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Karla Denise Martins

Cristóforo e a Romanização do Inferno Verde: as propostas de D. Macedo Costa para a civilização da Amazônia (1860-1890)

Tese de Doutorado apresentada ao Departamento de História do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas sob a orientação do Prof. Dr. Leandro Karnal.

Este exemplar corresponde à redação final da Tese defendida e aprovada em 16 / 12 /2005.

BANCA

______Drº Leandro Karnal (IFCH-UNICAMP) (orientador)

______Drª. Eliane Moura da Silva (IFCH-UNICAMP)

______Drº. Roberto Romano da Silva (IFCH-UNICAMP)

______Drª. Irma Rizzini (UERJ-RJ)

______Drº. Carlos Eduardo Ornelas Berriel (IEL-UNICAMP)

SUPLENTES

______Dª. Janice Theodoro da Silva (USP-SP)

______Dª. Leila Mezan Algranti (IFCH-UNICAMP)

dezembro/2005

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Cristóforo e a Romanização do Inferno Verde: as propostas de D. Macedo Costa para a civilização da Amazônia (1860-1890)

Nosso objetivo é analisar a produção intelectual de D. Macedo Costa, bispo que esteve à frente da Diocese do Grão-Pará, durante a segunda metade do século XIX. Discutiremos suas idéias sobre relações familiares, políticas e religiosas. Isso é possível porque esse bispo deixou um acervo literário no qual percebemos os significados construídos sobre a Amazônia como modelo de sociedade católica. Com essas fontes, entendemos alguns pontos do debate entre liberais e “ultramontanos”, especialmente aqueles ligados à educação popular e à secularização social. Misturando temas de várias épocas, ele escreveu sobre assuntos diversos da sociedade de seu tempo. Assim, podemos entender como a partir de certa tradição literária, esse bispo representou sua sociedade e a si mesmo, no momento da mudança política que marcou a passagem da Monarquia para a República no Brasil.

Palavras-chave: Brasil Império, Igreja Católica, Romanização, Ultramontanismo, Liberalismo, Maçonaria, Amazônia.

The Cristóforo and the green hell romanization: the D. Macedo Costa’s proposes to the civilization of Amazon

In this study we analyze the intellectual works of D. Macedo Costa, bishop of the Brazilian Province of Gran-Pará in the second half of the XIX century. We discuss his ideas about family, education, economy, politics and religion. We use the remaining bishop´s files and writings, to reconstruct his view of these themes and his prescriptions to conform a model of catholic society in Amazon. Through these sources, we understood better the debate between liberal and ultramontan groups, especially in reference to popular education and social secularization. The bishop’s thinking was influenced by ideas from different intellectual traditions to understand the society of his time. Thus, starting from certain literary tradition, we can understand how D. Macedo Costa represented himself and the society in the critical moment of the transition from Monarchy to the Republic.

Keywords: Imperial , Catholic Church, Romanization, Ultramontanism, Liberalism, Freemasonry, Amazon.

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Sumário

Agradecimentos 004 Introdução 005 CAP. 1: D. Macedo Costa e seus escritos 011 1.1: Modernidade 015 1.2: Família 020 1.3: Obediência 039 1.4: Educação 041 1.5: Cristianismo, civilização e colonização 044 Cap. 2: D. Macedo Costa e a imprensa oitocentista 051 2.1: “O joio e o trigo” 061 2.2: “Dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus” 075 2.3: Um outro Cristianismo 090 2.4: Os “pedreiros livres” 095 2.5: Catequese na Amazônia 103 2.6: O suplício de Tântalo 111 Cap. 3: Projetos para a Amazônia 118 3.1: Crônicas religiosas 119 3.2: Os “desvalidos” do Grão-Pará 135 3.3: Extrativismo: salvação ou maldição da Amazônia? 146 3.4: Os núcleos agrícolas 154 Cap. 4: Catolicismo, Maçonaria e Liberalismo em debate 173 4.1: “O Catolicismo mascarado dos maçons” 175 4.2: Liberais e “ultramontanos” no Grão-Pará 186 Considerações finais 203 Bibliografia 207

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AGRADECIMENTOS

Devo meus sinceros agradecimentos ao Programa de Pós-graduação em História da UNICAMP por ter permitido a realização deste trabalho. Ao meu orientador e amigo Leandro Karnal que acompanhou meus passos nessa jornada, tornando-a menos espinhosa. À professora Célia M. M. de Azevedo, por ter permitido que eu entrasse em contato com uma bibliografia que até então não conhecia e que me ajudou a pensar a tese. Aos professores Eliane Moura da Silva e José Alves de Freitas Neto, pelos conselhos e críticas ao texto na qualificação. Ao Alcebíades Rodrigues Junior, ou simplesmente Junior, que ajudou a minimizar os problemas burocráticos necessários à realização do trabalho acadêmico. Agradeço, também, aos meus bolsistas Juliana Pereira Ramalho e Franco Valentim Pereira por terem digitalizado uma parte do material de pesquisa e Alex Eugênio da Silva, por ter feito a imagem que usamos na tese, a partir do desenho original. Não há palavras e nem gestos que possam expressar minha gratidão aos meus pais, que mesmo longe estão sempre perto. A meu companheiro Jonas, para quem dedico este trabalho. O que posso dizer senão MUITO OBRIGADA por sua existência, por sua paciência e, principalmente, pelo seu amor que me deu força para escrever.

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INTRODUÇÃO

“Tal será a missão gloriosa do Cristóforo: facilitar a difusão do fecundo germe da civilização cristã até pelas mais incultas e remotas paragens da Amazônia.” (D. Macedo Costa, 1884.)

D. Macedo Costa foi um bispo que teve projeção na esfera política e religiosa do Brasil. Seu envolvimento na chamada Questão Religiosa, ocorrida na segunda metade do século XIX, tornou-o ainda mais conhecido, pois os documentos oficiais e jornais que circulavam na Corte citaram seu nome e seus feitos. No entanto, as idéias de D. Macedo Costa ficaram circunscritas a alguns trabalhos sobre esse evento e a uma biografia escrita por Antônio de Almeida Lustosa em 1933. Analisando os documentos produzidos por ele, além de outras fontes do mesmo período, percebemos que o bispo do Grão-Pará possuía projetos sociais que divergia dos programas político-partidários dos liberais. Procuramos, então, analisar a tradição literária com a qual o bispo dialogava e entender esse jogo político-religioso. Além das fontes que referimos acima, D. Macedo Costa publicou entre 1861 e 1890 muitos artigos e livros discorrendo sobre o devir da Amazônia. Nesses textos, há vários projetos ainda desconhecidos pela historiografia relativa ao Segundo Reinado. Os assuntos abordados pelo bispo cobrem temas relacionados à questão jurídica nacional, a problemas políticos, econômicos e sociais.1 Há, nessas fontes, uma discussão sobre o regalismo, o beneplácito régio, as reformas partidárias e eleitorais, o comércio e a indústria, a educação, a

1 Estamos lidando com um discurso teológico que procurou a reafirmação da Igreja na Amazônia. Tal como afirma Roberto Romano, a Igreja reascende seu papel soteriológico face um mundo que tenta a negação da transcendência. Cf: ROMANO, Roberto. Brasil: Igreja contra Estado (crítica ao populismo católico). São Paulo: Kairós, 1979. p. 22,23.

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catequese e a família, enfim, vários temas que eram caros também aos liberais. A Amazônia de D. Macedo Costa é, nesse trabalho, a porta de entrada para essa discussão. Os projetos de D. Macedo Costa eram, na verdade, uma conjunção de idéias teológico-laicas adaptadas à situação da diocese. O bispo se cercou de escritos bíblicos e laicos, tais como os textos de São Paulo, de Santo Agostinho, de São Tomás de Aquino, de Lamennais, de Lacordaire, entre outros. Por meio desses textos, ele construiu uma base argumentativa que propunha o uso das modernas tecnologias para reforçar a importância do Cristianismo no mundo. Como exemplo, podemos citar o uso do vapor para levar “a luz do Cristianismo” aos povos mais distantes da floresta amazônica, especialmente para os que viviam às margens do rio Purus, ponto limite da diocese. Além disso, D. Macedo Costa preconizava uma sociedade cuja direção estava a cargo de sacerdotes, num formato próximo dos antigos aldeamentos jesuítas. Essa sociedade seria, na verdade, um conjunto de pequenas comunidades agrícolas, organizadas a partir do trabalho associativo, nas quais os homens produziriam e distribuiriam por igual os alimentos, vestimentas e demais riquezas materiais, tendo no Cristianismo o ponto de referência. D. Macedo Costa pensava no progresso moral baseado na vivência comunal entre os homens, na solidificação dos laços familiares e no princípio de solidariedade. Ao contrário do que propunham os liberais, D. Macedo Costa queria uma sociedade em que o progresso técnico servisse à reafirmação da vida cristã. Muitas das afirmações do bispo foram influenciadas pelas idéias de Lamennais, que pregava a instituição de uma sociedade agrícola dirigida por sacerdotes. Vemos, nas observações de Lamennais, uma crítica à sociedade industrial, que ele considerava injusta com os menos favorecidos. Para D. Macedo Costa, a população da Amazônia também vivia em quadro de miséria e o modelo de sociedade pensado pelos liberais não resolveria este problema; pelo contrário, a adoção do padrão europeu de civilização agravaria ainda mais aquela situação. Baseando-se em 7

Lamennais e outros pensadores, o bispo planejou um modelo de desenvolvimento, no qual os sacerdotes seriam os responsáveis por levar a “salvação” para os pobres do Norte do Brasil. Os jesuítas, capuchinhos, membros de congregações religiosas e sacerdotes em geral deveriam atuar junto à população amazônica a fim de minimizar seus sofrimentos, pois, segundo o bispo, os índios, cearenses e mestiços que ali viviam eram explorados por seringalistas, juízes de paz, fazendeiros e delegados de polícia. Para discutir estas e outras concepções do bispo, bem como seu embate com os liberais, estruturamos o texto da seguinte forma: no primeiro capítulo, analisamos a produção intelectual e a criação literária de D. Macedo Costa durante seu episcopado. Precisávamos entender como seria possível construir uma história do pensamento católico a partir de sua produção textual, em diálogo com outros autores. A partir dessa idéia, podemos dizer que a visão de mundo de D. Macedo Costa carrega uma história intelectual, uma complexa rede de enunciados, uma memória que emerge dos textos. Não pretendemos fazer uma história intelectual desencarnada de uma experiência social, tal como fazem os historiadores das idéias.2 Optamos, portanto, por uma história intelectual, na qual os agentes constituem grupos dotados de ação e representação social. A definição de história intelectual entendida aqui é a que remete a textos bem mais abrangentes, a crenças não-articuladas, a opiniões amorfas, a suposições não ditas, além das idéias formalizadas. A história intelectual também se preocupa com a articulação desses temas às condições externas a ela, às situações do outro e às práticas sociais.3 A documentação que utilizamos no primeiro capítulo é constituída por obras de D. Macedo Costa, nas quais alguns temas eram recorrentes, permitindo entender o debate entre o projeto dos chamados

2 CHARTIER, Roger. A História Intelectual: entre práticas e representações. Trad. de Maria Manuela Galhardo. Lisboa: DIFEL, 1990. p. 34. 3 FALCON, Francisco. História das Idéias. CARDOSO, Ciro Flamarion & VAINFAS, Ronaldo. Domínios da História. Ensaio de Teoria e Metodologia. 3ª. edição. Rio de Janeiro: Campus, 1997. p. 93. 8

ultramontanos4 e dos liberais da Província do Grão-Pará. Os temas em questão são: moralidade, família, matrimônio, mulher, educação, catequese, idéias modernas, servidão, família. Além disso, a produção intelectual do Bispo nos remeteu para alguns romances do século XIX, como também ao pensamento teológico cristão medieval. Com isso, procuramos entender as bases de criação literária de D. Macedo Costa e sua relação com outros pensamentos de sua época. As obras de D. Macedo Costa, especialmente O Livro da Família e Amazônia: meio de desenvolver sua civilização, publicados na segunda metade do século XIX, possibilitaram entender como a Igreja Católica articulava um “programa” para a educação dos povos no Norte, numa vasta diocese que englobava os territórios das províncias do Grão-Pará e do Amazonas. A idéia de “civilização” pensada por D. Macedo Costa estava associada à vivência do Catolicismo romanizado. Desse modo, dos impressos bíblicos aos textos de Lamennais e Lacordaire, D. Macedo Costa elaborou seu discurso, visto aqui não como fala individual, mas como um conjunto de enunciados que se referiam, também, aos pensamentos liberal e maçônico. Retomamos, no segundo capítulo, a análise sobre as práticas e o pensamento do clero “ultramontano”, no Grão-Pará, em periódicos. Um dos objetivos é discutir os projetos do bispo nos jornais da diocese do Grão-Pará: as fontes básicas para este capítulo foram compostas de

4 A palavra “ultramontano” teve vários significados. No século XI foi utilizada para classificar cristãos que defendiam a centralização do poder nas mãos dos Papas. No século XV, os “ultramontanos” eram aqueles que criticavam o galicismo na França e, no século XIX, eles apareciam como adeptos das idéias jesuíticas de Saint Sulpice, também na França. Cf: VIEIRA, David Gueiros. O Protestantismo, a Maçonaria e a Questão Religiosa no Brasil. 2a. edição. Brasília: Editora da UNB, 1982. p. 32. Pesquisando as fontes do Grão-Pará, datadas do XIX, percebemos que o termo foi utilizado pelos liberais, muitos deles pertencente à Maçonaria, para enquadrar os padres que defendiam a infalibilidade papal, decretada com o Concílio Vaticano I, e a intervenção da Igreja em assuntos sociais. O que era ser “ultramontano” para D. Macedo Costa? A resposta possível para isso é que o bispo não se autodenominava “ultramontano”. Ao contrário, ele sabia do sentido pejorativo da palavra, sempre aplicada pelos liberais como sinônimo de atraso. Assim, utilizaremos o termo, não como os liberais, mas para identificar o tipo de pensamento de um grupo católico. Em alguns momentos não dispensamos aspas no uso dessa palavra. 9

folhas que circularam em Belém entre 1861 e 1879. A partir da análise desses periódicos, mapeamos os assuntos que já se faziam presentes nos livros de D. Macedo Costa. Os jornais da diocese publicavam textos evangélicos, anedotas, poemas, transcrições de outros jornais, trechos de livros, enfim, material rico relacionado ao pensamento “ultramontano” macedista. Esses textos ajudaram a recompor o discurso do bispo sobre diversos assuntos. Além de pensar nessas limitações, consideramos a preocupação da Igreja com as leituras que faziam os jovens, as senhoras, como também os sacerdotes, especialmente os noviços. D. Macedo Costa adverte sobre as leituras folhetinescas, mostrando que elas perverteriam os espíritos da população amazônica. Uma outra variação proibitiva advém com a censura tipográfica, que ajudou a Igreja no controle das leituras. O combate moral estava em toda a parte nos jornais eclesiásticos. Com publicações nos jornais A Estrela do Norte e A Boa Nova, o bispo do Grão-Pará procurou “moralizar”, “enquadrar” e “controlar” a população da Amazônia. Ao lado disso, ele combatia os projetos políticos dos liberais, principalmente no que se referia aos assuntos da instrução pública e do comércio. No terceiro capítulo priorizamos a análise de ofícios das autoridades eclesiásticas e relatórios de presidente de província. Nossa idéia foi pensar sobre os mesmos assuntos publicados nos livros e nos jornais de D. Macedo Costa em uma documentação mais estritamente ligada à burocracia provincial. Percebemos que havia uma formalidade maior na apresentação dos temas e uma praticidade narrativa pouco evidente nos livros, por exemplo. Os relatórios de presidente de província traziam número variado de páginas e certa regularidade nos temas, o que não impede expressão de diferentes visões de mundo. No quarto capítulo trabalhamos com um tipo de pensamento liberal, especialmente os livros de Tavares Bastos, de Joaquim Saldanha Marinho (Ganganelli) e José Coelho da Gama Abreu em diálogo com as idéias de D. Macedo Costa. O objetivo dessa análise é entender, com mais detalhes, os argumentos dos liberais em discussão com o pensamento dos 10

chamados ultramontanos. Os livros apresentados aqui foram resultados de várias publicações em jornais como o Correio Mercantil, Jornal do Comércio, do Rio de Janeiro, e, no caso do Grão-Pará, O Liberal do Pará. Percebemos que a junção dos vários artigos publicados em jornais produziu uma prolixidade nos textos quando publicados na forma de livros. Mas, além dessa observação, podemos dizer que os projetos liberais figuravam como a base dialógica em D. Macedo Costa.5 A leitura dos textos foi feita com a preocupação de mapear todas as influências literárias que apareciam nas obras do bispo e de todas as fontes que selecionamos para esse trabalho. O estudo da narrativa clerical nas fontes, tinha por base a idéia de que os textos traduzem um conjunto de enunciados antitéticos, o que nos ajudou a perceber a tensão os projetos sociais de “ultramontanos” e liberais.

5 Todas as palavras, com exceção de nomes próprios e termos estrangeiros, retiradas da documentação do período foram adaptadas à gramática atual.

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CAPÍTULO 1 D. Macedo Costa e seus escritos

Num discurso de D. Macedo Costa pronunciado em 11 de outubro de 1889 para o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro percebemos um projeto de construção nacional, fundado no Catolicismo reformador.6 Aliás, o bispo era sócio correspondente dessa instituição desde 1878, o que demonstra sua integração nos debates sobre a construção da sociedade brasileira. Mas, o que era essa “nação” para D. Macedo

Costa? Sua concepção de nação está associada à idéia de Cristandade.7 Assim, mesmo com suas especificidades, o Brasil deveria se integrar aos projetos reformadores de Roma. Esse bispo deixou, ao longo de sua trajetória episcopal, um considerável número de publicações, nas quais não só discutiu questões elementares do Catolicismo, como também apresentou um projeto social. Como trataremos da análise literária de D. Macedo Costa e de outras personagens do período, buscamos em autores como Roger Chartier, David Harlan e Dominick LaCapra algumas explicações sobre o processo de produção dos sentidos na relação entre leitor e obra. A produção de significados pelo leitor, segundo Chartier e Harlan, é múltipla, o que possibilita a significação da obra pelo leitor de várias maneiras.8 De modo mais específico, R. Chartier afirmou que as leituras produzem um universo tão variado de sentidos para os

6 LUSTOSA, D. Antônio de Almeida. D. Macedo Costa, bispo do Pará. 2ª. edição. Belém: SCULT, 1992. p. 575,576. 7 Para Riolando Azzi, a Cristandade no período colonial significava o conjunto de todos os súditos da Coroa Portuguesa, haja vista que os poderes temporal e espiritual estavam sob a égide do Padroado. AZZI, Riolando. O altar unido ao trono. Um projeto conservador. São Paulo: Paulinas, 1992. p. 5. Embora o Padroado tenha subsistido durante todo o Império, a idéia de Cristandade em D. Macedo Costa era mais restrita, ou seja, faziam parte da eclésia católica todos os que comungassem com Igreja Apostólica Romana. 8 HARLAN, David. Intellectual History and the return of literature. The American Historical Review. Vol. 94, no. 3, june 1989. p. 582. 12

leitores,9 que a recuperação da idéia original de uma obra, tal como acreditava Q. Skinner, seria uma tarefa irrealizável.10 D. LaCapra chamou a atenção para a impossibilidade de obtermos a intenção do autor numa obra, já que esta é, acima de tudo, um campo de tensões conceituais e também de intenções. Isso significa que a obra não é um conjunto unificado de idéias, com uma única intenção.11 Somamos a essa discussão, as interpretações de autores como M. Foucault, P. de Man e J. Derrida, para os quais a obra seria um sistema independente que “constitui mais do que reflete”. Sugeriam, ainda, a obra como um “mecanismo de autotransformações não intencionais”, que não apresenta

“significados estáveis e referências externas [...].”12 Isso indica a impossibilidade de recuperação de uma intenção autoral, pois a obra, à medida que é escrita e lida, alcança um campo imensurável de sentidos que escapam ao próprio autor.13 Acreditamos não em uma única intenção no conjunto literário de D. Macedo Costa, mas em intenções orientadas também por práticas. Podemos afirmar que esse trabalho procura entender a construção do pensamento de D. Macedo Costa, numa

9 CHARTIER, Roger. O mundo como representação. Estudos Avançados. 11(5), 1991. p. 179. 10CHARTIER, Roger. “Textos, Impressão, Leituras.” In: LYNN, Hunt. A nova história cultural. Trad. de Jefferson Luiz Camargo. São Paulo: Martins Fontes, 1992. p. 214. David Harlan afirma que há os chamados “românticos da hermenêutica” como Q. Skinner, que acreditam ser possível o resgate da idéia original de uma obra, ou melhor, da intenção original do autor ao ter escrito seu livro. “A apropriação por Skinner da hermenêutica levou-o a insistir em que a primeira responsabilidade do historiador é reconstituir as intenções primárias do autor, em que a mensagem real do texto seria encontrada.” Cf: HARLAN, David. Ibid.p. 584. 11 LACAPRA, Dominick. Rethinking Intellectual History: Texts, Contexts, Language. Ithaca. New York: Cornell University Press, 1983. p. 58. 12 HARLAN, David. Op. Cit. p. 585. 13 Por exemplo, em 1933, o padre Antônio Lustosa publicou uma biografia sobre D. Macedo Costa enaltecendo seus feitos e resistência ao Estado na Questão Religiosa e nos conflitos com os chamados liberais-maçons em Belém. A leitura de D. Antônio Lustosa é apaixonada, a seleção dos documentos produzidos por e sobre D. Macedo Costa é na maior parte intercalada de um elogio ou uma palavra enaltecedora. Por outro lado, a interpretação que os autores da CEHILA (Centro de Estudos de História da Igreja Latino-americana), na década de 1970, fizeram de D. Macedo Costa é contrária a de D. Antônio Lustosa, ou seja, suas análises enfatizam o Bispo como expressão de uma Igreja opressora e alheia ao universo popular. 13

temporalidade ditada pelas letras e pelas experiências do bispo acumuladas na diocese do Grão-Pará. Esse bispo articulou suas estratégias discursivas para manter-se atuante num universo de idéias que contrastava com um determinado modo católico de pensar o mundo. Em termos mais precisos, tentamos entender como D. Macedo Costa, a partir de sua produção literária de natureza diversa, constituiu pensamentos que fundamentaram a reconquista do campo de devoção católica, mesclada com “projetos” de transformação sócio-cultural. Para tanto, estudamos a construção intelectual do bispo, que deixou um considerável acervo sobre temas diversos. Não há como compreender isso sem perceber as matrizes de sua criação literária.14 Analisamos livros, ofícios, artigos e notícias veiculadas pela Diocese do Grão-Pará, entre 1863 e 1890, nos quais percebemos a preocupação em representar a “sociedade brasileira” e, especificamente, a “paraense”. Verificamos, também, que essa documentação contém um universo de temas interligados. Dos assuntos discutidos na documentação, destacamos os seguintes: família, moral, mulher, educação, dogmas clericais, miséria moderna, idéias naturalistas, formação intelectual dos padres, adultério, celibato, seminários, imigração e colonização da Amazônia. Autores como Riolando Azzi e Eduardo Hoornaert consideram o

“projeto macedista” conservador e elitista; 15 no entanto, a palavra reforma é uma das mais utilizadas nos textos do bispo do Grão-Pará, expressando os planos de transformação da Amazônia em uma “civilização católica” segundo os padrões romanos. A partir disso, nosso intuito é encontrar nos textos de D. Macedo Costa a combinação literária que

14 Para H. Bloom, por exemplo, um dos maiores cânones do ocidente é Shakespeare, núcleo inspirador para os autores que o sucederam, embora ele acredite na existência de um ou mais cânones. Cf: BLOOM, Harold. A Angústia da Influência. Uma teoria da poesia. Trad. de Marcos Santarrita. 2a. edição. Rio de Janeiro: Editora Imago, 2002. p. 14. 15 AZZI, Riolando. O altar unido ao trono. Um projeto conservador. São Paulo: edições paulinas, 1992. p. 29. 14

fundamentou tais planos. Para isso, dispensamos os termos reducionistas sobre esta ou aquela personagem. Segundo H. Bloom, os cânones funcionam como fonte de pensamento para a tradição literária contemporânea.16 D. Macedo Costa também constituiu seus cânones, formadores de base intelectual para seus pensamentos e ações. Acreditamos que o conjunto do pensamento macedista associou textos do mundo antigo, medieval e moderno, numa combinação adaptada ao seu tempo para “combater” a chamada laicização das instituições político-sociais. Além disso, o leitor dos cânones que, muitas vezes, é também um autor, possui uma relação de amor e ódio com seus precursores, uma vez que ao apropriar-se17 de suas idéias, mesmo com variações, guarda consigo a vontade de superá-las.18 Tal influência, que segundo H. Bloom é uma palavra reveladora de um relacionamento, internalizado ou não pelo escritor a posteriori, é a chave para entender a tradição literária ocidental. Dessa forma, o escritor não escapa do chamado cânone ou ‘grande texto’, nas palavras de D. LaCapra, pois sua idéia é forte e duradoura. O escritor apropria-se dela e procura interpretá-la de forma criativa, porém limitada.19 É possível pensarmos, portanto, em “cânones” católicos e não católicos, que criaram um tipo de mentalidade sobre o século XIX, do chamado clero “ultramontano”, cuja preocupação era projetar um modelo de sociedade que não fosse enquadrado nos moldes capitalistas propagados, na maioria das vezes, pelos chamados “emissários do demônio”. D. Macedo Costa como

16 BLOOM, Harold. Op. Cit. p. 14. 17 Sobre a idéia de apropriação podemos entender um conjunto de signos e símbolos que se constituem socialmente por meio das instituições políticas e culturais, tal como afirmou Roger Chartier, “A apropriação, tal como a entendemos, tem por objetivo uma história social das interpretações, remetidas para as suas determinações fundamentais (que são sociais, institucionais, culturais) e inscritas nas práticas específicas que as produzem.” Cf: CHARTIER, Roger. História Cultural: entre práticas e interpretações. Lisboa: DIFEL, 1990. p. 26. 18 Ibid. p. 23. 19 Ibid. p. 56. 15

representante do Catolicismo recorria a imagens e conceitos que há muito fazem parte da linguagem teológica.

1.1 Modernidade

As referências intelectuais em D. Macedo Costa vão desde os textos bíblicos aos chamados modernos. A partir da leitura de suas obras, nas quais aparecem temas como família, educação, “civilização cristã”, crítica ao capitalismo e idéias “heréticas”, propomos uma interpretação do pensamento do bispo na construção de uma sociedade não capitalista. As obras são estruturadas a partir de um quadro múltiplo de assuntos, que mesclam o velho e o novo, o passado, o presente e o futuro, como solução para os problemas da humanidade de sua época. Nesse sentido, há que se pensar na pluralidade autoral que influiu nos escritos do bispo e o significado que ele conferiu aos temas tratados. Uma das influências nos textos de D. Macedo Costa é F. Lamennais. A posição desse intelectual era controversa no meio católico, pois questionava a infalibilidade papal em assuntos eclesiásticos, tão propagada pelo bispo do Grão-Pará. Mesmo assim, algumas idéias de Lamennais foram apropriadas pelo bispo, levando-o a inserir o autor francês na lista de leituras apropriadas aos sacerdotes. Logo no início de sua trajetória, F. Lamennais20 escreveu contra os abusos do Estado no livro Palavras de um homem de fé e contra os padres que seguiam o galicismo e o jansenismo na França, na obra Tradição da Igreja sobre o bispado, em 1813. Entre 1817 e 1823, publicou Ensaios sobre a indiferença em matéria de religião, colocando em evidência

20 Lamennais nasceu em Saint-Malo em 1782, numa família de um armador rico que tinha um título de nobreza, dado por Luis XIV. Seu irmão, Jean-Marie, o conduziu à vida religiosa, iniciada aos vinte dois anos. Mais tarde, foi eleito representante na Assembléia Constituinte de Paris, defendendo uma espécie de Catolicismo social. Cf: LAMENNAIS, Félicitè de. Palavras de um homem de fé. Trad. de Marina Appenzeller. São Paulo: Martins Fontes, 1998. p. VI-X, XV. 16

suas idéias sobre a moralização da Igreja e do laicato, criticando o materialismo que avançava na Europa. Em 1824, C. Montalembert fundou o Memorial Católico, cuja publicação mensal divulgava idéias próximas às de F. Lamennais e de H. Lacordaire. Além desses, F. Lamennais escreveu Da religião, considerada em suas relações com a ordem política e civil, em que discutia a democracia e as relações entre o Estado e a

Igreja.21 Apesar da intensa propaganda em favor do Catolicismo, contraditoriamente, o livro Palavras de um homem de fé foi duramente criticado pela Santa Sé, com a acusação de incitar a desordem social. Em 1837, F. Lamennais afastou-se do clero, experiência relatada no livro Os negócios de Roma. Por causa de suas publicações, teve que pagar multas ao Estado, além de ter sido preso pela mesma acusação referida acima.22 Em sua visão, o mundo moderno vivia em agonia e a população na miséria, daí a necessidade de falar a favor do povo.23 Algumas passagens de Palavras de um homem de fé anunciam a catástrofe do mundo, com seus governos decadentes e um futuro incerto. F. Lamennais afirmou ter sido transportado, em sonho, para um passado remoto, um lugar onde os homens viviam felizes e em comunhão. No entanto, nesse sonho, a felicidade foi abalada pelo sussurro da serpente, a partir do qual alguns homens ergueram-se e disseram que eram reis.24 As críticas à desigualdade social e ao individualismo capitalista estão explícitas nos textos de F. Lamennais, quando escreveu, por exemplo: “Se, na colméia, uma abelha dissesse: todo o mel que está aqui é meu, e assim dizendo passasse a dispor como bem entendesse dos frutos do trabalho comum, o que seria das demais abelhas? A terra é como uma grande colméia e os homens como abelhas.”25 Para Lamennais, com o capitalismo, a propriedade privada e a exploração do homem pelo homem surgiu a miséria social. Ele propunha a

21 Ibid. p. VI-X. 22 Ibid. p. XV. 23 Ibid. p. 2. 24 Ibid. p. 9. 25 Ibid. p. 15. 17

construção de mundo idealizado cuja base estaria no princípio associativo. “Não sejais como a planta e como a árvore solitárias: uni-vos, apoiai-vos e protegei-vos mutuamente.”26 Além de pensar esse tipo de relação como a melhor forma de sobrevivência humana, Lamennais legou ao padre a liderança na condução da sociedade. Quando os governos se revelassem brutos e tirânicos, caberia aos prelados atenuar essa brutalidade. As sedições sem objetivo seriam apenas revoltas apaixonadas, fruto do espírito da ignorância humana, que não resolveriam a desigualdade social. O sistema industrial europeu produziu uma massa de pobres sem destino, que vivia nas principais cidades a pedir esmolas. A promessa do progresso humano nos discursos filosóficos contrastava com a “dura realidade” das cidades centrais do velho mundo. No trecho abaixo, percebemos como Lamennais pensava a pobreza e sua solução:

Daí decorre que, sem uma mudança total no sistema industrial, uma sublevação geral dos pobres contra os ricos seria inevitável e que, transformada por completo, toda a sociedade pereceria entre convulsões espantosas. Quero assinalar aqui a profícua carreira que em breve se abrirá ao sacerdócio, chamado a servir, com meios novos, a parcela sofredora da humanidade; uma vez que seja desenvolvido um sistema de colônias agrícolas – já experimentado com êxito – como aplicando na indústria o princípio de associação, para benefício do pobre, seja concatenado os trabalhas industriais com os serviços de cultivo, numa feliz combinação, a intervenção do sacerdote será igualmente necessária, não apenas para dotar essa associação do caráter moral do qual dependem sua utilidade política e sua prosperidade material, como também para que um terceiro desinteressado sirva de laço entre as duas partes que deverão contratar, entre o rico que proporciona a terra e o dinheiro e o pobre que só pode oferecer seu trabalho ao fundo comum.27

As idéias de Lamennais sobre a utilização de um sistema de comunidades agrícolas foram apropriadas por D. Macedo Costa na análise

26 Ibid. p. 17. 27 LAMENNAIS, Félicitè de. “Questions Politiques et Philosphiques” apud SABORIT, Ignasi Terradas. Religiosidade na Revolução Francesa. Trad. de Sieni Maria de Campos. Rio de Janeiro: Imago Ed, 1989. p. 82. 18

do devir dos povos da Amazônia, que também estariam sofrendo com a exploração da borracha e dos comerciantes locais, tidos como servos das demandas industriais européias. Influenciado pelos escritos de Lamennais, D. Macedo Costa propunha um novo direcionamento para a extração do látex na Amazônia. Como não podia acabar a atividade, afirmava que os recursos dessa exploração deveriam ser aplicados à formação de colônias agrícolas, capazes de fixar o caboclo, o índio e mesmo o imigrante a terra e formar as bases da família e da moral. Era preciso, constituir uma comunidade católica que dependesse não da economia extrativa, mas da agricultura, alicerce da organização, tendo no sacerdote a liderança necessária.28 Era difícil para o bispo argumentar o fim da economia extrativa, pelo simples fato que nos textos políticos ela era considerada a responsável pela alta receita provincial. Alguns autores que analisaram o processo de crescimento da coleta do látex são unânimes em dizer que a Amazônia sofreu grandes transformações, principalmente com a chegada de imigrantes nordestinos, a partir de 1870. Muitos trabalhadores vinham sem família e, ao serem levados para o Alto Amazonas, embrenhavam-se nas florestas para extrair a goma elástica. Os mestiços e caboclos locais constituíam família com as índias e mestiças sem o sacramento da Igreja. Estas mulheres, em geral, eram responsáveis pelo cultivo e pelos afazeres domésticos. Os nordestinos que exploravam a floresta eram solitários e desprovidos de recursos.29 Análises como a de

28 WEINSTEIN, Bárbara. A borracha na Amazônia: expansão e decadência (1850- 1920). Trad. de Lólio Lourenço de Oliveira. São Paulo: Hucitec, 1993. p. 140, 141. Mesmo D. Macedo Costa, que muitas vezes criticou a economia extrativa como a responsável pela imoralidade e degeneração da família, não pregava o fim da exploração da borracha, mas a utilização de seus recursos em benefício da moral e da educação dos trabalhadores na floresta e nas colônias agrícolas. 29 REIS, Arthur C. F. O seringal e o seringueiro. Rio de Janeiro: Ministério da Agricultura. Serviço de Informação Agrícola, 1953. p. 122, 123. “Os seringueiros, no seu infortúnio, encomendavam aos “patrões” e estes às “casas aviadoras”, mulheres, como encomendavam gêneros alimentícios, utensílios, roupas.” 19

Euclides da Cunha e Arthur Reis traduzem uma imagem do homem e da mulher amazônicos que já aparecia nos escritos do bispo do Grão-Pará. Em 1863, D. Macedo Costa publicou no jornal A Estrela do Norte, um texto de seis capítulos, no qual o conteúdo se refere ao modelo de sociedade pensado por um prelado anônimo, supostamente italiano. Esse padre teria viajado para a Amazônia e descrito a situação em que viviam os seringueiros. Nessa narrativa, o padre exaltava a escassez da alimentação no seringal e o sofrimento enfrentado pelos trabalhadores. Estes viviam enfermos e sem utensílios para a sobrevivência básica. Podemos dizer que D. Macedo Costa utilizou essa narrativa para criticar a economia gomífera e seus vetores, bem como o sistema capitalista internacional que a alimentava.30 Não era só D. Macedo Costa que escrevia sobre a penúria das populações do Norte. Havia uma afirmação recorrente, principalmente nos relatórios de presidentes de província, de que Belém sofria com falta de alimentos, especialmente dos gêneros de primeiras necessidades, o que era um motivo de preocupação para os políticos locais. Em 1881, por exemplo, o relatório de Gama Abreu, tido como crítico de D. Macedo Costa, descrevia a carestia e a falta de alimentos em Belém, apesar da existência de alguns núcleos rurais nos arredores dessa cidade. Segundo ele, o Grão-Pará, embora tivesse terras férteis, possuía a pior alimentação do Brasil.31 Alguns políticos paraenses, de acordo com Bárbara Weinstein, eram favoráveis a vigência dessas colônias; outros achavam que os problemas da capital seriam resolvidos com a exploração da borracha. Gama Abreu não acreditava que as colônias agrícolas resolvesse o problema do abastecimento na capital.32 Gama Abreu dizia que tais colônias consumiriam muito a receita local, desviando os poucos recursos da Província. Talvez com essa

30 O OURO. A Estrela do Norte. 01/02/1863. Belém, no. 5, p. 57, 58. 31 Relatório apresentado à Assembléia Legislativa Provincial na 2a. sessão da 22a. legislatura por José Coelho da Gama e Abreu. Grão-Pará/Belém: Tip. do Diário de Noticias, 1881. p. 124. 32 WEINSTEIN, Bárbara. Op. Cit. p. 124. 20

afirmativa ele quisesse defender os negócios rentáveis da borracha. No seu relatório, Gama Abreu disse que iria reduzir os gastos com os núcleos agrícolas e investir no comércio, que para ele, era mais rentável.33 Ao contrário, o bispo paraense via nesses núcleos a possibilidade de concretizar um ideal por acreditar que a população, vivendo em colônias agrícolas, criaria fortes laços familiares, facilitando a observância da moral católica. Escritos de vários gêneros foram lidos pelo bispo, a partir dos quais constituiu seus argumentos sobre os problemas da região amazônica. Suas idéias a respeito do perigo “moderno”, da miséria humana, da economia exploradora encarnada no capitalismo, dos projetos de imigração, foram importantes na constituição de uma crítica, que não significou muito para os que, preocupados apenas com os programas liberais, não enxergaram outras narrativas do século XIX. D. Macedo Costa, interpretando Lamennais, confrontou-se com o sistema de exploração capitalista e com o comércio exploratório da Amazônia. A

“contaminação”34 de Lamennais em D. Macedo Costa, certamente produziu um tipo de interpretação apropriada às experiências do bispo na diocese do Grão-Pará.

1.2 Família

Os livros de D. Macedo Costa traduzem vontades e projetos para modificar o relacionamento humano no mundo, não em qualquer mundo, mas no universo “burguês”, referente sempre presente em seus escritos. O chamado mundo “burguês” estava em seu imaginário, já que os valores e as historietas de cunho moralista em que se apoiava diziam respeito à sociedade européia moderna. No entanto, ele tentava encontrá-la no Brasil ou, mais especificamente, na Amazônia. Um primeiro trabalho que

33 CRUZ, Ernesto. História do Pará. vol. 2º. Belém: Governo do Estado do Pará, 1973. p. 617. 34 BLOOM, Harold. Op. Cit. p. 1. 21

analisamos foi O Livro da Família, no qual o bispo desenvolveu idéias sobre regras conjugais. A Bíblia, em algumas de suas passagens, constituiu elemento das análises do bispo sobre comportamento sexual dos indivíduos, fundamentalmente da mulher. Em 1875 D. Macedo Costa escreveu um opúsculo chamado Deveres da Família, que foi publicado na tipografia do jornal O Apóstolo, mas desejava o prelado um livro mais denso e de maior alcance. Assim, por volta de 1879, criou O Livro da Família, cuja trajetória é curiosa: no início do século XX, sua sobrinha, Maria Francisca de Macedo Costa, doou todos os documentos pertencentes ao bispo do Grão-Pará que se encontravam na cidade natal (/) ao Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB), que em 1930 pelo centenário de nascimento de D. Macedo Costa publicou O Livro da Família.35 No meio do acervo doado por Francisca de Macedo Costa, havia uma carta dirigida ao Barão Santa Nery por Francisco de Macedo Costa, irmão do bispo do Grão-Pará. Na carta, Francisco teria dito que o bispo ficou insatisfeito com algumas passagens do texto e com uma gravura, motivo pelo qual a primeira tentativa de publicação foi interrompida por D. Macedo Costa.36 Essa gravura foi alvo de insatisfação, pois o autor desenhou uma imagem que não condizia com o conteúdo que o bispo pretendia representar:

35 MORAES, E. Vilhena, [Prefácio] In: COSTA, D. Macedo. O Livro da Família. p. III a VIII. 36 Ibid. p. VII. 22

[Reprodução do original do Livro da Família de D. Macedo Costa]

A imagem acima traduz a representação de uma família, aparentemente comum, que segue numa estradinha em meio à floresta. O pai carrega uma foice, tendo um menino ao seu lado, e a mãe traz uma cesta de alimentos, segurando uma criança no colo. O bispo não queria que a imagem da família tivesse como tema homens comuns, mas figuras da nobreza. O sentimento católico não deveria ser representado por uma família comum, mas por indivíduos de insigne real. Ela deveria ser Isabel, filha de André II, rei da Hungria; ele Ludovico, seu esposo, que partia rumo à Terra Santa para combater os “infiéis”. Vestidos com trajes campônios, ninguém reconheceria que se tratava de uma família real. Mas, com nobres ou não, a imagem abre a discussão sobre o sentido do matrimônio e define os papéis do homem e da mulher na 23

sociedade. Os perfis dessas personagens deveriam inspirar o leitor a uma vida cristã e devotada.37 Embora seja fácil inferir que a publicação da diocese do Grão- Pará fosse direcionada ao público católico, não temos como saber que pessoas liam esse tipo de textos, já que as referências sobre isso são vagas. D. Macedo Costa afirmou que o público a que se destinavam seus escritos era o conjunto de habitantes de sua diocese, o que explica talvez o uso de imagens, textos de fácil assimilação e o uso de contos e anedotas nos livros. Uma grande parte de O Livro da Família foi composta de passagens bíblicas, extraídas do Pentateuco e do Novo Testamento. Esses textos parecem ter um caráter pedagógico, eivados de lições morais e de conselhos para promover a mudança nos costumes no seio familiar. D. Macedo Costa utilizava a literatura como instrumento de “civilização” moral. Assim, a família era, para o diocesano, um dos pilares para a conservação da moral católica, numa sociedade cada vez mais dessacralizada. Ela não era somente a célula básica da sociedade; era também a da espiritualidade. Nessa concepção, não se pode pensar essa instituição como um grupo de pessoas reunidas na terra, mas um conjunto de almas que, juntas, trabalham para a sua purificação. Nesse quadro, os homens precisavam remir-se perante Deus, uma vez que sua origem, desencadeou toda a tristeza e sofrimento do mundo.38 De acordo com a tradição cristã, as regras espirituais e temporais do matrimônio estavam dadas desde os “primeiros tempos”. Caberia aos descendentes de Adão apenas segui-las, para que alcançassem a felicidade. Em termos mais específicos, a ligação matrimonial entre diferentes não resultaria em união perfeita. Nesse caso, o casamento já estaria comprometido pelas disparidades, desníveis e discórdias, que levaria ao seu fim ou à infelicidade do casal. Um casamento entre um fidalgo e uma plebéia, entre uma mulher rica e um homem pobre,

37 Ibid. p. VII e VIII. 38 Bíblia de Jerusalém. Tradução do texto em língua portuguesa dos originais. São Paulo: Editora Paulinas, 1973, publicada sob a direção da Ècole Biblique de Jerusalém. (Gn. 2, 3) p.33,34. 24

entre um jovem e uma idosa, subverteria, na opinião do bispo, a ordem das coisas. A harmonia matrimonial consistia, na sua visão, numa lógica criada pela moral católica, que respeitava critérios como posição social e idade. A base da idéia de igualdade para a formação de uma família foi inspirada no livro do Gênesis, na passagem que diz o seguinte: “que Deus deu a Adão mulher semelhante a si.39 A recomendação do bispo sobre o casamento entre iguais adequava- se às condições da elite paraense da segunda metade do século XIX. Pelo menos foi o que sugeriu o texto de Rosa E. Acevedo Marin, no qual a autora afirmou ter existido uma espécie de “endogamia de classe” entre os paraenses das camadas abastadas. A família deveria ser constituída levando em consideração os bens disponíveis que o casal reuniria e perpetuaria entre os seus.40 É importante considerar que a família brasileira não era composta apenas pelo casal e filhos, mas por estes e parentes. Segundo Ian Watt, a família burguesa na Inglaterra e na França do mesmo período era formada por casal com filhos, diferente da tradicional forma de convivência, cujo ajuntamento às vezes não dependia de laços de parentesco.41 Mas, na sociedade brasileira a família ainda contava com o elemento servil na esfera de relação. 42 As famílias fundiárias no Grão-Pará são apontadas por Rosa Marin como detentoras de poder econômico e político e que a partir de um determinado momento os comerciantes tornaram-se figuras mais evidentes. Nesse quadro, montado pela autora, os negócios tinham uma papel importante na união matrimonial. D. Macedo Costa, ao defender a

39 Ibid. (Gen. 2, 18). P.34. 40 MARIN, Rosa Elizabeth Acevedo. Alianças Matrimoniais na Alta Sociedade Paraense no século XIX. Estudos Econômicos, no. 15, 1985. p. 155, 160. 41 WATT, Ian. A ascensão do romance. Estudos sobre Defoe, Richardson e Fielding. Trad. de Hildegard Feist. São Paulo: Companhia das Letras, 1990. p. 124. 42 De acordo com Felipe de Alencastro, no Segundo Reinado a ordem familiar não excluía o escravo. Isso não quer dizer que ele possuía algum privilégio, mas que fazia parte do universo de convivência. Ver: ALENCASTRO, Luiz Felipe de. Vida privada e ordem privada no Império. ALENCASTRO, Luiz Felipe (Org.) & NOVAIS, Fernando (Dir). História da vida privada no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1997. p. 16,17. 25

moral no casamento, dizia que a diferença social e econômica era um dos principais motivos de discórdia entre o casal, recomendando, assim, a separação das classes no matrimônio. Além dos conselhos relacionados à procura do par ideal, há referências em O Livro da Família sobre o engano que seria para o homem casar com mulheres “jovens e formosas”, já que a aparência dessas mulheres era uma “capa enganadora”. A mulher ideal, nessa concepção, é aquela que segue as regras da religião, teme a Deus e sabe como cuidar do marido e de seus filhos.43 Já nos referimos à imagem que aparece nas primeiras páginas do O Livro da Família, em que um casal com filhos caminham numa estrada. Naquela gravura, a mulher é resignada, segue seu marido e anda de cabeça baixa. Isso seria o melhor que uma mulher poderia dar ao seu esposo, ou seja, submissão e obediência. Guacira Lopes Louro acrescenta a isso a importância da mulher nos projetos modernos tanto da Igreja Católica quanto de grupos políticos. Era preciso prepará-la melhor a fim de formar novos cidadãos católicos, daí o incentivo à educação focando nos conhecimentos necessários ao desempenho das atividades domésticas.44 Tomando por base essa afirmação, podemos dizer que a mulher, mesmo sendo incentivada a freqüentar escolas e a obter o diploma de professora primária, não escapava do discurso que a tornava submissa ao homem. A mesma mulher que estava na sala de aula aprendendo atividades do lar, por exemplo, não escolhia seu destino conjugal, já que o compromisso matrimonial era decidido entre o interessado e o pai da moça.45 Até o final do século XIX, as únicas “mulheres de respeito”

43 Bíblia de Jerusalém. Op. Cit. (Prov. 31). p. 1163,1164. 44 LOURO, Guacira Lopes. Mulheres na sala de aula. PRIORE, Mary Del. (org.). História das Mulheres no Brasil. 5ª. edição. São Paulo: Contexto, 2001. p. 446, 444. Segundo a autora, a partir de 1827 os legisladores incentivaram a criação de escolas de primeiras letras, nelas meninos e meninas aprendiam noções de saúde, higiene, moral e matérias do conhecimento geral, no caso específico da mulher, o ensino era centrado nas tarefas da casa. 45 COSTA, D. Macedo. O Livro da Família. p. 36. 26

que atuavam em profissões fora do lar eram as freiras, cuja função estava estritamente ligada ao Catolicismo.46 Por outro lado, D. Macedo Costa afirmava que todos os homens precisavam seguir as leis morais, mas sua preocupação maior era com os casados. A família era considerada, nessa perspectiva, a força central da formação humana. Daí porque ela era a base de interesse do Catolicismo, uma vez que a partir dela nasceriam os novos membros da eclésia católica. Em outro texto, D. Macedo Costa afirma que aos pais cabia imprimir uma educação rigorosa em seus filhos:

[...] Se um pai tem filhos, e lhes dá sã doutrina e bons exemplos; se os educa nos ditames da moral e da religião, os filhos crescem com hábitos de vida séria e regulada, obedientes trabalhadores, amorosos, ajudam seu velho pai, e a família prospera e nada na abundancia. Mas se os pais os acostumam desde pequenos á embriaguez; se os deixam corromper-se nas danças lascivas [...] estes filhos tornam-se uns vadios, uns devassos, uns indolentes, uns ingratos [...].47

Mas, não era só com as pessoas que viviam na cidade que o bispo se preocupava. Há referências também sobre como os clérigos atuavam junto aos homens do campo, da floresta, enfim, distantes da educação familiar citadina. O bispo ressaltava as aventuras dos antigos missionários dedicados à catequese, como, por exemplo, os capuchos e os jesuítas. A verdadeira época das missões, nas palavras de D. Macedo Costa, viera com o padre Antônio Vieira, a partir de 1653, quando este chegou ao Grão-Pará trazendo uma carta régia que ordenava o início da catequese indígena. Segundo D. Macedo Costa “a obra gigantesca das missões apenas começava, progredia no meio das contradições com que lutavam operários evangélicos.”48 Vieira foi retomado pelo bispo como alguém que lutou pela integridade da Igreja, assim como pela

46 NUNES, Maria José Rosado. Freiras no Brasil. PRIORE, Mary Del. (org). História das Mulheres no Brasil. 5ª. edição. São Paulo: Contexto, 2001. p. 482. 47 COSTA, D. Macedo. A Amazônia: meio de desenvolver sua civilização. 3a. edição. Rio de Janeiro: Tip. Leuzinger e Filhos, 1884. p. 70. 48 CATEQUESE. A Estrela do Norte. 31/05/1863. p. 170, 171. 27

permanência dos trabalhos missionários na região amazônica. “Vieira, propugnador infatigável da liberdade dos índios, fazia a veemência do seu zelo à alma dos mais vigorosos ataques, dirigidos contra o baluarte das missões.”49 Por outro lado, autores importantes do pensamento moderno foram mencionados algumas vezes pelo bispo, entre os quais J. J. Rousseau. D. Macedo Costa o criticou por não considerar a natureza divina da família. Segundo o bispo, a família é o elemento básico da sociedade, a figura central do equilíbrio entre os homens: “a constituição da família não é cousa arbitrária, é de direito natural e Divino, positivo, estando às relações dos seus membros entre si já determinadas do modo mais preciso pelos ditames da lei natural e evangélica, autenticados no ensino da Igreja.”50 J. J. Rousseau, em Do Contrato Social: “A mais antigas de todas as sociedades, e a única natural, é a da família.”51 A diferença é que para Rousseau o contrato é feito entre os homens, afastando Deus do elo de negociação. D. Macedo Costa caracterizou a família como “coisa sagrada”. Em sua visão, seria necessário “incutir nas almas nestes tempos em que doutrinas perversas os atacam, os rejeitam, os vilipendiam como mofenta herança dos séculos de obscurantismo. Sem as lições do cristianismo a Família como instituição estaria fadada ao desaparecimento.”52 Nesses termos, o bispo reiterava a natureza divina da sociedade, mostrando, assim, a importância em mantê-la sob o controle da Igreja. A família, para o bispo do Grão-Pará, foi constituída a partir da aliança entre Deus e Adão, isso significou o primeiro contrato.53 Mas, a desobediência da mulher teria levado ao rompimento desse contrato, que havia sido restabelecido por Abraão,

49 Ibid. Loc. Cit. 50 MORAES, E. VILHENA [Prefácio] In: COSTA, Macedo. O Livro da Família. p. XXVI. 51 ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do Contrato Social: Ensaios sobre a origem das línguas; Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens; Discurso sobre as ciências e as artes. Trad. de Lourdes Santos Machado. 3a. edição. São Paulo: Abril Cultural, 1983. p. 23. 52 COSTA, D. Macedo. O Livro da Família. p. 4,5. 53 Bíblia de Jerusalém. Op. Cit. (Gn. 2). p. 33. 28

Moisés e, posteriormente, por Jesus Cristo. Este último é diretamente identificado com os propósitos da Igreja Católica:

[...] A Igreja é, pois, a nova Eva, que sai no Calvário, diz ele [S. Paulo] do lado ferido do novo Adão, toda formosura, sem macula, nem ruga (sic), lavada na água de seu coração, e revestida na púrpura de seu sangue. O Homem-Deus a produz adormecida nos braços da Cruz. Recebe-a por esposa; deixa seu pai e sua mãe para unir-se a esta esposa querida, a quem entregou seu corpo, seu sangue, sua divindade, casando-se com ela, na comunhão eucarística.54

O matrimônio não é tema exclusivo nos escritos de D. Macedo Costa, mas aqui ele se torna importante, pois, os liberais, segundo ele, propagavam seus projetos de casamento civil, assunto recorrente em outros documentos do século XIX. Entre os projetos divulgados pelos liberais, através do Clube da Reforma,55 estava a instituição do casamento civil, sem qualquer intervenção sacerdotal.56 Na ótica de D. Macedo Costa, o chamado “casamento moderno” era ímpio e, portanto, impraticável. O bispo mostrava que a secularização do matrimônio era uma catástrofe para a ordem familiar, já que se o homem não temesse a Deus, poderia praticar adultério. Esse argumento fundamentava a intervenção da Igreja no casamento. Para o bispo, o marido sem rédeas cristãs, baseado apenas na moral civil, via-se livre dos castigos após o rompimento do compromisso matrimonial. Em outros países como a Inglaterra, Estados Unidos, Prússia e França a permissão dos divórcios teria aumentado o número de adúlteros, além da prática poligâmica defendida pelos adeptos do mormonismo.57

54 COSTA, Macedo. Op. Cit. p. 10. 55 O Clube da Reforma foi fundado na década de 1860, na casa de Tavares Bastos. O objetivo era discutir as estratégias políticas dos projetos liberais para assuntos como reforma eleitoral, secularização do casamento, do ensino, entre outras coisas. Cf: HOLANDA, Sérgio Buarque. (org.). História Geral da Civilização Brasileira. São Paulo: DIFEL, 1983. p. 119. 56 A IGREJA e o Estado e o casamento civil. A Província do Pará. Belém. 17/08/1877, no. 412. p. 2. 57 CRÔNICA Religiosa. A Estrela do Norte, 25/01/1863. Belém. nº 4. p. 32. 29

[...] Basta que esta novidade de casamento civil, com que se saíram os modernos, sobre ser ímpia é funestíssima, pelas conseqüências desastrosas que dela redundam à família transfigurada pela pureza do Evangelho, para restabelecer em seu lugar a família pagã, a família afogada no sensualismo. Tirai o Sacramento, tirai a graça, tirai Deus; baseai a família em uma simples escritura de tabelião; entregai a vossa filha a um homem por um simples escrito de venda, como se faz com um lote de gado, ou com uma partida de fazendas; quem suavizará a esta pobre infeliz os diuturnos incômodos da gravidez, as dores cruciantes do parto, os contínuos desvelos, trabalhos e consumições com a amamentação, educação, instrução e guarda de seus filhos?.58

Com o propósito de estabelecer uma ordem que deveria reinar no âmbito da família, D. Macedo Costa, apropriando-se de Santo Agostinho, comparou a instituição familiar a uma orquestra em que todos os instrumentos têm sua função. É importante salientar que, segundo o bispo, em lugares onde não havia existido o Cristianismo como religião, as relações eram pagãs e imorais, portanto caóticas, o que comprometia a existência sólida da família.59 No trecho abaixo, retirado por D. Macedo Costa de S. Agostinho, há a comparação entre uma orquestra e a família, mostrando que cada um de seus membros possui uma função, a fim de estabelecer a ordem social.

É a família um concerto; ora, em um concerto, o belo, o harmonioso, resulta de fazer cada qual bem a sua parte. É comparação graciosa de S. Agostinho. Notai, diz discretamente o santo Doutor, como um coro de músicos, divertidíssimas sortes de instrumentos e vozes tocam e cantam, com variedade de sons agudos, graves, médios; e sem embargo fazem todos juntos maravilhosa consonância. Porque? Por que cada um executa bem a parte que lhe toca. O baixo não sobe ao agudo, nem o agudo desce ao médio, e todos vão de concerto. Execute cada qual em casa a sua parte; mande quem pode, obedeça quem deve; e logo, diz S. Agostinho, a casa está em harmonia; que não é esta outra cousa mais que a ordenada concórdia do mandar e do obedecer.60

58 COSTA, D. Macedo. O Livro da Família. p. 14. 59 Ibid. p. 79. 60 Ibid. p. 46. 30

Além disso, em O Livro da Família, D. Macedo Costa desenvolveu idéias a respeito da criação dos filhos. Aliás, a educação era o segundo tema mais discutido pelo bispo. O mundo, na sua interpretação, estava impregnado de males praticados pelos homens, a educação religiosa seria a chave para a transformação íntima. O caráter dos homens na adolescência e na fase adulta adviria da forma como foram educados na infância.61 Portanto, não vemos aqui uma idéia da predestinação, mas a esperança na transformação do caráter humano por meio da educação católica. Esse é um aspecto que torna o pensamento do bispo variado e, algumas vezes, adaptado ao pensamento de sua época. 62 É importante salientar o desenvolvimento de teorias evolucionistas e do desenvolvimento humano, no século XIX, permitindo o conhecimento das etapas de transformação da mente humana. A formação moral e intelectual da criança passou a ser importante nos estudos científicos. Na Inglaterra, por exemplo, a idéia de estágios de desenvolvimento foi levada em consideração pelos especialistas, influenciando métodos de ensino aplicados nas escolas de primeiras letras. Assim como o homem genérico passava por estágios de evolução do primitivismo ao civilizado, a criança também avança do estado instintivo ao racional. O entendimento científico do funcionamento cerebral e comportamental dos homens não excluía a importância da religião como parte de moralização social.63

61 Ibid. p. 141. 62 No tema da predestinação, em particular, destacamos o pensamento de Santo Agostinho, no qual todas as características dos homens eram criadas por Deus junto com suas almas. O mundo era o reino de experiências que levaria ao despertar das percepções que se encontravam no homem em estado latente. Assim, a sabedoria, os caracteres do pensamento de cada alma estariam no homem desde o nascimento, como lembranças vagas do outro mundo. A teoria platônica sobre o despertar do conhecimento adormecido no homem, reaparece em Agostinho com as idéias das “reminiscências” e da “iluminação divina.” Cf: SANTO AGOSTINHO. Confissões. Trad. de J. Oliveira Santos e A. Ambrósio de Pina. São Paulo: Nova Cultural, 2000. p. 211. Embora D. Macedo Costa citasse os textos de Santo Agostinho, sua idéia de aprendizado não está fundada no princípio das “reminiscências” do conhecimento, mas no desenvolvimento do pensamento infantil de Fénèlon. 63 Cf: LOURO, Guacira Lopes. Mulheres na sala de aula. Op. Cit. p. 457. 31

A vigilância sobre a família sofisticou-se ao ponto de a Igreja proibir leituras consideradas “ímpias”. Essa era mais uma forma de controle da vida cotidiana dos fiéis, especialmente feminino. Os clérigos afirmavam que certos livros pervertiam o lar. A moralização dos espaços privados passava também pelo tipo de leitura que entrava nas casas. Era preciso, então, impedir a circulação dos títulos no país. Com mais detalhes, a seguinte citação advertia sobre a má leitura:

[...] seja a vigilância cristã o cordão sanitário que preserve o santuário doméstico do flagelo da imoralidade, de todas as pestes a mais temerosa. Não se admitam ai livros ímpios, heréticos, maus romances, jornais corruptores, poesias e cartas amorosas, estatuas e estampas desonestas, conversações inúteis e indecentes. O lar é um santuário; tudo nele deve respirar inocência e virtude.64

Entre as tais perversidades do gênero literário, D. Macedo Costa destacava o tema da infidelidade como aquele mais explorado pelos livros de estilo romântico. Por outro lado, havia obras que eram permitidas e que deveriam existir nas estantes “das bibliotecazinhas” dos lares de qualquer cristão. Abaixo, podemos ver que D. Macedo Costa citou alguns desses escritos, mostrando a importância deles na formação moral dos indivíduos.

