ele trabalha comigo, nós trabalhamos dividindo as ações. E ele é engenheiro também. Cada profissão tem suas idiossincrasias, o engenheiro é muito cartesiano, ele recebe uma ordem e faz aquilo ali. Os engenheiros da CHESF não são culpados pelo o que aconteceu com o São Francisco, mas a forma como eles agiram prejudicou muito o rio. Por quê? Porque eles receberam a ordem de, a partir das águas, com as hidrelétricas, gerarem energia. Tudo bem. Quando foram fazer hidrelétricas, eles encararam a hidrelétrica não pela visão global da água. A água é

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fundamental para tantas coisas que poderíamos passar a tarde toda aqui falando disso, mas só menciono algumas: consumo humano, navegação, irrigação, agricultura. Para tudo a água é fundamental. Deputada Raquel, eu estive com o Ministro de Recursos Hídricos da Índia. Eu estava fazendo uma visita oficial e fui lá estudar, passei 90 dias nos Exércitos da China e da Índia. Meu colega, ele era engenheiro também, disse: “Eu vou dizer uma coisa a você: aqui na Índia nós nunca encaramos a água com uma finalidade só, de jeito nenhum!” Uma gota d’água, a gente tem que pensar o que ela pode produzir para energia, para irrigação, para navegação, tudo. Então, qual foi o equívoco fatal com relação ao Rio São Francisco? Foi o seguinte: como o objetivo era gerar energia, não se preocuparam com água para pesca, que era a sobrevivência da população, para irrigação, para navegação. O conceito das hidrelétricas modernas nos leva a pensar, na sua concepção, como encarar todas essas finalidades. Mas naquela época não havia. Não estou dizendo que foi culpa dos engenheiros. Não havia lei de recursos hídricos, eles não tinham conhecimento disso. Então, houve um prejuízo grande para a região, porque, ao fazer assim, prejudicaram várias outras finalidades, e houve poluição no rio. Na foz do São Francisco, onde a pesca era a maior riqueza da região, hoje não se pesca nem uma piaba. Os peixes praticamente não existem mais. Estou falando da foz, mas não é só lá, é ao longo do rio. A navegação, como disse aqui o Senador Otto Alencar é uma riqueza do São Francisco. Nós ligávamos Pirapora a Juazeiro — não é, Deputada? — através de navios portentosos. A hidronavegação corresponde a pelo menos um décimo do custo do transporte rodoviário. Aliás, o Brasil é o único país continental do mundo que usa a rodovia como principal meio de transporte, a mais cara que existe. Existem as hidrovias, as ferrovias, mas a hidrovia é o mais barato. Pirapora ficou conhecida no Brasil inteiro porque era a sede, todos aqueles navios iam para lá, era uma beleza. Hoje não existe mais e até uma canoa encalha no meio do rio. Bom, amigos, isso criou problemas de poluição. Nós tivemos outros fatores sim, como, por exemplo, o esgoto lançado in natura, sem tratamento, exploração de minérios sem cuidado, fábricas e tantas outras coisas. Mas o fator principal foi esse. Assim passaram-se os anos. É atípico, raro, até mesmo no Brasil, um rio ter várias

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hidrelétricas sequenciadas, e foi assim no Rio São Francisco: as hidrelétricas são sequenciadas. Aí se comete um erro aqui, que se agrava na outra hidrelétrica, e vai se acumulando e criando problemas graves para as margens do rio. Mas, cumpriu-se a finalidade. Getúlio Vargas, que também era um estadista, não se apercebeu disso, porque, afinal de contas, não era especialista nessa área nem tinha a obrigação de ser. Mas, cumpriu-se a finalidade, repito, e a energia foi para o Nordeste, que hoje, graças a Deus, tem energia em todos os Municípios de boa qualidade e barata. No entanto, criaram-se problemas em outras áreas, como em navegação e irrigação. Eu visitei, com meu colega Machado, que está aqui na frente, e Otto Alencar, o Rio Colorado, que tem um sexto da vazão do Rio São Francisco. Mas só num dos Estados americanos — e ele banha vários, Califórnia, Arizona, e tantos outros —, a Califórnia, ele tem uma... A quantidade de área irrigada naquela época era de mais de 1 milhão de hectares. Hoje o Rio São Francisco tem no máximo 300 mil hectares, com uma vazão seis vezes maior que a do Rio Colorado. Houve esses equívocos graves. No Colorado, a ordem que o Presidente Teddy Roosevelt deu foi a seguinte: “A água deve ser tratada como o bem mais valioso”. Aquele homem meio abrutalhado — Franklin Roosevelt, não, era um estadista —, guerreiro, percebeu isso, e disse: “Tratem a água com o maior cuidado. Não cuidem da água pensando em uma finalidade.” Ele teve essa visão, e assim foi feito. Mas ocorreu com o Rio Colorado um erro diferente, porque os americanos cuidaram dele de forma maravilhosa do lado dos Estados Unidos, mas, quando chegou ao México, não recebeu cuidados. Se vocês forem à fronteira, vão ouvir um ditado que existe lá no México que diz assim, Deputado Raimundo: “Pobrecito de México, tan lejos de Dios y tan cerca de los gringos”, que significa “pobre do México, tão longe de Deus, tão perto dos americanos”. Não chega a ser isso. Não sou antiamericano, não sou nada disso; estou apenas repetindo o que eles falam. Realmente, eles se prejudicaram. O maior Estado mexicano, o Texas, foi conquistado pelos americanos. Mas não é esse o nosso debate. Continuando, o Rio São Francisco está extremamente poluído e prejudicado e marchando para a morte certa. Como eu disse, não precisa ser especialista. Essa é

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a preocupação que devemos ter. Aquela questão da transposição, Deputado Raimundo, digo isso porque participei ativamente, foi apenas uma condução, como V.Exa. disse anteriormente em outra ação do Governo. Não estou falando em partido A, partido B, partido C. Não é nada disso. Essa foi uma condução equivocada, que podia ser resolvida se sentássemos à mesa. Desde a época do Império, uma das coisas fortes que temos no Nordeste é a união dos Estados. É a única região do Brasil onde as pessoas ainda hoje dizem: “eu sou nordestino”. Em São Paulo, onde há uma mania de falar que é coisa de baiano, de fazer brincadeiras com baianos — mas todo mundo é nordestino —, todo nordestino é baiano. Não há mal nenhum nisso. Eu gosto muito da Bahia. O Nordeste sempre teve uma união muito grande porque nós sofremos das mesmas coisas, secas e outras dificuldades. Essa união era fortíssima. Eu participei de dois eventos, Deputado Raimundo, que me dão orgulho de ser nordestino. Um a história não contou até hoje, e dele participei intimamente, a redemocratização do Brasil, conduzida pelo extraordinário estadista Tancredo Neves. Os senhores sabem quem garantiu sua vitória no Colégio Eleitoral? O pacto da SUDENE, com os Governadores. Eu participei ativamente, e posso dar detalhes. Esta não é uma reunião política, mas o Nordeste se juntou todo. A eleição era via Colégio Eleitoral. Eu lembro até que conversava com o então Governador de Minas Gerais, Tancredo Neves e lhe disse: “Governador, o Brasil quer o senhor como Presidente”. Fiz os elogios, e ele, como mineiro, muito cauteloso, deu um tapinha na minha perna — ele gostava de fazer — e disse: “João Alves, você está exagerando, mas eu vou dizer uma coisa a você: você acha que eu vou deixar a minha Minas Gerais?” Ele tinha mania de dizer “a minha Minas Gerais”. “O meu sonho é ser Governador. Governador todo político pode ser e pode sonhar. Agora, Presidente, Alves, é uma questão de destino.” Eu achei interessante. “Como é que eu vou, João Alves, ser Presidente da República, quando vai ser decidido em colégio eleitoral. No Colégio Eleitoral quem vai ganhar é Paulo Maluf, porque o Presidente da República está apoiando, e eles têm a maioria.” Aí eu pensei, voltei para os colegas do Nordeste, os Governadores, contei a história e disse: “Vamos fazer as contas aqui dos delegados que a gente tem” — nem sempre o Governador controlava os delegados — “e contamos”. Aí eu voltei

