UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE FACULDADE DE EDUCAÇÃO PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

HELTON MESSINI DA COSTA

ESCOLA SEM PARTIDO: concepções de escola, educação, formação humana e sociedade

NITERÓI 2019 HELTON MESSINI DA COSTA

ESCOLA SEM PARTIDO: concepções de escola, educação, formação humana e sociedade

Dissertação apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Educação da Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Educação

Campo de Confluência: Filosofia, Estética e Sociedade.

Orientador: Profº Dr. Giovanni Semeraro

Niterói 2019

Ficha catalográfica automática - SDC/BCG Gerada com informações fornecidas pelo autor

C837e Costa, Helton Messini da Escola Sem Partido: concepções de escola, educação, formação humana e sociedade / Helton Messini da Costa; Giovanni Semeraro, orientador. Niterói, 2019. 201 f.

Dissertação (mestrado)-Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2019.

DOI: http://dx.doi.org/10.22409/POSEDUC.2019.m.29921366890

1. Educação. 2. Formação Humana. 3. Filosofia Política. 4. Filosofia da Educação. 5. Produção intelectual. I. Semeraro, Giovanni, orientador. II. Universidade Federal Fluminense. Faculdade de Educação. III. Título.

CDD -

Bibliotecária responsável: Thiago Santos de Assis - CRB7/6164

HELTON MESSINI DA COSTA

ESCOLA SEM PARTIDO: concepções de escola, educação, formação humana e sociedade

Dissertação apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Educação da Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Educação

Campo de Confluência: Filosofia, Estética e Sociedade.

Aprovada em 28 de fevereiro de 2019.

BANCA EXAMINADORA

______Profº Dr. Giovanni Semeraro – UFF Orientador

______Profº Dr. Fernando de Araújo Penna – UFF

______Profº Dr. Luiz Fernando Conde Sangenis – UERJ

______Profª Dra. Ana Elizabeth Lole dos Santos – PUC-RJ

Niterói 2019

À classe que vive do trabalho

AGRADECIMENTOS

O desenvolvimento desta pesquisa não seria possível sem a contribuição de muitas pessoas que, direta ou indiretamente, tornaram um caminho de muito trabalho e esforço, num caminho de afetos, amizades e companheirismo.

Em primeiro lugar, gostaria de agradecer à minha companheira de todos os momentos, Luciana, que comigo compartilhou dúvidas, descobertas, emoções [...] pela sua paciência, seu perdão e, principalmente pelo seu amor.

À minha mãe, Elena, por suportar - ainda mais - minhas ausências, e que, junto ao meu pai, Francisco, me proporcionou participar desta espetacular e surpreendente jornada que é a vida. Que eu possa correspondê-los, contribuindo com meu trabalho para que a vida seja completa para todos e não apenas para alguns.

À minha sogra, Dona Maria, companheira de tantos debates políticos. Que a tempestade que, novamente, inundou nosso país passe logo, porque caso contrário, faremos com que passe com novas lutas. E junto a ela, meu sogro, Augusto [in memorian], que apesar de não ter testemunhado conosco o término desta empreitada, nos legou que, o igual respeito a todos os indivíduos é princípio humano e não apenas um dever.

Ao professor Giovanni Semeraro, que assumindo o desafio de caminhar comigo nesta orientação, num período em que, desistir seria o caminho mais fácil, com inspiradoras conversas, trouxe o fôlego necessário para adiante seguirmos.

Agradeço ainda ao professor Jorge Najjar, pela paciência com minhas constantes solicitações, mas que, por meio de sua conduta ética e afetiva, encontrou soluções para as questões que lhe apresentei.

Agradeço da mesma forma ao professor Fernando Penna que, com sua gentileza e generosidade, atendeu aos meus pedidos de "socorro". E estendo ao professor Gaudêncio Frigotto o agradecimento pelas importantes contribuições ao meu exame de projeto.

Aos professores José Sepúlveda, Hustana Vargas, Pablo Santos, Marcelo Badaró, Lia Tiriba, Jaqueline Ventura e Vania Motta pelo empenho e dedicação em nos proporcionar adentrar o universo do conhecimento em suas prazerosas aulas. Agradeço também ao professor Luiz Fernando Sangenis e a professora Ana Lole pelo imediato aceite em compor a banca de defesa.

Aproveito para agradecer as parcerias de Douglas, Ludmila e Bruna, nos calorosos debates durante essa caminhada de mestrado.

À CAPES pela contribuição à realização desta pesquisa.

Aos funcionários da Faculdade de Educação da UFF, pela gentileza e paciência, transformando o ambiente universitário num espaço humano para esta e novas caminhadas.

E não poderia deixar de agradecer, as amizades que a vida me apresentou no , Marcelo, Glauce, Carlos, Camila, Leandro e a pequena Marina.

Todos esses que aí estão atravancando meu caminho, eles passarão… Eu passarinho! Mario Quintana

RESUMO

Em 2004, surgia na sociedade brasileira um movimento denominado “Escola Sem Partido” (MESP). Criado pelo advogado e procurador de justiça do Estado de São Paulo, Miguel Francisco Urbano Nagib, o MESP despontava como uma reação a um episódio em que um professor de história de sua filha, num colégio privado na cidade de Brasília, havia comparado Che Guevara a São Francisco de Assis. Em pouco menos de uma década, o movimento que em seu início não alcançou grande repercussão tornou-se centro dos debates educacionais, servindo, inclusive, de bandeira de campanhas eleitorais no pleito de 2018. Portanto, dada essa vertiginosa abrangência, o exercício de reflexão presente nesta pesquisa tem por objetivo investigar e analisar esse fenômeno, bem como, suas implicações para a educação e para a sociedade brasileira. Para tanto, almejamos primeiro organizar um panorama histórico a fim de compreender a gênese do movimento e de seu projeto de escola e de sociedade, situando suas determinações históricas. Como o MESP se expressa de distintas formas, optamos por investigar com maior ênfase o Programa Escola Sem Partido que deriva do movimento, na intenção de identificar as concepções de educação, trabalho e formação humana que emergem deste. Não menos importante será a tentativa de entender qual o papel dos professores, na condição de intelectuais, frente aos desafios que poderão emergir com esse projeto. Doravante, a partir da compreensão do fenômeno, pretendemos desdobrar as análises para as questões pontuais que versam sobre seus impactos ao trabalho do professor, sua estreita relação com determinadas frações das igrejas evangélicas e da Igreja Católica, o avanço do uso do termo “ideologia de gênero” preconizado por essas frações religiosas, bem como, a acusação de que os professores promovem a “doutrinação marxista” em sala de aula. Como resultado, a pesquisa espera contribuir para a crítica ao MESP e seu programa ao buscar desvelar suas contradições alcançando a essência do fenômeno nas totalidades das relações econômicas, políticas e sociais.

PALAVRAS-CHAVE: Escola Sem Partido. Educação. Trabalho. Formação Humana. Intelectuais Orgânicos.

ABSTRACT

In 2004, a movement called "Non-Party School" (MESP) appeared in Brazilian society. Created by the lawyer and prosecutor of the State of São Paulo, Miguel Francisco Urbano Nagib, MESP emerged as a reaction to an episode in which a teacher of his daughter's history, at a private college in the city of Brasilia, had compared Che Guevara to St. Francis of Assisi. In a little less than a decade, the movement that at its inception did not reach great repercussion became the center of educational debates, even serving as a banner of electoral campaigns in the 2018 election. Therefore, given this dizzying scope, the exercise of present reflection this research aims to investigate and analyze this phenomenon, as well as its implications for education and for Brazilian society. For this, we aim first to organize a historical panorama in order to understand the genesis of the movement and its school project and to society, placing its historical determinations. As the MESP expresses itself in different ways, we have chosen to investigate with greater emphasis the "No-Party School Program" that derives from the intention of identifying the conceptions of education, work and human formation that emerge from it. Not least, it will be the attempt to understand the role of teachers, as intellectuals, in the face of the challenges with this project. From the understanding of the phenomenon, we intend to analyze the specific questions that relate to its impact on the work of the teacher, his close relationship with certain fractions of the evangelical churches and the Catholic Church, the advance of the use of the term "ideology of gender" or “gender”, advocated by these religious factions. As well as the accusation that teachers promote "Marxist indoctrination" in the classroom. As a result, the research hopes to contribute to the criticism of MESP and its program in seeking to unveil its contradictions by reaching the essence of the phenomenon in the totalities of economic, political and social relations.

KEYWORDS: Non-party School. Education. Work. Human Formation. Organic Intellectuals.

LISTA DE TABELAS

TABELA 1 – Intelectuais com postagens favoráveis ao MESP em redes sociais e páginas eletrônicas - 2018, f. 68 TABELA 2 – Parlamentares proponentes de legislações referentes ao MESP na esfera federal - 2018, f. 69 TABELA 3 – Parlamentares assinantes do termo de compromisso com o MESP eleitos no pleito de 2018, f. 71

LISTA DE SIGLAS

ABAG Associação Brasileira de Agronegócio ACNUR Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados AIDS Síndrome de Deficiência Imunológica Adquirida APEOESP Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo BNCC Base Nacional Comum Curricular BNDES Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social CEBs Comunidades Eclesiais de Base CLT Consolidação das Leis do Trabalho CMS Central dos Movimentos Sociais CNBB Confederação Nacional dos Bispos do Brasil CNI Confederação Nacional da Indústria CNV Comissão Nacional da Verdade CUT Central Única dos Trabalhadores CVII Concílio Vaticano II DEM Partido dos Democratas FAAP Fundação Álvares Penteado FGTS Fundo de Garantia por Tempo de Serviço FIEPE Federação das Indústrias do Estado de FIESP Federação das Indústrias do Estado de São Paulo FMI Fundo Monetário Internacional FMS Fórum Mundial Social FPE Frente Parlamentar Evangélica IBGE Instituto Brasileiro de Geografia Estatística IMIL Instituto Millenium INSPER Instituto de Ensino e Pesquisa ISER Instituto de Estudos da Religião IURD Igreja Universal do Reino de Deus LDBEN Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional LGBTTQI Lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais, queers e pessoas intersex LLP/UERJ Laboratório de Políticas Públicas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro MBL Movimento Brasil Livre MDB Movimento Democrático Brasileiro MEC Ministério da Educação MESP Movimento Escola Sem Partido MPL Movimento Passe Livre MST Movimento dos Trabalhadores Sem Terra MTST Movimento dos Trabalhadores Sem Teto OEA Organização dos Estados Americanos OIT Organização Internacional do Trabalho ONG Organização Não Governamental ONU Organização das Nações Unidas PCB Partido Comunista Brasileiro PCI Partido Comunista da Itália PEC Proposta de Emenda à Constituição PEN Partido Ecológico Nacional PIB Produto Interno Bruto PL Projeto de Lei PNDH3 Terceiro Programa Nacional de Direitos Humanos PNUMA Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente PNE Plano Nacional de Educação PP Partido Progressista PR Partido da República PRB Partido Republicano Brasileiro ProUni Programa Universidade para Todos PSC Partido Social Cristão PSDB Partido da Social Democracia Brasileira PSL Partido Social Liberal PSOL Partido Socialismo e Liberdade PT Partido dos Trabalhadores PUC/SP Pontifícia Universidade Católica de São Paulo RCC Renovação Carismática Católica SUS Sistema Único de Saúde UERJ Universidade do Estado do Rio de Janeiro UFF Universidade Federal Fluminense UFPR Universidade Federal do Paraná UFSM Universidade Federal de Santa Maria UNB Universidade de Brasília UNESCO Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura UNESP Universidade Estadual Paulista UNFPA Fundo de População das Nações Unidas UNIOESTE Universidade Estadual do Oeste do Paraná USP Universidade de São Paulo URSS União das Repúblicas Socialistas Soviéticas

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO, p. 15

1 A CRISE ESTRUTURAL DO CAPITAL: AVANÇO DA EXTREMA DIREITA, p. 27 1.1 CRISE ESTRUTURAL E “ONDA DESESPERADORA”, p. 29 1.2 O CENÁRIO BRASILEIRO, p. 38

2 O MOVIMENTO ESCOLA SEM PARTIDO (MESP) E SEU PROJETO DE ESCOLA, TRABALHO E FORMAÇÃO HUMANA, p. 59 2.1 A GÊNESE DO MESP, p. 61 2.2 MESP: PROJETO DE ESCOLA PARA A FORMAÇÃO DO CAPITAL HUMANO, p.76 2.3 TRABALHO, EDUCAÇÃO E FORMAÇÃO HUMANA: AS CONTRADIÇÕES DO PROGRAMA DO MESP, p. 83 2.4 O PAPEL DOS INTELECTUAIS E A ESCOLA, p. 100

3 AS MANIFESTAÇÕES DO MOVIMENTO ESCOLA SEM PARTIDO NA EDUCAÇÃO E NA SOCIEDADE BRASILEIRA, p. 110 3.1 A PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO DO PROFESSOR E O MESP, p. 113 3.2 A RELIGIÃO NAS FRONTEIRAS DA EDUCAÇÃO, p. 129 3.3 A QUESTÃO DA “IDEOLOGIA DE GÊNERO”, p. 145 3.4 A CRUZADA ANTIMARXISTA, ANTICOMUNISTA E AS INTER-RELAÇÕES COM O FASCISMO, p. 158

CONSIDERAÇÕES FINAIS, p. 167

REFERÊNCIAS, p. 178 OBRAS CITADAS, p. 178 OBRAS CONSULTADAS, p. 197

ANEXO A - DEVERES DO PROFESSOR NO PROGRAMA DO MESP, p. 200 ANEXO B - TERMO DE COMPROMISSO PÚBLICO COM O MESP DOS CANDIDATOS AO LEGISLATIVO E EXECUTIVO NAS ELEIÇÕES DE 2018, p. 201 INTRODUÇÃO

Eu sou é eu mesmo. Diverjo de todo o mundo... Eu quase que nada não sei. Mas desconfio de muita coisa. O senhor concedendo, eu digo: para pensar longe, sou cão mestre - o senhor solte em minha frente uma idéia ligeira, e eu rastreio essa por fundo de todos os matos. Amén!"

Grande Sertão: Veredas João Guimarães Rosa

Eis uma desvantagem contra a qual nada posso fazer, a não ser prevenir e premunir os leitores ávidos pela verdade. Não existe uma estrada real para a ciência, e somente aqueles que não temem a fadiga de galgar suas trilhas escarpadas têm chance de atingir seus cumes luminosos

Carta ao editor Francês Maurice Châtre - 1872 Karl Marx

A incessante busca pelo conhecimento nos proporciona rastrear “todos os matos”, seguindo “trilhas escarpadas” para enfim alcançarmos ou ao menos nos aproximarmos daquele que é nosso inequívoco e derradeiro objetivo: a verdade. Em 2014, quando na condição de docente da Rede Pública de Educação do Estado de São Paulo nos aproximamos do fenômeno do Movimento Escola Sem Partido (MESP) pela primeira vez, ali, percebemos que este ganhava contornos inauditos na sociedade brasileira. De um movimento surgido, em 2004, como inciativa aparentemente isolada de um pai descontente com um professor da escola de sua filha, o movimento - que muitas vezes era alvo de risos entre os professores - passou a ser uma pauta recorrente nos debates sobre educação e principalmente nos debates políticos que emergiram após 2013, no Brasil. Neste sentido, o movimento ainda se apresentava, para nós, em suas abstrações, diluído em meio a uma série de acontecimentos que abalavam o país naquele período. Um ano antes, em 2013, uma série de manifestações que logo foram chamadas de “jornadas de junho” (MATTOS, 2016, p. 93) alocavam, em poucas semanas de mobilização, mais de dois milhões de brasileiros nas ruas, em mais de quatrocentas cidades. Com uma pauta ainda que difusa, inicialmente versando a respeito do aumento nas passagens de transporte coletivo na cidade de São Paulo e posteriormente em outras cidades do país, o teor 15

das manifestações fora aglutinando com o passar das semanas outras pautas da classe trabalhadora, como destaca Mattos (2016, p. 95):

[...] a pauta que ficou de junho foi basicamente composta por: transporte público barato e digno; verbas para saúde e educação; repúdio à violência policial (contra as manifestações, mas também contra os moradores de favelas e periferias, negros e jovens em particular), além de uma salutar desconfiança em relação a produção de informação pelos meios empresariais de comunicação.

As pautas iniciais reforçavam o caráter de classes dessas manifestações, com demandas históricas da classe trabalhadora nas ruas. “Uma pauta da classe trabalhadora que, diante dos serviços mercantilizados e ofertados de forma profundamente desigual, defendeu nas ruas, ainda que sem maior organicidade, uma concepção de direitos sociais” (Ibid., Ibidem.). No segundo semestre de 2015, o governo do Estado de São Paulo anunciou um projeto de “reorganização escolar” que pretendia fechar mais de noventa escolas realocando centenas de milhares de estudantes em outras unidades (TAVAROLI et. al., 2018). A proposta do governo, que em nenhum momento fora debatida com pais, alunos, professores, pesquisadores e comunidade escolar despertou uma intensa manifestação dos estudantes que chegaram a ocupar mais de duzentas escolas em todo o estado (Ibid.), com redes de auto- organização coletiva e uma proposta de liderança horizontal. Ao final do ano o movimento conseguiu barrar a proposta do governo do estado, sendo bem sucedido naquele instante em sua meta. Fernandes (1976, p. 311), ao analisar a constituição histórica da burguesia brasileira em sua formação na passagem de uma sociedade escravista e colonial para um país que se pretendia moderno e industrializado, expressa que:

Não ocorreu, portanto, um verdadeiro deslocamento da “vêlha classe” ou das “velhas classes” dominantes, por “novas classes” dominantes, de formação hodierna. Mas um fenômeno muito mais amplo e (embora não pareça) mais dramático: a coalescência estrutural dos vários estratos sociais e das várias categorias econômicas que formavam as “classes possuidoras”, crescentemente identificadas com uma concepção burguesa do mundo e com um estilo burguês de vida, graças à rápida e contínua aceleração da revolução urbano-comercial e, em seguida, à industrialização.

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Dessa forma, a burguesia se constitui no Brasil assimilando alguns aspectos do moderno modo de vida burguês, porém, não sem preservar “velhas” tradições, isto é, sua fundação sob o regime de trabalho escravo majoritariamente negro, numa sociedade constituída de elites coloniais oligárquicas, que expressam na autocracia e no autoritarismo seu modus operandi de fazer política. Essa composição particular da burguesia brasileira lhe legou o que esse autor denominou de “contrarrevolução autodefensiva” (FERNANDES, 1976, p. 218), assim, na medida em que se propague qualquer conturbação oriunda da classe trabalhadora que ameace - ainda que timidamente - a ordem burguesa de dominação, a reação será violenta e instantânea. Neste sentido, os exemplos das “jornadas de junho” e das ocupações das escolas públicas do Estado de São Paulo comprovaram, por um lado, a pujança dos trabalhadores nas lutas por mais direitos, porém, por outro, paulatinamente, foi nos demonstrando às características apresentadas por Fernandes (1976) a respeito do caráter contrarrevolucionário da burguesia brasileira. Isso porque, aos poucos, as pautas de cunho que formaram “as jornadas de junho” foram deslocadas para a pauta da corrupção, questões de cunho moral, bem como pelo impeachment da presidenta Dilma Rousseff (2011-2016), entre outras. Em 2015, as manifestações que se seguiam já apresentavam “[...] gritos de ‘sem partido’ (aspas do autor) com veto às bandeiras vermelhas, e se viam militantes de esquerda agredidos nas ruas [...]" (MATTOS, 2016, p. 94), expressando o caráter conservador destes protestos de rua. Concomitante a este cenário conturbado, que combinava uma acentuada crise política com a intensa desaceleração da economia brasileira, (eventos inter-relacionados), despontava na sociedade o fenômeno do MESP que, em 2014, já não era apenas um movimento, mas uma bandeira de determinados grupos disseminados nos mais diversos âmbitos, inclusive na esfera política com a introdução do Programa Escola Sem Partido, doravante programa, fruto do encontro do fundador do movimento, Miguel Nagib, com o então deputado estadual pelo Rio de Janeiro, Flávio Bolsonaro (PSC/RJ) e seu irmão, Carlos Bolsonaro (PP/RJ), à época vereador pela cidade do Rio de Janeiro (PENNA, 2016). Rapidamente o programa passou a aglutinar diferentes grupos da sociedade como, frações da Igreja Católica e das evangélicas, políticos conservadores e reacionários de diferentes siglas partidárias, intelectuais de determinados veículos de comunicação da direita como a revista Veja, por exemplo, além de outros grupos. Seu conteúdo, basicamente, se

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fundamentava na crítica de que os professores em sala de aula estariam se aproveitando de sua posição para realizar a “doutrinação de esquerda” ou “doutrinação marxista” com seus alunos e, ainda num segundo momento, o conteúdo do MESP que se expressava no programa, incidiu sobre a assertiva de que a escola estaria “contaminada” pela chamada “ideologia de gênero” (MOVIMENTO ESCOLA SEM PARTIDO s.d.; PROGRAMA ESCOLA SEM PARTIDO, s.d.). Com os indícios sugeridos por este cenário conturbado, que se constituiu no Brasil a partir de 2013, com as maciças manifestações de rua, bem como, com a crise política que se seguiu, inferir que esta pesquisa, tem por objetivo investigar e analisar o fenômeno do MESP e suas implicações para a educação e para a sociedade a partir de seu programa. Para tanto, almejamos primeiro organizar um panorama histórico a fim de compreender a gênese do movimento e, consequentemente de seu programa, no bojo do movimento histórico. Posteriormente, pretendemos investigar minuciosamente o programa com a intenção de identificar seu projeto de escola, bem como, suas concepções de educação e formação humana. Não menos importante será a tentativa de entender qual o papel dos professores, na condição de intelectuais, frente aos desafios que poderão emergir com esse projeto. Doravante, a partir da compreensão do fenômeno, pretendemos desdobrar as análises para as questões pontuais que versam sobre seus impactos ao trabalho do professor, sua estreita relação com determinadas frações das igrejas evangélicas e da Igreja Católica, o avanço do uso do termo “ideologia de gênero” preconizado por essas frações religiosas, bem como, a acusação de que os professores promovem a “doutrinação marxista” em sala de aula. Ao perseguirmos incessantemente tais objetivos, nos deparamos com as seguintes questões: Qual a relação entre o avanço das pautas de uma extrema direita ultraliberal que emerge no processo que corrobora ao impeachment da presidenta Dilma com o concomitante avanço do MESP e seu programa na sociedade brasileira? A primeira questão nos ajudou a estabelecer o panorama econômico, político e social do qual despontou o MESP e seu programa, contribuindo para compreender sua dinâmica de atuação no tecido social, bem como, quem são seus intelectuais. Neste ponto, procuramos estabelecer as categorias de longa duração e conjuntura nos planos geral e particular.

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Partimos do pressuposto geral da crise estrutural do capital, segundo Mészáros (1998, p. 07) “[...] uma crise histórica sem precedentes. Sua severidade pode ser medida pelo fato de que não estamos frente a uma crise cíclica do capitalismo mais ou menos extensa, como as vividas no passado, mas a uma crise estrutural, profunda, do próprio sistema do capital”. Tal crise, compreendida no curso da história como um fenômeno de longa duração, contribuiu para, a partir das décadas de 1970, a introdução de um conjunto de políticas econômicas, sociais e culturais que pudessem reagir à crise e com ela à redução das taxas de lucro da burguesia capitalista: o neoliberalismo passou a empreender reformas radicais no conjunto da sociedade que aprofundavam, no limite, as teses liberais que preconizavam a redução de interferência estatal, a livre concorrência, o individualismo, etc. (HARVEY, 2014). No Brasil, em particular, a introdução expressiva das políticas neoliberais incidiu nos anos de 1990, durantes os governos Fernando Collor (1990-1992), Itamar Franco (1992-1994) e Fernando Henrique Cardoso (1995-2002). Com a chegada de Lula da Silva (2003-2010) do Partido dos Trabalhadores (PT) ao governo em 2003, um novo arranjo político se desenvolverá no país em que as reformas de cunho neoliberal serão combinadas com políticas públicas voltadas à classe trabalhadora, arranjo o qual, com Oliveira (2010) e Boito Jr. (2018), entenderemos como conciliação de classes. Todavia, o quadro que se instaura a partir de 2013, acaba por denotar a dissolução desse regime de conciliação, expressando uma nova conjuntura. Aqui, buscaremos na categoria de crise orgânica em Gramsci (2000), uma possível categoria de análise que nos ajude a compreender a conjuntura que irá se manifestar em crise política e econômica no Brasil. Portanto, para configurar o cenário em que desponta o MESP e seu programa, intencionamos analisar o quadro geral de longa duração da crise estrutural do capital a partir da mediação da conjuntura particular de crise orgânica e da longa duração das características da burguesia brasileira apontadas com Fernandes (1976). Acreditamos que esse movimento possa corroborar para a compreensão do MESP como um movimento que não está isolado do conjunto das relações econômicas, políticas e sociais que emergiram no Brasil no início e meados da década de 2010. Ao situarmos o MESP e seu programa no bojo da história, isto é, no curso do processo geral de longa duração da crise estrutural do capital que no Brasil, em particular, se expressa por meio de uma burguesia contrarrevolucionária, bem como, na conjuntura que opera como

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mediação, buscaremos adentrar em seus meandros, mais precisamente nos pontos estabelecidos em seu programa, o que nos levou a outras três questões: Qual o projeto de escola, trabalho e formação humana estampado no programa do MESP? Qual o papel dos professores, na condição de intelectuais orgânicos, frente ao projeto de escola do MESP? Dessas três questões, num primeiro momento, resultou nosso recorte espacial e temporal que, não têm a intenção de restringir o campo de análise, mas corrobora a investigação pormenorizada de alguns pontos específicos que posteriormente podem contribuir para uma análise totalizante. Assim, nossa pesquisa se concentrará em analisar o programa estabelecido pelo MESP em 2014, bem como, suas repercussões até a eleição de à Presidência da República, isto é, de 2014 a janeiro de 2019 no Brasil. Em relação ao programa, nossa atenção se fixa essencialmente ao documento chamado “deveres do professor”1 que, embora represente apenas parte do programa como um todo, seu escopo constituirá base para todos os projetos de lei que versarão sobre o MESP. Nossa justificativa para tal escolha é exatamente esta, somada ao fato de que o programa é resultado, como apontamos, do encontro entre um movimento privado e um grupo político o que, a nosso ver, lhe deu outros contornos. Convém salientar, no entanto que, conquanto as atenções se concentrem no programa, nossas análises, por vezes, para cumprir tal objetivo, irão transcender esse recorte para as devidas contextualizações históricas. Com efeito, num segundo momento, as questões que nos importunam permitem um exercício de reflexão acerca da gênese do movimento e do programa em seus pormenores para posteriormente podermos realizar uma análise crítica do programa com base em suas contradições que se expressam, tanto no escopo do documento, quanto em sua movimentação na sociedade. Dispostos dessas análises, nossas atenções voltam-se para seus desdobramentos na sociedade que se materializaram em quatro questões secundárias, mas, não de menor importância, a saber: De que forma o programa pode alterar a configuração do trabalho do professor? Como o MESP e seu programa se inserem na histórica relação entre educação e religião no Brasil? O que está na essência da utilização, pelos apoiadores do MESP, do termo “ideologia de gênero”? Que relações podemos estabelecer entre o MESP e determinadas

1 Ver em anexo p. 200. 20

categorias fascista na assertiva de que os professores promovem uma “doutrinação marxista”? Esses questionamentos podem nos proporcionar uma ampliação do horizonte de análises ao relacionarmos o tema educação com a atualidade das novas configurações de trabalho, das questões religiosas, de gênero e do recrudescimento da criminalização de partidos e movimentos sociais identificados como comunistas. A leitura conjunta de tais análises pretende configurar um painel a respeito da atuação do MESP na sociedade e assim contribuir para a sua devida crítica. De posse dos objetivos e buscando responder tais questionamentos optamos por um caminho de análise que, correspondesse primeiro, ao nosso entendimento de mundo enquanto indivíduo e, segundo, à nossa intenção de produzir uma crítica que corresponda à totalidade das relações econômicas, políticas e sociais expressadas pelo MESP em seu programa. Por isso, nossa opção pela práxis fundamentada no método do materialismo histórico dialético. Na práxis - que é ação que orienta a teoria e, ao mesmo tempo, é teoria que orienta ação - não nos importa apenas interpretar “[...] o mundo de diferentes maneiras; o que importa é transformá-lo” (MARX; ENGELS, 2007, p. 535). Disto decorre que, para nós, o método, a pesquisa e a exposição não estão separados da ação política a qual este estudo pretende corroborar, pois, a práxis “[...] é uma filosofia que também é política e uma política que é também uma filosofia [...]” (GRAMSCI, 2015, p. 37). Do mesmo modo, o pesquisador não está acima das determinações históricas constitutivas de seu ser que, em essência, é um “[...] ser social” (MARX, 2015, p. 348) e não um ser genérico e abstrato. Konder (2018, p. 123) nos explica que:

A práxis é a atividade concreta pela qual os sujeitos humanos se afirmam no mundo, modificando a realidade objetiva e, para poderem alterá-la, transformando-se a si mesmos. É a ação que, para se aprofundar de maneira mais consequente, precisa de reflexão, que enfrenta o desafio de verificar seus acertos e desacertos, cotejando-os com a prática.

Daí que, o caminho que percorreremos no exercício de reflexão aqui empreendido absorve sua teoria das relações concretas dos indivíduos, pretendendo contribuir para a transformação dessas relações ao buscar desvelar as contradições que se manifestam no fenômeno estudado, neste caso, o MESP e seu programa de escola. Portanto, o fundamento do materialismo histórico se justifica a medida que compreendemos que o indivíduo, como ser social é constituído pelo e no trabalho (LUKÁCS, 2013), isto é, pelas relações materiais de 21

produção que se compõe dialeticamente no curso da história. Portanto, na apreensão do método do materialismo histórico dialético como método de pesquisa, partimos inicialmente de quatro categorias efetivas: essência, totalidade, contradição e mediação. Da primeira compreendemos que o MESP, em sendo um fenômeno social, cultural e político manifesta em sua aparência, isto é, em seus materiais, programas e projetos de lei uma série de proposições. Contudo, alcançar apenas essa dimensão aparente e caótica não nos proporciona compreender suas reais intenções e, desse modo, é necessário adentrar a essência do fenômeno buscando desvelar suas contradições e sua ideologia. Pois, para Kosik (1969, p. 11): "O fenômeno indica algo que não é ele mesmo e vive apenas graças ao seu contrário. A essência não se dá imediatamente; é mediata ao fenômeno e, portanto, se manifesta em algo diferente daquilo que é". E ainda com Kosik (Ibid., p. 12), observamos que, “o fenômeno não é outra coisa senão aquilo que - diferentemente da essência oculta - se manifesta imediatamente, primeiro e com maior frequência". Não diferente, o MESP se manifesta como um movimento apartidário, de neutralidade política e na defesa dos direitos sociopolíticos, supostamente universais de todos na sociedade brasileira. Apresenta da mesma forma, em seu conjunto de materiais um programa de escola, tido como modelar, a ser seguido por todas as redes de ensino brasileiras. Entretanto, a sua essência aponta para um projeto de escola delineado por determinadas frações das classes burguesas, politicamente posicionadas, em torno de concepções de escola, de educação e de sociedade específicas. Com efeito, podemos afirmar que, ao buscarmos a essência do fenômeno procuramos atingir sua totalidade em suas relações objetivas e subjetivas, bem como, em sua ligação com a conjuntura e com os processos mais amplos de longa duração. Por isso, procuramos entender que: "[...] totalidade não significa todos os fatos. Totalidade significa: realidade como um todo estruturado, dialético, no qual ou do qual um fato qualquer (classes de fatos, conjunto de fatos) poder vir a ser racionalmente compreendido" (Kosik, 1969, p. 35). Disso decorre que o MESP não é um movimento isolado, ele constitui e é constituído por um conjunto de determinações históricas. Dessa forma, o desafio parte por entender quais as mediações, isto é, as conexões internas das diferentes partes que operam no objeto de análise - constituindo-o um todo concreto - contribuem à formação de sua totalidade (Ibid.). Preliminarmente, apontamos que o MESP se expressa na sociedade a partir da mediação da educação escolar. O programa, por

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sua vez, atua como mediação no Estado propondo reconfigurar à forma como se organiza legalmente a educação no Brasil. Com base nestas questões, salientamos que, pela conjuntura em que opera o MESP, bem como, a nossa opção enquanto pesquisador - no interior de uma sociedade cindida em classes - a escolha do método não está condicionada apenas por julgarmos este coerente para com nossos objetivos, mas por, como descreve Löwy (1978), entender que,

[...] o método de Marx não é "neutro", "positivo" ou científico-naturalista: esse método, que intitula dialética racional é "um escândalo e uma abominação para a burguesia e seus porta-vozes doutrinários, porque, na compreensão positiva das coisas existentes, ele incluí ao mesmo tempo a inteligência de sua negação, de seu declínio necessário [...] ele é essencialmente crítico e revolucionário" (Ibid., p. 19).