Alguns pequenos tratados de economia rural e doméstica; uma historia pátria; uma historia universal; a do Antigo Testamento do Padre Sarmento; um Compêndio da historia da Igreja; o Catecismo de Guillois; o da diocese; o resumo da historia bíblica; algumas interessantes histórias de viagens; Fabiola, pelo Cardeal Wiseman; a historia de S. Isabel da Hungria, pelo Conde de Montalembert; uma boa vida dos santos; o Gênio do Cristianismo, por Chateaubriand; a descrição dos Lugares Santos, de Mislin; um dicionário de Medicina Popular, outros da língua nacional, outro biográfico; e alguns outros volumes de amena e instrutiva leitura; alguns livros de piedade, os mais perfeitos que existem como a Imitação de Cristo, de Kempis; a Introdução á vida devotada, de S. Francisco de Sales; o Guia dos pecados, de

64 COSTA, D. Macedo. O Livro da Família. p. 240. 32

Granada; enfim o livro dos livros, a Escritura Sagrada, com as notas explicativas, da qual lia aos filhos com espírito dócil e humilde, os livros e passos mais aptos a impressioná-los e a guiá-los no caminho da sabedoria.65

Por outro lado, o bispo proibia as leituras de Dumas, Sand e Victor Hugo e de outros romancistas. Essas obras eram consideradas pervertidas e provocadoras do caos moral familiar.66 Mas, quais seriam os bons livros? Seriam aqueles influenciados pela sagrada escritura; os livros produzidos pelos teólogos; ou ainda, os escritos hagiográficos.67 Essa era uma recomendação direcionada principalmente para as chamadas “filhas de família”, cuja imagem deveria se manter imaculada, principalmente depois do casamento. A preocupação do bispo era que os romances levassem as “filhas de família”68 a imitar as mulheres cômicas e as dançarinas estrangeiras, nos seus modos e nas suas luxúrias. Na ótica do bispo se as “mulheres de família” imitassem as “mulheres vergonhosas”, já não haveria mais nenhuma diferença entre estes dois gêneros de mulheres.69 Em algumas passagens de O Livro da Família, D. Macedo Costa sugere ter lido Madame Bovary de Gustave Flaubert, no qual o autor discute, entre outras coisas, a moral oitocentista francesa. Flaubert mais conhecido pelo romance Madame Bovary, que o tornou conhecido no mundo ocidental, publicou, também, Memórias de um Louco (1838), Novembro (1842), e Educação Sentimental (1845), entre outros. Dedicou-se inteiramente à literatura, o que permitiu a criação engenhosa do romance Madame Bovary, concluído em 1856 e publicado um ano depois. Esse livro atraiu o ódio da opinião pública da época, já que o escritor, em muitas passagens, brinca e critica a vida bucólica, como também, as futilidades burguesas. Ao traçar os perfis dos

65 Ibid. p. 264. 66 Ibid. p. 265. 67 Ibid. Loc. Cit. 68 Esse era um termo utilizado por D. Macedo Costa para se referir as jovens solteiras que moravam com os pais. Ao contrário, para designar prostitutas, bailarinas e atrizes o termo usado era “mulher vergonhosa”. 69 COSTA, D. Macedo. O Livro da Família. p. 267. 33

representantes da Igreja Católica, os trata como idiotas e indolentes. No final de sua vida, Flaubert mudou de estilo literário, abandonando o romance realista, passando a investir em novos estilos literários. O seu último trabalho, inacabado, foi Bouvard et Pécouchet (1881), no qual retomou, em alguns aspectos, o lado satírico e crítico iniciado em Madame Bovary. O estilo literário conhecido como romance realista surgiu segundo Ian Watt, no século XVIII, quando vários autores procuraram aplicar na narrativa de ficção, uma aproximação com fatos do cotidiano. Em geral, eles desenvolveram formas de abordar a vida social, buscando a minúcia das relações pessoais. Os grandes temas e os problemas universais da ficção anterior a este século, foram dando lugar a particularidades da vida citadina e rural e a constituição das relações de classes sociais. “Graças a sua perspectiva mais ampla os historiadores do romance conseguiram contribuir muito mais para determinar as peculiaridades, da nova forma. Em resumo consideravam o “realismo” a diferença essencial entre a obra dos romancistas do início do século

XVIII e a ficção anterior.”70 Mesmo a palavra realismo (réalisme), datada de 1835, traduz o estilo da “verité humaine” em contraposição ao idealismo poético neoclássico.71 Assim, os romancistas procuravam em nomes próprios em personagens e lugares determinados solucionar o problema da imprecisão na narrativa, isso possibilitava a interação maior entre o escrito e as realidades vividas.72 Além disso, os romances tendiam a detalhar também situações inusitadas, a descrever cenas de relações amorosas e a fomentar as fantasias dos leitores, formados especialmente de mulheres das camadas médias urbanas.73 Madame Bovary favoreceu o campo de debate da condição feminina e também dos valores da sociedade burguesa. Ema, figura central da obra de Flaubert, é a personagem que coloca o escritor em contato com seu próprio mundo. Era a alma que sonhava com a liberdade para a

70 WATT, Ian. Op. cit. p. 12. 71 Ibid. p. 12. 72 Ibid. p. 17. 73 Ibid. p. 41. 34

realização dos seus desejos proibidos, sem se preocupar com o devir daqueles que a cercavam e da sociedade em geral. Ela é uma leitora voraz de romances e pouco afeita às regras da vida conventual, que conheceu bem em sua juventude. Os livros ajudavam a jovem a sonhar e a fantasiar relações amorosas e, dessa forma, a negligenciar o aprendizado que as freiras lhe ofereciam sobre os exemplos cristãos e sobre os afazeres de uma moça que estava sendo preparada para o casamento. Após ter saído do convento e ter casado, Ema “devorava” as leituras, em seguida jantava com Carlos, seu marido, que para ela era um homem medíocre. Balzac e Sand eram seus verdadeiros companheiros, pois por meio desses autores, ela poderia saltar para além do ambiente de sua casa, a fim de viver em sua imaginação, recheada de desejos sobre um mundo que Carlos não poderia oferecer-lhe. D. Macedo Costa, ao citar Flaubert, desejava alertar as “filhas de família” sobre as ilusões que os romances criavam e que suscitavam em suas mentes. Também chamava a atenção para as leituras que poderiam levar as jovens ao delírio, o que seria perigoso para a ordem familiar, pois esse era um caminho fértil para a infidelidade conjugal e, em conseqüência, para a desmoralização social do casal. Flaubert, em tom de debate, também chamava a atenção para a influência que os romances exerciam nas mentes das jovens de seu período. A diferença em relação D. Macedo Costa é que o autor estava interessado em criticar um tipo de leitura burguesa, que acreditava medíocre. Em Madame Bovary há um diálogo entre Carlos e sua mãe sobre o comportamento de Ema. Esta afirma que o melhor seria proibir que Ema lesse romances e que iria pessoalmente tentar evitar que o livreiro lhe enviasse tais leituras.74 Desse modo, a leitura aqui parece ter uma característica bastante negativa e perigosa. Por outro lado, segundo o bispo, “a perfeita dona de casa” era aquela que, entre outras coisas, incentiva as leituras evangélicas.75

74 FLAUBERT, Gustave. Madame Bovary. Moeurs de province. Paris: Librairie Générale Française, 1963. p. 160. 75 COSTA, D. Macedo. O Livro da Família. p. 265. 35

Ao passo que os romances, já referidos acima, faziam as jovens fantasiarem relações amorosas e, dessa forma, negligenciarem os ensinamentos cristãos. D. Macedo Costa, numa parte de O Livro da Família, descrevia o que a mulher deveria fazer para manter sua casa protegida dos ímpios e das más influências. As palavras abaixo, foram expressas por uma personagem de seu livro:

Essa gente [referindo-se a Dumas, Sand e Vitor Hugo, além de outros não indicados claramente] não tem entrada em meu lar [...] Estou convencida que a leitura dos romances perverte o gosto, falseia o juízo, corrompe o coração. Esta atmosfera pura, esta concórdia de idéias e sentimentos, esta simples e casta intimidade que é o encanto da família, desaparecem desde que nela entra o romance. A esposa, a jovem, o mancebo, que se dão a estas leituras, são transportados a não sei que mundo ideal [...] vivem numa espécie de excitação febril [...].76

Na verdade, a questão não é propriamente a leitura, mas o que era lido e interpretado. A partir da análise desses romances, podemos entender a que tipo de perigo as mulheres casadas e solteiras estavam expostas na compreensão de D. Macedo Costa. Trata-se da obra A dama das Camélias, de Alexandre Dumas Filho, publicada em 1847. A antítese da “perfeita dona de casa” era a mulher que encarnava na personagem de Dumas Filho, Mademoiselle Margarite Gautier, uma prostituta parisiense que vivia à custa dos amantes. As únicas salvações possíveis para ela, no romance, eram duas: a primeira seria sentir o amor por um só homem, personificado em Armand, cuja paixão por Margarite o levou à ruína material e emocional, e a segunda seria sua morte. Ela era uma mulher doente, que padecia de tuberculose, pois vivia em bailes e teatros. Ele era um aspirante a advogado, sustentado pelo pai e emocionalmente envolvido pela prostituta. Assim, o livro de Dumas Filho discutiu o papel da mulher e do homem naquela sociedade, cuja moral e os bons costumes eram divulgados como regras inalienáveis, embora o autor

76 Ibid. Loc. Cit. 36

fosse bem mais tolerante que muitos de sua época em relação aos comportamentos ditos desviantes. O livro, como dissemos, narra a paixão de Armand e Margarite. Porém, não descreveremos o jogo amoroso, apenas mostraremos que alguns trechos da obra são importantes na compreensão de porque D. Macedo Costa lutava contra esse tipo de literatura. Uma primeira passagem se refere ao leilão dos pertences da prostituta, após sua morte. O narrador afirma que as mulheres de boa família não perdiam a oportunidade de estar em um recinto, que antes pertencia a uma meretriz. A casa das mulheres de “vida fácil” era um lugar exótico para todas as damas. As senhoras ouviam falar das prostitutas, de sua vida e seus amores, o que atraía suas atenções para essas mulheres. Dumas Filho asseverou que essas damas desejavam, pelo menos por alguns instantes, ter uma vida de prostituta. Talvez, observações como essas tenham preocupado o bispo. Em outras passagens do livro de Dumas Filho, encontramos referências que devem ter agredido um leitor como o bispo.

Não se trata de simplesmente colocar dois cartazes no ponto em que a vida se divide em duas vias com as inscrições, num deles, Caminho do bem, no outro, Caminho do mal, e de dizer a quem se apresentar: “Escolha”. É preciso, como fez Cristo, mostrar atalhos que levem da segunda via para a primeira aqueles que caíram em tentação; sobretudo, não é preciso que o começo do caminho do bem seja doloroso demais e nem que ele pareça impenetrável. O Cristianismo aí está com a sua maravilhosa parábola do Filho Pródigo para nos aconselhar indulgência e perdão. Jesus tinha muito amor por essas almas feridas pelas paixões humanas e gostava de curar as chagas retirando delas próprias o bálsamo que iria curá-las. Assim, dizia ele a Maria Madalena: “muito te será perdoado porque muito amaste”. Sublime perdão este que despertou uma fé sublime. Por que seríamos mais severos do que Cristo? Porque, agarrando-nos obstinadamente às opiniões deste mundo que se faz duro a fim de parecer forte, rejeitaríamos com ele as almas em que sangram ferimentos por onde, como o sangue ruim de um doente, derrama-se o mal do seu passado e que esperam a mão amiga que trate seus males e que lhes proporcione a convalescença do coração? [...] Não desprezemos a mulher que não é mãe nem filha nem esposa [...] Uma vez que o céu se regozija mais com o 37

arrependimento de um pecador do que com cem justos que jamais pecaram, tratemos de alegrar o céu.77

Dumas Filho afirma que havia possibilidade de regeneração ou remissão das “mulheres de vida fácil”, por meio da dor ou do amor. Além disso, afirmava que a sociedade deveria compreender e perdoar tais mulheres, sem julgamento ou acusação. Ao contrário disso, D. Macedo Costa não acreditava na remissão das adúlteras e das prostitutas, cuja trajetória ele condenava. Em sua interpretação, o inferno esperaria pelos indivíduos que caíssem nesses vícios. Era preciso, portanto, vigiar os comportamentos de toda a ordem, como podemos ler no trecho abaixo:

Como se vê, Deus condena com formidável energia não só a mulher como o marido infiel. O preconceito que tende a excusar as desordens d’ este, deve ser banido como um erro funesto. Os juramentos são os mesmos. Aos olhos da Religião e da moral, o crime, tanto de um quanto de outro é gravíssimo. Por isso vemos Moisés punir de morte os culpados de ambos os sexos, e todos os povos usarem do mais espantoso rigor contra os violadores da fé conjugal; prova evidente da idéia que todos formavam da gravidade deste crime. Com efeito, entre os Maometanos a mulher era enterrada até a cintura, e apedrejada. Entre os Egípcios, o marido infiel levava mil açoites, e cortavam o nariz, a sua cúmplice enforcavam sobre a sepultura dela. Entre os ingleses a mulher era açoitada de cidade em cidade, como uma infame, entre apupadas da população. Nas leis de Licurgo o adultério era punido com a pena do parricídio. [...] As leis modernas, verdade seja, afrouxaram muito deste rigor. Como, porém, se explica ele? D’onde vem este consentimento de todos os povos em odiarem, condenarem, e tão atrozmente punirem a infidelidade conjugal? Muitas legislações excusáram o homicídio, quando desabafo de vingança. A desonestidade entre solteiros foi inocentada pela numerosa escola de Epícuro; e até o furto foi aplaudido na antiguidade como prova de engenho e astúcia. Mas o adultério foi malicia tão nefanda, uma tão flagrante e monstruosa injustiça, que dá em cheio nos olhos a todos; não havendo homem com um vislumbre sequer de razão, que não compreenda logo quanto ele é detestável.78

77 DUMAS FILHO, Alexandre. A Dama das Camélias. Trad. de Therezinha Monteiro Deutisch. São Paulo: Nova Cultural, 2003. p. 28,29. 78 COSTA, Macedo. O Livro da Família. p. 99. 38

Ao contrário de D. Macedo Costa, a abordagem de Dumas Filho era esperançosa, já que Margarite conseguiu amar e, por meio desse amor, redimiu-se. No entanto, mesmo com tal esperança, a sociedade parisiense não admitia que a prostituta conseguisse remissão. Talvez por isso, a saída encontrada por Dumas Filho foi matar a personagem, mostrando que embora o amor pudesse regenerar a mulher, a sociedade lhe negaria isso. Aqui estava a crítica de Dumas Filho à moral burguesa, uma crítica que se materializou na cena em que Armand, desesperado com a morte de Margarite, pediu para abrir seu caixão. A prostituta apareceu na descrição de Armand como uma pedra ou um gesso, mas bela, já que não havia sinais de degeneração do corpo. Essa imagem remetia a uma espécie de castigo, já que aquela mulher linda e viva se transformou numa figura imóvel. Além das leituras de romances, as famílias também deveriam “banir” certos tipos de divertimentos em suas casas, tais como: danças, bebidas, banquetes, cantorias, enfim certas atividades que poderiam contribuir para a deformação moral dos seus membros.79 Além disso, as “filhas de família” não deveriam freqüentar teatros, jogos ou qualquer tipo de ambiente lascivo, tal como faziam as personagens dos livros citados por nós. Além do espaço da casa, era preciso controlar também os lugares em que as “filhas de família” freqüentavam, principalmente as festas públicas.80 D. Macedo Costa, desde que assumiu o episcopado, criticava algumas comemorações da festa de Nazaré, cuja programação era feita por uma diretoria maçônica, que preparava boletins informativos, publicando-os em jornais importantes da capital paraense, como O Diário de Belém, O Diário do Grão-Pará. Nos boletins havia uma série de atividades descritas para a realização da festa. Dentre as atividades lúdicas se destacavam as ladainhas e as apresentações de cordões de danças de africanos no arraial de Nazaré. Em artigos dos jornais da diocese, algumas danças eram consideradas indecorosas: o

79 Ibid. p. 240. 80 Ibid. p. 268 a 280. 39

bamboula ou ainda o marimba, praticadas por grupos de “africanos”, assim intitulados pelo jornal. Havia, também, referências a apresentação das operetas de Offenbach.81 Tais recomendações sobre a purificação moral do lar foram pensadas a partir do texto de Mateus, no qual encontramos a seguinte passagem: bem-aventurados os puros de coração, porque eles verão a Deus.82 Tal idéia traduz a noção de pureza de costumes, que o bispo acabava adaptando no seu discurso sobre a família; podemos entender aqui um tipo de limpeza da alma, da purificação espiritual.83 Desse modo, D. Macedo Costa, por meio de suas publicações, formulou propostas para os comportamentos sociais. Os temas mais diversos não escapavam às assertivas moralistas do bispo, dentre os quais destacava as relações interpessoais nos lares e nos espaços públicos. Da “perfeita dona de casa” e das “filhas de família” à prostituta; à ascese dos recintos sagrados aos divertimentos profanos na festa de Nazaré, todos os lugares deveriam ser vigiados e controlados. Para isso, o bispo fez referências aos textos bíblicos, às publicações de Vieira, dos quais trouxe concepções sobre a família, a moral, os bons costumes, a natureza das relações sociais e do Estado e à educação dos povos.

1.3 Obediência

Num dos capítulos de O Livro da Família, D. Macedo Costa desenvolveu idéias sobre a situação dos servos, como ele assim chamava. O bispo preconizou a relação ideal entre senhores e servos, dizendo que uns e outros deveriam respeitar-se. O pensamento católico macedista, nesse caso, privilegiou a manutenção da ordem e do equilíbrio entre os grupos sociais. Incluso no âmbito familiar, o servo era, para o bispo, como apoio na realização das tarefas do lar.

81 Diário do Belém, 21/11/1869, s/p. 82 Bíblia de Jerusalém. Op. Cit. (Mat. 5) p. 1845. 83 D. Macedo. O Livro da Família. p. 240. 40

Ajudava a controlar os excessos das crianças, a manter a casa e o orçamento organizados e, até mesmo, a realizar tarefas de rua. S. Paulo, na ótica do bispo, asseverou sobre a adoção pacífica do comportamento do servo diante de seus afazeres e seu destino: “Vos, servos, obedecei a vossos senhores com temor e respeito, na simplicidade de vosso coração, como ao próprio Jesus Cristo, e fazendo do bom coração a vontade de Deus [...].”84 Esse trecho reforça o argumento do bispo sobre o comportamento dos servos, estes deveriam se submeter aos senhores, esperando por alguma recompensa futura. Outra recomendação do bispo aos servos era que deveriam entoar canções católicas a fim de suavizar seus sofrimentos. Por outro lado, tinham que evitar conversas imorais e maledicentes, sofrendo silenciosamente as amarguras deste mundo.85 R. Azzi, a partir da análise de posições como essa, afirmou que os argumentos dos bispos serviam aos interesses dos senhores de escravos. Não é nosso intuito aprofundar essa questão, apenas podemos dizer que o bispo do Grão-Pará não divulgava na documentação por nós pesquisada nenhum apoio explícito aos senhores dessa ou daquela facção, seu discurso seguia regras doutrinárias, que poderiam servir aos interesses dos grupos chamados “dominantes”, fossem eles escravocratas ou abolicionistas. Os servos, tal como as “filhas de família”, eram proibidos de praticar danças e cantorias tidas como subversivas, de ler romances, de folgar em festas públicas. Eles conviviam com os membros da família, influenciando-os e sendo influenciados, daí a preocupação do bispo em moralizá-los. Todos os vícios, dizia o bispo, eram perigosos

à ordem social, principalmente os jogos e a bebedeira.86 Os jogos, por exemplo, eram condenados, pois colocavam em risco os bens do lar e transformavam os homens em compulsivos, contribuindo à decadência dos

84 Ibid. p. 301. Não estava em questão para D. Macedo Costa estabelecer diferenças entre o tipo de servidão na Antigüidade e em seu tempo, do escravismo brasileiro moderno. Havia apenas uma apropriação do pensamento paulino em alguns trechos de sua obra. 85 Ibid. p. 306, 307, 310. 86 Ibid. p. 308. 41

valores de conservação no homem. Ao contrário disso, D. Macedo Costa ressaltava a importância do trabalho. D. Macedo Costa prevenia os patrões sobre os maus costumes dos escravos.87 A escolha da ama, por exemplo, deveria passar por critérios rigorosos, pois a maior parte do tempo ela cuidava das crianças, influenciando suas práticas e costumes; a primeira linguagem que as crianças aprendiam era ensinada pelas amas. Caberia à mãe cuidar das escravas e à Igreja vigiar a mãe.88

1.4 Educação

Um dos nomes mais citados nos textos do bispo do Grão-Pará foi o de Padre Vieira. D. Macedo Costa ressaltava a importância desse prelado para os projetos de catequese indígena. Entre os feitos de Vieira, exaltados por D. Macedo Costa, estava a luta por manter as missões indígenas mesmo contra os interesses dos colonos da Amazônia, já que estes reclamavam a falta de braço para as lavouras.89 Uma das características comuns entre Padre Vieira e D. Macedo Costa era a preocupação com a catequese e a transmissão dos ensinamentos para a população indígena.90

Ao afoitar-se agora, na sua primeira visita pastoral, até o alto Amazonas, lembrava-se indubitavelmente de Vieira o bispo- seminarista, o ex-aluno de S. Sulpice e S. Apolinário, que ao deixar a sua Bahia, rumo da terra estranha, receoso de lá esquecer o pátrio idioma, metera no seu alforje, ao lado de Jacinto Freire a do Parnaso Lusitano, as Cartas Seletas do grande orador sacro. Semeador do Evangelho deveria como ele jornadear incessante por envios e inóspitos sertões, de cujo fundo sombrio voltava quase sempre com os germens de alguma grande idéia ou o

87 Ibid. p. 243. 88 Ibid. p. 244. 89 AZEVEDO, João Lúcio. Os Jesuítas no Grão-Pará. Suas missões e a colonização. Belém: SECULT, Série Lendo o Pará, no. 20, 1999. p. 49. 90 MORAES, E. Vilhena [Prefácio] In: COSTA, D. Macedo. O Livro da Família. p. IX-XVI. 42

arcabouço forte de um livro. Sigamo-lo um instante ao menos em uma destas arrancadas da fé. Para visitar o Purus, consome, de uma feita, mais de dois meses, percorrendo, rio abaixo, só de canoa, cerca de cento e trinta léguas. A seguir, lá se vai pelo Madeira; outros dois meses. Agora é o Solimões, desde Tabatinga até Manaus, isto é, cinco longos meses de navegação e canseiras apostólicas. 91

Ao que parece, sair de um universo familiar para enfrentar dificuldades, privações e sofrimentos faz parte do enredo de uma vida missionária, sendo por isso sempre ressaltado nos textos eclesiásticos. O tema missão católica é central em um dos romances mais conhecidos de Inglês de Souza, publicado em 1888. Trata-se de O missionário, no qual a vida de Antônio de Morais, um bispo, lembra a saga de religiosos que percorreram regiões inóspitas para salvar as almas dos mestiços e dos índios. Antônio de Morais, no romance, viajava por lugares hostis na floresta, a fim de encontrar os índios da Mundurucânia e cumprir sua missão, salvando-os da “selvageria”.92 Antônio Vieira, não muito diferente do que desejava o bispo Antônio de Morais, tentou retomar o serviço da catequese e a “proteção dos índios”. D. Macedo Costa, inspirado nessa memória deixada pelos missionários, retomou a educação dos índios, caboclos e outras figuras que viviam na floresta. A personagem de Inglês de Sousa, Antônio de Morais, poderia bem representar os dois Antônios (Antônio Vieira e Antônio de Macedo Costa), apesar da narrativa tendenciosa de Inglês de Sousa. O bispo afirmava que a educação dos costumes e valores devia ser ensinada aos homens desde tenra idade, levando em conta o progresso intelectual dos povos. A criança, para ele, já utilizava habilidades e

91 Ibid. p. XVI. 92 SOUSA, Inglês de. O Missionário. São Paulo: Editora Ática, 1992. p. 104. O escritor, apesar de exaltar a figura de Antônio de Morais e muitas passagens de seu livro, pensou a trajetória desse Bispo como uma realização fadada ao fracasso. Todo o objetivo da catequese do Padre Antônio foi suplantado pelas questões morais que o atormentavam deste que encontrou uma moça por quem se apaixona nos capítulos finais. Além disso, as personagens ligadas à Igreja Católica eram, muitas vezes, ridicularizadas e questionadas por grupos do Partido Liberal de Silves (no Amazonas), cenário do romance. 43

apelos emocionais para conseguir satisfazer seu interesse, o que provava sua astúcia.93 Em sua visão, até os seis anos todas as falas, os gestos, o pensamento das crianças eram instintivos, mas a partir dessa idade elas precisavam aprender as regras sócio-culturais.94 Apoiado nas idéias de Fénèlon, D. Macedo Costa acreditava na virtude interior humana, a partir do momento em que este adotou o caminho cristão como foco central de vida. 95 A educação intelectual, para o bispo, era mais apropriada ao sexo masculino do que ao feminino. Este, quando atingia o grau de instrução, utilizava-o mais como “ornato do espírito do que como profissão”. A mulher dotada de instrução deveria conter seu talento, senão teria como companheiro o ridículo.96 O bispo esperava que o conhecimento adquirido pela mulher fosse usado para a boa administração do lar. As noções de matemática, por exemplo, ajudariam no orçamento doméstico. Nessa perspectiva, a instrução para as mulheres tinha como objetivo em mantê-las, ainda mais, no controle da casa e a melhorar a educação de seus filhos, o que demonstra que nem sempre uma mulher intelectualizada era livre das obrigações do lar e da família. Em O Livro da Família, D. Macedo Costa apresenta algumas tabelas de anotações domésticas, chamada “Livro do Diário”, tendo como objetivo instruir as donas de casa a registrarem as despesas do lar. O bispo apresenta dois modelos de tabela: o primeiro indica datas, quantidade de gastos por espécie, constando o total do que foi comprado; o segundo é mais complexo, pois contém não só os gastos como também a receita da família, permitindo a dona de casa fazer um balanço geral.97 Num quase desabafo, D. Macedo Costa advertiu sobre os princípios de igualdade, difundidos desde a Revolução Francesa, entre homens e mulheres, como também do ensino sem religião. Sendo a família um

93 D. Macedo. O Livro da Família. p. 129, 130. 94 Ibid. p. 130. 95 Ibid. p. 141. 96 Ibid. p. 158. 97 Ibid. p. 259, 260. 44

núcleo inicial, a mulher bem educada na moral cristã semearia os bons costumes entre os seus, ajudando os clérigos na prevenção dos males sociais. Sua época, dizia ele, era de proliferação de “idéias modernas”, que colocavam as tradições católicas no obscurantismo e no atraso.98 Era possível, segundo o bispo, reverter as críticas ao Catolicismo. Para combater o tipo de pensamento “moderno”, D. Macedo Costa propagava a centralização da Igreja em torno do Papa, o respeito à hierarquia clerical, o resgate dos povos do obscurantismo e das superstições, o aperfeiçoamento moral dos prelados locais, a reconstrução dos projetos missionários, a extirpação do profano nas comemorações religiosas, a vigilância dos lares, entre outros procedimentos.

1.5 Cristianismo, Civilização e Colonização

No conjunto da produção de D. Macedo Costa é possível encontrarmos projetos sociais, cuja base era uma reflexão sobre a formação humana e o devir das sociedades, uma espécie de filosofia cristã da história. Temas gerais como liberdade, evolução e felicidade fazem parte deste conjunto literário, que não podemos deixar de lado, já que informam sobre como a sociedade deveria ser constituída. Encontramos, na documentação clerical e civil do século XIX, reflexões sobre as idéias acima, que procuraremos discutir aqui. No livro Amazônia: meio de desenvolver sua civilização, D. Macedo Costa apresentou os seus planos sobre a “civilização católica” que pretendia desenvolver na “região Amazônica”, assim como os projetos de colonização e educação. Esse livro foi publicado em 1884, era fruto de uma Conferência que o bispo fizera na Província de Manaus, um ano antes. Esta região pertenceu à Diocese do Grão-Pará até 1892, daí porque ela era integrada nos planos do D. Macedo Costa. Nos textos

98 Ibid. p. 172. 45

“jornalísticos” do bispo, um dos problemas apontados era a ausência de padres nas comunidades amazônicas, após a expulsão dos Jesuítas, em 1759. Sem eles, dizia o bispo, os projetos de aglutinação dos índios e ribeirinhos teriam sido paralisados, o que levou à dispersão demográfica, dificultando a ação pastoral. Outro fator que teria contribuído para essa dispersão era a exigência de trabalhadores para a extração da borracha. Analisando os relatórios de Presidentes de Província do Grão-Pará e mesmo alguns artigos publicados nos jornais paraenses de tendência liberal, podemos perceber que, no século XIX, apesar da falta de mão- de-obra na região Amazônica, os índios e os ribeirinhos eram braços desprezados por uma parcela da elite política local, principalmente para o trabalho agrícola nas colônias. Ao mesmo tempo, políticos e religiosos se contrapunham aos projetos de imigração que pregavam a utilização de mão-de-obra anglo-saxã. D. Macedo Costa, por exemplo, era contrário à imigração de norte-americanos e suíços, pois não queria que protestantes se estabelecessem na Amazônia e em outras partes do Império. Pensava na utilização do braço nativo, planejando o desenvolvimento agrícola e a difusão da pequena produção. Afirmava que os seringalistas, quando utilizavam a população local como forças de trabalho, contribuíam para a desagregação destes indivíduos, uma vez que não ofereciam nenhuma sociabilidade e formação moral. A imigração, portanto, seria para o bispo, a porta de entrada dos “hereges”, tornando a Amazônia mais atrasada moralmente que outras regiões do Brasil. Uma das críticas do bispo era direcionada aos comerciantes da Amazônica e ao modo como eles pensavam a utilização de mão-de-obra, já que sua única preocupação era manter os índios e os ribeirinhos na ignorância e rusticidade do trabalho duro na floresta. Daí a importância, segundo o bispo, da ação pastoral no sentido de trabalhar na recuperação moral e intelectual dos povos. “Elevar, pois, o nível intelectual e moral dos povos da Amazônia é uma questão econômica de 46

primeira ordem.”99 A grande maioria da população amazônica era composta de índios e descendentes, cuja índole era “pura, mansa, sóbria e capaz de suportar privações e fadigas, características que lapidadas com a educação moral seriam importantes para o trabalho nacional.”100 Ao contrário disso, os europeus não estariam preparados para lidar com a vida dura do charco e outros obstáculos da região.101 Com a dispersão populacional, resultado da busca por trabalho nas estradas de seringa no alto Purus, os povoados foram abandonados e engolidos pela floresta. A falta de fixação dos povos contribuía para a deformação social, já que a constituição de núcleos familiares estaria comprometida, como também a moralidade. “Emigra esta população cristã todos os anos na vazante das águas para rios mais ou menos remotos, em cujas margens assentam suas barracas, como os Árabes suas tendas, e ali se entranha todos os dias pela floresta em busca da cobiçada goma elástica e outros produtos.”102 Nessa visão, a corrupção e a exploração parecem ser os únicos sentimentos cultivados pelos homens que trabalhavam na coleta da borracha, incentivados por regatões, verdadeiros “sanguessugas dos povos da floresta”.103 Tudo isso, segundo D. Macedo Costa, influía na decadência moral e intelectual dos habitantes, comprometendo a realização da “civilização católica” que tanto queria. Entre as soluções apresentadas pelo bispo, estava ensinar aos povos o apego ao solo, à agricultura, à vida sedentária, à organização familiar e como os poderes público e clerical auxiliariam na organização social.104 Ao longo da narrativa de D. Macedo Costa, podemos perceber a nostalgia dos tempos coloniais quando a Igreja Católica, por meio de seus missionários, empreendia o descimento dos índios e a formação de aldeias que, segundo ele, teriam ajudado a organizar e instruir os

99 COSTA, D. Macedo. A Amazônia: meio de desenvolver sua civilização. 3a. edição. Rio de Janeiro: Tip. Leuzinger e Filhos, 1884. p. 7. 100 Ibid. p. 8. 101 Ibid. p. 18. 102 Ibid. p. 8. 103 Ibid. p. 9. 104 Ibid. p. 11. 47

“primeiros povos brasileiros”. Os heróis rememorados eram sempre aqueles que, deixando o conforto da Europa, partiam para as terras coloniais em busca do resgate espiritual e material dos homens da América, chamados de selvagens. No caso da Amazônia, o argumento do processo de degeneração teria começado com a dissolução das missões jesuíticas. Sem elas, os povos teriam se dispersado e buscado, em outras paragens, a sua sobrevivência.105 Para tanto, D. Macedo Costa apoiava-se no discurso do primeiro presidente do Amazonas, João Baptista de Figueiredo Tenreiro Aranha, cuja afirmação era que à época da Capitania havia a aplicação de projetos de colonização para recuperar as “raças” do norte brasileiro, por meio de uniões e formação de famílias, de incentivo agrícola e do fabrico de produtos.

Quando esta província era capitania, sob a direção de hábeis Governadores e zelosos missionários [...] a sua população crescendo ao mesmo tempo ia melhorando com o exemplo e a aplicação de colonos vindos de Portugal, que se unindo por laços conjugais ás íncolas do país fizeram aparecer essa nova e, pode- se dizer, branca raça mameluca que se distingui das hordas selváticas pela cor e pela aplicação á agricultura e ás artes fabris, cujas manufaturas primorosas atestavam o estado de sua indústria e civilização.106

Assim, para D. Macedo Costa, o destino da Amazônia estaria fadado ao declínio social, já que a economia da borracha, com suas exigências comerciais, não favorecia o desenvolvimento da região. Os lucros advindos do comércio do látex não revestiam no aprimoramento dos povos, mas a reprodução do sistema de exploração, na obtenção do lucro do seringalista. Nesse discurso, o fisco era um dos principais responsáveis pelo desvio da aplicação financeira dos bens públicos.107 Abaixo, podemos acompanhar um trecho em que D. Macedo Costa criticou o comércio da borracha, na maneira como ele era pensado e praticado:

105 Ibid. p. 13. 106 Ibid. p. 14. 107 Ibid. p. 16. 48

Pois bem! Sob este respeito é realmente lamentável a situação do povo amazonense. Este progresso espantoso que apresentam o Amazonas e o Pará (ninguém se iluda) é um progresso fictício, não tem bases, diz o engenheiro Coitinho, um dos nossos homens mais eminentes. Dão ai abraços lisonjeiros de felicidade ao comércio e ao fisco! Pois precisamente o que me assombra e entristece, é este contraste de um comércio que floresce e de uma população que definha; de alfândegas em que se despejam rios de ouro, e de um país que fica miserável; de uma capital que se aformoseia e prospera, e de cidades e vilas do interior que desaparecem e caem em ruínas!108

Essa crítica não se restringia à economia de extração, nem ao processo de exploração do homem na floresta, ela dizia respeito à concepção de sociedade do prelado. Para ele, a economia extrativa raramente permitia o desenvolvimento de relações sociais, ou seja, o tipo de envolvimento que o trabalhador possuía com a terra e com os outros não era duradouro, dado que a própria forma do trabalho de extração exigia dos mesmos a movimentação na floresta. A proposta alternativa de D. Macedo Costa para acabar com o comércio do lucro pelo lucro era a seguinte: “O homem deve apegar-se ao solo e a propriedade, cultivar sua lavoura, organizar sua família e o trabalho”.109 As estradas de seringa estavam espalhadas por todo o Vale do Amazonas, o que levava os trabalhadores a percorrerem longos caminhos.110 O modelo de família pensado por D. Macedo Costa o impedia de ver qualquer outro tipo de rede de solidariedade ou compadrio que não fosse pautado em matrimônio sacramental. Assim, divulgava um projeto entre os políticos do Amazonas: a construção de um Navio- Igreja, idéia atribuída ao reverendo Kenelm Vaughan, que se chamaria Cristóforo, cujas características descrevemos abaixo:

108 Ibid. p. 17. 109 Ibid. p. 10. 110 TOCANTINS, Leandro. (org.). Euclides da Cunha. Um paraíso perdido. Ensaios, estudos e pronunciamentos sobre a Amazônia. 2a. edição. Rio de Janeiro: José Olympio, 1994. p. 215. 49

Será um Navio-Igreja, um Templo flutuante que levará a bordo um grupo de excelentes Sacerdotes, a percorrerem continuamente em todos os sentidos a imensa rede fluvial do rio-mar, levando as luzes e os socorros de espírito às populações cristãs e pagãs que hoje vivem e morrem completamente ao desamparo [...].111

Desse modo, o vapor poderia ser usado com objetivos pastorais. O “portador de Cristo” levaria a mensagem da Boa Nova aos lugares mais recônditos da Amazônia, ajudando a minorar os problemas enfrentados pela Igreja com a falta de pessoal e material para os serviços religiosos em sua vasta diocese. O bispo apelava para os políticos da Província do Amazonas e para os comerciantes que investissem na construção do mesmo, argumentando que a ação dos religiosos serviria à ordem social e mesmo à disciplina do trabalho na floresta.112 Com o Cristóforo, D. Macedo Costa pretendia dar continuidade à catequese, além de servir como espaço de sociabilidade do homem amazônico. No Navio-Igreja iriam doze sacerdotes para realizar a visita pastoral, o mesmo número dos apóstolos de Cristo. “Certo que não há, parece-me, nas presentes circunstâncias, meio mais adequado para saciar a fome de milhares de homens que ai estão morrendo de inanição espiritual, O Cristóforo fará uma espécie de novo milagre da multiplicação dos pães, pois só com a palavra de 12 Sacerdotes vai saciar as turbas numerosas que estão de assento por aqueles desertos [...]”. 113 O navio nunca foi construído, o que não exclui a importância de ter sido pensado. Desse modo, os livros publicados por D. Macedo Costa, apesar das diferentes temáticas, podem ser considerados, em conjunto, como um grande plano de discussão social, política, cultural e econômica. O Livro da Família e Amazônica meio de desenvolver sua civilização traduzem o cenário propício à ativação das idéias de reforma social que abragia experiências sociais diversas. Como leitor voraz da literatura teológica, dos textos bíblicos e do pensamento filosófico,

111 COSTA, D. Macedo. A Amazônia: meio de desenvolver sua civilização. p. 20. 112 Ibid. p. 22, 23. 113 Ibid. p. 33, 36. 50

D. Macedo Costa desenvolveu uma retórica a fim de elaborar seus argumentos sobre os seguintes temas: Família, moral, “civilização”, sacerdócio e educação. Havia interesses diversos na utilização do homem da Amazônia na economia local. Por um lado, encontramos opiniões favoráveis ao trabalho gentio na extração da borracha; Por outro lado, havia os grupos preocupados com a questão agrícola, preterindo o trabalhador nacional ao estrangeiro, considerado o melhor agente de “civilização”. Emergiam, também, as opiniões dos chamados ultramontanos, entre os quais, D. Macedo Costa, cujas propostas divergiam em alguns aspectos de ambos, ou seja, o índio catequizado seria um perfeito homem “civilizado” e útil ao serviço agrícola. Os estrangeiros, para os “ultramontanos” seriam bem vindos desde que não fossem de países protestantes. Assim, a chamada romanização não seria simplesmente a transferência dos modelos adotados na Europa para a Amazônia, pelos “ultramontanos” de Roma, mas a construção, a partir da experiência local, de um Catolicismo adaptado às condições regionais. A evangelização de formações familiares diversas, a aplicação da catequese, a criação de colônias agrícolas, a expansão das ações diocesanas para além da capital dependia do conhecimento da floresta, dos costumes dos ribeirinhos e da domesticação do meio natural perigoso e inóspito. Autores como Riolando Azzi e Eduardo Hoornaert consideraram o projeto “ultramontano” no Brasil de cunho elitista e conservador. Outros autores, preocupados com as transformações políticas da segunda metade do século XIX, concentraram suas análises no Liberalismo, deixando de lado os “ultramontanos” por considerarem sua participação quase nula nessas transformações. Nosso trabalho procurou refazer o caminho do jogo político-religioso entre grupos liberais e “ultramontanos”, numa situação específica, o caso do Grão- Pará, pois acreditamos que as transformações sociais na Amazônia foram operadas a partir da tensão entre os grupos mencionados. 51

CAPÍTULO 2

D. MACEDO COSTA E A IMPRENSA OITOCENTISTA

Nosso propósito, aqui, é discutir, através dos jornais, as concepções de mudança social para a Amazônia. Através dos escritos de D. Macedo Costa, percebemos várias interpretações, cuja dialogicidade traduzem uma crítica explícita a certos pensamentos tidos como modernos. Os objetivos dos textos do bispo do Grão-Pará, como livros, artigos de jornais, ofícios eram informar e, ainda, instruir o leitor sobre acontecimentos, dar-lhe noções filosóficas de cunho moral.114 As publicações livrescas e jornalísticas dependeram tinham relações entre si, apesar de serem diferentes e de possuírem compromisso editorial distinto com o público. Se pudéssemos crer numa certa liberdade narrativa, a produção de texto em periódico seria bem menos livre, no que se refere à escolha dos temas, como também do formato de publicação. Antes de entrarmos nos enunciados ou discursos do clero paraense publicados em jornais, faz-se necessária uma breve apresentação do que seja trabalhar com periódicos e seus propósitos como texto. Podemos dizer que os jornais são fragmentos textualizados de um determinado contexto social? Ou, como afirmou Lilia Schwarcz, que eles seriam “pedaços de significação” de realidades recortadas que se encontram

114 Sobre o nascimento da cultura impressa moderna, o livro organizado por Robert Darnton e Daniel Roche, com a colaboração de vários autores, permite entender o avanço da impressão e sua diversidade entre o Antigo Regime e o período pós-revolucionários, na França. DARNTON, Robert & ROCHE, Daniel (orgs). Revolução Impressa. A imprensa na França 1775-1800. Trad. de Marcos Maffei Jordan. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1996. 52

numa mesma dimensão e que, tal como um caleidoscópio, num único jogo, formam múltiplas imagens?115 S. W. MacDowell, um dos redatores do jornal A Regeneração, do Grão-Pará, afirmou que as tipografias tinham o costume de transcrever os artigos, marcá-los e recortá-los segundo suas conveniências e interesses políticos.116 A imprensa, além de um veículo de mensagem, era um negócio que dependia de investimento em equipamentos e pessoal. Os comerciantes necessitavam dos jornais para divulgar seus produtos e suas lojas. Os políticos usavam os jornais como veículo mais rápido de divulgação de suas idéias. As entidades religiosas ligadas ao Catolicismo usavam os periódicos com o objetivo de anunciar suas práticas e informar os fiéis sobre os acontecimentos mais importantes. De acordo com L. Schwarcz, os periódicos do século XIX eram aparentemente semelhantes entre si, apresentando, em geral, duas folhas grandes de difícil manuseio. A página de anúncios comerciais, mais que qualquer outra, eram o sustentáculo financeiro dos periódicos.117 Segundo M. Meyer, não se pode separar o aparecimento da impressa do processo de desenvolvimento indústrial.118 A influência que as indústrias editoriais exerceram sobre os jornais vai desde o desenvolvimento técnico à utilização desse veículo para sua própria divulgação no mercado. Na França, cresceram agências de notícias como Havas e Maison Hachette, assim como foram abertas as primeiras livrarias nas estações de trem. O público também cresceu e uma parcela dele começava a ser mais exigente com o tipo de texto que gostaria de ler. “Empresários atilados [...] constrõem uma diferenciação de classe: público burguês e popular.”119 N. Werneck Sodré argumentou que:

115 SCHWARCZ, Lilia Moritz. Retrato em Branco e Negro: jornais, escravos e cidadãos em São Paulo no final do século XIX. São Paulo: Companhia das Letras, 1987. p. 99. 116 [SEM TÍTULO]. A Regeneração. 19/06/1873l. Belém, n. 15. p. 2. 117 SCHWARCZ, Lilia Moritz. Op. Cit. p. 57, 58. 118 MEYER, Marlyse. Folhetim: uma história. São Paulo: Companhia das Letras, 1996. p. 91. 119 Ibid. p. 91, 92. 53

“a história da imprensa é a própria história do desenvolvimento capitalista.”120 Daniel Roche afirmou que num período anterior à grande difusão folhetinesca na França,121 não havia liberdade de imprensa, porque a Coroa criou mecanismos de vigilância sobre os impressores e os livreiros, no que concernia à disseminação de idéias que criticavam o poder. A censura era, por assim dizer, um instrumento de restrição intelectual. “Após a publicação, cabia à polícia exercer o controle.”122 Ou seja, cabia à polícia e aos censores detectarem, na indústria editorial, as obras clandestinas, consideradas perigosas e que criticavam, na maioria das vezes, a Igreja e o Estado.123 Essas publicações eram conhecidas, no meio clandestino, como “filosóficas”, para disfarçar a sua circulação.124 Dentre os que aprovavam ou não determinadas leituras, estavam os representantes da Igreja. Eram os bispos, que por meio das Assembléias Gerais do Clero, reconheciam as obras de devoção teológica e reprovavam as que consideravam perigosas tanto para os padres, quanto para a população.125 Livros como Histoire des Conciles, do padre Hardourin; De L’Esprit, de Claude-Adrien Helvétius e a Encyclopédie de Diderot, são exemplos de publicações consideradas subversivas no século XVIII.126 Nesse sentido, D. Roche afirmou que o clero francês controlava o que o público deveria ler: “[...] O mundo da censura era povoado pelo clero sem paróquias, em sua

120 SODRÉ, Nelson Werneck. A História da Imprensa no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 1966. p. 1. 121 Os folhetins eram seções que vinham no rodapé da primeira página dos jornais. Nesses espaços eram publicados os chamados romances-folhetim, ou seja, uma literatura divida em capítulos disponíveis aos leitores aos poucos. Sobre este assunto Ver: MEYER, Marlyse. Op. Cit. p. 223, 281. 122ROCHE, Daniel. “A censura e a indústria editorial.” In: DARNTON, Robert. Op. Cit. p. 21. 123 Ainda de acordo com Daniel Roche, o controle das publicações cresceu a partir do século XVII e o número de censores também, pelo menos até as vésperas da Revolução Francesa. ROCHE, Daniel. “A censura e a indústria editorial.” In: Ibid. p. 21. 124 Ibid. p. 22. 125 Ibid. p. 24. 126 Ibid. p. 25. 54

maioria, acadêmicos e intelectuais ligados à universidade e assim sujeitos à disciplina eclesiástica”.127 O incentivo à instrução na França, no século XIX, foi concomitante ao desenvolvimento da imprensa francesa, já que o governo afirmava a necessidade de alfabetização popular para informar suas ações políticas aos leitores. No entanto, isso não é tudo que os jornais ofereciam ao público, uma vez que os folhetins, com suas sínteses de romances, eram considerados más leituras pelas autoridades civis e religiosas, pois insuflavam a população da cidade e do campo, desenvolvendo nessas pessoas sentimentos de revolta e indignação aos costumes e à moral veiculadas pelo poder.128 Um exemplo da censura aos folhetins franceses foi o que o jornal Revue de Paris fez ao publicar o livro Madame Bovary. O diretor cortou várias passagens do romance, apesar da indignação do autor, pois o considerava permissivo.129 Além disso, o governo processou Flaubert pela publicação do romance, o que denota a interdição do poder secular na proibição da leitura. M. Meyer afirmou que a censura não estava circunscrita aos círculos de poder, pois a própria sociedade ajudava na interdição dos textos publicados nos jornais, que considerava imoral.130 Não sabemos se é possível falar de uma moral burguesa para o Brasil, como se configurou na Europa, mas podemos dizer que alguns estudiosos mostram que também houve restrição nos jornais que circularam nas principais cidades do Império. Segundo N. Sodré, num primeiro momento, a imprensa no Brasil era controlada por famílias ligadas aos latifúndios e ao sistema escravista, bem diferente da situação francesa. Não havia espaço nos jornais para publicações literárias.131 No entanto, com as mudanças conjunturais por que passava a sociedade brasileira, como a crise paulatina no sistema escravista,

127 Ibid. p. 32. 128 MEYER, Marlyse. Op. Cit. p. 92. 129 Ibid. p. 94. 130 Ibid. Loc. Cit. O público intervinha, por exemplo, na trama de Les mystères de Paris. Do mesmo modo, os leitores criticavam as “imoralidades” de Vielle fille de Balzac. 131 SODRÉ, Nelson Werneck. Op. Cit. p. 210. 55

os capitais antes aplicados naquele sistema passaram para novas áreas ligadas aos interesses de uma “burguesia” emergente.132 A vida urbana, segundo o autor, ganhava uma importância que antes estava concentrada na fazenda.133 No Rio de Janeiro, o Jornal do Comércio reunia características que antes não existiam, ou seja, a inclinação em publicar literatura e arte, o que acabou se transformando numa tendência adotada por outros jornais da segunda fase do século XIX.134 José de Alencar era tido por Sodré como aquele que conjugou perfeitamente literatura e imprensa. Em 1857, o literato publicava Cinco Minutos em meia dúzia de folhetins. O Diário do Rio de Janeiro publica O Guarani, que teria despertado grande interesse de público na época, como também, o romance A

Viuvinha, de 1860.135 O Diário do Rio de Janeiro, sob a direção de S. Marinho, também era o tipo de periódico que publicava literatura em suas páginas.136 De acordo com o autor, o público leitor era formado, em sua maioria, por “moças casadouras e estudantes”.137 Assim como na França do Antigo Regime, no Brasil do início do século XIX, o governo de D. João VI também tinha a preocupação de criar uma junta de censura para os impressos que circulariam nas províncias. Era atribuição dessa junta, formada por José Bernardo de Castro, Mariano José Pereira da Fonseca e José da Silva Lisboa, censurar as publicações que atacavam o Governo e a Religião.138 Não temos dados precisos sobre a censura imprensa no Segundo Reinado, mas sutilmente podemos dizer que havia críticas por parte do clero e mesmo do poder público sobre alguns artigos que circulavam nos periódicos. Tal como os jornais do Rio de Janeiro, muitos dos periódicos que circulavam na Amazônia também traziam em suas páginas as mesmas

132 Ibid. p. 237. 133 Ibid. p. 214. 134 Ibid. p. 217. 135 Ibid. p. 220. 136 Ibid. p. 223. 137 Ibid. p. 227. 138 RIZZINI, Carlos. O jornalismo antes da tipografia. São Paulo: Companhia Editora Nacional. 1968. p. 174. 56

configurações dos jornais estrangeiros, principalmente os de Paris. Os folhetins já eram espaços reservados em alguns dos jornais do Império. Alguns textos publicados nesses espaços eram velhos conhecidos da imprensa parisiense, que também passaram a ser dos leitores brasileiros. No Rio de Janeiro, por exemplo, no ano de 1843, O Jornal do Comércio anunciava a publicação do romance Les Mystères de Paris, de Eugène Sue.139 Além deste, outros autores importantes eram anunciados e lidos na Corte. Sodré afirma que o folhetim foi um dos atrativos que os jornais adotaram para ampliar o alcance de seu público. Em suas palavras: “o folhetim era, via de regra, o melhor atrativo do jornal, o prato mais suculento que podia oferecer, e por isso o mais procurado”.140 A Corte não era o único lugar de circulação do folhetim no Brasil, havia em Belém alguns jornais que os publicavam, tal como O Diário de Belém e O Diário do Grão-Pará. M. Meyer afirma a existência, em Paris, de dois tipos de folhetins: um com a característica ficcional e outro com a preocupação de publicar assuntos cotidianos. Em Belém, esse estilo se repete, já que além da publicação em rodapé das obras de autores tidos como clássicos também havia folhetins cujo tema tratava da vida paraense. Em 29 de novembro de 1869, por exemplo, o jornal O Diário do Grão-Pará publicou um folhetim em que o autor comenta a festa de São Brás. Esse assunto era repetido em vários números, o que demonstra o interesse do público paraense por esse tipo de publicação.141 Na verdade, essa era uma fórmula retomada dos chamados fait divers, um tipo de relato do cotidiano e que tinha certa aceitação nos jornais franceses.142 Embora estudar o folhetim seja importante para entender, entre outras coisas, uma opção de leitura da população, a fim de perceber os hábitos que esse gênero poderia formar, nosso interesse é discutir o uso dos folhetins nos principais jornais que circularam no Grão-Pará.

139 MEYER, Marlyse. Op. Cit. p. 281. 140 SODRÉ, Nelson Werneck. Op. Cit. p. 279. 141 A FESTA de São Brás. O Diário do Grão-Pará. 29/11/1869, no. 272, col. 2a. p. 1. 142 MEYER, Marlyse. Op. Cit. p. 94. 57

Não temos notícia da existência, na Amazônia, de livrarias atrativas ou mesmo muitos gabinetes de leitura tal como na França, daí porque acreditamos que o jornal, com sua publicação variada, era uma maneira de atingir o maior número de leitores com os clássicos romances europeus e com idéias político-religiosas. D. Macedo Costa recomendava livros para as famílias da Diocese do Grão-Pará, entre os quais o bíblico, e autores como os padres Lacordaire e Lamennais, cujos textos eram publicados no jornal A Estrela do Norte, ao mesmo tempo em que fazia sérias críticas aos romances, pois acreditava, como já afirmamos, que esse tipo de literatura poderia degenerar os jovens da sociedade paraense, principalmente as “moças de família”. Essas mulheres emergiam de tipos urbanos, agora, ligados ao comércio da borracha, dos funcionários públicos, dos fazendeiros do Marajó. As famílias que se perpetuaram no poder paraense aparecem nessa documentação por estarem ligadas direta ou indiretamente aos chamados grandes eventos da História do Pará: Cabanagem e processo de Independência, tendo como atores principais os seguintes personagens: Theosósio Constantino de Chermont, Manoel José Cardoso, Ambrósio Henrique da Silva Pombo, João Felipe Pimenta. Muitos de seus descendentes ocuparam cargos importantes no poder público da província, assim como acumularam riquezas com o comércio. É o caso de José Joaquim Silva, que casou com a filha do conselheiro Joaquim Manoel de Oliveira Figueiredo, chefe da esquadra; administrador das rendas e inspetor do Tesouro de 1852 a 1881. Assim, as “moças de família” surgem dessas camadas urbanas, como Ana Cândida, membro da família Malcher. Outros nomes conhecidos são os de Luisa Amélia Colares, descendente da família Pombo; Adélia Danin; Jacinta Maria;

Maria Amélia de Chermot.143 Os jornais eclesiásticos que pesquisamos não publicavam romances- folhetim, mas outras produções literárias como poesias, crônicas

143 MARIN, Rosa Elisabeth Acevedo. Alianças Matrimoniais na alta sociedade paraense no século XIX. Estudos Econômicos. 15 (número especial): 153 e167, 1985. p. 157, 159,163. 58

religiosas, cartas ao público, anedotas, parábolas bíblicas, sermões como uma espécie de “contra-ataque” à literatura dos jornais. A ausência do estilo folhetinesco, que poderia vir com temas cristãos, nos chamou a atenção, já que de acordo com M. Meyer e N. Sodré era uma forma literária bastante atrativa para o público. No entanto, podemos arriscar uma explicação para essa ausência. Talvez a diocese não estivesse interessada em divulgar romances, mas atingir o público católico com historietas, mensagens rápidas de melhor fixação e textos bíblicos, ou ainda, ela não estava interessada em lucrar financeiramente com a vendagem de suas folhas. Nosso objetivo mais específico nesse texto é entender como D.