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para ele na semana seguinte e disse: “Ministro,” — ele foi Primeiro-Ministro — “eu discutir política com o senhor é como se eu fosse discutir o pai-nosso com o Papa. Então, não tem jeito. Agora o senhor entrou no campo em que eu sei mais do que o senhor.” Ele disse “Qual é, João Alves?”, com aquela paciência de mineiro, aquele jeitão dele. Eu disse: “É fazer conta, porque eu sou engenheiro. Então, fazer conta é minha... O senhor falou em colégio eleitoral. Eu estou trazendo a conta aqui dos delegados que os Governadores do Nordeste controlam. O senhor vai somar ao que chamou de seu PMDB e, se somar os delegados que os Governadores do Nordeste, não precisa ser todos... Se 70% dos Governadores do Nordeste votarem no senhor, com o seu PMDB, o senhor é o Presidente da República.” Ele olhou para mim e disse: “João Alves, o senhor está me lembrando agora da história do Garrincha com o técnico Feola.” Deram orientações para o Garrincha: “Passa a bola para o Pelé, o Pelé passa para você, passa para Fulano, Beltrano. Quando chegar pertinho do gol, Garrincha, você passa a bola para o Pelé, o Pelé atira e faz o gol.” O Garrincha, que não era muito conhecido pela inteligência, era um jogador fantástico, dos melhores que o Brasil já teve, olhou para Feola e disse: “Feola, você já combinou com os russos?” (Riso.) Aí ele me disse: “João Alves, você já combinou com todos os Governadores?” “Olha, eu não tenho autoridade para falar em nome dos Governadores, estou apenas especulando, mas mostrando o quadro para o senhor”. Em resumo, os Governadores se juntaram. Por quê? Porque, na SUDENE, não brigávamos por projetos. Era impressionante. Nós nos reuníamos — quem apoiava ao fim eram os Governadores — e, se fosse uma fábrica importante para o Ceará, ninguém brigava: “Ah, não, eu quero essa fábrica para Sergipe. Deve ir para a Bahia.” Não, todo mundo se unia. A mesma coisa acontecia quando ia uma fábrica para a Bahia, para Pernambuco. Não havia briga entre nós. Entendíamos o seguinte: nós já éramos pobres unidos; se estivéssemos desunidos, estávamos liquidados. Era essa a filosofia. Amigos, é essa a situação em que nos encontramos hoje. Quer dizer, houve essa condução errada aqui, porque todos nós éramos a favor. Não tem problema levar água para os irmãos do Ceará, do Rio Grande do Norte. Temos uma filosofia no Nordeste, o Deputado Raimundo deve lembrar, e o sertanejo diz assim: “A gente

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pode negar qualquer coisa, mas não nega um copo de água nem ao nosso maior inimigo, porque água é essencial”. Então, quanto mais a um irmão nordestino. Mas, graças a Deus, hoje estamos aqui falando de outra coisa: salvar o Rio São Francisco, porque, se não salvarmos, não há transposição, não há saída para o nosso Nordeste e vamos entrar em uma situação terrível, porque, sem água, nós não somos nada. Então, amigos, eu gostaria de bater um papo com vocês. Para chegar a esta conclusão, para ver este projeto, andei 6 anos e meio viajando, vendo coisas no mundo, como os rios foram salvos, como foi feita a revitalização. Então, hoje eu posso dizer que a água do mundo é o principal problema da humanidade. Na CIA — eles podem não entender de outras coisas, mas da arte de matar entendem —, eles dizem que vamos ter mais guerras neste século por disputa pela água do que tivemos no século passado pelo petróleo. Nós sabemos que o petróleo foi o fator crucial para as guerras do século passado. E são várias guerras pelo mundo. Trouxe até uma lista dos países que estão quase em guerra por causa disso. Então, é o maior problema da humanidade. Se verificarmos a população que tínhamos no começo do século XX e no fim, nos últimos anos, nós vamos ver que a população cresceu três vezes, mas que o consumo de água cresceu sete. Por quê? Porque, meus amigos, o consumo humano é o menor consumo de água, apenas 10%. Hoje, 60% do consumo de água é para agricultura; 20%, para indústria; e só 10%, para consumo humano. Mas nós estamos correndo o risco de extinção por falta de água. Em 1901, tínhamos 2 bilhões de habitantes; em 2000, 6 bilhões. Nós crescemos três vezes, mas o consumo de água cresceu sete vezes. Em 2012, de acordo com a última estatística, alcançamos 7 bilhões de habitantes. São dados importantes para vermos que a questão não é só do São Francisco, é do mundo. Em 2050, a previsão é de 9 bilhões. Sabe qual é a outra conclusão a que os estudiosos chegam, com toda a tecnologia que temos? É que não vamos ter água para esses 2 bilhões de habitantes, porque se acontecer o que aconteceu no século passado, o consumo vai se multiplicar sete vezes. Aí vai ser uma quantidade de água gigantesca. Nós não vamos ter água. Essa é a triste realidade. Sobre o prognóstico da CIA eu já falei.

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Hoje temos no mundo 7 bilhões de seres humanos, mas 2 bilhões vivem em estresse hídrico, quer dizer, com problemas gravíssimos de água. Ele não deixa de beber, senão morreria, mas bebe uma insignificância, vive em uma situação terrível por falta de água. É algo de que precisamos ter consciência. Esse é um problema de uma gravidade enorme. Vou para o outro lado do mundo, a Ásia. Os dois países mais populosos do mundo são China e Índia. Não posso dizer que sou especialista, mas, coincidentemente, passei 90 dias em desertos da China e da Índia e escrevi um livro, e vou trazer um exemplar para nosso Presidente ler quando tiver insônia. (Riso.) Estou brincando, Presidente, tenho o maior respeito por V.Exa. Pois bem, esses dois países têm 40% da população mundial. Já pensou que coisa incrível? E eles estão vivendo uma situação terrível. Eu não li, fui lá e vi. Vejam bem a situação: 80% das águas dos rios estão poluídas, águas de superfície, lagos e tal; as águas do subsolo estão na mesma circunstância, e eles consomem muita água de subsolo para irrigação, para tudo. As águas que passam sobre as cidades, os rios, 90% estão poluídas. É uma coisa louca. Qual é o problema que está acontecendo lá? Vejam os senhores: eles tiram água do rio, na ansiedade de ter água, usando técnica de exploração de petróleo. É uma loucura! O Estado do Deputado realmente tem problemas graves de recursos hídricos, mas existe uma região vizinha ao Piauí que tem agua no subsolo em quantidade. A filosofia básica sobre tirar água do subsolo é que só se pode tirar na quantidade que a natureza possa repor durante o ano com as chuvas. Se tirar mais, inicialmente não há problema, mas vai aprofundar cada vez mais a profundidade para buscar. Em Pequim hoje, Deputado, Capital da China, todos os especialistas já estão estudando para onde vão mudar a China. Por quê? Pequim, que tira toda a água para consumo humano do subsolo, e pegava quase na superfície — isso acontece muito na China —, já precisa chegar a quase 70 metros de profundidade para achar a primeira gota d'água. Então, a água vai baixando. Isso está acontecendo na China como um todo, porque tiram água abusivamente. A média que os especialistas em engenharia aconselham tirar é no máximo 20% da reserva hídrica. Acima disso, mata o paciente.

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Os senhores me desculpem divagar pelo mundo. Não estou querendo mostrar erudição, não, é porque essa é uma questão que existe no mundo todo, e o Brasil ainda está em situação bem melhor do que grande parte dos países. O fator mais grave sobre as aguas — além da poluição — é o aquecimento global, sobre o qual — não sei se os senhores se lembram do primeiro encontro em Quioto — os norte-americanos se rebelaram. Eles não aceitaram, não assinaram o Protocolo de Quioto. Os chineses também não. Os Estados Unidos e a China são os dois maiores poluidores do mundo, mas estão lutando freneticamente pelo sucesso do encontro que vai acontecer em Paris em dezembro, para ver se dá certo. Por quê? Eles estão sofrendo. Eu vou dar um exemplo. Os Estados Unidos são o país mais rico do mundo, mas acontece — eu, Otto Alencar e Machado fizemos uma viagem ao Arizona, um Estado riquíssimo — que toda a água que o Arizona consome hoje vem de fora. Não existe mais água lá. Isso em um lugar que tinha uma reserva de água extraordinária no subsolo. Então, o aquecimento global é uma coisa terrível. Não é preciso nem explicar isso. Os nordestinos sabem que a água evapora. E também há um efeito terrível com o aumento das marés. Na época das caravelas — os senhores sabem que um dos pontos principais era saber onde havia água —, elas iam para o litoral, nas cidades que tinham água. Com relação ao Rio São Francisco, não iam para o litoral, paravam 30 quilômetros oceano adentro, pegavam os baldes e retiravam a água. Na época, os índios chamavam o Rio São Francisco de opará. O que significa opará? Na linguagem guarani, rio-mar. Quando Maurício de Nassau foi conhecer o Rio São Francisco, ficou encantado e disse: “Isto aqui não é um rio, é um mar, um oceano”. Há poucos anos, o rio avançava no mar. Hoje, para os senhores terem ideia — vou mostrar um gráfico aqui —, a Hidrelétrica de Xingó está a 230 quilômetros da foz. Duzentos e trinta quilômetros! Praticamente, não existe mais água. Não chegam barcos lá em virtude dessa situação, e a água já está ficando salinizada. Quais são as previsões do Painel Internacional sobre Mudanças Climáticas — IPCC, o órgão que cuida do aquecimento global no mundo, e do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais — INPE? Qual é a influência da maré sobre qualquer rio? No momento em que a maré aumenta, a água avança pelos rios. É o que está acontecendo no Rio São Francisco. Nesse rio, que avançava 30 quilômetros no