Assim, nossa opção nega absolutamente a ideia de neutralidade e assume a perspectiva da classe trabalhadora em sendo parte da classe trabalhadora, na intenção de contribuir para com a crítica ao MESP e seu projeto de escola nos aproximando o máximo possível da verdade, conforme a compreensão de Marx e Engels (2007, p. 533):

A questão de saber se ao pensamento humano cabe alguma verdade objetiva [...] não é uma questão de teoria, mas uma questão de prática. É na prática que o homem tem de provar a verdade, isto é, a realidade e o poder, a natureza interior [...] de seu pensamento. A disputa acerca da realidade ou não realidade do pensamento – que é isolado da prática – é uma questão puramente escolástica.

Por conseguinte, ao procedermos com este estudo indicamos que nossas fontes de pesquisas versam fundamentalmente pelo Programa Escola Sem Partido no que diz respeito ao cartaz “deveres do professor”, documento este presente desde o início do movimento como bandeira de atuação. No entanto, algumas de nossas análises, a fim de compreender a dinâmica do movimento, bem como, identificar seus intelectuais, irão ultrapassar esse escopo. Consultaremos também o conjunto de fontes: publicações na página eletrônica do movimento, entrevistas em veículos de comunicação diversos dos intelectuais do movimento, as legislações que abordam os conteúdos do programa e o programa de governo do candidato eleito à Presidência da República no pleito de 2018, cujas plataformas para a educação dialogam com o MESP.

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Ao analisarmos as fontes estaremos amparados por um arcabouço teórico compreendido por autores que nos ajudarão, em cada ponto estudado, a elucidar as problemáticas econômicas, políticas, sociais, históricas, filosóficas e culturais imbricadas com o movimento e seu programa. Em grande parte, nosso escopo de leitura pauta-se primordialmente por autores que compactuam, dialogam ou ao menos não negam os pressupostos do materialismo histórico dialético. Essa opção, para nós, é uma opção política. Um ponto de expressão. Para uma melhor exposição e sistematização desta dissertação os capítulos foram organizados da seguinte forma: No primeiro capítulo, intencionamos compreender as relações entre a crise estrutural do capital, tal como evidenciada por Mészáros (1998; 2011) e para nós entendida como um fenômeno de longa duração, e o brutal avanço das políticas neoliberais, capitaneadas por grupos de direita e de extrema direita que, despontam nos últimos anos em boa parte do mundo estampadas em programas econômicos de austeridade, golpes de Estado, manifestações de racismo, xenofobia e até mesmo em elementos fascistas. Dividido em duas seções, buscamos abordar na primeira, a relação da crise estrutural do capital ao que podemos chamar de onda desesperadora do capital em sua dimensão mundial e, posteriormente a partir da categoria em Gramsci (2000) de crise orgânica e das análises de Florestan Fernandes em A revolução burguesa no Brasil (1976) evidenciar os desdobramentos da crise estrutural e o desespero do capital na particularidade brasileira. No segundo capítulo, buscamos relacionar dialeticamente o panorama exposto com a criação e consolidação do MESP enquanto movimento e programa fundamentando seus pressupostos, sua gênese, bem como seus intelectuais, com as categorias de escola, trabalho, educação, ideologia, neutralidade e formação humana. Pelo contingente de análises o capítulo será constituído por quatro momentos: a princípio, buscaremos compreender na trama conjuntural que se desenvolve no Brasil das duas últimas décadas o surgimento do MESP - ainda de modo nebuloso e abstrato -, com algumas de suas conexões e princípios. Na segunda seção, partindo das informações já acumuladas procuraremos analisar a disjunção que o MESP propicia entre instrução, escola e educação, e sua relação com a Teoria do Capital Humano. A seguir, nas contradições presentes no interior do programa buscaremos compreender suas concepções de escola, e, ampliando um pouco as análises, as de trabalho e formação humana.

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Encerramos o segundo capítulo, introduzindo o princípio de uma análise que pretende fazer um contraponto às concepções compreendidas no escopo do programa do MESP. Partindo de uma abordagem em Gramsci (2004), bem como, de alguns de seus interlocutores, buscaremos na categoria de intelectuais orgânicos e no princípio educativo a possibilidade de reafirmar, grosso modo, a primazia da educação, da escola e do trabalho do professor frente a uma sociedade de classes. Posteriormente, no terceiro e último capítulo, procuramos expandir as investigações e análises dos capítulos anteriores para os desdobramentos e manifestações do MESP, bem como, seus efeitos objetivos e subjetivos no conjunto das relações sociais que emergem na escola, em particular, e, na educação e sociedade em geral. Para tanto, nos concentramos em quatro pontos específicos que denotam o entrelaçamento do MESP com questões históricas da sociedade brasileira como a relação entre educação e laicidade e a marginalização dos movimentos sociais, por exemplo, revelando um aspecto de permanência em suas acepções ou, por outro lado, de reação às transformações sociais. O capítulo será apresentado em quatro seções, sendo que a primeira, perpassa por compreender as novas dimensões que despontam para o trabalho do professor com as concepções do MESP. Aqui, partimos do pressuposto que o que pretende o MESP modifica substancialmente não só as relações entre docentes e discentes, mas, sobretudo, a própria atividade do professor em sua essência. Como expressão máxima da reconfiguração do trabalho do professor nossas análises serão transcorridas pela categoria de precarização. Adiante, centraremos nossas apreciações na relação que o MESP evoca entre escola, educação e religião no Brasil, tendo como objetivo evidenciar como se dá a confluência entre determinadas frações da Igreja Católica e das Evangélicas no MESP e na formação da chamada Frente Parlamentar Evangélica (FPE), e das frentes católicas. Na terceira seção, a partir das relações entre Igreja, escola e educação no Brasil desponta a necessidade de discorrer sobre uma análise específica das discussões que vem se desenvolvendo a respeito da problemática da "ideologia de gênero". Partimos assim, da premissa que tal expressão, recorrente entre os apoiadores do MESP, tem se difundido na sociedade com vistas a se tornar uma verdade absoluta, naturalizada e universalizada. Na quarta seção do capítulo, buscaremos compreender como se expressa na segunda década do século XXI, a perseguição de partidos, movimentos, filósofos, educadores, etc. que

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são identificados pelo MESP como comunistas e, com isso, inimigos da moral cristã, da família e da pátria. Nas considerações finais, temos por finalidade o retorno ao objeto de estudo agora sem as abstrações que nos impediam de chegar até sua essência, e com isto, a possibilidade de corroborar para uma crítica do MESP e seu programa em sua totalidade. Notamos, entretanto, que muitas outras análises poderiam contribuir a esse sentido, mas que, por força dos prazos e do volume de análises foram indicados como apontamentos ou possibilidades de estudos futuros.

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1 A CRISE ESTRUTURAL DO CAPITAL: AVANÇO DA EXTREMA DIREITA

Vivemos na era de uma crise histórica sem precedentes. Sua severidade pode ser medida pelo fato de que não estamos frente a uma crise cíclica do capitalismo mais ou menos extensa, como as vividas no passado, mas a uma crise estrutural, profunda, do próprio sistema do capital. Como tal, esta crise afeta — pela primeira vez em toda a história — o conjunto da humanidade, exigindo, para esta sobreviver, algumas mudanças fundamentais na maneira pela qual o metabolismo social é controlado (MÉSZÁROS, 1998, p. 7).

Intencionamos neste capítulo compreender as relações entre a crise estrutural do capital, tal como evidenciada por Mészáros (1998; 2011) e para nós entendida como um fenômeno de longa duração2, e o brutal avanço das políticas neoliberais, capitaneadas por grupos de direita e de extrema direita que, despontam nos últimos anos em boa parte do mundo estampadas em programas econômicos de austeridade, golpes de Estado, manifestações de racismo, xenofobia e até mesmo em elementos fascistas. Para tanto, inicialmente afirmamos que a burguesia, enquanto dominante no sistema do capital, a fim de manter seus interesses, apesar de apresentar uma face moderna ao revolucionar cotidianamente os meios de produção (MARX; ENGELS, 2017) em essência, desponta como uma classe em última instância conservadora. No Brasil, particularmente, tal como analisada por Florestan Fernandes (1976), é conservadora, reacionária e permanentemente contrarrevolucionária. Em nossas leituras inferimos de imediato que em todo o mundo a crise que se inicia em 2007, enquanto um episódio particular da crise estrutural do capital, tem se convertido em desespero e barbárie. Primeiro em desespero, porque as engenhosas soluções oferecidas pelo capital para as crises passadas, como o New Deal a partir da crise de 19293 ou o neoliberalismo a partir da década de 19704 com a crise internacional do petróleo, não

2 A fim de expressar as crises cíclicas do capital como uma tendência presente em sua própria estrutura, recorremos ao conceito de longa duração inaugurado por Fernand Braudel na obra O Mediterrâneo e o Mundo Mediterrânico na Época de Felipe II (1983). 3 A crise de 1929 representou o primeiro grande impacto na economia capitalista quando o sistema demonstrou em demasia as contradições que emergem da superprodução e consumo, entre outras. Neste sentido, o programa econômico desenvolvido a partir da década de 1930, pelo presidente americano Franklin Delano Roosevelt, inspirado nas teorias do economista britânico John Maynard Keynes, profundo estudioso de Adam Smith, procurou a partir da intervenção estatal injetar grandes quantias de dinheiro em investimentos públicos e privados, gerando emprego rapidamente e alavancando a economia norte-americana (HOBSBAWM, 1995). 4 No início da década de 1970, o acentuado crescimento econômico global das duas décadas anteriores, caracterizado nos países de capitalismo central como "era de ouro", entra em declínio com uma longa crise, causada, entre outros aspectos, em sua aparência pela crise do petróleo com a nacionalização do mesmo em 27

aparentam ter o mesmo efeito (nem mesmo para a conservação dos privilégios de classe, pois mesmo em países de capitalismo central observa-se a dissolução do estado de bem estar social) postas em prática desde 2007. Isto porque, passado mais de dez anos os índices de desigualdade, desemprego, bem como o número de refugiados aumentam a cada ano no mundo todo5; segundo, porque o mundo tem assistido cada vez mais ao avanço de projetos de sociedade com determinadas características racistas, xenófobas, fascistas e fundamentalistas6. Neste caso, tais projetos evidenciam a possível falência da democracia liberal e ressaltam outros aspectos do sistema do capital em que, não necessariamente o mundo do business necessita do terreno democrático para seu desenvolvimento. Para nós, tal cenário ao mesmo tempo promove e é promovido pelo processo de recrudescimento das políticas neoliberais como um conjunto de medidas econômicas ou, em sua face ideológica de globalização. Ambos os processos, consequências imediatas da crise estrutural do capital. A despeito desta crise, como adverte Mészáros (1998, p. 7), "profunda, do próprio sistema do capital" procuraremos analisar preliminarmente sua dinâmica mundial em geral e seus desdobramentos no Brasil em particular. Assim, apesar do recorte temporal deste trabalho incidir sobre os anos que se seguem após 2014, recuaremos até os governos de Lula da Silva (2003-2010), Dilma Rousseff (2011-2016) e o momento de crise política que propicia a eleição da extrema direita no Brasil em 2018, pois entendemos que os caminhos percorridos, intencionalmente ou não, pelos governos petistas contribuíram sobremaneira para a enorme visibilidade conquistada pela extrema direita que chegou ao governo no Brasil. Com esse movimento deduzimos à priori que o avanço da extrema direita das duas últimas décadas, enquanto onda que se propaga por todo o mundo, emerge significativamente no Brasil com grupos como o "Movimento Escola Sem Partido", doravante MESP, entre outros, que, advém das disputas entre frações da classe burguesa oriundas das consequências da crise estrutural do capital e da crise política/orgânica que se estabelece no Brasil a partir de 2013. Para melhor organizar as informações e análises que irão compor este estudo, o capítulo em questão estará dividido em duas seções: num primeiro momento, procuraremos

países como o Irã. Contudo, em essência, entendemos que a crise do petróleo apenas aponta os limites alcançados pela superprodução e consumo, base que sustentou o estado de bem estar social (Ibid.). 5 Mais adiante no texto apresentaremos dados sobre os argumentos expostos. 6 Haja vista os grupos que apoiaram a eleição de Donald Trump nos Estados Unidos e o sucesso nas urnas de grupos da ultradireita em países como Áustria, Alemanha, França, Hungria, entre outros. 28

relacionar a crise estrutural ao que podemos chamar de onda desesperadora7 do capital em sua dimensão mundial e, posteriormente a partir da categoria em Gramsci de crise orgânica e das análises de Florestan Fernandes em A revolução burguesa no Brasil (1976) evidenciar os desdobramentos da crise estrutural e o desespero do capital na particularidade brasileira.

1.1 CRISE ESTRUTURAL E ONDA "DESESPERADORA"

Em O manifesto Comunista, Marx e Engels (2017) afirmam que, no desenvolvimento histórico a burguesia desempenhou um papel revolucionário ao derrubar o Antigo Regime, mas não sem introduzir novas relações sociais de exploração. No entanto, desponta desse domínio uma latente contradição, pois, se por um lado "A burguesia não pode existir sem revolucionar incessantemente os instrumentos de produção" (Ibid., p. 24), por outro ela se esforça ininterruptamente em conservar seu projeto hegemônico de dominação, isto é, a divisão da sociedade em classes e o domínio da propriedade privada. Por conseguinte, em nossas análises acrescentamos que, ao inferirmos sobre o caráter conservador da burguesia não cometemos o equívoco de incorrer na contradição liberal e conservador. Como bem demonstrado por Losurdo (1998) - ao debater tal dilema no que concerne a obra de Hegel - diante da questão sobre esse pensador ser conservador ou liberal "qualquer resposta é errada, porque, na realidade, o que está gravemente incorreto é a própria formulação do problema" (Ibid., p.113). Além disso, podemos ainda sobrepor que:

Em suma, a tradição teórica do Estado mínimo, negando precisamente o aspecto da comunidade política, da comunidade dos citoyens (grifos do autor), acaba por absolutizar, no Estado, o momento de repressão da violência organizada para a manutenção das relações de propriedade existentes (LOSURDO, 1998, p. 122).

Dessa forma, considerando que oportunamente o liberalismo pode ser tanto ou mais conservador do que os conservadores ou mesmo mais reacionário do que propriamente os

7 Procuramos evidenciar com o termo "desesperadora" a voracidade com que os ajustes econômicos têm alcançado várias partes do mundo a partir da crise de 2007. Entendemos que a crise sinaliza e comprova as ideias preconizadas por Mészáros (2011) a respeito de a crise representar não um episódio particular, mas a síntese de uma crise total do capital em que, cada vez mais, para a sobrevivência deste sistema é necessário incidir políticas que propiciam o aumento das desigualdades a fim de manter o privilégio de determinadas classes e o crescimento da taxa de lucro destas. Assim, o recrudescimento do neoliberalismo representa em última instância, nesta segunda década do século XXI, um esforço quase desesperador por parte dos setores dominantes para a manutenção da ordem capitalista de dominação e não apenas o avanço de ideias conservadoras ou reacionárias. 29

reacionários. Distante de discorrer sobre os aspectos particulares à filosofia do pensamento conservador8, optamos neste estudo por usar o termo com o intuito de explicitar a manutenção dos preceitos fundamentais da sociedade capitalista e, do mesmo modo, não entendemos como dicotomia os conceitos de liberal e conservador, burguês e conservador ou capitalista e conservador. Neste sentido, em sua aparência a burguesia apresenta para cada época uma nova face, moderna outrora, e pós-moderna9 ou fluída neste início do século XXI: preocupada com questões de sustentabilidade, causas humanitárias, diminuição das desigualdades sociais, superação do racismo, entre outras ideologias. Todavia, em essência, a burguesia desempenha (e sempre desempenhou desde que derrubou o Antigo Regime) um papel conservador e, muitas vezes até mesmo reacionário, haja vista, que nenhuma das bandeiras acima citadas encontra-se em vistas de serem solucionadas. Ao contrário, o que assistimos hoje em boa parte do mundo é o recrudescimento dessas questões. Para o economista liberal francês, Thomas Piketty (2014), as desigualdades sociais se mantiveram relativamente no mesmo patamar que se encontravam após a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), muito embora o autor admita que a concentração de riqueza tenha aumentado significativamente no mundo todo nas últimas décadas e, da mesma forma indique uma perspectiva de enfraquecimento global do crescimento econômico. "Para ser mais preciso, veremos que o crescimento, a não ser em períodos excepcionais ou durante processos de redução de atraso econômico, tem sido relativamente fraco e que tudo indica que enfraquecerá ainda mais no futuro [...]" (Ibid., p. 77). Segundo dados da Organização Não Governamental (ONG) britânica OXFAM (2017), apenas 1% da população mundial concentrou 82% de toda a riqueza produzida no mundo no ano de 201710. Um percentual muito acima do que nas décadas de 195011 no pós-guerra.

8 Em Reflexões sobre a Revolução em França (2017), o filosofo Edmund Burke estabelece o que seriam as bases do pensamento conservador, para ele, o conservadorismo reside nas instituições que sobrevivem ao teste do tempo, tais como, a Religião e o conceito de núcleo familiar, ambas instituições que se mantiveram com a ascensão da burguesia frente à queda do Antigo Regime. Para Konder (2009, p. 27), o conservadorismo se expressa a partir de "[...] forças sociais empenhadas em conservar determinados privilégios, isto é, em conservar um determinado sistema socioeconômico que garanta o estatuto de propriedade de que tais forças são beneficiárias. Daí o conservadorismo intrínseco da direita". 9 Procuramos entender o pós-modernismo a partir das análises de Chauí (2001) como manifestação da ideologia neoliberal, caracterizada entre outras coisas, pela fragmentação do conhecimento, o domínio da subjetividade na produção do conhecimento em detrimento das totalidades e pelo relativismo cultural. 10 Segundo dados da OXFAM de 2017 no mundo todo, de toda a riqueza produzida 82% ficou nas mãos dos 1% mais ricos e cerca da metade da população mundial não ficou com nada. Para saber mais: 30

Outro importante dado remonta ao significativo aumento do número de migrantes12 e refugiados13 em todo o mundo nos últimos anos. Segundo dados do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), em 2017 houve novo recorde de deslocamento de refugiados em todo o mundo, atingindo a marca histórica (e lastimável) de 25,4 milhões de pessoas ou quase 0,4% da população mundial, isto em apenas um ano e sem contar os casos de migrantes não associados diretamente às guerras e/ou perseguições religiosas. Os casos de imensas populações de refugiados dialogam diretamente tanto com o impacto econômico das políticas neoliberais que têm promovido o aumento da concentração de riqueza, quanto com o avanço da extrema direita que desponta em seus programas com ideários de eliminação do outro. Muito embora os discursos oficiais dos meios de comunicação e governamentais responsabilizem processos de guerra civil em países com supostas "frágeis" democracias ou acenem para as questões que envolvam apenas o fundamentalismo religioso, em essência, compreendemos que tais guerras advêm, em muitos casos, de interesses econômicos com disputas entre atores hegemônicos em cada território ou em escala global. Da mesma forma, contrariando o falso discurso da sustentabilidade, dados do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA)14 estimam que a produção de lixo no mundo deva ter um aumento de 1,3 bilhão de toneladas para 2,2 bilhões até o ano de 2025. E ainda, segundo reportagem da BBC Brasil de novembro de 2013, mapas interativos desenvolvidos pelo professor Matthew Hansen e sua equipe de pesquisa na Universidade de Maryland (EUA)15 dão conta de que o desmatamento associado às florestas tropicais do

Acesso em 22 nov. 2018. 11 Os dados completos se encontram em PIKETTY, Thomas. O capital no século XXI. Tradução de Monica Baumgarten de Bolle. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2014. 12 Entendemos por migrantes populações que, "escolhem se deslocar não por causa de uma ameaça direta de perseguição ou morte, mas, principalmente, para melhorar sua vida, buscando melhores oportunidades de trabalho e educação [...]" (ONU, 2015, n.p.). Muita embora, o texto da ONU possa empregar um aspecto de "definição oficial", podemos questionar o termo "escolher" e substituir por "falta de escolha". 13 Entendemos por refugiados "pessoas que escaparam de conflitos armados ou perseguições. Com frequência, sua situação é tão perigosa e intolerável que devem cruzar fronteiras internacionais para buscar segurança nos países mais próximos, onde passam a ser consideradas um “refugiado”, reconhecido internacionalmente [...]" (Ibid.). Apesar do status de "refugiado" ser uma espécie de garantia para uma mudança de país sem todas as burocracias que envolveriam este processo em condições de normalidade há de se fazer duas considerações: primeiro, sobre o fato de muitos países estarem fechando suas fronteiras para refugiados; segundo, sobre o aspecto do recorte de classe, pois, ainda que em condição de refugiado, há que se dispor de generosas fortunas para procurar abrigo com condições dignas de vida em outro país ou se amontoar entre os milhares que, desprovidos dos recursos financeiros sobrevivem em acampamentos com condições deploráveis de vida. 14 Disponível em: . Acesso em 04 jan. 2018. 15 Disponível em: . Acesso em 02 jan. 2018. 31

mundo todo vem se intensificando vertiginosamente nas primeiras décadas do século XXI. Podemos considerar, entretanto que o grau de tecnologia alcançado e acumulado pelo ser humano até então pudesse corroborar com a conciliação entre desenvolvimento econômico e meio ambiente, porém, em meio à preservação, sustentabilidade e uso irracional dos recursos naturais existe uma disputa entre diferentes frações da burguesia, bem como disputas entre diferentes países com padrões de acumulação desiguais. Portanto, embora Estados16 e empresas transnacionais acenem para a redução do desmatamento e diminuição da produção de resíduos sólidos com estratégias paliativas e discursos evasivos lançados nos meios de comunicação em massa cotidianamente, os dados de pesquisas científicas e organismos - que, embora comprometidos com o modo de produção capitalista e inclusive patrocinados por muitas destas empresas, fazem o alerta por conta de interesses próprios - denotam que no sistema do capital, entre o discurso aparente e as ações concretas há um abismo incomensurável. O que empresas e Estados não ousam assumir é que, na lógica deste sistema, o uso desmedido de todos os recursos oferecidos pelo meio-ambiente (incluindo os seres humanos) é inerente ao padrão de acumulação do capital. Para Marx e Engels (2007):

A "essência" do peixe de rio é a água de um rio. Mas essa última deixa de ser um meio de existência adequado ao peixe tão logo o rio seja usado para servir à indústria, tão logo seja poluído por corantes e outros detritos e seja navegado por navios a vapor, ou tão logo suas águas sejam desviadas para canais onde simples drenagens pode privar o peixe de seu meio de existência (Ibid., p. 46-47, nota a).

No entanto há de se considerar o quanto a questão ambiental tem se tornado um negócio lucrativo para o capital, tanto no desenvolvimento de tecnologias para suprimir os efeitos da industrialização, quando no desenvolvimento de mercadorias subsumidas ao fetiche, como, por exemplo, o mercado de emissões de carbono, segundo Harvey (2016, p. 232), "uma grande fonte de ganho especulativo [...]". Também são falsas as afirmações que traduzem a globalização como um processo que corrobora a eliminação de fronteiras e preconceitos. Para o geógrafo Milton Santos (2008), no plano ideológico a globalização desponta como fábula, imputando a todos as tais fantasias de

16 Mais adiante, abordaremos a categoria de Estado a partir dos estudos de Antonio Gramsci (2000). 32

um mundo cada vez mais conectado, sem fronteiras ou desigualdades. Entretanto, ancorada na realidade, a globalização reflete em todos os seus níveis a perversidade do capital.

De fato, para a grande maior parte da humanidade a globalização está se impondo como uma fábrica de perversidades. O desemprego crescente torna- se crônico. A pobreza aumenta e as classes médias perdem em qualidade de vida. O salário médio tende a baixar. A fome e o desabrigo se generalizam em todos os continentes [...]. A mortalidade infantil permanece, a despeito dos progressos médicos e da informação. A educação de qualidade é cada vez mais inacessível (SANTOS, 2008, p. 20).

Escrito de meados para o final do século XX, a obra supracitada de Milton Santos ressalta questões que, em nosso argumento configuram parte da longa duração da crise estrutural do capital. Neste sentido, a globalização configura-se como uma ideologia do consumo das massas, da exacerbação máxima do fetiche da mercadoria e da incidência do valor de troca sobre o valor de uso para o final do século XX e início do século XXI, ou ainda como uma embalagem palatável para as políticas neoliberais. Como Milton Santos destaca: "A globalização atual é muito menos um produto das ideias atualmente possíveis e, muito mais, o resultado de uma ideologia restritiva adrede estabelecida" (Ibid., p. 159). Do mesmo modo, Löwy (2015) destaca os efeitos da globalização em seu processo de pasteurização cultural relacionando-a ao aumento no percentual de votos em toda a Europa de partidos de extrema direita, fascistas, semifascistas, racistas e xenófobos que preconizam em suas pautas o autoritarismo, o nacionalismo-patriotismo e o fundamentalismo religioso, em suma, a eliminação do outro. O autor explica da seguinte forma o aumento de representatividade da extrema direita:

O primeiro elemento de explicação é o processo de globalização capitalista neoliberal - também um poderoso processo homogeneização cultural forçada - que produz e reproduz, em escala europeia e planetária, os identity panics [pânicos de identidade] [...] (LÖWY, 2015, p. 656).

Aqui, entende-se com esse autor o crescimento de uma extrema direita nacionalista como um fenômeno reativo quanto à substituição paulatina das culturas/identidades locais por uma cultura global, esta produzida pela cultura hegemônica e para a sua manutenção enquanto ancoradouro da ideologia capitalista. Todas essas questões, além de outras, atentam para o fato de que longe de buscar a superação de problemas históricos da sociedade capitalista, a burguesia esforça-se 33

continuamente em conservar seu projeto hegemônico de dominação mesmo que, muitas vezes, ela tenha que se adaptar a certas circunstâncias históricas, como governos autoritários, fascistas e ditaduras, e, em suas margens haja divergências de projetos. Como descreve Marcuse (2011, p. 10) no prefácio de O 18 de Brumário de Luís Bonaparte, de Marx (2011):

A classe dominante se mobiliza para liquidar não só o movimento socialista, mas também as suas próprias instituições, que entraram em contradição com o interesse da propriedade e do negócio: os direitos civis, a liberdade de imprensa, a liberdade de reunião, o direito ao sufrágio universal foram sacrificados a esse interesse para que a burguesia pudesse, "sob a proteção de um governo forte e irrestrito, dedicar-se aos seus negócios privados" (MARCUSE, 2011, p. 10).

Por conseguinte, a contínua necessidade de expansão do capital, que culmina na contradição conservador e progressista, aponta para um limite estrutural e histórico como bem observou Mészáros (2011, p. 57): "O poder do capital, em suas várias formas de manifestação, embora longe de ter se esgotado, não consegue mais se expandir". Não obstante, a crise de 2007, denominada pela mídia empresarial como apenas uma "crise financeira" manifesta o esgotamento do sistema do capital em ampliar e reproduzir a produção de mais-valor e com esta as taxas de lucro. Manifesta também, as contradições subjacentes ao desenvolvimento do sistema do capital, neste caso são contradições inconciliáveis:

[...] capital e trabalho [...]; produção e controle; produção e consumo; produção e circulação; competição e monopólio [...]; produção e destruição [...]; expansão do emprego e desemprego [...] tendência globalizadora das empresas transnacionais e restrições necessárias exercidas pelos Estados nacionais contra seus rivais [...] (MÉSZÁROS, 2003, p. 19-20).

Tais contradições conduzem o sistema a um ciclo cada vez mais intenso de crises, como a que assistimos a partir de 2007 em quase todo mundo. Sobre a crise, adverte Mészáros (2011, p. 137): "A grave crise em curso de nossa época é estrutural no sentido preciso de não poder ser superada nem mesmo com os muitos trilhões das operações de resgate dos Estados capitalistas". Não que, a crise estrutural do capital possa representar o falecimento da sociedade capitalista, como adverte Wood (2011, p. 243):

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A prolongada crise nas economias capitalistas avançadas, que até os economistas alinhados ao sistema estão descrevendo como "estrutural", talvez não seja uma indicação de declínio terminal; mas talvez indique que essas economias já esgotaram, para um futuro previsível, sua capacidade de sobreviver sem deprimir ainda mais as condições de vida e de trabalho de suas populações [...].

Mas que, em última instância, à medida que a crise se acirra, a fim de manter as taxas de lucro e o privilégio de classe da burguesia, se deterioram ainda mais as condições de vida dos trabalhadores, no limite, ressaltamos a análise de Engels (2015, p. 187).

As forças produtivas engendradas pelo modo de produção capitalista moderno, assim como o sistema de repartição dos bens que ele criou, entraram em contradição flagrante com o modo de produção mesmo, e isso a tal grau que se torna necessária uma mudança do modo de produção e de repartição, se não quisermos ver toda a sociedade moderna perecer.

No plano imediato, entre as graves consequências desta específica crise que se descortina em 2007, despontam o vertiginoso aumento global das taxas de desemprego, - dados da Organização Internacional do Trabalho/OIT (2010) apresentam um aumento de trinta e quatro milhões de desempregados no mundo todo entre os anos de 2007 e 200817 -, endividamento das famílias e de Estados, diminuição no ritmo de crescimento econômico e na geração de Produto Interno Bruto (PIB) em várias partes do mundo18, inclusive em países de capitalismo central como, EUA, Alemanha, França, Inglaterra e Japão. Como resposta à crise e com ela à diminuição das taxas de lucro acelerou-se um processo de austeridade e ajustes fiscais em que, o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial - enquanto fração hegemônica do capital financeiro e industrial -, elaboraram uma série de condições para que países em crise negociassem suas dívidas. Na Grécia, em Portugal, na Irlanda e em outros países periféricos da Europa houve aumento significativo da pobreza19 e mesmo em países como França20 e Grã-Bretanha21 os programas de austeridade

17 Disponível em: . Acesso em 28 dez. 2017. 18 Os dados consultados para essas afirmações se encontram em matéria publicada no sítio eletrônico da Rede Brasil atual: Disponível em: . Acesso em 28 dez. 2017. 19 Sobre o aumento da pobreza na Europa consultamos os dados no relatório EAPN – Rede Europeia Anti- Pobreza/ Portugal, 2015. Disponível em: . Acesso em 03 jan. 2018. 35

avançaram com demasiada força nos últimos anos. Se outrora, a conta da crise pesasse unicamente sobre a classe trabalhadora dos países da periferia do globo, as dificuldades de solucionar a recessão que se instaura a partir de 2007 impõem às nações de capitalismo central o duro fardo dos ajustes e das reformas. Mészáros (2011) adverte:

O capital quando alcança um ponto de saturação em seu próprio espaço e não consegue simultaneamente encontrar canais para nova expansão, na forma de imperialismo e neocolonialismo, não tem alternativa a não ser deixar que sua própria força de trabalho local sofra as graves consequências da deterioração da taxa de lucro (Ibid., p. 70).