Macedo Costa e outros padres, através dos jornais da diocese,144 formularam suas idéias a respeito de alguns temas que mencionamos no capítulo anterior: família; matrimônio; celibato; catequese; educação; vida sacerdotal; princípio de autoridade; pensamentos “modernos”, entre outros. Uma das preocupações que norteia esse trabalho é entender os enunciados do bispo, agora, em outro tipo de fonte. Um dos estilos presentes no jornal da diocese é a pequena narrativa, trazendo situações que não possuem precisão espaço- temporal. Em uma delas, podemos verificar que não interessa onde e quando aconteceu o evento narrado, mas o enredo. As mensagens desses acontecimentos tinham um fundo moralista e pedagógico. Um exemplo disso é o texto O tio e a sobrinha, que relata o encontro entre Ignez e Jorge, seu tio, num antiquário. A base da historieta é a aquisição por Jorge de uma Bíblia que estava à venda e que havia pertencido à sua irmã, mãe de Inês. Uma senhora também queria comprar o Livro, mas Ignez pede a ela que não fizesse aquilo, pois se tratava de uma peça que pertencera à sua mãe e que lhe trazia lembranças. O tio de Ignez,

144 A Estrela do Norte era semanal e circulou na Província do Grão-Pará entre 1863-1869. Pertencia a Diocese do Pará, sob a direção de D. Antônio de Macedo Costa. Podemos dizer o mesmo do jornal A Boa Nova, que circulou entre 1871- 1883. Além do Bispo, contribuía para esse último periódico os cônegos José Lourenço da Costa Aguiar, Luiz Barroso de Bastos e Dr. José Pinheiro, entre outros. JORNAIS PARAOARAS. Catálogo. Belém: SECDET, 1985. p. 53, 54. 59

então, compra a Bíblia para ela. Os diálogos que tratam da compra do livro são mais extensos do que aqueles que tratavam do encontro da sobrinha com o tio.145 Ao lado de uma história que conta o encontro entre uma menina e seu tio, tendo por enredo o achado de um Livro Sagrado que pertencia à mãe da menina, vem publicado no jornal da diocese um artigo assinado por Padre Felix, argumentando que o autor de romances-folhetim e de outros gêneros transformou-se num mercador de idéias. Nesse artigo, Padre Felix chamava a atenção para o “egoísmo literário”, que transformava o escritor em mercador. Nessa concepção, assim como o operário que era explorado pelo sistema fabril, o romancista vendia seus escritos a partir das exigências do mercado. As obras não possuíam mais a aura da criação e da genialidade dos autores, eram o resultado das exigências dos que as compravam para vendê-la como livro ou para publicá-la em folhetins jornalísticos.146 Também nos jornais da diocese, D. Macedo Costa criticava os romances, cujos temas tratavam, com desenvoltura e sem escrúpulos, de prostituição, de adultério e de luxúria. Esse era um tipo de literatura que o público endinheirado das principais cidades européias e mesmo do Brasil adotava como lazer. Em geral, alguns literatos criticavam os comportamentos sociais tidos como arcaicos e brejeiros de uma determinada classe social, em geral, ligada às camadas aristocráticas e burguesas.147 Os romances, então, figuravam como veículos de crítica social e do sistema de valores adotados pela burguesia européia. Eram eficazes no repensar os costumes, os valores, os princípios que se constituíram paralelamente ao avanço do capitalismo. Podemos deduzir que, na visão do bispo, o leitor desavisado poderia não perceber que se tratava de uma crítica e, ao contrário, fizesse dos temas exemplos para suas vidas.

145 O TIO e a sobrinha. A Estrela do Norte, 12/04/1863. Belém, p. 115. 146 O EGOÍSMO. A Estrela do Norte, 24/05/1863. Belém, p. 161 a 163. 147 É o caso do livro de Flaubert, Madame Bovary, que fez críticas à sociedade parisiense, especialmente à burguesia. 60

Além de alguns livros e folhetins, figurava entre os itens pecaminosos para D. Macedo Costa, o teatro. “Uma das armas mais traiçoeiras, com que os homens do mal buscam atualmente laquear e extinguir, entre nós, as crenças e o sentimento católico, é o teatro.”148 Os temas das peças eram tão nocivos aos comportamentos, para o bispo, quanto os da literatura, pois como esta última, ele roubaria a “inocência indefesa” dos jovens. “O teatro entendeu que lhe não era bastante ser o aliciador encantado das paixões mais lúbricas e ignóbeis, como o é muitas vezes; quis também tornar-se o fomentador insidioso da impiedade, no cúmplice efetivo da imprensa literatura

[...]”.149 Aliás, muitas peças eram adaptações dos livros mais conhecidos na Europa como no Brasil, outras eram textos escritos por leigos e padres com temas que provocavam a Igreja.150 Vicente Salles, estudando a evolução do teatro em Belém, afirmou que havia uma espécie de dramaturgia primitiva, no século XVII, cujos temas religiosos auxiliavam no trabalho missionário. Naquele momento ainda reinava o chamado espírito da Contra-Reforma, no qual a Igreja se utilizava de mecanismos para empreender seus projetos de catequese, tendo na música e no teatro os instrumentos para esse trabalho. Essa Igreja apresentava uma característica barroca, ou seja, a estilização e a cenografia da fé eram explorados nas missas assim como nas festas religiosas populares.151 Mais tarde, o teatro deixou de ter esse papel religioso para, então, trazer ao público questões sociais e temas laicos. No século XIX, o teatrinho da festa de Nazaré, Tivoly Nazareno, animava o povo com temas e danças profanos. Os dramas sociais começaram a lotar as cadeiras teatrais em Belém a partir de

148 OS LAZARISTAS. 31/07/1878, A Boa Nova. Belém, n. 60. p. 1,2. 149 Ibid. Loc. Cit. 150 O jornal da Diocese do Grão-Pará, A Boa Nova de 31 de julho de 1878, publicou as críticas do Padre Senna Freitas à peça Os Lazaristas, escrita por um outro padre de nome Antônio Ennes. D. Macedo Costa, dessa forma, aproveitou as idéias do Padre Senna Freitas para dizer o que achava do uso do teatro como veículo de temas profanos. 151 MONTES, Maria Lúcia. As figuras do Sagrado: entre o público e o privado. SCHWARCZ, Lilia M. (org.). História da vida privada no Brasil: contrastes da intimidade contemporânea. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. p. 104. 61

1870. O teatro Chalé, por exemplo, apresentou, em 1873, a peça O Artista, de Augusto da Silveira Carlos, levando para o palco a questão proletária.152 Como analisamos acima, romances-folhetim e peças de teatros, dependendo do tema proposto, eram considerados veículos perigosos à formação moral da população paraense. Para isso, a Igreja exerceu um papel de censora dos discursos produzidos por essas expressões. No entanto, era por meio da linguagem escrita que o bispo expressava suas idéias para a purificação moral da população, bem como do próprio clero, que não estava isento destas determinações.

2.1 “O joio e o trigo”

Segundo D. Antonio de Almeida Lustosa, havia em toda a Diocese do Grão-Pará três seminários: o de Belém, que era chamado de Seminário Maior; o de Óbitos e o de Manaus. Esse bispo ainda afirmou que D Macedo Costa tinha como política mandar jovens, com recursos da diocese, para estudar na Europa, no Seminário de Saint Sulpice, cuja orientação filosófica era anti-regalista.153 Com isso, o D. Macedo Costa procurava renovar o clero paraense, dando-lhe oportunidade de adquirir instrução e experiência para o serviço religioso, como também formar prosélitos para sua causa. Assim, utilizava, entre outros recursos, periódicos a fim de espalhar a Boa Nova. Alguns textos do jornal A Estrela do Norte eram longos e dissertavam os feitos dos antigos cristãos, as ações do próprio Cristo e seus seguidores, enfim, temas evangélicos. Outros textos eram curtos, e associavam as ações dos mártires do Cristianismo a feitos realizados por pessoas anônimas, do cotidiano. Nesses textos, percebemos uma lógica discursiva que traduz o desejo de penetrar a

152 SALLES, Vicente. Épocas do Teatro no Grão-Pará ou apresentação do teatro de época. Belém: UFPA, 1994. p. 32, 72. Tomo 1. 153 LUSTOSA, D. Antônio de Almeida. Op. Cit. p. 17, 27. 62

consciência do leitor e mostrar a possibilidade de pessoas comuns transformarem-se em cristãos fervorosos. O direcionamento para uma vida cristã pura e sem pecado é o primeiro dos ensinamentos veiculados por D. Macedo Costa. Ele procurava encarnar um tipo de sacerdote íntegro e erudito. Num único texto, podemos encontrar referência sobre a relação entre a Igreja e a ciência; a religião contra idéias naturalistas, o papel da família na construção da Cristandade, a importância das “boas leituras”. Essa é uma característica dos artigos veiculados pelo jornal, já que as obras que analisamos, no capítulo anterior, possuem um enredo cuja narrativa atem-se, na maioria das vezes, a apenas um tema, direcionador do discurso.154 Desse modo, o trecho de um artigo abaixo transcrito, propõe vários assuntos em uma mesma mensagem:

A Religião é um balsamo salutar que preserva a corrupção, não só da ciência, mas todas de manifestações da atividade humana. A família regenerada pelo principio religioso torna-se o santuário intimo, em que reina a virtude em toda a magia de seus encantos; um recinto sagrado, onde se misturam as dedicações generosas e os prazeres mais puros. Ali a mulher cristã nos aparece em toda a altura de sua missão sublime; ali a paz, a harmonia, o asseio, a ordem, os folguedos inocentes, o trabalho santificado pela oração, o dever cumprido com perseverança infatigável e com amor sempre feliz. A imaginação recua espavorida diante do quadro lúgubre de uma sociedade dominada pela vertigem funesta da irreligião e do ateísmo. Fornecer ás famílias cristãs das duas Províncias amazônicas, leituras ao mesmo tempo amenas e instrutivas, próprias a inspirar o amor dos dogmas e práticas de nossa Santa Religião, na qual, como acabamos de dizer, consiste o elemento principal do nosso futuro, progresso e engrandecimento: Chamar respeitosamente a atenção dos Poderes públicos do Império, para o triste abatimento em que jazem entre nós as cousas do culto; e sobre tudo para a grande ora da catequese de nossas populações indígenas, assentadas ainda, vergonha nossa! Nas trevas e sombras da morte, sem que se faça o menor esforço para chamá-las ao grêmio do Cristianismo e da civilização:

154 Por exemplo, em O Livro da Família uma parte dos assuntos nele relacionados diz respeito à constituição de um tipo ideal de família e de sua preservação na sociedade moderna. 63

Deus abençoará os modestos esforços que fazemos para o bem da Religião e de nossa cara Pátria.155

Nesse fragmento, idéias como: religião e ciência, moralidade, boas e más leituras, barbárie e “civilização”, progresso e atraso eram recorrentes e evidenciados, com títulos destacados do restante e bem localizados. Além dos textos moralizadores, outros se referem aos indivíduos que cometem pecado. Num artigo intitulado Os sete sacramentos,156 D. Macedo Costa deixa claro que é possível restituir a pureza da alma, a partir da adoção de ritos que expurgam os pecados.157

Os textos bíblicos eram cortados e recortados, selecionados de acordo com a discussão pretendida. As passagens da Bíblia eram utilizadas para a instrução moral da sociedade paraense, que aos olhos do bispo vivia no abandono e na ignorância. No entanto, em alguns casos, o enfoque era dirigido para o sacerdote, que deveria cumprir regras específicas à sua condição. Um desses textos trata da separação daqueles que ouvem a palavra de Deus e dos que não ouvem e não praticam os ensinamentos evangélicos. Uma transcrição da parábola O joio e o trigo,158 no jornal da diocese, demonstra a separação dos homens que seriam salvos daqueles que não entrariam no “reino dos céus”. Quem não entraria no reino dos céus? Que grupo ou indivíduo estaria condenado ao inferno? Os supersticiosos, os hereges, as bruxas, os pajés não eram figuras tão preocupantes quanto foram no século XVI, agora representantes da Igreja, como D. Macedo Costa, criticavam os chamados naturalistas, maçons e liberais. Esses não entrariam no “reino dos céus.” A publicação da parábola referida acima

155 PROSPECTO. A Estrela do Norte, 06/01/1863. Belém, p. 1,2. 156 Segundo o Dicionário Litúrgico de Fr. Basílio Röwer, alguns sacramentos são de formação de caráter e outros de remissão. Os sacramentos que imprimem caráter só podem ser recebidos uma vez (Batismo, Crisma e Ordem). Cf: RÖWER, Fr. Basílio. Dicionário Litúrgico. Rio de Janeiro: Vozes, 1947. p. 204 e 205. 157 OS SETE sacramentos. A Estrela do Norte, 06/01/1863. Belém, p. 2, 3. 158 O JOIO e o trigo. A Estrela do Norte, 25/01/1863. Belém, p. 31, 32. 64

tinha o objetivo de separar os justos dos pecadores, numa referência clara aos líbero-maçons. Para obter uma elevação de espírito e aprimoramento moral, o bom cristão não poderia se descuidar da confissão. Como parte dos rituais católicos, a confissão foi e é ainda considerada pela Igreja Católica uma forma de minorar o sofrimento da alma em pecado, ou simplesmente extinguir os danos morais que o pecador causara a si mesmo e aos outros. O homem precisava se confessar sempre com Deus, sendo o sacerdote o mediador desse diálogo. Em um artigo intitulado: Depois, mas logo!, D. Macedo Costa adverte àqueles que negligenciavam a confissão.159 Em várias oportunidades, o bispo recorre ao texto do Concílio de Trento como argumento de autoridade. O texto do Concílio reforça a idéia que o pecado original está presente na trajetória humana até sua remissão final, o que não implicaria a ausência da purificação parcial, obtida pelo pecador através dos sacramentos.160 Segundo J. Delumeau, a confissão foi uma das diretrizes do Concílio de Trento, embora suas determinações tenham sido contraditórias. O texto do concílio recomendava a confissão aos padres que cometessem apenas os pecados mortais.161 O autor afirma, também, que a confissão foi um tipo de coação, assim como uma maneira de alguns padres acumularem bens, desde que se tornou obrigatória no Concílio de Latrão de 1215. Por meio da confissão, a Igreja poderia controlar os pensamentos mais íntimos de seus prelados, assim como dos fiéis. 162 Para isso, o texto do Concílio de Trento recomendava que a confissão fosse feita secretamente.163 Os “especialistas da confissão” deveriam ser

159 DEPOIS, mais logo! A Estrela do Norte, 29/03/1863. Belém, p. 100 a 102. 160 “A insuficiência da natureza e da lei para justificar os homens”. In: Livro do Concílio Tridentino. Seção III, no. 793. Concílio Tridentino [online]. Associação Cultural Montfort. São Paulo: Brasil, 1985. [Acessado em 29 de junho de 2004]. Disponível na World Wide Web: 161 DELUMEAU, Jean. A Confissão e o Perdão. A confissão católica séculos XIII a XVIII. Trad. de Paulo Neves. São Paulo: Companhia das Letras, 1991. p. 15. 162 Ibid. p.14. 163 “A Confissão”. In: Livro do Concílio Tridentino. Seção XIV, no. 899. Concílio Tridentino [online]. Associação Cultural Montfort. São Paulo: Brasil, 65

benevolentes e dóceis para com os pecadores. Essa atitude, de acordo com J. Delumeau, era uma tática de escuta e questionamento por parte dos padres.164 Por outro lado, há no texto do Concílio Tridentino referência sobre como a confissão era uma forma de absolvição dos pecados. O penitente, além de se confessar era aconselhado a realizar atos complementares, tais como: jejuar, orar e dar esmolas.165 D. Macedo Costa utiliza palavras como pesar, tormento, endurecimento da alma, referindo aos pecadores. Laicos e eclesiásticos são passíveis de penalidade, caso não praticassem a confissão sacramental. “A consciência, ou somente a suspeita de ter feito o mal, é para toda alma um fardo pesado; enquanto não está endurecida por longa prática no caminho da injustiça, experimenta ela a este só pensamento angústia e terror.”166 Desse modo, a escolha de termos que lembram o peso das coisas, traduz a imagem da alma que desce, que cai para os infernos, enquanto que a confissão permite a elevação, a leveza do espírito. Os termos peso e leveza não aparecem por acaso nos textos do bispo, eles estão ligados à idéia de mundo ctônico, condensado, impuro, de um lado, e mundo puro, elevado, celestial, de outro lado. Estas noções já existem na literatura teológica medieval, sendo retomadas pelo bispo.167

1985. [Acessado em 29 de junho de 2004]. Disponível na World Wide Web: 164 DELUMEAU, Jean. Op. Cit. p. 27, 28, 30. 165 Capítulo 14: A queda no pecado e a sua reparação In: Livro do Concílio Tridentino. Seção IV, no. 807. Concílio Tridentino [online]. Associação Cultural Montfort. São Paulo: Brasil, 1985. [Acessado em 29 de junho de 2004]. Disponível na World Wide Web: 166 CONFISSÃO sacramental. A Estrela do Norte, 29/03/1863. Belém, p. 102,104. 167 LE GOFF, Jacques. O nascimento do purgatório. 2a. edição. Trad. de Maria Fernanda Gonçalves de Azevedo. Lisboa: Estampa, 1993. p. 51. Para Jacque Le Goff, Dante Alighieri expressou “maravilhosamente” os locais para onde iriam as almas depois da morte. O inferno seria o lugar grotesco e escuro, formado por nove círculos. Seus demônios aguardavam as almas trazidas por Caronte: E eis que, num barco, um velho, com nevadas barba, perto de nós apareceu, exclamando: “Aí de vós, almas danadas”. Sem descrevermos toda a passagem do poeta ao “terceiro lugar”, o paraíso é a próxima parada da viagem de Dante, lá seu corpo, que ainda era matéria, ficava cada vez mais leve, desde que começou a subir os degraus da montanha do purgatório para chegar ao primeiro dos nove círculos do paraíso. Diz Dante: Começando a mover-me, em seguimento do vulto de Virgílio, vi, então, que era mais leve. Cf: ALIGHIERI, Dante. A Divina 66

J. Delumeau afirma que muitos prelados tinham na confissão um meio de alívio para a alma, uma espécie de tranqüilizante, um anestésico.168 Essa idéia aparece também nos escritos do bispo do Grão- Pará. Em sua opnião, a confissão ajudaria na purificação do sacerdote e afastaria os assédios dos demônios.169 Embora nem todo padre viesse a se tornar um santo, o repertório da hagiografia e da vida do Messias eram constantes nas prédicas do bispo. O discurso monaquista já não é tão forte como fora na Idade Média,170 mas o padre deveria ter uma vida ascética e, ao mesmo tempo, devotada aos serviços religiosos junto às comunidades.171 Uma das reclamações recorrentes nos textos de D. Macedo Costa era que os padres brasileiros estavam mais preocupados com seus negócios pessoais172 do que com a salvação espiritual dos povos, daí a necessidade de reformar o clero. Para mostrar a importância da confissão, D. Macedo Costa se baseia nos vários depoimentos que, desde o mundo antigo, reafirmam esse ato. Alguns nomes desse “panteão” católico são figuras consagradas na Igreja, tais como: Santo Agostinho, para o qual a confissão tem no padre o interventor ou mediador; Gregório VII que afirmou ser a confissão um ato de contrição, de abertura dos problemas íntimos e da satisfação moral por meio de obras realizadas; Santo Isidoro de Sevilha, para o qual a confissão seria a cura da alma; São Bento, que mostrou ser a confissão um ato quase obrigatório de

Comédia. Trad. de Cristiano Martins. São Paulo: Editora Itatiaia, 1976. p. 405. 168 DELUMEAU, Jean. Op. cit. p. 37. 169 CONFISSÃO sacramental. A Estrela do Norte, 29/03/1863. Belém, p. 102,104. 170 VAUCHEZ, André. A Espiritualidade na Idade Média Ocidental. Séculos VIII a XIII. Trad. de Lucy Magalhães. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1995. p. 35. 171 É importante salientar que a concepção das atividades e tarefas do sacerdócio passou por várias transformações ao longo dos séculos. Do cenobita ao secular, passando pelo eremita, várias foram as práticas e visões do papel que os sacerdotes deveriam exercer no mundo. Cf: Ibid. Loc. Cit. 172 Segundo João Fagundes Hauck, os padres realizavam muitas atividades não religiosas: eram comerciantes, cuidavam de suas fazendas, quando as possuíam. Segundo o autor, a maioria deles, não se preocupava com os serviços religiosos em geral. Cf: HAUCK, João Fagundes. “A Igreja na Emancipação (1808-1840).” In: BEOZZO, José Oscar. História da Igreja na América no Brasil. 3ª. Edição. Rio de Janeiro: Edições Paulinas e Petrópolis: Vozes, 1992. p. 88. 67

revelação dos pecados para um sacerdote.173 Enfim, muitos personagens considerados eminentes do Catolicismo eram mencionados a fim de argumentar que os doutos da Igreja recomendavam a prática da confissão entre os fiéis e sacerdotes.174 Além dos pecados mortais, a Igreja também precisava banir de seu interior os pecados capitais, principalmente quando lutava contra a sociedade de consumo que se formara a partir da revolução industrial. Em Belém, não podemos falar de um desenvolvimento industrial tal como na Europa, mas o comércio, a criação de gado no Marajó e a economia da borracha faziam circular capitais, favorecendo alguns habitantes da região. Eram comum nos jornais as propagandas endereçadas às senhoras e senhores da cidade.175 Muitas confeitarias chamavam a atenção dos clientes sobre as novidades trazidas de Paris. A loja “Paris na América” era o point dos cavalheiros e damas naquele período. Esse cenário preocupava D. Macedo Costa, pois, em seus discursos, percebemos a crítica aos que buscavam, com seus lucros, apenas usufruir dos benefícios trazidos pelo chamado “novos tempos”.

173 A confissão era um mecanismo de controle estimulado pelos chamados ultramontanos. 174 CONFISSÃO sacramental. A Estrela do Norte, 26/04/1863. Belém, p. 130,131. É importante salientar que a reforma clerical não era exclusiva de D. Macedo Costa, antes dele alguns bispos na Amazônia já falavam sobre a intelectualização do clero, com base em pressupostos tridentinos. Foi o caso de D. Romualdo de Souza Coelho, que governou a Diocese do Grão-Pará entre 1819 e 1842. Por outro lado, fora da Amazônia, D. Romualdo de Seixas também falava de uma reforma geral do clero que, para ele, vivia mais próximo do laicato do que de Deus. Cf: HAUCK, João Fagundes. Op. Cit. p. 83. 175 Nos anúncios dos jornais de Belém eram oferecidos vários objetos para compra. No jornal Treze de Maio, uma loja situada a Rua Canto da Boa Esperança, na Travessa das Mercês no. DD. anunciava os objetos para a Festa de Nazaré: “Chapéus modernos e Tamberlick para senhoras, capas de seda, pulseiras de miçanga [...] um lindo sortimento de alfinetes para a cabeça de senhoras, saias, balões para ditas meninas de todos os tamanhos, colarinhos de cambraia bordados [...]” Anúncios. Treze de Maio. 16/10/1861. Belém, s/p. Na mesma ordem, o jornal O Liberal do Pará de 23/09/1875 traz o anúncio da loja Esmeralda que vendia popelines, sarjas e alpacas. O jornal O Diário de Notícias de 2/10/1892 também informa, pelos anúncios, as novidades trazidas da Europa: “Os Srs. G. Gaudin & Cia. avisam seus numerosos fregueses que receberam pelo último vapor da Europa, um grande sortimento de pelica e pele da Suécia de todas as cores e de primeira qualidade. Receberam, também, manchetes de renda para pregar nas luvas. Essas luvas de manchetes são as da última moda de Paris [...] Rua do Conselheiro João Alfredo no. 98.” 68

O orgulho, a avareza, a inveja, a gula, a luxúria, a ira e a preguiça eram colocados por D. Macedo Costa como obstáculos para a salvação alma, principalmente no “mundo moderno”. Além disso, o bispo, utilizando o pensamento de Leibniz, mostra a associação existente entre os pecados capitais e doenças do corpo, indicando que para cada pecado cometido uma doença específica apareceria na carne do pecador.176 O orgulhoso desenvolverá doenças crônicas; o avaro sofrerá de insônia; o invejoso terá moléstias prolongadas como a icterícia, a duodenite e a consumação dos pulmões, o guloso terá males que nem pode imaginar; o luxuriante sofrerá de úlcera, os irados arrotarão e vomitarão, terão, também, espasmos, ruptura dos vasos sangüíneos, aneurisma e apoplexia; o preguiçoso terá tantos males que não agüentará.177 Através da confissão a Igreja procurou controlar a vida dos fiéis, suas vontades, ações, desejos e crenças. Por meio desse ato, os padres poderiam conhecer os sentimentos íntimos de seu rebanho. Era interessante, portanto, que o sacerdote investisse na confissão dos fiéis para que pudesse conhecer melhor os freqüentadores de sua paróquia. Em geral, as histórias publicadas por D. Macedo Costa, em seu jornal, trazem situações em que os personagens demonstram repugnância pela Igreja, mas como sinal de vingança, os mesmos sofrem com a descrença e experimentam o sabor de suas maledicências. Geralmente são convencidos por um padre a respeitar e adotar os ritos clericais quando estão prestes a morrer. Num artigo intitulado “Leituras Populares”, um “sacrílego” que zombava da Igreja e de seus rituais faz uma aposta com o amigo, dizendo que iria se confessar. Ao entrar no confessionário, o padre logo percebeu o estratagema e o advertiu. O prelado pediu para ele repetir a seguinte frase antes de

176 O pensamento de Leibniz foi entendido no seguinte aspecto: segundo este pensador, há três formas de manifestação do mal no mundo; metafísico, físico e moral. “O mal metafísico seria a fonte do mal moral, e deste decorreria o mal físico.” Assim, a fonte das degenerações no corpo tem como causa a decadência espiritual. Com base nisso, D. Macedo Costa afirmou a correlação entre as doenças do corpo e os pecados dos indivíduos. Cf: LEIBNIZ, G. W. Os Pensadores. Trad. de Luiz João Baraúna. São Paulo: Nova Cultural, 2000. p. 11 e 12. 177 OS PECADOS capitais. A Estrela do Norte, 19/04/1863. Belém, p. 122. 69

dormir: “sei que devo morrer, mas zombo disso”. O homem, então, aceitou o pedido do padre, acreditando tratar-se apenas de uma advertência. Mas, em alguns dias, a moléstia tomou-lhe conta e o homem se viu diante da morte. Mesmo assim repetia a frase “sei que devo morrer, mas zombo disso” e, a cada dia o medo da morte aumentava. O conto termina com a seguinte idéia: a Religião vencera com suas próprias armas.178 A imagem do moribundo esperando a morte e seu castigo é recorrente nesse jornal. Para D. Macedo Costa, aquele que renegasse Deus e a natureza espiritual sofreria as conseqüências. Esse era um dos jogos psicológicos utilizados pelos padres, fazendo com que os homens acreditassem que sua vida real não era deste mundo. Os que negassem essa idéia deveriam ser punidos. Uma das preocupações do bispo do Grão-Pará era publicar os mandamentos do Antigo Testamento e as regras canônicas, para que eclesiásticos e leigos lessem e refletissem sobre seus atos. Entre os trechos do Antigo Testamento, um em especial nos chamou a atenção: “Com castidade serás modesto em tuas ações. Sem manchares a tua alma com obscenas corrupções”.179 Com a frase: “a morte mata o corpo, mas o pecado mata a alma”, padre Antônio Vieira é evocado para mostrar que se o corpo se deixa levar pelo prazer, a alma assim estará contaminada, principalmente se quem pratica tal luxúria é um sacerdote. Não basta preservar o corpo da impureza do mundo, antes seria preciso não contaminar o espírito.180 A advertência para a não contaminação do corpo é um tônica nos textos publicados no jornal da diocese, entre os quais destacamos aqueles que discutem o celibato eclesiástico. Um dos autores que tratam do assunto é J. Dalarun, mostrando que a exigência de determinados papas em relação à castidade começa a existir a partir da ascensão de Gregório VII, na Europa do século XI. Alguns monges, como Robert d’ Arbrissel, foram surpreendidos com a reforma gregoriana, a partir da qual o

178 UMA PENITÊNCIA ou o incrédulo no laço. A Estrela do Norte, 10/05/1863. Belém, s/p. 179 OS MANDAMENTOS da lei de Deus. A Estrela do Norte, 24/05/1863. Belém, p. 168. 180 O PECADO. A Estrela do Norte, 26/07/1863. p. 240. 70

casamento de padres era tido como pecado. J. Dalarun, analisando a vida desses monges, afirmou que as novas interdições da Igreja aguçavam a discussão sobre a castidade, como também sobre os pecados nicolaítas e simoníacos.181 A partir dos textos de D. Macedo Costa, podemos dizer que o combate à prática do sexo atrelava-se aos projetos de um clero brasileiro, cujo discurso era de moralização do corpo clerical. Por outro lado, existiam aqueles que desejavam uma maior autonomia do clero em relação a Roma, mantendo-se favoráveis ao fim do celibato eclesiástico e à liberdade de ação dos bispos. Essas idéias tiveram como um dos principais porta-vozes, ainda no período regencial, Antônio Feijó, semeador do debate sobre o celibato no Brasil e defensor de um clero colegiado e independente do papado. Seus pensamentos influenciaram outros prelados que viam no celibato uma regra contrária aos impulsos humanos. A Santa Sé nutria desconfiança em relação às atitudes e opiniões de Padre Feijó, alegando que este propagava idéias inaceitáveis quanto ao celibato, como também questionava o caráter sacramental do casamento.182 Uma das explicações, segundo Paulo Castro, para que Padre Feijó negasse o sacramento do matrimônio era que ele próprio vinha de uma filiação ilegítima, situação recorrente nos discurso historiográficos sobre o clero no Brasil.183 Alguns jornais da Corte como A Aurora Fluminense, Carioca Consticional e Astrea, influenciados pelas idéias de Feijó, propagavam o fim do celibato, além de defender o casamento entre os padres.184 O pensamento de Padre Feijó foi combatido por D. Romualdo de Seixas, bispo da Bahia e que também foi

181 DALARUN, Jacques. Amor e Celibato na Igreja Medieval. Trad. de Antônio de Pádua Danesi. São Paulo: Editora Martins Fontes, 1990. p. 17. 182 CASTRO, Paulo Pereira. “A experiência republicana, 1831-1840.” In: HOLANDA, Sérgio Buarque (dir.). O Brasil Monárquico. Dispersão e unidade. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1967. p. 45. 183 Ibid. p. 46. 184 AZZI, Riolando. A crise da cristandade e o projeto liberal. São Paulo: Edições Paulinas, 1991. p. 195. 71

tutor e conselheiro de D. Macedo Costa, antes que este se tornasse bispo. Quando governava a Diocese do Grão-Pará, o bispo enfrentou pensamentos heterodoxos como os de Padre Eutíquio, cujas idéias eram semelhantes as de Padre Feijó. Padre Eutíquio nasceu na Bahia e lá cursou o seminário. Em 1850, aportou em Belém, a fim de presidir o Mosteiro dos Carmelitas. Era, também, professor de Latim no Liceu paraense e defendia, através de textos publicados no jornal O Pelicano, princípios liberais e maçônicos, como a separação da Igreja do poder temporal e a liberdade de religião e de consciência.185 Numa frase, Padre Eutíquio resumiu seu pensamento sobre o governo de D. Macedo Costa: “O Syllabus, o D. Antônio de Macedo Costa e o Concílio do Vaticano, empurraram-me da Igreja romana”.186 Padre Eutíquio se referia ao capítulo IV do Syllabus, que condenava as chamadas idéias modernas, entre as quais estavam a Maçonaria e o Liberalismo.187 Por outro lado, D. Macedo Costa afirmou que alguns homens eram fracos demais para cumprirem a regra do celibato. Os deveres que estas instituições impõem aos homens, segundo tais opiniões, são muito difíceis de serem mantidos tanto pelos padres, no que concerne ao celibato, quanto pelos leigos no, que se refere ao casamento. O bispo criticou, freqüentemente, as idéias de Mr. Cayla188 e seu amigo Gueroult, para os quais muitos padres caíam no pecado por não agüentar os rigores da renúncia sexual. No entanto, segundo D. Macedo Costa, o padre que adotasse o celibato estava, de fato, se separando “da sociedade libertina, corrupta e estragada pelas paixões vis”. Ele lembrou figuras importantes na história da Igreja que mantiveram seus

185 VIEIRA, David Gueiros. Op. Cit. p. 312, 313. 186 Ibid. Loc. Cit. 187 Syllabus. [online]. Associação Cultural Montfort. São Paulo: Brasil, 1985. [Acessado em 29 de junho de 2004]. Disponível na World Wide Web: 188 Segundo D. Macedo Costa, Mr. Cayla escrevia livros e artigos jornalísticos, propondo que Napoleão se tornasse Papa, assim como o casamento entre os padres. Por causa desses pensamentos, o Bispo do Grão-Pará dizia que o Sr. Cayla tinha a mente enferma tal como seus amigos Edmundo About e Gueroult. Cf: O CELIBATO eclesiástico. A Estrela do Norte, 01/11/1863. Belém, p. 347, 348. 72

juramentos perante a cristandade, entre eles estão: S. Vicente de Paulo, S. Francisco de Salles. Assim, D. Macedo Costa dizia que o celibato era um “estado de perfeição” e que, segundo Jesus Cristo, alguns homens deveriam ser eunucos para entrar no Reino dos Céus.189 Na opinião de Mr. Cayla a fé não era suficiente para manter o padre afastado dos prazeres humanos, sendo, portanto, a castidade uma violação psicológica que massacrava a alma do sacerdote. No entanto, na visão de D. Macedo Costa, a castidade era um hábito antigo e que tornava o padre virtuoso para sua missão na terra e no além túmulo. A promessa de uma vida santa depois da morte manteria o sacerdote afastado dos prazeres terrenos. D. Macedo Costa afirmou que desde Gregório VII, a Igreja foi impelida a decretar o celibato eclesiástico, assim como a ensinar a sua importância para o sacerdote. Ao contrário do dizia o Sr. Cayla, D. Macedo Costa afirmava que a Igreja nunca havia permitido o casamento dos clérigos e que se ele existiu, foi combatido por padres de virtude. Mesmo nas Igrejas orientais, o casamento só era possível até a unção sacerdotal. Os que se mantiveram casados foram expurgados de qualquer cargo eclesiástico. D. Macedo Costa relembrou as investidas de Padre Feijó que, tal como o Mr. Cayla, queria liberar o padre para poder contrair matrimônio, mas os “sacerdotes virtuosos” teriam derrubado tal projeto sob a liderança de D. Romualdo de Seixas.190 Laura de Mello e Souza afirmou que no período colonial brasileiro o padre era ignorante das regras fundamentais da Igreja; desconhecia, por exemplo, a disposição exata das pessoas da Santíssima Trindade. Com isso, a autora reforça a ausência de um clero formado e instruído naquele período.191 Essa idéia persiste como explicação, entre alguns autores, também para o Império.192 A questão é que uma das políticas

189 Ibid. Loc. Cit. 190 Ibid. p. 354, 355. 191 SOUZA, Laura de Mello. O Diabo e a Terra de Santa Cruz. Feitiçaria e religiosidade popular no Brasil Colonial. São Paulo: Companhia das Letras, 1996. p. 90. 192 Essa noção está presente na obra de João Dornas Filho, O Padroado e a Igreja no Brasil, assim como entre os autores da CEHILA, Riolando Azzi e Oscar 73

reformistas de D. Macedo Costa para a região norte era fazer com que os padres tivessem instrução e fossem preparados para o serviço religioso. Enquanto isso não acontecia, o bispo argumentava que era possível trazer sacerdotes estrangeiros para ocuparem as igrejas vagas da diocese, ou ainda, intensificar a vigilância dos serviços religiosos, realizando Visitas Pastorais pelas freguesias. Sobre essa questão, O Liberal do Pará dizia que D. Macedo Costa reclamava a falta de prelados para a região, quando os que existiam pediam licenças ou estavam sem tarefas.193 Um artigo publicado no jornal A Estrela do Norte, atribuído a Lamartine, evidencia quais os deveres dos párocos para com a sociedade. O sacerdote, em sua opinião, deveria ser o modelo de virtude, de sabedoria, de tolerância e de paciência. Sem o padre “o homem não pode nascer e nem morrer”.194 Essa frase esclarece bem o papel que o prelado adquiria na vida da comunidade. Com o trecho: “[...] o sacerdote, como o fiel, só deve contas a sua consciência e a sua

Igreja, única autoridade a quem está sujeito”195, o redator, usando o artigo de Lamartine, critica a situação enfrentada pelos padres no

Brasil em virtude do regime de padroado.196 O sacerdote, nessa interpretação, também deve combater a intolerância das autoridades civis, as superstições populares e ensinar o “verdadeiro caminho”. Para Lamartine, assim como para o redator, as coisas deste mundo são efêmeras e os padres, ministros espirituais, não poderiam servir a Deus e aos governos ao mesmo tempo. A sua relação com o governo deveria ter apenas o cumprimento justo das regras do momento, sem exageros. “O pároco é o único cidadão que tem direito e obrigação de ficar neutro nas causas, nos ódios, nas lutas dos partidos que dividem

Beozzo, em História da Igreja no Brasil, tomos I e II, para os quais a Igreja Católica era uma espécie de funcionária do Estado. 193 [SEM TÍTULO]. O Liberal do Pará, 24/03/1878. Belém, s/n. p. 1. 194 DEVERES civis dos párocos. A Estrela do Norte, 02/08/1863. Belém, p. 241. 195 Ibid. Loc. Cit. 196 O texto atribuído a Lamartine foi transcrito para o jornal da Diocese, embora não saibamos quem o transcreveu, supomos ter sido D. Macedo Costa, pois a maior parte dos artigos do jornal era de sua autoria. 74

as opiniões e os homens; porque é antes de tudo o cidadão do reino eterno.” 197 O padre não deve esquecer que “sua autoridade começa e termina no vestíbulo de sua Igreja, aos pés do seu altar.”198 Novamente buscando em Lamartine, o redator afirma que o prelado deve saber qual lugar no mundo, deve criar víveres, cultivar jardins para o seu próprio prazer, entretanto, não deve conviver muito com a vizinhança, a não ser em ocasiões que sua presença é indispensável, por exemplo, em batizados, casamentos e enterros. No mais, os párocos devem se manter reclusos em suas paróquias ensinando o catecismo e lendo seus bons livros.199 As disposições acima direcionadas para os sacerdotes são resultados de uma retórica de renovação do clero brasileiro. Além disso, é necessário considerarmos que D. Macedo Costa, apesar de defender, às vezes, um discurso de neutralidade defendia ‘projetos’ que claramente se aproximavam dos interesses de alguns grupos locais. A renovação psicológica e cultural do sacerdote e dos fiéis fazia parte de um amplo plano de ação apostólica, cujo objetivo político não era excluído. A prática da “limpeza moral” foi evidenciada em várias atividades do bispo, entre as quais destacamos as visitas paroquiais no interior, com o intuito de orientar ou mesmo controlar os trabalhos dos prelados. Em 1877, por exemplo, o vigário de Mazagão, vila próxima a Macapá, foi suspenso de suas atividades por negligenciar os assentamentos de batismo, de casamento e óbitos. O bispo não havia encontrado nenhum registro sobre as atividades do prelado daquela região, o que o levou a solicitar ao mesmo a remessa dos livros o mais rápido possível para a diocese, caso não o fizesse, o padre seria afastado definitivamente de seu cargo.200 O bispo do Grão-Pará, portanto, procurou elevar a imagem do sacerdote, o que sugere uma política de reforma interna da Igreja. Havia a necessidade de repensar as atividades do clero e seu papel social. Numa situação como a brasileira, em que o governo reunia os

197 DEVERES civis dos párocos. A Estrela do Norte, 02/08/1863. Belém, p. 249. 198 Ibid. Loc. Cit. 199 Ibid. p. 250. 200 SUSPENSÃO de ordens. A Boa Nova. 01/08/1877. Belém, n. 59, p. 1. 75

poderes temporal e espiritual, era necessário retomar a direção do processo mesmo que para isso houvesse conflito. D. Macedo Costa, apesar de não concordar com reformas radicais na relação Igreja e Estado, ou seja, de uma separação definitiva, tal como queriam os liberais, por exemplo, argumentava que o clero necessitava de maior liberdade para colocar em prática suas idéias.

2.2 “Dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus.”

Roma era o único lugar que, para D. Macedo Costa, estava preservado do pecado, mais precisamente a região onde se concentrava o poder papal. Ainda em sua opinião, o mundo inteiro estava corrompido pelos movimentos “modernos” e por uma nova “barbárie”. Mais do que nunca a Santa Sé, para o bispo, era o lugar purificado, pois lá estava o coração da Igreja Católica, estavam também o Sumo Pontífice e os “melhores seres humanos.” O mundo inteiro caminhava em direção à sua própria destruição, caso os homens não seguissem os preceitos da “Cidade Sagrada”. Num momento em que a França e a Inglaterra eram tidas como civilizações-modelo, D. Macedo Costa desloca esse modelo para a Itália, mais precisamente, para o habitat do papado. A terra, outrora do paganismo, do politeísmo e da perseguição aos cristãos seria como que o coração da Cristandade.201 Como já referimos, os novos inimigos de uma parte do clero eram liberais, maçons, protestantes, cientistas e naturalistas. Um dos temores expressados nos textos do bispo era que a Igreja de São Pedro, em Roma, fosse maculada e destruída pelo avanço das concepções desses agentes. Havia a necessidade, portanto, de salvaguardar aquela cidade das novas formas de pensamento que penetravam algumas em regiões importantes da Itália. No Le Monde, um artigo atribuído ao Sr. X. de

201 PARA ROMA! e o inferno não vencerá a minha Igreja. A Estrela do Norte. 01/02/1863. Belém, s/p. 76

Fontaines, sem data precisa, discutia os problemas enfrentados pelo papado:

A Igreja universal tem proclamado solenemente os direitos imprescritíveis do Papa sobre Roma, a absoluta necessidade do poder temporal como única salvaguarda de sua independência; ela tem sancionado unanimemente a excomunhão fulminada contra todos os que tocam ou tocarem no domínio de Pedro.202

O fundamento que considerava Roma o centro de autoridade para os padres era o mesmo que questionava o poder real, desde que foi instituído o regime de padroado, no século XIV.203 Ao pensar na discussão política ou no princípio de autoridade, D. Macedo Costa deixava claro que o clero deveria conduzir as leis civis ou pelo menos aconselhar os atos dos governos temporais, sem que isso significasse uma subjugação radical do Estado à Igreja. Um artigo publicado no Jornal da diocese trazia um trecho que resume o pensamento acima: “O Estado, toda a sociedade humana deve voltar aos princípios católicos; não há outro meio de solução. Não foi em vão que o Senhor trouxe o

Cristianismo à terra.”204 Na Europa, em alguns países católicos, o avanço do Liberalismo vinha atormentando o Papa e seus aliados. Alguns artigos sobre a unificação italiana eram publicados no jornal A Estrela do Norte. D. Macedo Costa, por medo de perder a “Cidade Eterna”, produzia textos e transcrevia outros de repúdio ao Liberalismo, à política piemontesa e aos líderes relacionados aquele evento, entre os quais Giuseppe Garibaldi e Vitor Emmanuel. O bispo afirmava que os acontecimentos na Itália e mesmo na França interessavam aos leitores brasileiros, não só porque estes viviam num país católico, como também no regime monárquico. Segundo D. Macedo Costa, as influências de um tipo de pensamento europeu, como o Liberalismo, no Brasil eram preocupantes

202 CRÔNICA religiosa. A Estrela do Norte, 08/02/1863. Belém, p. 47, 48. 203 CASALI, Alípio. Elite Intelectual e Restauração da Igreja. Petrópolis: Vozes, 1995. p. 38. 204 [O triunfo da Igreja]. A Estrela do Norte, 08/02/1863. Belém, p. 47 e 48. 77

para boa parte dos clérigos.205 Muitos deles associavam Liberalismo a satanismo. Através da publicação de um texto de Padre Vieira, o bispo do Grão-Pará argumentou que os homens eram as criaturas mais horrendas que os próprios demônios. Mencionou a saga de Jesus no deserto sofrendo as tentações, enfrentando as feras. Mas, em sua opinião, nem o demônio e nem as feras foram responsáveis pela morte de Jesus e sim os homens. Escritos como os de Padre Vieira e de propagandistas católicos como Lamennais, Lacordaire, Lamartine eram importantes para incentivar a sociedade a repensar suas ações e suas crenças no progresso técnico e na ciência cética.206 A Igreja, por meio da crítica ao pensamento que vinha se desenvolvendo no século XIX, reafirmava a autoridade papal em relação aos poderes temporais que, em alguns países, sofriam influências das chamadas idéias modernas. O Liberalismo, por exemplo, de acordo com Richard Bellamy, se apresentava de várias formas nos países europeus, que ia do

Liberalismo ético ao econômico,207 mas para o bispo do Grão-Pará suas diferenças não importavam, já que significava a destruição da Igreja. Antes de entrarmos na discussão entre o Catolicismo “ultramontano” e o pensamento chamado de “moderno”, é necessário entendermos a relação entre a Igreja Católica Brasileira, em sua ala dita conservadora, com o poder público. Não só foi constituído um discurso clerical para legitimar a separação dos interesses entre a Igreja e o Estado, como esse debate se coloca em níveis cotidianos. O jornal da diocese tem um papel no desenvolvimento dessa crítica ao poder civil.208 Em alguns artigos, D. Macedo Costa colocava sua indignação frente às intervenções do poder temporal nos assuntos

205 ROMA e o Piemonte. A Estrela do Norte, 15/03/1863. Belém, p. 81, 82. 206 OS HOMENS, piores inimigos que o Demônio. A Estrela do Norte, 15/03/1863. Belém, s/p. 207 BELLAMY, Richard. Liberalismo e Sociedade Moderna. Trad. de Magda Lopes. UNESP, 1994. p. 12 e 13. 208 PARTE oficial. A Estrela do Norte, 06/09/1863. Belém, p. 281, 282. 78

sagrados, que ele considerava totalmente sem sentido.209 Segundo ele, isso enfraqueceria o clero na luta contra os chamados “filhos de satã”. A luta de D. Macedo Costa e padres como Honorato Corrêa de Miranda, Gustavo Augusto da Gama Costa e Félix Vicente de Leão para manter a Igreja preservada das intervenções externas a ela, tinha no seminário da cidade de Belém um exemplo. Em 22 de abril de 1863, D. Pedro II lançou o decreto 3073, de 22 de abril de 1863, que uniformizaria os estudos nos seminários.210 Ao que parece, este documento relançava uma das pedras de discórdia entre os poderes temporal e espiritual no Brasil, antes mesmo da chamada Questão Religiosa. Na verdade, os conflitos entre esses poderes já existiam há muito e foram constantes na vida brasileira. Em 28 de julho de 1863, D. Macedo Costa publicou no jornal da diocese um documento intitulado Memória, no qual discutia o decreto

3073 do Império sobre as cadeiras dos seminários.211 Nossa preocupação aqui é perceber a crítica de um “ultramontano” à política imperial relacionada a instituições caras ao Catolicismo. Este decreto, que remontava a um alvará de 1805, uniformizava o estudo nos seminários subsidiados pelo Estado. No primeiro momento o intuito do Imperador, segundo o bispo, era apoiar-se numa legislação para os seminários, elaborada pelo Concílio Tridentino. Segundo D. Macedo Costa, alguns relatórios ministeriais que geriam os assuntos eclesiásticos traziam em seu conteúdo a mesma pretensão de D. Pedro II, que era de “regenerar o clero” e dar-lhe um “uma instrução mais larga e mais de acordo com a necessidade do tempo”. Na visão do bispo, o objetivo do

209 Alguns artigos do jornal A Estrela do Norte apresentavam as críticas de D. Macedo Costa à intervenção do poder temporal em assuntos que, para ele, pertenciam ao terreno sagrado. Na visão de “ultramontanos” como ele questões ligadas ao coração humano não poderiam ser tratadas pela burocracia provincial. Era preciso, nessa compreensão, resgatar a autoridade da Igreja nesses assuntos e redefinir o papel do sacerdote no mundo. O discurso do bispo conecta-se à idéia de que a Igreja Católica “[...] busca seu poder fora das conjunturas passageiras.” Cf: ROMANO, Roberto. Op. Cit. p. 39. 210 ADESÕES ao clero. A Estrela do Norte, 08/11/1863. Belém, p. 355, 356. 211 ADESÕES ao clero. A Estrela do Norte, 24/10/1863. Belém, p. 26 a 28. 79

governo era fazer com que o ensino eclesiástico tivesse um papel mais social, além de melhorar as bases do ensino secundário, como forma de ampliar os estudos dos aspirantes aos seminários, dando-lhes uma maior preparação. Essas eram as supostas intenções manifestadas pelo Imperador ao bispo D. Romualdo de Seixas, em 1851, e que, segundo o D.

Macedo Costa, não foram colocadas em prática.212 Antes da crítica, D. Macedo Costa acreditava nas reformas e sugeria, numa carta enviada ao Imperador, em 21 de janeiro de 1863, que tais reestruturações chegassem aos seminários de Belém. O bispo pedia que fossem criadas as cadeiras do ensino de matemática, trigonometria, geometria, aritmética e álgebra, as quais, tal como na Europa, seriam importantes o desenvolvimento do raciocínio e da lógica nos alunos, servindo de fundamento para outras disciplinas. Os seminários brasileiros deveriam que se inspirar no modelo de Saint Sulpice, onde, segundo D. Macedo Costa, os candidatos ao sacerdócio aprendiam física e química, antes mesmo de teologia. Além disso, havia a necessidade de se criar, no Brasil, faculdades de teologia com o objetivo de tornar o clero brasileiro mais intelectualizado. Isso significava a introdução de disciplinas como etnografia, geografia, corografia, botânica, medicina, história profana, gramática, exegese bíblica e o estudo da língua.213 Ao contrário do que esperava D. Macedo Costa, o Imperador retirou do ensino nos seminários as cadeiras que considerava mais importantes, ou seja, o ensino de língua grega, exegese bíblica, direito natural e eloqüência sagrada. Apenas mantém as cadeiras de latim, francês, retórica e filosofia. A insistência de D. Macedo Costa para que fossem conservadas as áreas acima levou o Imperador a afirmar que se os bispos quisessem continuar com essas matérias, que pagassem os professores com seus próprios rendimentos. Diante disso, o bispo do Grão-Pará afirmou que os prelados, no Brasil, ganhavam mal, apenas 300$ reis de côngrua por mês, e que seus rendimentos mal cobriam as

212 MEMÓRIA. A Estrela do Norte, 18/10/1863. Belém, p. 331 a 334. 213 Ibid. Loc. cit. 80

necessidades pessoais e as atividades religiosas. Lembrou, ainda, que D. Maria I, junto com a Santa Sé, haviam repassado por decreto para o Seminário do Grão-Pará as fazendas dos extintos mercedários, mas esses bens não teriam chegado a formar o patrimônio da Igreja nessa região. Além disso, a diocese não recebia os bens que as congregações religiosas deveriam repassar. Assim argumentava D. Macedo Costa que o clero do Grão-Pará não possuía recursos para manter funcionando as aulas das disciplinas que considerava importantes para a formação do seminarista.214 O pagamento das côngruas aos eclesiásticos é um tema que remete à história da dízima ou décima parte dos rendimentos pessoais e reais de uma paróquia. Embora a Igreja aconselhasse o pagamento das dízimas, somente no II Concílio Marconense, em 585, o preceito do recolhimento do tributo foi promulgado, assim como qualquer contribuição ao clero. Aqueles que não cumprissem essa determinação ficariam sob pena de excomunhão. Nesse Concílio, os clérigos também definiram, baseados em textos do Antigo Testamento, que a cobrança da dízima era direito eclesiástico.215 A partir da Revolução Francesa, as dízimas passaram a não ser cobradas em muitos países da Europa e América, sendo substituídas por côngruas do erário público. Como no Brasil subsistia o direito de Padroado, em que o monarca exercia os poderes temporal e espiritual ao mesmo tempo, todas as arrecadações da dízima eram feitas por funcionários chamados dizimeiros e entregues à Fazenda Real, que devolvia aos clérigos na forma de côngruas. Durante o Segundo Reinado, a maioria das paróquias brasileiras não cobrava as dízimas, mas ainda subsistiam as côngruas, pagas pelo poder público.216 Pelo que podemos entender, as côngruas surgiram do antigo recolhimento das dízimas, o

214 Ibid. Loc. cit. 215 OLIVEIRA, Dom Oscar. Estudos: os dízimos eclesiásticos do Brasil nos períodos da Colônia e do Império. Belo Horizonte: UFMG, 1964. p. 17,19. Segundo Dom Oscar, há no Antigo Testamento exemplos de tributos de dízimos: é o caso de Abraão que, vindo da Caldéia, dá ao sacerdote Melquisedec a décima parte de tudo o que possuia. Cf: Bíblia de Jerusalém. (Gn. 20). p.50 216 Ibid. p. 31, 33. 81

que para muitos clérigos significava uma outra forma de conceder tributos aos representantes de Deus em troca de seus serviços espirituais. D. Macedo Costa, ao tratar dos direitos da Igreja assegurados pela tradição, possivelmente não excluía o pagamento das côngruas. Apesar dos debates do clero sobre as intervenções do poder civil em matéria de Religião, isso não implicava na redefinição de fronteiras entre os poderes em questão e muito menos o fim da “restituição sagrada.” Às vezes, o governo provincial entrava em choque com a diocese do Grão-Pará por várias questões. Como exemplo, em um ofício, o Presidente da Província Francisco Carlos de Araújo Brusque teria suspendido o pagamento dos lentes dos seminários em Belém, pois eles não teriam apresentado listas de freqüência nas aulas. D. Macedo Costa, indignado, enviou uma carta ao Imperador reclamando da suspensão do pagamento e das exigências do presidente.217 Em outro texto, D. Macedo Costa solicitava ao Imperador o fim da lei que permitia o uso dos templos em épocas de eleições; a ordem para suspender os trabalhos públicos em dias santos e domingos; a preferência à ação dos missionários católicos aos protestantes junto aos índios.218 Os embates entre membros do clero e o poder civil também aparecem quando os assuntos são irmandades, que em geral, tinham como diretores os mesmos políticos com assento nos cargos públicos, muitos deles maçons. Aquilo que poderia ser um mero “aviso doméstico” da diocese às vezes, se transformava em um problema de autoridade. É o caso de um questionamento direcionado por D. Macedo Costa às irmandades por manterem os paramentos das igrejas em seu poder, quando cabia ao cura a tarefa de cuidar daqueles objetos.219 Percebemos, assim, que os conflitos entre os poderes temporal e espiritual não se restringiam a

217 OFÍCIO. A Estrela do Norte, 04/10/1863. Belém, p. 317-318. 218 MEMÓRIA. A Estrela do Norte, 25/10/1863. Belém, p. 339 a 342. [Esse documento foi supostamente escrito em Cametá em visita pastoral em 28 de julho de 1863.] 219 PARTE oficial. A Estrela do Norte, 06/09/1863. Belém, p. 281, 282. 82

questões filosóficas, mas atingia a vida cotidiana daqueles que, direta ou indiretamente, estavam ligados a esses poderes. Apesar de negar alguns postulados do Padroado, D. Macedo Costa reclamava constantemente o descaso do governo provincial com a compra de paramentos para os cultos, o atraso nos salários dos professores dos seminários, o não pagamento de côngruas para os prelados e com o descaso financeiro nas visitas pastorais. Em 1879, O Liberal do Para criticava os gastos com serviços religiosos, consertos em igrejas, compras de alfaias e paramentos, restaurações, pagamentos de côngruas por se tratar de dinheiro público, que durante muitos anos vinha sendo utilizado para esses fins.220 Devemos lembrar que os liberais da província defendiam a liberdade de culto e a separação entre o Estado e a Igreja, medidas que talvez solucionassem o problema acima descrito. Muitos casos eram narrados nas folhas, envolvendo personagens ligadas ao clero e ao poder público. Uma dessas narrativas trata da utilização dos espaços sagrados para fins profanos. Em épocas de eleições, por exemplo, as igrejas eram utilizadas como recinto para reuniões dos comitês, assim como para votação. Em 1863, o jornal A Estrela do Norte publicou um artigo de D. Romualdo de Seixas, que advertia sobre o uso das igrejas para fins políticos. Segundo ele, foram os legisladores brasileiros que designaram os templos como lugares apropriados para as eleições populares. O argumento para isso era que o espaço sagrado inspiraria bons pensamentos aos eleitores. Por outro lado, na análise desse bispo, “As igrejas, em vez de asilos de paz converteram em arena de gladiadores ou campos de batalha”, já que os grupos ligados aos comitês de votação usavam as igrejas como queriam. Em uma oportunidade, ele assevera ainda que as igrejas ficavam abertas por muitas noites sucessivas para que houvesse uma maior vigilância das urnas. Diante das imagens e dos objetos sacros, aqueles que estavam ‘velando’ as urnas “cometeram os maiores

220 [SEM TITULO]. O Liberal do Pará, s/d. n. 187. p. 1. 83

desacatos”; eles jogaram, gargalharam, dormiram, comeram. Esse episódio, lembrou D. R. de Seixas, parecia repetir o já conhecido acontecimento dos evangelhos, quando Jesus Cristo repudiou a profanação dos templos sagrados de Jerusalém. Com veemência, o bispo da Bahia solicitava ao Imperador a transferência das urnas para prédios públicos.221 Em acordo com D. Romualdo de Seixas, o bispo do Grão-Pará pediu ao Imperador a revogação da lei que obrigava as igrejas a fazerem eleições e servir como espaço para comitês. Enquanto a lei não era revogada, D. Macedo Costa mostrava a necessidade de o clero tomar algumas medidas para minimizar o problema. Em primeiro lugar, solicitou ao pároco que, durante as missas realizadas antes das eleições, disse aos paroquianos que guardassem respeito ao espaço sagrado; em segundo lugar que, na véspera da eleição, o pároco retirasse os Santíssimos Sacramentos das matrizes para igrejas mais próximas; em terceiro lugar, que o pároco colocasse os Sacramentos em altar ornado, sem o contato público; em quarto lugar, que o pároco transladasse os Sacramentos novamente para a matriz, promovendo preces durante três dias para a purificação da mesma. O pároco deveria, ainda, noticiar essas determinações no púlpito de suas igrejas para o conhecimento de todos os fiéis.222 O uso dos templos para fazer eleições não era exclusivo da região amazônica. Em todo o Império as igrejas serviam ao poder público. No Rio Grande do Sul, outro prelado criticou a realização de eleições no espaço das igrejas. As medidas adotadas por D. Macedo Costa nas eleições no Grão-Pará foram também realizadas, com tom mais severo, por outro bispo do Rio Grande, Exm. Rvm. Sr. D. Sebastião Dias Laranjeiras. Ao se aproximar o dia das eleições este prelado queria