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oceano, hoje, 230 quilômetros para dentro, já se pesca peixe de alto-mar, como o robalo. Isso é sinal de que a água está salinizada, o que é um problema grave. Não só o IPCC, órgão internacional, mundial, mas o INPE, órgão brasileiro da maior credibilidade, dizem que — veja que coisa incrível, meu querido Deputado — o Nordeste, que é semiárido, vai virar árido. É o que vai acontecer com nosso querido Nordeste. E o Rio São Francisco vai sofrer uma diminuição de 25% na sua vazão. A água do mar já está invadindo o rio, imagine se a vazão for abaixada em mais 25%! Essa é a previsão do INPE. Não quero nem falar sobre a do IPCC. Uma coisa sobre a qual devemos ter compreensão é que o aquecimento global — esse não é o pensamento de João Alves, não sou cientista, sou apenas curioso — é causado pela poluição provocada pelo homem. É o homem que provoca a poluição! E eles preveem que — se o mundo continuar cuidando das águas como está, de forma indevida — vamos ter, em 2050, um aumento de temperatura que vai variar de 1,8% a 4%. Se chegar a 4%, senhoras e senhores, a sobrevivência da humanidade vai, praticamente, ser aniquilada. Os fenômenos que vão acontecer com isso são terríveis. Vamos falar deles à medida que conversamos. Para os senhores terem ideia do que é a água, segundo a Organização Mundial da Saúde — OMS, metade dos leitos dos hospitais do mundo — vejam que cifra terrível — está ocupada com doenças propaladas pela água de má qualidade. Quando se fala do mundo, evidentemente, não é Europa, Estados Unidos, mas África, Ásia. A população da Ásia é enorme. Então, metade dos leitos. Vejam que coisa triste! Mais ainda: a cada 8 segundos morre uma criança por ingestão de água poluída. Vejam que coisa dramática! Uma coisa essencial para nós — não é para o Nordeste, mas para a humanidade — é controlar a emissão de CO2, que provoca o aquecimento global. Para isso, temos que combater aqueles agentes que são os maiores geradores da poluição, do aquecimento, os combustíveis fósseis, as gasolinas. Isso se acelerou de forma brutal a partir da Segunda Guerra Mundial. Até lá, não tínhamos nem de longe a quantidade de carros e caminhões rodando pelo mundo que temos hoje. Mas o pior de todos, o maior criminoso é o carvão. O carvão é terrível. Aliás, é um fator terrível de China e Índia. Para terem ideia, já fui à Índia e à China e — vi o povo — tive de colocar também máscaras para aquelas tempestade de areia. Uma coisa

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terrível! Tudo isso devido a essa poluição, no caso, provocada pelo carvão, também os lixões e a queima das florestas etc. Nós temos que mudar completamente o uso da água para a própria agricultura. Temos de pensar assim. Se forem a Israel, vão ver que o judeu trata a água como se fosse a gota d’água. Jamais se vê lá irrigação por inundação, que joga água nos canais e vai colhendo, porque há evaporação enorme. O que eles usam lá normalmente? Irrigação por aspersores de mão, porque a força da evaporação é tão grande, que, mesmo com aspersores baixinhos, antes de cair no chão, a água já evapora. Não usam pivôs centrais por causa disso. Usam microaspiração ou gotejamento. Nós temos de ir para isso, que normalmente é ignorada pela humanidade ainda. Hoje, graças a Deus, estamos evoluindo mais. Para terem ideia, o primeiro Protocolo de Quioto, em 1997, Estados Unidos, China e outros países não assinaram. Vou dar o exemplo dos Estados Unidos, país riquíssimo. Nossos filhos e netos — aqui a maioria é filho, todos jovens, eu sou o velhinho — querem ir para Miami, para a Disneylândia, aquela coisa maravilhosa da Flórida. Sabem o que acontece? Seguradora nenhuma, nem dos Estados Unidos nem do mundo, quer fazer seguro de casa na região do litoral da Flórida. Não faz, porque sabe que vai ser invadida. Aquela região da Flórida, vocês sabem... Há uma coisa em que nosso País, nesse ponto, é privilegiado: nós não temos terremoto, maremoto, tornados que, nos Estados Unidos, são constantes. Eles são uma coisa terrível, derrubam casas. Pois bem, esse número de tornados nos últimos anos está causando uma catástrofe não só da Flórida, mas em toda aquela região. A quantidade de tornados é insuportável. Uma idiotice que eles têm lá é colocar nome de mulher nos tornados, uma injustiça com as mulheres, fundamentais para a humanidade. Então, está cheio de tornados. Para esta região do Pacífico, as seguradoras não asseguram mais nada. Eles estão vendo isso, já recuaram e são os maiores defensores desta próxima reunião que vai haver em Paris, para que se chegue a um entendimento com a humanidade. Uma situação importantíssima é a seguinte: a substituição — isso é elementar, e a China está fazendo — dos combustíveis fósseis, do carvão, por energias alternativas — eólica, solar. A China, assim como a Espanha, tem tecnologia voltada para energia eólica, solar. A bem da verdade, o Nordeste está se

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destacando nisso. Regiões do Ceará e do Rio Grande do Norte têm tido um resultado maravilhoso com esse tipo de energia, sobretudo a eólica. Nós temos que marchar nessa direção e com maior controle de queima das florestas, especialmente da Floresta Amazônica. Vou mostrar para os senhores as loucuras que têm acontecido no mundo nesses últimos tempos. Este é o famoso Mar de Aral, em região riquíssima, conhecido, entre outras coisas, como o maior produtor de caviar. Esse negócio de caviar é adorado pelos ricos, eu prefiro mesmo é um caranguejinho. (Riso.) O bicho é ruim que é danado, eu acho. Mas sou primitivo. Os ricos adoram. Aqui estou mostrando como era o Mar de Aral, vista dos satélites, em 1989. Era tudo isto aqui. Só esta pequena parte em branco estava assoreada. Em 2003 a situação já tinha se agravado. Tínhamos tudo isto aqui. Aqui é agosto de 2009. Esta foto colhi quando visitei o Mar de Aral. Isto é um navio. Como ele, há vários. Uma quantidade de navios fantástica trafegava por lá. Era uma região próspera. Hoje é uma tragédia. Vejam um navio no meio do mar perdido. Vejam o tamanho do camelo em relação ao navio. Estava assim em 2009, hoje está bem pior. Vejam como está hoje: esta é uma pequena nesga que está de pé ainda. Vejam outro exemplo terrível. Eu disse aos senhores que o Rio Colorado — em parte não podemos dizer que a culpa é dos norte-americanos, eles poderiam ter ajudado o México, mas não ajudaram —, que era portentoso, que levou uma riqueza enorme para os Estados Unidos, chegou ao México assim. Todo o rio era tranquilo, forte, portentoso. Isto era 1999. Em 2003 como está? Tudo isto aqui é a foz do rio, e está morto. Eu andei de jipe mais ou menos 130 quilômetros pelo rio morto. Amigos, eu andei na calha do rio num jipe. A tristeza da morte do rio é a seguinte: tudo que está nas margens se perde, fica degradado, e vi várias cidades abandonadas, porque não tem jeito: se faltar alimento, temos onde comprar, supermercado, CONAB, podemos ter reservas enormes, mas água ninguém transporta, é secundária. Então, o povo tem que abandonar as cidades, emigrar. Vejam como está essa parte do rio hoje. Tudo isso aqui está seco. Eu andei tudo isso aqui. Andei 130 quilômetros com o rio completamente seco, as cidades no entorno abandonadas.

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Aqui a situação é muito mais grave. Como estudei a evolução da China, que foi um dos países mais ricos do mundo em várias ocasiões, sei que o Rio Amarelo foi essencial para a civilização chinesa. Nós temos 500 anos de vida; a China tem 6 mil anos. A civilização chinesa brotou basicamente a partir do Rio Amarelo. Vejam como está hoje o Rio Amarelo. Esses 500 quilômetros — o Rio Colorado tem 100 quilômetros — estão secos desde a foz do rio. É uma coisa tenebrosa. Vocês não podem imaginar. Não sai da minha retina aquela imagem. É terrível. Várias cidades foram abandonadas porque não tinham como sobreviver às margens do rio. Vamos em frente. Vamos voltar para o nosso Rio São Francisco. Esse rio — eu estou mostrando aqui quadros reais, não estou inventando nada — tem o chamado Povoado Cabeço. Esse povoado é o que fica mais próximo da foz. Essa foto foi tirada quando eu estava em campanha. Sim, porque o povoado é forte e eu tinha que ir lá pedir voto. Eu sei que o pessoal aqui não gosta de voto, não, os Deputados, as Deputadas, mas nós vamos aonde tem voto, não é Deputada? (Risos.) Desculpem-me a brincadeira. Estou brincando porque estou no meio de políticos e a gente precisa de votos. Então eu fui lá. Essa foto aqui foi tirada in loco, na hora em que eu estava lá, em 1996. Em 1996 também tirei esse retrato aqui que mostra um forte da época do Império. Era a região mais alta, de Brejo Grande. Vejam aqui, em 2012, esse farol como está. O Cabeço desapareceu, está todo coberto de água salgada, água do oceano. E essa aqui é uma foto da TV Globo. É quase inacreditável imaginarmos isso, mas vocês sabem que a foz é a parte mais funda. A TV Globo filmou isto aqui: os cavaleiros passando pela foz a cavalo. A água mal cobre as patas dos cavalos. É uma coisa terrível. É como está hoje — foto da TV Globo, repito. Esse aqui era o farol, a parte mais alta onde ele está hoje, no meio do mar. Então, essa é a situação, hoje, da foz do rio. Vamos em frente. Essa, amigos, é a ponte que liga Alagoas a Sergipe. São os dois Estados que estão na foz. Eu acompanhei a construção dessa ponte. Quem construiu essa ponte foi um Ministro que foi muito maltratado pela mídia, muito injustiçado, chamado Mário Andreazza. Mário Andreazza foi um grande Ministro. Ele

