Revista Brasileira de Agroecologia Rev. Bras. de Agroecologia. 4(1):29-38 (2009) ISSN: 1980-9735

Raça crioula lageana: percepções em relação às possibilidades de sua exploração na região do planalto catarinense. The crioula lageana breed: perceptions about its exploration possibilities in the region of planalto catarinense (, )

VEIGA, Thiago Felipe1; QUADROS, Sérgio Augusto Ferreira de2; MARTINS, Edison3, IMPROTA, Clóvis Thadeu Rabello4; 1 Centro de Ciências Agrárias - Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis - SC, Brasil, [email protected] ; 2 Departamento de Zootecnia e Desenvolvimento Rural - Centro de Ciências Agrárias - Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis - SC, Brasil, [email protected]; 3 Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina - Epagri, Florianópolis - SC, Brasil, [email protected], 4Companhia Integrada de Desenvolvimento Agrícola de Santa Catarina - CIDASC, Florianópolis - SC, Brasil, [email protected]

RESUMO O trabalho foi desenvolvido na Região do Planalto Catarinense, onde foram entrevistados criadores da raça Crioula Lageana, de outras raças, proprietários de hotéis fazenda e turistas. A metodologia utilizada foi a do discurso do sujeito coletivo (questões abertas) para todos os grupos entrevistados exceto os turistas, aos quais foi aplicado um questionário estruturado (questões fechadas). Concluiu-se que as principais metas dos criadores da raça neste momento são: o desenvolvimento de mercados diferenciados dos produtos da raça e a multiplicação de material genético de qualidade. Em relação aos criadores de outras raças, apurou-se que existe um bom conhecimento em relação à história da raça na região, mas nota-se descrença acerca dela. Quanto ao turismo rural, existe excelente aceitação e expectativa por parte dos proprietários de estabelecimentos de turismo e turistas na utilização da raça no setor. PALAVRAS-CHAVE: potencialidades, raça bovina local, campo nativo.

ABSTRACT The work was developed in the Planalto Catarinense Region (Santa Catarina, Brazil), where interviews were made with Crioula Lageana breeders and farmers that work with other breeds of cattle. Farm Hotel (Countryside Inns) owners and tourist were also submitted to interviews. It was used the method of collective discourse (opened questions) for all the groups, except for the tourist, to whom a structured questionnaire (closed questions) was applied. It was concluded that the main goals for the Crioula Lageana breeders are: the development of specific markets for the breed products e the multiplication of the superior genetic material. In relation to the other breeders it was identified a good knowledge about the history of Crioula Lageana in the region, but some disbelief about in the breed itself. On the rural tourism, there is excellent acceptance and expectation among Farm Hotel owners and tourists in exploring the breed in this activity. KEY WORDS: potentialities, local cattle breed, natural pasture.