Marx (2017) argumenta que:

Qualquer que seja a taxa de salários, alta ou baixa, a condição do trabalhador deve piorar à medida que se acumula capital. Trata-se de uma lei que estabelece uma correlação fatal entre a acumulação de capital e a acumulação da miséria, de modo que a acumulação de riqueza em um polo é igual à acumulação de pobreza, de sofrimento, de degradação moral, de escravidão no polo oposto, no lado da classe que produz o próprio capital (Ibid., p. 716).

De fato, se o fardo sobre os ombros dos trabalhadores europeus e/ou norte americanos, para usarmos como exemplo, tornam-se maiores com a conjuntura de crise, ao sul do globo as consequências são ainda mais perversas, haja vista que, em sua maioria são trabalhadores de países que sequer experimentaram o mínimo das benesses desfrutadas pelo período austero do estado de bem estar social e as parcas conquistas, como direitos trabalhistas mínimos, são postas abaixo com as reformas preconizadas pelos ajustes fiscais e políticas de austeridade. No entanto, convém explicitar que tais políticas de austeridade e ajuste fiscal que tanto são indicadas por governos e instituições, fazem parte do ideário neoliberal em prática desde a década de 1970, mas que, neste início da segunda década do século XXI avançam com maior voracidade sobre o mundo. A respeito do neoliberalismo, enquanto fase atual do sistema do capital, Harvey (2014) destaca que em sua aparência:

20 Na França, de acordo com reportagem assinada por Calos Yárnoz no site do El País em 2014, o governo do Presidente François Hollande promoveu medidas de ajustes fiscais e desregulamentação trabalhista, o que resultou em greves e protestos por todo o país. Disponível em: . Acesso em 04 jan. 2018. 21 Segundo reportagem assinada por Marcio Pochmann no site da Rede Brasil Atual em 2015, o governo do Premier David Cameron, iniciado em 2015 na Grã-Bretanha, procurou aplicar um rígido programa de austeridade seguindo o receituário neoliberal com redução de impostos e gastos sociais, esperando com isso, reduzir a dívida pública. Disponível em: . Acesso em 03 jan. 2018. 36

O neoliberalismo é em primeiro lugar uma teoria das práticas político- econômicas que propõe que o bem estar humano pode ser mais bem promovido liberando-se as liberdades e capacidades empreendedoras individuais [...]. O papel do Estado é criar e preservar uma estrutura institucional apropriada a essas práticas (Ibid., p. 12).

Harvey (2014) apresenta nesta afirmação a concepção pela qual os intelectuais neoliberais procuram explicitar sua própria criação, entretanto, o autor classifica a fase neoliberal do capitalismo com o conceito de "acumulação por espoliação", isto é, "[...] a proliferação de práticas de acumulação que Marx tratava como 'primitivas' ou 'originais' [...]". Ainda para o autor, as práticas incluem a aceleração dos processos de "privatização, mercadificação, financialização, manipulação de crises e a redistribuição via estado" (Ibid., p. 172). Importa destacar, que enquanto doutrina, o neoliberalismo é fruto de uma escola de pensamento idealizada principalmente por dois importantes economistas liberais: Friedrich Hayek e Milton Friedman. Ambos irão tecer as bases da crítica ao excessivo papel dos Estados e a necessidade de preservar, em última instância, ao máximo as liberdades individuais. Aprofundando no limite o conceito liberal de sobrepor às vontades coletivas aos preceitos da individualidade, do espírito empreendedor e da livre concorrência. Embasados pelas considerações desses autores afirmamos que a doutrina neoliberal propícia à organização de um fundamentalismo de mercado análogo ao fundamentalismo religioso já que, a ênfase no mercado tende a se tornar uma explicação natural e universal de todas as dimensões das relações humanas, portanto, um dogma. No compasso da crise que rompia a década de 1970, esvaziando o estado de bem estar social das duas décadas anteriores, as soluções keynesianas, até então historicamente bem sucedidas para a manutenção da ordem capitalista, foram descartadas em virtude dos novos (velhos) ideários ultraliberais, justamente as ideias de Hayek e Friedman despontam nos anos 1970, sendo o primeiro, Prêmio Nobel de economia em 1974, e o segundo ganhador do Prêmio em 1976, o que demonstra a guinada dos preceitos econômicos que irão vigorar a partir de então (HOBSBAWN, 1995). Desse modo, os programas de austeridade, que incidem sobre várias partes do mundo neste início do século XXI, representam em sua concretude a manifestação da ideologia e das práticas neoliberais que, segundo Harvey (2014), ao contrário das promessas de vertiginoso crescimento econômico, produziram - se comparado às décadas de 1950 e 1960 - uma 37

acentuada queda nos níveis de crescimento global, aumento da economia informal, perdas nos índices globais de saúde, expectativa de vida e aumento da mortalidade infantil. Em suma, as políticas neoliberais representam o apetite cada vez mais voraz do capital em produzir valor e mais-valor22 e com isso intensificar a divisão de classes, principalmente em tempos de crise. Ainda que, para isso, seja necessário irromper com governos antidemocráticos, com preceitos fundamentalistas, racistas ou xenófobos. Se outrora o neoliberalismo irrompeu a partir do ideário da globalização, agora, nesta segunda década do século XXI, até mesmo essa ideologia capaz de tornar mais palatável em seu discurso os ajustes econômicos que dominaram a década de 1990 e início dos anos 2000 é descartada para um modelo diretamente violento de acumulação, em que pese até mesmo a democracia liberal pode ser substituída por algo mais autoritário caso seja necessário. Neste sentido, é pertinente afirmar que em termos gerais, a crise estrutural do capital configura-se um processo de longa duração que remonta à crise de 1929 e, neste início do século XXI, tem como conjuntura o processo de recrudescimento das políticas neoliberais e o avanço de uma extrema direita ultraliberal como única opção para a manutenção da ordem capitalista de dominação. Da mesma forma, as relações entre esses aspectos gerais com o cenário brasileiro apontam para uma longa duração das características conservadoras, reacionárias, autoritárias e autocráticas da burguesia brasileira, bem como uma conjuntura particular que se manifesta neste país como crise orgânica, sobretudo a partir de 2013.

1.2 O CENÁRIO BRASILEIRO

No caso particular brasileiro, as políticas neoliberais configuram uma realidade desde a década de 1990, passando pelos governos Fernando Collor (1990-1992), Itamar Franco (1992-1994), Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), Lula da Silva (2003-2010), Dilma Rousseff (2011-2016) e Michel Temer (2016-2018). Contudo, o modo de aplicação da cartilha neoliberal preconizada por Lula e Dilma, pela origem e histórico do Partido dos Trabalhadores (PT), combinava um modelo de políticas focalizadas para a classe

22 Adotamos a expressão "mais-valor" ao invés de "mais-valia" em consonância com a tradução do alemão da expressão "Mehrwert" realizada por Duayer (2011) na tradução dos Grundrisse de Marx. Ver mais em: MARX, Karl. Grundrisse: manuscritos econômicos de 1857-1858: esboços da crítica á economia política. Tradução de Mario Duayer e Nélio Schneider. São Paulo: Boitempo; Rio de Janeiro: Ed. UFRJ, 2011.

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trabalhadora23 com a aplicação lenta e gradual das reformas neoliberais, arrastando a base social de apoio ao governo a permitir tais reformas. A despeito dos governos petistas e a aplicação das políticas neoliberais é preciso salientar que, nas disputas entre as diferentes frações da burguesia brasileira há uma acentuada ascensão de uma fração interna, bem como o surgimento de uma "nova burguesia de serviços" (BOITO JR., 2018, p. 28). Contudo, sem modificar a hegemonia do grande capital financeiro (Ibid., 2018). Tal hipótese descrita pelo Professor da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) Armando Boito Jr. reforça o caráter conciliador do governo Lula. Assim, no Brasil, a primeira década do século XXI será representada no plano econômico e político pela hegemonia do capital financeiro e com ele a aplicação paulatina das políticas neoliberais, contudo, com concessões que permitiram o avanço de uma burguesia interna apoiada em uma política de créditos via Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDES), bem como, o aumento no poder aquisitivo da classe trabalhadora via crédito, ambas as políticas, amparadas no crescimento das commodities com o extraordinário aumento do Produto Interno Bruto (PIB) da China - conciso parceiro comercial do Brasil -, enquanto outrora, as opções escolhidas pelos governos anteriores apenas acenavam para o capital financeiro internacional na condição de um país subalterno e dependente. No entanto, os impactos da crise de 2007, no plano econômico acentuaram um acelerado declínio no valor das commodities internacionais (MANZI, 2016), especialmente nas relações comerciais entre Brasil e China conforme demonstra o gráfico24 abaixo:

23 Destacamos como principal política focalizada empreendida pelos governos petistas a redistribuição de renda pelo Programa Bolsa Família. Para maiores informações ver a análise crítica de MARQUES, Rosa Maria; MENDES, Áquilas. Servindo a dois senhores: as políticas sociais no governo Lula. Revista Katálysis. Florianópolis, v.10, n.1, 2007. Disponível em: . Acesso em 17 out. 2017. 24BRASIL: MINISTÉRIO DA INDÚSTRIA, COMÉRCIO EXTERIOR E SERVIÇOS, 2018. Disponível em: Acesso em 12 dez. 2018.

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GRÁFICO 1 - Exportações, Importações e Balança Comercial - Parceiro China: (Anual) - 2018

Fonte: BRASIL, Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços, 2018. . Em síntese, em matéria de exportações (primeira coluna), de um vertiginoso crescimento verificado desde 2007 (salvo o ano de 2012), observamos um declínio significativo entre os anos de 2013 para 2014 e de 2014 para 2015. No que tange a formação de superávit (terceira coluna), da série iniciada em 2009, ressaltamos o impacto operado pelo baixo desempenho em 2004. Tal fenômeno contribuiu para desencadear um processo em que, as políticas econômicas que caracterizaram os governos Lula e Dilma - de aumento do valor das commodities na conjuntura internacional e oferta de créditos, "superávit primário, regime de metas de inflação, taxas de juros elevadas, câmbio valorizado, abertura financeira e comercial" (MACIEL, 2012, n.p.) no plano interno - fossem paulatinamente dissolvidas a partir de 2013 com os efeitos da diminuição do ritmo de crescimento da economia chinesa e a consequente queda no preço das commodities. Dado o apetite voraz do capital em seu processo de acumulação, os primeiros meses de 2015, que iniciaram o segundo mandato da presidenta Dilma Rousseff foram marcados por uma crescente pressão (interna e externamente) para a implantação de um ajuste fiscal que

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correspondia a cortes no orçamento, revisão de metas e programas de austeridade. Por um lado, como consequências imediatas às políticas inicialmente adotadas pelo então ministro da Fazenda Joaquim Levy25, incidem um expressivo aumento nas taxas de desemprego e estagnação salarial (BRASIL, 2015). Por outro, no plano político, despontam as insatisfações das bases de apoio popular aos governos petistas ancoradas nos movimentos sociais, pois, os primeiros cortes incidiram justamente sobre as políticas focalizadas, em especial, as que versam sobre educação e saúde. Assim, há uma paulatina dissolução do modelo político e social que caracterizaram estes governos, modelo este que foi entendido por Francisco de Oliveira (2010) como hegemonia às avessas. Para este autor, o consentimento dos dominantes em prescindir da direção política imediata e com isso manter longe de quaisquer questionamentos a estrutura capitalista de exploração preconizou a hegemonia conquistada pelos grupos políticos que governaram o país a partir de 2003, com a eleição de Lula da Silva. Assim Oliveira (2010) descreve:

Nos termos de Marx e Engels, da equação "força + consentimento" que forma a hegemonia desaparece o elemento "força". E o consentimento se transforma em seu avesso: não são mais os dominados que consentem em sua própria exploração; são os dominantes - os capitalistas e o capital, explicite-se - que consentem em ser politicamente conduzidos pelos dominados, com a condição de que a "direção moral" não questione a forma de exploração capitalista (Ibid., p. 27).

Com efeito, concordamos com Oliveira quanto à ausência de questionamentos por parte da classe trabalhadora - representada pelos movimentos sociais que se concentravam na base dos governos petistas - sobre a estrutura do sistema do capital, isto é, as formas de exploração da força de trabalho e o domínio da propriedade privada, sobretudo nesta fase neoliberal. Todavia, discordamos em dois pontos importantes de sua análise. Em primeiro lugar, não observamos o desaparecimento do item força da equação proposta por Marx e Engels. Ao contrário, um elemento significativo de coerção da classe trabalhadora remonta ao primeiro mandato do governo Lula: a criação da Força Nacional de Segurança Pública data de 2004. Criada, como constam as informações do próprio sítio

25 Em 2014, o então ministro da Fazendo Joaquim Levy anunciou um pacote de ajustes dispostos na Medida Provisória 664/2014 - convertida em Lei 13135/2015 - que altera o regime de benefícios e pensões e na Medida Provisória 665/2014 - transformada em norma jurídica - que altera ganhos históricos da classe trabalhadora como abono salarial e seguro desemprego. Disponível em: . Acesso em 17 dez. 2017. 41

eletrônico do Ministério da Justiça e Segurança Pública26, "para executar atividades e serviços imprescindíveis à preservação da ordem pública, à segurança das pessoas e do patrimônio, atuando também em situações de emergência e calamidades públicas". Ora, nada mais característico do sistema repressivo do capital do que uma força especializada em reprimir a classe trabalhadora em suas manifestações e proteger a propriedade privada. Segundo, há um duplo equívoco em compreender que o PT, em conjunto aos movimentos sociais, assumiu a direção política do país enquanto representante dos trabalhadores. A princípio porque de posse do governo (e mesmo antes das eleições), o PT assumiu parte significativa dos compromissos da classe dominante. Para Coelho (2017), os governos petistas devem ser classificados como "esquerda para o capital" em que, se acentua um reformismo comprometido com a agenda neoliberal baseado na colaboração de classes. E, de acordo com Hoeveler (2016, p. 80), "os governos do PT, ao contrário, significaram um movimento de apassivamento das mobilizações populares" e depois, não governou sozinho e sim, em conjunto aos organismos representativos do capital. Neste ponto, cabe introduzir a categoria de partido político em Gramsci (2000). Em Gramsci (2000, p. 235) o partido político está além da ideia de sigla partidária, pois, "[...] numa determinada sociedade, ninguém é desorganizado e sem partido, desde que se entendam organização e partido num sentido amplo e não formal". Tais partidos políticos, organizados a partir da sociedade civil intencionam obter hegemonia a partir do consenso e da coerção e, quando no controle do Estado ampliado exercem seu poder legitimados pelo sistema jurídico. Do mesmo modo Gramsci (2000) considera:

Será necessária a ação política (em sentido estrito) para que se possa falar de "partido político"? Pode-se observar que no mundo moderno, em muitos países, os partidos orgânicos e fundamentais, por necessidade de luta ou por alguma outra razão, dividiram-se em frações, cada uma das quais assume o nome de partido e, inclusive, de partido independente (Ibid., p. 349-350).

De acordo com esta ampliação da ideia de partido podemos entender que, buscando a hegemonia (consenso combinado à coerção), grupos sociais e/ou entidades associativas agem enquanto partidos políticos estruturados. Dessa forma, o PT enquanto partido não exerceu sozinho a direção política do país. Junto a ele, exerceram essa direção, ao aparelharem o

26 Disponível em: . Acesso em 17 dez. 2017. 42

Estado integral, organismos historicamente hegemônicos no Brasil e comprometidos com o capital internacional, como a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP), Confederação Nacional da Indústria (CNI), Federação das Indústrias do Estado de Pernambuco (FIEPE), Associação Brasileira do Agronegócio (ABAG) e a Fundação Lemann, entre outros, bem como, organismos diretamente vinculados ao mercado financeiro internacional. Tais grupos estavam prontamente representados, haja vista, alguns dos ministros que compuseram os governos petistas27, no caso: Luiz Fernando Furlan, ministro de Desenvolvimento entre 2003-2007, foi presidente do grupo Sadia entre 1993-2003 e vice- presidente da FIESP entre 1998-2004; Roberto Rodrigues, ministro da Agricultura entre 2003-2006, foi presidente da ABAG entre os anos 2000-2002; Walfrido Mares Guia, ministro do Turismo entre 2003-2006 e ministro da Secretaria de Relações Institucionais entre 2006- 2007, é acionista majoritário do grupo Kroton Educacional, empresa vinculada à Fundação Lemann; Henrique Meirelles, presidente do Banco Central entre 2003-2011 e ministro da Fazenda desde 2016, foi presidente mundial do BankBoston entre 1996-1999 e presidente mundial do Global Banking entre 1999- 2002; Joaquim Levy, ministro da Fazenda entre os anos de 2014-2015, integrou os quadros do Fundo Monetário Internacional (FMI) entre os anos de 1992-1999; Alexandre Tombini, presidente do Banco Central entre 2010-2016, foi representante brasileiro no FMI entre os anos de 2002- 2005 e após sua saída da presidência do Banco Central em 2016 foi nomeado diretor executivo do FMI; Armando Monteiro, ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio entre 2015-2016, foi Presidente da FIEPE e presidente da CNI entre os anos de 2002-2010. Assim, de acordo com esse cenário expressamos a atuação de grupos empresarias como a FIESP, FIEPE, CNI, ABAG e Fundação Lemann como partidos de determinadas frações burguesas, articuladas à burguesia internacional dominante representada pelo capital financeiro e industrial. Em nossa análise, tais partidos - atuando como mediadores entre a sociedade civil e a sociedade política - exerceram durante os governos petistas o papel dirigente e hegemônico. Contrariando a hipótese de que o PT foi um partido dominante salientamos que, sua função concentrou-se em, simultaneamente, conciliar e mediar, dado seu

27 As informações referentes aos ministros supracitados foram consultadas em duas fontes: primeiro no acervo do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil - CPDOC da Fundação Getúlio Vargas/FGV. Disponível em: . Acesso em 03 jan. 2018; e segundo no site da Fundação Perseu Abramo. Disponível em: . Acesso em 03 jan. 2018. 43

histórico, a agenda neoliberal promovida por estes grupos com os movimentos sociais e o conjunto da classe trabalhadora, ao mesmo tempo em que propiciara as condições objetivas para o crescimento da burguesia interna, bem como a ascensão de uma nova burguesia de serviços. Para Boito Jr (2018) tal característica de conciliação de classe dos governos petistas reforça o que este autor evidenciou de política neodesenvolvimentista. Por um lado, os investimentos em obras públicas geradoras de emprego como a transposição do Rio São Francisco, a usina hidroelétrica de Belo Monte, as construções de casas do Programa Minha Casa Minha Vida, as obras voltadas à Copa do Mundo FIFA de 2014 e aos Jogos Olímpicos de Verão de 2016, entre outras grandes obras, reforçam esse caráter desenvolvimentista oriundo, no Brasil, de políticas semelhantes empreendidas durante a Era Vargas e posteriormente sob o governo de Juscelino Kubitschek. No caso dos governos Lula e Dilma, as grandes obras impulsionaram as grandes empresas de construção civil da burguesia interna. Neste sentido, vale destacar que:

O campo neodesenvolvimentista e o campo liberal ortodoxo não são agrupamentos com composição social aleatória e que teriam como principal fator de coesão a crença em doutrinas econômicas rivais. A aplicação da plataforma neodesenvolvimentista contempla prioritariamente os interesses da grande burguesia interna, enquanto a aplicação das propostas neoliberais contempla as demandas do capital internacional e da fração da burguesia a ele integrada (BOITO JR, 2018, p. 211-212).

De fato, consideramos que a aplicação das políticas assim chamadas neodesenvolvimentistas durante os governos petistas tiveram grande impacto na reconfiguração de determinadas frações burguesas, entretanto, tais políticas só foram possíveis na medida em que não oferecessem nenhum tipo de risco ou perda para o grande capital em sua fração hegemônica do capital financeiro internacional; e ressaltamos que, tal conciliação ou concessão perdurou mediante os fortes índices econômicos positivos no Brasil, ancorados pelo forte crescimento econômico da China. Em suma, tanto na explicação de Boito Jr, quando na de Oliveira é evidente o caráter de conciliação de classes exercido pelos governos petistas, o que, se por um lado contribuiu significativamente para uma série de conquistas da classe trabalhadora, por outro, ocultou a presença massiva de quadros da burguesia associada ao capital internacional e suas políticas neoliberais dentro do governo exercendo posições de hegemonia. Assim, podemos afirmar

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que os governos petistas esbarram no grande equívoco de tentar conciliar o inconciliável: a luta de classes. Doravante, Coutinho (2010) não refuta a categoria de hegemonia às avessas de Oliveira (2010), todavia, partindo da leitura de Gramsci e Lênin, o autor estabelece outra possibilidade de análise a respeito dos governos petistas. Primeiramente é preciso compreender que, para Coutinho (2006, p.174), a formação da burguesia brasileira e com esta o avanço capitalista pode ser interpretada pela categoria em Lênin de via prussiana, modelo em que se sobressai "um tipo de transição ao capitalismo que conserva elementos da velha ordem [...]". Do mesmo modo, em Gramsci, a categoria de revolução passiva explicita que "os processos de transformação em que ocorre uma conciliação entre as frações modernas e atrasadas das classes dominantes [...] provocam mudanças na organização social, mas mudanças que também conservam elementos da velha ordem" (Ibid.; Ibidem). Neste caso, entendemos por "velha ordem" no Brasil uma sociedade fundamentada na escravidão. Concordamos com a leitura de Coutinho (2006) sobre a revolução passiva ou via prussiana na formação da burguesia capitalista em nosso país, e, mais adiante no texto buscaremos combinar esta leitura com as análises de Florestan Fernandes (1976) sobre a especificidade da burguesia brasileira. No diálogo entre a estrutura da sociedade brasileira e a conjuntura que opera nos governos petistas, ao avançar sobre a leitura do modelo de hegemonia às avessas destacamos as categorias em Gramsci (2000) de pequena e grande política. Coutinho (2010) compreende como pequena política uma característica da fase neoliberal do sistema do capital - hegemônica por naturalizar seus conjuntos de valores no senso comum - a manutenção das discussões políticas apenas no âmbito de questões cotidianas e internas à estrutura política maior, enquanto a grande política representa as discussões a respeito de mudanças na própria estrutura dos Estados e sociedades. Neste sentido, Gramsci (2000, p. 21) irá afirmar que "é grande política tentar excluir a grande política do âmbito interno da vida estatal e reduzir tudo a pequena política". Portanto, para Coutinho (2010), compreende-se que houve durante os anos de governos do PT uma hegemonia28 da pequena política em que, apenas as questões ligadas ao

28 Salientamos que para Coutinho (2010) o conceito de hegemonia em Gramsci corresponde ao consenso conseguido pelas classes dirigentes junto à sociedade civil, contudo, em nossas análises trataremos hegemonia compreendendo que o conceito de hegemonia traz em seu bojo a ideia de consenso, de coerção, de persuasão e de direção política-ideológica. 45

cotidiano do governo (inflação, taxas de juros, casos de corrupção, etc.) entravam em pauta, sem se questionar a estrutura econômica e social que perpassam todo o tecido social. Neste ponto, concordamos com este autor, pois, observamos que a hegemonia da pequena política que vigorou durante os governos Lula e Dilma manteve boa parte da classe trabalhadora e dos movimentos sociais afastadas de bandeiras históricas relacionadas à grande política e que, neste sentido, a hegemonia da pequena política representa a dominação do sistema do capital em sua fase neoliberal que opera uma grande política ao naturalizar seus fundamentos ocultando em última instância a luta de classes. No entanto, as consequências da conjuntura internacional de aparente crise financeira que, se revelam em essência como parte de uma crise estrutural do capital, no Brasil, assumem as formas próprias da especificidade da periferia do capitalismo. Nesse caso, há de se considerar o modelo de capitalismo dependente, tal qual descreve Florestan Fernandes (1976). Portanto, faz-se mister entender como a conjuntura específica da crise de 2007, como parte da totalidade da crise estrutural do capital operou no Brasil uma crise econômica seguida de uma acentuada crise política. Fernandes (1976), em A Revolução Burguesa no Brasil, procura analisar o modo particular pelo qual se processou no Brasil - um país da periferia do capitalismo - a "revolução burguesa" nos sentidos de "absorção de um padrão estrutural e dinâmico de organização da economia, da sociedade e da cultura" (Ibid., p. 20). Nesta análise é importante destacar que a forma com que se operou essa "revolução" no Brasil, de fora para dentro, ou seja, pelas forças do modo de produção capitalista numa escala global e não pela "vontade revolucionária da burguesia brasileira" (Ibid., p. 215) contribuiu para a formação de um modelo de capitalismo dependente. Dessa forma, a burguesia brasileira, enquanto herdeira das oligarquias e ao mesmo tempo dependente do capital internacional possuí, além de um intrínseco caráter conservador, um aspecto reacionário e autocrático, fundamentado na "contrarrevolução preventiva" (FERNANDES, 1976). Essa burguesia é perpassada por um processo de modernização industrial, porém, com demasiadas lacunas voltadas a uma velha tradição colonial. Como consequência imediata deste processo contraditório, Mattos (2017) expressa a partir de suas análises da obra de Fernandes (1976):

As mais leves demonstrações de manifestação autônoma dos trabalhadores urbanos e/ou rurais seriam tomadas como sérias ameaças ao padrão burguês 46

de dominação autocrática. Daí que tal dominação adquirisse um caráter permanentemente contrarrevolucionário (MATTOS, 2017, p. 12).

Em obra posterior, Fernandes (2011) ainda acrescenta que:

Desde que se constituiu o capitalismo, as nações capitalistas centrais só exportam para a periferia modalidades crescentemente mais complexas e eficazes de dominação e de exploração. Só contamos com uma exceção, e ela confirma a regra. A desagregação do antigo regime colonial uniu interesses dominantes na Europa avançada com os interesses conservadores da aristocracia agrária e do alto comércio. E a união se fez em nome da conservação do status quo: a defesa da ordem casou-se com a preservação de estruturas coloniais que duraram até o fim do século XIX [...] (Ibid., p. 216).

Portanto, é possível considerar que estruturas coloniais clássicas, como a escravidão oficial, entre outras, tenham se rompido com a emergência do século XX, no entanto, para a formação da sociedade brasileira, a herança histórica deste processo permanece consideravelmente nas estruturas sociais, tal como afirma Marx (2011, p. 25), "como um pesadelo que comprime o cérebro dos vivos". As consequências imediatas e mediatas aos efeitos da crise de 2007, como parte da crise estrutural do capital, apontam no Brasil para um recrudescimento e ao mesmo tempo uma aceleração das políticas neoliberais e, concomitante a isso um avanço conservador, reacionário e da extrema direita. Aqui, é importante salientar que, numa análise atenciosa que compreenda a citação de Mattos (2017) e Fernandes (2011) em conjunto a esse recrudescimento neoliberal é possível sustentar a ideia de que os avanços econômicos e sociais dos governos petistas, embora tenham atendido as demandas do capital financeiro internacional com políticas neoliberais, significou, em última instância, uma revolução passiva, pois, de algum modo, ainda que a política estivesse subsumida à pequena política, os elementos da velha ordem que se mantiveram foram combinados a paulatinas transformações sociais que atenderam demandas históricas da classe trabalhadora, transformações essas que no Brasil, deste início da década de 2010, desperta uma reação conservadora e reacionária da burguesia herdeira da velha ordem. Mazzeo (2015) a partir dos estudos das obras de Florestan Fernandes e Caio Prado Jr., procura compreender a formação da burguesia brasileira em seu caráter autocrático, para ele, a escravidão produziu no Brasil uma forma reacionária e conservadora de liberalismo. Jessé

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de Souza (2017) seguindo esse mesmo caminho imputa à escravidão as formas históricas assumidas no Brasil pela burguesia, para ele nosso país é fundado sob o signo da escravidão. É conveniente explicitar que, concordamos com a tese da fundação do Brasil sob o fenômeno da escravidão e da mesma forma, também concordamos que a formação da burguesia brasileira é indissociável a marca da escravidão que contribuiu, em nosso país, para a construção de uma sociedade em última instância reacionária e conservadora; racista, machista e autoritária. No entanto, o fenômeno da escravidão que perdurou oficialmente no Brasil até 1888, não está isolado do restante do mundo, isto é, em sendo o capital um “sistema-mundo”, a emergência de um liberalismo progressista, fruto de um processo clássico de revolução burguesa somente foi possível com as enormes riquezas produzidas pela escravidão no Brasil e em várias partes do mundo. Tal liberalismo pode ser considerado progressista apenas para seus próprios interesses. Sobre a escravidão no modo de produção capitalista Marx (2017) irá descrever:

A descoberta de terras auríferas e argentíferas na América, o extermínio, a escravização e o soterramento da população nativa nas minas, o começo da conquista e saqueio das Índias Orientais, a transformação da África numa reserva para a caça comercial de peles negras caracterizam a aurora da era da produção capitalista [...]. Os tesouros espoliados fora da Europa diretamente mediante o saqueio, a escravização e o latrocínio refluíam à metrópole e lá se transformavam em capital (Ibid., p. 821; 825).

Ao propiciar o diálogo entre o papel da escravidão no modo de produção capitalista e a formação da sociedade brasileira a partir deste fenômeno procuramos identificar nos mecanismos que atuaram adjacente à conjuntura de crise, usados para consumir o já fragilizado governo Dilma, os mesmos elementos da velha herança colonialista e escravista que produziu no Brasil uma burguesia da qual nos descreve Florestan Fernandes (1976). Isto é, o avanço do fenômeno que podemos denominar de ódio de classe. Evidenciado, nos últimos anos, em tantas ocasiões que, nos concentraremos apenas em alguns exemplos, dentre eles, as falas dos deputados e senadores quando da seção que determinou o impeachment da então presidenta Dilma Rousseff. Sem contar os inúmeros gestos à pátria, à família tradicional burguesa e à religião cristã; a sociedade brasileira e quiçá, a humanidade em geral foram agredidas com a saudação do então, deputado federal Jair Bolsonaro - membro do Partido Progressista (PP) à época -, ao coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra.

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Pela memória do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, o pavor de Dilma Rousseff, pelo exército de Caxias, pelas Forças Armadas, pelo Brasil acima de tudo e por Deus acima de todos, o meu voto é sim – foi o trecho final do discurso de Bolsonaro, em meio a vaias e aplausos (BBC Brasil, 2016, n.p.).

Falecido em 2015, Ustra foi um dos principais representantes das práticas de tortura durante a Ditadura Civil-Empresarial-Militar no Brasil (1964-1985), e,

[...] entre 1970 e 1974, Ustra foi o chefe do DOI-Codi do Exército de São Paulo, órgão de repressão política do governo militar. Ali, sob o comando do coronel, ao menos 50 pessoas foram assassinadas ou desapareceram e outras 500 foram torturadas, segundo a Comissão Nacional da Verdade (BBC BRASIL, 2016, n.p.).