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construiu essa ponte. Quando ele construiu essa ponte, eu era muito amigo dele e o acompanhava quando ele ia a Sergipe. Essa ponte foi construída numa região bem funda. Dessa parte até o fundo são 50 metros. Vejam como está hoje: uma pessoa atravessando o rio de motocicleta. E aqui essa mesma motocicleta passando ali, o rio totalmente soterrado. Quando foi feita essa ponte era comum os jovens pularem de cima da ponte. Se eles pularem hoje morrerão na hora. O nome da ponte eu não sei, não. Não estou me lembrando do nome dela, mas é a ponte que liga Sergipe a Alagoas. Vamos em frente. Agora aqui é incrível. Essa é a Hidrelétrica de Xingó, como o Deputado Otto Alencar falou. Está a 230 quilômetros da foz. Vejam como está hoje. Aqui era tudo navegável, todo o transporte dessa região era feito por grandes barcaças. Era uma das regiões mais ricas do Estado, porque o transporte era baratíssimo, custava um décimo do valor do transporte das outras regiões. Tudo era transportado por barcos, grandes barcaças. Hoje nem uma canoazinha passa por aí. Isso aqui está a 230 quilômetros da foz. Aqui está a Hidrelétrica de Xingó. Olhem como estão as pedras, as rochas no chão. Não passa mais barco nenhum aí. Aqui há outra foto. É uma foto ligando também Sergipe a Alagoas, já na região de Xingó. Vejam como está. É terrível a situação, a mesma situação em que está hoje o rio. Aqui há outra foto dramática. Eu, lamentavelmente, não pude apresentar uma foto mais abrangente. Ela foi tirada uns 4 anos atrás. É uma foto da foz. O Rio São Francisco, como eu disse, entrava no oceano e ia até 30 quilômetros depois. Hoje ele entra por aqui. Isso aqui não havia. Esse é o lado de Alagoas. Não havia essa terra, ela foi sendo criada. E no lado de Sergipe também não havia isso, está tudo aterrado. Então, ela passa por uma nesga de terra. Hoje já se atravessa a pé essa região. Imaginem o que vai acontecer daqui a poucos anos — poucos anos, não, como está hoje, eu diria que tem 1 ano de vida, no máximo. E, com o Rio São Francisco morrendo, o que vai acontecer nessa região? Estou falando dessa região, mas não só dessa região, não. Se o Deputado Otto Alencar estivesse aqui, iria descrever o que está acontecendo na região de Juazeiro e na região de Sobradinho, na Bahia. São coisas terríveis. Sergipe tem 2 milhões e 300 mil habitantes. Um milhão de sergipanos terão que emigrar — emigrar! —

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porque não há condições de sobreviver, não há água. Inclusive a capital, também abastecida pelo Rio São Francisco, terá que ser abandonada por muita gente. Inclusive em edifícios pode não sobrar ninguém. Vai ser isto mesmo: pelo menos 1 milhão de sergipanos e 1 milhão de alagoanos. Quanto ao número de alagoanos, estou sendo modesto, deve ser bem maior. Essa é a questão trágica. Eu odeio transmitir notícia ruim Então, qual é a notícia boa nisso tudo? É que há solução para o rio, e uma solução barata, que pode recuperar todos os recursos para uma obra dessas. Então, na realidade, o Governo Federal — não estou fazendo crítica a tal ou qual partido, não se trata de um partido, foram erros que vieram sendo cometidos durante décadas. Não existe um projeto integrado de revitalização. Quer dizer, não adianta fazermos um projeto num rio desses somente em uma região. É preciso fazer um projeto que tenha repercussão em toda a extensão do rio. Então, como eu disse aos senhores, eu fiz um verdadeiro périplo, por mais de 6 anos, porque eu fiquei muito abatido quando vi essa situação. Eu cheguei a entrar em depressão. E eu nunca pensei em ter essa doença, pensava que era doença de dondoca. Não é, não, é uma doença terrível — o senhor, que é médico, sabe como é. Eu entrei em depressão. Mas depois eu levantei a cabeça e disse: “Não tenho o direito de estar em depressão, não, tenho é que procurar estudar.” Aí eu fiz uma caminhada de seis anos e meio pela Ásia, Europa, Estados Unidos e África vendo os rios que morreram e, sobretudo, os rios que foram salvos. Os amigos aqui que têm filhos sabem da atração dos meninos — eu vejo isso com meus netinhos — pelo jogo de Lego. Você vai juntando um pedacinho aqui, outro ali. Eu fiz uma espécie de jogo de Lego visitando essas revitalizações. Pegava um exemplozinho aqui, outro exemplozinho ali e ia juntando. Eu acho que devemos procurar sempre o máximo, porque, se não conseguirmos o máximo, vamos conseguir a média. Eu me inspirei no Rio Tennessee. Por quê? Porque ele foi feito na década de 1930, não pelo Theodore Roosevelt, mas pelo Franklin Roosevelt, o maior estadista do século XX. No século XIX, o maior estadista dos Estados Unidos nós sabemos que foi Lincoln e, no século XX, Franklin Roosevelt.

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O Rio Tennessee, como os senhores sabem, localiza-se ao sul dos Estados Unidos, e Franklin Roosevelt percebeu, na época em que fez o chamado New Deal, que o Rio Tennessee estava sendo um fator de divisão daquele país. Li a biografia de Franklin Roosevelt, que descreve que ainda fumegavam as cinzas da guerra. A guerra tinha acabado havia trinta e poucos anos — havia muita gente viva ainda. Os sulistas achavam que era a prova do descaso, da discriminação do norte com o sul deixar o Rio Tennessee morrer. O Rio Tennessee é um dos fatores de riqueza do país. A ele estão associados aqueles cowboys dos filmes, aqueles jogos dentro dos navios — Bat Masterson era um jogador famoso e um grande pistoleiro também. Os sulistas americanos achavam que o descaso com o Rio Tennessee era a prova viva da discriminação do norte com o sul, e Roosevelt se preocupou muito com isso. Por esse motivo, ele contratou a revitalização do rio. Naquela época, Deputado, não havia a consciência que temos hoje da importância da ecologia, mas ele se preocupou com essa questão. Roosevelt deu ordem ao maior engenheiro dos Estados Unidos — tenho até a biografia dele, um homem extraordinário — para que ele cumprisse pelo menos duas questões. Primeiro, que o rio voltasse a ser navegável para as grandes embarcações — o rio estava trágico, por lá não passava nem canoa. Segundo, que fossem construídas hidrelétricas, que gerassem energia barata para o sul dos Estados Unidos, que não tinha, vivia à base da energia de usinas. Vejam que coisa fantástica que ele conseguiu! Por isso eu botei na minha cabeça que tinha que perseguir isso. Eu não sabia que iria conseguir, mas sonhar é um direito de todos. Todos os recursos investidos na revitalização do Tennessee salvaram aquele rio. Hoje viajamos pelo Tennessee e vemos a sua grandeza. É linda a viagem pelo Rio Tennessee, que gera energia barata. A energia mais barata dos Estados Unidos é a do Rio Tennessee, porque advém de hidrelétricas muito boas. Tudo começou com aquele trabalho de revitalização. A grande vantagem de todas foi esta: todos os recursos investidos na revitalização voltaram para o tesouro americano, porque geraram desenvolvimento