Correspondências para: [email protected] Aceito para publicação em 02/04/2009

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Introdução grandes extensões de terra houve substituição Historicamente a economia do Planalto dos campos naturais por reflorestamento, Catarinense foi baseada na pecuária bovina de especialmente de Pinus spp. , ou por lavouras corte em sistemas extensivos, tendo como suporte anuais. os campos naturais. Esta região se caracteriza por Diante desse quadro, a raça Crioula Lageana apresentar solos com pouca profundidade, ácidos se apresenta como importante alternativa para a e pedregosos, e de topografia acidentada. As viabilização da exploração dos campos naturais temperaturas de outono e inverno são baixas, com da região Serrana Catarinense. Esses animais grande incidência de geadas sendo classificada descendem dos bovinos ibéricos chegados ao como clima Cfb. Por apresentar estas Brasil pelos países platinos sob a tutela dos características a produtividade dos campos missionários jesuítas (PIAZZA, 1983). Segundo nativos no período estival é boa ao contrário do Coni (1979), no extremo oriental da América do período hibernal, onde a produção forrageira é Sul os bovinos foram introduzidos pelos jesuítas praticamente interrompida, causando perdas de em suas missões do Alto Uruguai em 1620, e por peso significativas dos rebanhos (QUADROS et al. outras introduções realizadas pelo governador de 1996). Hernandarias, Fernando Arias de Saavedra, em Devido a fatores econômicos o melhoramento 1611 e 1617. de campo nativo com espécies de produção O jesuíta Cristóvão de Mendoza foi quem hibernal é limitado (RITTER & SORRENSON, introduziu o primeiro gado na capitânia Del Rei no 1985). Desta maneira, a utilização de raças ano de 1634, e assim foi fundada a primeira adaptadas e seus cruzamentos pode ser estância missioneira sul riograndense importante alternativa para se obter aumento da (SPALDING, 1953). De acordo com Araújo (1990), produtividade nesses períodos, além de reduzir o gado introduzido pelos missionários jesuítas na custos relacionados à adequação do ambiente campanha riograndense, tinha como objetivo para a manutenção de rebanhos não adaptados principal alimentar os Povos das Missões. (QUADROS, et al. 1996). Com a invasão das Missões jesuítas por volta De acordo com Moraes et al., (1995), a de 1640, grande parte do rebanho foi levado à biodiversidade de espécies campestres região de Franca/SP. Acredita-se, que durante o encontradas no subtrópico brasileiro é impar trajeto muitos animais se desgarraram das tropas sendo poucas as regiões no mundo que se e se embrenharam nas matas do Planalto apresentam semelhantes em diversidade. Mas é Catarinense formando rebanhos. Quando se cada vez mais comum, encontrar os campos iniciou a colonização da Serra Catarinense, os naturais do Planalto Catarinense sendo invadidos colonizadores trouxeram consigo o gado de por outras atividades agrícolas, o que é Franca (Franqueiro), que se cruzou com os extremamente preocupante uma vez que ainda se bovinos locais, e deu origem ao grupamento racial sabe muito pouco sobre sua diversidade, e seu hoje conhecido como Crioula Lageana potencial como agroecossistema. (MARIANTE & CAVALCANTE, 2000). Segundo Córdova et al., (2004), diversos Durante aproximadamente 500 anos a raça foi pesquisadores demonstram preocupação com submetida ao processo de seleção natural neste relação à invasão das áreas de campo nativo pela ambiente. Isto permitiu a expressão de agricultura, que poderiam causar a perda características especificas de adaptação às irreversível de espécies endêmicas. O mesmo condições locais (MARTINS & VEIGA, 2007). autor lembra que no Planalto Catarinense em Segundo Mariante & Cavalcante (2000), a raça