O quadro acima se constitui ainda mais alarmante considerando que, segundo a Historiadora e Professora da Universidade Federal do (UFRS), Caroline Bauer (2016), no espaço de um ano, entre 2011 e 2012 "a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República recebeu 1007 denuncias de tortura" (p. 134), ou seja, assistimos a tortura como uma continuidade histórica dentro de uma conjuntura democrática. Neste sentido, não poderíamos classificar de outro modo a fala do ex-deputado e atual Presidente da República, senão como crime contra a humanidade. Frigotto (2017, p. 31-32), no livro em que organiza sobre o MESP nos concede outro exemplo a respeito do ódio de classe:

Duas expressões, ícones nas redes de internet, mas construídas de forma subliminar pela mídia empresarial, condensam preconceito, ódio e a indicação de liquidar o outro, indivíduo ou instituição: mortadelas e petralhas (grifos do autor). Mortadela sintetiza o preconceito e o rancor contra o povo simples e pobre, entendido como estorvo e ameaça. Petralhas, mais do que a extinção do Partido dos Trabalhadores (PT) indica o desejo de extermínio do pensamento crítico e das instituições, grupos sociais e indivíduos que lutam por justiça e igualdade social caracterizando-os como bandidos.

Compreendemos com os exemplos supracitados que, as demonstrações de ódio contra o Partido dos Trabalhadores manifestam, em essência, a reação e ação conservadora, reacionária e criminosa do ódio de classe, revelando em suma os aspectos mais obscuros presentes na formação da burguesia brasileira que, em sendo, como já exposto - permanentemente contrarrevolucionária - almeja impedir a consolidação das parcas

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conquistas obtidas pelo conjunto da classe trabalhadora durante os governos petistas, nas palavras de Boito Jr. (2018, p. 216-217):

Os programas de transferência de renda para a população em situação precária, as cotas raciais e sociais nas universidades e no serviço público, a extensão dos direitos trabalhistas a empregadas e empregados domésticos, a recuperação do salário mínimo, essas e outras medidas são vistas pela alta classe média como uma conta que ela terá de pagar por intermédio dos impostos que lhe são cobrados, como uma ameaça à reserva de mercado que seus filhos ainda detêm nos cursos mais cobiçados das grandes universidades e nos cargos superiores do serviço público, como afronta aos valores da ideologia meritocrática - tão cara aos profissionais com diploma universitário -, como uma intromissão nas relações autoritárias e paternalistas que as famílias de classe média mantêm com seus funcionários domésticos e como medidas indesejáveis por possibilitar que espaços e instituições anteriormente reservados a alta classe média fossem "invadidos" (grifos do autor) por indivíduos pertencentes aos setores populares.

O ódio de classe no Brasil, herdeiro de uma tradição histórica, manifesta o aspecto mais violento da luta de classes, isto é, a aniquilação ou a total subjugação do outro e, portanto, pelas características que dispomos sobre a formação da burguesia brasileira nestas páginas, inferimos que, embora os governos Lula e Dilma tenham conseguido em partes suprimir no debate político mais amplo, por quase uma década, as irreparáveis contradições oriundas da luta de classes no Brasil a partir da tentativa de conciliação de classes, na medida em que os efeitos da crise de 2007 propagavam-se pelo o país, desfalecia, ao mesmo tempo, tal modelo político-social preconizado pelo Partido dos Trabalhadores emergindo velozmente à superfície o caráter inconciliável da luta de classes. Doravante, a intensificação das políticas de austeridade no Brasil inicia-se junto ao segundo mandato da presidenta Dilma Rousseff em 2015. A equipe econômica29 escolhida pelas frações burguesas do capital financeiro e industrial para compor o governo acenavam como um alento aos prejuízos que provinham da queda nos índices de crescimento econômico no país30. Assim, caberia ao governo petista levar a cabo os ajustes necessários para salvaguardar a confiança no mercado financeiro, o compromisso com o superávit primário e, em suma, o padrão de acumulação do capital.

29 A equipe econômica que inicia o segundo mandato da presidenta Dilma Rouseff foi composta por: Nelson Barbosa no ministério do planejamento; Joaquim Levy no ministério da Fazenda e Alexandre Tombini no Banco Central. Os dois últimos nomes já foram estudados aqui neste capítulo como membros ativos de grupos/partidos da fração burguesa do capital financeiro internacional. 30 Informações disponíveis em: . Acesso em 03 jan. 2018. 50

Entretanto, apesar de acenar para tais medidas, o caráter conciliatório que o PT dispunha ao produzir o consenso entre a classe trabalhadora (não sem dispor também de um aparto coercitivo, como já explicado) não mais corespondia aos anseios do capital internacional e consequentemente à burguesia brasileira. Por fim, pela velocidade e intensidade requerida pelas frações hegemônicas do capital, as reformas seriam introduzidas com ou sem a primazia do governo petista. Assim, o cenário disposto estava amplificado por outros dois fatores (todos inter- relacionados): o início de um ciclo de mobilizações de rua, caracterizada por Mattos (2016, p. 93), como "jornadas de junho" e os escândalos de corrupção que despontaram junto aos meios de comunicação a partir de 2013. As manifestações que se iniciam em São Paulo, em junho de 2013, convocadas a princípio pelo Movimento Passe Livre (MPL), difundem-se rapidamente por todo o país. Como pauta inicial, o MPL protestava contra o aumento de 20 centavos de reais nas tarifas de transporte público, então anunciada pelo prefeito da cidade de São Paulo, Fernando Haddad (PT-SP)31. A intensa repressão da Policia Militar na capital paulista e nas manifestações que se expandiram por demais cidades foi transmitida ao vivo pelos principais veículos de comunicação em massa do país, incluindo aí as transmissões realizadas por mídias alternativas em canais como, Facebook e Youtube e outras redes sociais. As violentas cenas, transformadas em espetáculo32 para as massas, catalisaram um aumento progressivo de manifestantes nos protestos que se seguiram. Conforme as mobilizações se intensificavam, organizações oriundas da classe dominante local - conectada com as frações conservadoras do capital internacional33 - orquestravam o controle das manifestações introduzindo pautas historicamente vinculadas à extrema-direita (MATTOS, 2016). Parte dessas pautas versava, na aparência, a respeito dos "escândalos" de corrupção exaustivamente veiculados na mídia empresarial, especialmente a

31 Informações disponíveis em:< http://www.ebc.com.br/cidadania/2014/06/protestos-completam-um-ano-e- violencia-policial-se-repete>. Acesso em 17 out. 2017. 32 Ressaltamos que a noção de espetáculo foi caracterizada pelo filosofo Guy Debord em A sociedade do espetáculo. Concordamos com ele na assertiva de que "o espetáculo não é um conjunto de imagens, mas uma relação social entre pessoas, mediada por imagens" (1997, p. 14). 33 As frações a qual nos referimos representam os chamados think tanks, espécie de organização "guarda chuva" que comporta grupos de extrema-direita em várias partes do mundo para a formação de quadros que espalhem pela sociedade civil e sociedade política os princípios neoliberais e conservadores. Para maiores informações consultar: HOEVELER, Rejane. A direita transnacional em perspectiva histórica: o sentido da "nova direita" brasileira. In: DEMIER, Felipe; HOEVELER, Rejane. A onda Conservadora: ensaios sobre os atuais tempos sombrios no Brasil. Rio de Janeiro: Mauad, 2016. 51

"Operação Lava Jato", empreendida pela Polícia Federal que, naquele período iniciava suas investigações. Contudo, em essência, as organizações responsáveis por promover a "pauta da direita" nas manifestações, sobretudo, Movimento Brasil Livre (MBL), Revoltados Online e Vem Pra Rua capitaneavam a direção do movimento a partir do ódio de classes e dos interesses classistas comprometidos com o sistema do capital. Destacamos nas pautas dessas organizações preliminarmente os seguintes interesses específicos: MBL como difusor do pensamento conservador e dos preceitos neoliberais (EL PAÍS, 2015); Revoltados Online, enquanto fração reacionária da burguesia brasileira trazendo à tona a pauta da intervenção militar (Ibid.); Vem Pra Rua, mais difuso do que as outras duas organizações, obteve adesão de atores da Rede Globo de Televisão, entre outras personalidades da mídia empresarial e apesar de portar um discurso em tom conciliador propunha em suas bases os mesmos ideais neoliberais e conservadores estampados no MBL (Ibid.). Em 2015, o tom das grandes manifestações de massas, agora, diretamente convocadas por estes grupos, já convergia quase que unicamente pelo impeachment da presidenta Dilma Rousseff, com o argumento de combate à corrupção. Da mesma forma, à medida que a "direita ocupava as ruas", os movimentos sociais concentrados na base de apoio dos governos petistas, em especial Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) e Central Única dos Trabalhadores (CUT) tratavam de fazer frente a essa onda da direita, ainda que insatisfeitos com as políticas econômicas do governo. É importante ressaltar que, a despeito da pauta da corrupção, consideramos que seu desenvolvimento é concomitante ao desenvolvimento do modo de produção capitalista, isto é, conforme Hoeveler e Melo (2016, p. 58) irão nos dizer a partir de um comentário de Marx: "acreditar que a corrupção é a causa de todo os males é equivoco similar ao que faziam certos filósofos da natureza, que acreditam que a febre é a causa das doenças". Neste sentido, nossa análise sobre os discursos contra a corrupção incessantemente reproduzidos pela mídia empresarial abarca três pontos inter-relacionados: primeiro, imprimir apenas à arena do Estado o papel de promotor exclusivo da corrupção está na aparência do fenômeno e contempla a estratégia neoliberal de reduzir a influência do Estado na economia e na política. Desconsidera, por exemplo, que é na sociedade civil que se operam as ações dos sujeitos individuais e coletivos que, de posse da hegemonia, aproveitam por empreender seus interesses privados, seja no enriquecimento pessoal ou dos grupos por estes sujeitos

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representados. Segundo, o movimento em torno dos discursos de corrupção reduz a política à pequena política, pois, não se questiona a estrutura social, política e econômica em que despontam a corrupção; terceiro, enquanto um espetáculo promovido pela mídia empresarial e reproduzido nas redes sociais naturaliza-se a corrupção como único obstáculo ao desenvolvimento social e econômico, sem promover o debate acerca dos fundamentos da corrupção, parte indissociável do próprio sistema do capital, novamente, mantém-se o fenômeno na aparência, isto é, no senso comum, promovendo sua aceitação passiva. Na correlação de forças que se seguiu, dada a conjuntura aqui já exposta de crise estrutural do capital, somada à leitura da especificidade da Revolução Burguesa suscitada em Fernandes (1976) e o caráter fundante da escravidão no Brasil, observamos que, ancorada na contradição conservador e progressista a guinada das manifestações que se iniciam em junho de 2013 para a direita - com representantes nas ruas de diferentes frações da burguesia brasileira portando o discurso aparente do "fim da corrupção" e, posteriormente a onda conservadora e reacionária da extrema direita que se segue com a profusão de discursos de ódio manifestados na apologia à tortura e a intervenção militar -, representam em última instância o caráter permanentemente contrarrevolucionário da burguesia brasileira que, na ânsia de impor a classe trabalhadora os preceitos neoliberais com maior voracidade recorrem às suas heranças colonialistas, racistas, reacionárias e ao "modo autocrático de dominação" (FERNANDES, 1976). Fernandes (2011), ao revisitar os escritos de A Revolução Burguesa no Brasil acrescenta, sobre a burguesia brasileira, suas frações e seu caráter dependente:

Uma burguesia vacilante, que não pode arriscar-se à ousadia do anti- imperialismo declarado e que, tampouco, pode escolher quem é quem (grifos do autor) dentro de seus próprios quadros, condena-se a contemporização permanente e condena a sociedade nacional que controla, por sua vez, a uma quase paralisia política (Ibid., p. 31).

Assim, o avanço da extrema direita no Brasil é ao mesmo tempo reativo, pois, no momento que se instauram os efeitos da crise de 2007, reagem aos parcos avanços sociais conquistados pelo conjunto das lutas dos trabalhadores engajados nos movimentos sociais como já demonstramos anteriormente. Mas, é também constantemente ativo, haja vista que, as forças conservadoras e reacionárias são - como Fernandes (1976) nos indica - intrínsecas ao desenvolvimento particular da burguesia brasileira:

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O modo pelo qual se constituiu a dominação burguesa e a parte que nela tomaram as concepções da "velha" e da "nova" oligarquia converteram a burguesia em uma força social naturalmente ultraconservadora e reacionária (Ibid., p. 213).

Contudo, é importante ressaltar que, o aparente colapso do modelo político-econômico que caracterizou os governos petistas não proporcionou uma ruptura no padrão de dominação burguesa constitutivo da fase neoliberal do sistema do capital, ao contrário, assistimos a um acirramento das lutas de classes com um recrudescimento das políticas neoliberais, em que, como Gramsci (2000) explica:

A classe dirigente tradicional, que tem um numeroso pessoal treinado, muda homens e programas e retoma o controle que lhe fugia com uma rapidez maior do que a que se verifica entre as classes subalternas; faz talvez sacrifícios, expõe-se a um futuro obscuro com promessas demagógicas, mas mantém o poder, reforça-o momentaneamente e dele se serve para esmagar o adversário [...] (Ibid., p. 61).

Para nós, o alerta indicado por Gramsci (2000) explicita em grande medida como as frações hegemônicas do capital internacional, em conjunto às frações dominantes locais se reorganizaram diante dos riscos colocados pela crise econômica e política que se instaura a partir de 2013 no Brasil, sobretudo porque as primeiras grandes manifestações continham uma série de pautas oriundas da classe trabalhadora. Em se tratando da burguesia brasileira, dependente, escravista e conservadora, por vezes mesmo reacionária - disposta a aderir a qualquer projeto obscuro que lhe dê sustentação - a resposta vem ao encontro do caráter de contrarrevolução preventiva, haja vista o Golpe Civil-Empresarial-Militar de 1964. Destarte, inferimos que as análises promovidas até aqui a respeito da particularidade brasileira no processo de longa duração da crise estrutural do capital, manifesta-se no Brasil em uma conjuntura - sobretudo, a partir de 2013 com a rápida reorganização da burguesia brasileira, especificamente as frações associadas ao capital internacional - de crise orgânica. Para Gramsci (2000, p. 60), a crise orgânica representa uma crise total: política econômica e cultural, assim ele descreva como uma:

[...] crise de hegemonia da classe dirigente, que ocorre ou porque a classe dirigente fracassou em algum grande empreendimento político [...], ou porque amplas massas [...] passaram subitamente da passividade política para uma certa atividade e apresentam reivindicações que, em seu conjunto desorganizado, constituem uma revolução.

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Ele ainda acrescenta que: "A crise cria situações imediatas perigosas, já que diversos estratos da população não possuem a mesma capacidade de se orientar rapidamente e de se reorganizar com o mesmo ritmo" (Ibid., p. 61). Se atentarmos para o modus operandi da burguesia brasileira, o perigo assinalado por Gramsci (2000), sendo ele um pensador encarcerado pelo fascismo italiano, torna-se ainda mais evidente. Doravante, a reorganização da burguesia brasileira que se opera a partir do governo de Michel Temer deve levar em consideração alguns aspectos particulares, neste caso, o surgimento do que alguns autores como Freitas (2018) e Casimiro (2018) vêm chamando de "nova direita", isto é, um grupo heterogêneo de uma burguesia associada ao capital internacional que, comporta desde grupos políticos concentrados às margens durante as últimas décadas, até um empresariado ultraliberal já ativo durante os governos petistas, passando por, entre outros, grupos vinculados ao fundamentalismo religioso.

A nova direita não possui uma homogeneidade ideológica, mas comporta distintas orientações, desde a influência monetarista da Escola de Chicago, o neoliberalismo da escola Austríaca, com Von Mises e Hayek ou mesmo vertentes mais fundamentalistas [...] (CASIMIRO, 2018, p. 466).

Para Casimiro (Ibid.) essa organização de uma nova direita no Brasil remonta ao processo de democratização do país, embora, na conjuntura atual de crise orgânica tal processo tenha se impulsionado. Formada por diversos aparelhos privados de hegemonia - com destaques para o Instituto Liberal (do qual faz parte o fundador do MESP) em suas ramificações pelo país e para o Instituto Millenium -,

[...] a nova direita atua de forma institucionalizada no interior do Estado, reconfigurando sua estrutura dialeticamente como veículo e resultado do processo de atualização da dominação burguesa [...]. Exerce e cobra a coerção, assim como busca "educar" a sociedade para a construção/naturalização da sociabilidade do capital. [...]. E a partir de sua relação íntima com o Estado (por dentro), aciona diversificadas estratégias de ação para o aprofundamento das formas de expropriação e rapinagem dos recursos e direitos sociais historicamente constituídos no âmbito da luta de classes (CASIMIRO, 2018, p. 465).

Para Freitas (2018), essa nova direita, neoliberal e antidemocrática ressurge após o esgotamento do que ele chamou de "primeira onda neoliberal" (p.14), teriam, dessa forma, os governos progressistas no inicio do século XXI, sido surpreendidos por essa onda ultraliberal, conservadora e reacionária que, segundo ele, comporta fenômenos como o MESP: 55

Neste quadro, é compreensível que movimentos destinados a cercear a liberdade docente como o "Escola sem Partido" estejam simultaneamente presentes à implementação acelerada das reformas constitucionais e do Estado, após 2016, incluindo a reforma da educação, com autoria e financiamento empresarial (Ibid., p. 28).

Em nossa análise, as eleições de 2018 e a chegada ao governo do ex-deputado federal Jair Bolsonaro, atual membro do Partido Social Liberal (PSL), marcam profundamente a (re) orientação hegemônica no interior desta nova direita, com destaque para as mediações do empresariado ultraliberal representado na figura de Paulo Guedes34, dos setores militares estampado em vários ministros de governo35 (incluindo a pasta da educação com cargos destinados à militares) e do fundamentalismo religioso na presença, entre outras, de Damares Alves36 como ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos. Ainda mais significativo, para este estudo é a forte presença de quadros de apoiadores do MESP, presentes a partir de 2019 no governo37. Nas fronteiras do radicalismo neoliberal e moral presentes nesta nova direita que se fortalece com o processo de crise orgânica no Brasil, destacamos a presença de grupos religiosos fundamentalistas, oriundos, grosso modo, de parcelas neopentecostais das Igrejas Evangélicas, da renovação carismática Católica, além de setores reacionários da Igreja Católica. Marilena Chauí (2006) descreve o fundamentalismo religioso como um momento reacionário que, na incompreensão da modernidade e de seus efeitos na sociedade, busca contorná-la apelando para a transcendência divina, isto é, os fundamentalistas optam por não enfrentar o que se opõe à sua ideologia, mas em trazer para o terreno do metafísico e do incompreensível as explicações que legitimam suas posições. Assim, a disputa por hegemonia

34 Paulo Guedes, ministro da economia do governo Bolsonaro, foi um dos fundadores do Instituto Milenium; economista com Ph.D pela Universidade de Chicago é fundador e sócio majoritário do grupo BR investimentos e um dos fundadores do Banco Pactual. Informações disponíveis em: Acesso em 02 jan. 2019. 35 Fazem parte do governo Bolsonaro os seguintes militares: Augusto Heleno Ribeiro Pereira (Gabinete de Segurança Institucional); Carlos Alberto dos Santos Cruz (Secretaria de Governo); Fernando Azevedo e Silva (Defesa); Maynard Marques de Santa Rosa (Secretaria de Assuntos Estratégicos); Floriano Peixoto Vieira Neto (secretário-executivo Secretaria-Geral da Presidência); Guilherme Theophilo (Secretaria Nacional de Segurança Pública) e Almirante Bento Costa Lima Leite (Minas e Energia). Informações disponíveis em: Acesso em 03 jan. 2019. 36 Damares Alves é pastora evangélica da Igreja do Evangelho Quadrangular. De 2015 à 2018 foi assessora parlamentar do ex-senador , membro do Partido da República (PR). 37 Mais adiante ver tabela na seção 2.1 do capítulo 2. 56

na sociedade capitalista brasileira, dependente e portadora de velhas tradições, reporta-se ainda para a questão da laicidade e secularização do Estado. Para Cunha (2016), na realidade concreta os processos que conduzem uma sociedade para a secularização ou laicização são muitos heterogêneos, não comportando como exemplo um modelo único, entretanto para este autor, no modelo ideal laico:

[...] o Estado se autonomiza diante do campo religioso e se torna imparcial em matéria de religião [...]. Ao invés de usufruir da legitimação conferida por uma religião, ele passa a respeitar todas as crenças religiosas, suas práticas e instituições, desde que não atentem a ordem pública [...]. Em suma, no Estado laico as instituições políticas estão legitimadas pela soberania popular, ele dispensa a religião para estabelecer a coesão social e/ou a unidade nacional (Ibid., p. 04).

Ao contrário da citação acima, a julgar pelas discussões a respeito do aborto, da união civil entre pessoas do mesmo sexo, da persistência de símbolos religiosos em instituições públicas, do domínio de programas religiosos em mídias que operam a partir de concessão estatal, da existência de um aglomerado de deputados federais e senadores compondo frentes parlamentares religiosas, da presença de pastores e cantores gospel em cargos parlamentares, a sociedade brasileira caminha para um perigoso terreno do fundamentalismo, o que nos coloca um desafio superior à busca por laicidade e secularização: o desafio da emancipação humana em seu caráter geral, da qual Marx (2010) aponta como sendo a retomada de todas as potencialidades humanas gerais e abstratas para o indivíduo concreto em que, o ser social não se separe do ser político. É bem verdade que a intromissão da religião no Estado no Brasil é congênita, como nos demonstra a análise do professor Luiz Antonio Cunha (2016). No entanto, ainda mais revelador é o fato de que passados cinco séculos o tema do Estado laico ainda seja portador de fervorosos debates é que determinadas frações fundamentalistas das Igrejas Católicas e Evangélicas obtenham tamanha repercussão em suas ações, caminhando na contramão da modernidade e da racionalidade. Segundo Chauí (2006, p. 129): "Sintomaticamente, a modernidade sempre menciona o dito de Marx - 'a religião é o ópio do povo' -, esquecendo-se que essa afirmação era antecedida por uma análise e interpretação da religiosidade como 'espírito de um mundo sem espírito'" e, portanto, o avanço fundamentalista alerta-nos para o desenvolvimento de uma sociedade cujas tragédias sociais, a ignorância e a naturalização das relações e de todas as dimensões humanas sob a égide do capitalismo proporcionam o

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desencanto do real e a busca pelas realizações humanas no plano religioso e sobrenatural. Tal condição retroalimenta a resignação e aprofunda a alienação dos indivíduos. Em suma, procuramos com esta análise introdutória compreender o cenário do qual se origina e desenvolve o fenômeno do MESP, atentando para suas relações com o plano geral de crise estrutural do capital que tem em nossa compreensão, provocado o que procuramos chamar de onda desesperadora, isto é, um momento no qual as forças conservadoras e reacionárias da burguesia dominante procuram a todo custo reverter o quadro de crise, impondo às classes trabalhadoras de todo o mundo os ajustes necessários à reversão da queda exponencial na taxa de lucros. Distante de recorrer ao Estado democrático de direito e aos avanços sociais e políticos conquistados pela humanidade e movimentos políticos e culturais no Brasil, as frações de extrema direita da burguesia ultraliberal, que operam na busca por hegemonia estão dispostas a abrir mão destas bandeiras em nome do fundamentalismo de mercado, associando-se, no caso particular do Brasil, aos projetos de sociedade como os difundidos pelo MESP, nas palavras de Frigotto (2017), um projeto que "[...] avança num território que historicamente desembocou na insanidade da intolerância e da eliminação de seres humanos sob o nazismo, o fascismo e similares" (Ibid., p. 31). No entanto, procuraremos no próximo capítulo adentrar com maior afinco nos meandros do MESP em suas particularidades, como sua origem, seus intelectuais orgânicos e seu projeto específico de escola.

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2 O MOVIMENTO ESCOLA SEM PARTIDO (MESP) E SEU PROJETO DE ESCOLA, TRABALHO E FORMAÇÃO HUMANA

Mas se uma pedagogia da liberdade traz o gérmen da revolta, nem por isso seria correto afirmar que esta se encontre, como tal, entre os objetivos do educador. Se ocorre é apenas e exclusivamente porque a conscientização divisa uma situação real em que os dados mais frequentes são a luta e a violência. Conscientizar não significa, de modo algum, ideologizar ou propor palavras de ordem. Se a conscientização abre caminho à expressão das insatisfações sociais é porque estas são componentes reais de uma situação de opressão [...]. Os grupos reacionários confundiram a educação e a política de modo sistemático em suas acusações. Isso era esperado. A conscientização das massas, ainda quando não pudesse definir por si própria uma política popular autônoma, aparecia-lhes com todos os sinais de uma perigosa estratégia de subversão (WEFFORT, 2018, p. 19).

A longa citação do cientista político Francisco Weffort (2018), ministro da Cultura (1995-2002) durante os governos de Fernando Henrique Cardoso, presente no Prefácio da 42ª edição da clássica obra de Paulo Freire (2018), Educação como prática da liberdade, contribuí em demasia para a questão que se impõe ao apresentarmos neste capítulo o fenômeno do MESP: o diálogo entre escola, trabalho, educação, ideologia, neutralidade e formação humana. A referência à chamada pedagogia libertadora38, constituída a partir das ideias de Paulo Freire em meados dos anos 1960, expressa o fato de que, uma pedagogia ancorada na realidade concreta dos estudantes, suas reais condições de vida e não em “meras abstrações ou fantasias” (MARX; ENGELS, 2007), corrobora necessariamente à compreensão crítica de sua própria vida compreendida na totalidade das relações sociais em suas determinações históricas, proporcionando o desvelamento das contradições que se encontra na essência de seu modo de vida, no caso de nossas sociedades: o modo de vida capitalista. Essa possibilidade somente se apresenta porque em suas dimensões históricas o modo de produção capitalista não desenvolveu uma organização socioeconômica capaz de conduzir os indivíduos a sua plena emancipação, ao contrario, a humanidade delineou sob o capitalismo a barbárie, a miséria e a desumanização de milhões de seres humanos. Isto, nos ajuda a pensar, no atual estágio econômico, social e político no qual nos encontramos - conforme analisado

38 Denomina-se Pedagogia Libertadora, segundo Saviani (2008, p. 188) "a concepção pedagógica cuja matriz remete à ideias de Paulo Freire. Sua inspiração filosófica encontra-se no personalismo cristão e na fenomenologia existencial" e, a nosso ver à uma combinação desses com concepções marxistas. 59

no capítulo 1 - quais seriam os objetivos da educação, ou quais as necessidades da educação inserida numa sociedade de classes. Portanto, neste capítulo, com intuito de relacionar dialeticamente estas questões com o cenário geral de longa duração da crise estrutural do capital e, em particular, de crise orgânica, procuramos descortinar o MESP como parte de uma conjuntura que se expressa violentamente no Brasil a partir do recrudescimento das políticas neoliberais em sua totalidade que, introduzem, além dos ajustes econômicos e o avanço de uma fração ultraliberal da burguesia brasileira, um intenso conteúdo moral de caráter conservador, reacionário e fundamentalista, intrínseco, a nosso ver, à reestruturação produtiva do capital para esta fase da crise estrutural. Para tanto, recorreremos essencialmente, como já exposto na introdução, ao programa elaborado pelo MESP que, entre outras coisas propicia uma análise a respeito dos mecanismos de institucionalização das proposições do movimento e, procuraremos suscitar o diálogo com a teoria, bem como, com outros autores que têm se debruçado sobre esse fenômeno. Para uma melhor organização das análises e argumentos aqui apresentados, o presente capítulo estará subdividido em quatro momentos: a princípio, buscaremos compreender na trama conjuntural que se desenvolve no Brasil das duas últimas décadas (2000/2019), o surgimento do MESP - ainda de modo nebuloso e abstrato -, com algumas de suas conexões e princípios. Em seguida, na segunda seção, partindo das informações já acumuladas procuraremos analisar a disjunção que o MESP propicia entre instrução, escola e educação, e sua relação com a Teoria do Capital Humano. A seguir, nas contradições presentes no interior do programa buscaremos compreender suas concepções de escola, e, ampliando um pouco as análises, as de trabalho e formação humana. Por fim, encerramos o segundo capítulo introduzindo o princípio de uma análise que pretende fazer um contraponto às concepções compreendidas no escopo do programa do MESP. Partindo de uma abordagem em Gramsci (2004), bem como de alguns de seus interlocutores, buscaremos na categoria de intelectuais orgânicos a possibilidade de reafirmar, grosso modo, a primazia da educação, da escola e do trabalho do professor frente à uma sociedade de classes, lançando-se para um horizonte da formação de um ser humano "capaz de pensar, de estudar, de dirigir, ou de controlar quem dirige" (Ibid., p, 49).

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2.1 A GÊNESE DO MESP Em 2004 - no segundo ano do governo Lula - o advogado e procurador de Justiça do Estado de São Paulo, Miguel Francisco Urbano Nagib39 - inspirado em movimentos como NoIndocritnation e Creation Studies Institute40, presente nos Estados Unidos (ESPINOSA; QUEIROZ, 2017) e que versam, grosso modo, sobre o combate à chamada doutrinação ideológica nas escolas públicas e pelo homeschooling (ensino em casa) e, em diálogo com o movimento "Con Mis Hijos No Te Metas" fundado no Peru, mas com presença em países como México, Costa Rica, Equador, Chile, Argentina e Paraguai (BBC, 2018, n.p.) - elaborou o chamado "Movimento Escola Sem Partido" (MESP). Inicialmente, Nagib teria reagido a um episódio em que, um professor de história de sua filha, num colégio privado na cidade de Brasília (Colégio SIGMA), havia comparado Che Guevara a São Francisco de Assis (ESCOLA SEM PARTIDO, n.p.). Tal episódio serviria de ponto de partida para que ele escrevesse uma carta aberta ao colégio, divulgando cópias para outros pais e, dada a posição da escola de procurar mediar esta situação buscar, posteriormente, os subsídios necessários para a criação de um movimento organizado (Ibid.). Segundo Nagib, o MESP emerge enquanto uma associação com o intuito de combater o que ele denominou de "doutrinação política e ideológica dos alunos por parte dos professores e a usurpação dos direitos dos pais na educação moral e religiosa de seus filhos" (EL PAIS, 2016, n.p.), práticas que, para ele:

Ferem preceitos constitucionais como a liberdade de consciência e de crença e a do pluralismo de ideias, além da Convenção Americana Sobre Direitos Humanos, que afirma que "os pais têm direito a que seus filhos recebam a educação religiosa e moral que esteja de acordo com suas próprias convicções" (Ibid., n.p.).