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na região. E se geraram o desenvolvimento na região, geraram progresso e, consequentemente, pagamento de impostos. Eu já disse que essas foram as metas do New Deal dos Estados Unidos, da revitalização do Rio Tennessee, que ficou totalmente autofinanciável e despoluído. Voltaram para o governo americano muitas vezes mais recursos do que os que foram investidos. Agora vamos dar um passeio para falar um pouco sobre a revitalização de vários rios no mundo. A Europa, região aonde vemos rios maravilhosos, está passando por crise também. Os passeios pelo Rio Elba e pelo Rio Reno são famosos. Esse é um dos rios da Europa que está passando por revitalização. Eu estive em todos eles. O Rio Elba é conhecido como o maior rio da Europa. O poeta Von Schiller, o maior poeta daquela região, chamava o salmão de ouro do Reno. Pois bem, o salmão desapareceu, e houve uma motivação grave. Na década de 1960, o Rio Reno era chamado de cloaca europeia. Houve um incêndio em uma grande indústria química da Alemanha, a Bayer, o que provocou um desastre terrível na região. Essa indústria jogou no rio, que já estava ruim, 20 toneladas de material tóxico. Aí pensaram: “Agora não tem mais jeito para esse rio.” Os senhores sabem que os alemães são muito obstinados. Eles estabeleceram a meta de recuperar o rio e perceberam algo interessante: o peixe é muito seletivo, é mais seletivo que nós, humanos. O peixe não fica em rio poluído. Pode até ficar por um tempo, mas, quando consegue, vai embora. O governo alemão estabeleceu que a volta dos peixes, dos salmões, seria o sinal de que o ria estaria saudável. Somente em 2005 o rio voltou a ter 50% dos peixes que tinha em 1996. Então eles consideraram que estava despoluído o rio. Em 2012 havia mais de 20 mil salmões lá. Baseada nesse exemplo bem-sucedido, a União Europeia estabeleceu a meta de revitalizar todos os rios da Europa que estivessem poluídos. Esse é um rio que nós, brasileiros, gostamos de visitar: o Rio Sena, na França. Ele também estava muito poluído e foi despoluído. Levou muito tempo, mas fez-se a despoluição. Hoje o rio está despoluído, tranquilo. Há até umas praias em volta do rio, como os senhores sabem.

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Esse é o Rio Tâmisa, o mais poluído. Os senhores sabem que foi na Inglaterra o ápice da Revolução Industrial, quando o Rio Tâmisa foi dizimado, as árvores e as matas ciliares foram destruídas para a instalação dos fornos das indústrias. O Rio Tâmisa ficou liquidado. Não tinha nem piaba, imagine salmão! Pois bem, nessa linha da União Europeia, os ingleses resolveram, depois de 150 anos, que o salmão deveria voltar ao Rio Tâmisa. Hoje ele está despoluído, graças a Deus. É outro rio que está salvo. O Rio Reno também foi salvo. Quem vai à Europa sabe que conhecer o Rio Reno é um dos passeios mais agradáveis que há. É muito bom passar pelas suas eclusas! Esse rio, que passa pela Suíça, França, Alemanha e Holanda, está completamente despoluído hoje. Na Europa há muito dinheiro. Eles gastaram com esse projeto bilhões de Euros. Não houve limites para essas revitalizações. No Brasil temos um bom exemplo. Ficamos falando só de casos do exterior, mas vou lhes dar um exemplo, para a minha satisfação, da terra da nossa querida Deputada Raquel Muniz: a revitalização do maior afluente do São Francisco, o Rio das Velhas. Esse rio corta Belo Horizonte. A Deputada sabe do que estou falando mais do que ninguém. O Rio das Velhas era tão poluído que só havia ratos às suas margens. Podem até dizer: “João Alves, você vem de Sergipe até aqui para mentir? Já viu rato nadar?” Não. Os ratos estavam lá porque havia muita sujeira, e eles adoram sujeira. Não se pescava nada no Rio das Velhas Esse conterrâneo da Deputada Raquel Muniz é o Apolo Heringer. Ele é um professor da Universidade de Minas Gerais, um sonhador. Ele participou até da guerrilha armada com os idealistas da época. Eu também fiz política estudantil, mas não peguei em armas, não cheguei a tanto. Mas ele pegou em armas. Vou até dizer, e não em tom de crítica: ele foi o instrutor de guerrilha da Presidente Dilma Rousseff. Não estou fazendo crítica nenhuma à Presidente, porque eu compreendia tudo aquilo. Tive muitos colegas de classe, de política estudantil que foram para a guerrilha. Eu não fui porque não quis ir, mas muitos foram. Eu não os estou criticando por isso.

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Então, o Apolo é um idealista. Ele foi um guerrilheiro tão perigoso que, a certa altura, o grupo armado dele resolveu expulsá-lo do Brasil — “expulsá-lo” é a forma grosseira de dizer. É que ele passou a ser um guerrilheiro extremamente procurado, era alvo das Forças Armadas. Seus colegas de guerrilha sentiam que ele poderia ser preso a qualquer momento e não resistiria às torturas por que iria passar. Sabemos que torturas terríveis foram feitas naquela época. Eu sei disso porque tive vários colegas que passaram por essas torturas. Eles, então, entenderam que o Apolo tinha que sair do Brasil e conseguiram levá-lo para a Argélia. Na Argélia ele era médico e foi colega de vários homens ilustres no Brasil, como Miguel Arraes, que estava lá. Ele foi colega de Miguel Arraes. O Apolo ficou lá por muitos anos. Quando voltou, na abertura política promovida pelo General Ernesto Geisel, decepcionou-se e deixou a política. Isso não foi ele que me falou, há filmes que contam essa história. A Assembleia Legislativa de Minas Gerais fez um documentário muito interessante sobre ele contando essas coisas. Ele entrou em um processo de depressão quando voltou, porque era um idealista, precisava travar alguma luta. Então ele começou a pensar em salvar o Rio das Velhas. Quando levou essa ideia para as cidades, para Belo Horizonte, foi ridicularizado, porque as pessoas achavam que era impossível salvar o Rio das Velhas. Mas ele é uma pessoa obstinada. Eu tenho o privilégio de ser seu colega. É um homem iluminado, teimoso, obstinado. Matou muita gente na guerrilha. Mas é assim mesmo, é da guerra. Mas ele sofreu muito também, fizeram muitas maldades com ele. Ele começou a conceber esse projeto — vejam vocês! — no hospital. Naquela depressão, ele médico, os colegas da Universidade Federal de Minas Gerais levaram e ele começou. Quando saiu, resolveu pregar isso nas ruas de Minas Gerais, de Belo Horizonte. Foi ridicularizado. Isso é conhecido em Minas Gerais. Mas finalmente o pessoal da Universidade Federal de Minas Gerais viu que ele era um homem competente e os colegas viram que ele tinha razão. Aí começaram. A Universidade Federal de Minas Gerais não tinha condições de despoluir o rio, mas tinha condições de dar apoio logístico a ele no laboratório, na tecnologia. Foi isso que fizeram. Ele, obstinado, corria aquele rio todo de caiaque. Eu já andei de caiaque com ele no rio, mas agora, não naquela época.

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Ele parava nos povoados, acostumado a fazer política na época da Esquerda dura, e começou a convencer o povo. Isso foi muito importante, porque ele conseguiu a revitalização mais barata que eu conheço no mundo. Eu, naturalmente, não tenho autoridade para dizer que é a mais barata do mundo, mas, das que eu conheci, foi a mais barata. E ele estabeleceu também, como o poeta Schiller, no Rio Elba, que o primeiro sinal da revitalização seria a volta dos peixes para o rio. E fixou datas. Tudo isso foi programado, com cronograma para a volta da pesca e da possibilidade de nadar no rio — o ápice era tomar banho no rio. Como o Rio das Velhas passava no meio de Belo Horizonte, tinham que fazer o tratamento do esgoto. Naturalmente, isso foi feito. Bom, aí o Governo de Minas Gerais também viu que estava dando certo o trabalho feito pela Universidade, embora fosse bem incipiente. A Universidade não tinha capital, mas pedacinhos foram feitos. Então o Governo de Minas Gerais se entusiasmou e começou a apoiá-los. Aí houve o desassoreamento do rio e o convencimento da população. Vocês ouviram o que o Senador disse a respeito da importância da mata ciliar. Ela é fundamental. A mata segura a água, é impressionante. Isso está provado. Nós vamos ver isso mais adiante. Então, ele convenceu a população — o que foi interessante — a replantar a mata ciliar. A população se envolveu e fez-se a educação ambiental. Por isso o projeto foi tão barato. E houve impactos econômicos e sociais extraordinários. Aqui está o Apolo, com o braço levantado, percorrendo o rio. Reparem como ele envolve tanta gente. Eles não são técnicos, não, são pessoas do povo. Ele achava que o povo tinha que participar. Vejam aqui como o trabalho despertava interesse. Esse é um povoado, uma das cidades marginais. Vejam como o povo ficava nas margens, participando. E, durante o dia, eles plantavam. Quer dizer, o povo se entusiasmou com o projeto, o que é muito importante. A Deputada sabe disso — estou ensinando o padre-nosso ao vigário —, mas para vocês que não são mineiros eu vou dizer: os peixes ficaram tão abundantes nessa região, onde só sobrevivia rato, que a pesca ficou farta e hoje há mais peixes