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Crioula Lageana foi por um longo período de de seleção natural ocorrido durante várias tempo o esteio da bovinocultura das regiões dos gerações, estes animais se tornaram adaptados Campos de Cima da Serra do e às condições locais e com isso desenvolveram de Santa Catarina. E até o inicio do século XX, era características que permitem sua sobrevivência a raça que predominava nos Campos da Região mesmo em condições de escassez de alimento, da Serra Catarinense (SPRITZE et al., 2003). amplas variações de temperatura e de umidade, Atualmente a população da raça Crioula além de apresentarem resistência a endo e Lageana gira em torno de 700 animais. Isso fez ectoparasitos e determinadas enfermidades. com que a FAO (Organização das Nações Unidas Devido à grande rusticidade, excelente para Alimentação e Agricultura) a colocasse na fertilidade, e excelentes ganhos por heterose lista de raças em risco de extinção. Essa situação quando cruzados com raças européias e se deve, em grande parte, aos cruzamentos zebuínas, a Crioula Lageana pode ser importante indiscriminados e as importações de raças alternativa na redução de custos de produção, já exóticas realizadas em meados do século XX. A que não são necessárias grandes adaptações do extinção desta raça pode acarretar a perda de ambiente para a criação destes animais o que importantes características de interesse para pode trazer viabilidade para exploração dos produção animal, enquanto sua utilização pode campos naturais e sustentabilidade aos sistemas significar importante alternativa para a pecuária de pastoreio empregados na região serrana moderna, devido sua grande variabilidade catarinense. genética, rusticidade e adaptação às condições Ao considerarmos as condições ambientais ambientais do Planalto Catarinense. vigentes nos sistemas de criação do Planalto Os animais da raça Crioula Lageana, Catarinense cabe lembrar as recomendações de apresentam grande longevidade, não sendo raro Ribeiro & Koger (1997) que afirmam ser mais encontrar fêmeas com mais de quinze anos importante à identificação de genótipos adaptados produzindo. Os terneiros são pequenos ao nascer, para otimizar seu potencial produtivo do que o que facilita o trabalho de parto, mas apresentam alterar o ambiente para utilizar animais que só bom desenvolvimento ponderal até o período da produzam em condições ótimas. desmama. As fêmeas são muito dóceis e Além das características adaptativas da raça possuem excelente habilidade materna Crioula Lageana, há fatores importantes como a (CAMARGO & MARTINS, 2005). mansidão das vacas, sua grande beleza, com De acordo com Ribeiro (1993), em condições chifres longos e a colorida pelagem, juntamente ambientais semelhantes às do Planalto com a grande importância histórica, cultural e Catarinense estes animais apresentam boa preservacionista, uma vez que esta é parte produção leiteira, excelente comportamento integrante do ecossistema campo nativo que pode materno, não apresentam dificuldades de parto e ter sua biodiversidade explorada de maneira os terneiros têm grande adaptação ao meio. racional e em associação com a pecuária sem a Mesmo sem ter sofrido seleção artificial o necessidade de modificações agressivas no crescimento da Crioula Lageana, se compara à ambiente. Estes são potenciais que podem ser raça Charôles em velocidade de crescimento e é utilizados para promoção do turismo rural e superior à , sendo melhor que ambas em desenvolvimento de mercados diferenciados de habilidade materna, quando em condições de produtos do ecossistema campo nativo (carqueja, campos naturais do Planalto Catarinense. marcela, goiaba serrana, pinhão, etc...), dos Segundo Spritze (2001), devido ao processo

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produtos da raça, em especial a carne, e que não sem alternativas pré-estabelecidas), que foram foram explorados em sua plenitude. analisadas segundo a metodologia do discurso do Diante desse contexto o presente trabalho sujeito coletivo (LEFÈVRE & LEFÈVRE, 2005). objetivou identificar as diferentes percepções de Diferentemente dos demais grupos entrevistados, criadores da raça Crioula Lageana, criadores de aos turistas foi aplicado um questionário outras raças, proprietários de estabelecimentos de estruturado, com questões fechadas (Tabela 1). turismo rural e turistas, em relação às Todos os entrevistados que receberam possibilidades de exploração da raça, gerando questionários semi-estruturados tiveram suas informações que contribuam no desenvolvimento entrevistas gravadas em sistema MP3, sendo que de diretrizes que auxiliem na preservação da raça os mesmos autorizaram as gravações, posteriores e do ambiente onde esta se formou e evoluiu. transcrições e publicações por meio de um termo de consentimento. Os depoimentos dos Metodologia entrevistados foram transcritos, organizados, e O presente trabalho foi desenvolvido durante o analisados. A partir daí foram definidas as Idéias período de Agosto à Outubro de 2007, na Região Centrais (IA) dos depoimentos que descrevem do Planalto Sul Catarinense, mais especificamente sinteticamente o sentido de cada discurso nos municípios de Lages, Painel, Ponte Alta e analisado. Em seguida, foram selecionadas as Curitibanos. Expressões-Chave (ECH) dentro de cada Foram realizadas visitas a propriedades de discurso, posteriormente estas formaram os criadores da raça Crioula Lageana, além de Discursos do Sujeito Coletivo (DSC), que foram pecuaristas criadores de outras raças e agrupados de acordo com as IA similares ou estabelecimentos de turismo rural. Nestas visitas complementares. Os DSC foram em seguida utilizou-se do método de pesquisa qualitativa com analisados e discutidos de acordo com as IA às base em entrevistas semi-estruturadas, na forma quais foram associados. Para que fosse possível de questionários com questões abertas (questões desenvolver a metodologia descrita os