No entanto, salvo discussões restritas a circuitos restritos - como no Instituto Millenium41 (Imil), ao qual Nagib é filiado, o MESP foi pouco relevante no âmbito da

39 Miguel Nagib, adepto ao catolicismo e seguidor de Olavo de Carvalho, foi articulista durante muitos anos do Instituto Millenium. Ele também é procurador de Justiça do Estado de São Paulo. Em Brasília, há 32 anos, tendo sido assessor de ministro do Supremo Tribunal Federal de 1994 a 2002. Informações disponíveis em: . Acesso em 12 dez. 2018. 40 Segundo Espinosa e Queiroz (2017), o movimento NoIndocritnation foi idealizado por Luann Wright ao perceber que um professor de literatura de seu filho orientava os alunos a lerem artigos que versavam sobre a temática do racismo dos brancos contra os negros. 41 Segundo sua própria página eletrônica, o "O Instituto Millenium (Imil) é uma entidade sem fins lucrativos e sem vinculação político-partidária com sede no Rio de Janeiro. Formado por intelectuais e empresários, o think tank (grifos nossos) promove valores e princípios que garantem uma sociedade livre, como liberdade individual, 61

educação brasileira. Para Moura (2016), entre a criação do movimento em 2004 e sua maior visibilidade a partir, sobretudo de 2012, um primeiro momento que concede ao MESP uma maior expressividade é estampado em 2007 com a "polêmica gerada pela coluna no Jornal O Globo do jornalista Ali Kamel, no qual ele fez duras críticas à coleção de livros didáticos Nova História Crítica, de Mario Schimidt" (p. 27). Outro momento que destacamos em nossas pesquisas trata-se de uma publicação de 2008, da revista Veja42 assinada pelo jornalista Reinaldo Azevedo que cita o movimento, como uma solução viável para a chamada "manipulação ideológica". Em 2012, as bancadas religiosas da câmara federal e do senado, formadas por setores fundamentalistas ligados às Igrejas Evangélicas43 e a frações da Igreja Católica contribuem para o arquivamento do Projeto Escola Sem Homofobia44. Posteriormente, entre 2012 e 2014, estas mesmas bancadas com seus grupos ligados à educação, adentram as discussões a respeito do Plano Nacional de Educação (PNE) 2014-2024 (CUNHA, 2017). A partir de então, o MESP adquire demasiada força política, sobretudo, pelo encontro de Nagib com Flávio Bolsonaro (à época deputado estadual do Rio de Janeiro, pelo Partido Social Cristão - PSC/RJ) e Carlos Bolsonaro (à época vereador da cidade do Rio de Janeiro - PP/RJ) que corroboraram para a criação do “Programa Escola Sem Partido” – doravante Programa –, assim como à elaboração do primeiro Projeto de Lei (PL) movido por esse Programa no Estado do Rio de Janeiro em 13 de Maio de 201445 (CARTA MAIOR, 2016). Inclusive, para

direito de propriedade, economia de mercado, democracia representativa, Estado de Direito e limites institucionais à ação do governo". Para Miguel (2016), o Imil desponta como um think thank representante da direita brasileira com financiamento empresarial com eco em grandes veículos de mídia, difundida, entre outros, nos meios de comunicação por Rodrigo Constantino. Em matéria do Intercept Brasil de 2017, destacamos o ano de fundação do grupo em 2006 e sua relação direta com o think thank norte-americano Atlas Network, um difusor de ideias ultraliberais para a América Latina com ramificações por todo o mundo, assim com o também, suas conexões com um empresariado financiador do grupo: Bank of America; Merril Lynch; Grupo RBS; Gerdau e AmCham- Brasil. 42 Disponível em: . Acesso em 28/03/2017. 43 Para Cunha (2017) é um equivoco identificar os projetos de sociedade fundamentalistas que têm circulado pelo Brasil apenas com as Igrejas Evangélicas. Coexistem interesses difusos, por vezes contraditórios entre os próprios evangélicos, assim, não os classificaremos enquanto um bloco homogêneo. No entanto, na seção 3.2 do capítulo 3 há maiores informações acerca da composição política deste grupo o qual preliminarmente designamos como fundamentalistas. 44 O Projeto, desenvolvido em 2004, tinha um material pronto para ser divulgado nas escolas de todo o país em 2011. Para saber mais sobre seu conteúdo ver em . 45 No site do “Programa Escola Sem Partido” está disponível o PL 2974/2014, apresentado pelo deputado estadual Flávio Bolsonaro na Assembleia Legislativa Estadual do Rio de Janeiro (Alerj), bem como o PL 867/2014, apresentado pelo vereador Carlos Bolsonaro na Câmera dos Vereadores da cidade do Rio de Janeiro, na intenção de que outros políticos possam utilizá-los em suas respectivas casas legislativas. Disponível em: . 62

Penna (2016, n.p.) "O programa 'Escola sem partido' (aspas do autor) foi criado por iniciativa do deputado estadual Flávio Bolsonaro, que entrou em contato com Miguel Najib, criador do movimento homônimo, e encomendou a produção de um projeto de lei [...]". Para Moura (2016), também é decisivo para a visibilidade que o MESP adquiriu a partir de 2014, a "[...] ocasião da crise política e da polarização da sociedade em torno das campanhas presidenciais da então Presidenta Dilma Rousseff e do senador Aécio Neves" (p. 28). Todavia, ressaltamos que, tal divisão política, em essência, representa as considerações analisadas no capitulo 1, isto é, em suma, mesmo o encontro de Nagib com os irmãos Bolsonaro, passando pela crise política que se acentua no Brasil manifestam o desenvolvimento do quadro particular de crise orgânica, sendo, neste caso, o MESP, representante de uma ou mais frações da burguesia brasileira. Assim, o programa representaria a junção entre uma burguesia ultraliberal, representada pelo próprio Nagib, enquanto quadro do Imil, pelo intelectual autointitulado "filósofo autodidata" Olavo de Carvalho, pelo Professor da Universidade de Brasília (UNB), Bráulio Tarcísio Pôrto de Matos, entre outros; em suas coligações políticas, representadas, no caso do MESP, pelos irmãos Flávio e Carlos Bolsonaro a priori. Com setores políticos vinculados às frações fundamentalistas da Igreja Católica e das Igrejas Evangélicas. No caso destas frações religiosas, apontamos para a presença na consolidação do MESP e seu programa tanto aquelas que formam as frentes parlamentares religiosas no congresso nacional, atuando diretamente na arena do Estado, quanto as que promovem o consenso na sociedade civil a partir de aparelhos privados de hegemonia, em especial, programas de rádio, televisão, blogs e mesmo os púlpitos de suas Igrejas. Para Cunha (2016), "Por convergência ideológica, parlamentares religiosos católicos, agnósticos e ateus têm apoiado os evangélicos; outros fazem o mesmo por mero oportunismo; e outros, ainda por covardia" (Ibid., p. 30). Destacamos, do mesmo modo, como ponto basilar da convergência ideológica desta reunião a refuta incondicional sobre as parcas, mas fundamentais, reformas de cunhos sociais preconizadas pelos governos Lula e Dilma, em especial as que ampliavam os direitos aos grupos historicamente marginalizados, como a chamada Lei Maria da Penha de 200446, o

46 Segundo a página eletrônica do Senado "A Lei Maria da Penha (Lei 11.340/06) tornou mais rigorosa a punição para agressões contra a mulher quando ocorridas no âmbito doméstico e familiar. A lei entrou em vigor no dia 22 de setembro de 2006, e o primeiro caso de prisão com base nas novas normas - a de um homem que tentou estrangular sua mulher - ocorreu no Rio de Janeiro. O nome da lei é uma homenagem a Maria da Penha Maia, que foi agredida pelo marido durante seis anos até se tornar paraplégica, depois de sofrer atentado com arma de 63

Terceiro Programa Nacional de Direitos Humanos de 200547 (PNDH3), o já citado Projeto Escola Sem Homofobia e a Lei 12.845 de 2013 que dispunha sobre atendimento emergencial para mulheres vítimas de violência sexual em toda a rede do Sistema Único de Saúde (SUS), entre outras (CUNHA, 2016). Assim, conforme Cunha (p. 37) analisa:

[...] o movimento ESP (grifos do autor) identifica dois inimigos concretos a combater, considerados os agentes dos males resultantes da doutrinação supostamente existentes nas escolas: o Partido dos Trabalhadores e a pedagogia de Paulo Freire, educador identificado ao PT.

Com efeito, enquanto proposta de legislação, o MESP estampou-se na esfera federal a partir do Projeto de Lei PL n° 865/2015, de autoria do deputado federal (PSDB - DF), do PLS nº 193/201648, de autoria do senador Magno Malta (PR/ES) e de projetos que tangenciavam os temas propostos pelo MESP como, por exemplo, o caso do Projeto de Lei PL n° 7180/2014 e da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) n° 435/2014, ambos de autoria do deputado federal Erivelton Santana (PSC/BA), bem como, outros projetos propostos junto à Câmara Federal, alguns retirados por seus autores e outros apensados ao PL n° 7180/2014 ou à PEC n° 435/2014. Num contexto geral, a pretensão, no caso do PL, do PLS e da PEC é incluir, mediado pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN) Lei nº 9.394/96, um conjunto de normas que a princípio entendemos como arbitrárias, com conotações de cunho moral, religioso e contraditoriamente ao seu próprio nome, político partidário. Dadas às circunstâncias do regime federativo brasileiro49 e a ofensiva dos idealizadores do MESP, nos municípios e nos estados da União, Projetos de Lei semelhantes

fogo, em 1983". Disponível em: . Acesso em 12 nov. 2018. 47 Segundo a página eletrônica do Governo Federal, "O Terceiro Programa Nacional de Direitos Humanos, instituído pelo Decreto nº 7.037, de 21 de dezembro de 2009, e atualizado pelo Decreto nº 7.177, de 12 de maio de 2010, é produto de uma construção democrática e participativa, incorporando resoluções da 11ª Conferência Nacional de Direitos Humanos, além de propostas aprovadas em mais de 50 conferências temáticas, promovidas desde 2003, em áreas como segurança alimentar, educação, saúde, habitação, igualdade racial, direitos da mulher, juventude, crianças e adolescentes, pessoas com deficiência, idosos, meio ambiente etc". Disponível em: . Acesso me 12 nov. 2018. No entanto, para Cunha (2017), as discussões que se estabelecem para a construção de PNDH3 em 2005 são duramente perseguidas pelos setores fundamentalistas das Igrejas Evangélicas e de frações da Igreja Católica, propiciando um decreto, o 7177 de 2010, com alterações substanciais no programa inicial. 48 O PL em questão foi retirado de tramitação no Senado Federal por seu autor em 21/11/2017. Procuraremos compreender ao longo de nossas análises por qual motivo se deu tal retirada. 49 De acordo com Saviani (2017) entendemos por sistema federativo no Brasil "a unidade de vários estados que, preservando suas respectivas identidades, intencionalmente se articulam tendo em vista assegurar interesses e necessidades comuns". 64

foram introduzidas por deputados e vereadores em suas respectivas casas legislativas, constituindo assim duas frentes de ataque: por um lado, a tentativa vertical de sobrepor à LDBEN 9394/96 os pressupostos expostos no programa em forma de lei; e por outro, espalhar horizontalmente por toda a sociedade tanto o projeto, enquanto lei, quanto a sua ideologia. A título de exemplo, segundo a página eletrônica50 do programa, até este mês de janeiro de 2019, tramitam dezenove Projetos de Lei nas três esferas de governo. Porém, de acordo com a página eletrônica do Movimento Professores Contra o Escola Sem Partido51 (negritos nossos), em levantamento realizado até janeiro de 2018, existiam mais de cento e cinquenta Projetos de Lei vinculados ao MESP circulando pelas Câmaras e Assembleias Legislativas de todo o país. Entendemos que essa diferença de números pode representar uma estratégia dos articuladores do MESP no sentido de impossibilitarem previamente, a partir da não divulgação, a organização de manifestações contrárias e atos de resistências nas localidades em que tramitam projetos de lei vinculados ao MESP o que, do mesmo modo, dificulta uma conexão maior entre grupos contrários ao movimento. Não obstante, no que diz respeito aos projetos que circulam na esfera federal, observamos que, em parecer publicado em 08 de maio de 2018, o relator do PL 7180/2014, deputado federal Flávio Augusto da Silva (PSC/SP), apontou para a aprovação do PL e seus apensados (PL 7181/2014; PL 867/2015 (1); PL 6005/2016; PL 1859/2015 (1); PL 5487/2016; PL 8933/2017; PL 9957/2018), todos versando sobre as pautas do MESP, exceto pelo PL 6005/2016, do deputado federal pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), Jean Wyllys (PSOL/RJ), que pauta uma proposta contrária ao MESP em todos os seus fundamentos, instituindo o "Programa Escola Livre" que, entre outras coisas estabelece:

I – a livre manifestação do pensamento; II – a liberdade de aprender, ensinar, pesquisar, ler, publicar e divulgar por todos os meios a cultura, o conhecimento, o pensamento, as artes e o saber, sem qualquer tipo de censura ou repressão; III – o pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas [...] (BRASIL, 2016, p. 01).

Neste caso, o parecer substitutivo do deputado federal Flávio Augusto da Silva (PSC/SP), reapresentou os mesmos artigos oriundos dos projetos originais propostos pelos

50 Disponível em: http://www.programaescolasempartido.org/ 51 Disponível em: https://professorescontraoescolasempartido.wordpress.com/ 65

também deputados federais Izalci Lucas e Erivelton Santana e o senador Magno Malta, com sensíveis modificações no texto que, em tese, não modificariam sua substância, artigos os quais, versam notoriamente pelos pontos estampados na página eletrônica do programa, excluindo as proposições contrárias apresentadas pelo então deputado federal Jean Wyllys (PSOL/RJ). Cabe ressaltar que, até fins de 2018, apesar de algumas tentativas, a oposição conseguiu inviabilizar a votação do substitutivo. Salientamos da mesma forma que, em nossas análises, além das articulações da oposição ao projeto preconizado pelo MESP corroboraram a fim de evitar tal votação na câmara federal à expectativa dos apoiadores do MESP com o cenário favorável aos seus preceitos com a eleição de Jair Bolsonaro (PSL) à Presidência da República. Isto porque, o governo que se inicia em 2019, tem como um dos seus pilares os mesmos grupos que promoveram e promovem o MESP, como afirma Freitas (2018, p. 29), "braço político da nova direita na escola". A título de análise, em seu enxuto programa de governo, a parte que corresponde à educação, dispondo de oito páginas apresenta, entre mapas e gráficos desprovidos de análises, os mesmos preceitos propagados pelo MESP, como por exemplo:

Conteúdo e método de ensino precisam ser mudados. Mais matemática, ciências e português, SEM DOUTRINAÇÃO E SEXUALIZAÇÃO PRECOCE (maiúsculas do autor) [...]. Além de mudar o método de gestão, na Educação também precisamos revisar e modernizar o conteúdo. Isso inclui a alfabetização, expurgando a ideologia de Paulo Freire, mudando a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), [...]. Um dos maiores males atuais é a forte doutrinação (O CAMINHO DA PROSPERIDADE: PROPOSTAS DE UM PLANO DE GOVERNO, 2018, n.p.).

A consonância entre as ideias estampadas no plano de governo de Jair Bolsonaro e as do MESP, como a insistência em acusar os professores de doutrinadores, as políticas educacionais dos governos petitas de incitar a doutrinação e a sexualização de crianças e jovens, assim como, de fazer críticas a Paulo Freire, também se revelam com a escolha de Ricardo Vélez Rodríguez como ministro da Educação. Segundo matéria do El País, de 25 de novembro de 2018, a indicação de Vélez para a pasta da educação foi feita por Olavo de Carvalho. A matéria ainda destaca uma publicação do novo ministro em seu blog pessoal a respeito da linha de trabalho do Ministério da Educação (MEC) com os seguintes dizeres:

66

A proliferação de leis e regulamentos tornou os brasileiros “reféns de um sistema de ensino alheio às suas vidas e afinado com a tentativa de impor, à sociedade, uma doutrinação de índole cientificista e enquistada na ideologia marxista”. Isso levaria, segundo ele, a “invenções deletérias em matéria pedagógica como a educação de gênero, a dialética do 'nós contra eles", tudo destinado a desmontar os valores da sociedade, "no que tange à preservação da vida, da família, da religião, da , em soma, do patriotismo" (aspas do autor) (EL PAIS, 2018, n.p.).

Dessa forma, a escolha de um ministro afinado com o discurso do MESP reflete no concreto que as propostas do programa agora despontam como projeto de governo, institucionalizadas porque, em parte, podemos afirmar que as eleições de 2018 elegeram também o MESP para o Governo Federal. Destarte, outro importante ponto a mencionar trata-se da proposta anunciada pelo agora ministro da Educação, em sua posse em 01 de janeiro de 2019, a respeito da expansão dos colégios militares. Para tanto, seria criada uma secretaria especial no MEC empenhada em "transformar escolas públicas em unidades de ensino cívico-militar (O GLOBO, 2019, n.p.)", uma promessa de campanha de Jair Bolsonaro. Sobre as escolas com ensino cívico-militar, que se encontra em expansão há mais de uma década nos estados de Goiás e , Veloso e Oliveira (2016, p. 451) analisam que:

[...] considerando que a doutrina militar seguida na formação policial não difere, na essência, daquela aplicada nos colégios militares, não nos parece ser esta doutrina a mais adequada ao desenvolvimento de uma criança ou de um adolescente. Se, em um indivíduo adulto, a formação militarizada já pode provocar efeitos como o adoecimento mental e comportamentos violentos em suas relações sociais, o risco dessas consequências serem ainda mais graves em pessoas que se encontram em um estágio psicológico e intelectual ainda em formação é alto.

Além dos impactos psicopedagógicos explicitados pelas autoras, poderíamos tecer uma serie de outras considerações sobre a militarização das escolas públicas, como o domínio da coerção e a universalização desta enquanto uma ideologia, ou como descreve Freitas (2018, p. 120):

Nestas escolas os alunos têm de comprar farda, prestar continência e se chamam por senhor e senhora. É passível de ser punido o aluno com alguma negligência no campo da higiene pessoal. Ou seja, foram transformadas em um quartel, e não em uma escola. Os diretores pertencem à corporação 67

militar. Como sempre acontece nestas iniciativas, estudantes que se destacam ganham condecorações, e quem não se adapta é transferido. [...] Seja pelo lado cognitivo, comportamental ou afetivo, todos os níveis da educação básica sofrem o impacto dessas políticas.

Interessa-nos também compreender que, num projeto de escola em que seja negada a manifestação de todas as dimensões humanas, as propostas do MESP são facilmente assimiladas, pois, sua adesão perpassa pelo campo da coerção num ambiente antidemocrático. Por conseguinte, orientando-se pela crítica ao que os próprios seguidores do MESP chamaram de "ideologia de gênero", "ideologia político-partidária" e "doutrinação de esquerda" perpetrada por parte dos professores em sala de aula, a proposta do MESP, com adesão de setores conservadores, reacionários e fundamentalistas da sociedade brasileira, setores estes ancorados a um empresariado ultraliberal ligado ao capital internacional, apresentam como principal proposta, a princípio, expor em todas as escolas do país um cartaz intitulado "Deveres do Professor" que versa, entre outras coisas, por imputar uma série de regras aos professores orientando-se por uma possível neutralidade na função docente. Ao visitarmos a página eletrônica do MESP e de seu programa verificamos que apenas o nome de Miguel Nagib é exposto como organizador do movimento, entretanto, ao relacionarmos a página com seus conteúdos exposto encontramos a proeminência de outros nomes vinculados ao MESP ainda que não formalmente. Da mesma forma procuramos relacionar esses nomes com seus respectivos locais de atuação. Não menos importante é apontar dessas conexões as atuações de determinados parlamentares empenhados em promover as pautas do MESP, muitos destes representantes de correntes dentro da câmara e do senado federal, intimamente vinculadas ao agronegócio e as Igrejas Católicas/Protestantes, vulgarmente conhecidas como "bancada do boi, da bíblia e da bala". Há ainda a necessidade de explorar a atuação de determinados intelectuais em opiniões expressas em jornais, revistas ou outros meios de comunicação em massa. Neste sentido, a partir de nossas pesquisas constituímos os seguintes nomes envoltos ao MESP: Tabela 152 - Intelectuais com postagens favoráveis ao MESP em redes sociais e páginas eletrônicas - 2018 NOME ATUACÃO Miguel Najib Advogado, procurador de Justiça do Estado de São Paulo e membro do Instituto Millenium.

52 As informações que constam nesta tabela foram extraídas da própria página eletrônica do MESP. Disponível em:< http://www.escolasempartido.org/> Acesso em 05 jun. 2018. 68

Bráulio Tarcísio de Pôrto Matos Professor de Sociologia da Universidade de Brasília - UNB. Leandro Narloch Jornalista e Escritor. Foi editor da revista Superinteressante e repórter da revista Veja. Luis Lopes Diniz Filho Professor de Geografia na Universidade Federal do Paraná - UFPR. Felipe Moura Jornalista, escritor e blogueiro. Marcelo Rech Jornalista do Grupo RBS. Fernanda Schüler Cientista Política e professor do Instituto de Ensino e Pesquisa - INSPER. Rodrigo Constantino Economista, blogueiro, membro do Instituto Liberal. Escreve regularmente para os jornais Valor Econômico e o Globo. Reinaldo Azevedo Jornalista e Escritor. Foi editor da revista Veja. Fabio Florence Advogado, professor de Filosofia e gestor do Núcleo de História do IFE Campinas. Odiombar Rodrigues Professor de Literatura da Universidade Federal de Santa Maria - UFSM. Armindo Moreira Professor de Filosofia na Universidade Pontifícia de Salamanca, Espanha. Rodrigo Gurgel Escritor e crítico literário. Olavo de Carvalho Escritor, jornalista e filósofo. Escreve regularmente para o Diário do Comércio. Alexandre Frota Ator, diretor e ex-modelo. Fernando Holiday Membro do Movimento Brasil Livre. Vereador na cidade de São Paulo pelo DEM-SP. Luiz Felipe Pondé Filósofo, professor na Pontifícia Universidade de São Paulo - PUC/SP e Fundação Álvares Penteado - FAAP. Escreve regularmente para o jornal Folha de São Paulo. Jair Bolsonaro Militar da reserva e Presidente da República

Tabela 253 - Parlamentares proponentes de legislações referentes ao MESP na esfera federal - 2018 NOME PROJETO DE LEI PARTIDO Erivelton Santana 7180/2014 PSC/BA Erivelton Santana 7181/2014 PSC/BA Erivelton Santana PEC 435/2014 PSC/BA

53 As informações que constam nesta tabela foram extraídas da página eletrônica da Câmara Federal e do Senado Federal. Disponível em: e Acesso em 02 mai. 2018. 69

Izalci Lucas Ferreira 867/2015 PSDB/DF Rogério Marinho 1411/2015 PSDB/RN Eros Biondini 2731/2015 PTB/MG Marco Feliciano 3236/2015 PSC/SP Victório Galli 5487/2016 PSC/MT Francisco Eurico 8933/2017 PHS/PE Rogério Marinho 4486/2016 PSDB/RN Magno Malta 193/2016 PR/ES

Ressaltamos que, na tabela 1 procuramos estabelecer um recorte, pois há um vasto número de personalidades com postagens favoráveis ao MESP, contudo, buscamos selecionar aqueles que possuem postagens de grande repercussão54 tanto na página do movimento quanto em veículos de comunicação de grande inserção midiática. Assim, num primeiro momento destacamos as estratégias de consenso e coerção que se inter-relacionam à medida que verificamos a atuação de determinados intelectuais na disseminação dos valores propalados pelo MESP a partir de aparelhos privados de hegemonia, em especial os aparelhos que concentram o monopólio das informações em mídias digitais ou impressas. Posteriormente, ressaltamos quanto aos partidos de legenda à atuação de deputados como: Erivelton Santana - pastor ligado à Igreja Evangélica Assembleia de Deus; Izalci Lucas Ferreira - como líder sindical criou em Minas Gerais o projeto que transfere renda da educação pública para destinar bolsas de estudo em escolas particulares, projeto o qual inspirou o Programa Universidade Para Todos (ProUni); Eros Biondini - cantor gospel católico vinculado à Canção Nova; Marco Feliciano - pastor ligado à Igreja Evangélica Assembleia de Deus; Francisco Eurico - também pastor ligado à Igreja Evangélica Assembleia de Deus e Magno Malta - cantor gospel e apresentador de programas de rádio. Além dos nomes supracitados acrescentamos a efetiva participação do Movimento Brasil Livre (MBL), enquanto aparelho privado de hegemonia da burguesia ultraliberal, na disseminação dos preceitos do MESP em todas as suas áreas de atuação, destacando o já mencionado vereador pela cidade de São Paulo, Fernando Holiday - atuante em sua legislatura e em canais de mídias na promoção do MESP -; e o recém-eleito deputado federal

54 Identificamos como grande repercussão postagens que motivaram respostas e comentários em diversos veículos de comunicação. 70

do Partido Democratas (DEM) pelo Estado de São Paulo, Kim Kataguiri (DEM/SP) que até recentemente oferecia palestra em escolas públicas e privadas para disseminar as ideias do MESP (ESQUERDA DIÁRIO, 2017). Cabe ressaltar que, segundo artigo do Intercept Brasil de 2017, o MBL desponta no Brasil patrocinado pelo think thank norte-americano Atlas, contribuindo decisivamente na formação de consenso para a destituição da presidenta Dilma Rousseff. Para as eleições de 2018, fora disponibilizada na página eletrônica do MESP uma “carta de compromisso público”55 (PROGRAMA ESCOLA SEM PARTIDO, s.a, n.p.) em que candidatos a qualquer cargo executivo ou legislativo firmariam compromisso com o movimento ao assiná-la, comprometendo-se nos seguintes termos:

[...] assumo publicamente o compromisso de, sendo eleito(a), apoiar com meu voto projeto de lei contra o uso das escolas e universidades para fins de propaganda ideológica, política e partidária, nos moldes da proposta elaborada pelo Movimento Escola sem Partido (Ibid., Ibidem).

Na própria página do movimento (Ibid., Ibidem) é possível pesquisar quais candidatos assinaram esse compromisso. Assim, a partir dos resultados eleitorais conseguimos reunir em uma tabela quem são esses políticos e suas siglas partidárias. Optamos por apresentar os dados referentes ao legislativo na esfera federal, pois, coaduna com as análises das tabelas 1 e 2, todavia indicamos que, alguns candidatos a cargos no executivo também assinaram este termo, bem como, candidatos ao cargo de deputado estadual. Tabela 356 – Parlamentares assinantes do termo de compromisso com o MESP eleitos no pleito de 2018 NOME PARTIDO Alê Silva PSL/MG Bia Kicis PRP/DF Cabo Junio Amaral PSL/MG Carla Zambelli PSL/SP Carolina de Toni PSL/SC Chris Tonietto PSL/RJ

55 Ver em anexo p. 201. 56 Dados obtidos em: http://www.escolasempartido.org/> Acesso em 05 jun. 2018.

71

Filipe Barros PSL/PR General Peternelli PSL/SP Kim Kataguiri DEM/SP Lincoln Portela PR/MG Márcio Labre PSL/RJ Nelson Barbudo PSL/MT Peninha MDB/SC Sargento Gurgel PSL/RJ Soraya Thronicke (Senado) PSL/MS Tio Trutis PSL/MS

No quadro que a tabela 3 expressa, destaca-se a participação da sigla que elegeu a segunda maior bancada na Câmara dos Deputados e o Presidente da República com doze deputados federais: PSL. Parlamentares estes, eleitos com o compromisso assumido de antemão com o programa. A tabela nos ajuda ainda a compreender a base política que se forma envolta ao MESP, com pessoas que se destacaram nas manifestações pelo impeachment da ex-presidenta Dilma, como os deputados Cabo Junio, Alê Silva, Carla Zambellini e Caroline de Toni. O cenário que se descortina insere na gênese do MESP os valores que perpassam as concepções de família, trabalho, escola, entre outros, oriundos de grupos fundamentalistas, conservadores e reacionários das Igrejas Católicas e Evangélicas em conjunto aos grupos ultraliberais que disputam dessa forma, a hegemonia com seus projetos valorativos de escola que se quer de sociedade. Neste quadro, o MESP também se inseriu com seu programa no bojo das discussões sobre o conjunto de reformas que se precipitaram com o impeachment da presidenta Dilma, especificamente, a contrarreforma do Ensino Médio, Lei nº 13.415/201757, isto porque, como analisa Freitas (2018, p. 28):

57 Publicado no Diário Oficial da União, em 17/02/2017, "a contrarreforma do Ensino Médio imposta pela Medida Provisória nº 746/2016 e convertida em Lei nº 13.415/2017, logo após o processo de impeachment da Presidenta Dilma Rousseff, instituí a alteração da estrutura organizacional do Ensino Médio, determinando que 60% da carga horária total destinem-se ao ensino dos conteúdos obrigatórios definidos pela Base Nacional Comum Curricular (BNCC), bem como a obrigatoriedade (nos três anos do Ensino Médio) do ensino da língua portuguesa, da matemática e da língua inglesa (esta já a partir do 6º ano do Ensino Fundamental). Além de incluir estudos e práticas de educação física, arte, sociologia e filosofia. Já os demais 40% do currículo reservam-se aos itinerários formativos em cinco áreas: (i) linguagens e suas tecnologias; (ii) matemática e suas 72

[...] A implementação acelerada das reformas constitucionais e do Estado, após 2016, incluindo a reforma da educação, com autoria e financiamento empresarial. Tais iniciativas têm uma mesma origem ideológica: o neoliberalismo, nos termos de J. Buchanan e de Hayek e Mises - uma verdadeira paranoia ideológica que enxerga 'esquerdismo' e 'comunismo' (aspas do autor) em tudo que cheire à defesa dos interesses populares pelo Estado, flertando com o fascismo e com o 'darwinismo social'.

Apesar de concordarmos com a análise de Freitas, ressaltamos que, por ser a burguesia uma classe que contempla atores com interesses divergentes e, por isso, dividida em frações que podem ou não se juntar em ocasiões específicas, o MESP tem se expressado de forma contraditória junto à classe dominante. Como exemplo, a Organizações das Nações Unidas (ONU) em conjunto com a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), em matéria publicada em outubro de 2016, considera as propostas do MESP inconstitucionais, destacando seu caráter autoritário e avesso à pauta dos direitos humanos58.

O programa Escola Sem Partido viola frontalmente a Constituição e os tratados internacionais ratificados pelo Estado brasileiro. Determina a Constituição que a educação visará ao pleno desenvolvimento da pessoa (artigo 205), adicionando que o ensino será ministrado com base no princípio da liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber, bem como no princípio do pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas (artigo 206) (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS/ONU, et. al., 2016, n.p.).

O Conselho Nacional dos Direitos Humanos, em resolução nº 7, de 23 de agosto de 2017, manifestou seu repúdio ao MESP e seu programa inferindo que, seus preceitos ferem "a livre discussão das ideias em âmbito escolar" (CNDH, 2017, s.p.), impedem "qualquer referencia ou discussão sobre gênero e sexualidade humana" (Ibid.) e "ameaçam diretores e

tecnologias; (iii) ciências da natureza e suas tecnologias; (iv) ciências humanas e sociais aplicadas; (v) formação técnica e profissional, conforme oferta dos sistemas de ensino e interesse do aluno, mas ainda seguindo as determinações da BNCC. Outro aspecto incluso na Lei é a ampliação progressiva da carga horária mínima anual do Ensino Médio para mil e quatrocentas horas. Além de permitir a organização dessa etapa em módulos, adotando o sistema de créditos com terminalidade específica. Consentindo ainda a contratação de profissionais “com notório saber reconhecido pelos respectivos sistemas de ensino para ministrar conteúdos de áreas afins à sua formação” no ensino técnico e profissional" (BERNARDINELLO; COSTA, 2017, n.p.). 58 A posição oficial da ONU/UNESCO encontra-se em matéria publicada por Flávia Piovesan, secretária especial de Direitos Humanos e professora de Direito da PUC/SP; Jaime Nadal Roig, representante no Brasil do Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA); Lucien Muñoz, representante no Brasil da UNESCO e Nadine Gasman, representante da ONU Mulheres Brasil. Disponível em: . Acesso em 9 jan. 2019. 73

professores de escolas com processos judiciais" (Ibid.), além de outras considerações que, inclusive dialogam com a Constituição Federal. No governo do Estado de São Paulo, o recém-empossado secretário da Educação, Rossieli Soares - que também foi secretário de Educação Básica do MEC, sendo um dos articuladores da contrarreforma do Ensino Médio (NEXO, 2018) - afirmou ao jornal O Estado de São Paulo (2019) ser contrário às discussões em torno do MESP. A posição do secretário caminha na contramão de governador, João Dória (PSDB/SP), que tem continuamente, desde que era prefeito da cidade de São Paulo (2017-2018), se expressando favorável ao MESP. Da mesma forma, um grupo de quatro escolas privadas59, consideradas colégios formadores da elite burguesa de suas respectivas cidades, assinaram carta endereçada ao ministro da Educação Ricardo Vélez com críticas ao MESP, solicitando "que ele não permita que 'o país entre numa rota de retrocesso' (aspas do autor)" (EXAME, 2019, n.p.). Não menos importante, a posição adotada pelo youtuber Felipe Neto, com mais de 27,7 milhões de seguidores em seu canal no youtube, segundo a revista Fórum (2018). De acordo com a mesma revista, Felipe Neto já havia se posicionado contra a candidatura de Jair Bolsonaro, declarando voto a Fernando Haddad (PT) no segundo turno das eleições presidenciais de 2018, e sobre o MESP ele afirmou em sua conta no Twitter:

Se decidirem seguir em frente com o ‘escola sem partido’ e a perseguição de professores, deixo claro q usarei todas as minhas forças para incentivar os jovens q me assistem contra esse autoritarismo. Nossos alunos protegerão nossos professores. Disso eu tenho certeza! (FÓRUM, 2018, n.p.).