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do que em todo o Rio São Francisco. Vocês vão ver fotos. Quando gente de fora vai pescar no rio eles não gostam, não. É como se o rio fosse propriedade deles. (Risos.) Mas, de certa forma, é. Olhem o tamanho desse peixe. Se eu dissesse que o peixe era desse tamanho, vocês não acreditariam, diriam que era conversa de pescador. Olhem aí o tamanho. Essa foto foi tirada em 2012, quando já eram pescados peixes que pesam de 5 a 10 quilos. Isso aqui não existe no Rio São Francisco. Não sei se no trecho de Minas Gerais ainda se pega peixe desse tamanho, no resto não se pega nada, não se pode nem sonhar com peixes desse tamanho. Então o rio, que era uma cloaca, virou isso. O Apolo conseguiu a revitalização. Mas não sozinho. Naturalmente, o Governo e a Universidade Federal de Minas Gerais participaram ativamente. Mas ele foi o líder. Tem que haver um líder para que essas coisas possam caminhar. Eles conseguiram, num tempo recorde, transformar, reparem bem, 500 quilômetros de rio — 500 quilômetros de rio, na Europa, avançariam por vários países —, fazendo com que hoje haja mais peixes nesses 500 quilômetros de rio do que em todo o Rio São Francisco. Aqui está o ápice, quando eles entram no rio para tomar banho. E aí vocês veem os dois políticos aí. Vocês sabem que político gosta de voto, mas não rasga dinheiro. Se o político está tomando banho no rio, é porque ele acha que o rio está despoluído mesmo. Está aí o Apolo e, junto com ele, políticos. Eu não posso falar com autoridade em relação ao mundo, mas, dos que eu conheço, o projeto de revitalização do Rio das Velhas é, sem sombra de dúvida, proporcionalmente, o mais econômico e o de mais rápida execução. Revitalizações levam anos, mas essa foi feita num período curtíssimo e a um custo baixíssimo. Eu digo, por todos os dados que eu tenho: trata-se da revitalização com o melhor custo- benefício que eu conheço no mundo. E foi feita no Brasil, na terra da nossa querida Deputada. O trabalho é conhecido como Projeto Manuelzão, que era uma figura conhecida lá na região. Vejam bem: como minha cabeça estava voltada para duas grandes metas, que eram transformar o Rio São Francisco, revitalizá-lo e chegar à autossuficiência energética, eu decidi que só tinha um jeito: conseguir um rio que tivesse água abundante para lançarmos no São Francisco. Tinha que haver um doador de água.

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Se não houvesse esse rio, não haveria chance nenhuma. A outra busca tinha que ser por energia abundante e barata. Então, amigos, esses foram os grandes desafios que nós tivemos nessa busca. Vamos ver como é que nós chegamos à distribuição. O rio, nós o encontramos por meio de um visionário — eu não teria nenhuma competência para dizer que o buscaríamos lá —, um cearense conterrâneo do Deputado, o Siqueira Campos, que foi Governador de Tocantins. Vejam bem, ele, supreendentemente, foi ser Governador de Tocantins. Tratava-se de um homem iluminado. Eu era Ministro na época. O Presidente Sarney me chamou e disse: “João Alves, você viu o que aconteceu esta semana?”. Eu respondi: “O quê, Presidente?” Ele disse: “No Congresso.” Mas eu passava mais tempo no interior do Brasil do que em Brasília. Eu não gostava muito de Brasília, não, porque só se falava em crise. Ele disse: “Você não soube do que aconteceu lá na Câmara?” Eu disse: “Não, Presidente, não vi, não.” Ele disse: “Foi o assunto mais noticiado.” O Siqueira Campos fez greve de fome para criar o Estado de Tocantins em território que era de Goiás — ele fez greve de fome! Eu tenho a impressão — não tenho autoridade nenhuma para dizer isso, os Deputados é que podem dizer — de que foi a primeira e única greve de fome feita na Câmara dos Deputados. A greve de fome foi uma coisa terrível — o Brasil todo acompanhou — e ele, finalmente, ganhou a luta. Mas aí o Presidente Sarney me chamou e disse: “João Alves, olhe, o Siqueira ganhou a luta.” Eu respondi: “Foi mesmo, Presidente?” — eu estava por fora. Ele disse: “Foi. Agora sabe o que vai acontecer?” Eu disse: “Não, não sei. O senhor é quem diz.” Ele disse: “Vai ser um fracasso. Você conhece a ‘burrocracia’ do Brasil” —“burrocracia” foi a expressão que ele usou. “E o Siqueira, coitado, vai sair daqui. Você sabe onde é o Estado de Tocantins, que ele quer criar?” Eu respondi: “Não, Presidente. Realmente eu não conheço.” Ele disse: “É uma fazenda, João Alves. É uma fazenda. E, como você é o Ministro do Interior e toda semana, ou quase toda, está no Norte do País, você vai se responsabilizar por, toda semana, passar um dia lá em Tocantins”. Eu disse: “Tudo bem, Presidente, eu vou para o Tocantins. Mas o que eu posso fazer mais?” Ele respondeu: “Faça isso porque senão o pobre do Siqueira não vai ter nem tempo de ficar lá, vai ter que vir a

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Brasília todo dia aqui atrás do Ministério da Saúde, do Ministério da Educação ou de outro Ministério e o projeto dele não vai andar.” Eu disse: “Ué, Presidente, mas eu só posso fazer o que for responsabilidade do Ministério do Interior.” Ele disse: “Não, você vai, e vão saber disso você e ele. Eu vou dizer a ele que você vai lá também como representante do Presidente. Você vai colher as demandas dele.” Eu argumentei: “Mas, Presidente, depois que eu colher as demandas dele, o que eu vou fazer com isso? Se eu for procurar meus colegas Ministros, eles não vão me obedecer em nada. Eles vão dizer: ‘Por que esse nego teimoso vem aqui falar comigo? Por que ele vem lá de Sergipe para nos perturbar?’” Ele retorquiu “Não, você vai, recolhe as demandas dele. O que for do seu Ministério, você atende. O que não for, que vai ser a maioria, você traz para mim e eu resolvo.” Eu disse: “Está certo.” Assim foi feito. Toda semana eu ia lá e ele me passava as suas demandas. Isso evitava que ele tivesse que vir aqui. Ele percebeu uma coisa que vamos ver mais à frente. Ele viu algo que nem podia imaginar. Viu que, enquanto no Ceará ele brigava por um gole d’água, naquela região a água era tão abundante que fazia mal. (Riso.) Existem lá dois rios fantásticos: o Tocantins e o Araguaia. Num determinado ponto eles se unem. Quando eles se unem, o volume de água vai a quase 11 mil metros cúbicos por segundo e invade as plantações. É uma perda danada. O Tocantins — não sei se os senhores sabem — tem um privilégio: fica numa região alta. Eu vou mostrar. Fica numa região alta e faz divisa com vários Estados. Aí ele imaginou o seguinte: “Poxa, o meu Ceará está se acabando sem água e há água aqui em excesso. Vou estudar a revitalização.” Deputado, ele é seu conterrâneo. Nós nordestinos deveríamos fazer uma estátua em homenagem a ele em cada Estado. Ele fez o seguinte: em vez de fazer com os engenheiros da sua terra — eu sou engenheiro, mas não me sinto nada ferido com isso, porque não temos grande vivência, grande experiência em revitalização de rio —, ele pediu ao Presidente da República apoio e contatou engenheiros norte-americanos da região do Colorado e do Tennessee. Ele foi lá e eles vieram ao Tocantins para estudar a sonhada transposição.

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Vejam a situação de Tocantins. Ele fica aqui. Vejam quantos Estados estão aparecendo aqui. Ele faz fronteira com o Maranhão. Ele está lá em cima e o Maranhão, lá embaixo. Faz fronteira com o Pará, , Goiás e Nordeste: Bahia, Piauí e o já citado Maranhão. Então, ele viu que era uma condição maravilhosa. E fica bem alto, Deputado. É uma coisa maravilhosa. Fica lá em cima. Quando os engenheiros norte- americanos vieram do Tennessee, eles acharam o local maravilhoso, até porque é quase tudo rocha, não há poluição, não há nada, e a água corre bem. Reparem bem, aí há uma série de informações que não vou ler a vocês para não ficar cansativo. Mas vejam que a vazão do Rio São Francisco é de dois mil e poucos metros cúbicos por segundo. E agora na foz já está em 900. Aqui está em 10.950 metros cúbicos por segundo. É uma coisa fantástica de água. Ele concebeu uma transposição de 500 metros cúbicos por segundo. Ora, para quem tem 10.950 ou 11.000, 500 não é nada. Para nós é uma beleza! No nosso Estado, na foz, está com 900 metros cúbicos por segundo. Se chegarem 500 lá é uma salvação. Aí ele consegue algo interessantíssimo. Isso foi visto pelos engenheiros. Naturalmente, ele juntou também os engenheiros de Tocantins, do Brasil, que acompanharam o trabalho dos norte-americanos. Eles mostraram o seguinte: à medida que a água corria de cima para chegar embaixo, nos afluentes do São Francisco, gerava energia. Primeiro, levar a água para o topo consumia energia; quando a água caía, gerava o dobro da energia. Vocês vão ver aí na transparência. Naturalmente, isso aqui é uma visão bem limitada. Vejam, a água sai daqui, é levada para os reservatórios e daqui desce e vai chegar ao Rio Preto, que está junto a um afluente do São Francisco. Vocês vão ver já em outra configuração. Aí já está no São Francisco. Vocês vão ver como vai ficar. Só que em relação a essa água que ele levou foram gastos, na subida, 215 gigawatts. Gastou-se isso para levar a água para lá. Só que quando a água desce — com água descendo é só botar umas pequenas represas — são gerados 925 gigawatts. São mais de quatro vezes, praticamente. Aí é uma beleza. Já gera energia, que falta neste momento. Então, ele chega aqui e vai encontrar o Rio Preto.