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entrevistados foram subdivididos em grupos, Lageana? tendo cada qual um questionário especifico G3 2) Quais as possibilidades o Sr (a) percebe na (Quadro 1). Criadores da raça Crioula Lageana utilização da raça Crioula Lageana na promoção do (G1), criadores de outras raças (G2) proprietários turismo rural da Região? e gestores de estabelecimentos de turismo rural G3 3) Quais as características e produtos da raça o Sr (G3). Os turistas por não terem sido submetidos à (a) acredita que poderiam atrair mais o interesse dos metodologia do DSC não foram incluídos nestes turistas? grupos, e tiveram sua análise realizada de forma G3 4) O que o Sr (a) acha que a ABCCL deve fazer quantitativa (Tabela 1). para facilitar a inserção dos animais no ramo do turismo rural? Quadro 1: Questionários semi-estruturados (questões abertas) aos quais foram submetidos os entrevistados Dentro do grupo 1(G1), foram entrevistados dos grupos G1 (Criadores da Raça Crioula Lageana), cinco criadores e associados da ABCCL G2 (pecuaristas da região de Lages criadores de outras (Associação Brasileira de Criadores da Raça raças) e G3 (Proprietários e administradores de hotéis e Crioula Lageana), dentro de um total de vinte pousadas rurais de Lages). sócios criadores, indicados para a entrevista pela diretoria técnica da ABCCL. Estes criadores foram G1 1) Quais os motivos levaram o Sr (a) optar pela indicados por serem os mais representativos criação da raça Crioula Lageana? dentro da associação, uma vez, que são G1 2) Quais as características o Sr (a) acredita possuir detentores de mais de 80% do rebanho, e a raça Crioula Lageana que a diferencia das demais representam os principais núcleos genéticos de raças criadas na região? onde os demais criadores obtêm ou obtiveram G1 3) Como criador (a) que dificuldades você encontra seus exemplares. O questionário visava identificar na criação da raça Crioula Lageana? as percepções dos entrevistados em relação às G1 4) Como o Sr (a) vê o mercado atual em relação a dificuldades, motivações, perspectivas de raça Crioula Lageana? E como desenvolvê-lo? mercado e possibilidades de exploração da raça G1 5) Quais as ações o Sr (a) acredita que devam ser na região, mais especificamente no turismo rural. tomadas pela ABCCL para facilitar a inserção da raça Do grupo 2 (G2), foram entrevistados seis no ramo do turismo rural? pecuaristas, os quais foram sorteados dentre 20 criadores da região, indicados pelo Sindicato G2 1) O que o Sr (a) conhece sobre a raça Crioula Rural do município de Lages, que segundo este Lageana? último são criadores tradicionais e representativos G2 2) Quais as características o Sr (a) acredita serem dentro do setor e no sindicato. Entre eles, importantes nestes animais? criadores das raças Charolês, Simmental, Angus G2 3) Quais os motivos poderiam levar o Sr (a) a criar e Hereford. Buscou-se identificar o conhecimento os animais da raça Crioula Lageana? destes criadores sobre a raça Crioula Lageana, G2 4) Que tipo de características o Sr (a) busca quando possíveis preconceitos, e as diferentes seleciona um reprodutor? percepções em relação às potencialidades de G2 5) Que opinião o Sr (a) tem em relação a utilização exploração da raça na Região da Serra da raça Crioula Lageana no cruzamento com outras Catarinense. No grupo 3 (G3), realizaram-se raças? quatro entrevistas, todas em hotéis fazenda situados no município de Lages. O questionário G3 1) O que o Sr (a) conhece sobre a raça Crioula objetivou levantar o interesse, possibilidades de