Poderíamos recorrer ainda há outros exemplos, contudo as posições acima manifestam que, longe de ser uma unanimidade, o MESP possui adversários no interior de uma burguesia dividida em frações com, muitas vezes, interesses classistas não coincidentes. Doravante, o fenômeno do MESP em sua ideologia revela, mas também oculta, num movimento repleto de contradições, suas reais pretensões. Assim, entendemos preliminarmente que, o que pretende o fenômeno do MESP em sua aparência, estampado em seu sítio eletrônico, no programa e consequentemente nos Projetos de Lei e na PEC é deliberar uma série de normas aos professores e às escolas que protegeriam os alunos - estes

59 São elas: Escola Barão Vermelho (BH), Colégio Mangabeiras Parque (BH), Escola Parque (RJ), Escola da Vila (SP) e Escola Viva (SP), que integram o grupo de educação construtivista Critique. Disponível em: . Acesso em 9 jan. 2019. 74

considerados massa de audiência cativa - de professores imprudentes, doutrinadores e parciais. Com efeito, em essência, o fenômeno aponta para um projeto de escola em que se verifica uma disputa entre frações de classes burguesas, politicamente posicionadas, em torno de concepções específicas de escola, de educação e de sociedade que, no limite, manifestam seus valores morais buscando a naturalização e universalização destes. Em consulta pública no portal e-Cidadania do senado federal, desde 18 de julho de 2016, até a retirada do PL nº 193/2016 de tramitação em novembro de 2017, o PL contou com mais de 191 mil votos favoráveis da população e mais de 200 mil contrários. De acordo com a página eletrônica60 do (à época) senador Magno Malta, o Programa é “a essência de uma educação isenta e sem viés ideológico no mais amplo sentido”. Porém, Penna (2015, p. 298) alerta que “[...] o próprio nome Escola Sem Partido já é bastante enganador. Quando perguntadas se elas são a favor de uma escola sem partido ou de uma escola com partido, a maioria das pessoas optaria pela primeira alternativa”, sobretudo dadas as circunstâncias políticas em que se encontra o país (itálicos do autor). Portanto, pelo cenário político conturbado - dadas as condições em que se desdobraram o processo de impeachment, principiado pela não aceitação da derrota nas eleições presidenciais de 2014 por parte do candidato Aécio Neves -, as duvidosas investigações apoiadas em delações controversas da Operação Lava-Jato empreendidas pela Polícia Federal e o aproveitamento desses dois outros fenômenos pela mídia empresarial e pelos setores conservadores, reacionários e fundamentalistas da sociedade, a conjuntura de intensa divisão política tem se manifestado em diversas áreas no país, não podendo ser diferente com as discussões sobre o MESP. Dessa forma, professores, pesquisadores, estudantes, políticos, juristas entre outros setores da sociedade têm continuamente se manifestado contra o programa, evidenciando seu caráter conservador e autoritário. Importantes críticas ao MESP podem ser observadas nas publicações: o livro Escola sem Partido: esfinge que ameaça a educação e a sociedade brasileira, organizado em 2017, pelo professor Gaudêncio Frigotto, junto ao Laboratório de Políticas Públicas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (LPP – UERJ) e o livro A Ideologia do Movimento Escola sem Partido, publicado em 2016, pela organização civil Ação Educativa contando com artigos de diversos educadores.

60 Disponível em: . Acesso em 22. set. 2017. 75

Há outras iniciativas contrárias ao MESP e seu projeto de escola, sendo que muitos artigos e coletâneas têm sido produzidos sobre o tema. Ressaltamos também a emergência de organizações como o Movimento Professores Contra a Escola Sem Partido61 e o Movimento Educação Democrática62. Destacamos também o empenho do Professor da Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense (UFF) e do Programa de Pós-Graduação em História Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Fernando Penna, em publicações de artigos e na participação de debates em todo o país, tornando-se junto à opinião pública uma voz dissonante frente aos defensores do MESP.

2.2 MESP: PROJETO DE ESCOLA PARA A FORMAÇÃO DO CAPITAL HUMANO

[...] A educação das massas se faz, assim, algo de absolutamente fundamental entre nós. Educação que desvestida da roupagem alienada e alienante, seja uma força de mudança e de libertação. [...] Nunca pensou, contudo, o autor, ingenuamente, que a defesa e a prática de uma educação assim, que respeitasse no homem a sua ontológica vocação de ser sujeito, pudesse ser aceita por aquelas forças, cujo interesse básico estava na alienação do homem e da sociedade brasileira. Na manutenção desta alienação. Daí que coerentemente se arregimentassem - usando todas as armas contra qualquer tentativa de aclaramento das consciências, vista sempre como séria ameaça a seus privilégios. É bem verdade que, ao fazerem isso ontem, hoje e amanhã, ali ou em qualquer parte, estas forças distorcem sempre a realidade e insistem em aparecer como defensoras do homem, de sua dignidade, de sua libertação, como "perigosa subversão", como "massificação", como "lavagem cerebral" (aspas do autor) - tudo isso produto de demônios, inimigos do homem e da civilização ocidental cristã (FREIRE, 2018, p. 52-53).

A educação e a sociedade não se constituem como elementos separados da vida social. A educação em sendo, "uma prática social, política e técnica que se define no bojo do movimento histórico das relações sociais de produção da existência" (FRIGOTTO, 2010, p. 243) relaciona-se dialeticamente com seu tempo. No entanto, no interior das sociedades capitalistas, como nos adverte Freitas e Caldart (2009, p. 79):

61 O Movimento Professores Contra o Escola Sem Partido concentra-se como uma iniciativa organizada a partir de uma página no facebook para promover o debate entre professores e toda a sociedade e assim propor uma ação alternativa aos sites, blogs e redes sociais comprometidas com o MESP, bem como apresentar uma contraproposta à censura e ao cerceamento da atividade do professor. Disponível em: . 62 Desdobramento do Movimento Professores Contra o Escola Sem Partido. Fundado em junho de 2017 na Universidade Federal Fluminense – UFF, com membros de diversos setores da sociedade. Organizada como uma Associação Civil Pública. Disponível em: .

76

[...] a educação é subsumida na instrução. As razões são conhecidas: primeiro, a educação/instrução das classes trabalhadoras deve ser feita a conta-gotas, pois é matéria explosiva; segundo, subsumida, ela ocorre em um espaço de informalidade onde o status quo age livre de qualquer contraposição [...]. Centrada na escola, espalhada pelos seus recantos de maneira informal, esta educação omite as contradições sociais e apresenta ao aluno uma perspectiva de preparação para uma via que já está pronta, e que deve ser apenas aceita por ele como um bom consumidor de mercadorias e serviços.

Partindo do diálogo proporcionado entre Freire (2018) e Freitas (2009), compreendemos o trabalho e a educação enquanto formação humana como imperativo histórico-ontológico (MARX, 2015) e, a escola, como lócus privilegiado para que se desenvolva essa formação, uma necessidade histórica das sociedades modernas. Isso porque, segundo Saviani (1991), a educação escolar passou à condição de forma socialmente dominante de educação devido às profundas alterações nas relações do processo de produção material e do saber.

Em consequência, o domínio de uma cultura intelectual, cujo componente mais elementar é o alfabeto, se impõe como exigência generalizada de participação ativa na referida sociedade. E a escola é erigida, então, como o instrumento por excelência para viabilizar o acesso a essa cultura (Ibid., p. 86-87).

Portanto ao longo do processo histórico a escola torna-se, por um lado, espaço voltado para a formação dos indivíduos, e, por outro, ao mesmo tempo, no interior da sociedade capitalista, a escola pode tanto reproduzir as relações sociais de dominação deste sistema quanto contribuir para a sua superação. Do mesmo modo, esse processo de formação humana somente é possível a partir da mediação do trabalho do professor, que, embora envolto nas relações de dominação capitalistas, tem também, a nosso ver, tanto as condições para contribuir à sua reprodução ou à sua superação. Portanto, um primeiro elemento que devemos observar no MESP e respectivamente em seu programa é o próprio nome de ambos, que se denominam por movimento ou programa escola "sem" partido, isto é, não se trata, a priori, de um projeto/proposta educacional ou de formação humana e sim, de escola, o que, por si só reduz o propósito e a função da educação em seu sentido mais amplo e ontológico. Conforme Penna (2016, n.p.) analisa "É importante reafirmar que o que está em jogo quando falamos do 'programa escola sem partido' é um 77

projeto de escola na qual esta é destituída de todo o seu caráter educacional, pois, segundo o movimento em questão, professor não é educador". Em consulta à página eletrônica do MESP63, na seção "biblioteca politicamente incorreta" encontram-se disponíveis algumas referências para leitura, entre elas, um livro chamado "Professor não é Educador", de autoria de Armindo Moreira (2012), professor aposentado da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE). Segundo este autor, compete ao professor à função de instruir, isto é, compartilhar uma série de conhecimentos que contribuam ao aluno a capacitação profissional a fim de inseri-lo na competitividade do mercado e na sociedade globalizada. Educação, neste sentido, para ele, seria uma consequência das relações sociais com a primazia da família (Ibid.). Dessa dicotomização, instrução/educação, conforme a supracitada análise de Freitas (2009) que indica a subsunção da educação na forma instrução nas sociedades capitalistas - o que em nossos estudos se recrudesce com as políticas neoliberais - emerge uma latente contradição, pois, pode haver instrução sem educação? Frigotto (2017) afirma que, "A função docente no ato de ensinar tem implícito o ato de educar" (Ibid., p. 31). Freire (1996, p. 47), por sua vez, afirma que "Ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua própria produção ou a sua construção", e de acordo com Gramsci (2004), "para que a instrução não fosse igualmente educação, seria preciso que o discente fosse uma mera passividade, um ‘recipiente mecânico’ (aspas do autor) de noções abstratas, o que é absurdo" (Ibid., p.44). Ao incidir na educação sobre esse absurdo do qual nos adverte Gramsci (2004) - de separar instrução de educação - ou, ao reduzir à educação em mera instrução, contribui-se para uma formação de uma "escola retórica, sem seriedade, pois faltará a corposidade material do certo e o verdadeiro será verdadeiro só verbalmente, ou seja, de modo retórico" (Ibid.; Ibidem.). Em Florestan Fernandes (1989, p. 149) salientamos que:

A escola não é apenas uma fonte de instrução, é uma fonte de socialização e do despertar da consciência, do "eu" (aspas do autor), da pessoa, da dimensão política [...]. A escola tem que abrir o horizonte intelectual do estudante, colocando conteúdos que tornem a educação um instrumento não só para a vida, mas para a transformação da vida e da sociedade.

63 Disponível em: . Acesso em: 12 dez. 2017. 78

Saviani (2013) destaca que na concepção da Escola Nova64 postulada por Fernando Azevedo65 (1894-1974), a opção por uma escola voltada à instrução é percebida como incompleta, pois, o norte a ser perseguido pela Escola Nova é o desenvolvimento de uma educação integral. Porém, é necessário salientar que integral para eles denota as atividades ligadas à vida cotidiana e ao trabalho na forma emprego com o propósito de adaptar os estudantes a uma sociedade que já está pronta. Ainda que, neste sentido, o propósito apontado por Fernando Azevedo implique uma escola interativista, interacionista e não crítica, à luz da época, essas ideias foram extremamente progressistas e, o que nos impressiona, é que à luz do século XXI, elas permaneçam sendo, quando comparadas às bases teóricas do MESP, como, por exemplo, a tese do professor Armindo Moreira. Destarte, ao esvaziar o caráter educacional da escola, o MESP contribuí para a reprodução das relações sociais de dominação da sociedade capitalista, pois, esvaziada da crítica e de seus aspectos sociais e políticos, a escola centra-se em naturalizar e universalizar uma única concepção de mundo, neste caso, as concepções dominantes, isto é, a ideologia dominante, pois, como afirmam Marx e Engels (2007, p. 47): “[...] as ideias da classe dominante são, em cada época, as ideias dominantes. [...] A classe que tem a sua disposição os meios de produção material dispõe também dos meios de produção espiritual”. Como já apresentado anteriormente, o fundador e líder do MESP, Miguel Nagib foi quadro do Imil por alguns anos. Não se sabe ao certo se ele ainda segue no Instituto, segundo Penna (2017, p. 40), "Ele foi articulista durante alguns anos do Instituto Millenium [...], e quando estava lá, escreveu um texto chamado 'Por uma escola que promova os valores do Millenium' (aspas do autor)", Penna (2017), ainda adverte que os textos de Nagib na página eletrônica do Imil não aparecem mais com sua autoria e sim, como uma espécie de editorial da página. Ao consultarmos a página eletrônica do Imil66 - na seção "quem somos?", opção "valores" - observamos os seguintes valores promovidos pelo Instituto: Estado de Direito; Liberdades Individuais; Responsabilidade Individual; Meritocracia; Propriedade Privada; Democracia Representativa; Transparência; Eficiência, Eficácia e Efetividade; Igualdade Perante a Lei.

64 Para Saviani (2008, p. 179) a Escola Nova "é uma denominação referida ao amplo movimento de contraposição à pedagogia tradicional que se desenvolveu a partir do final do século XIX e se estendeu ao longo do século XX [...]. Abarca um conjunto grande de autores e correntes que têm em comum a ideia que a criança, e não o professor é o centro do processo educativo, [...] vistas sujeitos de sua própria aprendizagem". 65 Redator e primeiro signatário do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova; um dos pensadores ligados à Escola Nova (SAVIANI, 2013). 66 Disponível em: . Acesso em 12. out 2018. 79

Não iremos neste momento questionar a questão da neutralidade proposta pelo MESP, posto que façamos isso mais adiante, no entanto, afirmamos que tais valores configuram o cerne da ideologia liberal, intensificada desde meados para final do século XX pelo neoliberalismo. Assim, uma escola que propaga tais valores encerra-se na função de reproduzir os mecanismos engendrados pelas relações sociais capitalistas como já apontado, impedindo, uma visão crítica do capitalismo enquanto um processo histórico, advindo de certas circunstâncias e que por isso, da mesma forma que existiu por um período da história humana, poderá ser extinto pelas próprias ações humanas. Nagib também afirma ter como inspiração à elaboração do programa o Código de Defesa do Consumidor67 (Ibid.). Aqui, compreendemos que a educação subsumida na forma mercadoria, sob a ideologia do mercado é algo objetivo e explicito para o MESP em seu programa. Daí, a opção ser por uma escola retórica que proporcione apenas a reprodução das relações capitalistas e a ideologia do mercado. Desprovida de sua devida crítica, centrada na formação de mão de obra especializada para as demandas do capital, a tese de Moreira (2012), inspiração para o MESP e seu programa, vem ao encontro das teses que propõem à educação a Teoria do Capital Humano, pois, contribuí à redução da escola em um espaço politicamente acéfalo, isto é, um ambiente de formação humana em potencial que nega sua própria condição. Encerrando estudantes, professores e todos os demais indivíduos envoltos à escola do movimento da história. Uma escola sem educação destinada a reproduzir o mundo tal qual está exteriormente posto. Desenvolvida em meados da década de 1950, por Theodore W. Schultz, professor do Departamento de Economia da Universidade de Chicago à época, a Teoria do Capital Humano tem como fundamento a ideia de que todos os indivíduos possuem um capital ao nascerem, mesmo os que não dispõem de propriedades e esse capital deve ser investido em educação para que o indivíduo possa alcançar o sucesso profissional e ascender socialmente (FRIGOTTO, 2010). Conforme explica Frigotto (2010, p. 61-62):

O fato de, não ser proprietário, não dispor de um capital físico ou de não pertencer à classe burguesa, nesta ótica pouco importa, uma vez que o

67 Lei Nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Disponível em: . Acesso em 11. out 2018. 80

indivíduo, investindo em capital humano, poderá aumentar sua renda (isso depende dele, pois a decisão é dele); e a médio ou longo prazos, este investimento lhe permitirá ter acesso ao capital físico ou dispor do mesmo status e privilégio dos que o possuem.

Desse modo, a Teoria do Capital Humano atua enquanto mediação entre o desenvolvimento capitalista em geral e a educação em particular, articulando sua ideologia neoliberal com as reformas educacionais que emergem a partir da década de 1960 no Brasil, especificamente com o Golpe Civil-Militar-Empresarial de 1964. Expressando os mesmos preceitos identificados nos valores do Imil, entre eles, cabe destacar a meritocracia, como uma ideologia que esconde sob sua superfície de justiça a luta de classes, cada vez mais acirrada pelos desdobramentos da crise estrutural do capital, como já vimos no capítulo 1 e, ao mesmo tempo, revela as formas modernas - e não apenas discursivas, mas concretas - de dominação capitalista, cujo empenho reside, entre outras coisas, em naturalizar e universalizar às desigualdades, a fome, a miséria, as guerras, os preconceitos, a exploração do trabalho, assim como outras chagas humanas, como responsabilidade individual e escolha pessoal. Uma concepção, portanto, que está descolada da totalidade da história e das contradições subjacentes ao desenvolvimento capitalista. Para a educação, "principal capital humano" (FRIGOTTO, 2010, p. 51) os prejuízos à formação humana são incontáveis, haja vista que:

O processo educativo, escolar ou não, é reduzido á função de produzir um conjunto de habilidades intelectuais, desenvolvimento de determinadas atitudes, transmissão de um determinado volume de conhecimentos que funcionam como geradores de capacidade de trabalho e, consequentemente, de produção. [...]. A educação passa, então, a constituir-se num dos fatores fundamentais para explicar economicamente as diferenças de capacidade de trabalho e, consequentemente, as diferenças de produtividade e renda (Ibid.; Ibidem.).

Com a educação subsumida na forma mercadoria busca-se separar as questões educacionais da sociedade em que ela é produzida, isto é, das questões econômicas, políticas, sociais e históricas. A educação, neste contexto, "definida como uma prática eminentemente política e social fica reduzida a uma tecnologia educacional" (FRIGOTTO, 2010, p. 79). Em Apple (2002) temos que, aplicada à educação, a concepção dos alunos como capital humano manifesta a ideologia neoliberal de racionalidade, eficiência e lucro que, passa a ser dominante também nas políticas educacionais. Para ele, nestas políticas,

81

[...] qualquer investimento económico feito nas escolas, que não esteja directamente relacionado com os objectivos económicos é suspeito. Com efeito, como “buracos negros” que são, as escolas e outros serviços públicos, da maneira como se encontram actualmente organizados e controlados, desperdiçam recursos económicos que podem ser canalizados para o domínio privado (Ibid., p. 58).

Não por menos, as reformas educacionais promovidas pelas políticas educacionais neoliberais no Brasil têm procurado promover os termos "eficiência", "eficácia", "gestão", "avaliação de resultados" (FRIGOTTO, 2016), conceitos que procuram se integrar à educação como naturais. "No entanto, em vez de ser uma descrição neutra da motivação social do mundo, é, na verdade, a construção do mundo envolvida em características valorativas de uma classe-tipo com eficaz poder de aquisição" (APPLE, 2002, p. 58). Com o advento do programa em 2014, as proposições do MESP adentram a esfera do Estado na tentativa de se estabelecer nas mediações entre a educação, o Estado e a sociedade civil. Entendemos preliminarmente a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN 9394/96), bem como, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) em sua terceira versão, como mediações entre o Estado e a educação escolar, bem como, os professores como mediação entre a sociedade civil e a escola. Portanto, o programa almeja se instituir a partir destas mediações nas totalidades da escola, da educação e da sociedade civil. Consideramos, para tanto, os estudos acerca de Estado e sociedade civil a partir da categoria de Estado integral em Gramsci (2004), pois, para este autor:

[...] podem se fixar dois grandes 'planos' superestruturais: o que pode ser chamado de 'sociedade civil' (isto é, o conjunto de organismos designados vulgarmente como 'privados') e o da “sociedade política ou Estado”, planos que correspondem, respectivamente à função de 'hegemonia' (Ibid., p. 20, 21).

Dessa afirmação, apontamos em primeiro lugar para a ampliação do conceito de sociedade civil que passa a abranger grupos, associações, igrejas, em suma, todos os aparelhos privados. E segundo, compreendemos que a divisão proposta por Gramsci (2004) entre sociedade civil e sociedade política (ambas compondo o Estado integral) é assumida aqui como perspectiva de análise. Corresponde dessa forma, a uma opção didática, pois, de fato as relações que se dão nestas esferas possuem um caráter dialético, isto é, sociedade civil e

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sociedade política entendidas enquanto um conjunto de relações em que os mesmos sujeitos, individuais e coletivos, trafegam pelos dois planos (LIGUORI, 2006). A partir das considerações acerca de Estado e sociedade civil em Gramsci (2004), podemos investigar com maior profundidade as proposições evidenciadas pelo MESP no escopo de seu programa como estratégia de construção de consenso junto à sociedade civil por um lado, e por outro, no Estado, como aparelho de coerção atuando nas políticas educacionais e na escola, estabelecendo paulatinamente sua concepção de escola, trabalho e formação humana. Neste ponto, é essencial afirmar que o programa é um projeto para a escola pública (apesar de também atingir no seio de suas discussões as escolas privadas) e disto implica seu caráter classista, ou seja, um projeto de hegemonia burguês para a classe trabalhadora.

2.3 TRABALHO, EDUCAÇÃO E FORMAÇÃO HUMANA: AS CONTRADIÇÕES DO PROGRAMA DO MESP

Entendemos como programa uma articulação política expressa na página eletrônica "programaescolasempartido.org" entre o MESP e uma série de siglas partidárias interessadas em suas pautas. Inicialmente, como outrora explicitado, o programa resultou do encontro entre o fundador do MESP Miguel Nagib e o deputado estadual do Rio de Janeiro - à época - Flávio Bolsonaro. Os projetos de lei que seguiram desse encontro, em nossas análises, versam basicamente pelo documento "deveres do professor" - um documento presente no MESP desde sua fundação - cujo conteúdo, pauta-se por uma série de normativas que, a princípio, atuaria como um cartaz a ser afixado nos murais de cada sala de aula, de cada escola do país, intitulado (PROGRAMA ESCOLA SEM PARTIDO, n.p.)68, mas que, fundamentalmente serviram e servem de base para todas as propostas de legislação vinculadas ao MESP dispostas pelo país nas esferas federal, estadual e municipal e que, segundo seu próprio sítio eletrônico, o programa tem por objetivo configurar-se enquanto "[...] uma lei contra o abuso da liberdade de ensinar" (Ibid.).

1. O professor não se aproveitará da audiência cativa dos alunos, para promover os seus próprios interesses, opiniões, concepções ou preferências ideológicas, religiosas, morais, políticas e partidárias. (Ibid.).

68 Ver cartaz com os "deveres do professor" em anexo, p. 200. 83

Com a primeira proposição podemos problematizar a concepção que compreende os alunos como massa de audiência cativa, isto é, desprovidos de suas próprias individualidades e subjetividades em suas relações com seus professores, os quais se aproveitariam dessa condição "inferior" de seus alunos para promoverem suas concepções de mundo enquanto uma doutrina. Um dos intelectuais relacionados ao MESP, Olavo de Carvalho, em texto publicado no Jornal Diário do Comércio de 27 de janeiro de 200969, expressa da seguinte forma sua opinião sobre a relação professor aluno. Nas palavras dele: "Mais ainda, a experiência universal dos educadores genuínos prova que o sujeito ativo do processo educacional é o estudante, não o professor, o diretor da escola ou toda a burocracia estatal reunida", nos revelando uma contradição interna ao próprio MESP. O aluno analisado por este autor é um ser genérico e abstrato, isto é, desvinculado de sua concretude histórica, ao contrário do que afirma o professor da Faculdade de Educação da Universidade Estadual Paulista (Unesp) Newton Duarte "A atividade educativa dirige-se sempre a um ser humano singular [...] Ocorre que essa singularidade não tem uma existência independente da história" (2013, p. 06), trata-se, portanto, de um aluno concreto, dentro de uma realidade concreto e não idealista. Olavo de Carvalho coaduna com as ideias do homeschooling70 e, no artigo em questão, tece argumentos em prol dessa modalidade. Assim, é evidente que para a conservação de um processo em que o trabalho do professor é tido como desnecessário, cabe o argumento da individualidade e subjetividade do aluno na defesa de sua proatividade no processo educacional, porém, para acusar os professores de promoverem assédio intelectual em sala de aula, o argumento se encerra em seu contrário. O aluno não é mais proativo e, inclusive, pode se doutrinado por professores manipuladores. Do mesmo modo, excluindo a mediação do trabalho do professor, o argumento de Olavo de Carvalho articula-se com a educação como apenas instrução, pois, se o conhecimento está disponível a qualquer um que se interesse, não há necessidade de escola ou de professor. Para nós, ao contrário, o foco da educação escolar deveria centra-se na necessária luta pela formação omnilateral do ser humano, justamente porque seria essa a formação

69 Disponível em: . Acesso em 12 mai. 2017. 70 Para Adrião e Garcia (2017, p. 435), entende-se por homeschooling ou "educação a domicílio (...). Aquele ofertado pelos familiares ou grupos de famílias, quanto pelo contrato de profissionais ou empresas para a oferta de aulas particulares de modo complementar ou em substituição à educação escolar". 84

imprescindível à constituição de sujeitos históricos capazes de lutarem pela superação das condições de exploração e submissão impostas pelo modo e produção capitalista. Assim, partindo dos pressupostos do materialismo-histórico-dialético, esse complexo processo formativo compreende o desenvolvimento do indivíduo com base no movimento histórico da sociedade, reconhecendo, portanto, a inserção ativa desse mesmo indivíduo no mundo. Sem desconsiderar, no entanto, as determinações históricas da sociedade capitalista e as suas respectivas contradições entre humanização e alienação. "O desenvolvimento do indivíduo entendido a partir das relações sociais pressupõe o processo de inseri-lo conscientemente no movimento contraditório e supraindividual demarcado pela luta de classes" (MARTINS; ABRANTES; FACCI, 2016, p. 03). Do mesmo modo,

[...] A referência para essa formação pressupõe um sistema educativo que tenha possibilidades concretas de produzir uma pessoa de pensamentos, com autonomia intelectual para analisar a realidade valendo-se de instrumentos conceituais em suas formas mais elaboradas; uma pessoa de sentimentos, que se forme sensível ao conjunto dos seres humanos e que possua senso de justiça, revoltando-se contra arbitrariedades que se pratique contra qualquer membro do gênero humano. Que culmine na produção de uma pessoa da práxis, que compreenda as contradições sociais existentes no processo de produção e reprodução da sociedade, que se engaje na luta pela implementação de uma sociedade livre da dominação e da opressão (itálicos do autor) (Ibid, p. 03-04).

Por conseguinte, nos mesmos marcos do materialismo-histórico-dialético e referências da psicologia histórico-cultural71 e da pedagogia histórico-crítica72, Martins (2016) afirma que "sem ensino sólido o pensamento não alça seus patamares mais complexos e abstratos, deixando de corroborar a formação de uma ampla consciência, posto que seu desenvolvimento é cultural, histórico e socialmente condicionado" (Ibid., p.20). Destaca-se aqui também o papel da educação escolar nos diferentes períodos do desenvolvimento humano. Contudo, a autora enfatiza que, "O que apresenta no cerne da qualidade dos

71 Escola da psicologia soviética apoiada em fundamentos filosóficos e metodológicos marxistas que, teve como expoentes L. S. Vigotski, A. R. Luria e A. N. Leontiev. Ver mais em: LONGAREZI, Andréa M.; PUENTES, Robeto V. Org. Ensino desenvolvimental: vida, pensamento e obra dos principais representantes russos. Uberlândia: EDUFU, 2013. 72 Compreendemos como pedagogia histórico-crítica uma concepção que emerge do materialismo-histórico- dialético e das contribuições da Escola de Vigotski tendo como base teórica as elaborações de Marx, Engels, Lênin e Gramsci. Essa pedagogia desponta no cenário nacional por volta de meados dos anos 1980 e compõe um quadro geral das concepções pedagógicas críticas. Ver mais em: SAVIANI, Dermeval. Pedagogia histórico- crítica: primeiras aproximações. 11. ed. Campinas, SP: Autores Associados, 2013. 85

conteúdos de ensino outra coisa não é se não a formação da consciência [...]" (Ibid., p. 25). Sendo a consciência, segundo a mesma autora, "[...] uma condição alcançada pelo gênero humano que abre possibilidades para que o indivíduo produza imagens fidedignas da realidade e, tomando-as como base, produza coletivamente suas condições concretas de vida" (Ibid., p. 03). Duarte (2016), inspirado nos estudos de Gramsci, em sua análise sobre a importância dos conteúdos para a construção do conhecimento irá dizer que:

O ensino dos conteúdos escolares em nada se assemelha, portanto, a um deslocamento mecânico de conhecimento dos livros ou da mente do professor para a mente do aluno, como se esta fosse um recipiente com espaços vazios a serem preenchidos por conteúdos inertes. O ensino é transmissão de conhecimento, mas tal transmissão está longe de ser uma transferência mecânica, um mero deslocamento de uma posição (o livro, a mente do professor) para outra (a mente do aluno). O ensino é o encontro de várias formas de atividade humana: a atividade de conhecimento do mundo sintetizada nos conteúdos escolares, a atividade de organização das condições necessárias ao trabalho educativo, a atividade de ensino pelo professor e a atividade de estudos pelos alunos (Ibid., p.59).

Portanto, consideramos o desenvolvimento histórico da humanidade tanto nas dimensões filogenéticas quanto ontogenéticas, com as mediações do trabalho, do conhecimento e da educação, no caso das sociedades modernas, a educação escolar. Ainda que, subsumida na instrução e na forma mercadoria na sociedade capitalista, portadora das ferramentas com potencial de desfetichizar o cotidiano alienado e, justamente por isso, atacada de todas as formas, em especial neste momento pelo MESP e seu programa. As concepções de educação da Escola Nova estampadas no Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova73 (1932) nos ajudam a compreender o caráter retrógado do MESP em incidir na tipificação dos estudantes como passivos frente à atividade manipuladora do professor, bem como a outros aspectos como a laicidade e a educação pública como dever do Estado.

A nova doutrina, que não considera a função educacional como uma função de superposição ou de acréscimo, segundo a qual o educando é “modelado exteriormente” (escola tradicional), mas uma função complexa de ações e reações em que o espírito cresce de “dentro para fora” (aspas do autor) (MANIFESTO DOS PIONEIROS DA EDUCAÇÃO NOVA, 2010, p. 49).

73 Disponível em: . Acesso 30 abr. 2017. 86

Percebe-se que em oposição à escola anterior, chamada por eles de tradicional, que dispunha sobre uma base somativa de conteúdos, centrada na instrução e na figura do professor, com um aluno passível de ser modelado, busca-se uma escola com o protagonismo do aluno. O documento também explicita que:

Nessa nova concepção da escola, que é uma reação contra as tendências exclusivamente passivas, intelectualistas e verbalistas da escola tradicional, a atividade que está na base de todos seus trabalhos é a atividade espontânea, alegre e fecunda, dirigida à satisfação das necessidades do próprio indivíduo (Ibid., Ibidem).