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Agora eu vou mostrar outra configuração. Aqui está se olhando de cima para baixo. Há algumas explicações: a média de vazão dos canais é de 100 a 500 metros cúbicos por segundo, o que é algo fantástico; a água passa por um túnel de 2 mil metros de extensão; e são usadas cinco pequenas usinas hidrelétricas, que geram 925 gigawatts. E qual será o custo total dessa obra? Vejam que o custo não é alto, é de 905 milhões de dólares. Ora, esse valor é menos de um quarto do que nós estamos gastando com a transposição. Não é que eu seja contra a transposição. Não é isso, pois, com o rio caudaloso, pode-se fazer a transposição. Eu não estou aqui querendo criar esse debate, eu estou querendo apenas dizer o seguinte: trata-se de uma coisa perfeitamente factível. Eu queria mostrar esta ligação. Vejam que o Rio Preto encontra aqui o Rio Grande, que é um afluente do São Francisco, e daí vai para a Usina de Sobradinho. Sobradinho foi projetada para o dobro da vazão de água que recebe. Se a vazão é de 500 metros cúbicos por segundo, a usina gera uma energia sem precisar gastar nada — as turbinas estão prontas para isso. Portanto, gera-se uma quantidade de energia muito grande, o que é extraordinário. Está faltando apenas um elemento, que vai interessar mais a Minas Gerais: o que fazer para gerar energia barata. Até aí nós fomos bem, mas precisávamos de uma fonte forte de energia. Vamos chegar lá. Agora surge outro homem idealista e, na realidade, um cientista. Eu não tenho nenhum mérito com relação ao Tocantins, apenas fui colher o que já estava feito. Também não tenho nenhum mérito com relação ao que vou mostrar agora, que é um hidrogerador por força de empuxo. Tenho certeza de que os senhores vão ficar surpreendidos e vão vibrar comigo. Mas não é êxito de João Alves, é êxito de outra pessoa, de cuja ideia eu estou me aproveitando. Como eu disse há pouco, um dos fatores mais importantes para o aquecimento global, que está trazendo muito problema, é a energia gerada por óleo diesel, gasolina e carvão. Aí um sujeito genial, um homem simples, mas extraordinário, criou uma nova fonte de geração energética, que o Brasil não conhece, mas vai conhecer daqui a pelo menos 60 dias. Esse homem genial criou

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um dispositivo capaz de viabilizar a mais barata geração energética que se conhece. E mais ainda: esse dispositivo praticamente não gera agressão ambiental nenhuma. Vocês vão ver como o hidrogerador é um projeto revolucionário. Quem é esse homem? Será que ele é um cientista louco? Não. Vejam bem o seu currículo — eu fiz questão de botar o currículo, para vocês verem que ele não é doido, embora todo gênio seja meio doido (riso): ele é formado em Engenharia pelo ITA, que, como vocês sabem, tem o melhor curso de Engenharia do Brasil; fez doutorado em Física pela USP, uma universidade coroada, de que nem preciso falar; e fez mestrados em Física em Detroit e Nova Déli. Ao ver este currículo, eu fiquei espantado e lhe perguntei por que tinha escolhido Nova Déli. E ele me explicou uma coisa que eu não sabia, Deputada Raquel Muniz. A Índia é um país com uma pobreza terrível, assustadora, mas que tem uma elite muito influenciada pela colonização inglesa, que é top em vários países do mundo para onde emigra. Os físicos na Índia usam um processo interessante, que ninguém usa. Normalmente uma obra de engenharia agride o meio ambiente de alguma forma, mesmo que seja uma agressão leve. Mas na Índia não acontece isso, porque lá eles usam a força da natureza para gerar o resultado que querem. Por isso, eles procuraram uma forma de gerar energia com a ajuda da natureza. Essa é a razão pela qual esse homem foi fazer mestrado em Nova Déli. Além disso, ele fez mestrado em Detroit, nos Estados Unidos, ainda fez doutorado em Física em Oxford, na Inglaterra, que é uma universidade consagrada na Europa, e foi executivo de várias multinacionais. Por que eu digo isso? Porque o sujeito pode ter feito vários cursos, pode ter feito doutorado e tal, sem que tenha uma visão prática. No entanto, ele trabalhou na Ford, nos Estados Unidos; trabalhou na Ferrari, na Itália; trabalhou na Siemens, na Alemanha — vocês sabem que os alemães da Siemens não rasgam dinheiro. Ele trabalhou no Grupo Fiat, na Itália, que são outros bobinhos, e na MacLaren, na Inglaterra. Quer dizer, ele foi executivo de grandes multinacionais, portanto, tem uma visão de mundo, uma visão também do ponto de vista econômico. Eu tive o privilégio de conhecer esse homem, que foi, para mim, uma das descobertas mais encantadoras que tive na vida. É um homem que me

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entusiasmou. No entanto, embora ele tivesse todos esses predicados, faltava-lhe algo. Certo dia, quando eu estava em São Paulo, um colega meu, o Gabriel, procurou-me e disse: “João, você é apaixonado por energia, não é?” Eu tinha escrito um livro sobre energia, do qual a Presidente Dilma gostou muito — na época ela era Ministra de Minas e Energia e eu, Governador. E esse meu colega continuou: “Então, eu vou apresentar a você um sujeito que descobriu um método de geração energética que vai revolucionar a energia no mundo”. Eu respondi: “Rapaz, você está blefando! Você não entende nada de energia!” E ele me perguntou: “Bom, você vai para onde agora?” Era noite, e estávamos tomando um vinhozinho num happy hour. Eu respondi: “Vou para a minha casa dormir”. Ele disse: “Não, eu vou deixar lá o resumo do projeto”. E ele me levou o resumo do projeto, que posso até deixar com o nosso Presidente e com a Deputada Raquel Muniz, caso queiram. Esse homem fez um resumo do seu trabalho, que já é conhecido no Brasil. Quando eu fui ler a justificativa da geração energética — eu não sou físico, mas sou curioso e gosto dessa área —, fiquei encantado. Eu comecei a ler o resumo às 7 e meia da noite e só fui dormir às 2 da madrugada. Fiquei fascinado. Aí eu fui conhecer esse homem. O homem é um gênio, pois criou um processo de geração de energia. Mas no que eu podia colaborar com ele, Deputada? Eu não tinha nada a colaborar em temos conhecimento. Quem sou eu? Mas ele não tinha conhecimento com o mundo oficial do Brasil, ele não tinha conhecimento com o mundo político. Era preciso que houvesse alguém que o apoiasse nesse sentido. Esta foto mostra o modelo que ele construiu na sua terra natal, em São José dos Campos. É um modelo reduzido, que mostra tudo. Quem chega lá fica encantado ao ver a energia sendo gerada por meio desse modelo reduzido. Quando a água passa por aqui, uma parte se levanta e outra se abaixa. Os êmbolos é que fazem esse movimento. Eu vou mostrar isso de forma mais simples agora. Aqui está uma eclusa. Não é preciso ser engenheiro para entender isso. Pessoas que já viajaram pelo mundo sabem disso. Numa eclusa há dois rios: um que está lá em cima e que impulsiona; e um que está lá embaixo. Como fazer para interligar esses dois rios, o lá de cima e o cá de baixo? Bom, isso pode ser feito por