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utilização do gado no setor e o conhecimento de primeira idéia, já que associa a exploração da proprietários destes estabelecimentos acerca da raça à diminuição de custos, especialmente na raça. preparação do ambiente para receber estes Foram também entrevistados onze turistas em animais. E vão ao encontro do observado por dois hotéis fazenda que foram abordados de Ribeiro (1993), que nas condições ambientais do forma aleatória e receberam o questionário para Planalto Catarinense, verificou que a Crioula preenchimento. O questionário era composto por Lageana, mesmo sem ter sofrido seleção artificial, questões estruturadas (fechadas) e tinha como obteve velocidade de crescimento semelhante à objetivo conhecê-los quanto à origem, atividade raça Charolês e superior à raça Nelore. Além disto exercida, faixa etária e motivos de escolherem foi melhor que ambas em habilidade materna, hotéis fazenda como lazer. Além de identificar o características que demonstram a adaptação da grau de interesse dos turistas nas diferentes raça às condições ambientais da região e podem atrações encontradas na Serra Catarinense, por reduzir os custos de produção. Já a terceira idéia meio de pranchas com fotos de atrações típicas vislumbra o potencial de desenvolvimento de da Serra, que foram ordenadas segundo as mercados diferenciados dos produtos da raça, e preferências dos entrevistados, entre elas: neles a possibilidade de valorização de um Cenário com neve (apresentava cenários típicos produto genuinamente nacional e de grande valor da região cobertos com neve), Animais da raça agregado, o que poderia estimular e viabilizar Crioula Lageana (apresentava exemplares da raça economicamente a exploração em campo nativo em seu ambiente natural, os campos de ao associar o produto às peculiaridades locais e a araucária), Cavalgadas em Campo Nativo preservação do ambiente onde este é produzido. (apresentava cavalgadas em campo nativo) e O discurso desses produtores demonstra uma Comidas Típicas da Serra Catarinense percepção mais acurada em relação às novas (apresentava o pinhão e o churrasco assado em tendências de mercado, com enfoque territorial e fogo de chão com espeto de pau). que, em longo prazo, apresenta excelente potencial de mercado para as raças naturalizadas Resultados e Discussão ou crioulas brasileiras, encontrando nisto forte Em relação à motivação dos criadores da raça motivação para investir na raça. Crioula Lageana, apresentaram-se três idéias Quando questionados sobre as dificuldades marcantes nos discursos analisados. A primeira encontradas na criação destes animais, foram apresentava uma percepção romântica da criação lembradas preocupações como as de aspecto da raça, levantando a necessidade de sanitário, qualidade do material genético e preservação deste recurso genético animal, que tamanho do rebanho. Estas preocupações são está intimamente ligado à colonização, história e extremamente pertinentes, já que a maior parte do cultura da região. A outra idéia apresentou como rebanho da raça encontra-se em área livre de principal estímulo para a criação da raça, sua febre aftosa e qualquer foco próximo aos rusticidade, adaptação às condições ambientais rebanhos base da Associação (Fazendas Canoas da região e resistência, o que segundo os e Igrejinha), podem ser fatais à manutenção da entrevistados, torna a exploração raça, já que o efetivo atual é limitado e gira em economicamente mais rentável, quando torno de 700 animais. Esta condição cria a comparada com outras raças comumente criadas necessidade de multiplicação de material genético na região. Estes produtores apresentaram uma selecionado e da conservação deste visão mais produtivista, quando comparada com a

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material em bancos de germoplasma ex situ. Entende-se que são necessárias informações Segundo os criadores, outra medida de desta natureza para que se possa trabalhar, extrema importância quanto à preservação e adequada e efetivamente, no desenvolvimento estímulo a novos criadores é a oficialização da genético da raça, e dar diretrizes sólidas ao raça pelo Ministério da Agricultura, que já se programa de seleção e melhoramento da encontra em fase final de regularização (a raça foi Associação. Segundo McManus et al., (2005), as oficializada pelo Ministério da Agricultura em caracterizações genética e fenotípica oferecem portaria n°1048 de 31/10/2008), o que traria a informações valiosas para a tomada de decisões possibilidade da colocação de reprodutores em no desenvolvimento de programas de centrais de inseminação e facilitaria a realização melhoramento e seleção, uma vez que a falta de de leilões da raça tornando-a mais conhecida informações desta natureza sobre as populações entre os pecuaristas.