221 REPRESENTAÇÃO à sua Majestade Imperial pedindo providências sobre as profanações cometidas nas eleições populares. A Estrela do Norte, 19/07/1863. Belém, p. 226 a 228. [O texto de D. Romualdo de Seixas é de 1849]. 222 PARTE oficial. Portaria aos reverendos párocos da Diocese ordenando providências para obviar as irreverências nas igrejas durante os dias das eleições. A Estrela do Norte. 13/09/1863. Belém, p. 289, 290. 84

transferir não só os Sacramentos como também todas as imagens sacras para uma capela filial. Caso isso não fosse possível, mandaria cobrir as imagens na igreja matriz, como também retiraria os objetos de culto do altar até o fim das eleições.223 Muitos textos veiculados pelos jornais traziam casos que, dependendo do interesse da folha, enalteciam ou destruíam as personagens centrais dos episódios. Um deles se refere ao Padre Feliciano Dias de Abreu, vigário de Curuçá, acusado pelos liberais, de acordo com o jornal da diocese, de ter mandado matar professores públicos daquela cidade. Após ter acusado os liberais, o jornal A Boa Nova, elogiou o padre Feliciano, afirmando ser uma calúnia as acusações haviam sido impostas.224 Muitos outros artigos foram publicados, tanto nesse jornal quanto no O Liberal do Pará, mas as interpretações sobre os acontecimentos em Curuçá variavam. Os liberais, ao contrário dos católicos do periódico A Boa Nova, diziam que Pe. F. D. Abreu era devedor, arruaceiro e traidor. Isso demonstra que dependendo do discurso as classificações sobre esses agentes modificavam. O Catolicismo, na visão de D. Macedo Costa, era o medidor das ações impetuosas dos governos. No princípio, quando os homens viviam em caos, segundo ele, Deus assistiu e impulsionou a formação de um pacto entre eles, nascendo, assim, a figura reguladora do Estado. Ao lado deste, estaria a Religião como um canal de salvação dos homens. Há acima uma referência a J. B. Bossuet sobre o papel do Estado no mundo, ou melhor, sobre a questão de direito divino dos reis.225 No livro A política segundo as santas escrituras, de J. B. Bossuet, a monarquia é a mais natural e a mais providencial das formas de

223 ELEIÇÕES. A Estrela do Norte. 11/10/1863. Belém, p. 325, 326. 224 Muitos foram os documentos publicados sobre o caso do padre de Curuçá, entre os quais, destacamos: NEGÓCIOS de Curuçá. A Boa Nova. 23/01/1878. Belém, n. 7. p. 1; PLANOS sinistros. A Boa Nova. 10/07/1878. Belém, n. 54. p. 2; O Liberal do Pará. 25/07/1878. Belém, n. 167. p. 2. Além desses textos, os ofícios das autoridades eclesiásticas disponíveis no Arquivo Público do Pará (APEP) também trazem informações indispensáveis para um maior aprofundamento da questão. 225 A RELIGIÃO Católica será nociva aos governos e aos estados? A Estrela do Norte, 12/04/1863. Belém, p. 113, 114. 85

governo. Essas noções são criticadas, por exemplo, por J. J. Rousseau. Em sua concepção, o aparecimento do Estado não poderia ser explicado por forças sobrenaturais, mas pela necessidade de sobrevivência dos povos e pela manutenção da ordem e das leis. O bispo do Grão-Pará recuperou algumas idéias de J. B. Bossuet e e de J. J. Rousseau, desprezando outras. Ao se referir à maneira como as monarquias e alguns setores sociais encaravam a política, D. Macedo Costa se afastava do pensamento de direito divino de J. B. Bossuet, já que para o bispo, os reis criavam um cenário religioso artificial para governar, pois possuíam, em termos figurativos, “padres”, “ídolos sagrados”, e se tratavam como um corpo de “correligionários.”226 Assim, o direito divino, nesse caso, era levado às últimas conseqüências pelos reis, acreditando serem mais importantes que os “legítimos representantes da Igreja.” Nesse caso, o bispo se referia nitidamente à estrutura de governo da monarquia brasileira. Porém, o mundo vivia uma mudança de valores, cujo lema era a dessacralização das instituições. Essa mudança é operada por inimigos “reais” que, por meio do discurso do chamado Liberalismo, procuravam afastar a ação da Igreja e de uma antiga monarquia que apoiava o Papa e seu séqüito. Como já mencionamos, a Itália era para D. Macedo Costa, o ponto de partida do Anticristo, ou seja, o Liberalismo. Em termos mais específicos, ele criticava o tratamento dado pelos liberais italianos aos prisioneiros em províncias que já tinham aderido às ordens piemontesas. Segundo o bispo, os prisioneiros eram tratados da pior forma possível. Uma testemunha teria presenciado os maus-tratos e relatou o seguinte quadro: “em uma só cadeia vi 1.300 presos meio nus, roídos de vermes, dizimados pelas privações e pelo tifo.” Essa denúncia teria como objetivo desconstruir a imagem dos liberais.227 Ele

226 A NOVA religião. A Estrela do Norte, 12/04/1863. Belém, p. 117,118. 227 O QUE se passa pela Itália. A Estrela do Norte, 19/04/1863. Belém, p. 121. 86

dizia ainda, apoiado no artigo do jornal Da Nação, que a revolução liberal italiana era hipócrita e despótica.228 A partir de um texto de D. Romualdo de Souza Coelho, bispo do Grão-Pará entre 1821 e 1841 e tio de D. Romualdo de Seixas, D. Macedo Costa argumentou que o Catolicismo servia à política como um freio àqueles que não se submetiam às ordens do Estado ou àqueles que não temiam as leis humanas. Os que não se submetiam à Religião ou que não acreditavam eram, em sua perspectiva, como animais selvagens, que não conheciam a liberdade. Aqueles que viam na Religião um caminho de sedição e revolta em relação aos governos eram considerados ignorantes ou usavam tais afirmações para ampliar seu sistema devastador, apoiados por filósofos como Voltaire. Nessa concepção, o tempo de D. Macedo Costa era o de uma geração incrédula, de víboras que teriam espalhado o ódio pelo Catolicismo.229 Por outro lado, D. R. de Souza Coelho se baseava nas idéias paulinas, mostrando que os príncipes, como ministros de Deus, deveriam promover o bem da humanidade e enaltecer as regras do Cristianismo. A relação intermédia exercida pelos príncipes, leva Paulo a afirmar que os súditos teriam que ser não só obedientes para com eles, como também honrar suas obrigações para com o reino, como por exemplo, pagar impostos. Os governantes, também segundo Tertuliano, deveriam incentivar o exercício das orações públicas, pois esta observância era saudável para os próprios governos, “é uma prova subsistente da sua eficaz cooperação, é prosperidade dos estados.” Assim, nessa visão, a Religião não era nociva aos governos, mas os “fanáticos”, os

“degenerados”, os “sediciosos”, os “imorais”, os “libertinos”.230 Uma parte do pensamento filosófico do século XVIII, que teria extraído do mundo a importância de Deus, é extremamente criticada por D. R. de Souza Coelho. Por outro lado, o bispo recupera figuras da Antigüidade como também do período moderno para fundamentar suas

228 A SITUAÇÃO da Itália. A Estrela do Norte, 08/11/1863. Belém, p. 358. 229 A RELIGIÃO será nociva aos governos e aos estados? A Estrela do Norte, 19/04/1863. Belém, p. 122,123. 230 Ibid. Loc Cit. [O texto de D. Romualdo Coelho foi publicado em 1833] 87

idéias da necessidade que tem os governos de manterem alianças com a Igreja Católica. Legisladores como Licurgo, Solón, Zaleucos e Numas afirmavam que os deuses apoiavam os sistemas políticos humanos, com o objetivo de conter revoltas as revoltas sociais. Ainda segundo esse bispo, Platão e Cícero teriam mencionado, em seus escritos, a intervenção dos deuses entre os homens, embora afirmassem a inferioridade do paganismo e da crença em entidades espirituais. Outro nome importante da Antigüidade lembrado por D. R. de Souza Coelho foi Plutarco, para o qual o Estado fundado no ateísmo estaria fadado ao declínio. Com o tempo, viria uma Religião que aqueles sábios ainda não conheciam, ou seja, o Cristianismo, tida como a mais depurada das crenças conhecidas desde o paganismo antigo. Pensadores como Montesquieu, afirma D. R. de Souza Coelho, asseveravam que o Cristianismo era o caminho da felicidade e do resgate de sociedades pagãs. Outro pensador mencionado por D. R. de Souza Coelho foi J. J. Rousseau, para quem os governos só manteriam sua autoridade com a ajuda do Cristianismo, embora criticasse o direito divino dos reis.231 Esse repasse pelo pensamento antigo e moderno tem como fim, tanto para D. R. de Souza Coelho como para D. Macedo Costa, fundamentar a perpetuidade de uma aliança entre os governos e a Igreja e não uma subjugação desta por aqueles. D. Macedo Costa apropriou-se também das idéias de Padre Vieira para explicar que a relação entre os poderes espiritual e temporal deveria ser equilibrada. O Comércio, jornal de Lisboa, insinuou que Padre Vieira era inimigo do poder temporal. Isso porque o mesmo, em uma de suas prédicas, havia comentado que os governos, ao contrário da Igreja, tinham um fim inexorável, tal como todas as coisas humanas. Porém, D. Macedo Costa dizia que o padre era, de certo modo, partidário do poder temporal, desde que este estivesse com Cristo.232

231 Ibid. p. 136 a 138. 232 ROMA e o padre Antônio Vieira. A Estrela do Norte, 31/05/1863. Belém, p. 172 a 174. 88

A discussão sobre o princípio de autoridade reaparece na década de 1870, quando o jornal A Regeneração233 publicou artigos, cujos conteúdos se referiam ao papel da Igreja e do Estado. O proprietário desse jornal, S. W. MacDowell, defendia um princípio de autoridade dos governos a partir do povo, tendo na Constituição o poder máximo.234 É importante lembrar que S. W. MacDowell era advogado e membro do Partido Conservador em Belém, mesmo assim, algumas vezes, criticou o bispo do Grão-Pará por proibir a presença de maçons nas irmandades religiosas. Essas atitudes, segundo ele, eram abusivas, pois feriam as leis do país. Sendo maçom era natural que lutasse por seu grupo na região, embora suas posições não tenham sido radicais. Houve momentos em que S. W. MacDowell apoiou a D. Macedo Costa, mas quando se tratava de defender a Constituição não importava o alvo. Assim, não é de espantar que ele publicasse artigos críticos à postura antiregalista de D. Macedo Costa. Na verdade, S. W. MacDowell afirmava que os prelados ficaram confusos com a separação jurídica do Brasil de Portugal, a partir de 1822. Não sabiam o caminho a tomar e se as regras do Padroado ainda persistiam. Por maior que fosse esse desconhecimento ou a improvável ignorância dos padres quanto às regras pós-independência, o Padroado ainda era um regime que irritava alguns representantes da Igreja.235 Outra discordância de S. W. MacDowell em relação ao bispo se dava em torno do chamado beneplácito ou placet, que era o consentimento do Imperador à circulação de bulas, breves, encíclicas, ordens episcopais, disposto no artigo 102 da Constituição do Império.236 Sem o placet ou beneplácito, os bispos estariam impossibilitados de colocar em prática as letras apostólicas romanas. A proibição de maçons em

233 Era um periódico de publicação bissemanal, de caráter político, comercial, noticioso e literário, que circulou entre 1873 e 1877. Cf: JORNAIS PARAOARAS. Catálogo. Belém: SECDET, 1985. p. 64. 234 [Sobre notícia publicada no jornal A Boa Nova]. A Regeneração, 29/05/1873. Belém, n 9. p.1. 235 [As interdições nas irmandades religiosas]. A Regeneração. 18/09/1873. Belém, n. 41. p. 2. 236 [Beneplácito]. A Regeneração. 14/08/1873. Belém, n. 31. p. 3. 89

irmandades religiosas, por exemplo, só poderia ter validade com o consentimento do Imperador. Mas, o chamado clero ultramontano não via legitimidade na aplicação do placet.

Na visão do Conselheiro Marquês de S. Vicente,237 o recurso ao placet era válido quando o governo precisava punir os prelados que questionavam as regras do país em matéria de religião. O placet era, para o Marquês, uma “espécie de tribunal de cassação no interesse da lei civil e eclesiástica” a fim de evitar a usurpação do poder, ou a violação das leis e a ausência de liberdade religiosa ou intervenção arbitrária do poder temporal. Desde o século XVIII, de acordo ainda com o Marquês, essa lei vinha sendo aplicada na Europa. Em 1768, por exemplo, o bispo de Coimbra emitiu bulas, que foram queimadas em praça pública.238 Nessa concepção, o beneplácito existiria, portanto, para manter o equilíbrio da relação entre a Igreja e o Estado e seus interesses, idéia contestada por D. Macedo Costa. Os artigos publicados por S. W. MacDowell se referiam sempre a um decreto de 1857, expedido pelo governo brasileiro, no qual era permitido instaurar um recurso contra as censuras aos “empregados civis”, isso incluía, na visão dele, os interditos impostos por D. Macedo Costa às irmandades sem o beneplácito da Coroa.239 A tão conhecida Questão Religiosa chamava a atenção para as questões do placet e da autoridade, uma vez que as interdições dos bispos do Grão-Pará e de Pernambuco nas irmandades dessas dioceses se deviam à aplicação de encíclicas e bulas papais contra a Maçonaria, que não haviam recebido o beneplácito régio. Assim, os interditos

237 O conselheiro Marquês de S. Vicente fazia parte de um grupo de “velhos católicos”, incluindo Abaeté, Sapucaí, Souza Franco, Nabuco de Araújo, entre outros, adeptos do regalismo. Temia as investidas da Igreja, principalmente após o Concílio Vaticano I e a ação dos Bispos do Grão-Pará e de Olinda, críticos da intervenção temporal nos assuntos eclesiásticos. Cf: BARROS, Roque Spencer M. de In: HOLANDA, Sérgio Buarque & CAMPOS, Pedro Moacyr. (dir.). Brasil Monárquico. Vol. II. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1971. p. 346. 238 [Beneplácito]. A Regeneração. 31/08/1873. Belém, n. 36. p. 3. 239 MINISTÉRIO dos negócios do Império. A Regeneração. 23/10/1873. Belém, n. 51. p. 2. 90

foram considerados ilegais pelo governo, o que levou a abertura de processo contra os bispos.240 Depois de cumprirem prisão na Corte, em 1875, eles voltaram para as suas dioceses e recomeçaram a luta contra o que chamavam de “inimigos da Igreja”, entre os quais o Protestantismo.

2.3 Um outro Cristianismo

O Protestantismo avançou de Belém para o resto da Amazônia no século XIX, tendo em alguns maçons, como Tito Franco de Almeida, e no Pastor escocês R. Holden seus incentivadores. Além destes, Tavares Bastos, deputado alagoano, segundo D. Macedo Costa, fomentava o avanço protestante no Brasil.241 No episcopado de D. Afonso de Morais Torres, antecessor de D. Macedo Costa, outro protestante escocês de nome J. Henderson teria divulgado literatura bíblica na forma jornalística ou em folhetos na região Norte. A partir de 1860, R. Holden estabeleceu residência em Belém e começou sua ação missionária, com o apoio do Conselho de Missões e Igreja Episcopal dos Estados Unidos e da

Sociedade Bíblica Americana.242 David Gueiros Vieira afirmou que a escolha de Belém para a expansão missionária de R. Holden tinha relação com trabalho desenvolvido por Robert Nesbitt (1857-58) de distribuição de bíblias, além dos objetivos europeus e norte- americanos de transformar a Amazônia numa espécie colônia para imigrantes,243 D. Macedo Costa rotulou as propagandas de R. Holden e

240 Alguns documentos eclesiásticos que condenavam a Maçonaria não eram placitados no Brasil. Isso não impediu que um dos “discípulos” de D. Macedo Costa, o Bispo D. Pedro Maria Lacerda do Rio de Janeiro, recitasse sempre tais documentos em suas prédicas. Cf: DORNAS FILHO, João. O padroado e a Igreja no Brasil. 5ª. Série. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1938. p. 108. 241 SANTOS, João. “A romanização da Igreja Católica na Amazônia (1840-1880).” In: HOORNAERT, Eduardo (coord). História da Igreja na Amazônia. Rio de Janeiro: Vozes, 1990. p. 308. 242 DREHER, Martin. “História dos protestantes na Amazônia até 1980.” In: HOORNAERT, Eduardo (coord). Ibid. p. 323. 243 VIEIRA, David Gueiros. Op. Cit. p. 164. 91

outros protestantes de “bafo pestilento”.244 Missionários e naturalistas

Fletcher245 e Kidder também foram figuras que já semeavam, desde a década de 1830, o Protestantismo no Brasil e na Amazônia, além do casal Agassiz e A. R. Wallace, conhecidos viajantes no norte do Brasil. T. Bastos e outros liberais apostavam na imigração de germânicos, suíços, ingleses e norte-americanos para promover o progresso técnico das regiões que eles consideravam atrasadas. Ao mesmo tempo, afirmavam a necessidade de escolas que seguissem os modelos norte-americanos. A chegada desses povos representava, para os liberais, o começo do desenvolvimento econômico brasileiro. Como assinalou David Gueiros Vieira, “Tavares Bastos insistia que a solução dos problemas econômicos e de desenvolvimento do Brasil se encontrava na importação maciça de imigrantes protestantes dos estados germânicos, da

Inglaterra e dos Estados Unidos.”246 Houve, então, a necessidade de se pensar um projeto que promovesse a abertura do rio Amazonas à navegação estrangeira.247 Segundo João Santos, o debate sobre a abertura do Rio Amazonas à navegação estrangeira estava ligado à iminência da entrada de norte- americanos protestantes nessa região.248 Uma série de artigos, veiculados pelos jornais da diocese, alertavam os paraenses sobre o

244 DREHER, Martin. História dos protestantes na Amazônia até 1980. In: HOORNAERT, Eduardo (coord). Op. Cit. p. 327. 245 David Gueiros Vieira relata a propaganda protestante de Fletcher, dizendo que ele figurou entre os principais missionários evangélicos no Brasil, apesar de sua personalidade ter produzido inimigos entre os próprios protestantes. Cf: VIEIRA, David Gueiros. Op. Cit. p. 69 a 82. 246 Ibid. p. 52. 247 Em 1866, o decreto 3749, assinado por D. Pedro II, determinou a abertura do Amazonas à circulação marítima estrangeira. Este decreto dizia o seguinte: Art. 1: ficará aberta, desde o dia 7 de setembro de 1867 aos navios mercantes de todas as nações a navegação do rio Amazonas até a fronteira do Brasil, do rio Tocantins até Cametá, do Tapajós até Santarém, do Madeira até Borba e do rio Negro até Manaus. Palácio do Rio de Janeiro, 7 de dezembro de 1866, 46º. da Independência do Império – com a rubrica de S. M. o Imperador. Antônio Coelho de Sá e Albuquerque. In: NABUCO, Joaquim. Um estadista no Império apud BASTOS, Tavares. O Vale do Amazonas. 3ª. Edição. São Paulo: Companhia Editora Nacional. 1975. p. 693. 248 SANTOS, João. Op. Cit. p. 309. 92

Protestantismo. Além disso, o bispo incentivava o culto a Maria, a fim de neutralizar o discurso protestante que a desconsidera como santa. “A celebração em honra de Nossa Senhora afirmava um dos dogmas da

Igreja, muito combatido pelos protestantes que negam essa devoção.”249 No momento em que os protestantes incentivavam, através dos jornais, a livre leitura da Bíblia, o bispo do Grão-Pará divulgava a importância do sacerdote como mediador entre os homens e Deus na decifração do texto “sagrado”. Um jornal do Rio de Janeiro, O Apóstolo, cujas notícias eram, muitas vezes, transcritas no jornal A Boa Nova publicou um artigo, em 1874, afirmando que a livre interpretação da Bíblia produzia fanáticos e loucos, como os

“Muckers”, seguidores de uma seita mística em São Leopoldo (RS).250 Além disso, esse jornal criticava a influência do Liberalismo no pensamento de D. Pedro II, como também uma suposta aliança entre o Imperador e os protestantes, ferindo as regras ditadas por Pio IX no Syllabus.251 Desse modo, o Protestantismo era tido como uma seita pelos católicos e sua propaganda uma afronta. Um exemplo disso está num texto publicado por

Ségur252 intitulado Entretenimento sobre o Protestantismo de hoje, que tentava prevenir os fiéis dos perigos trazidos pelo Protestantismo. O livro vinha modificando a opinião dos protestantes europeus sobre as verdades de sua “seita”, tentando convencê-los a se converterem ao

Catolicismo.253 Para Ségur existiam vários tipos de católicos como também de protestantes. Havia os “católicos sérios” e os “católicos de contrabando.” Da mesma maneira, havia os protestantes que criticam

249 Ibid. Loc. Cit. 250 VIEIRA, David Gueiros. Op. Cit. p. 52,53. 251 Possivelmente o autor se reporta ao item 18 do texto Syllabus em que a Igreja Católica era colocada como a religião verdadeira. Os Bispos brasileiros também cobravam o respeito ao ponto da Constituição de 1824 que dizia ser a Igreja Católica a religião oficial do país. 252 Louis Gaston Adrien de Ségur era filho de Sophie Rostopchine, ou condessa de Ségur, e autor de numerosas obras de cunho Católico, nas quais defendia o pensamento “ultramontano”. Exerceu cargo do alto clero na França e foi presidente da Associação de Saint-François de Sales. 253 SÉGUR, L. G. A. de. “Entretenimentos sobre o Protestantismo de hoje”. A Estrela do Norte, 22/03/1863. Belém, p. 126 a 128. 93

duramente os católicos e que faziam do Protestantismo uma porta para isso, por outro lado havia os que se colocam numa posição neutra em relação ao Catolicismo. O maior número deles se encontrava entre os primeiros, que faziam da sua “seita” uma espécie de partido. O segundo grupo de protestantes eram, na maioria, industriais, comerciantes, burgueses, que por influência da família adotavam esta “seita”. Em seguida, Ségur fez a seguinte pergunta: “Como é que há protestantes muito bons e muito religiosos?”. Como resposta, apresentou a idéia de que existiam protestantes que agiam com fervor religioso, apesar de escolherem esse caminho. “São bons cristãos, não porque são protestantes, mas apesar de serem protestantes”. Na sua concepção, os protestantes virtuosos e regrados, por não acreditarem na pureza de Maria, na Eucaristia, na confissão e na comunhão não “entrariam no reino dos céus”.254 Avançando em seu texto, o Ségur lançou outra questão: porque era maior o número de maus católicos do que de maus protestantes? A resposta dele se baseava na quantificação, ou seja, existiam mais católicos do que protestantes. Outra resposta possível do autor é que o Catolicismo seria uma religião de regras elevadas, de difícil cumprimento. Os mandamentos que levavam à purificação do corpo e da alma eram inúmeros, e muitos dos seguidores não estavam preparados para tal rigor. O Catolicismo “ordena um complexo de observações exteriores destinadas a reprimir as nossas inclinações corrompidas. [...] é preciso uma grande energia e uma vontade perseverantes para não abandonar este caminho estreito.” Por outro lado, ser protestante seria muito mais fácil, já que as únicas exigências, segundo Ségur, eram: crer em tudo e odiar o Catolicismo.255 Para Ségur, os protestantes ofereciam menos perigo que os hereges, pois acreditavam na existência de Deus e de Jesus Cristo, porém isso significava sua salvação. Os protestantes que alcançariam a salvação seriam os menos favorecidos economicamente, tais como

254 Ibid. Loc. Cit. 255 Ibid. Loc. Cit. 94

operários, trabalhadores de rua etc. No entanto, a salvação para os protestantes era mais difícil que para os católicos, considerados os “verdadeiramente discípulos de Jesus”, pois não recorriam aos atos sacramentais oferecidos pela Igreja, como confissão e comunhão.256 Assim, Ségur afirmava a existência de um abismo entre o Protestantismo e o Catolicismo. Aqueles que negavam isso cometiam, em sua opinião, uma blasfêmia: “onde a Igreja afirma os protestantes negam; onde a Igreja ensina, os protestantes se rebelam.” Entre as diferenças descritas pelo autor estava a falta de unidade entre os protestantes, mostrando que a Igreja Católica seria uma instituição sem fendas. O ponto em comum dentre os protestantes, para Ségur, era o ódio ao Catolicismo, tendo o Papa como o Anticristo e a eucaristia como um fragmento de pão destituído de valor sagrado. Com tais opiniões, os protestantes pareciam uma ameaça tão grande quanto os liberais. Em outro texto, Ségur afirmou que na hora da morte, muitos protestantes duvidavam de sua crença. Como exemplo, relatou a história da mãe de Melanchton, um dos mais conhecidos discípulos de Lutero, que no leito de morte teria preterido o Protestantismo ao Catolicismo.257 Dos grupos protestantes, os mórmons eram considerados por D. Macedo Costa os mais perigosos. Havia projetos imigrantistas que defendiam a entrada de anglo-saxões na Amazônia. Com essa imigração, na opinião do bispo, viriam os mórmons e sua prática poligâmica. Essa prática colocaria em perigo a instituição família, daí que o jornal A Estrela do Norte publicou alguns artigos contrários a essa imigração. Num deles, D. Macedo Costa respondia a supostas perguntas de leitores sobre a prática da poligamia entre os mórmons.258 A propaganda protestante contava com o apoio de liberais como Tito de Almeida Franco, que facilitava a publicação de textos bíblicos, principalmente quando estes atingiam a autoridade papal. De acordo com David Gueiros Vieira, Tito Franco foi prestimoso com

256 Ibid. p. 188,189. 257 Ibid. p. 157, 158. 258 [O MORMÕES]. A Estrela do Norte, 25/01/1863. Belém, [página ilegível]. 95

Holden, reduzindo o preço de suas publicações no Jornal do Amazonas. O Diário do Grão-Pará também publicava textos de Holden muitos dos quais retirados da Bíblia: o Evangelho de São Mateus e as Epístolas de São

Paulo.259 Tito Franco era comerciante, que via no pensamento protestante e no liberal formas de desenvolvimento econômico e social. Assim, os jornais não católicos afirmavam que o Brasil era um país pobre porque não adotou o Protestantismo como religião e não desenvolveu a sua indústria e comércio. D. Macedo Costa rebatia essa idéia dizendo que mesmo em países protestantes como a Inglaterra, cujo brado era de desenvolvimento, a miséria era um problema mais do que visível. Em um artigo publicado pelo jornal A Boa Nova, o bispo se referiu ao modo de vida dos habitantes de Londres. “Mr. Mayhew descrevendo os horrores da miséria de Londres diz ‘se nos gloriamos de nossas prodigiosas riquezas, devemos também humilhar-nos de nossa prodigiosa pobreza’ [...] Robert Paslhey observa que Londres tem oficialmente um pobre por oito habitantes, mas realmente tem um pobre por quatro habitantes.”260 A pobreza não seria extinta para o bispo do Grão-Pará apenas com projetos econômicos, mas com a investida educacional. Por meio da catequese, do ensino religioso e da adoção de medidas para melhorar a instrução nos asilos de órfãos era possível tirar o homem de duas formas de pobreza: espiritual e material. Acreditamos que esse tipo de proposta não era exclusividade dos católicos, pois os líbero- maçons também pregavam avanço social, modernização, investimento educacional.

2.4 Os “pedreiros livres”

D. Macedo Costa, tanto em seus livros como em artigos de jornal, dialogou com as produções intelectuais dos séculos XVIII e XIX, desde

259 A pastoral anti-protestante de D. Macedo Costa, publicada em 1861, foi um dos principais ataques aos missionários e adeptos do protestantismo que atuavam em Belém e no interior do Grão-Pará. Cf: VIEIRA, David Gueiros. Op. Cit. p. 180 a 182. 260 A PROSPERIDADE dos protestantes, e miséria dos católicos. A Boa Nova, 08/12/1877. Belém, s/n. p. 2. 96

o pensamento iluminista aos pressupostos naturalistas, socialistas e materialistas. Além dele, outros intelectuais também publicavam suas idéias nos jornais da Diocese do Grão-Pará. Nesses artigos, os autores argumentavam a necessidade de o Catolicismo desenvolver projetos em benefício do aprimoramento intelectual e moral dos homens para o encontro com Deus. Em um desses textos, de José Joaquim de Moraes Navarro, intitulado A razão e a fé, a razão era o elemento de distinção entre os “civilizados” e os “brutos”. A razão, para Navarro, era a capacidade que tirava o homem do estado de natureza, fazendo-o perceber a grandiosidade do universo criado por Deus. Seria por meio dela que o homem descobriria a ação da Providência na natureza e os fatores de causalidade que gerariam o impulso da criação. Na sua concepção, o progresso social teria como base as regras divinas, ao contrário dos naturalistas que viam a natureza como fim último das leis. D. Macedo Costa, em acordo com Navarro, afirmava que a razão era a própria sabedoria divina, era a luz universal que, uma vez encarnada no homem, levava-o à percepção da verdade. Assim, todas as aflições, as angústias, a fome, a doença e o martírio eram considerados transitórios, efêmeros perante a verdade de Deus. Sem o princípio da razão o espaço seria um complexo de corpos, um agregado de matérias sem direção precisa, sem governo ou ordem.261 Joaquim de Moraes Navarro também discutiu a fé, que seria um elo permanente entre os homens e a Providência. Em sua análise, quando, por algum motivo, o homem perdia a consciência do bem, a fé seria o caminho para o reencontro com a verdade. O mundo moderno, com suas vaidades, seus gozos, suas grandes cidades, suas indústrias, suas artes teria criado um abismo entre o homem e seu criador.262 Ainda nessa direção, um artigo assinado por F. de M. desenvolve uma idéia que permite compreender que, no mundo moderno, os ‘inimigos’ da Igreja mudaram de atividades e de cara, mas que do mesmo modo como

261 José Joaquim de Moraes Navarro. A Razão e a fé. A Estrela do Norte, 10/05/1863. Belém, p. 145, 146. 262 Ibid. p. 153, 154. 97

Cristianismo teria vencido o paganismo, a violência contra os seus seguidores, as heresias medievais, também venceria os ‘novos inimigos’. Esses seriam, agora, o Liberalismo, a Maçonaria, o Protestantismo e as filosofias modernas, como também a própria sociedade capitalista.263 Alguns jornais que circulam no velho mundo e os “livreiros imorais” 264 teriam sido os porta-vozes dos “novos inimigos” da Igreja Católica em meio à população ignorante dos botequins e das ruas.265 Entre as chamadas idéias “modernas” estavam as divulgadas pela Maçonaria. O movimento maçônico no Brasil, segundo Célia Maria Marinho de Azevedo, era, desde o século XVIII, múltiplo.266 As lojas maçônicas se dividiam entre as tendências portuguesa, francesa e inglesa, com direcionamentos distintos. Mas, no Segundo Reinado, uniram-se as lojas do Grande Oriente do Lavradio, dirigida pelos grãos-mestres Bento da Silva Lisboa (1863), José Maria da Silva Paranhos, Visconde do Rio Branco (1870) e a loja Grande Oriente dos Beneditinos dirigida por

Joaquim Saldanha Marinho.267 Isso talvez tenha relação com as investidas de bispos, como D. Macedo Costa, o qual apoiado pelas bulas de Pio IX que excomungava os adeptos da Maçonaria, proibiu a direção destes nas irmandades e confrarias. Se olharmos pelo prisma de D. Macedo Costa, a Maçonaria nasce da irreligião e da secularização do mundo. No entanto, sabemos que muitos maçons no Brasil eram católicos, embora tivessem concepções diferentes sobre a divindade, a natureza dos governos, o pensamento racional, a

263 F. DE M. um novo ímpio. A Estrela do Norte. 06/09/1863. Belém, p. 283 a 285. 264 LIVROS ímpios. A Estrela do Norte, 22/11/1863. Belém, p. 374. 265 OUTRA correspondência da Estrela do Norte. A Estrela do Norte, 17/05/1863. Belém, p. 156-157. 266 Embora controversa, a origem da Maçonaria moderna foi datada por Alexandre M. Barata e remontava a Inglaterra de 1717, que marcou a formação da Grande Loja de Londres. As orientações dessa loja centravam na formação humana de caráter cosmopolita e secreto, também reunia um número de pessoas independentes de sua etnia, religião e língua. Essas características eram diferentes das que, na Idade Média, marcavam o ser maçônico. Cf: BARATA, Alexandre M. Luzes e Sombras. A ação da Maçonaria brasileira (1870-1910). Campinas, SP: Editora Unicamp, Centro de Memória-Unicamp, 1999. p. 29. 267 AZEVEDO, Célia M. Marinho de. História e Historiografia. Dossiê Sociedade Massa e Identidade. São Paulo, mar/mai 1988, n. 32. p. 183. 98

ciência etc. S. W. MacDowell, referindo-se a um artigo publicado, em 1873, no jornal A Boa Nova, em que os maçons eram acusados de deistas e infiéis, afirmou que a diocese propagava textos acusatórios e inverídicos sobre os maçons.268 Desde o século XVIII, na Inglaterra, os maçons propagavam a defesa do racionalismo, da tolerância, do deismo. Mais tarde, em 1870, a Igreja organizou um novo Concílio, Vaticano I. Um dos objetivos desse Concílio era a afirmação da infalibilidade papal. O texto do Concílio apresentava alguns pontos que contrastavam com o pensamento maçônico. No item “Sobre a revelação”, a Igreja reafirmava a importância da revelação divina, o que os maçons desconsideravam. Também no item “Sobre a Fé”, a Igreja advertia os que não criam em milagres, dizendo que estes descrentes seriam excomungados.269 Segundo Alexandre M. Barata, a Maçonaria representava a “nova cara do Brasil” sendo, em geral, associada ao Liberalismo. Este, por sua vez, traduziria os projetos “progressistas” colocados em oposição ao chamado pensamento “ultramontano”, considerado conservador e atrasado.270 Não devemos tachar dessa maneira o pensamento reformista católico no Brasil, sabemos que as concepções de D. Macedo Costa, considerado representante dessa ala, se apoiavam no Concílio Tridentino e no Vaticano I, cuja orientação, sem dúvida, incluía a perseguição às chamadas idéias “modernas”. Em 1877, a Boa Nova, jornal da diocese, publicou um longo poema de Velho da Silva, cujo conteúdo pessimista revela a tristeza do autor diante do “mundo moderno” e que não deixa de ser a desilusão de D. Macedo Costa. Abaixo segue uma estrofe do texto:

268 A Maçonaria e o Catolicismo. A Reneração. 29/06/1873. Belém, n. 18. p. 1. 269 Os textos do Concílio Vaticano I: Cân. 2 do item 2 e Cân. 4 do item 3 traduzem o repúdio da Igreja por certas “idéias modernas”. [online]. Associação Cultural Montfort. São Paulo: Brasil, 1985. [Acessado em 29 de junho de 2004]. Disponível na World Wide Web: 270 BARATA, Alexandre M. Op. Cit. p. 20, 21. 99

Ai da nação pecadora, do povo. Carregado de iniqüidade, da ralé maligna, dos filhos malvados: abandonaram o Sr., blasfemaram o santo d’ Israel, tornaram para trás alienados. De trevas cercado, estéril deserto; nem flor, nem verdura, nem frutos produz; nem um resquício por onde se arroje. Dourando-lhes os ermos, um raio de luz. Em triste orfandade de fé e esperança. Não gosta o presente, nem sonha o porvir, sua alma tão nua não tem caridade. Rosal que em seu seio não pode florir. Estava ambulante, mirrado arcabouço. Antítese humana, sem crença, sem fé; não pode ser homem quem busca no acaso a origem, a ordem dos mundos que vê.271

Mas, o que seria moderno para D. Macedo Costa e seus aliados? João Santos afirmou que D. Macedo Costa, ao assumir o episcopado paraense, passou a difundir um discurso “progressista”, em acordo com as idéias de D. Fr. Viçoso, bispo de Mariana.272 Isso significava substituir um tipo de Catolicismo “medievalizado”, vigente no período colonial, por outro renovado, menos exteriorizado e carnavalesco. Para D. Macedo Costa, a concepção “progressista” de Catolicismo estava adequada aos pressupostos da Igreja Romana. Ele apregoava, por exemplo, a formação intelectual do clero, tornando-o ascético e comprometido com o desenvolvimento social. Apesar das defesas que maçons como S. W. MacDowell faziam da “seita”, D. Macedo Costa associava a Maçonaria à bruxaria, por causa de suas simbologias, desconhecidas do grande público. Segundo A. M. Barata, com base na análise de Simmel, o desenvolvimento do campo secreto maçônico representava a existência de uma solidariedade interna.273 Por outro lado, embora lutasse pelo desenvolvimento moral, os maçons não abriam mão de sua autonomia na sociedade, assim como de sua privacidade.274 Essa característica fez da Maçonaria um alvo constante das críticas de D. Macedo Costa, principalmente no que se referia aos rituais de iniciação, por ele considerados bárbaros, e à manutenção de segredos invioláveis. Em 1873, o bispo do Grão-Pará,

271 O ATEU. A Boa Nova. 18/04/1877. Belém, n. 30. p. 3. 272 SANTOS, João. A romanização da Igreja Católica na Amazônia (1840-1880). In: HOORNAERT, Eduardo (coord). Op. Cit. p. 307. 273 BARATA, Alexandre M. Op. Cit. p. 46. 274 Ibid. p. 47. 100

numa instrução pastoral, condenou três elementos da Maçonaria: o segredo, que a tornava imoral; os ritos, que a tornava satânica, e sua ação social, por ser desorganizada.275 Em um artigo publicado na Boa Nova, em 1877, os rituais maçônicos são descritos pelo bispo com tom de reprovação:

O irmão Mestre de cerimônia conduz o candidato ao altar, faz-lhes por o joelho direito sobre um coxim, sobre o qual deve estar traçada uma esquadria, ficando com o joelho esquerdo levantado; faz-se-lhe pegar com a mão esquerda em um compasso aberto, e apoiar uma das pontas sobre o peito esquerdo, que está descoberto, como se disse põe-se a mão direita sobre a espada, que está de prancha [...] Nada mais ridículo do que este rito, em que o infeliz candidato representa o mais triste papel.276

Ao contrário de D. Macedo Costa, S. W. MacDowell enaltecia as intenções maçônicas no contexto da chamada Questão Religiosa. Nos seus artigos, a Maçonaria aparecia como pilar dos debates entre as autoridades dos bispos e do poder temporal. O redator da Regeneração afirmava que a Maçonaria tinha projetos de renovação social, cujo objetivo se direcionava para o desenvolvimento moral e do filantropismo.277 Em resposta a S. W. MacDowell, o jornal A Boa Nova fez críticas ainda mais severas à Maçonaria e ao Liberalismo. Às vésperas da ascensão dos liberais no Ministério do Império, com Cansanção de Sinimbú, o bispo do Grão-Pará reafirmou sua resistência ao pensamento político dos liberais-maçons. Em um artigo publicado no jornal mencionado, D. Macedo Costa disse estar preocupado com as investidas do Partido Liberal contra a Igreja no Grão-Pará. Segundo ele, os liberais da região acreditavam na existência de um complô entre os prelados e o Partido Conservador para derrubá-los. O bispo admitiu existir uma aliança de idéias entre a Igreja e este partido, mas criticou a acusação dos liberais sobre uma possível conspiração

275 Ibid. p. 109. 276 O SEGREDO da Maçonaria. A Boa Nova. 28/11/1877. Belém, p. 1. 277 [A CARTA]. A Regeneração. 07/08/1873. Belém, n. 29. p. 1. 101

política.278 O discurso de D. Macedo Costa pretendia descaracterizar o sentido partidário dos debates envolvendo a Igreja. Em sua opinião, o interesse em discutir com os liberais não estava na competição para os cargos públicos, mas na defesa de princípios construídos pelos “grandes doutos” do Catolicismo. No entanto, outros prelados agiam em favor de uma política mais ofensiva e menos filosófica. É o caso das articulações do Padre Mancio, vigário de Vigia, uma das vilas do Grão-Pará. Segundo Heraldo Maués, Padre Mancio reunia os interesses religiosos à política local. Ele nasceu em Bragança, também no Grão-Pará, numa família cujo envolvimento com o Partido Conservador vinha de longa data. Assim como D. Macedo Costa, Padre Mancio estudara na Europa com intuito de reformar a situação do clero em Vigia, cidade para onde fora designado pela diocese, em 1873. Desde então, queria modificar as relações políticas na região e, para isso, acabou se inserindo na vida partidária local. Foi deputado provincial em 1882 e diretor da

Instrução Pública em 1887.279 A noção de uma atitude política, como uma bandeira declarada, estava tão presente em nesse padre que decidiu fundar um Partido Católico, em Vigia, para combater as idéias liberais.280 Apesar de D. Macedo Costa negar uma aliança partidária entre alguns clérigos e os conservadores, o jornal A Boa Nova publicava notícias sobre uma aproximação entre os Partidos Católico e o Conservador de São Paulo.281 Segundo os liberais D. Macedo Costa

278 O PARTIDO Liberal. A Boa Nova. 05/05/1877. Belém, n. 1. p. 35. Outros artigos foram publicados pelo jornal da Diocese, discutindo a acusação dos liberais sobre a existência de uma aliança entre o Bispado do Grão-Pará e o Partido Conservador. Em 1878, o jornal A Boa Nova lançou o texto A política e o clero, cujo conteúdo desmentia uma conspiração partidária dos conservadores e “ultramontanos” para derrubar os liberais do poder. A Boa Nova. 27/04/1878. Belém, n. 33. p. 1. 279 MAUÉS, Raymundo Heraldo. “As atribuições de um Doutor Eclesiástico na Amazônia na passagem do século XIX ou como a política mexe com a Igreja Católica.” In: Revista de Cultura do Pará. Vol. 12, n. 1, jun/1991. p. 62. 280 PARTIDOS católicos na Vigia. A Boa Nova. 01/05/1878. Belém, n. 34. p. 2. 281 ALIANÇA do Partido Católico e o Conservador em S. Paulo. A Boa Nova. 21/08/1878. Belém, n. 66. p. 2. 102

utilizava a aliança com o Partido Conservador para colocar seus discípulos no parlamento.282 É importante lembrar que os jornais divulgavam inúmeras polêmicas naquele período, ocasião em que os redatores assumiam posições político-filosóficas de maneira mais deliberada. O Liberal do Pará, de 1877, por exemplo, não economizava nas críticas à diocese. Esse jornal lembrava aos redatores da folha A Boa Nova, que D. Macedo Costa era oportunista, já que recebia dinheiro dos maçons que tanto criticava. As capelas de hospitais e asilos, como a Beneficência Portuguesa, eram mantidas com a ajuda dos maçons e liberais da capital. Isso caracterizaria a posição contraditória da diocese, que criticava os maçons em matéria de fé, mas recebia, sem remorso, seu dinheiro. Os católicos que escreviam no A Boa Nova afirmavam que o bispo não era contraditório em suas ações, apenas dizia que a guerra travada era contra a Maçonaria e não contra os maçons.283 Ainda sobre esse assunto, o jornal O Liberal do Pará publicou um artigo mostrando que D. Macedo Costa utilizava suas “obras de caridade”, no asilo Beneficiência Portuguesa, a fim de conseguir assinantes para sua folha, além de outros benefícios.284 Muitos artigos falavam de um complô internacional, liderado pelos liberais-maçons, cujo objetivo seria acabar com a Igreja, matando os prelados ou os desmoralizando. Investindo na imagem de uma organização satânica, o jornal A Boa Nova divulgava as ações dos maçons em vários países. Num desses artigos, a “seita” era acusada de mandar matar o bispo primaz da Igreja do Equador.285 A idéia de um complô dirigido pela Maçonaria era comum nos jornais publicados pela diocese, principalmente depois da Questão Religiosa em que o governo brasileiro, ao decretar a prisão dos bispos do Grão-Pará e de Pernambuco, deu mostras que a aliança com a Igreja não era

282 [SEM TÍTULO]. O Liberal do Pará, 19/05/1878. Belém, p. 1. 283 QUEM são os odientos e intolerantes? A Boa Nova. 08/12/1877. Belém, n. 95. p. 1. 284 [Críticas ao Bispo]. O LIBERAL DO PARÁ. 19/05/1878. Belém, s/n. p. 1. 285 O PLANO era infernal. A Boa Nova. 28/07/1877. Belém, n. 58. p. 2, 3. 103

incondicional. Os católicos afirmavam que o mundo estava divido entre a “cruz” e a “trolha”, numa guerra perigosa para a Igreja.286 Por outro lado, parece que de outra parte também se propagava à idéia da conspiração. Os maçons e alguns liberais acreditavam que D. Macedo

Costa e seus aliados faziam parte da “internacional negra”,287 um grupo de “ultramontanos” interessados em minar ou banir do mundo os pensamentos maçônico e liberal. 288 Em geral, os “ultramontanos” foram associados aos programas de caráter conservador, sem que houvesse preocupação com uma análise mais específica. Com a aplicação dos conceitos conservador e progressista para definir respectivamente “ultramontanos” e liberais, reduz-se o campo de interpretação, impossibilitando uma análise mais complexa das relações. A emergência dos programas liberais no Brasil não se deu sem tensão, sem luta.

2.5 Catequese na Amazônia

Analisando textos sobre a educação no Grão-Pará, percebemos que o tema é muito discutido, durante a segunda metade do século XIX. Os projetos liberais sobre o modo como se deveria gerir a instrução pública levou a Igreja Católica não só a repensar sua influência sobre o ensino como também a criar mecanismos para frear os projetos liberais, que tinham como uma de suas metas secularizar o ensino. Desse modo, incentivar a catequese, criar espaços para a educação de meninos e meninas, fomentar a instrução dos jovens, possibilitar seus estudos em seminários europeus e premiar os melhores alunos, foram algumas investidas de D. Macedo Costa para o desenvolvimento da instrução na diocese. Um exemplo disso foi a abertura de aulas dominicais de catequese para crianças na Igreja de Santo Alexandre,

286 A CRUZ e a Trolha. A Boa Nova. 17/11/1877. Belém, n. 89. p. 1. 287 Os liberais e maçons chamavam esse grupo de “internacional negra” por causa da batina preta que usavam. O termo “internacional negra” pode ser, também, uma referência a “internacional comunista” da época. 288 [Sobre a Maçonaria]. A Boa Nova. 12/12/1877. Belém, n. 96. p. 1. 104

onde também estava a sede do episcopado. Além disso, o bispo criou uma Comissão que tinha a responsabilidade de criar mecanismos para enviar jovens à Europa.289 No dia 12 de julho de 1863 o jornal A Estrela do Norte informou que P. de C. Valente, J. F. Fleury, A. M. Rabello e M.

J. Meirelles haviam partido para estudar em seminários franceses.290 Alguns dias depois, o mesmo periódico noticiava que a Assembléia Legislativa da Província do Amazonas parabenizara D. Macedo Costa pelo seu trabalho em prol da educação do povo em geral e do clero em particular.291 Não só os habitantes da cidade tinham que ter a assistência religiosa, mas também, e principalmente, os das regiões inóspitas. “Policiar os povos selvagens por meio da Religião é o grande ponto, para onde devem convergir às vistas de todos aqueles, a quem corre o dever de promover os melhoramentos sociais.” Com essas investidas, D.

Macedo Costa repetir o modelo jesuíta do período colonial. 292 Apesar da expulsão dos jesuítas e das dificuldades geradas pela topografia amazônica, o Catolicismo continuava a existir naquela região.293 Os prelados reclamavam da extensão territorial e, consequentemente, do distanciamento entre suas paróquias e a sede episcopal. Eles queriam o desmembramento e a criação de um bispado para cada província. Além disso, afirmavam que não havia número de padres suficientes para preencher as paróquias, ficando muitas delas vagas a maior parte do ano.294

289 CRÔNICA Religiosa. A Estrela do Norte, 19/04/183. Belém, p. 128. 290 CRÔNICA Religiosa. A Estrela do Norte, 12/07/1863. Belém, p. 224. 291 FELICITAÇÃO dirigida pela Assembléia Legislativa da Província do Amazonas ao Exm. e Revm. Sr. Bispo Diocesano. A Estrela do Norte. 19/07/1863. Belém, p. 231, 232. 292 CRÔNICA Religiosa. A Estrela do Norte, 19/04/183. Belém, p. 128. 293 LUSTOSA, D. Antônio de Almeida. Op. Cit. p. 13. A configuração do Bispado do Grão-Pará foi definida pela bula Copiosus in Misericórdia de Clemente XI, em 1719, quando esse Bispado foi separado do Maranhão, mas continuou com a Vigária Geral do Amazonas até sua separação, em 1892, com a bula Ad Universas Orbis Ecclesias de Leão XIII. 294 A DIVISÃO das dioceses. A Boa Nova, 02/05/1877. Belém, p 1. O artigo sobre a divisão das dioceses foi transcrito do jornal católico O Apóstolo, do Rio de Janeiro. 105

Por outro lado, os “mandões de aldeia”, como D. Macedo Costa se referia aos delegados de polícia e juízes, eram, agora, os obstáculos à “civilização” daqueles povos. Com a adoção dos diretores, a partir do projeto pombalino, os missionários que estavam sob suas ordens, se encontravam amarrados aos mandos que “entorpecem o progresso da catequese.” A empresa do ensino religioso caberia não só aos missionários, mas ao próprio bispo e uma comitiva responsável por realizar o trabalho junto aos ribeirinhos.295 Muitas visitas pastorais foram realizadas por D. Macedo Costa, com intuito de “resgatar” os povos do que ele chamava de trevas. Foi o caso de uma viagem que ele teria feito a Cametá, no vapor chamado de Ycamiaba, pertencente à Companhia de Navegação do Amazonas. Essa viagem tinha como objetivo continuar a visita pastoral àquela região.296 A narrativa do bispo sobre suas viagens pelo interior amazônico compara a paisagem florestal, classificada como fechada, solitária e triste, com a personalidade do caboclo e do índio. Estes viviam na Floresta, nas várzeas e igapós, tendo como companheiras a solidão e a monotonia. Essas são imagens são recorrentes também na literatura sobre a Amazônia.297 Além de Cametá, D. Macedo Costa também se preocupou com uma região limítrofe, banhada pelo rio Mutuacá. Nesse local, residia uma população que teria convivido com o arcebispo D. Romualdo de Seixas, natural daquela vila. Sua casa pertencia, agora, a Benedito de Aragão, que ofereceu estadia a D. Macedo Costa, tendo este erguido uma Cruz na frente da casa em homenagem ao antigo dono. Os habitantes procuravam o bispo para obter serviços religiosos de toda a ordem.298 Além de Cametá,

295 CATEQUESE. A Estrela do Norte. 31/05/1863. Belém, p. 170, 171. 296 CRÔNICA Religiosa. A Estrela do Norte. 28/06/1863. Belém, p. 208. 297 Os versos de Euclides da Cunha sobre a Amazônia traduzem uma das imagens dos homens e da vida nessas terras: “Nestas choupanas da roça/De aparência tão tristonha/Mora, às vezes, uma moça/Gentilíssima e risonha. E o incauto viajante/Quase sempre não descobre/A moradora galante/De uma choupana tão pobre/E passa na sua lida/Para a remota cidade/Pensando, às vezes, perdida/Num ermo, a Felicidade.” Cf: TOCANTINS, Leandro. (org.) Euclides da Cunha. Um paraíso perdido. Ensaios, estudos e pronunciamentos sobre a Amazônia. 2ª. Edição. Rio de Janeiro: José Olympio, 1994. p. XXVIII. 298 MUTUACÁ. A Estrela do Norte. 19/07/1863. Belém, p. 228,229. 106

cidades como Óbidos, Soure, Salvaterra e Joanes também receberam a comitiva diocesana. Os trabalhos de batismo, casamentos, extrema-unção foram operados da mesma forma nessas cidades. D. Macedo Costa, pelo que descreve no jornal, aproveitava essas visitas para solicitar fundos financeiros com os seguintes objetivos: compra de paramentos, conserto de igrejas, compra de material para construção, fiscalização dos serviços paroquiais e de práticas populares.299 No caso de Cametá, por exemplo, o bispo teria solicitado fundos aos habitantes “distintos” para o acabamento da igreja de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro. Essa era uma das formas que a Igreja teria de não depender dos recursos do governo para os seus empreendimentos. “Os piedosos habitantes de Cametá, dóceis a voz do Pastor, depuseram a porfia suas oferendas entre as mãos dele; o rico, o pobre, todas as classes contribuíram segundo seus recursos.”300 D. Macedo Costa percorreu várias freguesias com o intuito de integrar as populações ao que ele denominava de “Catolicismo civilizador.” A idéia de integralização necessariamente nos permite pensar em fragmentação. Se para o bispo a unificação era uma prioridade, isso significa que a sociedade amazônica, no seu discurso, se encontrava desunida, isolada. Essa é uma imagem que sempre aparece nos textos políticos, literários e geográficos. A idéia do vazio amazônico foi utilizada tanto para o projeto de visitação da Igreja, como também serviu aos propósitos políticos na discussão sobre o povoamento da Amazônia, já que havia a ameaça da entrada dos espanhóis na região ocidental e o comércio da borracha já anunciava bons negócios. No entanto, o vazio apregoado pelo bispo não seria demográfico, mas espiritual, ou seja, quando ele falava da ausência estava se referindo principalmente a falta de sacerdotes na região. D.

299 LUSTOSA, D. Antônio de Almeida. Op. Cit. p. 81, 82. A pajelança era uma prática comum da região amazônica e muito criticada pelo clero “ultramontano”. 300 CRÔNICA Religiosa. A Estrela do Norte, 02/08/1863. Belém, p. 247, 248. 107

Macedo Costa deixou clara a proposta de “civilizar” o mais longe que pudesse no alto Amazonas mesmo tendo que enfrentar privações.301 Como vimos, a visita pastoral estava na pauta dos projetos da diocese. Após ter percorrido Cametá e Óbidos, a comitiva chegou a Mocajuba. Segundo o texto publicado no jornal católico, a população ficava sabendo rapidamente da estada do bispo na região e ficava agitada com a notícia. 302 O artigo deixa claro que a visita reduzia um montante de trabalho acumulado ou pela ausência de pároco, ou por desleixo do mesmo. O processo de evangelização contava também com as letras na difusão dos ideais católicos. O bispo do Grão-Pará utilizava o recurso da anedota em seu jornal para mostrar a importância da catequese e da educação dos povos. Muitos temas eram publicados nesse formato, o que demonstra a preocupação do redator em atrair e divertir o leitor do jornal. Em uma dessas publicações, intitulada Fé de um índio, o foco de discussão é a catequese e suas questões no século XIX. Nesse tipo de texto, era ressaltada a coragem dos missionários, os obstáculos enfrentados por eles para levar a “luz” do conhecimento divino e laico aos povos “desgarrados da civilização”. As experiências com as visitas pastorais também eram contadas no jornal, especialmente na secção Crônica Religiosa. A anedota publicada no jornal da Diocese do Grão-Pará conta a história de um missionário que percorria as terras do “novo mundo”, quando apareceu em sua frente um “selvagem”, que foi imediatamente batizado. O padre continuou sua viagem voltando mais tarde ao mesmo local que havia encontrado o “selvagem”. Afirmou, então, o missionário que o índio deveria confessar seus pecados antes da comunhão. Mas o índio disse ao prelado que não cometera nenhum pecado. Essa atitude surpreendeu o missionário, que terminou a anedota afirmando que nunca vira uma alma rude nutrir tanta fé e devoção.303 Esse tipo de texto é

301 VISITA pastoral. A Boa Nova. 28/08/1878. Belém, n. 68. p. 2. 302 CRÔNICA Religiosa. A Estrela do Norte. 23/08/1863. Belém, p. 270 a 272. 303 FÉ de um índio. A Estrela do Norte, 07/06/1863. Belém, p. 180 108

muito comum no jornal A Estrela do Norte, no qual aparecem temas relacionados aos principais desígnios do Catolicismo à população. A ausência de vigários e estrutura para promover o ensino eram assuntos sempre ressaltados por D. Macedo Costa. É possível compreendermos, com base em análise de documentos da administração diocesana, a alta rotatividade de padres nas freguesias, já que era comum haver igrejas vazias e os prelados terem de viajar para outras paróquias a fim de realizar os serviços religiosos.304 O descaso do poder público é sempre visto como um dos pontos mais importantes para a falta de estrutura enfrentada pela Igreja, tanto na capital como no interior. À época de D. Macedo Costa existiam, segundo D. Antonio de Almeida Lustosa, 72 paróquias na diocese, sendo que 21 delas estavam sem vigário, o que requeria o empreendimento das visitas pastorais, realizadas, às vezes, com recursos da província.305 Além de pensar na catequese, o bispo do Grão-Pará também argumentava a necessidade de fomento do ensino na capital, com intuito de consolidar o pensamento católico entre os fiéis e no clero. Como já explicamos, um dos investimentos de D. Macedo Costa para a educação católica no Grão-Pará era a reconstrução dos seminários existentes. Em suas alocuções, D. Macedo Costa relembrava bispos e missionários que estiveram na Amazônia como Frei C. Brandão, M. de Almeida, D. R. de Souza Coelho, D. J. de M. Torres. Homens que teriam trabalhado em prol da catequese e da educação em geral dos povos do Norte. Suas experiências ajudariam “novos missionários” na prática da religião. Com as seguintes palavras, permite entrever seus objetivos: “Eis porque o primeiro empenho meu desde que cheguei á esta diocese, meus caros meninos, tem sido fazer reflorescer os bons estudos no Seminário; eis, porque tenho envidado todos os meus esforços para reanimar nos corações de todos vós a sua emulação das letras, o ardor do trabalho, o desejo de vôos”.306

304 CRÔNICA Religiosa. A Estrela do Norte, 15/11/1863. Belém, p. 365 a 368. 305 LUSTOSA, D. Antônio de Almeida. Op. Cit. p. 15. 306 CRÔNICA Religiosa. A Estrela do Norte, 15/11/1863. Belém, p. 365 a 368. 109

Os autores que os alunos dos seminários deveriam ler e que seriam, segundo o bispo, importantes para a formação filosófica dos mesmos, eram: Bossuet, Fénèlon, Mallebranche, Cartesio, Leibniz, Lacordaire, Montalembert, Rabignan, entre outros. A sugestão dessas leituras para os alunos do seminário combinava com os mandamentos do bispo para a formação do futuro prelado, que eram, entre outras coisas, a sua intelectualização e o exercício da retórica. As visitas pastorais e a catequese dos povos no interior da Amazônia também dependiam disso, uma vez que a formação de novos padres solucionaria o problema de vacância.