Observando a partir dos pressupostos marxistas dos quais nossas análises coadunam, o Manifesto apresenta um caráter idealista e pragmático, porém, aqui novamente quando analisamos o documento em conjunto aos processos históricos do Brasil na década de 1930, reconhecemos os avanços por ele propostos em contraste com os retrocessos concebidos na concepção de escola do MESP que, busca um retorno ao que os autores do Manifesto poderiam classificar como tradicional. A questão ainda é mais intensa quando analisamos o princípio da laicidade da escola, discussão que, aliás, não será aprofundada neste momento e sim no terceiro capítulo. Mas, podemos preliminarmente tecer alguns comentários baseados no documento de 1932.

A laicidade, que coloca o ambiente escolar acima de crenças e disputas religiosas, alheio a todo o dogmatismo sectário, subtrai o educando, respeitando-lhe a integridade da personalidade em formação, a pressão perturbadora da escola quando utilizada como instrumento de propaganda de seitas e doutrinas (Ibid., p. 45).

Neste ponto, nossas análises abrem um parêntese na investigação crítica das normativas do programa para explorar sucintamente uma questão que perpassa todo o documento, no caso, os criadores e defensores do programa apelam junto às massas a favor de seus preceitos recorrendo a valores religiosos no que concerne à criminalização dos movimentos LGBTTQI74, feministas, entre outros movimentos sociais. É bem verdade que, a questão da laicidade é um assunto farto no cenário da educação brasileira, pois, a penetração histórica da Igreja Católica nas reformas educacionais persiste - agora com os evangélicos juntos - como ficou evidente nas recentes discussões acerca da BNCC (MACEDO, 2017),

74 Lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais, queers e pessoas intersex. 87

Como demonstramos nas tabelas 1 e 2 da seção anterior, boa parte dos deputados federais proponentes de projetos de lei que versam sobre o MESP são oriundos de Igrejas cristãs, evidenciando um aparelhamento destas nas questões educacionais. Em retorno às análises das normativas, em Freire (2018, p.127) a educação e, portanto, para esse autor, a formação humana, não se constitui democrática75 ou democratizante sem "A superação de posições reveladoras de descrença no educando. Descrença no seu poder de fazer, de trabalhar ou discutir", ou ainda, segundo o autor:

[...] a democracia e a educação democrática se fundam ambas, precisamente, na crença no homem. Na crença em que ele não só pode, mas deve discutir os seus problemas. Os problemas do seu país. Do seu continente. Do mundo. Os problemas do seu trabalho. Os problemas da própria democracia. A educação é um ato de amor, e por isso, um ato de coragem. Não pode temer o debate. A análise da realidade. Não pode fugir a discussão criadora, sob a pena de ser uma farsa (Ibid., Ibidem.).

Ao incidir sobre o caráter passivo do aluno em face o professor, parte-se para uma concepção de descrença no discente que, em síntese manifesta: primeiro, um desconhecimento radical, quer por ignorância ou por conveniência, de parte significativa das contribuições acerca dos estudos sobre o desenvolvimento cognitivo e infantil desenvolvido ao longo do século XX76, reerguendo práticas pedagógicas que no desenvolvimento histórico (e no próprio desenvolvimento capitalista), se tornaram obsoletas77, e segundo, degrada a

75 Embora não faça parte da discussão neste momento, sobre o que seria a democracia na escola, assumimos a premissa de que a democracia é condição sine qua non para a emancipação humana. Como a escola se relaciona dialeticamente com a sociedade a qual está inserida, as condições para seu ambiente seja democrático são postas dialeticamente de fora para dentro e não de dentro para fora, todavia, tampouco pode a sociedade caminhar rumo à democracia sem a escola (SAVIANI, 2012). 76 Dentro de um enorme painel de estudos sobre desenvolvimento, educação e cognição destacamos as contribuições da teoria construtivista, por um lado, e da Escola de Vigotski, por outro, por expressarem a síntese, grosso modo, de boa parte do que foi produzido a respeito de desenvolvimento cognitivo no mundo no século XX. Assim, na teoria construtivista, baseada nas contribuições de Piaget sobre desenvolvimento, o conhecimento desloca-se da percepção para a ação criadora enquanto adaptação ao ambiente, sendo paulatinamente construído, por isso, o lema "aprender a aprender", difundido amplamente no Brasil a partir da década de 1990 (SAVIANI, 2008). Neste sentido, a concepção presente no programa do MESP, de compreender os alunos como massa de audiência cativa, não encontra respaldo no construtivismo, pois, este parte da individualidade do sujeito no processo de aprendizagem e consequentemente de seu protagonismo na construção do conhecimento. Em Vigotski, por sua vez, "a atividade obutchenie pode ser definida como uma atividade autônoma da criança, que é orientada por adultos ou colegas e pressupõe, portanto, a participação ativa da criança no sentido de apropriação dos produtos da cultura e da experiência humana. [...]. Ou seja, obutchenie, implica a atividade da criança, a orientação da pessoa e a intenção dessa pessoa" (PRESTES, 2012, p. 224-225). 77 Aqui, compreendemos como práticas pedagógicas obsoletas o que podemos designar de pedagogia tradicional, para Saviani (2008, p. 169), a expressão "[...] pedagogia tradicional foi introduzida no final do século XIX com o advento do movimento renovador que, para marcar a novidade das propostas que começaram a ser veiculadas, classificou como 'tradicional' a concepção até então dominante. Assim, a expressão 'concepção tradicional' 88

função docente a uma "enciclopédia", em que o conhecimento é estanque, objetivo e objetivado na função de produzir força de trabalho para as demandas estritas do capital, tal como expressa Freire (2018) no termo "educação bancária". Neste modelo bancário, Freire (2018) compreende que a educação esvaziada de seu sentido crítico e atuação política, centrada apenas no "ato de depositar, de transferir e de transmitir valores e conhecimentos78" (Ibid., p. 82), conduz os seres humanos para a adaptação ou ajustamento das condições de existência e não sua superação. Para ele:

Quanto mais se exercitem os educandos no arquivamento dos depósitos que lhes são feitos, tanto menos desenvolverão em si a consciência crítica de que resultaria a sua inserção no mundo, como transformadores dele. Como sujeitos. Quanto mais se lhes imponha passividade, tanto mais ingenuamente, em lugar de transformar, tendem a adaptar-se ao mundo, à realidade parcializada nos depósitos recebidos (Ibid., p. 83).

Com efeito, embora Freire (2018) privilegie a atuação crítica da escola e do professor como ponto central e seus conteúdos como secundário, não há em sua concepção pedagógica o relativismo de conteúdos e sim uma adequação a certas necessidades conjunturais. Podemos questionar essa concepção - a qual Saviani (2012) define como um humanismo e existencialismo cristão - à luz da pedagógia-histórico-crítica, entretanto, não é este o objetivo aqui, mas sim problematizar a ideologia do MESP em seu programa a partir dessas leituras. Da mesma forma, é preciso salientar que a conjuntura sob a qual Freire (2018) desenvolve sua obra tem especificidades que divergem das que impulsionaram a pedagogia-histórico-crítica, mas ambos, a nosso ver, almejam o mesmo horizonte o qual diverge radicalmente do horizonte estampando no programa do MESP.

subsume correntes pedagógicas que se formulam desde a antiguidade, tendo em comum uma visão filosófica essencialista de homem e uma visão pedagógica centrada no educador (professor), no adulto, no intelecto, nos conteúdos cognitivos transmitidos pelo professor aos alunos, na disciplina, na memorização" (aspas do autor). 78 Não que a escola deva se abster de transmitir conhecimento, esse ponto é central para ela. Como adverte Saviani (2012, p. 158) "O foco de tudo o que se faz dentro da escola deve ser o conhecimento" e, portanto, "[...] devemos rechaçar veementemente os discursos que secundarizam a transmissão do conhecimento" (Ibid). No entanto, como exposto na introdução, não é objetivo nosso confrontar as concepções de Freire e Saviani, mas é possível compreender um diálogo em que a transmissão do conhecimento está preenchida pelo seu sentido crítico, tanto de início, como de saída. Na exposição, no diálogo, na abordagem e em seu resultado concreto. Para Saviani (2012), a transmissão do conhecimento para o aluno propicia, a este último, a mudança de sua consciência, em que, a incorporação dos instrumentos culturais eleva-o para uma consciência mais elaborada da realidade colaborando para sua inserção na transformação da sociedade, processo qual este autor denomina, a partir de Gramsci, de catarse. Neste sentido, (e não em outros) de articular criticamente o conhecimento historicamente acumulado pela humanidade e transmitir criticamente ao aluno, propiciando a construção de um "novo" conhecimento revolucionário a partir da catarse, entendemos ser possível o diálogo entre esses dois autores. 89

Feita esta observação, afirmamos que, ajustado e adequado a uma sociedade pronta e acabada, ideologicamente triunfante ou mesmo a única possível, o aluno como espectador de sua própria história é destituído dos meios que lhe poderiam fazer intervir nela e na sociedade na qual está inserido coletivamente. Entretanto sabemos que, por um lado, ainda que as condições objetivas dos alunos os impossibilitem de imediato de superar suas condições de vida já estabelecidas, estas, como já observou Marx (2011), um grande fardo a se carregar, por outro, compreendemos que a história está em aberto e como indivíduos que operam na e sobre a história os estudantes podem a partir das ferramentas do conhecimento atuar para a sua transformação e de toda a coletividade humana, pois, junto às circunstâncias herdadas emergem também as possibilidades de mudanças, haja vista que, "[...] as circunstâncias fazem os homens, assim como os homens fazem as circunstâncias" (MARX; ENGELS, 2007, p. 43). Da segunda e terceira proposições do programa temos que:

2. O Professor não favorecerá nem prejudicará ou constrangerá os alunos em razão de suas convicções políticas, ideológicas, morais, ou religiosas, ou a falta delas. 3. O Professor não fará propaganda político-partidária em sala de aula nem incitará seus alunos a participar de manifestações, atos públicos e passeatas. (PROGRAMA ESCOLA SEM PARTIDO, n.p.).

A segunda normativa parte de uma contradição se comparada à primeira, isto porque, se é válido o pressuposto da audiência cativa, os alunos assim entendidos poderiam possuir convicções políticas, ideológicas, morais ou religiosas? Nosso argumento perpassa, então, pela contradição entre audiência cativa/convicção, pois se o aluno manifesta uma convicção em aula da qual poderá ser constrangido, favorecido ou prejudicado pelo professor, isso em si já determina sua não passividade, ou, no limite, determina que quem doutrinou o aluno foram os pais, imputando suas próprias convicções políticas, ideológicas, morais e religiosas. Contudo, para nossas análises, ancoradas na dialética de Marx esse movimento é muito complexo e não direto, pois o ser humano é fruto das relações sociais e históricas em conjunto às suas próprias experiências objetivas e subjetivas no interior dessas relações. Cabe ainda salientar que o professor não deve constranger um aluno em hipótese alguma, aliás, condição que não cabe somente à relação escolar, mas para toda a sociedade. Não obstante, o segundo e terceiro pontos dialogam a priori sobre a mesma questão, no caso, o primeiro sobre vantagens ou desvantagens oferecidas pelo professor pela aderência

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ou não de seus alunos às suas convicções. O segundo, mais expressamente como uma proibição da atuação política do professor. Sobre ambos os pontos, mas especialmente esse último, baseamo-nos na seguinte análise de Fernandes (1989, p. 163):

Esse debate sobre neutralidade ética implica a ideia de uma responsabilidade intelectual. [...]. A essa concepção correspondeu a ideia de que era necessário separar o cidadão do cientista e do professor. Essa disjunção foi fatal para minha geração. [...]. O cidadão está num lado, o educador está em outro. Entretanto, o principal elemento na condição humana do professor é o cidadão. Se o professor não tiver em si a figura forte do cidadão, acaba se tornando instrumento para qualquer manipulação, seja ela democrática ou totalitária.

Assim, na existência de condições objetivas degradantes no contexto escolar ou ao seu redor, ou mesmo, em emergências sociais de impacto imediato na vida dos alunos e de suas respectivas comunidades; na observância de conflitos internos ao ambiente escolar ou em suas proximidades, que dizem respeito aos direitos humanos, tais como, casos de racismo, xenofobia, homofobia, feminicídio ou outras formas de violência e, ao verificar essas mesmas questões em contextos gerais mediadas pelos meios de comunicação em massa, poderá o professor em sua função não adentrar essas problemáticas para contextualizá-las e historicizá- las, contribuindo para a emancipação humana? Ao negligenciar seu exercício político - no sentido amplo da expressão - o professor, a escola e ainda mais, a educação torna-se algo desnecessário e sem sentido à sociedade, pois, passa a ser destituída de suas necessidades históricas de contribuir para a formação humana em todas as suas dimensões. Assim, podemos afirmar que conforme as análises impostas até o momento, o que propõe o programa do MESP, em essência, é a aniquilação do trabalho docente com sua paulatina precarização79 caminhando para um horizonte em que, a figura do professor, haja vista sua perseguição e a possibilidade do homeschooling, tornam sua função desnecessária, aliás, indo um pouco adiante, a função em essência do professor torna-se cada vez mais arriscada para a burguesia que necessita manter seus privilégios baseado na divisão de classes. No entanto, concordamos com a assertiva que confere ao professor não fazer política- partidária em sala de aula, se considerarmos que emitir uma opinião e fundamentá-la com

79 Na seção 3.1 do capítulo 3 desenvolveremos com maior ênfase a categoria precarização para investigarmos as reconfigurações do trabalho do professor à luz das concepções do MESP. 91

argumentos não se constitui como panfletagem partidária. Neste sentido, ressaltamos o artigo já mencionado aqui, produzido por Miguel Nagib quando integrante do Imil que indicava os valores necessários para uma educação com os princípios ultraliberais deste instituto. Assim, fica evidente a contradição em que é vedada ao professor a manifestação de suas concepções políticas em sala de aula, a não ser que se trate das concepções políticas e partidárias do Imil. Com efeito, se compreendermos como ideologia a leitura que Chauí (1982) absorve de Marx e Engels (2007), sobretudo em A ideologia alemã, como representação invertida da realidade - que, ao se fixar e repetir-se, naturaliza-se, ou em suas palavras, expressando que na ideologia "todo conjunto das relações sociais aparece nas ideias como coisas em si, existentes por si mesmas e não como consequências das ações humanas" (Ibid., p. 64) - a superação da ideologia neoliberal na educação, implicaria da mesma forma a superação da sociedade que a criou, isto é, a sociedade capitalista. Por isso, não esperamos que a sala de aula atue como um "oásis" no deserto neoliberal, conforme aponta Saviani (2012, p. 86):

[...] as condições de exercício da prática educativa estão inscritas na essência da realidade humana, mas são negadas pela sociedade capitalista, não podendo realizar-se aí senão de forma subordinada, secundária. [...]. Com efeito, acreditar que estão dadas, nesta sociedade, as condições para o exercício pleno da prática educativa é assumir uma atitude idealista (Ibid., p. 87).

Todavia, para este mesmo autor:

Falei antes em exercício pleno (itálicos do autor) da prática educativa como algo só possível num tipo de sociedade que se delineia no horizonte de possibilidades das condições atuais, mas que ainda não chegou a se concretizar. Isso porque a plenitude da educação como, no limite, a plenitude humana está condicionada aos antagonismos sociais (Ibid., p. 87).

E, portanto, "Ser idealista em educação significa justamente agir como se esse tipo de sociedade já fosse realidade. Ser realista, inversamente, significa reconhecê-la como um ideal que buscamos atingir" (Ibid., Ibidem.). Assim, encerrada sob suas determinações históricas, a escola em particular, e a educação em geral, manifestam as contradições subjacentes à ideologia capitalista. Ao mesmo tempo em que reproduz as ideias dominantes, carrega as possibilidades de sua superação ao fornecer os instrumentos, isto é, os conhecimentos necessários à passagem do senso comum

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ao saber sistematizado (SAVIANI, 2013), combustível para a inserção do humano no mundo concreto. Doravante, na quarta normativa do programa, destacamos a discussão central da neutralidade. 4. Ao tratar de questões políticas, socioculturais e econômicas, o professor apresentará aos alunos, de forma justa - isto é, com a mesma profundidade e seriedade -, as principais versões, teorias, opiniões e perspectivas concorrentes a respeito da matéria. (PROGRAMA ESCOLA SEM PARTIDO, n.p.).

Sobre a neutralidade requerida ao mesmo, faz mister especificar seu caráter positivista, pois, em nossas análise o MESP procura absorver muito dessas ideias em seu escopo. No caso específico da questão da neutralidade, procura-se conceber um método para a educação que consiga apresentar todas as concepções sobre um determinado assunto sem que haja neste processo juízo de valor por parte do professor, comparando o conhecimento social, por exemplo, as leis de Newton, isto é, fixas, imutáveis e invariáveis80. Em meados do século XIX, o progresso científico tecnológico alcançado em algumas regiões da Europa - fruto das riquezas acumuladas pela emergente burguesia no processo da Revolução Industrial e no saque e pilhagem das colônias, primeiro na América e depois na Ásia e em África - influenciaram as ciências sociais pelo forte desenvolvimento alcançado. De acordo com HOBSBAWM (2002):

A sociedade burguesa de nosso período estava confiante e orgulhosa de seus sucessos. Em nenhum outro campo da vida humana isso era mais evidente que no avanço do conhecimento, da 'ciência' (aspas do autor). Homens cultos deste período não estavam apenas orgulhosos de suas ciências, mas preparados para subordinar todas as outras formas de atividade intelectual a elas.

Dentro desse contexto, emergem teorias sociais que irão procurar nos modelos científicos os mesmo pressupostos para a compreensão das sociedades e da história, "muitos intelectuais se voltam à valorização dos 'fatos positivos' (aspas do autor) provenientes das

80 A mecânica newtoniana estabelecida em forma de três leis imutáveis - respectivamente: inércia; equivalência da força ao produto da massa com a aceleração e a inversa proporcionalidade da dupla ação/reação - representou um salto extraordinário nas ciências, pois, com Newton, além de comprovar uma série de teorias que vão de Galileu à Copérnico, estabeleceu-se as bases da física e da matemática moderna. Contudo, com a Teoria da Relatividade de Einstein e posteriormente a Física Quântica de Bohr, a mecânica newtoniana passa a ser questionada no que diz respeito a movimentos mais complexos. Ver mais em: BRENNAN, Richard P. Gigantes da física: uma história da física moderna através de oito biografias. Tradução de Maria Luiza X. de A. Borges. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2003. 93

ciências e dos resultados concretos realizados pela burguesia na transformação da sociedade" (SEMERARO, 2011, p. 96). É neste quadro que nasce o positivismo ou ciência positiva, como "uma corrente de pensamento orientada a organizar cientificamente a sociedade e dar estabilidade à burguesia - a nova classe no poder em muitos países da Europa" (Ibid., Ibidem). Augusto Comte (1798-1857) e posteriormente Émile Durkheim (1858-1917) despontam com seus estudos como os principais expoentes dessa corrente de pensamento que desloca os estudos sociais da filosofia para a nova ciência que se inaugura: a sociologia. No método de Comte a evolução da humanidade se dá em três períodos (Ibid.), sendo que, o terceiro período representa o estágio máximo da sociedade de avanços sociais e tecnológicos, caracterizados "pela eficiência, a ordem e o progresso" (Ibid., p.98). Para Hobsbawm (2002, p. 285), "O método positivo ou científico era (ou seria) o triunfo do último dos estágios através dos quais a humanidade precisava passar – na terminologia de Comte, os estágios teológico, metafísico e científico [...]". Assim, a sociologia científica de Comte ou seu positivismo procurava evidenciar que as ciências sociais deveriam ser "neutras e livres de julgamento de valor, como a química ou a física" (SEMERARO, 2011, p. 97). Da mesma forma, Comte evidencia como natural a concentração de riqueza, bem como também,

[...] a hierarquia e a divisão social, o que lhe serve para pregar a submissão e a obediência dos trabalhadores a seus novos senhores. Contra a subversão, a insatisfação e as pressões do socialismo que começava a se delinear, Comte transforma a visão positivista das ciências em ideologia, ou seja, em sistema de pensamento para justificar a ordem burguesa (Ibid., Ibidem.).

Outro importante ponto a se mencionar sobre o positivismo de Comte é a proposta de criação de uma "Religião da Humanidade" (D'ANGELO, 2011, p.13). Comte acreditava ser possível a construção de uma unidade social permanente em que, a criação de uma doutrina, em cujo centro estariam as leis científicas - essas por sua vez imutáveis - seria capaz de promover o "desenvolvimento das virtudes humanas, pessoais, domésticas e cívicas que sintetizasse o posicionamento altruísta da sociedade" (MARTINS, 2011, p. 03). "Essa visão extravagante de religião e a 'lei dos três estágios' (aspas do autor) foram logo consideradas como uma metafísica da história, em flagrante contradição com suas teorias científicas [...]" (SEMERARO, 2011, p. 98). Assim, o princípio da neutralidade requerido no programa do MESP relaciona-se diretamente ao positivismo de Comte, pois, primeiro compreende os conhecimentos 94

necessários ao saber como estanques e autônomos aos estudantes e, por isso podem ser apresentados pelo professor, de forma justa, como algo pronto e acabado não passível de interferência, tal qual às leis imutáveis da natureza de Comte. Segundo, por ser o conhecimento invariável seria então, completamente plausível sua transmissão isenta de juízo de valor. Em essência, procura-se com o positivismo do MESP a mesma função em que se deteve o de Comte, isto é, naturalizar uma dada concepção de mundo e com isso impedir que se descortinem suas reais contradições. Neste sentido, apontamos para a impossibilidade de existir um conhecimento neutro, absoluto, imutável e invariável, mesmo nas ciências exatas, como aponta, por exemplo, a Teoria da Relatividade de Einstein81 (BRENNAN, 2003) - para ficarmos no terreno da física - e, portanto, o princípio da neutralidade do MESP configura-se como uma ideologia. Apontamos, do mesmo modo, como contrassenso a assertiva de apresentar aos alunos as principais versões, teorias, opiniões e perspectivas de um mesmo tema, pois, o termo "principais" já condiciona uma escolha realizada previamente por um indivíduo sócio-histórico. Não obstante, ao se configurar como um aparato coercitivo em sala de aula, o próprio programa, exaltando princípios indiscutíveis, expressa sua concepção enquanto um dogma, o que lhe concebe um caráter que podemos chamar de "religião" do MESP para a escola. A quinta normativa estabelecida no programa aponta que:

5. O Professor repeitará o direito dos pais dos alunos a que seus filhos recebam a educação religiosa e moral que esteja de acordo com suas próprias convicções.

Sobre a concepção exposta acima, dois pontos fundamentais da sociedade capitalista se inter-relacionam e, portanto, devem ser analisados em conjunto: família e propriedade privada. Primeiramente é preciso observar que a concepção de família estampada no programa é histórica e ideológica, ou seja, emerge em conjunto à burguesia que a constituiu e passa a ser naturalizada e universalizada como única possível. Para Engels (2016), o fenômeno da

81 Na Teoria Geral da Relatividade de Einstein, publicada em 1916, e aclamada pela comunidade científica em 1919, são apresentados pela primeira vez os conceitos de equivalência entre inércia e gravidade; o espaço curvo e a matéria comportando quatro e não três dimensões (comprimento, largura, altura e tempo); superando a até então hegemônica mecânica newtoniana. Ver mais em: BRENNAN, Richard P. Gigantes da física: uma história da física moderna através de oito biografias. Tradução de Maria Luiza X. de A. Borges. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2003. 95

família monogâmica remonta ao que ele denominou de período entre "a fase média e fase superior da barbárie" (p. 74), isto é, - considerando que para o próprio Engels esse desenvolvimento em escala de tempo é diferenciado para cada região do mundo - aproximadamente entre o surgimento da metalurgia e da escrita e "[...] surge sob a forma de escravização de um sexo pelo outro, como a proclamação de um conflito entre sexos, ignorado, até então, na pré-história" (Ibid., p. 79). Embora a monogamia desponte das necessidades históricas envoltas a um latente conflito e aos dois processos indicados - metalurgia e escrita - não necessariamente essa forma de organização familiar será hegemônica. Por conseguinte, Engels (Ibid., p. 69) destaca que:

Em sua origem, a palavra família (itálicos do ator) [...]. Foi inventada pelos romanos para designar um novo organismo social, cujo chefe mantinha sob seu poder a mulher, os filhos e certo número de escravos, com o pátrio poder romano e o direito de vida e morte sobre todos eles.

Herdeiro do diretito romano, o direito burguês trará em seus pressupostos os mesmos ideais de família, contudo, transformando o pátrio poder romano em um contrato e excluindo, primeiro na Europa e depois em outras partes do mundo, aos poucos, a escravidão oficial. No caso da família este contrato terá o nome de matrimônio, baseado na dupla identidade de união civil e religiosa. Engels (Ibid., p. 86), observa que na sociedade burguesa:

[...] o matrimônio baseia-se na posição social dos contraentes e, portanto, é sempre um matrimônio de conveniência. Também nos dois casos, esse matrimônio de conveniência se converte, com frequência, na mais vil das prostituições, às vezes por parte de ambos, porém, muito mais habitualmente, por parte da mulher; esta só se diferencia da cortesã habitual pelo fato de que não aluga seu corpo por hora, como uma assalariada, e sim que o vende de uma vez para sempre, como uma escrava.

Somando-se a uma espécie de escravidão moderna, o matrimonio burguês, "rasgou o véu do sentimentalismo que envolvia as relações de família e reduziu-as a meras relações monetárias" (MARX; ENGELS, 2017, p. 24) imputando ao conceito de família as noções de propriedade privada e lucro. Conforme Engels (2016, p. 91) expressa: "A monogamia nasceu da concentração de grandes riquezas nas mesmas mãos - as de um homem - e do desejo de

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transmitir essas riquezas, por herança, aos filhos desse homem [...]. Para isso, era necessária a monogamia da mulher". Não por acaso, na concepção de família do programa está intrínseca a subordinação dos filhos como uma propriedade privada, sobre os quais os pais têm o direito de imputar suas próprias convicções morais e religiosas. E, por propriedade privada, compreendemos com Marx (2015, p. 349-350) que:

A propriedade privada nos fez tão estúpidos e unilaterais que um objeto só é nosso se o tivermos, portanto, se existir para nós como capital, ou se for imediatamente possuído, comido, bebido, trazido no corpo, habitado por nós et.; em resumo, usado. Embora a propriedade privada apreenda todas essas realizações imediatas da própria posse, de novo, apenas como meios de vida, e a vida, a que serve de meio, é a vida da propriedade privada de trabalho e capitalização. Para o lugar de todos os sentidos físicos e espirituais entrou, portanto, a simples alienação de todos esses sentidos, o sentido do ter.

Em suma, pela herança econômica e, ao mesmo tempo, pelas heranças morais e religiosas, a família burguesa constitui-se como um dos meios de concentração de riqueza e com ela, o aprofundamento da exploração da mulher, do trabalhador e o acirramento das desigualdades. Assim, o programa do MESP esforça-se por reproduzir essa ideologia justamente no momento em que, em várias partes do mundo, incluindo o Brasil, grupos não heteronormativos82 juntamente com movimentos que indicam outras possibilidades de família83 reivindicam seus direitos civis e até mesmo, em casos isolados, religiosos. Convém ainda salientar que, ao impedir que a escola questione as convicções morais e religiosas dos pais, também se impede que posições preconceituosas, como o racismo, a xenofobia ou a homofobia sejam questionadas, isso porque, no limite, como proceder com a presença de pais adeptos de uma ideologia, como o nazismo ou o fascismo, por exemplo? Ou pais antissemitas, para dar outro exemplo. A escola deveria aceitar que tais convicções pudessem conviver no mesmo ambiente em que circulariam alunos judeus, homossexuais, negros, nordestinos, em suma, indivíduos que historicamente foram vítimas de preconceitos,

82 Designamos como não heteronormativos os grupos que compreendem os movimentos LGBTTQI (lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais, queers e pessoas intersex). 83 Destacamos aqui o movimento chamado de "poliamor" em que, a monogamia é deslocada para uma relação de compromisso com mais de duas pessoas envolvidas. Da mesma forma, o que se convencionou a chamar de "família tradicional" no Brasil, isto é, a relação civil e religiosa entre duas pessoas de sexo oposto com filhos, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de dezembro de 2017, não representa mais uma maioria absoluta da população, ocupando uma faixa de 42,3% da população em detrimento de outros arranjos familiares. Disponível em: . 97

perseguições entre outras violências? Visto de forma mais ampla, o quadro é ainda mais grave, pois, pode a humanidade ainda conviver com fenômenos que atuem na eliminação do outro como modus operandi? Aqui, além de reproduzir a ideologia capitalista a escola se encarregaria também de promover diretamente e intencionalmente o genocídio e a barbárie. A sexta e última normativa do programa, um argumento retórico jurídico, expõe a seguinte tarefa ao professor:

6. O Professor não permitirá que os direitos assegurados nos itens anteriores sejam violados pela ação de estudantes ou terceiros, dentro da sala de aula (PROGRAMA ESCOLA SEM PARTIDO, n.p.).

Neste item, há um desvio de função, pois, o professor em sua especificidade de mediar o conhecimento historicamente construído e acumulado pela humanidade não pode se confundir com um fiscal ou agente policial, ou seja, um aparelho coercitivo. Por mais que no exercício da docência essas linhas se cruzem por questões circunstanciais, no horizonte da educação escolar, a construção e/ou transmissão do conhecimento perpassa por uma relação de verdade intencionada em contribuir para a democratização da sociedade e em consequência à emancipação humana (SAVIANI, 2012), e se as circunstâncias acabam por manifestar o caráter autoritário da escola é porque a sociedade a qual ela se insere é autoritária, o que não a impede de imbuída do conhecimento, ultrapassar essa barreira. Não obstante, a partir das considerações expostas sobre as normativas do programa do MESP, importa relacionar sua síntese com a categoria trabalho, isto porque, entendemos com a centralidade da categoria trabalho em Marx (2017), que este, enquanto mediação entre o homem e a natureza é ontológico e socialmente produzido, expressando historicamente a totalidade das relações humanas para cada época. Neste sentido, interessa-nos particularmente tanto a discussão sobre a especificidade do trabalho do professor quanto o trabalho como princípio educativo. Contudo, na sociedade capitalista, o trabalho encerra-se na forma "trabalho assalariado, alienado, fetichizado" (ANTUNES, 2009, p. 232) transformando a força de trabalho em uma mercadoria. Do mesmo modo, apreendemos em Marx (2004, p. 87) que, "O processo de trabalho subsume-se no capital (é o processo do próprio capital), e o capitalista entra nele como dirigente". Assim, como as relações sociais desenvolvem-se nos limites da historicidade, na sociedade capitalista a centralidade do trabalho, subsumido à forma

98

mercadoria, irá transpassar a educação, manifestando as contradições subjacentes a este processo. Com o trabalho subsumido na forma mercadoria, o próprio trabalhador torna-se uma extensão da mercadoria e, isto porque, "[...] o trabalho não produz apenas mercadorias; produz-se a si próprio e o trabalhador como uma mercadoria [...]" (MARX, 2015, p. 304). Desse modo, o trabalhador encontra-se alienado por não se reconhecer com o produto de seu próprio trabalho. "Assim como na religião o homem é dominado pelo produto de sua própria cabeça, na produção capitalista ele o é pelo próprio produto de suas mãos" (MARX, 2017, p.697). Neste sentido, as concepções de trabalho e formação humana perpetrada no programa, com base na Teoria do Capital Humano, na redução da educação escolar à instrução e a forma mercadoria, na concepção burguesa de família e na propriedade privada e na ideologia do positivismo de Comte, procura intensificar a alienação da classe trabalhadora sob o fetiche do consumo, que sacraliza sob seus desígnios todas as relações humanas. Ao compreendermos que o ser humano se constitui humano por meio do trabalho (LUKÁCS, 2013) e, portanto que, "Somente o trabalho tem, como sua essência ontológica, um claro caráter de transição: ele é, essencialmente, uma inter-relação entre homem (sociedade) e natureza" (Ibid., p. 44) afirmamos que, diferentemente dos animais, o homem realiza-se no e pelo trabalho.