Fiigura 1: Exemplares da raça Crioula Lageana. ameaçadas de extinção é um dos principais Quanto à qualidade do material genético entraves à conservação destes recursos disponível, foi explicitada a dificuldade em adquirir genéticos. reprodutores característicos da raça, o que traz à No que se refere ao mercado, os criadores da tona a necessidade de investimentos em pesquisa raça o consideram bom. Acreditam que este não de caracterização genética da Crioula Lageana.

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está sendo explorado de maneira plena, mas maioria, tem boas expectativas, e acreditam que estão trabalhando no sentido de desenvolver essa seria uma forma interessante de exploração mercados específicos e que valorizem os fatores da pecuária baseada em campo nativo. Ainda de territorialidade, importância histórica e cultural assim, de maneira geral, nota-se que existe por e na agregação de valor aos produtos da Crioula parte deste grupo de entrevistados, certa Lageana. Desta maneira levantam as descrença em relação à raça, já que a maioria potencialidades de exploração da raça no setor refere-se a ela como raça de baixo rendimento turístico e no melhoramento animal, como o produtivo. Esta visão pode ser explicada em parte, desenvolvimento de híbridos F1 para abate, tendo pelo pouco acesso a dados científicos sobre a a raça como matriz nestes cruzamentos. Assim, é raça, e por estes não vislumbrarem outras possível utilizar suas características de rusticidade possibilidades de exploração a não ser a e adaptação associando-as à produtividade de produção de carne para o mercado frigorífico raças especializadas, dando sustentabilidade a comum e também por ser o mercado de regimes de criação baseados em campo nativo, o reprodutores ainda restrito, devido o pequeno que permite redução nos custos de produção e, número de criadores e o rebanho limitado. ainda, a manutenção da paisagem original do Em relação aos proprietários de Planalto com seu forte apelo turístico, valorizando estabelecimentos de turismo rural, apurou-se os produtos da raça associando-os ao território. grande interesse e expectativa em utilizar animais No que diz respeito aos pecuaristas não da raça como atrativo turístico, bem como fazer criadores da raça entrevistados, identificou-se que uso de seus produtos, especialmente a carne e estes possuem um razoável conhecimento sobre a artesanato, como diferencial de oferta aos raça e suas características, especialmente no que visitantes. Notou-se também, a referência à raça, se refere à sua história e sua importância na como uma alternativa interessante para estimular formação dos primeiros rebanhos da região. Outro o turismo nacional e internacional na região, uma ponto que merece ser destacado, é que, em sua vez, que esta só é encontrada no Planalto maioria, esses produtores se referem à raça como Catarinense, possui grande importância histórica pouco produtiva, mas muito rústica e adaptada às e cultural, além de atributos morfológicos condições regionais. diferenciados em relação às demais raças bovinas Em alguns casos, a Crioula Lageana, foi conhecidas. Também por este aspecto a raça lembrada como raça sem padrão, o que pode pode contribuir com a preservação do estar associado à grande variedade de pelagens, agroecossistema campo nativo, já que o turismo algo incomum dentre as raças de bovinos de rural tem no ambiente seu principal atrativo e corte. Essa afirmativa deixa bem evidente a diferencial. Levantou-se também, a necessidade confusão existente entre padrão racial e padrão de de desenvolver estratégias, juntamente com a pelagem. De acordo com dados obtidos por Nunes Associação de Criadores da raça, que viabilizem a (1985), vacas Crioula Lageana de diferentes exploração e facilitem a inserção da Crioula pelagens e contrastantes quanto à feminilidade e Lageana no mercado do turismo rural. Entre elas, peso adulto apresentaram-se muito semelhantes a realização de visitas dos turistas dos hotéis a em desempenho, o que comprova existir um criatórios particulares, desta forma, não padrão racial neste grupamento. restringindo a atividade apenas aos hotéis, e Quanto à possibilidade de utilizar a Crioula assim fazendo com que o visitante tenha contato Lageana em cruzamentos com raças com a lida diária das fazendas, uma experiência especializadas em produção de carne, a grande mais rica e estimulante.