Restabelecer, pois, uma disciplina mais perfeita no Seminário, foi o mesmo que aplainar o caminho para os mais rápidos progressos nos estudos, pois assim se pode economizar e aplicar com proveito o tempo que se perdia inutilmente nos ócios e palestras dos quartos. Costumes mais regulares, silêncio mais observado, o estudo em comum, as notas no livro das aulas não cooperaram pouco para a obtenção do resultado que nos tem tanto satisfeito.307

Os alunos de tenra idade deveriam ter formação em estudos clássicos cujas matérias eram História Sagrada, Filosofia, Retórica e Geografia, além disso, os alunos deveriam aprender latim, Francês e Português. A disciplina nos seminários era rigorosa, tendo os alunos que distribuir seu tempo entre os estudos e as obrigações religiosas.

As faltas dos alunos nas aulas era um critério de reprovação.308 As escolas de catecismo também eram incentivadas pela Diocese do Grão-Pará. Em alguns artigos do jornal A Estrela do Norte, percebemos uma campanha para evangelizar as crianças e os jovens, com o objetivo de formar neles o “verdadeiro sentimento religioso.”309 Os jovens deveriam comungar-se entre os dezesseis e vinte anos, quando suas paixões, segundo o bispo, eram mais evidentes. “O calor da juventude coloca um jovem entre dois extremos: entre o amor fatal de sua carne

307 Ibid. Loc. Cit. 308 Ibid. Loc. Cit. 309 UM exame de catecismo. A Estrela do Norte, 03/01/1864. Belém, p. 7, 8. 110

revoltada, que o desonra e perde; e o amor do Santíssimo e adorável corpo do Salvador, que santifica-o, salva-o.”310 Para D. Macedo Costa, nas escolas laicas reinava a imoralidade e a estupidez. Na verdade, essa era uma maneira de dizer que o governo precisava investir mais no ensino religioso e ampliá-lo, neutralizando os projetos liberais para o ensino secularizado. Artigos discutindo os projetos do ensino laico não eram muito comuns no jornal católico na década de 1860, mas de 1877 em diante percebemos um aumentou de referências ao tema. Talvez a causa disso fosse a movimentação eleitoral e os riscos oferecidos pelos liberais aos católicos se viessem a ocupar as cadeiras no Parlamento do Império e colocar em prática seus programas. Num artigo publicado pelo jornal A Boa Nova, a Diocese do Grão-Pará discutiu os projetos dos liberais sobre a secularização do ensino, argumentando como a instrução sem religião provocaria a decadência humana. Segundo o articulista, a formação religiosa do homem diminuiria as mazelas sociais no mundo, tais como a embriaguez, o concubinato, os divórcios e a miséria social.311 As iniciativas de D. Macedo Costa para o desenvolvimento da educação religiosa no Grão-Pará não cessavam. O bispo idealizava, por exemplo, a construção de escolas para artes e ofícios, a partir do modelo de S. João Bosco, na Itália.312 Além disso, à margem da estrada de ferro de Bragança, o bispo levantou um edifício com salões para dormitórios e salas para as oficinas, com o nome de Instituto de Artes e Ofícios Agrícolas da Providência, onde muitos índios e

“desamparados” foram acolhidos e educados.313 De acordo com I. Rizzini, a criação de escolas, tanto na cidade como no interior, e qualquer

310 A COMUNHÃO freqüente para os jovens. A Estrela do Norte, 01/11/1863. Belém, p. 348, 349. 311 [Instrução liberal]. A Boa Nova. 01/09/1877. Belém, n. 68. p. 1. 312 João Bosco nasceu de uma família camponesa na Itália em 1815. Sua trajetória no sacerdócio iniciou em 1841. Costumava contar histórias religiosas para crianças, visitar presídios e criar oratórios em oficinas operárias. Pedia esmolas às famílias abastadas a fim de ampliar os cômodos de sua casa para servirem de abrigo aos pobres. 313 LUSTOSA, D. Antônio de Almeida. Op. Cit. p. 493,494. 111

outra forma de ensino interessava a um projeto “civilizador”, que servia aos interesses das elites regionais.314 Em 1832, um Ato adicional instituiu a autonomia para que as províncias pudessem investir na

Instrução Pública.315 Nesse período, os debates políticos sobre a questão já se ensaiavam. No entanto, é a partir da década de 1870 que jornais como O Liberal do Pará e A Província do Pará publicavam, com freqüência, artigos sobre a educação na província, que eram refutados pelo jornal A Boa Nova. Assim, pensava-se na educação e instrução para as famílias. Nesse caso, a idéia era enquadrar a mulher como aquela que carrega mais do que qualquer um, o dever da educação do homem. Ela seria responsável pelo fracasso ou êxito humano, já que em suas mãos está a educação das crianças. Ao lado disso, tanto “ultramontanos” quanto liberais formularam propostas de instrução para os “desvalidos”, que na maioria eram índios ou miscigenados. Embora houvesse diferenças nas propostas, os discursos tinham em comum a idéia de “civilizar” a população amazônica.

2.6 O suplício de Tântalo.

Como já referimos, um dos temas cruciais para a Igreja do século XIX era a discussão sobre o papel da família e do casamento, além da educação dos filhos. De acordo com os “ultramontanos”, os filhos deveriam ser disciplinados desde os primeiros anos de sua existência, além de passarem pelo aprendizado religioso. A salvação da alma de um indivíduo estaria determinada por sua trajetória desde a infância. Desse modo, o afrouxamento da educação religiosa, em tenra idade, converteria os homens em pervertidos, degenerados e criminosos.

314 RIZZINI, Irmã. O cidadão polido e o selvagem bruto. A educação dos meninos desvalidos na Amazônia Imperial. Tese de Doutorado defendida na UFRJ em 2004. p. 13. 315 Ibid. p. 15. 112

Para argumentar suas concepções, D. Macedo Costa utilizava uma série de exemplos, entre os quais podemos citar uma historieta que teria acontecido na França, em 1845. Um homem chamado Fourrier era um “criminoso” que fora preso pela polícia e, à hora do julgamento, fez algumas revelações sobre sua vida. Afirmou que era realmente um fora- da-lei, mas que a condenação de morte deveria ser endereçada aos seus pais por não ter-lhe dado uma boa educação. Embora tenha conseguido adiar a sua sentença, Fourrier fora condenado à morte e, no cadafalso orava. Na hora exata do desfecho, Fourrier gritou para os expectadores dizendo: “sede malditos meu pai e minha mãe!” Após ter gritado essa frase, a cabeça de Fourrier caiu. Esse caso, descrito por D. Macedo

Costa advertia sobre a maneira como as famílias educavam seus filhos.316 Por outro lado, o bispo do Grão-Pará buscava exemplos de como um pai deveria agir com seus filhos. Um bom pai deveria ser rigoroso e disciplinador. Um príncipe chamado G. de Nelum acostumava os seus filhos a seguirem seus exemplos, entre os quais o cumprimento da caridade, através da distribuição de esmolas aos miseráveis.317 Além do pai era preciso pensar também o papel da mãe na relação com os filhos. Num artigo, o bispo demonstrava a sua opinião sobre o que significava ser mãe. Os textos bíblicos, especialmente os provérbios, foram retomados em seus escritos a fim de moldar um tipo ideal de mulher.318 Nesse sentido, a mulher precisava inspirar confiança no marido, especialmente sobre os assuntos da casa e dos filhos; ela precisava ajudar sua família em momentos de crise, com a contenção de gastos e venda de prendas; precisava repartir com seus criados e criadas, caso os tivesse, os seus proventos; deveria ser cuidadosa e prudente para com seus bens e seus entes; deveria ser perseverante ante as dificuldades; tinha que ajudar o próximo, caso fosse rica; deveria

316 [Sobre a educação dos filhos]. A Estrela do Norte, 26/04/1863. Belém, p. 133, 134. 317 BOM PAI. A Estrela do Norte, 18/10/1863. Belém, p. 335, 336. 318 Embora D. Macedo Costa não cite o item que lera dos provérbios, possivelmente ele se referia A perfeita dona de casa. Bíblia de Jerusalém. (Prov. IX) p. 1163. 113

pronunciar palavras doces de sabedoria e engrandecimento; não poderia abrir caminho para o ócio em sua casa; deveria cultivar mais a virtude que a beleza, pois esta era passageira e aquela, eterna.319 Para que essas regras fossem cumpridas, D. Macedo Costa afirmava que o homem deveria escolher bem sua mulher. Explicava que, certa vez, um filho de um rico lavrador, chamado Lourenço, pensava em casar. Não procurou pela esposa em terras distantes, mas onde morava. Pensava em suas primas que tinha por virtuosa e de boa reputação, já que haviam sido educadas num convento da cidade. Mas o rapaz hesitava em escolher com qual se casaria: Inês ou Clotilde, que juravam, caso escolhidas, lhe dar felicidade na vida doméstica. Lourenço propôs às duas um passeio de carruagem no campo. No princípio, o passeio estava tranqüilo e sem obstáculos, mas durante o trajeto, o tempo piorou e a carruagem já não andava sem tropeços, o que levou Clotilde a se lamentar, ao contrário de Inês, acusando Lourenço de ser o responsável por aquela situação. Em seus pensamentos, Lourenço admirava o comportamento de Inês, ao mesmo tempo em que lamentava o de Clodilde. Esta se casou com um outro primo, que seduzido por sua beleza e pelo seu dote acabou firmando o compromisso. Em troca, ela lhe dava seu gênio insuportável, o que levou o marido a fugir de casa entregando-se à bebida e ao fumo. Clotilde voltou para a casa do pai e viveu infeliz para sempre, ao passo que Inês e Lourenço souberam construir a harmonia do lar e a paz no casamento.320 Do ponto de vista da Igreja Católica, a mulher carrega em si o pecado original. Assim, sua saga seria a eterna busca pela remissão. Algumas mulheres teriam conseguido alcançar esse objetivo, servindo como exemplo para todas as outras. Maria, por ter gerado Cristo, era considerada a representação da mulher regenerada. D. Macedo Costa descrevia a condição da mulher em várias sociedades para, então, repensar seu papel no mundo. A situação da mulher na Índia era, segundo ele, deplorável já que se tratava de uma sociedade “bárbara”.

319 A MÃE de família. A Estrela do Norte, 08/11/1863. Belém, p. 353, 354. 320 RECEITA para bem casar. A Estrela do Norte, 07/06/1863. Belém, p. 181, 182. 114

A mulher hindu era tida como um objeto mercadológico, sem valor sentimental para o pai e para o marido. No trecho a seguir, o bispo resume essa idéia: “seu marido podia, a seu livre arbítrio, desprezá- la, e repudiá-la, impingindo-lhe castigos, condená-la, e até entregá- la aos cães. Abominável arbitrariedade! Bárbara ignorância, que assim desconhecia o valor do sexo que te dava o ser, o mérito da mulher que te trouxera no seio, que te guiara pela senda da vida, quando ainda não conhecias os atalhos, perigos e óbices!”.321 Na sociedade ateniense, segundo o bispo, houve o avanço nas artes, na literatura e na filosofia, a mulher “assistiu muda a todo esse adiantamento intelectual.” Ela pertencia ao esquecimento, ao mundo subterrâneo e escondido da sociedade, já que seu próprio marido mal lhe dirigia a palavra. Naquela sociedade, a mulher vivia o suplício de Tântalo322, pois todas as artes estavam diante dela, mas não podia compartilhar disso. D. Macedo Costa afirmou que o Cristianismo minimiza esse quadro. Mesmo sendo “filha do pecado do Éden”, a mulher teria uma chance de regeneração. Para isso, ela deveria cumprir as regras ensinadas por Cristo: “Foi Jesus que proclamou a indissolubilidade do casamento, então tudo se completou. A mulher foi o arauto de sua verdadeira felicidade, foi a garantia do amor de seu esposo.”323 Assim, com o Cristianismo, a mulher teria sido integrada aos

321 A MULHER regenerada pelo Cristianismo. A Estrela do Norte, 08/01/1865. Belém, p. 14, 15. 322 Tântalo, filho de Zeus e Plutó, teria cometido um perjúrio para não entregar a Hermes o cão de Zeus que Pandareu lhe confiara. Zeus o castigou pondo-o sob o monte Sípilo e depois o lançou no inferno. Há também outra versão em que Tântalo era convidado a banquetear com os deuses, mas por convencimento, contava aos homens os segredos divinos. Para castigá-lo os deuses o puseram no inferno sob uma grande pedra, que poderia cair a qualquer momento em seu corpo e esmagá-lo. Em outra fonte, o suplício de Tântalo era sentir sede e fome por toda a eternidade: os deuses o colocaram imerso na água até o pescoço, sem que pudesse bebê-la, tendo sobre a cabeça ramos carregados de frutas que ele não conseguia pegar. Cf: CURY, Mário da Gama. Dicionário de Mitologia Grega e Romana. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1990. p. 365. 323 A MULHER Regenerada pelo Cristianismo. A Estrela do Norte. 15/01/1863. Belém, p. 21. 115

planos de Deus, ao universo soteriológico.324 No entanto, o canal de salvação era estreito demais para algumas mulheres. Como já observamos antes, entre os tipos degenerados para D. Macedo Costa estava a prostituta. Em seu jornal, escrevia sobre como esta deveria se comportar socialmente. Num texto publicado em 1878, o bispo deixou claras as regras para as “mulheres de vida fácil”. O chefe de polícia da Corte, Tito Augusto P. de Matos, segundo o bispo, defendia a moral pública, impedindo que as prostitutas se apresentassem em botequins, às janelas e às portas de suas casas com poucos trajes. Além disso, solicitava que aquelas mulheres não pronunciassem palavrões ou seduzissem os transeuntes. Aos inspetores de quarteirão, o chefe de polícia pedira que vigiasse as ações das mesmas e, caso alguma cometesse a infração, que seu nome fosse inscrito no livro especial, como mandava o art. 280 do código criminal.325 Para D. Macedo Costa tais medidas eram importantes, pois manteriam as “mulheres de vida fácil” reclusas, longe dos olhos das “filhas de família”. Por outro lado, segundo R. Azzi, os liberais reclamavam que os “ultramontanos” estavam colocando as mulheres contra “as perspectivas liberais de sociedade”. O sexo feminino emergia como sujeito significativo das propostas do chamado clero romano.326 As mulheres passaram a ocupar posições importantes nas dependências da Igreja e estavam sempre próximas dos padres, nas missas, nas sacristias etc. Cada vez mais foram criadas associações femininas de piedade; apareceram grupos religiosos nos quais as mulheres possuíam papel central, além de escolas dirigidas por religiosas estrangeiras, especialmente italianas.327 Segundo Maria José Rosado Nunes, as novas diretrizes das religiosas não eram mais incentivar a clausura, muito

324 Ibid. p. 22. 325 [Regras para a prostituta]. A Boa Nova. 06/03/1878. Belém, s/n. p. 1. 326 AZZI, Riolando. O altar unido ao trono. p. 165, 166. 327 NUNES, Maria José Rosado. Freiras no Brasil. PRIORE, Mary Del. História das Mulheres no Brasil. 5ª. edição. São Paulo: Contexto, 2001. p. 491. 116

comum no período colonial, mas fazer com que as irmãs atuassem na sociedade com programas de caridade.328 Religiosas ou laicas, as mulheres faziam parte também dos planos de D. Macedo Costa. Um exemplo disso foi a solicitação do bispo a Madre Pingiani, pertencente ao grupo das irmãs Dorotéias, a colaboração para os trabalhos na Diocese do Grão-Pará.329 As irmãs Dorotéias, também conhecidas como “filhas da fé”, eram mencionadas como aquelas que ajudaram o bispo em seus programas de educação para jovens de família e de crianças abandonadas. Um dos importantes asilos do Grão-Pará, que a partir de 1873, funcionava nas dependências do Converto de Nossa Senhora do Carmo, passou para o outro prédio com nome de Convento de Santo Antônio,330 ambos localizados em Belém. Neste convento, as irmãs Dorotéias tiveram atuação na área educacional sob as orientações da Igreja Reformadora, representada no Grão-Pará por D.

Macedo Costa.331 De acordo com M. P. R. Chaves, o bispo acompanhava constantemente as atividades das irmãs Dorotéias, andando sempre ao lado de D. M. da Glória, que se tornou amiga das irmãs. Muitas vezes, as visitas do prelado eram feitas no dia de aplicação de exame às meninas do Asilo de Santo Antônio, sendo estas questionadas sobre o conteúdo das matérias lecionadas.332 Portanto, os textos de D. Macedo Costa, publicados nos jornais, permitem entender como a Igreja Católica apresentou uma leitura dos movimentos intelectuais e literários do século XIX. Num esforço

328 Ibid. p. 492. Dentre os grupos de religiosas que atuaram no Brasil, além das já mencionadas irmãs Dorotéias, a autora destacou as Filhas de Caridade e as Irmãs de São José de Chambéry. 329CHAVES, Maria Paula Ramos. O convento de Santo Antônio e as Dorotéias. Belém: AAD, 1977. p. 22. 330 No Colégio de Santo Antônio foi fundado um asilo, em 1871, destinado à educação de meninas órfãs e mesmo à formação de alunas na escola normal. Primeiramente este asilo estava assentado na escola do Carmo e só em 1873 passou para as dependências do Colégio de Santo Antônio. Para coordenar os trabalhos com as alunas, D. Macedo Costa contou com a ajuda das irmãs Dorotéias que vieram para Belém em 1877, das quais teve grande prestígio Reva. Madre Cunha que faleceu em 1937. Cf: LUSTOSA, D. Antônio de Almeida de. . p. 131. 331 Ibid. p. 21. 332 Ibid. p. 40, 41. 117

argumentativo sobre como o pensamento Católico explicou as novas maneiras de se vivenciar e atuar no mundo, a leitura macedista significou os valores da “modernidade” sob uma aura da retórica teológico-bíblica: agostiniana e tomista. Os “desvalidos”, o sacerdote, o índio e a “A mulher” eram integrados aos planos da diocese e da romanização. Eles seriam as principais personagens da “civilização católica” no Norte. Várias medidas foram adotadas pela diocese a fim de “expurgar” o Norte dos “inimigos da Igreja”, tais como: a proibição do bispo da leitura de romances; o incentivo a vivência dos sacramentos da Igreja, entre os quais, a confissão, a propaganda do celibato eclesiástico; o investimento da diocese na intelectualização do clero; o combate à Maçonaria e ao Protestantismo; a crítica ao beneplácito régio em assuntos clericais e o controle social. Mais que qualquer outro indivíduo, à mulher caberia a educação religiosa social, talvez assim ela pudesse se libertar do suplício de Tântalo. 118

CAPÍTULO 3

Projetos para a Amazônia

Neste capítulo voltaremos aos temas trabalhados anteriormente, com vistas à utilização de outros tipos de fontes, tais como ofícios das autoridades eclesiásticas e relatórios de presidente de província, entre 1860 e 1890. A idéia é pensar sobre os mesmos assuntos publicados nos livros e nos jornais de D. Macedo Costa em uma documentação mais estritamente ligada à burocracia diocesana e provincial. No que se refere aos relatórios de presidente de província e falas, há uma descrição de várias atividades que teriam sido desenvolvidas na Amazônia, além de possibilitar o entendimento dos programas adotados pelos governantes de um lado e por clérigos de outro. Os relatórios de presidentes de província, apesar de apresentarem descrições de temas, como: instrução pública, economia regional, assuntos paroquiais, ações policiais, entre outros, trazem a visão de mundo do presidente de província. A diferença no conteúdo dos relatórios pode ser explicada pelas tendências político-partidárias e até filosóficas que regiam as ações dos presidentes. Seus textos eram escritos, em geral, para informar à Assembléia Legislativa sobre o andamento do governo provincial, o que permite dizer que são textos eivado de solicitações, engrandecimento de ações, deferências às personagens de interesse, propaganda política, enfim, discursos persuasivos. Esses textos trazem, na maioria das vezes, uma introdução na qual o presidente abre sua fala afirmando sua fidelidade ao cargo. Ele deixou claro que seu objetivo era levar à Assembléia Legislativa um estudo cuidadoso dos diferentes ramos do serviço público, instruindo seus pares sobre os negócios econômicos, sociais, políticos e culturais da província. É importante mecionar que os presidentes conheciam os textos de seus antecessores, pois indicam que 119

leram os últimos relatórios apresentados à Assembléia. Além dos relatórios, destacamos as falas, que eram sessões parlatórias, expressas em texto escrito, para abrir os trabalhos da Assembléia. Nessas sessões, os presidentes de província apontam necessidades para serem executadas e elencam suas estratégias para vários ramos das atividades públicas. Outra fonte que destacamos neste trabalho são os ofícios das autoridades eclesiásticas. Neles, há informações sobre a vida dos padres em toda a diocese. Esse ofícios apresentam uma narrativa inicial pouco alterada, já que a idéia era padronizar os documentos para que não houvesse variação e, portanto, permitissem uma rápida identificação do problema apontado por quem recebesse o ofício. Esses documentos eram enviados de várias paróquias do interior, como também da própria capital para as autoridades espiritual e temporal. São vários os assuntos presentes nos ofícios, podemos destacar: preparação de festas religiosas, pedidos e reclamações de párocos, crônicas religiosas, exoneração de cargos, solicitações diversas; enfim, pormenores do funcionamento da diocese. Nosso objetivo nesse texto é entender como o debate sobre esses assuntos, apresentados nas falas e relatórios dialogavam com as idéias presentes em alguns ofícios eclesiásticos e mesmo livros da época. A discussão sobre o desenvolvimento da Amazônia não era exclusividade de uns poucos liberais. Os chamados ultramontanos, membros ou não do Partido Conservador, também formularam projetos sociais para a Amazônia baseados, às vezes, em idéias spenceanas, evolucionistas e raciais.

3.1 Crônicas religiosas

A vida religiosa, os serviços gerais operados pelos padres regulares e seculares, os ambientes destinados à devoção foram 120

prejudicados, segundo Arthur C. F. Reis333 e Riolando Azzi334, pela expulsão dos jesuítas, no período pombalino.335 Apesar disso, alguns bispos missionários e frades, ainda no final do século XVIII e nas primeiras décadas do século XIX, procuraram, de alguma forma, estar presentes nessas terras seja para promover catequese ou para recuperar o trabalho realizado pelos inacianos. Um exemplo disso foi a atuação de Frei Caetano Brandão, que percorreu a Amazônia para moralizar e evangelizar a população.336 A presença clerical nessas terras, portanto, nunca deixou de existir e, ao contrário de decadente, os padres sempre atuaram durante todo o século XIX. Em relatórios de presidentes de província, mesmo antes da chegada de D. Macedo Costa ao Grão-Pará, há notícias sobre a presença de sacerdotes na condução das reduções. Antônio Coelho de Sá e Albuquerque afirmava que os missionários faziam seu trabalho junto aos índios, melhor do que qualquer laico que tomasse essa tarefa. Além disso, afirmava que os índios, uma vez catequizados e “civilizados” poderiam ser eles próprios agentes do desenvolvimento de sua tribo.337 Augustin Wernert dividiu o Catolicismo no Brasil oitocentista em duas vertentes: a primeira trazia influência da Igreja lusitana e a segunda, principalmente, a partir dos anos de 1860, foi um Catolicismo francês.338 Ao contrário do que propunham alguns clérigos da primeira

333 REIS, Arthur C. F. A conquista espiritual da Amazônia. São Paulo. Escolas Profissionais Salesianas, s/d. p. 62, 63. 334 AZZI, Riolando. “A instituição eclesiástica durante a primeira época colonial”. In: HOORNAERT, Eduardo. História da Igreja no Brasil. 4ª. edição. Rio de Janeiro (Petrópolis): Vozes, 1992. p. 221, 222. 335 WERNERT, Augustin. Crise e definhamento das tradicionais ordens monásticas brasileiras durante o século XIX. Revista do Instituto de Estudos Brasileiros. São Paulo, no. 42, 1997. p. 115. 336 MOREIRA NETO, Carlos de Araújo. Reformulações da missão católica na Amazônia entre 1750 e 1832. In: HOORNAERT, Eduardo. História da Igreja na Amazônia. Rio de Janeiro (Petrópolis): Vozes, 1992. p. 232, 233. 337 Relatório com que o Presidente de Província Sá e Albuquerque passou a administração da mesma a Fábio Alexandrino de Carvalho Reis em 12 de maio de 1860, p. 33. 338 WERNERT, Augustin. Op. Cit. Quando Wernert refere-se a um tipo de catolicismo francês, na verdade, faz menção aos estudos promovidos pelo Seminário de Saint Sulpice, o qual procurava mostrar a supremacia do espiritual em relação ao poder temporal e, também, a importância do padre para 121

fase, como Pe. Antônio Feijó, o Catolicismo “francês” do qual fala Wernert foi adotado por bispos formados nos seminários franceses, como Saint Sulpice, cuja base estava na purificação moral do clero, bem como na crença do poder absoluto do Papa e, portanto, na hierarquia da

Igreja.339 Para compreendermos, neste texto, como o governo do Grão-Pará entendia a intervenção da Igreja na atuação do chamado Catolicismo de Saint Sulpice, recorremos aos relatórios de presidente de província, especialmente aos itens denominados “negócios eclesiásticos” e “catequese e civilização do índio”, nos quais percebemos as ações da Igreja na Amazônia. Cenas da vida religiosa na amazônia despontam na narrativa dos relatórios, o que nos permite o conhecimento das interpretações sobre a atuação do clero e o modo como essa ação foi entendida. Por exemplo, o pároco da freguesia de Mocajuba celebrava os ofícios divinos em uma casa particular.340 Não havia lugar para a execução dos serviços religiosos, mas isso não impediu que eles acontecessem. Se não havia templo, o padre cumpria sua obrigação em outros lugares. Para Joaquim Raymundo de Lamare, a religião era o melhor método de “civilização” social dos povos da Amazônia. Ele elogiava a liderança de D. Macedo Costa, dizendo que era alguém de “ilustração e sentimento eminentemente católico” e que certamente expandiria “a verdadeira religião” entre os habitantes. Um dos empreendimentos do bispo, ressaltados pelo Sr. Lamare, era a educação dos sacerdotes e dos seminaristas na província, tendo como característica o rigor na escolha dos alunos e na fiscalização dos serviços paroquais.341

vida laica. Muitos bispos que atuaram no Brasil, na segunda metade do século XIX, estudaram nesse seminário. 339 Aqui há uma referência espacial, pois os principais seminários formadores dos Bispos “ultramontanos” que vieram para o Brasil estavam na França, embora as idéias dos inacianos que lá atuavam estivessem em acordo com os preceitos romanos. 340 Relatório do Secretário da Província do Grão-Pará. O Tocantins e o Anapu. Impresso na Tipografia de Frederico Rhousard, 1864. p. 14. 341 Relatório com que o Vice-Almirante e Conselheiro de guerra Joaquim Raymundo de Lamare passou a administração da Província do Grão-Pará ao Visconde de 122

No entanto, essa opinião não era unânime entre os políticos e intelectuais do Grão-Pará, especialmente aqueles ligados aos ideais liberais e republicanos, para quem os padres na Amazônia eram os primeiros a dar maus exemplos. Segundo José Veríssimo,342 ao contrário de combaterem a imoralidade, os padres eram os primeiros a lisonjear os defeitos dos caboclos e demais descendentes indígenas.343 Em sua opinião, o fato de os costumes desse habitantes persistirem sob as vistas da Igreja Católica era uma prova de como os padres eram raríssimos nas regiões amazônicas ou estavam pouco preocupados com os costumes locais. Ele exemplifica essa questão, mostrando que algumas danças e cantorias aconteciam nas vilas amazônicas à revelia da Igreja. Entre essas práticas podemos citar a cerimônia do Sairé, cuja característica denotaria um “Catolicismo tupi”.344 É importante mencionar que ao voltar para Belém, com saúde fragilizada, José Veríssimo passou a escrever seus textos no jornal O Liberal do Pará, no Diário do Grão-Pará e na Província do Pará. O autor, como alguns políticos da região, não acreditava no ensino promovido pelos padres, o que talvez explique a criação da Sociedade Promotora da Instrução em 1883, que era impulsionada pelos ideais positivistas na regeneração da educação e progresso do país.345 Esse

Arary, 1o. Vice-Presidente, em 6 de agosto de 1868. Belém: Tip. do Diario do Grão-Pará, 1868. p. 16,17. 342 Escritor paraense nascido em Óbidos em 1857. Estudou em Belém e Manaus e depois foi para os Colégios D. Pedro II, Vitório e, também, para a Escola Central, no Rio de Janeiro. Cf: NETO, José Maria Bezerra. José Veríssimo: Pensamento Social e Etnografia da Amazônia (1877/1915). Revista Dados. Vol. 42, no. 6. Rio de Janeiro, 1999. p. 2. 343 VERÍSSIMO, José. Estudos Amazônicos. Universidade Federal do Pará, 1970. p. 75. 344 Ibid. p. 65, 66. “A palavra Sairé parece significar coroa e a festa era dantes muito comum na Amazônia, em cujo sertão ainda hoje é vulgar.” 345 BEZERRA NETO, José Maria. Op. Cit. p. 2 a 4. José Veríssimo publicou um livro intitulado Educação Nacional, o que demonstrava sua preocupação pelo assunto, em especial pela ação pedagógica no desenvolvimento humano. Além do tema dedicado à instrução pública, o autor de Cenas da vida na Amazônia (1886), imiscuiu-se no meio literário nacional com participação na Fundação da Academia Brasileira de Letras, em 1897, sendo um dos seus integrantes em 1912. Além disso, procurou escrever sobre a situação da América Latina frente o imperialismo norte-americano, sem deixar de lado o interesse pelos temas Amazônicos. 123

progresso, na visão de José Veríssimo, seria alcançado por meio do cruzamento de povos “superiores” e de “inferiores”, levando à fusão das aptidões necessárias à formação de um tipo humano genuinamente preparado para a “civilização”.346 Ele culpabilizava o ambiente amazônico por facilitar a vida dos índios e mestiços, tornando-os preguiçosos. Os jesuítas, segundo ele, também teriam contribuido para degeneração mental dos povos amazônicos com o ensino religioso. Ao contrário disso, os escritos de D. Macedo Costa denotavam a preocupação com a formação episcopal, havendo a salvação para o trabalho religioso na Amazônia, o que também era ressaltado por presidentes de província, como Sr. Lamare. É importante salientar, como já afirmamos antes, que a base teórica norteadora das ações de D. Macedo Costa era diversa, abrangendo a filosofia antiga, a teologia medieval e o pensamento moderno. As interpretações aristotélico- platônicas de Santo Agostinho e São Tomás de Aquino foram misturadas ao pensamento de J. B. Bossuet e F. Lammenais, constituindo aspectos importantes do trabalho do bispo. A idéia de Deus como verdade absoluta e da Igreja como representante por excelência dele na terra norteava os projetos de hierarquização do clero e a supremacia desta instituição em relação ao Estado. O Catolicismo da segunda metade do século XIX, de acordo com Augustin Wernet, primava pela ascese, pela limpeza moral e, principalmente, pelo afastamento entre os elementos espiritual e temporal.347 Além disso, a participação dos leigos nos quadros da vida religiosa era uma prática combatida. As reformas das organizações como irmandades, congregações, confrarias e ordens terceiras; a criação de novas associações como as “Filhas de Maria” e o “Apostolado de Orações” foram medidas pontuais que estavam ligadas à essa nova concepção de Igreja no Brasil.348

346 Ibid. p. 6. Na opinião de José Veríssimo, segundo José Bezerra Neto, o que mulato significava para as Províncias de São Paulo e Rio de Janeiro, o curiboca representava para o Grão-Pará e mais do que isso, em termos de mestiçagem, o curiboca seria superior ao mulato, uma vez que o elemento indígena seria também superior, em raça, em relação aos africanos. 347 WERNERT, Augustin. Op. Cit. p. 116. 348 Ibid. p. 116. 124

Entre os empreendimentos do bispo, estava o zelo pelo seminário estabelecido no antigo Colégio dos Jesuítas, na Igreja de Santo Alexandre. Este seminário era destinado ao estudo de Filosofia e Teologia. Além dele, passou a funcionar o Colégio de Santo Antônio, com matérias sobre o estudo de humanidades.349 Ernesto Cruz afirmou, também, que havia na capital os seguintes conventos: o do Carmo, o das Mercês e o de São José que, por muito tempo, ajudaram na formação católica dos paraenses. Além destes, a Casa das Educandas criada pelo bispo D. Manuel de Almeida de Carvalho, em 1804, funcionava como meio de formação religiosa das meninas tidas como “desvalidas” e órfãs.350 Hugo Fragoso, ao estudar a Igreja no Segundo Reinado, afirmou que a instrução religiosa no Brasil não era tão deficiente como muitos apontavam. Ao contrário, aquele período, a melhoria do ensino sacerdotal foi empreendida por bispos como D. Cardoso Aires, D. Macedo Costa, D. Joaquim de Melo, D. Viçoso, D. Vital, D. Luis Antônio dos

Santos e, também, os Lazaristas351 e as irmãs Dorotéias. Por outro lado, a idéia de decadência religiosa no Brasil em função da escassez de padres nas vilas, da falta de ensino teológico na colônia, da imoralidade do clero é também estendida para a Amazônia. Na visão de Riolando Azzi, por exemplo, o clero ibérico estava subjugado pelo regalismo. Essa condição fazia com que a função espiritual fosse subordinada aos objetivos seculares.352 Em sua opinião, o quadro clerical na Amazônia teria se agravado em função da ausência dos jesuítas e da crise dos seminários. “Bastante precária é a situação do clero no Grão-Pará, onde diversos casos de padres descuidados de seus

349 Relatório com que o Vice-Almirante e Conselheiro de guerra Joaquim Raymundo de Lamare passou a administração da Província do Grão-Pará ao Visconde de Arary, 1o. Vice-Presidente, em 6 de agosto de 1868. Belém: Tip. do Diário do Grão-Pará, 1868. p. 16, 17. 350 CRUZ, Ernesto. História do Pará. Belém: Governo do Estado do Pará, s/d. p. 442. vol 2. 351 FRAGOSO, Hugo. A Igreja na formação do Estado Liberal (1840-1875). BEOZZO, Oscar. et. al. História da Igreja no Brasil. Segunda Época. Rio de Janeiro: Vozes, 1992. p. 196. Tomo 2/Vol. 2. 352 AZZI, Riolando. A instituição eclesiástica durante a primeira época colonial. In: HOORNAERT, Eduardo, et al. História da Igreja no Brasil. p. 163. 125

deveres e transgressores do celibato sacerdotal são apresentados nos escritos de D. Frei João de São José Queiroz, bispo do Grão-Pará

(1760-1763).”353 Esse é um exemplo de como a idéia de decadência religiosa estava atrelada à união jurídica entre a Igreja e o Estado, que transformava o clero em funcionário do governo. No entanto, o trabalho missionário não cessou com a expulsão dos jesuítas e os aldeamentos continuaram a existir sob a direção de outras ordens religiosas. Mesmo após a ausência dos jesuítas nas missões, e com a malfadada experiência dos diretores laicos, o governo chamou os religiosos para organizarem novamente o trabalho nas aldeias. O Conde dos Arcos voltou a solicitar, no início do século XIX, as ordens religiosas que cooperassem na conversão do gentio.354 Na fala de um secretário da Província do Grão-Pará, em 1864, o mesmo montante de investimento que o governo aplicava à imigração para a Amazônia deveria ser utilizado para “civilizar” os índios. Devia-se, segundo ele, aos “apóstolos dos índios” o trabalho com a catequese nas missões religiosas de vários locais da província. Esses missionários não eram mais os jesuítas, mas eram, agora, os capuchos. Por volta de 1612, os capuchinhos franceses vieram para o Maranhão e Pernambuco e depois chegaram os italianos, que embora tenham sido afastados pelo governo, em 1831, voltaram depois a atuar na Província do Grão-Pará com o intuito de “apaziguar” os selvagens. Vale ressaltar que a entrada de capuchinhos no Brasil não teve relação direta com o projeto de colonização portuguesa, uma vez que estes capuchos, sendo italianos, estavam relativamente livres dos acordos que regiam o padroado,355 o que não impedia a afirmação do trabalho missionário como uma faceta importante para o governo provincial. A memória sobre a atuação capuchinha cabe a dois destes padres: Frei Ludovico e Frei Carmelo de Mazzarino, os quais viajaram pelo

353 Ibid. p. 188. 354 ARTHUR, Cezar Ferreira Reis. A conquista espiritual da Amazônia. São Paulo: Escolas Profissionais Salesianas. [prefácio de Pedro Calmon], 1942. 355 HOORNAERT, Eduardo. A evangelização do Brasil durante a primeira época colonial. HOORNAERT, Eduardo. et al. História da Igreja no Brasil. p. 63, 64. 126

interior à procura de gente para cristianizar. A expansão desse capuchos não respeitava tratados políticos e nem mesmo acordos de fronteiras, eles avançaram para além do rio Xingu à procura das tribos ditas selvagens.356 Além desse local, outros foram percorridos por essa ordem, tais como Capim, Tocantins e Araguaia. Em 1870, chegaram ainda Frei Josualdo Machetti, Frei Teodoro Massafra e Frei Samuel Manccini, que foram atuar no rio Madeira e no vale do rio Negro.357 Esses missionários desejavam também fundar um aldeamento no rio Trombetas, pois lá, segundo um secretário da província, os quilombolas358 levavam ameaças aos índios e à população. Nessa versão, os negros fugidos se localizavam em torno daquele rio e causavam “o terror à população de

Óbidos e seus arredores.”359 Segundo Rosa de Acevedo Marin, as autoridades tratavam aqueles quilombolas como povos que poderiam ameaçar as propriedades e os habitantes, mas a relação entre estes últimos e aquelas comunidades era mais complexa do que pretendiam demonstrar os presidentes de província.360 Para Miguel Antônio Pinto Guimarães, Vice-Presidente da Província, em 1869, as missões capuchinhas estavam dando resultados benéficos para a província, pois ajudavam a diminuir os problemas do governo com os índios. Os capuchos, em sua opinião, levavam às selvas obscuras e sombrias a luz da “civilização” através do Cristianismo. Falando ainda desses missionários, Miguel Antônio Pinto Guimarães

356 A palavra selvagem, que encontramos nas fontes, estava associada ao “índio”. Os textos não mencionam os ribeirinhos como selvagens, assim podemos dizer que a palavra tem um sentido diferente de habitantes das selvas, ou seja, há uma significação pejorativa na identificação do índio como selvagem. Porém, a idéia do índio bestial encontrada nos textos do período colonial como Pero de Magalhães Gandavo parece ser substituída, a partir de Vieira, pela idéia do índio inocente e infantil. 357 REIS, Arthur C. F. Op. Cit. p. 79. 358 O termo quilombola nos relatórios dos presidentes de província representava mais que uma palavra ou uma classificação era uma categoria histórica cujo significado remetia à idéia de resistência à ordem escravista e de auto- afirmação dos grupos de cor, que podiam ser negros ou não. Cf: ACEVEDO, Rosa. & CASTRO, Edna. Negros do Trombetas. Guardiães de matas e rios. 2ª. edição. Belém: CEJUP/UFPA-NAEA, 1998. p. 28. 359 Relatório do Secretário da Província do Grão-Pará. O Tocantins e o Anapu. Impresso na Tipografia de Frederico Rhousard, 1864. p. 24. 360 ACEVEDO, Rosa. & CASTRO, Edna. Op. Cit. p. 57. 127

afirmava que a província contaria com “cidadãos mais úteis para a pátria, mais soldados para as fileiras da religião de Cristo e mais operários da futura prosperidade da província.”361 Assim, além de D. Macedo Costa reformar os seminários da capital e fundar asilos e escolas para jovens, na visão de alguns presidentes de província, as ordens religiosas existentes na Amazônia atuavam junto à população da capital e do interior, especificamente tentando catequizar o índio, com apoio do governo provincial.362 A idéia de Silvânia Damacena

Martins363 sobre a transferência dos interesses do ensino e da caridade da Igreja para o governo, parece não se confirmar na Província do Grão-Pará. Nesse ambiente, apesar de haver discussões sobre a laicização do ensino e mesmo um debate filosófico a respeito da miséria humana, o Catolicismo ainda sobrevivia direta ou indiretamente na manutenção, organização e tutela das instituições destinadas ao chamado ensino popular e aos estabelecimentos assistencialistas. Abel Graça, Barão de Vila da Barra, afirmou que a partir de 1870 alguns aldeamentos foram espalhados pela província; dois ficavam próximos a Belém, dois em Santarém, um no Porto de Moz, um no Rio Xingu e outro em Portel. Ainda segundo ele, embora estes aldeamentos não tenham contribuido muito para a inserção dos índios na vida civil

361 Relatório que o Coronel Miguel Antônio Pinto Guimarães, 2º Vice-Presidente da Província dirigiu à Assembléia Legislativa Provincial, no dia 15 de agosto de 1869, por ocasião da abertura da segunda sessão da 16ª legislatura da mesma Assembléia. Belém: Tipografia do Diário do Grão-Pará, 1869. p. 9, 10. 362 A atuação missionária na Amazônia é de longa data, segundo Victor Leonardi algumas ordens religiosas como a mercedária, a carmelita, a franciscana, repartiam as regiões da Amazônia no seu objetivo de redução e de atuação religiosa. Os carmelitas estabeleceram-se no rio Negro e Solimões. O sul do rio Amazonas ficaria a cargo dos jesuítas. A região de Mazagão, Macapá estavam sob o domínio franciscano. Os mercedários ficaram com as margens do rio Urubu. Cf: LEONARDI, Victor. Os historiadores e os rios. Natureza e ruína na Amazônia brasileira. Braília: Paralelo 15, Editora Universidade de Brasília, 1999. p. 25 a 27. 363 MARTINS, Silvânia Damasceno. Reformando a Casa Imperial: assistência pública e a experiência do asilo de meninos desvalidos na Corte (1870-1888). Dissertação de Mestrado. Rio de Janeiro: UFRJ, 2004. p. 12,13. Devemos considerar que a autora, afirmando com sutileza a passagem do ensino e assistência da tutela da Igreja para o Governo já no início do século XIX perdeu de vista as especificidades provinciais, tomadas em seu trabalho a partir das experiências do Rio de Janeiro. 128

porque uma boa parte deles estava sob a responsabilidade de diretores laicos, representavam a sobrevivência da Igreja na Amazônia. Os índios, então, apenas empreendiam algumas atividades, tais como: lavrar a terra, pescar, remar. Nas palavras de Abel Graça os índios estavam “geralmente inertes e embrutecidos pelos hábitos da vida nomada, não obtem outros conhecimentos senão o de proverem mal o incompletamente sua subsistência.” O único aldeamento próspero, segundo ele, era o do rio Xingu, pois estava sob a direção dos padres capuchinhos.364 Abel Graça fez claros elogios às missões direcionadas por sacerdotes, criticando a ação dos diretores laicos que não estariam interessados na catequese e ensino aos índios.365 Para ele, os diretores se preocupavam mais com os próprios interesses do que com o trabalho social.366 Além disso, o presidente declarou sua preferência pela mão- de-obra indígena à estrangeira, porque “o colono [estrangeiro] quando pisa no solo sente logo os efeitos do clima que para eles é desconhecido e logo são atacados de moléstia própria do país e torna- se inerte para o trabalho.” Nesse sentido, solicitou verba e mais capuchinhos do governo central para o trabalho com a catequese, a fim de que os índios fossem preparados para atuar nas atividades econômicas regionais, cuja perspectiva de retorno, embora fosse a longo prazo, seria mais lucrativa do que os investimentos malfadados com a imigração estrangeira.367 Nesse aspecto, apesar de propagarem motivos diferentes para a inadaptação do estrangeiro no norte, Abel Graça e D. Macedo Costa concordavam sobre o uso de mão-de-obra local e cearense tanto nas atividades extrativas quanto na agricultura.

364 Relatório apresentado à Assembléia Legislativa Provincial na primeira sessão da 17a. legislativa, pelo 4º. Vice-Presidente da Província do Grão-Pará Abel Graça. Belém: Tip. do Diário do Grão-Pará, 1870. p. 40. Abel Graça era do Partido Conservador, aliado dos “ultramontanos” no Grão-Pará. No entanto, nesse partido também havia políticos que discordavam dos projetos diocesanos, como por exemplo, Pedro Vicente de Azevedo. 365 Ibid. p. 42. 366 Ibid. p. 40. 367 Ibid. p. 42. 129

Pedro Vicente de Azevedo, por sua vez, afirmou que sem a administração de religiosos os índios voltavam à coleta de especiarias, esquecendo do aprendizado adquirido na redução.368 Então, a solução para o problema de mão-de-obra na Amazônia não estaria no uso do indígena, mas no investimento na imigração estrangeira. Para ele, os índios eram indolentes e dispersos, dificultando a adoção de uma rígida disciplina. O missionário, para Pedro Azevedo, não conseguia tirar o índio da ignorância e da letargia, pois quando saía da aldeia por algum motivo, os índios esqueciam o aprendizado e fugiam para a floresta. Era na região de Pracateua, no rio Capim, que habitavam os índios Tembés e Turyuaras, além de outras tribos como Amanagés e Mundurucus, estes no curso inferior do rio. Pode-se dizer que estes índios contrastavam com a ferocidade daqueles do mesmo rio Capim como Ububus, Timbira e Guajarás que erravam pelo “inferno verde” a procura de alimento. Francisco Maria Corrêa de Sá e Benevides dizia que a missão de Bacabal, por exemplo, tinha como único missionário o Rvdo. Frei Pelino de Castrovalva, que estava sempre doente.369 Portanto, para ele, era difícil manter os trabalhos iniciados pelos missionários. Naquela missão, havia poucas casas de oração, várias cabanas provisórias e vinte casas grandes que abrigavam os índios. O padre lecionava alternadamente em duas escolas, uma do sexo masculino e outra do feminino, cada uma delas possuía quarenta alunos. Segundo o presidente da província, quando havia padres nas vilas, eles incentivavam o casamento entre os índios e afirmavam a necessidade de se construir casas para separar as famílias que viviam no mesmo espaço. Outras regiões necessitavam, em sua opinião, de maior número de missionários;

368 Relatório apresentado à Assembléia Legislativa Provincial na primeira sessão da 19a. legislatura pelo Presidente da Província do Grão-Pará Pedro Vicente de Azevedo em 15 de fevereiro de 1874. Belém: Tip. do Diário do Grão-Pará, 1874. p. 47. 369 Relatório apresentado por Francisco Maria Corrêa de Sá e Benevides, Presidente da Província do Grão-Pará, à Assembléia Legislativa Provincial na sua sessão solene de instalação da 20a. legislatura, no dia 15 de fevereiro de 1876. Belém: Tip. do Diário do Grão-Pará, 1876. p.102. 130

na aldeia de Bacabal havia em torno de 400 índios da tribo Mundurucu, em Maracanã os índios se dedicavam à lavoura e à escola orientada pelos religiosos. Em Urucará, alto Tapajós, havia em torno de 50 índios da tribo Maués, além daqueles que estavam nas matas e que precisavam ser conduzidos à aldeia. Em Pacajá e Portel, dos 46 índios que lá existiam em 1874, restavam apenas 4, muitos dos quais teriam sido dizimados pela bexiga. A partir desse quadro, o presidente de província dizia que o investimento nas missões e na formação de mão- de-obra indígena acarretaria prejuízo para os cofres provinciais, defendendo, assim, a imigração estrangeira.370 Vemos que não eram todos os presidentes que acreditavam nos missionários como agentes civilizadores. Para Pedro Vicente de Azevedo havia três agentes responsáveis pela “civilização” dos índios: o missionário, o diretor parcial e o regatão. Mas este último, segundo ele, teria feito muito mais pelos índios do que os dois primeiros. “Em geral, pode dizer-se que mais serviços tem feito a civilização a cobiça imoral do regatão do que a moralidade fria e doutrina religiosa dos missionários.”371 O argumento do presidente era que a ação do missionário era muito pontual, circunscrita à aldeia, já a atuação do regatão se estedia por todo o sertão, atingindo também outros tipos de populações. Enquanto o missionário sequestrava os índios do convívio com o branco, o regatão desbloqueava as matas, interagia com os índios, possibilitanto sua integração à sociedade branca. Nessa compreensão, “o missionário trata só das almas, o regatão trata dos produtos, do homem ou da natureza [...] O missionário é sedentário, quase indolente e pouco produz; o regatão é a atividade personificada e só não tenta fazer o que lhe é impossível e em vez de ensinar o índio a rezar, ensina-lhe a trabalhar, a negociar e também, às vezes, a furtar.”372 Do mesmo modo como Pedro Vicente de Azevedo, José Veríssimo, ao falar do papel do regatão na província, dignificava a

370 Ibid. p. 41. 371 Ibid. p. 56. 372 Ibid. p. 56,57. 131

sua convivência com os mestiços. Em sua visão, sendo o regatão geralmente um português, ele ajudaria na “civilização” dos povos do interior amazônico, melhorando suas condições étnicas e materiais. A idéia de José Veríssimo sobre a superioridade do homem branco ao índio e ao negro traduzia, portanto, a valorização do regatão como agente civilizador e um dos responsáveis pelo branqueamento social.373 No relatório de Pedro Vicente de Azevedo, as missões comandadas por Frei Carmelo de Mazzarino nos rios Pacajás, Xingu, Capim e Tapajós foram consideradas decadentes. Os motivos estariam relacionados aos obstáculos na convivência entre religiosos, índios e escravos dos mocambos, principalmente na região do Tapajós, além da proliferação de epidemias, elementos estes responsáveis pelo abandono das aldeias.374 As missões dos rios Capim eram novas e, naquela região, antes do estabelecimento da aldeia, os índios Mundurucus faziam comércio com os fazendeiros locais, o que teria sido interrompido pela ação dos padres, levando a existência de conflitos entre estes e os proprietários locais.375 Na visão de Pedro Vicente de Azevedo:

[...] enquanto se seguir o sistema atual de missões, a pratica de tirar-se o índio de suas moradas, boas ou más e encurralá-los na aldeia para aprenderem o Padre Nosso e fazê-lo Cristão pelo batismo, que ele não compreende; enquanto o missionário não for procurar o índio e com ele habitar nas suas aldeias, enquanto for somente mestre de doutrina cristã e simples salvador das almas; toda a missão há de continuar a ser uma ficção administrativa, uma arte de gastar dinheiro inutilmente, uma caricatura de religião e de civilização.376

As missões, segundo Pedro Vicente de Azevedo, prosperariam desde que se desenvolvessem conjuntamente os trabalhos missionário e comercial. Para isso, seria necessário um missionário encarregado do

373 VERÍSSIMO, José. Op. Cit. p. 23. 374 Relatório apresentado a Francisco Maria Corrêa de Sá e Benevides por Pedro Vicente de Azevedo na ocasião de passar-lhe a administração da Província do Grão-Pará, no dia 17 de janeiro de 1875. Belém: Tip. de F. C. Rhossard, 1875. p. 58. 375 Ibid. p. 58. 376 Ibid. p. 59. 132

ensino de leitura, escrita e dos ofícios puramente religiosos; um agente público responsável pelo regime civil e econômico da aldeia, servindo de mediador entre os índios e os negociantes; alguns oficiais de ferreiro, carpinteiro e pedreiro para, além de estruturarem a missão, ensinar seus ofícios aos índios. Com esses elementos, as aldeias seriam integradas à sociedade branca. De acordo com o presidente os agentes civis, mais que qualquer religioso, combateriam as práticas “semi-religiosas” dos índios e moldariam seus costumes de acordo com os desígnios civilizatórios.377

Gama Abreu,378 em relatório apresentado à Assembléia Provincial, em 1880, criticou os desmandos dos diretores parciais e a decadência das missões no Grão-Pará. Mas, compartilhando em parte das idéias de Pedro Vicente de Azevedo, afirmou que os diretores, juntamente com frades sérios, como Egydio de Garezio, fomentariam os valores do trabalho junto aos índios. Este missionário, ao contrário de Frei Pelino de Castrovalva, devia permanecer na missão, ajudando a “civilizar” os índios. Um dos motivos da decadência das missões, segundo Gama Abreu, era o egoísmo e imoralidade dos diretores parciais, que teriam escravizado os índios e transformado a aldeia em sua propriedade. Outro motivo apontado por Gama Abreu teria sido a imoralidade de alguns missionários, como Fr. Pelino de Castrovalva, que uma vez demitido do cargo de diretor de aldeia, se apropriou-se indevidamente de bens do engenheiro Adriano Xavier de Oliveira Pimentel e ainda reclamava de seu ordenado.379 Na opinião de Manuel Pinto de Souza Dantas Filho, Presidente da Província depois de Gama Abreu, o problema da

377 Ibid. Loc. Cit. 378 Gama Abreu formou-se em filosofia e matemática pela Universidade de Coimbra e, em 1855, estabeleceu-se em Belém. Foi professor de matemática do Liceu Paraense, deputado tanto provincial quanto do parlamento nacional. Além disso, exerceu a presidência das Províncias do Grão-Pará e do Amazonas, o que teria garantido a ele experiência e conhecimento dos problemas dessas regiões. Era ligado ao Partido Liberal, no qual participou ativamente. 379 Relatório apresentado por José Coelho da Gama e Abreu, Presidente da Província do Grão-Pará, à Assembléia Legislativa Provincial, na sua 1a. sessão da 22a. legislatura, em 15 de fevereiro de 1880. Belém: Tip. do Liberal do Pará, 1880. p. 79,80. 133

corrupção e dos desmandos nas missões era a falta do que ele chamava de “cidadão idôneo” e bem remunerado para o serviço de catequese e “civilização” das populações amazônicas. Além disso, os diretores gerais deveriam fazer visitas anuais às aldeias para saber o estado em que elas se encontravam e estabelecer comunicações com pontos comerciais utilizando vapores.380 As reclamações a D. Macedo Costa e mesmo de presidentes como Pedro Vicente de Azevedo e Gama Abreu sobre imoralidade de padres e de funcionários públicos são recorrentes nas fontes. No entanto, a maneira como esse quadro era entendido e encarado era diferente. O bispo ressaltava sempre a necessidade de aperfeiçoamento intelectual do clero, o que talvez diminuísse a imoralidade entre os prelados. Por outro lado, o convívio com uma população sem pudores também poderia ser prejudicial, na opinião do bispo, para a purificação geral da província, o que não era o ponto mais importante para os governantes. Encontramos nos ofícios das autoridades eclesiásticas esse tipo evidência. Em 1873, Pedro da Silva, capitão da Guarda Nacional e subdelegado de Boa Vista foi advertido pelo Barão de Santarém, à epoca Vice-Presidente da Província, e mesmo pelo prelado de sua paróquia a não dirigir uma festa religiosa, por viver em concubinato. No entanto, o subdelegado, ignorando as assertivas dos prelados, realizou a festa como lhe aprouve, além de passear com sua amásia pela praça central.381 Para executar seus projetos de intelectualização e moralização do clero, D. Macedo Costa precisava se inteirar sobre a situação econômica, moral e religiosa da província, tanto que solicitava do governo informações dos trabalhos nas missões religiosas. Pedro Vicente de Azevedo, respondendo à solicitação do bispo, enviou-lhe um relatório de Frei Miguel Ângelo de Burgio. Ao longo do documento havia

380 Relatório com que o Presidente do Grão-Pará Dr. Manuel Pinto de Souza Dantas Filho passou a administração da Província ao 1o. Vice-Presidente Dr. José da Gama Malcher. Belém: Tip. do Liberal do Pará, 1882. p. 57,59. 381 ARQUIVO PÚBLICO DO PARÁ (APEP). Residência Paroquial da Vila de Oeiras. 11 DE fevereiro de 1873. Caixa 310 134

uma descrição minuciosa desde a fundação da missão de bacabal até o ano 1874. Durante toda a narrativa Frei Miguel Ângelo de Burgio dissertava sobre as condições em que atuava na Amazônia. “Foram graves e muitos os sofrimentos e perigos por que passaram os missionários, tão desvelados pelo bem dos índios, antes de fundarem a missão naquele caudaloso rio, mas em fim chegaram com o auxílio de seus a deitarem alicerce de um aldeamento muito importante em um lugar denominado bacabal.”382 A imagem, portanto, descrita por Frei Miguel é a de que apesar dos sofrimentos, o missionário continuava o seu trabalho, sempre dedicado ao ensino e à catequese. Desse modo, missionários como Pelino de Castrovalva e Frei Candido de Heremence teriam levado o trabalho com todo o fervor religioso, “penetrando nestes inóspitos sertões sozinhos, indefeso e por esta forma muito tem adiantado o progresso das missões que lhes foram confiadas.”383 Esses missionários ensinavam aos índios os primeiros rudimentos da língua portuguesa e os princípios de trabalho com a terra. D. Macedo Costa argumentava que o problema do sacerdócio na Amazônia não era simplesmente a imoralidade do clero, mas as condições em que esse sacerdote realizava seu trabalho. O costume que havia na região na mistura entre o profano e o sagrado era um dos elementos que tornava o clero e mesmo os representantes do governo pouco conscientes dos seus lugares nas instituições temporal e civil. “Era realmente triste a situação da Igreja. Leigos, pela única razão de serem ministros, julgavam-se com o direito de entrar pelo terreno sagrado, de tal maneira que, se não fosse profana e despótica, tal invasão seria cômica e ridícula.”384 D. Macedo Costa lutava, assim, por tornar o clero paraense educado às tradições dogmáticas da Igreja de Roma: “[...] Sed nihil aliud nobis concedit divina Providentia quam e longe tuas doctrinas adamussim amplecti, tuis intentionibus plene

382 Ibid. 383 ARQUIVO PÚBLICO DO PARÁ (APEP). Residência Paroquial da Vila de Oeiras. 8 de fevereiro de 1874. Caixa: 310 384 LUSTOSA, D. Antônio de Almeida. Op. Cit. p. 113. 135

convenire, tuis mandatis fideliter obtemperare, tuis orationibus et sacrificis nos arcte consociare, denique calicis.”385 Percebemos, então, que havia várias interpretações sobre a ação catequética na Amazônia e a inserção do índio no convívio social. As idéias apresentadas pelos missionários, presidentes de província e pelo episcopado variavam segundo os interesses específicos de cada uma dessas personagens. A introdução da mão-de-obra indígena nas lavouras paraenses contrastava com o projeto de imigração estrangeira para fins civilizatórios e de sobrevivência material da província, assunto do qual trataremos mais tarde. A ação missionária na Amazônia tinha como objetivo ampliar o domínio da Igreja Católica na região norte do país, ação que ajudou o poder secular na organização dos povoados, dos hábitos e dos modos de vida locais. Podemos dizer, então, que os embates de idéias apresentadas, sugerem uma profunda discussão do destino da Amazônia por aqueles representantes clericais e políticos, que pautados em várias justificativas, apresentavam os caminhos para o desenvolvimento social, econômico e cultural daquela região.