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bombeamento, mas é caríssimo. Então, esse homem desenvolveu uma tecnologia simplíssima. Se vocês olharem aqui, vão perceber perfeitamente como funciona essa tecnologia. Vejam só: o navio vem neste rio de baixo e entra aqui, na chamada eclusa, com estrutura de concreto armado. Quando o navio entra aqui, é acionado um fechamento de concreto e ele fica preso. E como se faz para o navio subir para cá? Simplesmente abre-se aqui, para a água correr para o rio. A água entra aqui dentro, e o navio vai subindo sem se gastar nada de energia. Vejam que coisa interessante: levanta-se um navio de centenas de toneladas sem gastar nada de energia. Isso só é possível assim. Esse movimento foi uma das inspirações do nosso professor. Quando ele criou esse projeto, ele o levou primeiro à ELETRONORTE, que se entusiasmou. Inclusive, um diretor técnico deu um depoimento fantástico, que está por escrito. Mas o Ministério de Minas Energia não o apoiou — isso não foi agora não. Todos nós temos virtudes e defeitos. Os americanos adoram inovação, mas os brasileiros normalmente desconfiam de inovação. Portanto, a ELETRONORTE apaixonou-se pelo projeto, mas o Ministério de Minas e Energia não se entusiasmou com o projeto. Sendo assim, o professor não teve chance. Ele fez o quê? Ele não era rico, mas, como trabalhou nas multinacionais que eu falei, rodou o mundo e foi registrar a patente dele. Para isso, ele gastou as economias que ele e a mulher tinham. Em função disso, a sua mulher ficou zangada (riso) e se divorciou dele, que ficou sozinho. Aqui está o custo em dólar da energia por quilowatt/hora. Um quilowatt/hora na hidrelétrica custa 3 mil dólares. Vejam comigo, por favor, porque isso é importante: 3 mil dólares. O custo da energia eólica também é de 3 mil dólares; o da energia solar é de 6 mil dólares; o da energia termelétrica a carvão é de mil dólares, mas ela gera uma poluição terrível; e o da energia nuclear é de 4,5 mil dólares. E quanto vai custar a energia do hidrogerador? Vai custar 3 mil dólares? Vai custar 6 mil dólares? Não, ela vai custar 87 dólares. É uma coisa insignificante o custo da energia do hidrogerador. Para gerar energia, a usina tem que estar funcionando. Aqui está o custo de operação da usina por quilowatt/hora: hidrelétrica, 30 dólares; eólica, 50 dólares;

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solar, 60 dólares; termelétrica a carvão, 60 dólares; nuclear, 70 dólares. E o hidrogerador? O hidrogerador tem um custo de operação de 5 dólares. Vejam que o hidrogerador praticamente não causa nenhum efeito colateral em termos de poluição. Você sabe que hidrelétrica é uma maravilha, mas ocupa áreas e, às vezes, é preciso sacrificar cidades. Também muitas terras agricultáveis são ocupadas pelas águas, além de outras consequências. Ele praticamente não tem, aí está descrito também. Agora, vejam bem, com essa confluência de água em abundância e energia baratíssima, nós conseguimos esses resultados que eu não vou detalhar aqui com vocês porque isso levaria muito tempo. Ele gera uma nova fronteira econômica no Brasil. Minas Gerais é uma terra abençoada, porque o rio passa por terras agricultáveis maravilhosas. Mas essas terras não podem ser irrigadas, por quê? Porque a energia é pouca e cara. Então, com uma energia desse tipo, pode-se irrigar milhões de hectares. A terra é boa lá, mas não só lá, na Bahia também é boa. Você tem também uma chance de ter um transporte mais econômico. Pirapora vai voltar a ter todas aquelas embarcações navegando lá, que é o transporte mais barato que temos, a hidrovia. Para a aquicultura e a suinocultura temos uma tecnologia maravilhosa hoje, o Brasil já a domina. Temos a EMBRAPA, que revolucionou o Centro-Oeste, com tecnologias extraordinárias para nos ajudar nisso. Há viabilidade de novas hidrelétricas que podem ser feitas e uma novíssima fronteira agrícola para o Brasil. Finalmente, acabei a apresentação. Vou apenas mostrar o que se deve fazer. É o seguinte: vamos plantar às margens. Um exemplo está sendo dado em São Paulo. Vocês perceberam bem a crise que viveu São Paulo agora com a falta de água, Minas Gerais também sofreu muito. Agora isso está sendo feito em São Paulo, com o chamado Programa Nascentes. Fizeram o seguinte: para as mudas serem baratas, eles levaram um processo de educação às penitenciárias e premiaram os presos que produziam mudas de boa qualidade, porque são muitas mudas. Esse Programa Nascentes, cuja meta inicial já foi cumprida, contemplou 4.640 hectares, o que equivale a 5.400 campos de futebol. Mas o objetivo,

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inicialmente, é plantar 6,3 milhões de mudas nativas na Bacia Hidrográfica do Alto Tietê, Paraíba do Sul, Piracicaba, Capivari e Jundiaí, regiões que concentram mais de 30 milhões de habitantes. O investimento não será só público, será privado também. Pode-se convocar as empresas que estão interessadas nisso e também o particular, como disse o Senador aqui. O objetivo mesmo é chegar a 20 mil hectares de matas ciliares recuperadas. Isso vai proteger 6 mil quilômetros de cumprimento de cursos d’água. Então, é preciso a gente plantar essas matas ciliares, senão, ao longo dos anos, vai acontecer a mesma coisa, o rio vai ficar poluído de novo. Bom, vamos em frente. Este é mais um detalhe, eu não vou cansar vocês com isso. O SR. PRESIDENTE (Deputado Raimundo Gomes de Matos) - Informo que a Ordem do Dia já começou e já está na fase de encaminhamento de votação. O SR. JOÃO ALVES FILHO - Então, os recursos para esse projeto voltarão totalmente para o Tesouro do Governo brasileiro — e voltará várias vezes mais. Esta é a solução. Ela não é complexa, não é nenhuma genialidade. Tudo o que está aí já foi testado no mundo, nós apenas fomos colhendo dados, aproveitando as nossas condições e tivemos sorte de encontrar esse cientista. Muito obrigado, Presidente. Obrigado, Deputado. O SR. PRESIDENTE (Deputado Raimundo Gomes de Matos) - Nós queremos saudar o nosso Ministro, que é um grande idealizador e, acima de tudo, um defensor da transposição e da revitalização do Rio São Francisco, dizendo-lhe que assimilamos todas essas suas contribuições, inclusive essa para o Estado de Tocantins — e vamos preparar um requerimento para visitarmos também aquela região de Tocantins. Queremos ver todas essas questões dos hidrogeradores, que são de suma importância para minimizar os custos da transposição e trazer benefícios, sem nos esquecermos da necessidade da educação ambiental e, acima de tudo, fazermos com que toda a população das margens do São Francisco seja envolvida no aspecto educacional e realizar essa preservação. Cada dia fica mais patente que nós precisamos integrar as ações intergovernamentais, com o fortalecimento do pacto federativo. E isso, com certeza, irá constar do relatório do nosso Deputado Rômulo Gouveia. Nós sabemos que, a

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partir dessa visão, na formatação desse pacto, conseguiremos êxito na transposição. Ressalto também a presença do nosso grande Deputado José Carlos Machado, que, hoje, como Vice-Prefeito de Aracaju, com o auxílio do Ministro, empresta-nos todo o apoio para que possamos ter lá uma administração exemplar. Deputado Rômulo Gouveia, V.Exa. quer fazer alguma intervenção? Devemos concluir, pois já teve início a Ordem do Dia. O SR. DEPUTADO RÔMULO GOUVEIA - Sr. Presidente, depois da exposição do Senador Otto Alencar, meu companheiro de partido, e do Ministro João Alves — mas também ex-Governador, ex-Prefeito —, pouco me resta. Eu acho que o mais gratificante, amigo Machado, é saber que todos estão preocupados com o contexto geral do Rio São Francisco. Não adianta a transposição sem a revitalização; não adianta transposição matando o rio. E é por isso, inclusive, que o Dr. João Alves é testemunha de que a primeira audiência pública desta Comissão foi nas cidades ribeirinhas, lá na nascente, em especial em Pirapora, por iniciativa da Deputada Raquel, que foi muito feliz quando teve aquela iniciativa. E, na semana passada, o tema aqui foi revitalização, com a presença da CODEVASF e do Presidente do Comitê de Bacias, que também tem posições divergentes. Esta Comissão quer ouvir os diversos aspectos para não ser apenas uma Comissão pró-transposição, sem soluções e alternativas para o presente e para o futuro. Então, acho que esta foi mais uma produtiva reunião. O coordenador e autor do requerimento, Deputado Raimundo Gomes de Matos, tem tido essa preocupação. E todos nós, mais uma vez, nos enriquecemos. O nosso palestrante fez também uma exposição lá em Pirapora. Lá houve uma exposição em tempo menor; hoje tivemos um período maior. Essa exposição fica nos Anais desta Casa para a história e para aqueles que estudam a matéria. Então quero, de forma muito sincera, parabenizar o Dr. João Alves e cumprimentar o amigo José Carlos Machado, ex-colega desta Casa e hoje Vice- Prefeito de Aracaju, que nos prestigiam neste debate. Parabenizo também o

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Senador Otto Alencar, pela sua brilhante exposição aqui, em que demonstrou conhecimento de causa. Então, um abraço e parabéns pela condução, Sr. Presidente. O SR. PRESIDENTE (Deputado Raimundo Gomes de Matos) - Em virtude de a Ordem do Dia ter-se iniciado, as votações sobre os requerimentos e as atas das sessões anteriores ficarão para a próxima reunião. Não havendo mais nada a tratar, declaro a presente reunião encerrada. Antes, porém, convoco reunião ordinária para o dia 14 de julho, terça-feira, às 14h30min, em plenário a ser definido. Está encerrada a presente sessão. Muito obrigado.

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