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Apreciando os dados da Tabela 1 nota-se que, ambiente. Já o terceiro, apresenta um apelo de à exceção do manifestado pelo grupo de territorialidade, vislumbrando o potencial de entrevistados com idade acima de 50 anos, a desenvolvimento de mercados diferenciados para Crioula Lageana foi considerada sempre uma os produtos da raça, especialmente a carne. atração turística prioritária. Isto demonstra o Independentemente do grupo, há uma grande potencial da raça como atração turística, preocupação generalizada entre os criadores com visto que as cavalgadas são segundo os a necessidade da multiplicação de material proprietários de hotéis fazenda, o divertimento genético de qualidade. mais procurado em todas as épocas do ano. A raça demonstrou excelente potencial a ser Apurou-se também, que é necessária maior explorado como atração turística, despertando o divulgação da raça para o público geral, devido o interesse tanto dos proprietários de total desconhecimento dos turistas, inclusive estabelecimentos de turismo quanto dos próprios achando que estes animais não existiam no Brasil, turistas. mesmo sendo todos os entrevistados catarinenses. Referências Bibliográficas Diante deste panorama, podemos dizer que as ARAÚJO, R.V. Os jjesuítas dos 7 povos. Porto Alegre, RS: La Salle, 1990. 467 p. possibilidades de exploração da raça são CAMARGO, M.A.R; MARTINS, V.M.V. Raça diversas, e que as perspectivas são favoráveis. bovina Crioula Lageana, um patrimônio Mas para serem realizadas em médio prazo, genético. A Hora Veteriináriia. Ano 24, n.143, seriam necessários incentivos e investimentos em p.61-64, jan/fev 2005. pesquisas e campanhas de marketing acerca da CONI, E. A. Hiistóriia de llas Vaqueriias dell Riio de lla Pllata, 1555 – 1750. Buenos Aires. Editora raça. Ou seja, a falta de políticas públicas e Platero, 1979. 94 p. empenho político na preservação e CÓRDOVA, U. de A.; PRESTES, N.E.; SANTOS, desenvolvimento de programas de incentivo às O.V.dos.; et al.. Mellhoramento e manejjo de raças naturalizadas brasileiras, entre elas à pastagens naturaiis no pllanallto catariinense. Florianópolis. Epagri, 2004. 274p. Crioula Lageana, se apresentam como um sério LEFÈVRE, F. & LEFÈVRE, A. M. C. O diiscurso do entrave à manutenção destes recursos genéticos, sujjeiito colletiivo: um novo enfoque em pesquiisa uma vez que estes dependem de poucos qualliitatiiva (desdobramentos). UCS, Caxias do criatórios particulares e escassos investimentos Sul, RS, 2005. 256 p. em pesquisa. MARIANTE, A. da S.; CAVALCANTE, N. Aniimaiis do descobriimento: raças doméstiicas da hiistóriia do Brasiill. Brasília: Embrapa-Cenargem, 2000. Conclusão 232 p. Os resultados do presente trabalho permitem MARTINS, E. & VEIGA, T. F. A iimportânciia dos concluir que a raça Crioula Lageana tem seu valor Boviinos Criioullos. Jornal Correio Lageano, Lages, SC. n. 14.074, p. 9, 2007. histórico e sua rusticidade reconhecidos pelos MCMANUS, C. et al. Importancia dos pecuaristas, embora os criadores de outras raças levantamentos populacionais e da ainda mantenham alguns preconceitos acerca de caracterização genética das populações na seu potencial de produção. conservação animal. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE REPRODUÇÃO ANIMAL, Foram identificados dentre os criadores da 2005, Goiânia, GO. Anaiis: Palestras...Goiânia, raça três tipos de discursos: o primeiro, mais 2005. 6 p. romântico, enaltece a raça pelo seu valor histórico MORAES, A.; MARASCHIN, G.E.; NABINGER, C. e cultural. O segundo, mais produtivista, destaca Pastagens nos ecossistemas de clima tropical: pesquisas para o desenvolvimento sustentável. as características de adaptação da raça ao

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