3.2 Os “desvalidos” do Grão-Pará

Como já afirmamos, além das missões e da formação de aldeamentos, outra forma de imprimir a cristianização dos povos da Amazônia era por meio dos seminários, asilos e instituto de formação técnica, como os de artes e ofícios. Logo que assumiu a Diocese do Grão-Pará, D. Macedo Costa iniciou a moralização e intelectualização do clero e do laicato. Em 1876, numa carta a D. Pedro II, o bispo afirmou que os seminários precisavam de verba para realizar os trabalhos de ensino e pagar devidamente os lentes. Afirmou, também, que a diocese era uma das mais

385 “Porém, nada mais nos concede a divina Providência senão de longe abraçar à risca vossas doutrinas, conformar-nos plenamente às vossas intenções, obedecer com fidelidade aos vossos mandados, associar-nos intimamente às vossas orações e sacrifícios, e finalmente, como filhos amantíssimos, adoçar, quanto nos é possível, a amargura do vosso cálice.” Traduzido por LUSTOSA, Antônio de Almeida de. Ibid. p. 119, 121. 136

pobres no Brasil e que os alunos de vocação, na sua maioria, eram pobres e provinham do interior. O bispo propôs a adoção de uma política de investimento em educação religiosa dos meninos e meninas pobres da província, empreendimento que também serviria aos interesses do governo. Se o Estado concorresse com uma soma de 8:000$000 réis para auxiliar nos trabalhos da diocese, a educação do clero tomaria alí impulso animador, com duplo proveito para ambos os poderes.386 Segundo José Maia Bezerra Neto, o governo subsidiava algumas instituições dirigidas por membros da Igreja, com a finalidade de obter mão-de-obra qualificada para seus objetivos econômicos e sociais.387 Havia, portanto, entre os programas da diocese o incentivo à educação de crianças pobres, a partir de seu ingresso em seminários ou em asilos, como eram chamadas algumas instituições de abrigo da época. Ainda não sabemos a procedência exata desses menores, mas eles eram tidos como órfãos e, por isso, eram encaminhados aos prelados para serem educados segundo as regras da Igreja.388 José Veríssimo afirmou que o aumento da infância desvalida na Província do Grão-Pará era devido à falta de moralidade que reinava entre os índios e caboclos. Mas, segundo ele, era necessário um cuidado na definição da orfandade no século XIX, pois havia uma lei brasileira cuja idéia de orfandade estava associada a de promiscuidade, ou seja, órfãos eram filhos de casamentos ilegítimos. Para José Veríssimo, essa era uma lei estúpida que contribuia para a exploração das crianças provindas desse tipo de situação. Muitos menores, por esse motivo, foram “vendidos” pelos juízes de órfãos, não para irem às escolas e às oficinas, mas para servirem como empregados domésticos em casa de particulares, que os

386 Ibid. p.355. 387 BEZERRA NETO, José Maia. As luzes da instrução: o asilo de Santo Antônio em Belém do Pará (1870-1912). In: MARIN, Rosa Acevedo. (org.) A escrita da história paraense. Belém: NAEA/UFPA, 1998. p. 193. 388 Relatório que o Coronel Miguel Antônio Pinto Guimarães, 2º Vice-Presidente da Província do Grão-Pará dirigiu à Assembléia Legislativa provincial no dia 15 de agosto de 1869 por ocasião da abertura da segunda sessão da 16ª legislatura da mesma Assembléia. Belém: Tip. do Diário do Grão-Pará, 1869. p. 8. 137

recebia em troca de favores.389 Assim, segundo José Veríssimo, “[...] Os juízes de órfãos mandavam, e continuavam a mandar, diligências pelos lugares de suas jurisdições, especialmente incumbidas de trazer ranchos de curumins, meninas e meninos tapuios, para distribuir pelos seus amigos e pessoas consideradas do termo respectivo.”390 O autor afirma ainda que os clérigos reclamavam dessas atitudes nas sedes provinciais, referindo aqui a Belém e Manaus, mas no interior os párocos pareciam não dar importância a tais fatos, uma vez que se preocupavam apenas com as côngruas que o governo lhe pagava.391 No entanto, não parece que D. Macedo Costa discordasse das observações de José Veríssimo a respeito dos maus exemplos de alguns párocos, já que via a necessidade em investir na intelectualização e moralidade do clero. Como já afirmamos, existiam em Belém dois seminários; um de nome Santo Antônio e outro chamado de filial. No primeiro, os jovens estudavam o curso secundário e o teológico. Geralmente o governo admitia quinze seminaristas pobres ao custo de 3:000$000 réis. No segundo, os alunos recebiam a instrução primária e os princípios da instrução secundária e, ao contrário do primeiro, o seminário filial não recebia verbas da província para as atividades dos internos, tendo o estabelecimento que sobreviver de seus próprios recursos, quando os tinham.392 Esse seminário foi fundado por D. Macedo Costa, cuja preocupação era inserir nos currículos matérias de bacharelado em letras. O estabelecimento possuia em torno de doze professores, dos quais oito residiam no próprio prédio. Isso facilitava a manutenção da vigilância sobre esses “lentes” que eram impelidos a exigir um comportamento impecável dos alunos. Segundo Abel Graça, a existência desse tipo de seminário na região, faria o governo economizar com o envio de alunos para a Europa, pois era dispendioso.393

389 VERÍSSIMO, José. Op. Cit. p. 74. 390 Ibid. p. 74,75. 391 Ibid. p. 75. 392 Relatório apresentado à Assembléia Legislativa Provincial na primeira sessão da 17a. legislativa, pelo quarto Vice-Presidente do Grão-Pará Abel Graça. Belém: Tip. do Diário do Grão-Pará, 1870. p. 22. 393 Ibid. p.50. 138

Além disso, D. Macedo Costa reestruturou o Colégio de Nossa Senhora do Amparo que estava destinado à educação doméstica, moral e literária das moças.

As colegiais tem consciência de que são pobres de que tem necessidade de trabalhar para poderem, quando entregues a si mesmas, subsistir a custa da própria atividade, de que, em vez de damas de salão, não passam de órfãs e desvalidas, que a mão caridosa da província recolheu num asilo de infância, onde lhes vai sendo proporcionado o ensino de todas as prendas doméstivas com o ituito de liberá-las da miséria pelo uso que desse modesto haver tenham de fazer mais tarde.394

Esse colégio foi criado com o nome de Casa das Educandas, inspirado nas idéias de Frei Caetano Brandão, com o intuito de abrigar meninas “gentias” que o bispo trazia das suas viagens pelo interior da província. Posteriormente se transformou em abrigo para meninas desvalidas de Belém.395 De acordo com Irma Rizzini, a proposta inicial dessa instituição era civilizar indiazinhas, servido mais tarde de abrigo para meninas pobres em geral.396 Aos poucos foram sendo incorporadas ao Colégio do Amparo as chamadas pensionistas, meninas de famílias estruturadas e financeiramente bem situadas, colocadas na convivência com as outras. Para uns, essa mistura era um problema, pois as pensionistas estariam à mercê da convivência com meninas pobres, sobre as quais recaía o preconceito. O Presidente da Província Francisco Carlos de Araújo Brusque manifestava a idéia da criação de uma escola específica para as pensionistas, ficando o Colégio Nossa Senhora do Amparo dedicado exclusivamente a abrigar e educar apenas meninas desvalidas.397 No entanto, apesar das tentativas de tirar as pensionistas do mesmo convívio com as meninas pobres, não temos

394 Relatório com que Guilherme Francisco Cruz, 3o. Vice-Presidente passou a administração da Província do Grão-Pará a Pedro Vicente de Azevedo em 17 de janeiro de 1874. Belém: Tip. do Diário do Grão-Pará, 1874. p. 45. 395 Relatório do Secretário da Província do Grão-Pará. O Tocantins e o Anapu. Impresso na Tipografia de Frederico Rhoussard, 1864. p. 20. 396 RIZZINI, Irma. Op. Cit. p. 11. 397 Relatório apresentado à Assembléia Legislativa por Francisco Carlos de Araújo Brusque em 1º. de setembro de 1862. p.75,76. 139

notícia de modificações na admissão de internas. Uma medida tomada foi a criação do Colégio de Nazaré que serviria à educação das pensionistas.398 Havia um regulamento de 1870 que tratava da organização do Colégio do Amparo, proibindo as educandas de ficarem na instituição a partir dos dezoito anos. No entanto, elas permaneceriam até saírem por um dos meios permitidos pela direção, ou seja, através de casamento, de um contrato de locação de serviços (emprego em casa de particulares), de emprego em escolas públicas, no ensino primário, e da entrega da moça aos seus parentes, quando estes existissem. Um dos diretores do Colégio do Amparo, João Alfredo, menciona a dificuldade que as moças tinham de saírem do estabelecimento quando atingiam a idade máxima permitida. Para isso, nomeou uma comissão de “cidadãos prestantes”, a fim de criar maior número de empregos para as moças em casas de família e, com isso, inseri-las no convívio social. Quando o emprego não aparecia, as educandas eram enviadas para outro abrigo.399 A infância “desvalida” do Grão-Pará contava, também, com a ajuda dos chamados provedores, tal como o Barão do Guamá. Este enviou um relatório ao Vice-Presidente da Província, João Lourenço Paes de Souza, em 1885, descrevendo a situação do Colégio do Amparo naquela ocasião e como obtinha recursos. O financiamento para a manutenção do Colégio vinha de doações, legados, rendas de prédios e terrenos e, ainda, de juros, que eram convertidos em apólices da dívida pública. Além disso, a metade dos bens confiscados aos mercedários foi enviada para esta instituição.400 Outro estabelecimento nos moldes do Colégio do Amparo foi o asilo de Santo Antônio, destinado também ao público feminino. Esse asilo iniciou suas atividades sob a direção das irmãs Dorotéias, que haviam

398 Ibid. p.82. 399 Relatório apresentado à Assembléia Legislativa Provincial na primeira sessão da 17a. legislativa, pelo quarto Vice-Presidente Abel Graça. Belém: Tip. do Diário do Grão-Pará, 1870. p. 18,19. 400 Relatório que João Lourenço Paes de Souza, 1o. Vice-Presidente da Província do Grão-Pará apresentou a Carlos Augusto de Carvalho, em 16 de setembro de 1885. Belém: Tip. de Francisco da Costa Junior, 1885. p. 62. 140

chegado a Belém no ano anterior.401 O prédio em que se assentava o referido asilo era o do antigo convento de Santo Antônio pertencente aos franciscanos. Funcionavam nesse espaço duas formas de assistência: uma relacionada à educação ou instrução e outra, ainda, voltada ao trabalho com os desvalidos. Assim, com atividades diferenciadas, mas sincronizadas as irmãs Dorotéias formavam meninas, dando-lhes ensino e assistência como também trabalhavam com educandas pensionistas.402 Apesar de contar com poucos recursos, o prédio oferecia aos seus abrigados um conjunto de símbolos relacionados à evangelização e ao controle espiritual dos corpos e consciência. Para mais detalhamento disso, temos um relato de Maria Paula Ramos sobre os adornos e a constituição física do prédio e de suas dependências, possibilitando entendermos como as irmãs contavam com símbolos, bem como com o isolamento do lugar necessário à conversão e moralização das moças. À época de D. Macedo Costa, o prédio ou asilo de Santo Antônio era uma das construções mais importantes da vida religiosa paraense. Um largo portão de ferro separava os espaços profanos e sagrados. Ao passar pelo adro, havia um pavimento com mosaicos escuros, onde os passos “ecoavam agradavelmente”, provocando pequeno incomodando tanto aos vivos quanto aos mortos enterrados ali.403 As janelas do convento eram compostas por “possantes barras de ferro”, sugerindo mais uma vez a separação do mundo exterior. Símbolos importantes remetiam à educação religiosa dos que passavam pelos ambientes, tal como uma imagem muito antiga de Bom Jesus dos Passos, com feição tristonha e

401 As irmãs Dorotéias chegaram ao porto de Belém no navio Senegal em setembro de 1877, acompanhadas de D. Macedo Costa. Foram recebidas pelo Monsenhor Sebastião Borges de Castilho, vigário geral, e pelo secretário do Bispo Padre Lourenço Costa Aguiar. Ao chegarem ao asilo de Santo Antônio, as irmãs Dorotéias foram saudadas pelas senhoras e senhores da sociedade paraense. À noite, D. Macedo Costa informou no seu discurso aos fiéis na catedral de Belém, a Igreja da Sé, que essas irmãs educariam suas filhas e formariam as futuras esposas e mães da Amazônia. Cf: CHAVES, Maria Paula Ramos. O convento de Santo Antônio e as Dorotéias. Belém: AAD, 1977. p. 22,23. 402 BEZERRA NETO, José Maia. As luzes da instrução: o asilo de Santo Antônio em Belém do Pará (1870/1912). In: MARIN, Rosa Acevedo. A escrita da história paraense. p. 196. 403 CHAVES, Maria Paula Ramos. Op. Cit. p. 27. 141

cabeleira natural desencadeava a compaixão e a culpa do espectador. Na capela do convento, inaugurada por D. Macedo Costa, o assunto simbolizado nos azulejos do século XVIII era a vida de São Francisco. Havia, também, neste local quatro painéis, cujos temas se referiam ao colóquio entre S. Francisco e o Jesus crucificado, outro de Santo Antônio falando aos peixes e contemplando o menino Jesus. Ainda nos nichos, Maria aparece entregando o menino Jesus a S. Francisco e outra imagem deste reaparece novamente em diálogo com um de seus discípulos.404 Outros espaços sugeriam mais recolhimento e sofrimento, como o claustro que ficava na ala oposta à nave propriamente dita, localizado numa espécie de subsolo com paredes grossas e separado de um outro ambiente por um portal com arco, sugerindo sobriedade e silêncio.405 Desse modo, os símbolos sagrados levavam ao sofrimento, à culpa e à importância da história dos santos e suas lições à vida cotidiana e os locais fechados e com pouca luz. Não muito distante desses locais descritos acima, estavam os destinados à educação intelectual das jovens desvalidas e pensionistas. À época de exames, D. Macedo Costa comparecia ao asilo e interrogava as alunas sobre os assuntos lecionados pelas Irmãs Dorotéias. Além das meninas provenientes da Província do Grão-Pará, estas irmãs também se encarregavam da educação das meninas pobres provenientes da Província do Ceará. “No dia 19 de abril de 1878, indo a Irmã Superiora ao Palácio Episcopal, encontrou uma pequena cearense que pedia esmolas. Penalizada, resolveu Madre Pingiani levar a menina para o asilo, aonde, na tarde do mesmo dia, foi ter com a avó da criança. Satisfeita por ver a menina alegre e protegida, rogou à superiora que ficasse com a outra que a acompanhava. A boa religiosa aquiesceu. Como este, outros fatos se verificaram freqüentemente, ditados pelo zelo das Dorotéias.”406

404 Ibid. p. 28. 405 Ibid. p. 33. 406 Ibid. p. 41. 142

Algumas opiniões eram favoráveis às iniciativas do episcopado, outras buscavam atacar o trabalho realizado nos asilos, principalmente porque seu comando estava a cargo de congregações religiosas e prelados. José Veríssimo, quando estivera na diretoria geral da instrução pública em 1890, criou uma imagem desse tipo de colégio diferente daquela apontada por Maria Paula Ramos Chaves. Essa imagem era de um lugar fétido e sujo, sem preocupação com a higiene da comida e das educandas. “[...] A cozinha confiada a direção de uma negra boçal, suja, auxiliada por um grupo de educandas que, certo, nesse contacto só teriam a perder, era também, como latrina adrede à qual ficava, infecta e repulsiva e o preparo da comida feito em um velho fogão desmantelado, do tamanho dos que usamos em nossas casas de família. Banheiros não existiam, de sorte que, neste clima em que as ablusões gerais são uma necessidade imperiosa, essas pobres educandas passavam dias e dias, quem sabe meses, sem tomar banho.”407

Assim como as filhas desvalidas, os meninos pobres408 também eram levados para escolas de artífices a fim de aprender um ofício. Deveu- se ao engenheiro Guilherme Francisco Cruz a criação de um estabelecimento que atendesse às necessidades de meninos que não tinham família ou eram considerados abandonados e pobres. A idéia de criar esse tipo de escola técnica em Belém veio da experiência existente no Maranhão. O objetivo dos idealizadores dessa escola era atingir uma população de meninos pobres, além de inserir também os jovens índios no aprendizado de ofícios, permitindo sua inserção na

407 VERÍSSIMO, José. Apud VIANNA, Arthur. Esboço Retrospectivo da Instrução Pública no Pará. A Escola, no. 1, maio, 1900. p. 18. 408 Foi com o livro de Philippe Ariès, L’enfant et la vie familiale sous l’Ancien Régime (Paris: 1960), que a história da criança ganhou importância. Esse livro suscitou os pesquisadores brasileiros, a partir dos anos de 1980, a investigarem o tema na Colônia e no império. Por exemplo, o trabalho de Renato Pinto Venâncio Infância sem destino: o abandono de crianças no Rio de Janeiro no século XVIII (São Paulo, Universidade de São Paulo, 1988), traduz a preocupação de se estudar a criança não como membro de uma família, mas como parte de um conjunto de desclassificados sociais na compreensão dos poderes constituídos. Depois, sob a influência do trabalho de Ariès, Venâncio fez um estudo das instituições de assistência que resultou na tese de doutorado, defendida na Universidade de Paris IV em 1993, com o título Casa da Roda: Instituition d’assistance infatile au Brésil – XVIIIe et XIXe siècles. 143

“sociedade branca”. Esses índios, em geral, estavam servindo em casas de família como empregados, o que não favorecia seu aprendizado

“civilizatório”.409 O estudo de Irma Rizzini sobre a criação de Escolas de Artífices no Amazonas também ajuda a pensar as mesmas escolas criadas em Belém. Os governos ansiavam por fundar um tipo de instituição que ao invés de preparar intelectualmente índios, mestiços e filhos de cearenses, pensava na formação prática dos alunos para os ofícios necessários ao trabalho público e agrícola. Um exemplo dessa iniciativa era o

Instituto Amazonense de Educandos Artífices.410 A mesma estrutura pensada para o Amazonas existia em Belém com a criação da Companhia de Aprendizes Marinheiros e do Instituto Paraense de Educandos Artífices. Esse tipo de instituição passou a receber, a partir de 1871, “filhos livres de mulheres escravas” com o objetivo, segundo Irma Rizzini, de o governo manter o cenário social sob controle.411 A idéia não era “civilizar” a população, mas também diminuir o índice de “desvalidos” e mendicantes que trafegavam nas ruas da cidade, “comprometendo a ordem pública”. O Diário de Notícias de 1883 publicou um artigo intitulado “Mendigos”, no qual apresentava as medidas tomadas pelo governo para inibir a população de rua: “Estão intimados para comparecerem na secretaria da polícia, até o dia 31 deste mês, sob pena do art. 14, parágrafo 2º. do Código de Posturas Municipais, todas as pessoas que vivem a esmolar publicamente nesta capital”.412 O ato foi aplaudido pelo redator do jornal. Segundo ele, essas pessoas estavam em perfeitas condições para o trabalho, embora preferissem andar no ócio. Acrescentou, ainda, a necessidade de policiamento na porta dos teatros, das igrejas e nos espaços dos

409 Relatório apresentado à Assembléia Legislativa Provincial na primeira sessão da 17a. legislativa, pelo quarto Vice-Presidente Abel Graça. Belém: Tip. do Diário do Grão-Pará, 1870. p. 20. 410 RIZZINI, Irma. O cidadão polido e o selvagem bruto. p. 27. 411 Ibid. p. 27. 412 MENDIGOS. Diário de Notícias. 29/07/1883. Belém, s/p. 144

mercados.413 Desse modo, o governo pretendia prevenir o aparecimento da mendicidade a partir da inserção de meninos no aprendizado técnico.414 A criação de escolas técnicas com único objetivo de abastecer o mercado em crescimento com mão-de-obra qualificada não era a idéia de todos os dirigentes. João Silveira de Souza, Presidente da Província do Grão-Pará, em 1885, afirmou que o ensino laico e técnico pretendido na França era perigoso à “civilização” em geral e aos católicos em particular. Para ele, o laicalismo nas escolas com a exclusão do catecismo e do ensino religioso era uma preocupação da população católica francesa.415 É bom lembrar que a especialização de mão-de-obra requeria disciplinas práticas, que poderiam desviar as noções filosóficas na formação do cristão.416 Outro estabelecimento com o objetivo de preparar meninos para ofícios diversos era o Instituto Industrial e Agrícola Providência, fundado como colônia orfanológica por D. Macedo Costa. As crianças naquele local desenvolviam várias atividades relacionadas ao aprendizado das artes e da agricultura numa região onde estavam sendo criadas algumas colônias agrícolas de imigração estrangeira e de nacionais, na estrada de ferro de Bragança.417 Belém contava, portanto, com alguns estabelecimentos escolares e de acolhimento dos menores, mas o interior também era alvo dessas iniciativas, uma vez que essa parte da diocese havia um grande número de população indígena. É interessante lembrar que o Amazonas e o Rio Negro faziam parte da jurisdição eclesiástica do Grão-Pará, até 1892, o que complicava os

413 Ibid. 414 Sobre o assunto, o trabalho de Walter Fraga fornece considerações importantes respeito da concepção de mendicância em outra província. Ver FRAGA, Walter. Mendigos, moleques e vadios na Bahia do século XIX. São Paulo/Salvador: HUCITEC/EDUFBA, 1996. 415 Fala com que o Conselheiro Dr. João Silveira de Souza, Presidente da Província do Grão-Pará, abriu a 2a. sessão da 24a. legislatura da Assembléia Provincial, em 18 de abril de 1885. Belém: Tip. da Gazeta de Noticias, 1885. p. 109. 416 Isso parecia ser uma herança educacional lusitana, em que atividades manuais eram consideradas pouco nobres. 417 Relatório que o João Lourenço Paes de Souza, 1o. Vice-Presidente da Província do Grão-Pará apresentou a Carlos Augusto de Carvalho, em 16 de setembro de 1885. Belém: Tip. de Francisco da Costa Junior, 1885. p. 68. 145

esforços dos governantes e do bispo para atingir a totalidade desse território. Segundo D. Antônio de Almeida Lustosa, a Diocese do Grão- Pará possuía três vigárias gerais; a de Santarém, a de Rio Negro e a de Manaus.418 No entanto, a maior parte do tempo essas vigárias e suas paróquias estavam vacantes, implicando que a instrução, nesses locais, dependeria de um investimento maior do governo. Mesmo assim, é possível perceber o discurso da Igreja no sentido incentivar a instrução pública, com bases religiosas fora de Belém. Num texto publicado no jornal A Boa Nova, em 1871, D. Macedo Costa fez considerações sobre a instrução pública, questionando o pensamento liberal. Ele inicia a narrativa com a seguinte pergunta: Queremos instrução? E questiona: Que instrução queremos? Na sua concepção, a instrução popular sem fundamentação religiosa seria catastrófica para a sociedade brasileira. “Ensinai um menino a ler, mas deixa-o ler livros imorais, romances corruptores, o que será desse infeliz”. Nessa frase, D. Macedo Costa adverte sobre o tipo de instrução que os governos, baseados em idéias anticlericais, adotavam em seus programas. Na concepção do bispo, em lugares onde a instrução não se baseava no Catolicismo e onde os pensamentos comunistas e socialistas além da literatura ímpia circulavam, a sociedade sofria barricadas e derramamento de sangue.419 A instrução pública não estava dissociada do projeto econômico, uma vez que era por meio de um tipo de saber de um lado moral e técnico e de outro moral e intelectual que o homem poderia melhorar sua potência de sociabilidade. Na opinião de D. Macedo Costa, o saber intelectual ao lado do religioso seria o caminho para a regeneração dos povos. Esse não era o único projeto de instrução e muito menos de desenvolvimento sócio-econômico da Amazônia, pois o intento de alguns conservadores e liberais era fomentar a extração do látex como complemento financeiro para soerguer a economia provincial, associando essa economia a manufatura e agricultura. Os liberais, mais que

418 LUSTOSA, D. Antônio de Almeida. Op. Cit. p. 15. 419 [INSTRUÇÃO PÚBLICA]. A Boa Nova. 24/09/1871. Belém, s/p. 146

qualquer grupo, acreditavam na secularização do ensino como caminho ideal para a “civilização” da Amazônia. Esses embates não eram nada maniqueístas; diversos interesses despontam nas fontes, dificultando uma análise bipolar dos projetos sociais. O importante disso tudo é pensar o uso desses programas de instrução pública e clerical como um dos principais pontos de discussão na província, envolvendo várias concepções políticas e sócio-econômicas.

3.3 Extrativismo: salvação ou maldição da Amazônia?

Na falas dos secretários da Assembléia Legislativa dos vice- presidentes e presidentes do Grão-Pará havia divergências sobre o tipo de economia que deveria ser adotada para o progresso social e cultural da região amazônica. Alguns desses homens públicos estavam de acordo com os investimentos para o comércio gomífero, considerando-o promissor, ao passo que encontramos relatos que afirmavam ser o comércio da borracha uma maldição, a partir do momento que não haveria reinvestimento dos recursos adquiridos com a venda do látex para o exterior. Sobre essa segunda idéia, podemos dizer que D. Macedo Costa compartilhava do mesmo pensamento sobre como a economia extrativa era prejudicial para a sociedade brasileira, propondo a criação de colônias agrícolas subsidiadas financeiramente pelo governo e geridas pelos sacerdotes, idéia essa já discutida em capítulos anteriores. Desse forma, apresentamos alguns desses argumentos a respeito dos vários projetos para a região. Segundo Domingos Ferreira Penna, a coleta do látex nas florestas da Amazônia era feita nas épocas secas. No município de Breves, região sul da Ilha do Marajó, um número grande de indivíduos, em torno de 10 a 12 mil, chegavam de vários lugares para trabalhar no extrativismo. Além de Breves, outras freguesias absorviam os chamados seringueiros tais como: Igarapé-Mirim, Baião, Cametá, Oeiras, Muaná, Melgaço e Portel. Os trabalhadores da floresta levavam para esses locais suas 147

famílias, além de provisões. Durante a noite, quando a floresta dormia, os trabalhadores faziam ajuntamento em uma das barracas para beber, dançar e cantar. Suas filhas se amasiavam com os convivas e “entregavam-se à desonra”. Os mantimentos, com tais festas nortunas, faltavam rapidamente, tornando a chegada do regatão uma espera ansiosa. Este percorria os rios durante o verão com suas canoas lotadas de bugigangas e alimentos. Seus objetos eram comprados por 5 e vendidos por 20, o que exauria pequenos rendimentos dos trabalhadores. “O velho seringueiro compra o peixe, a farinha, carne seca, champagne e manteiga ingleza. A mulher ou amasia comprava riscados para saias, lenços para o pescoço, queijos e doces para mesa, e brincos e bugiarias para as crianças. Os rapazes compravam anéis de ouro, cortes de casa fina ou de seda para vestidos, rendas de malinas, chales de cachemira, lenços de cambraia.”420 Como mencionamos anteriormente, reforçando as atividades dos padres nas várias matrizes espalhadas pelo interior do Grão-Pará, D. Macedo Costa realizava visitas pastorais, com o objetivo de alcançar e conhecer as comunidades que habitavam as margens do rio Amazonas e seus afluentes. Essas visitas não duravam de 2 a 3 meses, colocando a comitiva da diocese em contato com algumas cidades previamente escolhidas pelo bispo. No entanto, o diocesano afirmava que, para cobrir com vigilância um território que era 1/3 do Império, só mesmo criando, em Manaus, uma outra diocese, idéia que só seria concretizada mais tarde.421 Regiões até então desconhecidas por ele passavam a ser descritas nos seus relatos publicados no jornal A Estrela do Norte. A leitura da seção intitulada “crônica religiosa”, desse periódico, nos permite dizer que um dos objetivos dos visitadores da Igreja era conhecer e organizar as atividades nas paróquias, bem como promover a catequese.

420 Relatório do Secretário da Província do Grão-Pará enviado ao Vice-Presidente da Província João Maria de Morais. Impresso na Tipografia de Frederico Rhousard, 1864. p. 29, 30, 31, 84. 421 LUSTOSA, D. Antônio de Almeida de. Op. Cit. p. 357. 148

O bispo criticava a economia gomífera por considerar que ela produziria resultados catastróficos nos espírito dos ribeirinhos. D. Macedo Costa, que dizia fazer viagens no interior durante o verão, por causa das chuvas torrenciais nos rios, encontrava as vilas abandonadas e seus habitantes nas florestas trabalhando na coleta dos produtos como cacau, castanha, salsaparrilha e seringa. Uma das pessoas da comitiva de D. Antônio de Macedo Costa, em visita pastoral à ilha do Marajó, em 3 de dezembro de 1863, publicou suas anotações de viagem no jornal A Estrela do Norte, no dia 17 de janeiro do ano seguinte. Nesse relato, o autor considerou os barcos a vapor um meio fundamental para promover a ligação entre a capital e as comunidades amazônicas, resgatado-as do esquecimento:

Por muito tempo esquecida vegetava Soure, como as demais povoações disseminadas na grande ilha de Joannes; algumas casas, algumas cabanas cobertas de colmo, uma igrejinha olhando com a fachada negra e triste para o igarapé-grande, que rola suas águas salobras sobre um leito de fina areia, era tudo o que poderia observar o olho curioso do viajante. A navegação a vapor tem feito desta povoaçãozinha adormecida uma vila que promete. Com os bosques, desenham-se largas ruas; levantam-se varias construções; o pequeno templo caiado e limpo regozija o coração e a vista. Os doentes da capital, atraídos pela salubridade do ar e a eficácia dos banhos, ai vem procurar saúde [...]. Está Salvaterra lindamente situada e sua vista dilataria o coração, a não ser o espetáculo das ruínas da antiga igreja e convento que se oferecem logo em perspectiva, como um triste símbolo do abatimento em que tem caído as coisas religiosas nesta ilha importantíssima. Das antigas construções restam apenas os alicerces e pequenos panos de paredes onde embrenham suas raízes essas vigorosas parasitas que são o apanágio das nossas regiões equatoriais.422

As igrejas abandonadas, cobertas por mato e em ruínas, compunham assim o cenário que o relator da comitiva pastoral descrevia para os leitores do jornal. Essas descrições do estado de degradação dos edifícios religiosos e das vilas do interior da Amazônia tinham a finalidade de enfatizar o trabalho da comitiva diocesana que, ao

422 CRÔNICA Religiosa. A Estrela do Norte. 17/01/1864. Belém. no. 3, p. 22. 149

passar por tais comunidades, pretendia demonstrar ao governo a carência social promovida pela economia da borracha. Além disso, os membros da comitiva reclamavam da destruição das igrejas, tentando obter recursos do governo da província para os reparos nos templos. Ao descrever o estado da igreja de Salvaterra, por exemplo, ele argumentou que a catequese deveria ser ampliada para todos os habitantes da Amazônia, com o mesmo vigor da época de Vieira. Com a ação missionária, as aldeias deram origem a povoados e logo vilas despontavam com suas habitações e pequena produção destinada à sobrevivência da comunidade. No entanto, a pecuária e o extrativismo ainda eram as principais atividades econômicas de algumas cidades no Baixo-Amazonas e a prática do roçado ainda era feita, na maior parte, por pequenas famílias ribeirinhas em épocas de várzeas ou em algumas terras secas às margens dos rios. Temos poucas referências quanto ao fomento agrícola e ao trabalho dos caboclos do Marajó, o que podemos dizer é que tal região não era diferente de outras como as chamadas Serras do Monte Alegre, em Santarém, da qual A. H. Wallace fez a seguinte descrição:

Passamos por alguns pequenos povoados ribeirinhos, entre os quais avistávamos, aqui e ali, alguma habitação rural ou uma cabana indígena escondida na floresta. Cruzávamos de vez em quando com pescadores que desciam o rio em suas canoas e, mais raramente, com alguma escuna que passava pela parte central do leito. Houve dias, porém, em que não víamos uma casa sequer, ou nem mesmo um único ser humano. [...] A exportação local consiste principalmente em castanha-do-pará, salsaparrilha (a melhor da Amazônia), farinha e peixe salgado. Alguns dos artigos são fornecidos pelos mundurucus, industriosa tribo que vive à margem do Tapajós.423

Imagem semelhante à descrita pelo membro da comitiva pastoral de D. Macedo Costa, foi a que nos deu Domingos Ferreira Penna, secretário

423 WALLACE, Alfred. Russel. Viagens pelos rios Amazonas e Negro. Trad. de Eugênio Amado. Belo Horizonte: Editora Itatiaia; São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1979. p. 93, 94. 150

da presidência da província, em 1864, dizendo que quando chegava o inverno, que na verdade era uma sucessão de chuvas fortes, os trabalhadores que sobreviviam às pestes e ao clima hostil se retiravam das “terras infernais dos seringais” com seus parentes e voltavam para os seus distritos a fim de cuidar da pequena lavoura, encontrando, na maioria das vezes, suas barracas devastadas pelo abandono. Os rincões da floresta, onde os seringueiros assentavam as barracas temporárias, ficavam um imenso deserto com sua partida.424 Na interpretação de Domingos Soares Ferreira Penna, a extração da goma elástica não trazia prejuizo somente ao seringueiro, mas a todos os habitantes da província, pois a lavoura era abandonada por muito tempo e sem incentivo, morria. Isso fazia com que o desenvolvimento alimentar tanto das populações arredores quanto dos habitantes da capital fosse comprometido.425 Na visão de Ferreira Penna, a borracha era uma:

[...] indústria maldita para o interior e para os que dela se ocupam, indústria que rouba quase todos os braços, quase toda a força vital da agricultura, desprestigia e desacoroçoa todas as empresas úteis, despovoa as vilas, dispensa o comércio e reduz uma parte dos habitantes a nomadas, sem residência certa, ou antes, com residência em muitos lugares ao mesmo tempo, fazendo que fujão dos tesouros da agricultura porque o espectro do trabalho normal os assusta e que procurarem a fortuna onde os aguarda a desgraça, a miséria ou a morte!426

Abel Graça, por conseguinte, admitia que a lavoura fosse prejudicada com a extração da borracha, no entanto, esta poderia ser o caminho para o progresso da província, o que justificaria o incentivo

424 Relatório do Secretário da Província do Grão-Pará enviado ao Vice-Presidente da Província João Maria de Morais. Impresso na Tipografia de Frederico Rhousard, 1864. p. 29, 30,31, 84. 425 Relatório de Domingos Soares Ferreira Penna (Secretário da Província do Grão-Pará) para o Vice-Presidente da Província Joáo Maria de Moraes. 29 de fevereiro de 1864. p. 33. 426 Ibid. p. 34. 151

a essa atividade econômica.427 Vê-se que este presidente, em outro relatório, não defende propriamente a extração da borracha com única atividade na Amazônia, admitindo nessa economia a possibilidade de um desenvolvimento ilusório da província.428 Além deste, alguns presidentes afirmavam que a indolência do seringueiro era partilhada por outros habitantes da região, principalmente pelos ribeirinhos, prejudicando o comércio. Joaquim Raymundo de Lamare, por exemplo, afirmou que nos arredores de furos, igarapés e ilhas havia uma população ociosa, pobre e sem atrativos.429 A imagem da pobreza humana contrastava, segundo estas falas, com a abundância da natureza, tida como rica em flora e fauna. Nas regiões do rio Xingu, por exemplo, havia muitos produtos como borracha, salsa, castanha, baunilha, cacau, óleo de copaíba e cravo.430 Abel Graça, reforçando a idéia de Raymundo Lamare, demonstrava a importância do uso do trabalho indígena no comércio da borracha, mesmo dizendo que eles se tratavam de um povo indolente.431 A esperança desse presidente recaia sobre os padres, cuja missão era transformar o índio selvagem em cidadão em todos os sentidos. Além do índio, encontramos referência nos relatórios sobre a imigração de famílias estrangeiras que pudessem trabalhar o solo da província. No entanto, grande parte dos imigrantes não ia com suas mulheres e filhos para frente de trabalho, o que fazia com que predominasse o braço masculino nas regiões onde se extraia a goma elástica. Uma forma de melhorar o estado deficitário da agricultura na

427 Relatório apresentado à Assembléia Legislativa Provincial na segunda sessão da 17a. legislatura, por Abel Graça, Presidente da Província. Belém: Tip. do Diário do Grão-Pará, 1871. p. 20 a 23. 428 Relatório apresentado à Assembléia Legislativa Provincial na primeira sessão da 18a. legislatura em 15 de fevereiro de 1872 pelo Presidente da Província Abel Graça. Belém: Tip. do Diário do Grão-Pará, 1872. p. 6, 7. 429 Relatório com que o Vice-almirante e conselheiro de guerra Joaquim Raymundo de Lamare passou a administração da Província do Grão-Pará ao Visconde de Arary, 1o. Vice-Presidente, em 6 de agosto de 1868. Belém: Tip. do Diário do Grão-Pará, 1868. p. 5. 430 Relatório apresentado à Assembléia Legislativa Provincial na segunda sessão da 17a. legislatura, por Abel Graça, Presidente da Província. Belém: Tip. do Diário do Grão-Pará, 1871. p. 26, 27. 431 Ibid. p. 20 a 23. 152

região, na opinião de Pedro Vicente de Azevedo, era o incentivo à imigração. O governo procurava apoiar os imigrantes que se dirigiam para Santarém, enviando àquela cidade, além de mantimentos, 6 contos de réis para a construção de estradas. Pedro Vicente de Azevedo afirma, também, que a região sul da província era mais propícia à entrada de americanos e de ingleses, exatamente no ponto onde os rios

Amazonas e Tapajós se encontravam.432 Os estrangeiros que iam para essas regiões poderiam, segundo o presidente, erguer a agricultura local pela sua laboriosidade, ao contrário do seringueiro cuja cobiça estava somente nas florestas de seringa.433 João José Pedro também defendia a criação de colônias agrícolas, quando dizia que a extração de borracha era uma atividade efêmera e, portanto, era necessário investir na agricultura.434 Observamos que além de D. Macedo Costa, presidentes de província viam na agricultura a chave de crescimento social da Amazônia, embora os braços para a utilização na lavoura não fosse propriamente o índio, o caboclo ou ainda o cearense, mas o estrangeiro. Os coletores de borracha eram na maioria tapuios, mas após as secas que atingiram a Província do Ceará muitos nordestinos passaram a migrar para as regiões de coleta desse produto.435 Nesses locais, os trabalhadores em geral se alimentavam de pirarucu seco com farinha, tal hábito enfraquecia seus corpos já cansados do trabalho, facilitando a proliferação de epidemias.436 Para alguns, o estado calamitoso era resultado de uma população miserável e ignorante, alimentado por um sistema que ajudava a reproduzir esse estado; para outros, como João Lourenço Paes de Souza, baseado nas idéias de

432 Relatório apresentado à Assembléia Legislativa Provincial na primeira sessão da 19a. legislatura pelo Presidente da Província do Grão-Pará Pedro Vicente de Azevedo em 15 de fevereiro de 1874. Belém: Tip. do Diário do Grão-Pará, 1874. p. 61 a 63. 433 Ibid. p. 64. 434 Fala com que João José Pedro abril a 1a. sessão da 23a. legislativa da Assembléia Legislativa da Província do Grão-Pará, em 9 de abril de 1882. Belém: Tip. de Francisco da Costa Junior, 1882. p. 14. 435 Ibid. p. 54. 436 Ibid. Loc. Cit. 153

Spencer, a “natureza bruta” dos povos amazônicos era responsável pelo atraso e subdesenvolvimento.437 Essa “brutalidade” era parte de uma etapa natural de evolução que o homem deveria esperar que fosse cumprida. Em sua opinião, haveria um tempo em que o desenvolvimento econômico-social na província seria plenamente realizado, mas era preciso civilizar o homem local, além de criar regras de descentralização econômica, permitindo que os municípios gerenciassem suas finanças. Era preciso, porém, acreditar que o subdesenvolvimento na Amazônia resultava das leis naturais do progresso. “A sociedade não é, diz Spencer, uma massa plástica, não é um produto fabricado, mas um desenvolvimento. A organização social tem leis mais fortes que as vontades individuais.”438 Maldita ou não, a economia gomífera era para alguns o ponto de desequilíbrio econômico e social da Província do Grão-Pará, embora houvesse consciência da sua importância financeira. Os projetos de criação de colônias agrícolas não eram exclusivos do clero, pois se inseriam, na verdade, num debate maior sobre a utilização da agricultura para fins “civilizatórios”. Algumas diferenças podem ser observadas, tais como a adoção de mão-de-obra, a aplicação técnica e mesmo a direção de tais colônias. No entanto, havia consenso, pelo menos entre os políticos ligados ao Partido Conservador, que a agricultura salvaria os homens da perdição, constituiria a base da família e da moral e, por conseqüência, formaria uma economia forte e menos dependente das oscilações do mercado internacional. Essa é uma idéia compartilhada por D. Macedo Costa, pois a agricultura era o tipo de economia necessária à constituição da família católica, solidária e sedentária.

437 Segundo Richard Bellamy, Herbert Spencer acreditava que as sociedades evoluíam de uma ordem militante para uma organização industrial igualitária e meritocrática. Em sua visão Lamarckista, os indivíduos deveriam lutar pela sua sobrevivência mesmo em ambiente hostil às suas capacidades. Numa explicação mais específica, Spencer defendia o laissez-faire para que “as pessoas se vissem forçadas a se adaptar por seus próprios esforços e seus aprimoramentos se tornassem ‘orgânicos’ na raça.” Cf: BELLAMY, Richard. Op. Cit. p. 29. 438 Relatório que João Lourenço Paes de Souza, 1o. Vice-Presidente da Província do Grão-Pará apresentou a Carlos Augusto de Carvalho, em 16 de setembro de 1885. Belém: Tip. de Francisco da Costa Junior, 1885. p.30. 154

3.4 Os núcleos agrícolas

A partir dos relatórios de presidentes de província percebemos que, dentre as vilas do Grão-Pará, podemos descatar a de Cametá como uma das mais antigas povoações da Amazônia. Sua origem, aliás como a maioria das vilas do Império, se deveu a uma aldeia de índios, cujos primeiros missionários foram frades de Santo Antônio. A população não excedia a 150 pessoas, este número subia durante o inverno e em tempo de festa a 200 e a 300 habitantes, tendo diminuindo na estação de verão para 80, já que a maior parte dos moradores se deslocava para lugares de extração da castanha, da borracha e da copaíba.439 Em outras regiões, como Breves, na Ilha do Marajó, a população teria diminuído em função exclusiva das atividades da borracha.440 Tanto nessas vilas como no Tocantins a agricultura não prosperava, apesar da existência de alguns lavradores que cultivam a mandioca e o cacau.441 Desse modo, vê-se que nas falas de alguns presidentes, a vocação das regiões amazônicas estava na extração do látex, das drogras do sertão e demais produtos da floresta. Mas, uma boa parte deles acreditava que a imigração seria o melhor caminho para tirar a região da letargia que se encontrava, restando saber que tipo de imigrante era melhor para os interesses locais.442

439 Relatório do Secretário da Província do Grão-Pará. O Tocantins e o Anapu. Impresso na Tipografia de Frederico Rhousard, 1864. p. 9,14, 84 440 Ibid. p. 84. 441 Ibid. p. 46. 442 É importante salientar que a idéia de trazer imigrantes para a Amazônia e formar núcleos agrícolas já existia desde 1838, com leis aprovados pela Assembléia Provincial. No entanto, as primeiras tentativas com a colonização fracassaram, algumas teriam existido como núcleos militares, foram os casos de D. Pedro II, fundado em 1840 e de Nossa Senhora do O, de 1855. Cf: MUNIZ, Palma. Imigração e colonização. História e Estatística. 1616-1916. Belém: Imprensa Oficial do Estado do Pará, 1916. p. 24, 27. As experiências de trabalho nessas colônias, especialmente na de Nossa Senhora do O, não satisfaziam os interesses dos imigrantes, pois a forma de distribuição de terra e o repartimento da produção não se pautavam pela igualdade entre proprietários e trabalhadores, talvez essa forma desagradasse o Bispo que primava pela relação associativa do trabalho. 155

O debate sobre a recuperação agrícola na Amazônia, embora não fosse específico do oitocentos, nesse período parece ganhar força tanto nos jornais quanto nos relatórios de presidente de província.443 Na Amazônia a questão agrícola e de mão-de-obra estavam ligadas à expansão da borracha e a adoção do trabalho indígena, cearense ou estrangeiro. As opiniões que justificavam o fomento da produção agrícola variavam: alguns pretendiam a sistematização desse tipo de economia, uns pensando em colônias com mão-de-obra estrangeira norte- americana ou alemã, outros acreditavam nos latinos (portugueses, espanhóis, italianos e franceses) como os melhores braços para a lavoura, com o argumento da fácil adaptação; outros, ainda, pensavam na adoção da mão-de-obra indígena, já catequizada e civilizada, e dos cearenses. Enfim, os projetos para a montagem de colônias agrícolas pretendiam trazer solução para os problemas imediatos com a alimentação na província, mas também diziam respeito ao modelo social que se queria aplicar na Província do Grão-Pará. Na visão de D. Macedo Costa, o incentivo à agricultura, mais do que resolver uma questão alimentar, era a solução para os problemas de promiscuidade e “afrouxamento” social do homem amazônico. O bispo do Grão-Pará tinha como um de seus propósitos a crítica aos negócios da borracha, do modo como esta economia era encaminhada. Assim, a formação de colônias agrícolas resolveria, em sua opinião, o problema da miséria social que só aumentava no Grão-Pará, principalmente com o crescimento populacional.444 As idéia de D. Macedo Costa eram compartilhadas por

443 Segundo Jonas Marçal de Queiroz, os debates em torno da colonização e da formação de núcleos agrícolas na imprensa eram recorrentes no século XIX, embora houvesse controvérsias entre os redatores sobre o encaminhamento dessas políticas. Cf: QUEIROZ, Jonas Marçal. Trabalho Escravo, imigração e colonização no Grão-Pará (1877-1888). In: QUEIROZ, Jonas M & COELHO, Mauro C. Amazônia. Modernização e Conflito (séculos XVIII-XIX). Belém: UFPA/NAEA; Macapá: UNIFAP, 2001. p. 87. 444 O argumento sobre a adoção da economia agrícola e de seus benefícios para a sociedade é expresso por D. Macedo Costa através de contos publicados no jornal A Estrela do Norte, dentre esses textos destacamos O Ouro, no qual um cura faz considerações importantes sobre a função da agricultura na vida humana. Cf: O OURO. A Estrela do Norte, Belém, 01/02/1863. Belém, no. 8. p. 57-58. Jonas Marçal de Queiroz também discute os vários projetos de 156

presidentes de província, em geral do Partido Conservador, como João Alfredo Correa de Oliveira que defendia a adoção de muitos missionários a fim de preparar não só os índios, como também a população local para o trabalho. Era preciso, segundo ele, a montagem de colônias, a entrega de instrumentos de trabalho e terra às famílias pobres e a entrega dessas colônias à direção de missionários, encarregados de estimular o trabalho e a vida espiritual.445 Embora seja difícil estabelecer com clareza todos os projetos de colonização e imigração para a Amazônia, é possível dizer que o uso da mão-de-obra estrangeira aparecia de forma mais evidente nos discursos dos membros do Partido Liberal. Por outro lado, os do Partido Conservador apostavam na utilização do braço local e/ou nacional na produção tanto agrícola quanto na extração gomífera.446 A Igreja, na figura de D. Macedo Costa, não pode ser entendida como um caso à parte, pois muitos dos seus projetos estavam mais ou menos de acordo com posições sobre a tomada de decisão do uso de mão-de-obra na lavoura. No caso específico da introdução de braço, o bispo parecia concordar com o Diário de Notícias447 a respeito do uso de cearenses na produção agrícola.448 Segundo Jonas Queiroz, esse periódico não estava entusiasmado com a imigração européia, pois seus redatores acreditavam que esses trabalhadores não conseguiriam concorrer com a produção de

colonização e imigração para a Amazônia, mostrando que havia desde os que pretendiam a criação de colônias agrícolas com mão-de-obra estrangeira aos que queriam o uso da mão-de-obra nacional. Cf: Ibid. p. 87. 445 Relatório apresentado à Assembléia Legislativa por João Alfredo Corrêa de Oliveira e com o qual passou a administração da província ao 1º. Vice- Presidente Abel Graça, em 17 de abril de 1870. p. 27, 28. 446 QUEIROZ, Jonas Marçal. Trabalho Escravo, imigração e colonização no Grão- Pará (1877-1888). QUEIROZ, Jonas M & COELHO, Mauro C. Op. Cit. p. 90, 91. 447 Esse periódico circulou entre os anos de 1880 e 1898, era de propriedade de Costa & Campbell. Depois teve vários proprietários e redatores como Felipe José de Lima e Frederico Augusto da Gama e Costa. Cf: JORNAIS PARAOARAS. Catálogo. Governo do Estado do Pará. Belém: SECDET, 1985. p. 83. 448 Vários períodos de seca no Ceará, ocorridos durante as décadas de 1870 e 1880, levaram a uma grande migração desses povos para a Amazônia. As elites econômicas da região utilizaram essa mão-de-obra tanto para o trabalho extrativo, quanto para o agrícola. Ver: WEINSTEIN, Bárbara. A borracha na Amazônia: expansão e decadência (1850-1920). Trad. de Lólio Lourenço de Oliveira. São Paulo: Hucitec, 1993. p. 139. 157

outras regiões do país por causa das condições locais.449 O jornal apontava uma solução para a lavoura, em 1884, quando propunha a introdução de imigrantes cearenses.450 Além deste, o Diário de Belém, de tendência conservadora, também apostava na imigração cearense. Os seus redatores afirmavam que os cearenses eram mais resistentes às condições difíceis e à miséria. A única ressalva do jornal era que as colônias agrícolas, ao invés de serem instaladas em Benevides, deveriam ser fixadas em Bragança, acreditando na salubridade do clima, na fertilidade do solo e no fácil transporte, na abundância das terras públicas e particulares desse local.451 Assim, esse periódico, tal como D. Macedo Costa, acreditava na mão-de-obra cearense para o trabalho agrícola. Nos relatórios percebemos que não há uma consideração tachativa sobre a transferência de recursos do governo para atender exclusivamente aos interesses da extração gomífera. Eles deixam claro que investir na agricultura também era um caminho para equilibrar a economia local. Não havia, também, nesses textos a idéia de uma decadência absoluta do setor agrícola, indicando apenas que seria necessário implementar políticas de maior incentivo ao desenvolvimento do setor para suprir algumas necessidades que emergiam com o aumento populacional do Grão-Pará a partir dos anos de 1870, principalmente com a chegada dos cearenses na região. Segundo Luciana Marinho, não havia uma crise profunda e generalizada no setor agrícola, pois as formas de produção nessa área continuavam a ser feitas como em épocas remotas, permitindo a obtenção de alimentos nas várzeas e fazendas em toda a província, tendo, em alguns casos, até a exportação dos gêneros cultivados. Assim, a agricultura permaneceu como economia importante inclusive para subsidiar os negócios com a borracha. É claro que o

449 QUEIROZ, Jonas Marçal. Trabalho Escravo, imigração e colonização no Grão- Pará (1877-1888). QUEIROZ, Jonas M & COELHO, Mauro C. Op. Cit. p. 89. É recorrente nos periódicos como nos relatórios a idéia de que o Grão-Pará, apesar da fertilidade de seu solo, não era o alvo de investimentos do governo central, o que o colocaria em desvantagem em relação às províncias do sul. 450 Ibid. p. 89. 451 Ibid. p. 98,99. 158

aumento populacional operaria uma mudança na estrutura local da produção, mas a idéia de decadência agrícola, em função dos incentivos com a economia da borracha é equivocada na concepção da autora.452 Durante a fase de propaganda imigratória, vieram pessoas de várias nacionalidades para a Amazônia. Segundo o Barão de Arary, o governo enviou 13 norte-americanos para a vila de Santarém. Para tanto, o mesmo afirmou que o governo precisava cuidar das moradias e assentamentos dessas pessoas naquela região, permitindo a formação de uma estrutura que durasse pelo menos seis meses. Além desses estrangeiros, teriam ido mais 9 imigrantes, vindos da própria Corte para habitar o lugar.453 Esse quadro demonstra a existência no governo do Barão de Arary de uma política pouco definida em relação à imigração, ou seja, os braços disponíveis independente de origem, pelo menos, poderiam ser utilizados na economia local. Como já dissemos, a agricultura era vista pela maioria dos presidentes da província como um dos meios de desenvolvimento e progresso da Amazônia. Segundo Raymundo Lamare, a extração da borracha contribuia para exaurir as roças dos habitantes das vilas e prejudicar a plantanção dos gêneros de primeira necessidade. Nesses discursos, a decadência da agricultura, portanto, se devia à falta de braço, já que a população migrava para as estradas de seringa em busca da borracha. Outro argumento dos governantes era que a guerra do Paraguai tinha consumido uma boa parte da mão-de-obra da Amazônia e a imigração reporia a população perdida na guerra. Lamare lamentava a ausência, no Grão Grão-Pará, de um Instituto Agrícola, como o que existia em São Paulo, apesar das condições necessárias na região para o plantio. Assim, diz que a solução do problema, seria trazer imigrantes estrangeiros com o apoio do governo e de particulares interessados. A

452 BATISTA, Luciana Marinho. Muito além dos seringais: elites, fortunas e hierarquias no Grão-Pará, (1850-1870). Rio de Janeiro, 2004 (Dissertação de Mestrado, UFRJ). p. 15. 453 Relatório com que o Barão de Arary passou a administração da mesma ao Vice- almirante Joaquim Raymundo de Lamare. No dia 1 de junho 1867. Belém: Tipografia de Frederico Rhossard,1867. p. 10. 159

escolha de Lamare não era pela colonização americana, pois “os brados sobre esta eram maiores que sua eficácia.” Preferia a colonização alemã, já que no sul do país esta investida teria tido êxito. Apesar de acreditar na imigração estrangeira, Lamare afirmava que outro elemento importante na formação de uma população de lavradores era o índio catequizado. Para ele, a Amazônia possuia um território vasto e fértil, havendo apenas a necessidade de demarcar as terras para criar, então, um sistema legal de ocupação, ou seja, o que Lamare propunha era a racionalização da ocupação na Amazônia e sua legalização.454 Esse tipo de discurso sobre a decadência do setor agrícola, segundo Luciana Marinho, seria muito mais uma estratégia política na aquisição de recursos para os interesses com a imigração, do que uma constatação “real” das necessidades efetivas da província. Com base em estatísticas sobre a exportação de alguns produtos, Luciana Marinho percebe que a balança comercial da exportação agrícola não havia diminuido com o crescimento dos negócios gomíferos. O cacau e o arroz, por exemplo, tiveram percentual de exportação em crescimento paralelamente à goma elástica, o que demonstraria a inexistência de um quadro decadente da agricultura.455 Estratégia política ou não consideramos que em algumas falas desses presidentes, os interesses pela imigração e formação de modelos de núcleos agrícolas sistematizados eram recorrentes na documentação daquele período. Na opinião de Lamare, a atividade agrícola ainda não era a principal entre os locais, pois sua preferência era pescar e extrair produtos da floresta. A ausência, também, de um tipo de relacionamento

454 Relatório do Secretário da Província do Grão-Pará. O Tocantins e o Anapu. Impresso na Tipografia de Frederico Rhousard, 1864. p. 22 a 24. No período em que Lamare discute a questão da imigração e formação de mão-de-obra na Amazônia já havia sido aprovada a Lei de Terras, ou seja, em 1850, mas esta lei parece não ter chegado efetivamente a orientar a demarcação de terras no Grão-Pará. José Murilo de C. Franco deixou claro que a Lei de Terras não passou de uma regra restrita aos relatórios burocráticos, dos ministros do Império e da Agricultura, ou seja, não saiu do debate jurídico. Cf: CARVALHO, José M. de. Teatro das Sombras. A política imperial. São Paulo: Vértice; Rio de Janeiro: Instituto Universitário de Pesquisa do Rio de Janeiro, 1988. p. 84. 455 BATISTA, Luciana Marinho. Op. Cit. p. 66,68,69. 160

associativo entre os trabalhadores enfraquecia seus negócios; trabalhando sozinhos, nada conseguiam.456 Podemos dizer que as observações de Lamare estavam próximas aos projetos propagados por D. Macedo Costa sobre o uso da lavoura para o progresso do homem amazônico, pois a adoção de uma catequese eficiente e a formação de relações associativas na lavoura, incentivaria, para ambos, esse tipo de trabalho entre os habitantes. Desse modo, ao contrário da prática agrícola isolada e com instrumentos rústicos, era necessário outro modelo mais eficaz. No entanto, ao contrário de D. Macedo Costa, Lamare acreditava muito mais no estrangeiro como trabalhador eficiente e agente civilizador. Segundo ele:

[...] Mas se é verdade que do cultivo extremo e metódico das nossas terras, e em seguida da criação das indústrias, que a abundância dos produtos agrícolas há de tornar possíveis e lucrativas, é que depende essencialmente o futuro todo do Brasil, e que nisso está toda a esperança de prosperidade para as gerações futuras, e de força para o Estado, não é menos verdade que não tem sido satisfatório o resultado colhido na imigração norte-americana, por quanto muito desanimadoras tem sido as experiências que esta Província tem feito com esses imigrantes, cuja vinda havia sido anunciada ao país como a aurora de uma nova era de prosperidade e de progresso [...].457

Em algumas falas de presidentes, vimos que a guerra do Paraguai foi considerada como um dos fatores do empobrecimento da região, já que o argumento era que a guerra promoveu a falta de braço para a terra e para a extração, forçando os governantes da Província do Grão- Pará a encontrarem soluções para o problema. Havia a crença de que o fim do conflito traria o equilíbrio das finanças provinciais. Muitos habitantes e até escravos alistaram-se para servir na guerra do Paraguai com promessas dos governantes de que ganhariam terras e, no caso dos escravos, a alforria. O fim do conflito, segundo Visconde de

456 Relatório do Secretário da Província do Grão-Pará. O Tocantins e o Anapu. Impresso na Tipografia de Frederico Rhousard, 1864. p. 22. 457 Ibid. p. 23. 161

Arary, traria à discussão a demarcação das terras.458 Para alguns comerciantes não era interessante a distribuição de lotes, pois muitos deles estavam repletos de seringueira. Outros apostavam no assentamento tanto da população local, que com o fim da guerra, retornaria para suas roças, e com o braço imigrante para a lavoura. Além desses projetos, os presidentes de província falavam da construção de estradas para escoar a produção. José Bento da Cunha Figueiredo anunciava, em seu relatório, que incluía nas finanças públicas a abertura de uma estrada da freguesia de S. Miguel e Tentugal para chegar à estrada de ferro de Bragança, assim, a partir desta os produtos chegariam à Capital.459 Embora José Bento da Cunha Figueiredo tivesse receio de entregar terras a estrangeiros, pois os considerava ociosos e ambiciosos,460 também afirmava a necessidade de construir pontes, cais que pudessem servir à dinamização comercial de

Belém.461 Em sua opinião, a colônia em Santarém, desde que foi constituida, em 1866, trouxe prejuízo para as finanças da província pelo seu distanciamento da capital. Em um comunicado ao Ministro e Secretário de Estado dos Negócios da Agricultura, José Figueiredo comenta que os contratos com o major Lansford Warem Hastings, naquele ano, levou à chegada, em 1867, de 112 imigrantes norte-americanos para Santarém. Mas, apenas 87 permaneceram naquela comarca e somente 9 estavam nas terras concedidas pelo governo. Esse quadro demonstrava o desastre com a imigração norte-americana462 naquela cidade, cuja

458 Relatório com que Visconde de Arary entregou a administração da Província do Grão-Pará ao Vice-Presidente cônego Manoel José de Siqueira Mendes, em 29 de setembro de 1868. Belém: Tip. do Diario do Grão-Pará, 1868. p. 10,12,13. Muitas terras no Grão-Pará ainda pertenciam ao Estado, outras eram devolutas, portanto havia a necessidade de uma jurisdição mais precisa sobre a propriedade territorial que, mesmo após os anos de 1870, ainda era assunto em discussão. Cf: BATISTA, Luciana Marinho. Op. Cit. p. 101. 459 Relatório com que o Presidente da Província do Grão-Para e Conselheiro José Bento da Cunha Figueiredo entregou a administração ao 2º Vice-Presidente coronel Miguel Antônio Pinto Guimarães. Em 16 de maio de 1869. Belém: Tipografia do Diário do Grão-Pará, 1869. p. 10. 460 Ibid. p. 16,17. 461 Ibid. p. 27. 462 Ibid. p.42, 43. 162

comunicação com a sede do Grão-Pará só poderia ser feita pelo meio fluvial. No ano de 1871, na administração de Abel Graça, os problemas com a colônia de Santarem retornam nos textos. O presidente afirma que os colonos, outrora estabelecidos naquele lugar, foram embora e deixaram poucas famílias no cuidado das lavouras. Muitos se retiraram para os locais de extração gomífera outros foram para a capital. A fim de solucionar o problema da falta de braços para a agricultura, o conselheiro João Alfredo, Ministro do Império e interino da agricultura, conclamava o presidente da província para organizar associações de lavradores, comprometendo-se a facilitar a imigração.463 Na opinião de Guilherme Francisco Cruz, o malogro da colônias agrícolas se devia ao estabelecimento dos colonos em lugares afastados do mercado principal da província em Belém. A região de Bragança seria o local apropriado para a colonização agrícola (pela fertilidade do solo, fácil comunicação como o mercado da capital e com outros povoados), embora carecesse de transporte rápido, como uma estrada de ferro.464 A estrada de ferro de Bragança já tinha sido pensada desde 1870, mas foi concluída em 1874, com o objetivo de fomentar a imigração para o local. Neste mesmo ano chegaram os franceses para ocupar as terras próximas aquela região. Tal colônia iniciou com 20 habitantes, recebendo em certo período 161, reduzindo-se em pouco tempo a 43. Alguns abandonaram a agricultura, alegando que os trabalhos eram pesados. Mesmo com o abandono, a propaganda imigratória continuava. O Presidente da Província, Francisco Maria de Sá e Benevides disse que a rápida informação, em New York, da existência de uma colônia agrícola no Grão-Pará teria levado 250 pessoas intentarem a imigração para Benevides. Segundo esse presidente, os números de

463 Relatório apresentado à Assembléia Legislativa Provincial na segunda sessão da 17a. legislatura, por Abel Graça, Presidente da Província do Grão-Pará. Belém: Tip. do Diário do Grão-Pará, 1871. p. 35 a 38. 464 Relatório com que Guilherme Francisco Cruz, 3o. Vice-Presidente passou a administração da Província do Grão-Pará a Pedro Vicente de Azevedo em 17 de janeiro de 1874. Belém: Tip. do Diário do Grão-Pará, 1874. p.14 a 16. 163

imigrantes para aquela região em 1876 é o seguinte: 24 franceses, 4 belgas, 2 argentinos, 2 italianos, 8 espanhóis, 1 prussiano.465 Segundo Francisco Maria de Sá e Benevides, alguns colonos norte-americanos trazidos ao Grão-Pará por Hastings deveriam ser substituídos, como vimos acima, por povos de origem latina, talvez por acreditar que estes se adaptariam melhor ao trabalho na lavoura.466 Não só de estrangeiros era formada a colônia de Benevides; havia também os cearenses que, fugidos da seca do Nordeste, vinham para a Amazônia tanto com intuito de trabalhar nas lavouras como também na coleta da borracha.467 No entanto, o número de imigrantes que chegavam ao Grão-Pará era, muitas vezes, maior que a estrutura montada para recebê-los, tendo muitos que residir em asilos públicos como a Santa Casa de Misericórdia, outros eram aproveitados nos trabalhos públicos como calçamento de ruas.468 Nos relatórios de presidentes de província há referência sobre o inchaço urbano causado pela chegada de imigrantes, cujo número era maior que a capacidade de absorção nas atividades rurais e urbanas. Ao chegarem à Província do Grão-Pará, os imigrantes eram encaminhados para as atividades por suas aptidões. Dependendo do tamanho da família desse imigrante, estava prevista a ajuda pecuniária, o transporte gratuito e os títulos de lotes demarcados.469 Num tom profético, o bispo do Grão-Pará, já em 1863, quando as cidades de Belém e Manaus ainda não sentiam o impacto do

465 Relatório apresentado por Francisco Maria Corrêa de Sá e Benevides, Presidente da Província do Grão-Pará, à Assembléia Legislativa Provincial na sua sessão solene de instalação da 20a. legislatura, no dia 15 de fevereiro de 1876. Belém: Tip. do Diário do Grão-Pará, 1876. p. 48 a 50. 466 Ibid. p. 50, 51. 467 Relatório com que José da Gama Malcher, 1o. Vice-Presidente Província do Grão-Pará passou a administração a João Capistrano Bandeira de Mello Filho em 9 de março de 1878. Belém: Tip. Guttemberg, 1878. p. 89. 468 Fala com que José Joaquim do Carmo abriu a 1a. sessão da 21a. legislatura da Assembléia Legislativa da Província do Grão-Pará em 22 de abril de 1878. Belém: Tip. da Província do Grão-Pará, 1878. p. 6,7,12. 469 Ibid. p. 1, 2. 164

aumento populacional, falava de miséria humana e de como a Igreja deveria se preparar para vencê-la.470 Por outro lado, a miséria dos habitantes da província se devia, segundo Gama Abreu, à decadência da lavoura.471 Ele adverte sobre a dificuldade na aquisição de verbas para investir na colonização, uma vez que muitos imigrantes que chegaram ao Grão-Pará deixaram as lavouras abandonadas. O governo, muitas vezes, se negava a pagar as passagens para novos imigrantes por causa do histórico de abandono das terras destinadas a eles. Outro problema criado com as colônias foi a falsa idéia que o governo, caso a lavoura não prosperasse, deveria sustentar os colonos indefinidamente.472 O quadro de pobreza dos cearenses, descrito em vários relatórios, era grande provocando muitas mortes entre eles. No cemitério de Santa Isabel havia 1.013 cearenses enterrados em pouco tempo.473 Cresceram também os asilos para abrigar além dos desvalidos locais, órfãs cearenses, forçando o governo a reativar muitos prédios públicos para abrigar essa população.474 Esse era o cenário temido pelo bispo quando criticava os negócios da borracha já nos anos de 1863. Como havia a falta de braço na lavoura, Abel Graça apostava na catequese dos índios. Defendia, com mais veemência, a utilização da mão-de-obra indígena, porque em sua opinião, o índios se adaptavam mais facilmente aos obstáculos locais do que os estrangeiros.475 Em

470 Vários artigos e anedotas publicados no jornal A Estrela do Norte ressaltavam os problemas da miséria humana no mundo moderno. Esses textos, embora discutissem a situação miserável da população em cidades como Roma, Paris e Londres traduziam, também, as preocupações de D. Macedo Costa para o mundo amazônico. Um exemplo disso pode ser encontrado no texto Dedicação heróica de um menino de oito anos, publicado naquele jornal em 6 de janeiro de 1863. 471 Fala com que José Coelho da Gama e Abreu, Presidente da Província do Grão- Pará, abriu a 2a. sessão da 21a. legislatura da Assembléia Legislativa da Província em 16 de junho de 1879. Belém: Tip. do Liberal do Pará, 1879. p. 15. 472 Ibid. p. 17 a 20. 473 Ibid. p. 27. 474 Ibid. p. 19. 475 Relatório apresentado à Assembléia Legislativa Provincial na segunda sessão da 17a. legislatura, por Abel Graça, Presidente da Província do Grão-Pará. Belém: Tip. do Diário do Grão-Pará, 1871. p. 38 a 42. 165

alguns trechos do relatório, Abel Graça diz que a falta de braços e o abandono das colônias agrícolas se devia aos habitantes que deixavam suas terras e se aventuram na extração do látex na região Ocidental da

Amazônia.476 Para ele, a imigração era uma solução ao desenvolvimento e “civilização” da província, mas não dispensa a defensa pelo uso do braço local, que civilizado seria de muito valor.477 Ao entrar no interior amazônico, afirma Abel Graça, era possível ver as cidades e vilas, que outrora floresciam com a agricultura, em pleno processo de decadência: casas abandonadas, algumas desmoronadas, raras em reparo e mais raras em construção. “Em vez de cuidarem da lavoura, que daria vida, energia às povoações, obrigando a capital a remeter-lhes avultadas somas de dinheiro em troco dos gêneros cultivados: os habitantes desprezam estes poderosos recursos a pretexto de falta de braço, aplicam os que lhes restam unicamente a extração de drogas, principalmente da borracha, sem reservarem nenhum para a lavoura.”478 Como outros presidentes, Abel Graça acreditava que os missionários capuchinhos poderiam fazer um trabalho nas aldeias, transformando os índios em lavradores, uma vez que era a atividade mais próxima de seus hábitos.479 Acreditava que com a libertação dos filhos de escravos, em 1871, cresceria o trabalho livre e, com isso, as possibilidade de fomentar a agricultura. Além da imigração planejada, ele preconizava a imigração espontânea como o novo caminho para o melhoramento das colônias agrícolas. Muitos povos que viviam na miséria, errando na floresta poderiam ter seu pedaço de terra e nele cultivar os produtos para seu próprio sustento, assim como para abastecer a província de alimentos.480 Já na visão de José da Cunha Júnior, o trabalho na agricultura requeria uma esforço sistematizado

476 Ibid. p. 45 a 49. 477 Ibid. p. 37. 478 Ibid. p. 48. 479 Relatório apresentado à Assembléia Legislativa Provincial na primeira sessão da 18a. legislatura em 15 de fevereiro de 1872 pelo Presidente da Província do Grão-Pará Abel Graça. Belém: Tip. do Diário do Grão-Pará, 1872. p. 46. 480 Ibid. p. 56,58. 166

que não seria exercido por “raça gasta e indolente” que labutava com

“métodos incorretos” do tempo colonial.481 O Presidente da Província, Pedro Vicente de Azevedo afirma que a agricultura só existia em regiões onde não havia árvore de seringueira. A produção, segundo ele, se dividia em duas: a grande (cana-de-açúcar) e a pequena (mandioca, arroz, café, milho e feijão). No caso específico do cacau, este abundava em Cametá, Óbidos e Alenquer, mas a região padecia de braços para o cultivo. Quando existiam, os trabalhadores seguiam para os seringais e os escravos fugiam para os mocambos daquelas áreas. Por outro lado, os indígenas não gostavam, segundo ele, de trabalhar na lavoura, preferiam trabalhar na extração das drogas.482 A solução para a falta de braço seria, então, a imigração estrangeira, embora houvesse a necessidade do uso do trabalho indígena. Pedro Vicente de Azevedo adverte para o cuidado de se repetir a experiência com os imigrantes trazidos por Hastings que, como já afirmamos, eram considerados impróprios para o trabalho agrícola, por serem “preguiçosos e imprevidentes”. Percebemos, nessa fala, que a crítica dirigida para os índios também atingia os imigrantes norte-americanos. Estes conviviam nas colônias com índios e negros, uma vez que estes últimos começaram a procurar o trabalho nos locais de produção agrícola. Luis Agassiz, em 1866, afirmava que o governo provincial, se quisessem imigrantes inteligentes e empreendedores, deveria investir no transporte e na instalação dos imigrantes, bem como na aquisição de terras para cultivo.483 Pedro Vicente de Azevedo era um dos presidentes que apostava na colonização estrangeira. Não considerava o indígena e nem o caboclo, habitante miscigenado, como elemento importante ao

481 Relatório com que Domingos José da Cunha Junior passou a administração da Província do Grão-Pará ao 3º Vice Presidente Guilherme Francisco Cruz. Em 31 de dezembro de 1873. Belém. Tip. do Diário do Grão-Pará, 1873. p. 23,26. 482 Relatório apresentado a Francisco Maria Corrêa de Sá e Benevides por Pedro Vicente de Azevedo por ocasião de passar-lhe a Administração da Província do Grão-Pará, no dia 17 de janeiro de 1875. Belém: Tip. de F. C. Rhossard, 1875. p. 60 a 63. 483 Ibid. p. 60,70. 167

trabalho da lavoura. Para ele, todas as “raças”, para cumprirem bem e com desenvoltura as atividades industriosas deveriam ser menos preguiçosas. O índio do Grão-Pará, com seus casebres de palha, assoalhado de tábua grosseira e edificado sobre as águas, sem aspirações de melhorar a sua sorte que julgava imutável, nunca poderia vir a ser um agricultor laborioso, pois isso requeria disciplina e vigilância.484 Na visão de Justino Ferreira Carneiro, referendado o pensamento acima, o verdadeiro investimento que o governo local deveria fazer era contratar o braço estrangeiro.485 Estes trariam ao Grão-Pará sua experiência com a cultura e a criação de víveres, poderiam se tornar, assim, proprietários de lotes e, com isso, produzir a terra. Não era qualquer estrangeiro que se acostumaria com o clima da província, mas precisamente o português e o italiano.486 Gama Abreu, tentando justificar sua preferência pelos povos anglo-saxônicos, fazia críticas sutis aos núcleos agrícolas montados em Benevides, dizendo que eles traziam prejuízos aos cofres públicos. Segundo o presidente, nessas colônias, as dificuldades e as prédicas dos padres contra o governo levavam os cearenses a se rebelarem. Esses descontentamentos aconteciam porque os cearenses temiam a perda total dos recursos adquiridos para os estrangeiros.487 Além disso, os colonos também reclamavam que o governo não lhes mandava recursos, ameaçando ir buscá-los, na sede provincial, com suas próprias pernas. Gama Abreu não considerava a colonização agrícola um investimento totalmente desastroso ou dispendioso para a província, mas afirma a necessidade de diminuir os recursos com essa atividade. Reclamava, por exemplo, que aqueles que vinham do Ceará para os trabalhos das estradas de seringa e para as colônias agrícolas, mas ficavam na

484 Ibid. p. 67. 485 Relatório com que Justino Ferreira Carneiro passou a administração da Província do Grão-Pará no dia 25 de agosto de 1882 ao Conselheiro João Rodrigues Chaves, 1o. Vice-Presidente da mesma Província. Belém: Tip. do Comércio do Pará, 1882. p. 19 a 21. 486 Ibid. p. 21. 487 Ibid. p. 6. 168

capital, servindo na guarda urbana, tendo tolerância com a prisão de seus conterrâneos.488 A explicação de Gama Abreu para o abandono de muitos cearenses das suas terras em Benevides se devia aos recursos fáceis com a extração da borracha e a melhora das condições nas regiões nordestinas.489 Concordando com Gama Abreu, o diretor do núcleo colonial de Nossa Senhora do Carmo, em Benevides, afirmou que os imigrantes por serem alheios ao trabalho com a terra ou por vadiagem, acabam negociando seus lotes ou dando aos outros sem o seu conhecimento.490 Por outro lado, Lourenço Paes de Souza, Vice-Presidente da Província, não era contrário a colonização estrangeira, embora afirmasse que o imigrante de outro país fosse imprevisível.491 Para resolver alguns problemas relacionados à imigração nas colônias foi preciso fundar uma Associação Paraense de Imigração. Numa reunião do dia 17 de novembro de 1885, estava presente naquela ocasião o conselheiro Tristão de Alencar Araripe, que também intencionava criar uma sociedade de imigração na Província do Grão-Pará, pois achava que esse empreendimento seria o mais poderoso meio para a prosperidade da província. O argumento utilizado por Tristão de Alencar e Araripe para fomentar a imigração foi a falta de população para um território tão vasto.492 A criação da Sociedade de Imigração não seria nova no país, já que no Sul havia uma dessas sociedades. Além de magistrados, comandantes de armas, comerciantes e proprietários, estava presente, na reunião da Associação Paraense de Imigração, o bispo D. Macedo Costa e Padre Mância Caetano Bradão.493 O que não era de surpreender uma vez que estes padres acreditavam na agricultura como

488 Ibid. p. 45. 489 Relatório apresentado à Assembléia Legislativa Provincial na 2a. sessão da 22a. legislatura, em 15 de fevereiro de 1881, por José Coelho da Gama e Abreu. Belém: Tip. do Diário de Notícias, 1881. p. 43 a 45. 490 Ibid. p. 32 a 47. 491 Relatório que João Lourenço Paes de Souza, 1o. Vice-Presidente da Província do Grão-Pará, apresentou a Carlos Augusto de Carvalho, em 16 de setembro de 1885. Belém: Tip. de Francisco da Costa Junior, 1885. p. 111, 112. 492 Fala com que Tristão Alencar Araripe, Presidente da Província do Grão-Pará, abriu a sessão extraordinária da Assembléia Legislativa Provincial no dia 5 de novembro de 1885. Belém:Tip. do Diário de Notícias, 1886. p. 83 a 86. 493 Ibid. p. 82,83. 169

salvação para as almas, tendo na criação de colônias agrícolas e na formação de trabalhadores (locais ou nacionais) uma boa oportunidade para colocar em prática os princípios católicos romanos. Tristão de Alencar e Araripe não acreditava no desenvolvimento espontâneo da região amazônica, tal como queriam os seguidores de Spencer. Para ele, era necessário o desenvolvimento de políticas para o setor produtivo. Dentre essas políticas, destacava o incentivo à imigração estrangeira. Contrariando opiniões que afirmam ser o clima inadaptado a esse tipo de imigração, Tristão de Araripe asseverou que os primeiro colonizadores do norte brasileiro foram europeus.494 O desembargador Joaquim da Costa Barradas afirma que os habitantes da Amazônia não estavam habituados ao planejamento ou racionalização de suas atividades seja extrativa ou agrícola. A atividade produtiva, na Amazônia, não seguia um rítimo metódico e inteligente, o que era um problema para o seu avanço. No entanto, a colonização não seria a atividade modelo a ser realizada, pois além de dispendiosa ela requeria um lugar fixo e o colono estaria preso às obrigações contratuais que tirava sua liberdade. Para ele, ao contrário da posição de Tristão de Alencar e Araripe, a agricultura era uma das atividades necessárias na região e não a principal forma de economia.495 Miguel José de Almeida Pernambuco afirmou que os imigrantes recém-chegados na província, estavam doentes, maltrapilhos e famintos. O governo províncial solicitava recursos ao Império para manter essas pessoas em condições mínimas de sobrevivência. Então, ele nomeou uma agência de socorros para os imigrantes, entre esses os quais estava o acometimento de moléstias como: sarampo, diarréia, beribéri e oftalmia, varíola.496 Os contratos do Grão-Pará com a Transportation and

494 Ibid. p. 84,85. 495 Fala com que Joaquim da Costa Barradas abriu a sessão extraordinária da Assembléia Legislativa Provincial do Grão-Pará em 20 de novembro de 1886. Belém: Tip. do Diário de Notícias, 1887. p. 7 a 9. 496 Relatório com que Miguel José d’Almeida Pernambuco, Presidente da Província do Grão-Pará, passou a administração da mesma ao Vice-Presidente da Província 170

Trading Company previam a remessa de imigrantes europeus sadios, morigerados e aptos ao serviço da agricultura, mas, ao que parece, a saúde dessas pessoas não era das melhores. Uma das formas de o governo reaver seu dinheiro, caso a imigração fracaçasse, era por meio de uma espécie de contrato com a companhia, que deveria pagar um valor, principalmente se os colonos abandonassem os seus lotes.497 Mas, esses contratos não eram, na maioria das vezes, respeitados. Em visita à estrada de Bragança, uma das mais famosas colônias paraenses, Roso Danin, Vice-Presidente da Província, afirmou que as medidas em relação aos colonos não teriam sido tomadas.498 Já Antônio José Ferreira Braga dizia que os “flagelados” da seca bem poderiam trabalhar nas terras amazônicas. Na opinião deste presidente, os núcleos agrícolas produziram trabalhos negativos, já que o tratamento dos retirantes chegados à Amazônia era péssimo. Os colonos, em sua visão, preferiam a indolência ao trabalho.499 Segundo Francisco José Cardoso Junior, Vice-Presidente da Província, os gastos para trazer imigrantes eram muito altos, que iam desde os contratos de proganda na

Europa à montagem da infra-estrutura nas colônias agrícolas.500 Os imigrantes alvos na propaganda provinham de regiões da Itália, Espanha ou Portugal, e deveriam ser sadios e robustos. As aptidões exigidas normalmente pelos propagadores de colonização no Brasil, se relacionavam aos trabalhos mecânicos, artísticos, manufatureiros e

João Polycarpo do Santos Campos, em 18 de maio de 1889. Belém: Tip. de A. Frutuoso da Costa, 1889. p. 53,54. 497 Relatório com que Miguel José d’Almeida Pernambuco, Presidente da província do Grão-Pará, passou a administração da mesma ao Vice-Presidente da Província João Polycarpo do Santos Campos, em 18 de maio de 1889. Belém: Tip. de A. Fructuoso da Costa, 1889. p. 74 a 77. 498 Relatório com que José de Araujo Roso Danin, 1o. Vice-Presidente da Província do Grão-Pará, passou a administração da mesma a Antônio José Ferreira Braga. Belém: Tip. de A. Frutuoso Costa, 1889. p. 27. 499 Relatório com que Antônio José Ferreira Braga, Presidente da Província do Grão-Pará, abriu a sessão extraordinária da 26a. legislatura da Assembléia Legislativa Provincial, em 18 de setembro de 1889. Belém: Tip. de A. Frutuoso da Costa, 1889. p. 20. 500 Fala com que o Conselheiro Francisco José Cardoso Junior, 1o. Vice- Presidente da Província do Grão-Pará, abriu a 1a. sessão da 26a. legislatura da Assembléia Provincial, no dia 4 de março de 1888. Belém: Tip. do Diário de Notícias, 1888. p. 18,28. 171

lavradores de idade nunca além de quarenta e cinco anos. O governo concedia algumas vantagens para aqueles que quisessem seguir da capital do Grão-Pará para servirem às lavouras do interior. Estes teriam transportes para seus lotes, casa provisória, instrumentos de lavoura, sementes e diárias de 450 réis por adulto e 250 réis por criança, durante três meses.501 Desse modo, analisando as falas dos secretários, vice-presidentes e presidentes de província, percebemos os vários projetos para o fomento do trabalho na Amazônia. O investimento na colonização das terras do interior e a formação de terras de produção, com exceção de poucos presidentes, aparece como discursos recorrente nessa documentação. Assim, D. Macedo Costa não estava sozinho na defesa dos projetos para a agricultura, apesar de haver diferenças nas propostas. Tal como Tristão de Alencar e Araripe, o fomento da agricultura era objetivo central do bispo. As idéias de Abel Graça e de Joaquim Raymundo Lamare sobre o uso do índio, catequizado e civilizado, para o trabalho na lavoura, são também idéias propagadas pela diocese. Diferente de Gama Abreu e de João Souza, D. Macedo Costa acreditava na intervenção positiva da Igreja no trabalho agrícola, considerando os investimentos com a borracha um passo para o atraso social da região. A presença missionária na Amazônia com os capuchinhos foi considerada por alguns presidentes de província e pelo episcopado como uma continuação do trabalho jesuíta realizado entre os séculos XVI e XVIII. D. Macedo Costa contou, também, com a ação dos párocos das várias freguezias cujo trabalho era comparado aos mártires do Cristianismo, já que teriam enfrentado dificuldades para edificar a “romanização” no Norte. Além disso, a criação de asilos para “desvalidos” teria como objetivo retirar “da orfandade e ignorância” os jovens, dando-lhe aprendizado religioso e de ofícios. As escolas de artífices, portanto, preparavam os trabalhadores, equanto que os seminários preparavam os homens. Somado a tais investimentos,

501 Ibid. p. 18,28.

172

destacamos a preferência de D. Macedo Costa e de alguns presidentes de província pela economia agrícola e o trabalho associativo, levando em conta seu papel na relação entre os indivíduos, tornando-os mais solidários. Tudo isso serviria ao propósito de civilização católica, pois a educação, a economia e a religião seriam a base de construção da sociedade cristã.

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CAPÍTULO 4

Catolicismo, Maçonaria e Liberalismo em debate

Neste capítulo analisaremos algumas obras produzidas por “ultramontanos”, conservadores e liberais, cuja discussão diz respeito aos projetos sociais e econômicos que deveriam ser adotados na Amazônia. D. Macedo Costa, por exemplo, produziu textos que criticavam o poder temporal e sua jurisdição sobre os assuntos da Igreja no Brasil. A Questão Religiosa embora tenha repercutido nacionalmente, não foi o único conflito entre a Igreja e o Estado. Através de D. Macedo Costa podemos entender que a relação entre esses poderes não era estável. Além disso, o pensamento liberal foi considerado pelo bispo um obstáculo ainda maior na execução dos programas “ultramontanos” no Brasil. Por esse motivo, não nos preocupamos com a chamada Questão Religiosa, mas com os vários debates que se ocuparam “ultramontanos”, liberais, conservadores sobre o devir da sociedade brasileira, como também do Grão-Pará. Através dos livros que autores dessas vertentes nos deixaram, entendemos as tensões entre esses grupos para constituir uma sociedade ideal. Os livros analisados aqui tratam de diversos temas ligados à Igreja e ao Estado, na segunda metade do oitocentos, como também de pensamentos sobre o desenvolvimento social e econômico brasileiro. Foi necessário fazer um estudo minucioso das idéias de D. Macedo Costa, especialmente sobre a jurisdição episcopal; o papel da Igreja no mundo; as investidas contra a maçonaria e a luta contra a secularização social. Nesse sentido, os livros Processo e julgamento do Bispo do Pará pelo Supremo Tribunal de Justiça (1874); a carta 174

pastoral A razão do atual conflito (1874); A questão religiosa do Brasil perante a Santa Sé ou a Missão Especial a Roma em 1873 (1886); O Barão de Penedo. A missão a Roma (1888) são os escritos que permitiram entender o pensamento de D. Macedo Costa e suas estratégias. De outra parte, buscamos nos livros de político brasileiro o discurso com o qual a Igreja Católica chamada ultramontana dialogava, tais como: as obras de Tavares Bastos O vale do Amazonas (1866); A província (1870); Os males do presente e as esperanças do futuro (1875)502; o livro do Barão do Marajó ou Gama Abreu As regiões Amazônicas (1895); o livro de Cândido Mendes de Almeida Pronunciamentos Parlamentares de 1871 a 1873 (1982) e o texto de

Joaquim Saldanha Marinho, o Ganganelli, A Igreja e o Estado (1873).503 Alguns desses textos, como já afirmamos, tratam das relações entre a Igreja e o Estado no Brasil, especialmente as tensões existentes entre esses poderes. Esses conflitos colocaram em evidência um debate maior, ou seja, o papel da Igreja no mundo e o seu discurso sobre a paulatina secularização ou perda dos valores sagrados na vida humana. Por outro lado, traduziu também os problemas de jurisdição eclesiástica e da dúvida sobre a infalibilidade papal. Assim, em termos mais gerais, a Igreja vinha se colocando contra projetos, idéias e ações que julgava prejudiciais à sociedade brasileira. Por outro lado, na literatura liberal, os bispos pareciam não oferecer saída plausível ao mundo que se modernizava. No entanto, a chamada modernidade não foi excluída do vocabulário episcopal, apenas seu sentido ganharia novos contornos.

502 A primeira edição desse livro, de 1861, era um folheto com 35 páginas, no qual T. Bastos utilizou o pseudônimo de “Um excêntrico”. Uma outra edição, datada de 1875, reuniu vários textos de épocas diferentes: “Memória sobre a Imigração”, de 1867; “A situação Liberal”, de 1872; “A reforma eleitoral e parlamentar e Constituição da Magistratura”, de 1873. Em comemoração ao centenário da morte do autor, a Companhia Editora Nacional reeditou o livro. 503 Com exceção dos livros de D. Macedo Costa e de Joaquim Saldanha Marinho pesquisados no IHGB, as edições que consultamos para escrever este trabalho são do século XX. 175

4.1 “O Catolicismo mascarado dos maçons”

Um dos elementos constituintes da chamada Igreja ultramontana era a luta contra o “exteriorismo católico”, ou seja, os bispos dessa tendência não admitiam a prática do Catolicismo teatral. As procissões, as manifestações dramáticas de devoção, as expressões “histéricas dos pagadores de promessa”, enfim, eram consideradas manifestações de pouco valor na expressão da fé e da religiosidade. O bispo do Grão-Pará esperava que os fiéis tivessem um sentimento religioso ascético e comedido: “O Cristianismo não é uma pura exterioridade, um mecanismo ritual, é um princípio vivo que penetra o coração e de lá dirige, como regra suprema, o movimento todo da nossa vida.”504 A vivência do Catolicismo no Brasil, segundo Eduardo Hoornaert, na sua forma “superficial”, seria resultado de uma contínua opressão na “consciência popular”, cuja demonstração do ser católico passava pelo medo das instituições de controle e vigilância como o

Tribunal do Santo Ofício.505

Diante deste clima de medo criado pelas denunciações, visitações, deportações, repressões e confiscos, os brasileiros reagiram de maneira inteligente: criaram um catolicismo ostensivo, patente aos olhos de todos, praticado sobretudo em lugares públicos, bem pronunciado e cheio de invocações ortodoxas a Deus, Nossa Senhora, os santos. Todos tinham que ser “muito católicos” para garantir a sua posição na sociedade, e não cair na suspeita de “heresia”. Originou-se desta maneira o formalismo típico do catolicismo brasileiro: as formas tinham que ser católicas, a todo custo.506

A proliferação, durante a colônia, de congregações leigas de fundo religioso como as irmandades, confrarias e ordens terceiras estaria relacionada com a disputa dos laicos por participar do universo

504 COSTA, D. Macedo. Amazônia: meio de desenvolver sua civilização. p. 72. 505 HOORNAERT, Eduardo. Formação do Catolicismo Brasileiro. Ensaio de interpretação a partir dos oprimidos. 3ª. edição. Petrópolis/RJ: Vozes, 1991. p. 14. 506 Ibid. p. 16. 176

católico, já que isso despistaria as suspeitas das instituições de controle. Cristãos-novos nos séculos dezessete e dezoito e maçons no século XIX, formam os grupos que disputavam penetrar e mesmo dirigir essas congregações.507 Ao mesmo tempo, os engenhos representavam um lugar de vivência religiosa, do chamado Catolicismo patriarcal,508 ou seja, o domínio eclesiástico, em grande parte, ficava circunscrito ao ambiente da fazenda, da grande família.509 Segundo E. Hoornaert, esse tipo de Catolicismo se desenvolveu adaptando-se às condições patriarcais da colônia, o que operou um distanciamento entre os rigores do cânone e a prática religiosa dos capelães. Em lugares distantes das fazendas, os ermitães faziam, muitas vezes, o trabalho missionário, levando ao aparecimento de um tipo de religiosidade temida pelos poderes constituídos.510 O clero secular contribuía pouco com a propagação da fé, fazendo com que os jesuítas tivessem importância maior no incentivo à vida religiosa.511 Na verdade a análise de Hoornaert e de boa parte dos autores da CEHILA está marcada pela visão de mundo bipolar, ou seja, de um lado existe um Catolicismo elitizado, compenetrado, ascético e do outro o Catolicismo popular, sincrético, exteriorizado, místico. Essa oposição simplifica e reduz o Catolicismo a uma ideologia opressora, deformadora da “religiosidade popular”. Outros autores, com perspectivas bem diferentes de Hoornaert, também analisaram a história do Catolicismo e da religiosidade no Novo Mundo nos permitindo ampliar a discussão acima. O trabalho de Leandro

507 Ibid. p. 18. “Através dos conventos, das paróquias, das irmandades e confrarias formou-se uma sociedade na qual ninguém escapava à necessidade de apelar para instituições religiosas: para conseguir emprego, emprestar dinheiro, garantir sepultura, providenciar dote para filha que queria casar- se, comprar casa, arranjar remédio.” 508 Na verdade, segundo Hoornaert, foi Gilberto Freyre em Casa Grande e Senzala que fez uma análise cuidadosa das relações culturais operadas no universo do engenho. Cf: Ibid. p. 75. 509 Ibid. p. 76-77. 510 HOORNAERT, Eduardo. A evangelização do Brasil durante a primeira época colonial. HOORNAERT, Eduardo. (Org.). História da Igreja no Brasil. p.107 a 109. Os Jesuítas acreditavam serem os mais aptos ao trabalho missionário. 511 Ibid. p. 54. 177

Karnal, por exemplo, que procura entender as representações religiosas utilizadas simultaneamente no Brasil e no México, no século XVI, por ordens como a jesuítica, nos ajuda a pensar a convivência das ordens religiosas com outras culturas, consideradas alheias ao discurso canônico ditado por um tipo determinado de Catolicismo, sendo amplamente combatidas por isso. Assim, os jesuítas faziam uso de imagens, teatros e mesmo gestos como veículos de evangelização. Segundo o autor: “Os Jesuítas enumeram como os erros da colônia (tanto de portugueses como índios): concupiscência e luxúria exacerbada; bebedeira; blasfêmias; falta de fidelidade aos mandamentos e falta de assistência aos sacramentos.”512 O que para Hoornaert é um exteriorismo católico exacerbado, fruto do amálgama dos poderes espiritual e temporal, para Karnal trata-se de ação consciente do trabalho de conversão dos povos na América luso- espanhola, apoiadas por um projeto do Estado Ibérico. Essa atitude era necessária uma vez que subsistia nestas partes uma vivência contraditória do Catolicismo, cuja emergência dependeu das relações cotidianas que foram sendo estabelecidas ao longo da experiência colonial. Baseando-se num texto de Padre Manuel da Nóbrega, Karnal demonstra a desconfiança do Jesuíta em relação à moral do clero na colônia.513 No século XVIII, com a Inquisição, algumas faltas vieram a tona e sugeriam um quadro mais complicado ainda. Os sacerdotes também

512 KARNAL, Leandro. Teatro da fé. Representação Religiosa no Brasil e no México do Século XVI. São Paulo: Hucitec, 1998. p. 66. Quando falamos de um tipo determinado de tradição católica nos reportamos ao conjunto de doutrinas e cânones reafirmados pelo Concílio Tridentino, no século XVI. 513 Ibid. p. 69,70. Baseado no texto do Padre Manuel Nóbrega, afirma o autor que: “O clero que os jesuítas encontraram [na Colônia] era constituído sobretudo de padres com problemas na Europa ou fugitivos de outras Ordens. Até ‘excomungados, irregulares e apóstatas’ exerciam o ofício de presbítero na colônia. Assim, os padres estavam ‘nos mesmos pecados dos leigos’ e ‘nenhum era letrato’, não se constituindo num corpo preparado e distinto da massa dos fiéis, conforme a idéia jesuíta de um corpo clerical adequado.” Em nota, o autor diz que mesmo em Portugal o clero vinha sofrendo crise na sua estrutura missionária, a escassez de padres e a situação geral do clero não era das melhores. 178

foram alvos de perseguição por parte do Santo Ofício em alguns casos por crimes de ordem sexual.514 A visão edênica dos europeus sobre a natureza e a humanidade na colônia portuguesa, foi sendo substituída, com o avançar da colonização pela visão demoníaca do Novo Mundo.515 Essa inversão de imagens, segundo Laura de Mello e Souza, pode ser encontrada principalmente nos escritos deixados pelos jesuítas, que tentavam integrar ao seu imaginário aquele mundo considerado hostil.516 Não só a natureza era identificada à representação geográfica de mundos desconhecidos e habitados por criaturas fantásticas. O ameríndio também foi, diversas vezes, associado ou integrado ao universo monstruoso e selvagem.517 A partir das cartas jesuítas, Laura de Mello e Souza conclui que uma das acusações sobre os habitantes do Novo Mundo, especialmente os índios, estava ao modo de vida povos. “A humanidade anti-humana se manifesta ainda no estado de pecado em que, para o europeu católico, viviam os naturais da terra.”518 Apesar das diferentes concepções sobre a natureza das instituições eclesiásticas que atuaram na América,519 Karnal e Souza admitem a existência da miscigenação

514 “Os gestos ‘obscenos’ do Padre Frutuoso ganham aqui importância especial. Por sua função, o padre é encarregado do gesto sublime, da exteriorização do sagrado. As mãos do sacerdote elevam a hóstia consagrada, ministram bênçãos, dirigem sacramentos, gesticulam na pregação e traçam o sinal-da-cruz na absolvição. As mãos do sacerdote são fundamentais no processo de Representação Religiosa.” Cf: Ibid. p.134. 515 SOUZA, Laura de Mello. O diabo e a terra de Santa Cruz. Feitiçaria e religiosidade popular no Brasil colonial. São Paulo: Companhia das Letras, 1986. p. 42. 516 Ibid. p. 48. 517 Ibid. p. 56. 518 Ibid. p. 61. 519 Para Karnal, a Igreja que atuou na América, assim como em outras partes do mundo incluindo a China, era uma instituição cujo legado remetia às tensões entre a verdade e o erro; o legítimo e o desprezível orientadores de uma contínua tendência pela homogeneidade e universalização. Por outro lado, Souza embora pouco preocupada com a constituição eclesiástica na sua forma institucional, acreditava que inexistia, mesmo na Europa, um Catolicismo pautado na homogeneidade e universalização mostrando que Trento não conseguiu efetivar-se nem mesmo na Europa. Ora, as visões propostas partem de prismas diferentes; Karnal afirma essa tentativa de homogeneidade a partir dos discursos clericais e isso é recorrente na documentação produzida especialmente pelo alto clero. Por outro lado, se nos apoiarmos em textos não 179

cultural dos povos do Novo Mundo que produziu um tipo diferenciado de religiosidade, considerada perigosa pelas instituições tanto eclesiástica quanto temporal. José Roberto do Amaral Lapa, no livro sobre a visitação do Santo Ofício no Grão-Pará, afirma o quanto a população que ali habitava estava mergulhada numa vida promiscua. Com isso, ele justifica, além de outros motivos, a visitação desse aparelho eclesiástico naquela região. “Antes da expulsão dos jesuítas, embora a documentação nos revele a cada passo um ambiente de religiosidade, os abusos não são pequenos nem esparsos [...] Os crimes de natureza sexual, sobretudo de brancos em relação às índias, eram muito comuns.”520 Assim, as devassas buscavam os culpados dessas práticas a fim de julgar e decretar punição. Esse cenário montando por Lapa não era, para Hoornaert, exclusivo do Norte brasileiro. Dessa forma, as interpretações sobre o Novo Mundo, de um modo ou de outro, afirmam a existência de relações complexas desenvolvidas a partir da convivência de elementos das culturas dos povos que nessas partes entraram em contato: índios, negros e europeus (ibéricos especialmente). Apesar de parte das análises se centrarem na prática religiosa dos povos no Novo Mundo e apresentarem conclusões diferentes sobre essas experiências, uma coisa não se pode negar: a existência de relações que escapavam aos cânones da Igreja Católica, especialmente ao clero cuja base estava nas designações tridentinas. Nossas pesquisas permitem dizer que facções importantes do alto clero procuraram retomar, no Brasil, a limpeza moral, fundamentado principalmente nas diretrizes dos concílios de Trento e do Vaticano

I.521 D. Macedo Costa, através de seus textos, desejava a reafirmação

canônicos, como de viajantes, por exemplo, é possível verificarmos a existência de comportamentos diversos e contraditórios. 520 LAPA, José Roberto do Amaral. Livro da visitação do Santo Ofício da Inquisição ao Estado do Grão-Pará (1763-1769). Rio de Janeiro/Petrópolis: Vozes, 1978. p. 30. 521 De acordo com Jacques Dalarun, desde o século XI, alguns Papas e outros membros da Igreja conhecidos como reformadores têm proposto remodelamento dos comportamentos sociais, principalmente dos agentes da Igreja. Entre as 180

não só do clero, mas também reformar de modo geral a sociedade brasileira. Isso significava uma varredura em vários segmentos desta sociedade, entre os quais estavam todas as associações e irmandades que eram, segundo ele, dirigidas por membros da “seita satânica”. A associação feita pelo bispo entre maçonaria e satanismo lembra a relação que jesuítas e inquisidores faziam entre práticas populares e demonolatria. Para o bispo, a sociedade brasileira precisava despojar- se de seu passado sacrílego e leigo, atenuado pela ação dos jesuítas. Em suas análises não encontramos dissociação entre Religião e projeto social. Na definição do promotor de justiça do Império, Francisco Baltazar da Silveira, D. Macedo Costa, ao tentar impedir o funcionamento das irmandades no Grão-Pará estava atentando não só contra a autoridade do Imperador, mas também contra a Constituição. Por outro lado, o bispo do Grão-Pará explica ao promotor porque agiu com rigor interditando as irmandades. 522 O enredo de alguns livros do bispo, especialmente os que tratavam da chamada Questão Religiosa,523 é sempre o de defesa da Igreja reformas pretendidas estava a busca por mais autonomia do clero para gerenciar seus bens e ultrapassar o embargo de aristocratas laicos, ao mesmo tempo, debatiam questões fundamentais de doutrina relacionadas ao concubinato e a incontinência entre os padres. Cf: DALARUN, Jacques. Op. Cit. p. 17. A Infalibilidade Papal foi uma decisão do Concílio Vaticano I, o que caracterizou a efetivação de algumas demandas de uma parte do clero, fortalecendo a autoridade do Papa. 522 COSTA, D. Antônio de Macedo. Processo e Julgamento do Bispo do Pará pelo Supremo Tribunal de Justiça. Rio de Janeiro: Tipografia Teatral e Comercial, 1874. p. 3. No Artigo 102, inciso 14, do Capítulo 2º. do Poder Executivo da Constituição do Império, carta de 1824, está o texto sobre a concessão ou negação do beneplácito aos decretos dos concílios e letras apostólicas e a qualquer outras regras eclesiásticas. Cf: BONAVIDES, Paulo & AMARAL, Roberto. Textos políticos da História do Brasil. Senado Federal/Secretaria de Edições técnicas, Brasília, 1996, vol. 8. p. 184. 523 João Dornas Filho fez uma exaustiva descrição dos acontecimentos que desencadearam a crise religiosa no Império, a qual teria se iniciado a partir de uma homenagem ao Grão-Mestre da maçonaria e líder do Conselho de Ministros, o Visconde do Rio Branco, na Loja Grande Oriente, em virtude da aprovação da Lei do Ventre Livre. O Bispo do Rio de Janeiro, D. Pedro Maria Lacerda, indignado pelo fato de o padre Almeida Martins haver participado da mesma na condição de ‘grande orador interino’, reeditou bulas praticamente extintas que condenavam a maçonaria e que nunca tinham sido observadas no Brasil, além de fazer publicar em seu jornal, O Apóstolo, vários ataques contra os chamados “pedreiros livres”. A partir disso, os periódicos ligados à maçonaria 181

Católica face ao avanço do liberalismo e da maçonaria. Referindo-se à uma instrução pastoral contra a maçonaria, o bispo afirmava que condenava o jornal O Pelicano, principal divulgador no Grão-Pará, dos preceitos dessas lojas, proibindo seus diocesanos de lerem esse tipo de jornal.524 Além disso, o bispo concederia perdão aos que abandonassem a maçonaria, bem como permitira um enterro eclesiástico a todo maçom arrependido. Mas, ao menor sinal de pertencimento a chamada seita, o cadáver perderia os atos cerimoniais oferecidos pelos padres, assim como os rituais fúnebres. “Será concedida sepultura eclesiástica e sufrágio público a todo maçom que tiver pedido confissão, ou dado qualquer sinal de arrependimento, pois este sinal mostra vontade de se reconciliar com a Igreja. Os que, porém, morrerem impenitentes, ou recusando receber socorros espirituais, ou cujos cadáveres trouxerem sinais maçônicos, serão privados desse privilégio, só concedido aos que estão em união com a Igreja”525 Vê-se, no trecho acima, a retórica do medo face à morte e tudo aquilo que ela representa, ou seja, sem os sacramentos, o destino da alma seria o tormento. As críticas de D. Macedo Costa, assim como de outros prelados, à maçonaria eram interpretadas, por alguns políticos, como um atentado contra a autoridade do Império. D. Macedo Costa, por seu turno, dizia que os sacerdotes eram vítimas de atitudes intolerantes e vexatórias. O poder civil, segundo ele, não deveria se imiscuir nos assuntos

responderam e estas críticas, acirrando o conflito. Mais tarde, os Bispos do Grão-Pará e de Pernambuco tentaram colocar em prática as bulas contra a maçonaria, decretando o fechamento de irmandades religiosas, nas quais os maçons faziam parte. DORNAS FILHO, João. O padroado e a Igreja brasileira. 5ª. série. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1938. p. 107 a 109. 524 COSTA, D. Antônio de Macedo. Processo e Julgamento do Bispo do Pará pelo Supremo Tribunal de Justiça. p. 7. Segundo Antônio Carlos Villaça, os jornais maçônicos que discutiam a Questão Religiosa eram além do O Pelicano, do Pará; A Fraternidade, do Ceará; A Família Universal e A Verdade, de Pernambuco; O Lábarum, de Alagoas; A Família, do Rio de Janeiro; A Luz, do Rio Grande do Norte e O Maçon, do Rio Grande do Sul. Cf: VILLAÇA, Antônio Carlos. Historia da Questão Religiosa. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1974. p. 7. 525 COSTA, D. Antônio de Macedo. Op. Cit. p. 8. Para assegurar o enterramento de “verdadeiros católicos” no Cemitério da Soledade, hoje desativado, o bispo recomendou aos padres que benzessem todas as sepulturas pertencentes às famílias reconhecidamente católicas. 182

religiosos, embora o contrário fosse possível e até legítimo. Ora, isso poria em questão o próprio Padroado, pois este regime tornava a Igreja como uma parte importante do Estado, tendo nos prelados funcionários públicos. Mas, esse não era o desejo do bispo. “Não podendo eu, sem apostar da fé católica, reconhecer no Poder Civil autoridade para dirigir as funções religiosas”526, com essa frase ele questiona nitidamente a legitimidade do Padroado. No intuito de criar sempre uma identidade de luta, o bispo do Grão-Pará afirmava que o tratamento dado a D. Fr. Vital, de Olinda, pelo Supremo Tribunal de Justiça deveria ser o mesmo a todos os prelados que reconheciam sua causa, incluindo ele próprio. Com isso, D. Macedo Costa ressaltava a formação de um pensamento e prática católicos que iam além do Grão-

Pará e de Pernambuco.527 A autonomia eclesiástica, ao que parece, estava sendo almejada por outros bispos, reforçando a idéia de que as críticas de D. Macedo Costa eram também de outros prelados do Império, tornado esse processo mais significativo ainda. D. Macedo Costa justificava suas ações sempre recorrendo a fatos passados relacionados à História do Cristianismo. Esse recurso talvez garantisse aos textos do bispo um teor de legitimidade discursiva uma vez que, assemelhando-se aos antepassados, ele estaria cumprindo uma tarefa histórica pautada no martírio e heroísmo dos antigos cristãos, ou seja, ao rito de passagem daqueles cuja tarefa era expulsar do mundo as injustiças, crueldades e tiranias, geralmente representadas pelos governantes. Com isso ele reafirma o poder da Igreja, cujo legado teria sido dado pelo próprio Cristo528 e todos os mártires que em nome dele foram presos e mortos. “Tal é a Igreja de Jesus Cristo. Ele disse: eu fundarei a minha Igreja, isto é, uma sociedade de homens encarregados de ensinar, defender, sustentar e praticar minha Religião

526 Ibid. p. 61. 527 Ibid. p. 62. “Se o Bispo de Pernambuco é réu perante a lei, Exmo. Sr. réus perante a lei sou eu e muitos outros Bispos do Império.” 528 COSTA, D. Macedo. Carta Pastoral. A razão do atual conflito. Rio de Janeiro: tip. do Apóstolo, 1874. p. 14. 183

[...] uma só Igreja e não muitas.”529 Essa narrativa traduzia a superioridade do poder clerical ao temporal, uma vez que a natureza desse poder não era deste mundo. A Questão Religiosa certamente permitiu a propagação, no Império, das idéias de D. Macedo Costa sobre o Catolicismo, os movimentos tidos como heréticos, as reformas sociais etc. Que tipo de Catolicismo estava sendo propagado pelo bispo? Essa pergunta é importante, pois havia outras formas de vivência religiosa e de experiência católica. O bispo não almejava “um catolicismo deturpado, de mascarada, religião só composta de exterioridades hipócritas, acompanhadas de indecentes saturnais e de sacrilégios que fazem gemer nossos templos, mas um catolicismo verdadeiro, como ele é, na plenitude de seus dogmas, de sua disciplina, de sua moral.”530 Se o Concílio Tridentino, no século XVI, lutava contra os protestantes, os bruxos, judeus, cristãos-novos e mouros, sendo estes considerados os corpos estranhos à “verdadeira Igreja”, D. Macedo Costa retoma essa experiência, no século XIX, colocando como “corpo estranho à Igreja” os maçons e liberais.531 A linguagem utilizada nos escritos de D. Macedo Costa para referir às atitudes de D. Vital lembrava um cavaleiro medieval enfrentado os inimigos nas cruzadas.

“Estava o Brasil todo em suspensão vendo pela primeira vez o espetáculo de um Bispo, que, revestido com toda a armadura de Deus, cingido da couraça da justiça e calçado os pés com a prontidão do evangelho da paz, na cabeça reluzindo-lhe o capacete da salvação, sobraçando o escudo da fé e na mão a relampear-lhe a espada do Espírito que é a palavra de Deus, acudia impávido aos reencontros mais formidáveis dos inimigos da Igreja e sustentava o ímpeto da pugna sem precipitação como sem desmaio.”532

529 Ibid. p. 15. 530 COSTA, D. Macedo. A questão religiosa do Brasil perante a Santa Sé ou a Missão Especial a Roma em 1873. Lisboa: Lallemant Fréres, Imp. Lisboa, 1886. p. X. 531 Ibid. p. XI. Na página 73 deste livro, uma das denúncias que o Bispo do Grão-Pará fez contra os maçons é que eles negavam o dogma da divindade de Cristo, o que configurava uma heresia. 532 Ibid. p. 103. 184

Analisamos, também, as idéias do senador Cândido Mendes de Almeida, entre os anos de 1871 e 1873, momento que compreende os acontecimentos da chamada “Questão Religiosa”. O livro ao qual nos referimos é uma coleção de textos das sessões no senado do Império, em que assuntos como reforma judiciária, eleições indiretas, temas clericais e a política internacional estão em debate. Na visão de Cândido Mendes, a base do Estado brasileiro era o Catolicismo e com essa bandeira, discursava a favor dos bispos do Grão-Pará e de Pernambuco. Além de utilizar o parlamento como palco de sua argumentação em favor do clero brasileiro, Cândido Mendes escrevia para o Jornal do Comércio, do Rio de Janeiro.533 Essa personagem é importante neste trabalho em função de seu envolvimento com a política do Império e em defesa do pensamento católico no Brasil. O Ministério, à época da atuação de Cândido Mendes, era composto pelo Partido Conservador, o que não impedia a crítica de muitos de seus membros aos chamados católicos ultramontanos, especialmente pelos legalistas que viam a ação dos bispos do Grão-Pará e de Pernambuco como um ataque à Constituição do Império e à autoridade de D. Pedro II. Antes mesmo dos acontecimentos que deflagraram a Questão Religiosa, Cândido Mendes já reclamava da ausência, no senado, de um apoio político à Santa Sé, referindo-se especificamente aos acontecimentos em torno da unificação italiana. Sua preocupação talvez não fosse apenas com o papado, mas com a situação da Igreja no Brasil e com a

533 Cândido Mendes nasceu na Vila de S. Bernardo do Brejo dos Anapurus (Maranhão), em 14 de outubro de 1818. Estudou Direito em Olinda, entre 1835 e 1839. Lecionou História e Geografia no Liceu Maranhense, também exerceu a carreira de promotoria pública em S. Luis entre 1841/42. Entrou para a vida política primeiramente como suplente de um deputado entre 1840/43 e depois entrou para o Senado Imperial, tendo participado dessa escala de governo entre 1871 e 1880, quando fez seu último discurso. Morreu aos 63 anos em 1881. Escreveu o livro intitulado Direito Civil e Eclesiásticos, no qual discute as legitimações dos poderes espiritual e temporal e também Memórias para a História do Extinto Estado do Maranhão iniciada em 1860 e Atlas do Império do Brasil. Cf: ALMEIDA, Cândido Mendes de. Pronunciamentos Parlamentares. Brasília: Senado Federal, 1982. p. 17, 18 e 41. Alguns dados expostos acima foram referidos por José Honório Rodrigues que escreveu uma introdução neste livro. 185

estabilidade do Império.534 Em resposta à reclamação de Cândido Mendes, o Barão de São Lourenço afirmou que o gabinete não poderia perder tempo discutindo questões amplas, referindo novamente à unificação italiana, pois se tratava de um foro para assuntos urgentes.535 Um dos temas aventados por Cândido Mendes dizia respeito às relações de poder entre o espiritual e o temporal que, para ele, não deveriam separar- se, ao contrário do que queriam os liberais. A união entre a Igreja e o Estado, segundo ele, era um freio necessário ao fim do absolutismo dos poderes civis.536 É o que fica claro nessa frase: “O Estado para marchar há de ir de acordo com o pensamento religioso, não pode prescindir dessa base [...]”537 Outra crítica levantada por Cândido Mendes era a presença de maçons no comando do governo, referindo-se ao primeiro ministro do Império, à época Visconde do Rio Branco.538 Na seguinte frase, o autor adverte: “Estou convencido Sr. Presidente, que o primeiro ministro de um país católico que, como o nosso, consagra, sustenta uma religião de estado, não pode, sem faltar a Constituição, servir um cargo dessa ordem máximo, tendo prestado juramento de manter essa religião.”539 A maçonaria, segundo o autor, não passava de uma doutrina pagã cuja base se assentava em crenças pagãs. Aqui vemos uma similaridade entre a opinião de Cândido Mendes com a de D. Macedo Costa, que associava maçonaria a paganismo e satanismo. Por esse motivo, Cândido Mendes não via problema na reedição pelos bispos de bulas, encíclicas e breves contra esta “seita”. Em sua interpretação a maçonaria era perigosa, pois criticava um dos cânones mais importantes do Catolicismo, ou seja, o dogma da Santíssima Trindade.540 Desse modo, ele era, assim, um poderoso aliado dos “ultramontanos” na luta contra a maçonaria. Da mesma forma, chamava a atenção para o avanço dessa “seita” que,

534 Ibid. p. 83. 535 Ibid. p. 89. 536 Ibid. p. 179. 537 Ibid. p. 181. 538 Ibid. p. 374. 539 Ibid. p. 374. 540 Ibid. p. 391. 186

associada a uma facção política e filosófica, a liberal, se mostrava uma ameaça aos preceitos da Igreja Católica.

4.2 Liberais e “ultramontanos” no Grão-Pará

Um dos liberais que mais enfrentou as idéias de D. Macedo Costa foi José Coelho da Gama Abreu, que em 1881, recebeu do Imperador o título de Barão do Marajó. Esse enfretamento emergiu nos jornais e documentos oficiais em virtude da chamada Questão Nazarena, momento em que o bispo disputou com a Irmandade de Nazaré a direção da mais importante comemoração religiosa de Belém: a festa de Nazaré.541 Os episódios relacionados a tal festa tinham ligação com a já conhecida Questão Religiosa, pois o bispo, depois que recebeu a anistia de D. Pedro II, em 1875, continuou a luta contra os chamados maçons, que também pertenciam ao Partido Liberal. Entre 1879 e 1881, Gama Abreu, como presidente de província, apoiou as deliberações da irmandade de Nazaré, ferindo a autoridade do episcopado. No entanto, não é a

541 De acordo com a tradição judaica o festum ou dies festus era um dia de recordação de grandes acontecimentos na economia e era celebrado com culto divino e descanso cotidiano. Na liturgia Católica, possui um sentido mais amplo, ou seja, são todos os dias em que a Igreja realizava ofícios e missas para celebrar a vida e as realizações de santos. Mas, parece que as populações viam nas festas outras formas de funções, como por exemplo, o pagamento de promessas, o pedido de graça, o sacrifício, além de encararem a festa como uma forma de lazer e regozijo. Essa idéia é apresentada por muitos autores, entre os quais destacamos Isidoro Alves que afirmou ser a festa religiosa a mistura do sagrado e profano, a formalidade e a informalidade, a devoção e a alegria. Cf: ALVES, Isidoro. O carnaval devoto. Um estudo sobre a Festa de Nazaré em Belém. Petrópolis: Vozes, 1980. p. 25, 26. D. Macedo Costa discordou da significação popular sobre a festa religiosa, ressaltando tratar-se de um falso catolicismo, “os encarregados dessa mascarada [falando da Festa de Nazaré] nada poupam para dar-lhe o caráter de um acinte público à autoridade eclesiástica; músicas, espantosas quantidades de foguetes, ruas embelezadas, tudo feito com o propósito ostensivo de injuriar os Ministros da Igreja, que protestaram contra horríveis sacrilégios, que tinha por objetivo símbolos sagrados [...] Acostumar o povo ao desrespeito das autoridades legitimas, fazer o culto católico em pretexto para orgias criminosas, foi o alvo do intitulado círio do dia 6 de outubro de 1878.” Ver: PAROQUIAS Religiosas. A Boa Nova. 9/10/1878. Belém, nº 80. p. 1 187

Questão Nazarena542 o objetivo de nossa análise aqui, mas os programas de desenvolvimento sócio-econômico de Gama Abreu, cuja diretriz será entendida a partir da obra: Estudos Corográficos dos Estados do Grão- Pará e Amazonas, tendo sua primeira edição em 1895. É importante salientar que Gama Abreu admite que parte do que escreveu nesse livro já havia sido publicado em forma de artigo para alguns periódicos. Nessa obra foram reunidas as experiências de Gama Abreu e o conhecimento da região obtido através de dados de uma extensa bibliografia.543 A Amazônia de Gama Abreu é a do período de expansão da economia gomífera, o que traduzia o esforço narrativo para exaltação da região e das suas potencialidades comerciais. Boa parte do livro é uma exaustiva descrição da formação geológica, hidrográfica e topográfica da Amazônia. Os homens, as instituições aparecem como pano de fundo ou, quando é necessário, ele os descreve para incrementar o potencial econômico da região. Para termos uma idéia, mais da metade do livro trata de rios, afluentes e formação de ilhas no percurso do Amazonas e sempre com a ressalva de que tudo isso revela uma mundo de explorações infindáveis. Desse modo, essa obra não nos fornece detalhes da vida do homem amazônico, mas percebemos que os objetivos de Gama Abreu estavam ligados ao projeto de fomento comercial da Amazônia e ao aumento do fluxo econômico desta região com países tanto de outras partes da América quanto da Europa. Essa idéia é evidenciada várias vezes no livro, quando o autor analisa a navegabilidade do rio Amazonas. Aliás, a palavra Amazônia é do período moderno e indica uma região ainda em formação e pouco conhecida: “O verdadeiro

542 Embora as versões sobre a Questão Nazarena sejam importantes para entendermos as disputas ideológicas entre os chamados ultramontanos e liberais acreditamos que ela faça parte de um ideário maior, envolvendo visões de mundo desses grupos na execução ou propagação de seus objetivos nas províncias do Grão-Pará e Amazonas. Se nos detivéssemos apenas na Questão Nazarena perderíamos a amplitude desse debate. 543 Os autores mencionados por Gama Abreu, em seu livro foram: Adalbert, Acuña, Araújo Amazonas, Barbosa Rodrigues, Antônio Ladislau Baena, Castelnau, Chandless, Cônego Bernadino de Souza, Ferreira Pena, Gonçalves Dias, J. Orton, H. Smith, Humbldt, La Condamine, Severiano da Fonseca, Silva Coutinho, Spix e Martius, entre outros. 188

conhecimento, a revelação do que é a Amazônia com exceção dos estudos das comissões geográficas portuguesas é muito moderna, os seus recursos, a sua riqueza o seu brilhante futuro, só há poucos anos tem sido descortinado ao resto do mundo, chamando atenção do comércio e da indústria [...].”544 Há, também, um esforço de Gama Abreu por traçar uma linha limítrofe que separava o domínio administrativo brasileiro do Norte aos países latinos e outras províncias do Império, pois a Amazônia não possuía fronteiras definidas.545 A preocupação em delinear o território não está dissociada da necessidade de conhecimento do que aquela região poderia oferecer em termos de riqueza natural. Uma das observações de Gama Abreu era a miséria da população do interior, cuja evidência certamente tem em seu discurso relação com o incentivo à instalação de um avultado comércio que pudesse melhorar a vida desses habitantes. As pessoas do interior, segundo ele, viviam doentes não simplesmente pelas condições da natureza, mas por falta de iniciativa dos próprios habitantes em procurar melhores condições de moradia e de higiene. Era preciso, segundo ele, mudar o comportamento dessas gentes. Um exemplo disso é a descrição da moradia dessas pessoas: “Estabelecem elas moradas que realizam no dito poeta, omnis ventis aperta, colocam-nas à beira do rio sobre o espaço que na maré cheia é invadido pela água, e que na maré vazia como o calor, é um vasto local em que se determinam fermentações pútridas de matérias orgânicas de origem vegetal e animal [...] O costume de procurar habitar a margem do rio, sobre ele até se é possível, é inerente a toda a nossa gente do interior, especialmente aos que tem sangue

índio.”546

544 MARAJÓ, Barão. As regiões amazônicas. Estudos Corográficos dos Estados do Grão-Pará e Amazonas. 2ª. edição. Belém: Secretaria de Estado da Cultura, 1992. p. 6. 545 A Província do O Grão-Pará, segundo Gama Abreu, limitava-se ao norte com as repúblicas de Nova Granada e Venezuela e Guiana Inglesa, ao sudeste com a Bolívia, ao leste com a província do Mato-Grosso e ao oeste com o Peru. Cf: Ibid. p. 7. 546 Ibid. p. 33. 189

O problema do isolamento desses povos na Amazônia seria solucionado, segundo Gama Abreu, com a abertura do Amazonas à navegação estrangeira e com o incentivo dos governos.547 Embora já houvesse muito trânsito de vapores no “grande-rio”, era preciso, segundo Gama Abreu, que o fluxo e o estabelecimento de companhias nacionais e estrangeiras aumentassem.548 Assim como a navegação, as vias férreas também deveriam ser construídas, a fim de facilitar ainda mais o escoamento dos produtos.549 A linguagem de Gama Abreu, quando disserta sobre o rio Amazonas é sempre hiperbólica, procurando evidenciar a potência de navegabilidade, assim como de integração territorial que oferece.550 Era na região do alto Purus que existia o maior número de seringueiras, tornando esse lugar ainda mais importante nos projetos provinciais e nos discursos dos partidos políticos. Gama Abreu também apontava a existência de grupos indígenas por todo o vale amazônico e que seriam beneficiados com o fomento comercial. Entre os benefícios estaria a criação de escolas, permitindo aos índios a convivência social.551

547 As iniciativas do governo mais comemoradas por Gama Abreu foram as publicações dos decretos 1037 de 30 de agosto de 1852 e o documento 3920. O primeiro marcou a criação da Companhia de Navegação e a Companhia do Amazonas e o segundo oficializava a abertura do rio Amazonas às nações estrangeiras. Após essa abertura era comum o tráfego de vapores ingleses como Booth Line e Red Cross Line nas águas do “Grande-Rio”. Cf: Ibid. p. 380, 381. 548 Ibid. p. 46. 549 Gama Abreu argumenta a importância da construção de um via férrea que ligasse as terras da Bolívia aos portos da Amazônia. Essa via era a madeira- mamoré, cuja facilidade do transporte de produtos poderia elevar, segundo ele, a condição econômica dessa parte da Amazônia. Além dessa linha, o autor falava da construção de outra ferrovia na região do Tocantins, onde as cachoeiras tornavam a navegação muito difícil. Cf: Ibid. p. 163, 202. 550 As descrições da extensão do rio, assim como das terras amazônicas são repetidas muitas vezes por Gama Abreu, o que reforça a propaganda do comércio regional. Cf: Ibid. p. 47. 551 Gama Abreu afirmava que os índios possuíam comportamentos estranhos, mas os relatos não só os considerava exóticos como também criavam mitos cujas histórias eram difíceis de acreditar. Em um desses relatos, há descrições de casamentos entre índias e macacos. Segundo Castelnau, “perto de Fonte-Boa [...] tendo visto um enorme coatá [macaco-grande] em casa de uma índia, lhe o quisera comprar, mas que ela recusou rindo às gargalhadas, e que outra índia lhe dissera: ‘Não teime que ela não o vende, que é o seu marido [...]” Ver: Ibid. p. 89. 190

Já analisamos os relatórios de presidente de província e percebemos que Gama Abreu acreditava na introdução da mão-de-obra estrangeira para a formação tanto de colônias agrícolas, quanto para o trabalho nas estradas de seringa. Ora, em quase todas as passagens do livro referido, Gama Abreu descreve um número enorme de tribos indígenas que habitavam nas margens do rio Amazonas e seus afluentes, mas em nenhum momento o autor aconselha o uso dessa mão-de-obra como a melhor via para suprir a escassez de trabalhadores nas várias atividades da região. Gama Abreu avalia a entrada de cearenses, em 1879, na região do Madeira e do Purus como um processo que levaria à violência por riqueza e por estradas de seringa, isso porque os cearenses que vinham habitar a Amazônia eram considerados da pior estirpe.552 As cidades de Belém e Manaus, segundo Gama Abreu, ganharam fôlego administrativo, urbano, arquitetônico, cultural após o incentivo do comércio e a abertura do rio Amazonas à navegação estrangeira. Belém, em particular, não era mais a mesma de 1852, após vinte anos possuía paralelepípedos, fontes públicas, um belo cais, estradas e ruas, ou seja, era uma cidade transformada. Novas casas comerciais estrangeiras eram fundadas e tudo isso demonstrava o acúmulo de fortunas na cidade, levando ao crescimento urbano acelerado.553 Gama Abreu, embora seja um nome perdido entre outros no cenário nacional, em Belém e Manaus era bastante conhecido, tanto que a bibliografia sobre a Amazônia sempre faz alguma referência a seus projetos e conflitos com D. Macedo Costa e de suas ações como político. Os ofícios enviados por Gama Abreu à irmandade de Nazaré criticando D. Macedo Costa não deixam dúvidas sobre seu envolvimento com a maçonaria. Mas, apesar da importância desse fato, o que mais nos chamou a atenção foram os projetos partidários e filosóficos dos liberais não só do Grão-Pará, como também de outras partes do Império.

552 Ibid. p. 131. 553 Ibid. p. 385,388. 191

Outro nome importante a ser ressaltado é o de Aureliano Cândido de

Tavares Bastos,554 que embora tenha falecido com 36 anos, em Paris, deixou livros555 consagrados na literatura nacional sobre como o liberalismo se constituía no Brasil e os projetos de desenvolvimento, que afetavam o pensamento tido como conservador da Igreja Católica, representada por bispos de tendência “ultramontana”. Tal como Gama Abreu, os livros de T. Bastos reúnem idéias já divulgadas em sua atividade política, assim como no Correio Mercantil, periódico do Rio de Janeiro. Segundo Oscar Tenório, T. Bastos acreditava que divulgando suas idéias nos periódicos, com linguagem mais sintetizada, alcançaria um público maior, o que não ocorria com os livros. Entretanto, a escrita técnica utilizada pelo autor e as análises geológicas, hidrográficas e legais apresentadas em seus livros, nos permitem dizer que os leitores precisavam de algum conhecimento para entender suas idéias, o que nos força acreditar que havia um público alvo escolhido. Os livros de T. Bastos representam um importante legado liberal no Brasil e certamente foram escritos para políticos e letrados. Mas, não é o liberalismo, como base filosófica nossa preocupação aqui, e sim entender um contra discurso católico e o embate de idéias entre projetos diferentes de sociedade. Além de defender a imigração estrangeira, especialmente à americana, alemã e suíça; a liberdade de

554 Tavares Bastos nasceu em Alagoas em 1839, era filho de um magistrado e tal como o pai envolveu-se completamente na carreira política. Além disso, mostrou ser um hábil escritor, tendo deixado livros, nos quais discutia os caminhos do progresso brasileiro. Foi para o Recife e em 1854 para estudar Direito, mas concluiu o curso em São Paulo. Ainda de acordo com Oscar Tenório “A livre navegação do rio-mar foi por ele debatida a partir de 1862, no Correio Mercantil, donde saíram para a condensação do livro Cartas do Solitário. A Província foi estudo sobre a descentralização no Brasil, publicado em 1870. É um livro de acentuada concepção jurídica, mas ligado à política, à crítica política, à realidade política e ao realismo político. Com Os males do presente e as esperanças do futuro, de 1861 temos um inventário da atividade maior de Tavares Bastos como escritor. O vale do Amazonas traduz o melhor na bibliografia de Tavares Bastos, como expressão do pensamento de uma época, no sentido nacional e internacional.” Cf: TENÓRIO, Oscar. Prefácio. In: BASTOS, Tavares. O vale do Amazonas. A livre navegação do Amazonas, estatística, produções, comércio, questões fiscais do vale do Amazonas. 3ª. edição. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1975. 555 Não estabeleceremos uma análise cronológica da obra deste autor, mas um estudo que atenda aos requisitos temáticos. 192

consciência; a tolerância religiosa; a abertura dos grandes rios brasileiros à navegação estrangeira; a descentralização política e maior poder às províncias; a adoção do casamento civil e a tolerância religiosa, T. Bastos propagava também o protestantismo no Brasil, o que o tornava uma voz perigosa para D. Macedo Costa. “Esse mais chegado dos amigos brasileiros de Fletcher, Tavares Bastos, posteriormente tornou-se um grande paladino do protestantismo, um dos mais ardorosos defensores das causas protestantes e sempre leal amigo dos missionários protestantes americanos.”556 Passemos à análise de algumas idéias de T. Bastos mencionadas acima, com o objetivo de entendermos os pontos de seu pensamento em favor de projetos contrários aos de D. Macedo Costa. Na visão de Oscar Tenório, o livro O Vale do Amazonas expressa o resultado de experiências vividas nas viagens pela Amazônia, enquanto que o livro A

Província é “de reflexão”.557 Essa divisão não parece satisfatória, embora T. Bastos tenha dito que escreveu passagens do primeiro livro supra citado, quando fazia uma viagem no vapor Yacamiaba da Companhia de Navegação do Amazonas. “Resolvi partir, viajando como simples cidadão, sem caráter algum oficial, como turista, como entusiasta sincero da natureza americana, em cujos desertos e à sombra de cujas florestas o espírito agitado repousa das fadigas e liberta-se das tristezas, onde o espetáculo da criação apura sentimentos varonis do homem [...].”558 Embora a abertura do rio Amazonas fosse o tema por excelência do livro O Vale do Amazonas, outros assuntos como instrução, secularização do casamento e imigração de norte americanos, alemães e suíços chamam a atenção, pois eram pontos de discórdia entre o

556 VIEIRA, David Gueiros. Op. Cit. p. 95. 557 TENÓRIO, Oscar. [Prefácio]. In: BASTOS, Tavares. O Vale do Amazonas. A livre navegação do Amazonas, estatística, produções, comércio, questões fiscais do vale do Amazonas. 3ª. edição. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1975. p. 11. 558 BASTOS, Tavares. O Vale do Amazonas. A livre navegação do Amazonas, estatística, produções, comércio, questões fiscais do vale do Amazonas. 3ª. edição. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1975. p. 29. 193

pensamento de T. Bastos e os chamados ideais de sociedade de D. Macedo Costa. Uma longa descrição da hidrografia, acompanhada por um estudo minucioso da topografia da Amazônia, como também das fronteiras com outros países e províncias são os assuntos que o leitor de T. Bastos encontrará nesse livro, além, é claro, de uma enumeração não menos detalhada das riquezas possíveis dessa região.559 A defesa da abertura do Amazonas à navegação estrangeira,560 a exploração de empresas particulares no vale do Amazonas estão relacionados a programas de desenvolvimento pautados no progresso da “civilização”. Ao lado disso, a instrução laica, menos erudita e mais técnica comporia o recheio necessário ao avanço de população mergulhada “nas trevas” e nas “superstições”. A abertura do grande-rio aos vapores estrangeiros, aliada a uma política de imigração séria que trouxesse para núcleos coloniais povos caucasianos poderia elevar os povos da Amazônia à condição de civilizada. “Esta população é, na maior parte, semibárbara. Os seus hábitos, os seus costumes, as suas indústrias, própria língua (pois que em muitos dos povoados a língua geral ou tupi é a única conhecida), denunciam a raça aborígene ainda não transformada pelo contato com os europeus.”561

559 Os estudos de T. Bastos sobre a possibilidade de os grandes rios brasileiros servirem ao capitalismo internacional e ao estreitamento das relações comerciais com outros países da América Latina já eram publicados no jornal O Correio Mercantil e depois no livro Cartas de um Solitário, de 1862, portanto, o interesse do autor é bem anterior à publicação de O Vale do Amazonas. 560 Em O Vale do Amazonas, T. Bastos deixa clara a relação entre a abertura do rio Amazonas ao comércio internacional como uma medida necessária à civilização do Brasil. Ele publicou o decreto tão sonhado, ou seja, o de 7 de dezembro de 1866 que permitiu a livre circulação no Amazonas dos vapores estrangeiros. Eis um trecho deste decreto: “No intuito de promover o engrandecimento do Império, facilitando cada vez mais as suas relações internacionais, e animando a navegação e o comércio do rio Amazonas e seus afluentes, dos rios Tocantins e São Francisco, ouvido o meu Conselho de Estado, hei por bem decretar o seguinte: Art. 1. Ficará aberta, desde o dia 7 de setembro de 1867, aos navios mercantes de todas as nações a navegação do rio Amazonas até a fronteira do Brasil, do rio Tocantins até Cametá, do Tapajós até Santarém, do Madeira até Borba e do rio Negro até Manaus.” Cf: BASTOS, Tavares. Op. Cit. p. 25. 561 Ibid. p. 94, 119. Um exemplo de prosperidade evidenciada por T. Bastos era a experiência de imigração norte-americana em Santarém, onde os imigrantes 194

Além do convívio com povos brancos e civilizados, também há no livro O Vale do Amazonas o incentivo à instrução pública e particular. Não era a instrução erudita, filosófica e mesmo moral proposta por D. Macedo Costa como vimos anteriormente, mas um tipo de intervenção escolar definido como ensino profissionalizante, inspirado nas experiências norte-americanas. “Instrução elementar, instrução popular, instrução leiga, instrução profissional, isto é, ensino útil sem latim, sem retórica, sem clericalismo, mas abundante de noções práticas e de conhecimentos físicos – eis a alavanca do nosso progresso.”562 Segundo T. Bastos a maior parte da população Amazônica era formada por índios, povos que durante muito tempo só conheceram a espoliação do legado português de outrora e de uma convivência ainda pior com diretores corruptos, missionários indolentes e comerciantes ambiciosos. Vários eram os programas de atuação junto ao índio, entre os quais a formação de novas missões dirigidas por bispos que, para T. Bastos era um sistema sem sucesso. A catequese não era vista com bons olhos, por exemplo, nos Estados Unidos e na Argentina, e ela seria um retrocesso para os povos da Amazônia e de outras províncias.563 Sobre este assunto, podemos ver, com clareza, o argumento deste autor sobre a ação catequética como um projeto fadado à decadência:

Demais, o estado do clero no Amazonas excita ardentes queixas. Que pessoal! Que ignorância! Que depravação! Está a instrução pública geralmente confiada aos vigários na província do Alto Amazonas; entretanto, o que é essa instrução? Pelo que observei, nada poderia depor mais contra a incúria e a incapacidade dos padres. Se isto, que não é serviço penoso, e é remunerado pelos cofres provinciais, não prósperas, o que se há de esperar da catequese nas brenhas? Contemplai o aspecto dessas miseráveis palhoças, a que na maior parte das povoações do Amazonas se chamam Igrejas; elas ostentam a incapacidade do clero e a ausência do sentimento religioso; se há igrejas, é preciso que as venham construir engenheiros oficiais com dinheiro dos cofres. Se a religião é assim nos centros de população cristã, o que poderá ser nos desertos, nas florestas entre o teriam feito às terras produzirem e prosperarem. Com perspicácia e exemplos como esse, o autor reforçava a importância desse tipo de colonização. 562 Ibid. p. 140. 563 Ibid. p. 205. 195

gentio? No próprio litoral do Amazonas, nas vizinhanças das capitais, que tarefa e que seara para o clero inteligente e honesto, para essa plêiade de jovens sacerdotes que o venerável atual prelado, porventura desenganado dos padres que encontrou, procura formar no rigor da disciplina, em Roma e nos seminários do Pará e Manaus! Mas recordai-vos daquele clima ardente, daquela geral dissolução de costumes, daquela moléstia endêmica da concupiscência, da estúpida inocência daquelas mestiças e índias, da embriaguez, do trabalho comum na pesca, das festas e pagodes de aldeia [...] Ponde no meio desses costumes, que o hábito não considera escandaloso, um sacerdote, um jovem, um filho dessa sociedade pouco severa, e dizei se o celibato resiste às [paixões] alvorotadas pelo espetáculo do escândalo.564

O índio, com menos chance que o mestiço e o europeu, portanto, longe dos seus algozes, poderia servir como instrumento ao comércio regional e promover o progresso. Mas, para isso, era necessária a depuração das raças, a diminuição da influência étnica do índio puro e o aumento de povos mestiços, especialmente os obtidos pelo cruzamento dos mestiços amazônicos com povos caucasianos.565 O desaparecimento do “índio puro” era uma questão de tempo. A sua descendência haveria de ser mais dócil, mais vivaz e mais inclinada à “civilização”. Segundo T. Bastos, a população mestiça era a esperança de desenvolvimento da Amazônia. Assim, tal como José Veríssimo, T. Bastos reconhece o branqueamento racial como uma variável importante no progresso brasileiro. “Renunciemos francamente ao regime forçado; chegaremos mais depressa a um resultado melhor pela liberdade de comércio, pelo cruzamento das raças, pela boa administração, pela moralidade dos padres e dos funcionários civis.”566 Não era o sacerdote o emissário ideal do aperfeiçoamento dos “rudes” homens da Amazônia, mas a moeda e o vapor. Numa carta escrita por T. Bastos supostamente quando este fazia uma viagem pelo “grande-

564 Ibid. p. 206. 565 T. Bastos recomendava que os imigrantes se estabelecessem em regiões férteis como terras próximas a igarapés, lugares mais altos, em bacias dos lagos interiores, nos cursos dos afluentes, onde os terrenos eram menos inundados como nas margens dos grandes rios, lugares onde também se estabelecem as populações indígenas. Cf: Ibid. p. 213. 566 Ibid. p. 206. 196

rio”, deixa claro que a via possível de progresso naquelas terras estava na abertura do comércio aos países estrangeiros. A moeda e o vapor como meios de “civilização” eram, na verdade, o comércio e o trânsito dos povos “civilizados” nesses rios. Não está evidente no documento, para quem T. Bastos escrevia, mas qualquer um que o lesse saberia dos seus objetivos, se conhecesse o projeto maior desse político e escritor. O texto começa num tom pessimista, mostrando o quanto a Amazônia teria dificuldades em se transformar em terra próspera, mas no fim da carta o autor delega ao comércio e ao incentivo à navegação os caminhos possíveis de recuperação econômica, social e moral dos povos nessa parte do Império. Abaixo transcreveremos alguns trechos dessa carta, que reúne imagens de decadência e esperança:

Dir-se-ia, ao contemplar essas aldeias e essas cabanas semi- selvagens, todas vestidas da cor tristonha do limo do rio ou das ramas secas da floresta; dir-se-ia, estudando na fronte bronzeada de homens quase primitivos a ausência dessa alegria da esperança, que é para os povos em marcha o distintivo do progresso, como o riso nos lábios é, na frase do Dante, o principal característico do homem: dir-se-ia, aproximando na fantasia a imagem de umas e de outros, que assistimos aqui à decadência de um mundo antigo, ou que fazemos agora a escavação de ruínas nas noites do tempo. [...] Não! Desiludidos acerca dos recursos eficazes da nossa idade, nós devemos esperar da melhor satisfação das necessidades do corpo o aperfeiçoamento das faculdades do espírito [...] O vapor e a moeda levam hoje materializados o selo e o cunho das obras maravilhosas da civilização. São os primeiros instrumentos com que o espírito do século derruba as florestas primitivas da ignorância dos povos bárbaros: e, assim como a foice e o machado desembaraçam o terreno que o arado virá aproveitar, assim os dois grandes instrumentos atuais do comércio abrem o caminho à palavra sagrada do sacerdote, à flama ardente do jornalista, às máximas severas do filósofo e às variadas combinações do estadista.567

567 Ibid. p. 217, 224. Além da abertura do rio Amazonas à navegação estrangeira, T. Bastos propôs outros incentivos igualmente importantes: aproximar os mercados brasileiros e estrangeiros por meio de um sistema telegráfico transatlântico; criar e prolongar estradas de ferro; melhorar o transporte fluvial eram medidas necessárias ao progresso da região norte do país. 197

T. Bastos afirmava que o ensino, do modo como foi adotado na história do Brasil, comprometeu o avanço da instrução em particular e da sociedade em geral, uma vez que estava a cargo de jesuítas. Segundo ele, a origem dos males da sociedade brasileira não estava em erros recentes, mas em muitos séculos anteriores na história de Portugal, no fim da sociedade cavalheiresca e na emergência de uma nobreza indolente; na ignorância e brutalidade do clero com a máquina inquisitorial; na perseguição aos hebreus.568 Por inferência, a escravidão e a redução dos índios em aldeamentos são episódios relembrados aqui e ali pelo autor como degradantes para o desenvolvimento social e econômico do país.569 A adoção do ensino particular e técnico que ajudasse a formar cidadãos preparados para diversas atividades de trabalho, a proposta da formação de grupos de trabalhadores organizados, de núcleos de imigrantes voltados à atividade agrícola, enfim, eram formas de recuperar a história “degradante” da instrução. Nesse caso, T. Bastos propõe a intervenção do governo no assunto referente à instrução pública a fim de possibilitar uma reversão rápida, já que o Brasil como sociedade atrasada em sua visão não contaria com investimentos particulares para esses fins.570 “Todos os esforços no sentido de combater a ignorância e a rudeza do povo, estacam diante da questão financeira; porquanto é preciso convier nisto: - não há sistema de instrução eficaz sem dispêndio de muito dinheiro.”571 Como a vida brasileira, na sua maior parte, acontecia no espaço rural, T. Bastos recomendava investimentos nessa área a fim de elevar potencialidades naturais. Nesse sentido, os homens deveriam possuir

568 BASTOS, Tavares. Os males do presente e as esperanças do futuro. 2ª. edição. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1976. p. 29. 569 BASTOS, Tavares. A província. Estudo sobre a descentralização do Brasil. 3ª. edição. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1975. p. 146. Em Os males do presente e as esperanças do futuro T. Bastos afirma que a escravatura foi um legado triste para a sociedade brasileira. Cf: BASTOS, Tavares. Os males do presente e as esperanças do futuro. p. 58. 570 BASTOS, Tavares. A província. Estudo sobre a descentralização do Brasil. p. 149. 571 Ibid. p. 151. 198

noções de lavoura, horticultura, agrimensura. Deveriam aprender princípios de química agrícola e história natural e as mulheres de economia doméstica.572 Outra recomendação de T. Bastos era o fechamento de conventos, irmandades, confrarias que, segundo ele, só contribuíam para restringir as liberdades individuais. Enquanto D. Macedo Costa apostava na higienização e intelectualização do clero, na reforma de conventos e agremiações que expandissem as doutrinas da Igreja Romana, T. Bastos queria o fim dessas instituições, prevendo seu esfacelamento diante das exigências da vida moderna.573 Essa mesma vida moderna, na visão do autor, não poderia mais conviver com formas religiosas “fanáticas”; com privilégios exclusivos a um culto; com cargos políticos e jurídicos direcionados por sacerdotes; com juramento religioso na colação de graus científicos; com casamentos permitidos apenas pelo Catolicismo, em suma, com idéias “ultramontanas” e

“vaticanistas”.574 Além de T. Bastos, Joaquim Saldanha Marinho, que utilizava o pseudônimo de Ganganelli, defendia uma sociedade regida pelo racionalismo,575 seus textos foram primeiramente publicados na forma de artigos no Jornal do Comércio e depois trazidos na forma de livro intitulado A Igreja e o Estado. Nesses textos, a sociedade brasileira estaria caminhando para uma inevitável secularização. Tal como Gama Abreu e T. Bastos, Saldanha Marinho era maçom. Manteve-se atrelado ao Partido Liberal, mas a partir de 1870, passou a defender idéias republicanas. Lutava por uma sociedade afastada da influência clerical

572 Ibid. p. 156. 573 Ibid. p. 179. Buscando apoio em M. Mouls, Ganganelli também dizia que as instituições clericais e mesmo as leigas com caráter religioso deveriam ser extintas, uma vez que eram consideradas depósito de parasitas e vermes roedores da sociedade em nome do Papa. Cf: MARINHO, Joaquim Saldanha. A Igreja e o Estado. Rio de Janeiro: Tip. Imp. Et. de J. C. de Villeneuve, 1873. p. 413. 574 Ibid. Loc. Cit. 575 Segundo Alexandre M. Barata, Saldanha Marinho adotou o pseudônimo Ganganelli em referência ao Papa Clemente XIV (1705-1774) que dissolveu a Ordem Jesuítica. Cf: BARATA, A. M. Luzes e Sombras. p. 98. 199

e de governos que ele chamava absolutistas. O livro de Ganganelli, citado acima, é o objeto de nossa análise a seguir, principalmente, nos pontos em que há a discussão sobre os pressupostos já defendidos por Gama Abreu e T. Bastos. Ganganelli, assim como Gama Abreu e T. Bastos, formou-se em Direito e exerceu cargos públicos em várias oportunidades. A publicação do livro de Ganganelli, em 1873, define a preocupação do autor por frear os objetivos da chamada “Internacional Negra”, representada no Brasil por bispos como D. Macedo Costa, D. Vital, D. Viçoso, D. Maria Lacerda. O livro é extenso e prolixo, talvez porque se trata de uma reunião de artigos publicados em periódico. A obra de Ganganelli traz dois temas principais: a crítica à infalibilidade papal e a busca pela liberdade consciência. O discurso de Ganganelli ora é legalista e ora fatalista, ou seja, embora acreditasse no progresso direcionado pela ciência e pela razão, temas caros ao Liberalismo, ele afirmava que havia uma súcia internacional, liderada pelo Papa Pio IX, cujo objetivo era exterminar os maçons, os liberais e toda a ordem do chamado pensamento moderno. Assim, o Concílio de Trento, o Concílio do Vaticano I e ainda as bulas e encíclicas expedidas a partir desses foros penetraram na sociedade brasileira e estavam sendo executadas por padres, sem a devida autorização do Império, conferida pelo beneplácito régio.576 Segundo ele, tais bulas e encíclicas traziam conteúdos que inflamavam os bispos contra os maçons e a autoridade do poder temporal. A discussão sobre o placet régio ou beneplácito aos documentos clericais que circulavam no Brasil abre a questão dos limites demarcados das autoridades temporal e espiritual. A atitude dos bispos em relação aos maçons nas irmandades foi tomada como ponto inicial da discussão de

576 Ganganelli lembrou que desde o período em que o Brasil ainda era uma Colônia, especialmente no governo de Pombal, havia bulas que não puderam circular em território português, como exemplo, ele citou a Apostolicum Pascendi, reprovada em 1765 e a Animarum Saluti, reprovada em 1767. A atitude de Pombal, louvada por Ganganelli, deveria ser retomada como exemplo no Império brasileiro. Cf: MARINHO, Joaquim Saldanha. A Igreja e o Estado. Rio de Janeiro: Tip. Imp. Et. de J. C. de Villeneuve, 1873. p. 16. 200

autoridade política.577 Ganganelli retomou essa discussão, dizendo que os bispos teriam ferido não só a Constituição do Império, como também a soberania nacional.578 O texto constitucional estava sendo substituído, segundo o autor, pelas letras do Syllabus de Pio IX, que entre outras coisas negava a supremacia do poder temporal sobre o espiritual.579 A memória da Igreja Católica retomada por Ganganelli é a da instituição ambiciosa, cercada por sacerdotes corruptos.580 Nos tempos modernos, o Estado não necessitava mais manter a união com a Igreja, pois, segundo Ganganelli, esta estava fadada a desaparecer: “A época

577 É importante lembrar que o período ao qual se referia Ganganelli, a Igreja Católica estava em luta, na Itália, contra o avanço liberal, inflamando a discussão sobre a autoridade papal. O Concílio Vaticano I (1869/70) determinou a autoridade suprema do Papa frente a qualquer governo temporal, ou seja, a infalibilidade do pontífice tornou-se não apenas um anseio ou uma discussão, mas um cânon, complicando a situação do poder temporal em seus países no controle ao clero. 578 MARINHO, Joaquim Saldanha. Op. Cit. p. 23 passim. Na Constituição do Império, em seu Art. 102, § 14 está escrito: “Conceder ou negar o beneplácito aos decretos dos concílios e letras apostólicas e quaisquer outras constituições eclesiásticas que se não opuserem à Constituição e precedendo aprovação da Assembléia se contiverem disposição geral.” Cf: BONAVIDES, Paulo & AMARAL, Roberto. Textos políticos da História do Brasil. Brasília: Publicação do Senado Federal, vol. 8, 1996. p. 184. 579 MARINHO, Joaquim Saldanha. A Igreja e o Estado. p. 141. 580 Em vários trechos da obra de Ganganelli há referência sobre “erros” cometidos pela Igreja Católica, mas o documento sobre a venda de indulgências do Papa Leão X foi lembrado com detalhes. Para cada pecado ou falta havia um pagamento em tornesas, assim, o incesto, o homicídio, o adultério poderiam ser absolvidos mediante uma quantia determinada. Cf: MARINHO, Joaquim Saldanha. Ibid. p. 197. Em outro momento do texto, Ganganelli relaciona as supostas ações de vários epíscopos no passado a fim de mostrar a incongruência em se conceder infalibilidade a indivíduos que ele considerava totalmente falíveis. “Os pontos culminantes desse chamado sucessores de S. Pedro, diz um historiador ilustrado, são: Gregório I que incendiou as bibliotecas de Omar; Gregório VII que destruiu a metade de Roma; Inocêncio III que fundou a inquisição; Alexandre III que traiu a liga lombarda, Bonifácio IX que aniquilou a liberdade municipal de Roma de Pio VI a de Bolonha, Eugenio IV que fez a guerra a liga dos príncipes italianos contra o estrangeiro; Nicolau V que criou os direitos da casa de Habsbourg sobre a Itália; Alexandre VI que decretou a censura dos livros; Julio II que formou a liga de Cambraia contra Veneza, Clemente VII que destruiu a republica florentina; Paulo III que autorizou a constituição dos Jesuítas: Pio V que encheu a Europa de fogueiras; Paulo V que atentou contra a existência de Veneza; Urbano VIII que torturou Gallileu; Pio IX, enfim, que outorgou a carta católica à civilização pelo seu Syllabus.” Cf: MARINHO, Joaquim Saldanha. Ibid. p. 170. 201

não comporta cruzes. A razão impera a despeito de quantos esforços se lhe oponham. O confessionário prostituto perdeu para sempre o seu império absoluto.”581 Segundo Ganganelli, a Igreja Católica estava dissociada do “verdadeiro Cristianismo” iniciado com o Cristo.582 “Não se engane o povo: não confunda Cristo com o Papa. Lembre-se que o anjo mau foi precipitado no abismo por ter querido elevar-se até o criador.”583 Ganganelli, como chefe de uma das lojas maçônicas, a da rua dos Beneditinos e como político ligado ao Partido Liberal, entendia as acusações e perseguições dos “ultramontanos” como ações vazias e sem motivo. Para ele, a maçonaria tinha um papel mais social que político, o que denota a influência francesa dessa tendência.584 A idéia de caridade fazia parte dos pressupostos maçônicos, isso a aproximava do Cristianismo como filosofia. “Por ter a maçonaria fins especiais, conforme a sua instituição, como seja o exercício da caridade, a propagação das luzes, o socorro mútuo, não se segue que seja anticristã; pelo contrário, se conforma ela com os preceitos do Divino

Mestre.”585 Assim, o ultramontanismo para Ganganelli era uma grande conspiração clerical ideológico-política, cuja bandeira se caracterizava pela desobediência aos governos, pela crítica à modernidade, pela restrição a liberdade de consciência e, portanto, pelo impedimento ao progresso da humanidade. “Os padres mais hábeis na arte de enganar e de seduzir estão disseminados já neste país, e alguns deles, investidos de altas dignidades na Igreja.”586 Tal como a investida inquisitorial no passado contra hereges e bruxas, o avanço do pensamento “ultramontano” impedia, desse modo, a concretização de vários projetos defendidos pelos liberais-maçons para a sociedade brasileira. Nos jornais, ofícios e relatórios os liberais propunham a imigração anglo-saxão de

581 Ibid. p. 10. 582 Ibid. p. 25. 583 Ibid. p. 382. As dissociações entre Religião e Igreja Católica, entre Cristo e Catolicismo foi evidenciada em vários momentos desta obra. 584 BARATA, A. M. Op. Cit. p. 66. 585 MARINHO, Joaquim Saldanha. Op. Cit. p. 43. 586 Ibid. p. 45. 202

religião protestante; a instrução pública de ordem laica; a adoção do casamento secularizado; a liberdade de expressão e de consciência; a abertura do comércio às nações estrangeiras.587 Assim, é nesse jogo de interesses políticos, religiosos e econômicos que podemos entender as disputas entre liberais-maçons e clérigos no sentido de pensar o devir da humanidade. Os “ultramontanos”, por seu turno, também queriam o progresso e a “civilização”, mas seus princípios eram outros. A modernidade com o incremento técnico, com o evolucionismo biológico, com o aparecimento das indústrias foi integrada, no discurso “ultramontano”, aos planos de Deus.

587 Ibid. p. 28, 169, 219, passim. 203

Considerações finais

Analisando a história da Igreja, na segunda metade do século XIX, compreendemos que alguns de seus membros pensavam não só a conservação de velhos valores, mas a utilização das mudanças de seu tempo para ampliar e consolidar o próprio Catolicismo. A idéia de modernidade não era única e seu significado variava segundo tradições culturais, concepções de mundo, interesses políticos e econômicos. Liberais e “ultramontanos” traziam diferentes idéias de progresso, ciência, fé e razão. Para D. Macedo Costa a modernidade seria uma tensão entre o transitório e a tradição. Não obstante, alguns autores enxergaram o pensamento “ultramontano” como atrasado e conservador, sem importância no contexto das mudanças da segunda metade do século XIX. Entendemos modernidade, tal como Baudelaire,588 numa tensão antitética desafiadora e poética. É nessa linha que o bispo do Grão-Pará entendia modernidade, ou seja, os vultos gregos e teológicos eram recolocados num diálogo com autores que emergiam no debate e discurso moderno. A razão em Tomás de Aquino, a fé e a idéia de revelação em Santo Agostinho eram temas misturados sem a preocupação distintiva do discurso e das questões temporais respectivas a ambos. As memórias paulinas sobre a caridade e a família eram colocadas em diálogo com Fénèlon, Larcodaire, Lamennais, Rousseau entre outros. Os escritos macedistas, portanto, traziam características de modernidade, ou seja, a imprecisão, a fugacidade o amálgama, mas ao mesmo tempo, a certeza de um devir mesmo que sua realização plena estivesse no post mortem. É nesse sentido que pensamos a história intelectual, ou o estudo da

588 Baudelaire fala de uma modernidade cujo significado não pode ser definido a partir de uma escala temporal, porque moderno seria, antes de tudo, uma atitude perante a vida. Nessa perspectiva romântica, a modernidade, para ele, é um jogo entre o fugidio, o transitório e o antigo. Cf:BAUDELAIRE, C. Lê Peintre de la vie moderne in: Ouvres. Paris: Coll. Bibliotèque de la plêiade, 1976. p. 29. 204

produção literária de D. Macedo Costa e de outras personagens do “ultramontanismo”, já que o significado de reforma católica não estava dissociado das relações sociais que se estabeleceram com o desenvolvimento do pensamento moderno. A catequese, a educação da “dona de casa” e dos “desvalidos”, o incentivo às leituras evangélicas, a proibição de romances considerados pervertidos, o desejo de criação das colônias agrícolas com a imigração ou uso de mão-de-obra nacional, enfim, formavam o conjunto necessário ao progresso católico da região. Por outro lado, autores como Gama Abreu, T. Bastos e Ganganelli pensavam numa modernidade mais assentada nos valores próprios do capitalismo industrial. Suas visões de mundo, ainda que pouco evidentes em seus trabalhos de caráter técnico e burocrático, dizem respeito a um tipo de sociedade cujo devir só poderia ser visto na própria vivência material. Ou seja, o ponto de partida desses discursos se fundava na crença do desenvolvimento e aperfeiçoamento social a partir do progresso econômico. Assim, os programas de investimento comercial; a secularização das instituições; a liberdade de consciência; a separação entre os poderes espiritual e temporal e a tolerância religiosa se conectavam a uma visão determinada da sociedade, cujos laços com o antigo deveriam ser rompidos. Mas, o que era o antigo? Era a Igreja Católica, um tipo de governo supostamente despótico em consonância com uma sociedade pautada em relações estritamente rurais e supersticiosas. Nesse sentido, para os liberais a modernidade não combinava com religião. Daí que chamar os bispos de ultramontanos era uma maneira de colocá-los num lugar obsoleto, ou seja, como instituição do passado. D. Macedo Costa, ao contrário do que diziam os liberais, também pensava na melhoria popular da Amazônia, não sob o aspecto do desenvolvimento do comércio ou da exploração das drogas da floresta, mas através da inserção desses povos ao que ele chamava de “civilização católica”. A fim de levar o saber aos povos da Amazônia, o bispo pretendia a construção de um grande navio, cujas dimensões 205

descreveu no livro, Amazônia: meio para desenvolver sua civilização, para a Assembléia Legislativa do Amazonas.589 “Vou falar-vos de um projeto que se liga a este grande porvir da Amazônia; de um projeto que cooperará, em grande parte, para a solução do problema sumariamente momentoso, do problema vital ai se coloca diante de nós, e que cumpre, afinal encarar em face e de animo resoluto: meios de melhorar o estado presente da população do Amazonas.”590 O projeto do qual falava o bispo era o Cristóforo, o navio de Deus. Era um vapor que, equipado com todos os paramentos necessários à instrução religiosa e à realização dos rituais sagrados, percorreria as regiões do Purus e mais acima do rio Amazonas para encontrar populações isoladas e pequenas cidades distantes da sede episcopal. Aqui, vemos como D. Macedo Costa adapta o vapor, que por orientação dos liberais deveria ser utilizado para o comércio, aos propósitos da instrução religiosa e aos serviços episcopais. O Cristóforo deveria, segundo o bispo, auxiliar na catequese dos habitantes de regiões distantes da diocese. Para isso, haveria a necessidade de preparar um corpo especializado de sacerdotes a fim de sair a esta empreitada. “O Cristóforo não vai parar de barraca em barraca, para o serviço religioso de cada família; mas só em certos pontos de antemão determinados, para solenes reuniões de culto.”591 O Navio deveria ser construído por europeus com habilidade e técnica nesse tipo trabalho. Haveria uma parte superior do convés, onde estaria a nave da Igreja, com ornamentos pomposos em seu espaço interior. Os executores deveriam usar as madeiras “de primor e formosas” da própria floresta, fazendo no fundo do convés um altar, com retábulo dourado e com um sacrário igualmente luxuoso. Também haveria, nessa nave, um púlpito, uma pia de batismo, um órgão, assim como alfaias e paramentos para o serviço religioso. Na parte de baixo, haveria um aposento para o bispo e demais quartos para os padres,

589 COSTA, D. Macedo. Amazônia: meio de desenvolver sua civilização. p. 22. 590 Ibid. p. 7, 20. 591 Ibid. p. 65. 206

empregados e a tripulação. “Pela primeira vez, pois, senhores, ver-se- á entre nós o vapor, essa maravilhosa invenção moderna, consagrada exclusivamente ao serviço do Evangelho, levando realmente nosso Senhor e Redentor aos povos que o esperam, isto é, a vida, a luz, a salvação temporal e eterna dos homens.”592 Não era só D. Macedo Costa que via o vapor como o portador do progresso das populações amazônicas, os jornais de cunho liberal escrevia-se sobre ele, às vezes, em forma de poema. No entanto, o progresso a que nos referimos não era espiritual, mas econômico, moral e cultural. Em um desses poemas de J. F. de Azevedo e Silva há referência sobre o que representava a navegação a vapor para o desenvolvimento social, sob um prisma diferente daquele apresentado pelo bispo:

“Corre no vago azul das águas d’este mundo, deixando aberto um sulco iluminado e fundo, uma nau colossal, cheia de Majestade: leva a bordo Catão, Rubens, Descartes, Sócrates e Bellini – a ciência e as artes, o bem e a humanidade! Segue a estrada fatal da fulgida utopia [...]. Newton observa o céu e Cristo o leme volve. E o mar, que em seu lençol o casco todo envolve, sorri ao ver passar a obra gigante, que deixando após si um luminoso rastro, tranquilamente vai, levando no seu mastro a flâmula da idéia! Navega em pleno mar, impertubável, grande, como um livre condor que azas ao sol expande; não há nenhuma lei que lhe retarde o ingresso, não há poder algum para impecer-lhe a estrada: - pelos Papas e Reis anatematizada caminha sem cessar a nave do PROGRESSO!”593

A idéia de modernidade, neste aspecto, se conecta a de progresso e este estava associado ao desenvolvimento moral para os católicos, e econômico para os liberais. T. Bastos, ao falar do vapor e da abertura do rio Amazonas à navegação, como vimos em parágrafos anteriores, estava preocupado com a inserção do Brasil ao capitalismo internacional. Por outro lado, o vapor de D. Macedo Costa, longe de servir à abertura comercial e ao capitalismo, era um meio veloz de

592 Ibid. p. 21, 22. 593 SILVA, J. F. de Azevedo e. “Progresso”. A Província do Pará, 4 de fevereiro de 1877. [p. 2].

207

levar a Boa Nova aos povos da Amazônia. Portanto, a romanização e a “civilização” do Norte seriam realizadas com a ajuda das inovações da modernidade.

I. Bibliografia Fontes a) Manuscritos ARQUIVO PÚBLICO DO PARÁ (APEP). RESIDÊNCIA PAROQUIAL DA VILA DE OEIRAS. 11 DE fevereiro de 1873. Caixas: 310, 349,387. b) Periódicos Biblioteca Pública do Pará (CENTUR). A Estrela do Norte Anos: 1863,64,65

A Província do Pará Ano: 1877.

A Boa Nova Anos: 1871,77,78

A Regeneração Ano: 1873

O Diário do Grão-Pará Ano: 1869

O Liberal do Pará Ano: 1878

Diário de Notícias Ano: 1883. c) Livros e Impressos Alguns dos livros abaixo foram pesquisados no IHGB.

ALMEIDA, Cândido Mendes de. Pronunciamentos Parlamentares. Brasília: Senado Federal, 1982.

208

BASTOS, Tavares. A província. Estudo sobre a descentralização do Brasil. 3ª. edição. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1975.

______. O vale do Amazonas. A livre navegação do Amazonas, estatística, produções, comércio, questões fiscais do vale do Amazonas. 3ª. edição. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1975.

______. Os males do presente e as esperanças do futuro. 2ª. edição. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1976.

Bíblia de Jerusalém. Tradução do texto em língua portuguesa diretamente dos originais. São Paulo: Editora Paulinas, 1973, publicada sob a direção da Ècole Biblique de Jerusalém.

COSTA, D. Antonio de Macedo. Processo e Julgamento do Bispo do Pará pelo Supremo Tribunal de Justiça. Rio de Janeiro: Tipografia Teatral e Comercial, 1874.

______. Carta Pastoral. A razão do actual conflito. Rio de Janeiro: tip. do Apostolo, 1874.

______. O Livro da Família: ou explicação dos deveres domésticos segundo as normas da razão e do Cristianismo, [1879].

______. A Amazônia: meio de desenvolver sua civilização. 3a. edição. Rio de Janeiro: Tip. Leuzinger e Filhos, 1884.

______. A questão religiosa do Brasil perante a Santa Sé ou a Missão Especial a Roma em 1873. Lisboa: Lallemant Fréres, Imp. Lisboa, 1886.

DUMAS FILHO, Alexandre. A Dama das Camélias. Trad. de Therezinha Monteiro Deutisch. São Paulo: Nova Cultural, 2003.

FLAUBERT, Gustave. Madame Bovary. Moeurs de province. Paris: Librarie Générale Française, 1963.

LAMENNAIS, F. R. “Questions Politiques et Philosophiques” apud SABORIT, Ignasi Terradas. Religiosidade na Revolução Francesa. Trad. de Sieni Maria Campos. Rio de Janeiro: Imago Ed, 1989.

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MARAJÓ, José Coelho da Gama Abreu Barão de. As regiões amazônicas: estudos chorographicos dos Estados do Grão Pará e Amazonas. –2 ed. – Belém: SECULT, 1992 (Coleção Lendo o Pará).

209

MARINHO, Joaquim Saldanha. A Igreja e o Estado. Rio de Janeiro: Tip. Imp. Et. de J. C. de Villeneuve, 1873.

NABUCO, Joaquim. Um estadista no Império apud BASTOS, Tavares. O Vale do Amazonas. 3ª. Edição. São Paulo: Companhia Editora Nacional. 1975.

d) Documentos disponíveis em sites

Relatórios de Presidente de Província do Grão-Pará Disponíveis na [World Wide Web: http: //wwwcrl.uchicago.edu, acessado em 2004.>

Relatório com que o Presidente de Província do Grão-Pará Sá e Albuquerque passou a administração da mesma a Fábio Alexandrino de Carvalho Reis em 12 de maio de 1860.

Relatório apresentado à Assembléia Legislativa pelo Presidente da Província do Grão-Pará Francisco Carlos de Araújo Brusque em 1º. de setembro de 1862.

Relatório do Secretário da Província do Grão-Pará Domingos Soares Ferreira Penna Vice-presidente da Província Joáo Maria de Moraes, em 29 de fevereiro de 1864.

Relatório do Secretário da Província do Grão-Pará enviado ao Vice- presidente da Província João Maria de Morais. Impresso na Tipografia de Frederico Rhousard, 1864.

Relatório do Secretário da Província do Grão-Pará: O Tocantins e o Anapu. Impresso na Tipografia de Frederico Rhoussard, 1864.

Relatório com que o Vice-Presidente da Província do Grão-Pará Barão de Arary passou a administração da mesma ao Vice-almirante Joaquim Raymundo de Lamare. Belém: Tipografia de Frederico Rhossard,1867.

Relatório com que o Vice-Almirante e Conselheiro de guerra Joaquim Raymundo de Lamare passou a administração da Província do Grão-Pará a Visconde de Arary, 1o. Vice-Presidente, em 6 de agosto de 1868. Belém: Tip. do Diário do Grão-Pará, 1868.

Relatório com que o Presidente da Província do Grão-Pará Visconde de Arary entregou a administração da Província do Grão-Pará ao 1o. Vice- Presidente cônego Manoel José de Siqueira Mendes, em 29 de setembro de 1868. Belém: Tip. do Diário do Grão-Pará, 1868.

Relatório que o 2º. Vice-Presidente da Província do Grão-Pará Coronel Miguel Antonio Pinto Guimarães dirigiu à Assembléia Legislativa 210

Provincial, no dia 15 de agosto de 1869 por ocasião da abertura da segunda sessão da 16ª legislatura da mesma Assembléia. Belém: Tipografia do Diário do Grão-Pará, 1869.

Relatório com que o Presidente da Província do Grão-Pará Conselheiro José Bento da Cunha Figueiredo entregou a administração ao 2º Vice- presidente Coronel Miguel Antonio Pinto Guimarães. Em 16 de maio de 1869. Belém: Tipografia do Diário do Grão-Pará, 1869.

Relatório apresentado à Assembléia Legislativa Provincial na primeira sessão da 17a. legislativa, pelo quarto Vice-presidente do Grão-Pará Abel Graça. Belém: Tip. do Diário do Grão-Pará, 1870.

Relatório apresentado à Assembléia Legislativa pelo Presidente da Província João Alfredo Correa de Oliveira e com o qual passou a administração da Província do Grão-Pará ao 1º. Vice-Presidente Abel Graça, em 17 de abril de 1870.

Relatório apresentado à Assembléia Legislativa Provincial na segunda sessão da 17a. legislatura, pelo Presidente da Província do Grão-Pará Abel Graça. Belém: Tip. do Diário do Grão-Pará, 1871.

Relatório apresentado à Assembléia Legislativa Provincial na primeira sessão da 18a. legislatura em 15 de fevereiro de 1872 pelo Presidente da Província do Grão-Pará Abel Graça. Belém: Tip. do Diário do Grão- Pará, 1872.

Relatório com que o Presidente da Província do Grão-Pará Domingos José da Cunha Junior passou a administração ao 3º Vice Presidente o Guilherme Francisco Cruz. Em 31 de dezembro de 1873. Belém. Tip. do Diário do Grão-Pará, 1873.

Relatório apresentado à Assembléia Legislativa Provincial na primeira sessão da 19a. legislatura pelo Presidente da Província do Grão-Pará Pedro Vicente de Azevedo em 15 de fevereiro de 1874. Belém: Tip. do Diário do Grão-Pará, 1874.

Relatório apresentado à Assembléia Legislativa Provincial na primeira sessão da 19a. legislatura pelo Presidente da Província do Grão-Pará Pedro Vicente de Azevedo em 15 de fevereiro de 1874. Belém: Tip. do Diário do Grão-Pará, 1874.

Relatório apresentado a Francisco Maria Corrêa de Sá e Benevides pelo Presidente da Província do Grão-Pará Pedro Vicente de Azevedo por ocasião de passar-lhe a administração no dia 17 de janeiro de 1875. Belém: Tip. de F. C. Rhossard, 1875.

Relatório apresentado pelo Presidente da Província do Grão-Pará Francisco Maria Corrêa de Sá e Benevides à Assembléia Legislativa 211

Provincial na sua sessão solene de instalação da 20a. legislatura, no dia 15 de fevereiro de 1876. Belém: Tip. do Diário do Grão-Pará, 1876.

Relatório com que 1º. Vice-Presidente José da Gama Malcher passou a administração do Grão-Pará a João Capistrano Bandeira de Mello Filho em 9 de março de 1878. Belém: Tip. Guttemberg, 1878.

Fala com que o Presidente da Província do Grão-Pará José Joaquim do Carmo abriu a 1a. sessão da 21a. legislatura da Assembléia Legislativa da Província do Grão-Pará em 22 de abril de 1878. Belém: Tip. da Província do Grão-Pará, 1878.

Fala com que o Presidente da Província do Grão-Pará José Coelho da Gama e Abreu abriu a 2a. sessão da 21a. legislatura da Assembléia Legislativa da Província do Grão-Pará em 16 de junho de 1879. Belém: Tip. do Liberal do Pará, 1879.

Relatório apresentado pelo Presidente da Província do Grão-Pará José Coelho da Gama e Abreu à Assembléia Legislativa Provincial do Grão- Pará, na sua 1a. sessão da 22a. legislatura, em 15 de fevereiro de 1880. Belém: Tip. do Liberal do Pará, 1880.

Relatório apresentado à Assembléia Legislativa Provincial na 2a. sessão da 22a. legislatura, em 15 de fevereiro de 1881, pelo Presidente da Província do Grão-Pará José Coelho da Gama e Abreu. Belém: Tip. do Diário de Notícias, 1881.

Relatório com que o Presidente da Província do Grão-Pará Manuel Pinto de Souza Dantas Filho passou a administração da Província ao 1o. Vice- presidente José da Gama Malcher. Belém: Tip. do Liberal do Pará, 1882.

Relatório com que o Presidente da Província do Grão-Pará Justino Ferreira Carneiro passou a administração no dia 25 de agosto de 1882 ao Conselheiro João Rodrigues Chaves 1o. Vice-presidente da Província. Belém: Tip. do Comércio do Pará, 1882.

Fala com que o João José Pedro abriu a 1a. sessão da 23a. legislativa da Assembléia da Província do Grão-Pará, em 9 de abril de 1882. Belém: Tip. de Francisco da Costa Junior, 1882.

Relatório que o 1º. Vice-presidente da Província do Grão-Pará João Lourenço Paes de Souza apresentou a Carlos Augusto de Carvalho, em 16 de setembro de 1885. Belém: Tip. de Francisco da Costa Junior, 1885.

Fala com que o Presidente da Província do Grão-Pará Conselheiro Tristão Alencar Araripe abriu a sessão extraordinária da Assembléia Legislativa Provincial no dia 5 de novembro de 1885. Belém: Tip. do Diário de Notícias, 1886.

212

Fala com que o Presidente da Província do Grão-Pará e Conselheiro João Silveira de Souza abriu a 2a. sessão da 24a. legislatura da Assembléia Provincial, em 18 de abril de 1885. Belém: Tip. da Gazeta de Noticias, 1885.

Fala com que o desembargador Joaquim da Costa Barradas abriu a sessão extraordinária da Assembléia Legislativa Provincial do Grão-Pará em 20 de novembro de 1886. Belém: Tip. do Diário de Notícias, 1887.

Fala com que o 1º. Vice-Presidente da Província do Grão-Pará Conselheiro Francisco José Cardoso Junior abriu a 1a. sessão da 26a. legislatura da Assembléia Provincial, no dia 4 de março de 1888. Belém: Tip. do Diário de Notícias, 1888.

Relatório com que o Presidente da Província do Grão-Pará Miguel José d’Almeida Pernambuco passou a administração da mesma ao Vice- presidente da Província João Polycarpo do Santos Campos, em 18 de maio de 1889. Belém: Tip. de A. Frutuoso da Costa, 1889.

Relatório com que o 1o. Vice-presidente da Província do Grão-Pará José de Araujo Roso Danin passou a administração da mesma a Antonio José Ferreira Braga. Belém: Tip. de A. Frutuoso Costa, 1889.

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