Na base do trabalho, no trabalho e por meio do trabalho o homem criou a si mesmo não apenas como ser pensante, qualitativamente distinto dos outros animais [...], mas também como o único ser do universo, por nós conhecido, que é capaz de criar a realidade (KOSIK, 1969, p.114).

Nele, "o homem participa ativamente na vida da natureza, visando a transformá-la e socializá-la cada vez mais profunda e intensamente" (GRAMSCI, 2004, p. 43). E ainda, atividade fundamentalmente teleológica, pois, "o homem que trabalha deve planejar antecipadamente cada um dos seus movimentos e verificar continuamente, conscientemente, a realização de seu plano, se quer obter o melhor resultado possível" (LUKÁCS, 2013, p. 129). Por isso, prossegue Lukács (Ibid., Ibidem.):

Esse domínio da consciência do homem sobre seu próprio corpo, que também se estende a uma parte da esfera da consciência, aos hábitos, aos instintos, aos afetos, é uma exigência elementar do trabalho mais primitivo e deve, pois, marcar profundamente as representações que o homem faz de si mesmo, uma vez que exige, para consigo mesmo, uma relação 99

qualitativamente diferente, inteiramente heterogênea daquela que corresponde à condição animal, e uma vez que tais exigências são postas por todo tipo de trabalho.

Logo, enquanto atividade teleológica, empregando corpo e consciência, e ainda que sujeita à alienação e à subsunção no modo de produção capitalista, o trabalho será princípio educativo, pois, segundo Gramsci (2004, p. 43):

O conceito e o fato do trabalho (da atividade teórico-prática) é o princípio educativo imanente à escola primária, já que a ordem social e estatal (direitos em deveres) é introduzida e identificada na ordem natural pelo trabalho. O conceito de equilíbrio entre ordem social e ordem natural com base no trabalho, na atividade teórico-prática do homem, cria os primeiros elementos de uma intuição do mundo liberta de toda magia ou bruxaria.

Nesta perspectiva, partindo do pressuposto de que "A educação é um fenômeno próprio dos seres humanos" (SAVIANI, 2013, p. 11), buscamos articular o trabalho enquanto categoria fundante do humano e por isso central, e o trabalho educativo, isto é, a formação humana como "o ato de produzir, direta e intencionalmente, em cada indivíduo singular, a humanidade que é produzida histórica e coletivamente pelo conjunto dos homens" (Ibid., p.13). Acreditamos que o que dispõe o MESP em seu programa contribui para a reprodução ampliada da ordem capitalista de dominação, com o recrudescimento da ideologia neoliberal mediada, na educação, pela Teoria do Capital Humano. Agravada, neste início do século XXI, pelo fundamentalismo religioso, bem como pelo fundamentalismo de mercado e com eles, os valores que culminam na legitimação da barbárie, estampada em preceitos que conduzem ao preconceito e a eliminação do outro. Encerrado em geral pela crise estrutural do capital e, em particular, por uma conjuntura de crise orgânica que, no Brasil manifesta a longa duração do caráter autoritário, autocrático e permanentemente contrarrevolucionário de sua burguesia, o MESP aprofunda a alienação da classe trabalhadora ao buscar universalizar seus preceitos fundamentalistas de família e propriedade, tendo na educação sua máxima expressão, procura a hegemonia de seu projeto que, na aparência é de escola, contudo, em essência, é de sociedade, até pela dialética que envolve escola e sociedade no modo de produção capitalista. Em suma, a formação humana do MESP caminha para a desumanização do ser humano. Dessa forma, buscaremos adiante analisar a questão da hegemonia e dos intelectuais com o intuito de investigar, por um lado, a formação do programa do MESP como 100

organização de intelectuais comprometidos com certa intencionalidade e por outro, da organização da escola e da educação, em torno de seus intelectuais que, politicamente posicionados podem resistir a esse fenômeno buscando o protagonismo e a hegemonia de um projeto emancipatório de sociedade.

2.4 O PAPEL DOS INTELECTUAIS E A ESCOLA

A questão que nos persegue nesta seção diz respeito à função dos intelectuais. No entanto, compondo o exercício da totalidade e das determinações às quais a história está sujeita, do qual dispõe nosso método de pesquisa, a questão passa a figurar sobre a função dos intelectuais na sociedade de classes, envolta, em nosso direcionamento espacial e temporal na longa duração da crise estrutural do capital com sua conjuntura particular, no Brasil, de crise orgânica e específica, do advento do programa do MESP e suas proposições para a escola que, em nossos argumentos, se quer para a educação, bem como para a sociedade. Para Gramsci (2004) todos os seres humanos são intelectuais. Contudo, na forma como se operou o desenvolvimento das forças produtivas na sociedade capitalista, com o antagonismo de classes e a divisão do trabalho, nem todos exercem essa função, que a seu ver é diretiva e organizativa junto ao tecido social que compõe a sociedade civil, atribuindo "homogeneidade e consciência da própria função" (Ibid., p. 15) aos grupos que atuam nesta última. Portanto, o exercício intelectual sobre o qual Gramsci (2004) nos chama a atenção está além da divisão entre trabalho manual e intelectual, pois se opera também o trabalho manual a partir do intelecto.

Quando se distingue entre intelectuais e não intelectuais, faz se referência, na realidade, somente à imediata função social da categoria profissional dos intelectuais, isto é, leva-se em conta a direção sobre a qual incide o peso maior da atividade profissional específica, se na elaboração intelectual ou se no esforço muscular nervoso. Isto significa que, se se pode falar de intelectuais, é impossível falar de não intelectuais, porque não existem não intelectuais. [...]. Não há atividade humana da qual se possa excluir toda intervenção intelectual, não se pode separar o homo faber do homo sapiens (itálicos do autor) (Ibid., p. 52-53).

Entretanto, na sociedade de classes marcada pela divisão do trabalho, "Formam-se assim, historicamente categorias especializadas para o exercício da função intelectual;" (Ibid.,

101

p. 18), e dessa chamada função ou especialidade intelectual, apontamos para duas formações distintas, a dos intelectuais orgânicos e dos intelectuais tradicionais. Consideramos para a acepção de intelectual tradicional duas expressões que Gramsci (2004, p. 16) utiliza a fim de designá-los: "emergindo na história a partir da estrutura econômica anterior" e "representantes de uma continuidade histórica que não foi interrompida nem mesmo pelas mais complicadas e radicais modificações das formas sociais e políticas". Dessas afirmações compreendemos que, os intelectuais tradicionais atuam com um aparente distanciamento dos aparelhos privados de hegemonia que compõe a sociedade civil, se autopromovendo "como autônomos e independentes do grupo social dominante" (Ibid., p. 17) isto porque, se colocam acima das transformações econômicas, políticas, culturais e sociais que preconizaram a passagem, na Europa, da sociedade medieval para o modo de produção capitalista, justamente por terem sobrevivido a elas. Não por acaso, em sendo a Igreja Católica a legítima remanescente deste processo, Gramsci (Ibid.) irá evidenciar nos eclesiásticos a típica categoria de intelectuais tradicionais por estes terem:

[...] monopolizados durante muito tempo (numa inteira fase da história, que é parcialmente caracterizada, aliás, por esse monopólio) alguns serviços importantes: a ideologia religiosa, isto é, a filosofia e a ciência da época, com a escola, a instrução, a moral, a justiça, a beneficência, a assistência, etc. (Ibid., p. 16).

E também, pela sua íntima ligação com as oligarquias e a aristocracia fundiária. Semeraro (2006) acrescenta aos eclesiásticos - absorvendo o contexto arcaico e agrário sul da Itália do início do século XX - os funcionários públicos, militares e acadêmicos, empenhados em "[...] manter os camponeses atrelados a um status quo que não fazia mais sentido" (Ibid., p. 134), em face à modernidade que se apresentava no restante da Europa, incluindo no norte da Itália. Todavia, a aparente autonomia política e intelectual desse grupo tradicional manifesta, em essência, sua profunda capilarização nos meandros do poder econômico e político, haja vista, a necessidade da burguesia dominante em assimilar esses intelectuais para seu projeto de hegemonia, cedendo em suas reformas aos pontos por eles preconizados. Assim, por exemplo, no Brasil constitucionalmente laico84, a Igreja Católica desempenhara historicamente intensa atividade política, conquistando hegemonia em várias frentes. A esse

84 A questão da penetração da Igreja Católica, bem como das Evangélicas nas políticas educacionais no Brasil será mais bem analisada na seção 3.2 do capítulo 3. 102

repeito, ao observar o desenvolvimento histórico da América do Sul, Gramsci (2004, p. 31) faz a seguinte análise:

De fato, encontramos na base do desenvolvimento desses países os quadros da civilização espanhola e portuguesa dos séculos XVI e XVII, caracterizada pela Contrarreforma e pelo militarismo parasitário. As cristalizações ainda hoje resistentes nesses países são o clero e uma casta militar, duas categorias de intelectuais fossilizadas na formação da metrópole europeia.

Na medida em que, se complexificam as estruturas da sociedade civil emergem concomitantemente intelectuais próprios dos grupos que a irão compor. Para tanto, Gramsci (2004) usará a expressão "orgânicos" para designar esses novos intelectuais, no sentido que, "são intelectuais que fazem parte de um organismo vivo em expansão" (SEMERARO, 2006, p. 134). Manacorda (1990, p. 153) analisa que: "É o novo entrelaçamento entre ciência e trabalho na indústria moderna, o qual cria um novo tipo de intelectual diretamente produtivo". Nos marcos de uma sociedade em constante transformação, com a intensa industrialização/urbanização e os conflitos de classe, os intelectuais serão chamados a participarem da vida social efetiva. "Com isso, os intelectuais não podiam se esconder atrás da neutralidade científica e ficar alheios às contradições do seu tempo eram impelidos a se definir nos conflitos da história e a tomar partido" (MANACORDA, 1990, p. 130). Aqui, desmistifica-se a acepção segundo a qual, os intelectuais poderiam estar acima da ideologia dominante. Imbricados às relações sociais capitalistas, sujeitos às mesmas ideologias, "pertencentes a uma classe, a um grupo social vinculado a um determinado modo de produção" (Ibid., p. 133), os intelectuais, agora, orgânicos, atuarão na organização e direção do grupo ao qual estão atrelados e com estes, na construção do consenso. Daí, compreendemos com Gramsci (2004, p. 21) que "os intelectuais são os 'prepostos' do grupo dominante para o exercício das funções subalternas da hegemonia social e do governo político [...]". No entanto, ainda é possível subdividir os intelectuais orgânicos quanto ao seu posicionamento e pertencimento de classe, neste sentido, podemos trabalhar com a ideia de intelectual orgânico à sua classe, no caso da burguesia, intelectuais a serviço da fabricação do consenso - como na supracitada afirmação de Gramsci (2004), funcionais à produção e a manutenção da hegemonia burguesa - para a manutenção da ordem capitalista de dominação ou o intelectual orgânico a um projeto emancipatório de sociedade, isto é, orgânicos quanto à

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superação das contradições do modo de produção capitalista, quanto ao fim da opressão e da divisão da sociedade em classes. Em suma, ao compreendermos os intelectuais tradicionais como representantes de uma estrutura econômica e social ultrapassada, afirmamos que, na moderna sociedade de classes, não faz mais sentido a existência desse intelectual, pois, estaria diluído nas mais complexas organizações da sociedade civil e, se como continuidade histórica ainda restam algumas exceções em alguns rincões do mundo, essas por sua vez denotam a inexistência de organismos complexos da sociedade civil nesses lugares, neste caso, a exceção pode confirmar a regra. Isto porque, seja no clero, no funcionalismo público, nas camadas militares ou na magistratura, o exemplo brasileiro85 confirma que tais intelectuais estão intrinsecamente agrupados a grupos fundamentais da sociedade civil, sejam eles partidos, sindicatos, associações, institutos, fundações, veículos de comunicação em massa, ou outros. Se, dessa forma, não há mais intelectuais descolados da classe, apontamos todos os sujeitos reunidos nas tabelas 1, 2 e 3, dispostas na seção anterior, como intelectuais do MESP, orgânicos ao projeto de escola e sociedade por ele engendrado, isto é, trabalhando na construção do consenso junto às massas de seu programa como uma verdade absoluta, uma necessidade atemporal e universal de toda a humanidade. Mas, que no Brasil, por conta das políticas consideradas "comunistas", desagregadoras das famílias, degenerativas, ineficientes e doutrinadoras dos governos Lula e Dilma, precisou ser reforçada através de um movimento organizado da sociedade civil ao qual, enquanto arautos da moral cristã, da família burguesa- patriarcal-nuclear-monogâmica e da propriedade privada, compete a missão histórica de salvar os estudantes de um perigo real e imediato, ora vermelho, ora arco-íris, ora mesmo ambos. Por outro lado, competem aos trabalhadores da educação, em especial, os trabalhadores da educação pública, mas não somente eles, seu efetivo posicionamento de classe enquanto intelectuais e ao mesmo tempo classe que vive do trabalho. Pois, como intelectuais orgânicos comprometidos com a busca de uma formação humana omnilateral, sua função perpassa a mediação dos conhecimentos necessários ao desvelamento das relações sociais tais como se apresentam na vida concreta dos estudantes. Por isso, acreditamos que, ainda que não conscientemente, ao fornecer criticamente as ferramentas do conhecimento, o

85 As análises dispostas no capítulo a respeito da conjuntura econômica e política brasileira fornecem dados para tal afirmação. 104

professor contribui à justa crítica às contradições do modo de produção capitalista, cumprindo o imperativo ontológico da educação em formar dirigentes para e em outro modelo de sociedade. Sabemos que, conforme analisa Duarte (2014, p. 105),

[...] a socialização do saber sistematizado só poderá se concretizar plenamente por meio do socialismo, mas ela é uma possibilidade para a qual contribuem diariamente muitos professores que, concordando ou não com a visão de mundo socialista, dão o melhor de si para assegurar que os conhecimentos científicos, artísticos e filosóficos em suas formas mais desenvolvidas sejam aprendidos por todos os indivíduos das novas gerações.

Com isso, afirmamos que o potencial decisivo na luta contra o projeto classista do MESP, que almeja sua hegemonia na educação, reside justamente naqueles cujo impacto desse projeto, em seu trabalho cotidiano é maior, isto é, os professores das escolas/universidades públicas da educação básica, ensino técnico, e superior que, majoritariamente lecionam para os filhos da classe trabalhadora fornecendo-lhes com o conhecimento as armas para a luta contra a alienação. Como afirma Marx (2013, p. 157):

A arma da crítica não pode é claro, substituir a crítica da arma, o poder material tem de ser derrubado pelo poder material, mas a teoria também se torna força material quando se apodera das massas. A teoria é capaz de se apoderar das massas tão logo demonstra ad hominen, e demonstra ad hominen, tão logo se torna radical. Radical é agarrar a coisa pela raiz. Mas a raiz, para o homem, é o próprio homem.

Não obstante, para a árdua e radical tarefa que se descortina no horizonte, de armar as massas com o conhecimento historicamente acumulado pela humanidade é fundamental uma inserção ativa na luta de classes, conforme orienta Gramsci (2004, p. 53):

O modo de ser do novo intelectual não pode mais consistir na eloquência, motor exterior e momentâneo dos afetos e das paixões, mas numa inserção ativa na vida prática, como construtor, organizador, "persuasor permanente", já que não apenas orador puro - mas superior ao espírito matemático abstrato; da técnica-trabalho, chega à técnica-ciência e a concepção humanista histórica, sem a qual permanece "especialista" e não se torna "dirigente" (aspas do autor).

Gramsci (2004) chama atenção para o fato de que o intelectual orgânico à emancipação humana se constitui na filosofia da práxis, isto é, no compromisso intelectual com as necessidades de classe enquanto classe e não acima dela (SEMERARO, 2006). Mais 105

ainda, um intelectual que "sabe", compreende e "sente", nas palavras de Gramsci (1999, p. 221): O elemento popular "sente", mas nem sempre compreende ou sabe; o elemento intelectual "sabe", mas nem sempre compreende, e menos ainda, "sente". Os dois extremos são, portanto, por um lado, o pedantismo e o filisteísmo, e, por outro, a paixão cega e o sectarismo. [...]. O erro do intelectual consiste em acreditar que se possa saber sem compreender [...].

O intelectual que nos aponta Gramsci (2004; 1999), que sabe, sente e compreende é o intelectual da filosofia da práxis, não representante da classe, mas classe, colado aos problemas cotidianos dos trabalhadores e estudantes, dos subalternos e oprimidos, até porque, ainda que não sinta as penúrias materiais mais nocivas do modo de produção capitalista, este intelectual está subordinado às mesmas determinações históricas que todos. Sujeito à mesma ideologia, subsumido sob o fetiche do consumo e a alienação, assim como, a própria burguesia está, mas para essa, enquanto dominante a transformação não é uma necessidade. Por isso, a emergência da filosofia da práxis no combate aos mecanismos da classe dominante como o MESP, pois,

Para a filosofia da práxis, as ideologias não são de modo algum arbitrárias; são fatos históricos reais, que devem ser combatidos e revelados em sua natureza de instrumentos de domínio, não por razões de moralidade, etc., mas precisamente por razões de luta política: para tornar os governados intelectualmente independentes dos governantes, para destruir uma hegemonia e criar outra, como momento necessário da subversão da práxis (Ibid., p. 387).

Nesta luta política, a filosofia da práxis,

[...] não tende a resolver pacificamente as contradições existentes na história e na sociedade [...]. Não é o instrumento de governo de grupos dominantes para obter o consentimento e exercer a hegemonia sobre as classes subalternas; é a expressão destas classes subalternas, que querem educar a si mesmas na arte do governo e que têm interesse em conhecer todas as verdades, inclusive as desagradáveis [...] (Ibid., p. 388).

Destarte, convém investigar o fato de que se, por um lado afirmamos que o professor exerce uma função no conjunto das relações sociais, de intelectual orgânico, por outro não necessariamente existe em sua atuação uma consciência de classe - ainda que por ora, como explicado anteriormente, em muitos casos, seja possível o professor contribuir para um projeto de formação humana emancipatório ainda que não intencionalmente.

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Em nossos estudos, os professores como intelectuais orgânicos comprometidos com sua classe, isto é, com a classe trabalhadora, não devem prescindir a seu devido posicionamento e pertencimento de classe, o que nos leva à análise de Marx (2009) de classe em si e classe para si, pois, segundo ele:

As condições econômicas, inicialmente, transformam a massa do país em trabalhadores. A dominação do capital criou para essa massa uma situação comum, interesses comuns. Essa massa, pois, é já, face ao capital, uma classe, mas ainda não o é para si mesma (Ibid., p. 190).

No desenvolvimento das lutas dos trabalhadores, em suas experiências como classe em seu conjunto (THOMPSON, 1987), "[...] essa massa se reúne, se constitui em classe para si mesmo" (MARX, 2009, p. 190). Daí que, o pertencimento de classe não é algo automático, é necessário ser construído na práxis revolucionária intencionalmente e cotidianamente. Como a superação da alienação e da divisão de classes requer a extinção do sistema que as criou, o esforço se dá em construir um projeto popular dos subalternos de hegemonia que caminhe na direção do que Gramsci (2000, p. 18) apontou como:

"reforma intelectual e moral, o que significa, de resto, criar o terreno para um novo desenvolvimento da vontade coletiva nacional-popular no sentido da realização de uma forma superior total de civilização moderna".

Mas, Gramsci (2000) acrescenta que, "[...] uma reforma intelectual e moral não pode deixar de estar ligada a um programa de reforma econômica" (Ibid., p. 19). Assim, neste processo dialético entre reforma econômica e reforma intelectual e moral compreendemos que é inerente a um projeto de formação humana omnilateral e, por isso, emancipatório, quer seja na educação escolar, ou em outros espaços pedagógicos, a necessidade de apresentar essa reforma como uma possibilidade radical de transformação das relações sociais de dominação capitalistas, de sublevação das massas para a atividade de dirigente. Neste cenário, desponta o papel dos intelectuais da classe trabalhadora que, em sua experiência concreta elevou-se da condição de classe em si para a condição de classe para si fundamentada, dessa forma, na filosofia da práxis como expressão máxima de sua atividade que se quer revolucionária. Doravante, considerando que os intelectuais, sejam eles orgânicos à classe dominante ou orgânicos a um projeto progressista de sociedade atuam diretamente na sociedade civil na função de organizar e/ou dirigir o grupo do qual se originam, apontamos novamente para a 107

concepção em Gramsci (2000) de partido, pois, segundo ele, "[...] numa determinada sociedade, ninguém é desorganizado e sem partido, desde que se entendam organização e partido num sentido amplo e não formal" (Ibid., p. 253) e, segundo Fontes (2017) "[...] algumas entidades associativas podem e devem ser analisadas enquanto 'partidos' (aspas do autor), isto é, apesar de não oficialmente eleitorais organizam vontades [...]". Aqui, assim como fez com a noção de Estado e de intelectuais, Gramsci (2000) amplia o conceito de partido além do sentido formal de sigla partidária. Desse modo, passam a figurar como partido, com a função de construir o consenso na sociedade civil, organizar a vontade coletiva e disputar a hegemonia, organizações como jornais, agremiações, associações, fundações, entre outras, desde que sejam anunciadoras de um programa próprio de sociedade. Com efeito, o partido constitui-se como mediação entre os intelectuais orgânicos e o Estado, expressando e organizando na sociedade civil a vontade coletiva, esta, entendida em Gramsci (2000, p. 17) como "consciência operosa da necessidade histórica, como protagonista de um drama histórico real". Consciência que é ativa, protagonista e ao mesmo tempo se reconstrói no bojo das relações sociais e, portanto, a vontade coletiva em Gramsci (Ibid.) - fruto dessa consciência - supera a vontade geral de Rousseau86, idealista e descolada da realidade concreta. Segundo Coutinho (2011, p. 134), a vontade coletiva que afirma Gramsci (Ibid.) desponta como "um momento decisivo que se articula dialeticamente com as determinações que provêm da realidade objetiva, em particular das relações sociais de produção". Para Gramsci (1999, p. 202):

Para escapar ao solipsismo, e, ao mesmo tempo às concepções mecanicistas que estão implícitas na concepção do pensamento como atividade receptiva e ordenadora, deve-se colocar o problema de modo "historicista" e, simultaneamente, colocar na base da filosofia a "vontade" (em última instância, a atividade prática ou política), mas uma vontade racional, não arbitrária, que se realiza a medida que corresponde às necessidades objetivas históricas, isto é, em que é a própria história universal no momento da sua realização progressiva. Se essa vontade é inicialmente representada por um indivíduo singular, a sua racionalidade é atestada pelo fato de ser ela acolhida permanentemente, isto é, de se tornar uma cultura, um "bom senso", uma concepção de mundo, com uma ética conforme a sua estrutura. (aspas do autor).

86 Sobre a vontade geral em Rousseau, Coutinho analisa que no Contrato, obra clássica de Rousseau, a democracia sob um regime republicano deve ser fundada na vontade geral dos indivíduos que, se expressa coletivamente de fora para dentro, isto é, como uma lei natural (COUTINHO, 2011). 108

Nota-se que em Gramsci (1999), a vontade coletiva somente se manifesta como tal se corresponde ao crivo da história, ou seja, à totalidade da realidade concreta. Neste sentido, ao condensar uma série de proposições ou, vontades reacionárias e conservadoras dispersas na sociedade civil que, vão desde concepções morais até as econômicas, reunindo por convicção ou conveniência intelectuais orgânicos de setores religiosos fundamentalistas, ultraliberais ortodoxos, grupos vinculados aos think thanks da direita norte-americana, além de indivíduos isolados que buscam ganhos econômicos no oportunismo político, o MESP pode ser compreendido em seu conjunto, a partir da constituição do programa, como um partido da fração burguesa destes grupos, que atuam na busca por hegemonia na escola e na sociedade. Entendendo, neste caso, a escola, como espaço privilegiado para a disseminação de seus preceitos e com eles a manutenção da ordem capitalista, bem como, para a acumulação de capital no trânsito com os grupos privatistas. Por outro lado, a vontade coletiva nacional-popular descrita por Gramsci (Ibid.), aquela que sobrevive e se organiza na história por ser a síntese da realidade concreta e longe de se identificar com o fundamentalismo de mercado e o fundamentalismo religioso, bem como, com as forças conservadoras e reacionárias é a expressão que se realiza junto aos intelectuais orgânicos progressistas, no partido que se quer revolucionário, isto é, para Gramsci (Ibid.), o moderno príncipe:

[...] deve e não pode deixar de ser o anunciador e o organizador de uma reforma intelectual e moral, o que significa, de resto, criar o terreno para um novo desenvolvimento da vontade coletiva nacional-popular no sentido da realização de uma forma superior e total de civilização moderna (Ibid., p. 18).

Portanto, na identificação de classe dos intelectuais orgânicos comprometidos com um projeto emancipatório de sociedade poderá se realizar a organização coletiva expressa num partido revolucionário: o moderno príncipe. Enquanto uma organização que disputa com um programa próprio, a hegemonia na sociedade civil. Tal partido deve contribuir para ao mesmo tempo, condensar uma séria de vontades coletivas dispersas e com elas, superando o senso comum, formar uma vontade coletiva nacional-popular disposta como um radical projeto para uma nova sociedade ético-política (GRAMSCI, 2000). Esta é a tarefa que urge a todos os que compreendem no MESP um modelo atrasado, antiquado, preconceituoso, e desumanizador de escola, formação humana e de sociedade.

109

3 AS MANIFESTAÇÕES DO MOVIMENTO ESCOLA SEM PARTIDO (MESP) NA EDUCAÇÃO E NA SOCIEDADE BRASILEIRA

Vós nos censurais por querermos abolir a exploração das crianças pelos seus próprios pais? Confessamos esse crime. Dizeis também que destruímos as relações mais íntimas ao substituirmos a educação doméstica pela educação social. E vossa educação não é também determinada pela sociedade? Pelas condições sociais em que educais vossos filhos, pela intervenção direta ou indireta da sociedade, por meio de vossas escolas etc.? Os comunistas não inventaram a intromissão da sociedade na educação; apenas procuram modificar seu caráter arrancando a educação da influência da classe dominante. O palavreado burguês sobre a família e a educação, sobre os doces laços que unem a criança aos pais, torna-se cada vez mais repugnante a medida que a grande indústria destrói todos os laços familiares dos proletários e transforma suas crianças em simples artigos de comércio, em simples instrumentos de trabalho. "Vós, comunistas, quereis introduzir a comunidade das mulheres", grita-nos toda a burguesia em coro. Para o burguês, a mulher nada mais é do que um instrumento da produção [...] (MARX; ENGELS, 2017, p. 37).

Com o excerto de Marx e Engels (2017) do Manifesto Comunista, procuramos expandir as investigações e análises dos capítulos anteriores para os desdobramentos e manifestações do MESP, bem como, seus efeitos objetivos e subjetivos no conjunto das relações sociais que emergem na escola, em particular, e, na educação e sociedade em geral. Pelos limites temporais e espaciais do texto e também pela quantidade de investigações e análises necessárias nos concentramos em quatro pontos específicos que denotam o entrelaçamento do MESP com questões históricas da sociedade brasileira como a relação entre educação e laicidade e a marginalização dos movimentos sociais, por exemplo, revelando um aspecto de permanência em suas acepções ou, por outro lado, de reação às transformações sociais. Ao evidenciarmos os elementos positivistas, autoritários, autocráticos, permanentemente contrarrevolucionários, reacionários e conservadores da sociedade brasileira o quadro se agrava ao compreendermos que tais fenômenos se somam às circunstâncias conjunturais desta fase neoliberal do capitalismo, abalizada por um fundamentalismo de mercado, e no Brasil pelo cenário de crise orgânica. Não por menos, completa a trágica equação a ascensão do fundamentalismo religioso e sua completa irracionalidade. Assim, num primeiro momento, nosso esforço perpassa por compreender as novas dimensões que despontam para o trabalho do professor com as concepções do MESP. Aqui,

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partimos do pressuposto que o que pretende o MESP modifica substancialmente não só as relações entre docentes e discentes, mas, sobretudo, a própria atividade do professor em sua essência. A emergência do neoliberalismo a partir dos anos 1970 e, com ele, a reestruturação produtiva do capital (ANTUNES, 2009) nos legaram alterações significativas na organização do trabalho. A nosso ver, os professores não estão alheios a esse processo. Assim, as modificações impostas ao trabalho docente que paulatinamente se desenvolvem, em especial, no Brasil a partir da década de 1990, com as políticas neoliberais do governo Fernando Henrique Cardoso, se recrudescem com os preceitos evocados pelo MESP. Como expressão máxima da reconfiguração do trabalho do professor nossas análises serão perpassadas pela categoria de precarização. Posteriormente, na segunda seção, centraremos nossas análises na relação que o MESP evoca entre escola, educação e religião no Brasil. Sabemos que esta temática envolve inúmeras investigações, pois, tal relação confunde-se com a própria história do país. Com incontáveis elementos e pormenores. Por isso, nosso objetivo se detém em constituir um estudo dentro do recorte estabelecido, mas com entrelaçamentos que escapam tal recorte e possibilitam a construção de um cenário mais amplo, procurando evidenciar como se dá essa confluência entre determinadas frações da Igreja Católica e das Evangélicas no MESP e na formação da chamada Frente Parlamentar Evangélica (FPE), bem como das frentes em que gravitam atores católicos. Na terceira seção, a partir das relações entre Igreja, escola e educação no Brasil desponta a necessidade de discorrer sobre uma análise específica das discussões que vêm se desenvolvendo a respeito da problemática da "ideologia de gênero". Partimos assim, da premissa que tal expressão, recorrente entre os apoiadores do MESP, dispõe de um contrassenso, pois, entendemos com nossas pesquisas que gênero não é ideologia. Isto porque gênero constitui-se em uma categoria de análise87 a respeito das perspectivas socioculturais sobre a sexualidade e a identidade além da fisiologia do corpo, bem como da naturalização do heteronormativo. Se, por um lado, gênero não é ideologia, ao contrário, "ideologia de gênero", por sua vez, é uma ideologia, pois, ancorada em dogmas religiosos e enquanto um sistema de ideias que, pela dinâmica das relações sociais aspira se naturalizar e se universalizar, a

87 Sinalizamos para a importância de especificar a existência de um vasto campo de estudos sobre gênero. Envolvendo diversas "disciplinas, várias matrizes teóricas e políticas, nas quais a figura de gênero [desponta] (grifos nossos) como um conceito (e não uma teoria ou ideologia) (grifos do autor) com múltiplas acepções e implicações críticas" (JUNQUEIRA, 2017, p. 45). 111

expressão tem sido amplamente difundida com a intenção de marginalizar e criminalizar os movimentos LGBTTQI e feministas e com eles a problematização dos conceitos de gênero, sexo e sexualidade, naturalizando e universalizando uma determinada concepção de família e de mundo. Quer seja por conveniência, oportunismo, ignorância, ou por uma combinação destes, o MESP tem sumariamente identificado o Partido dos Trabalhadores (PT) como uma organização comunista. Assim, autores associados às políticas educacionais petistas como Antonio Gramsci, apontado como idealizador de uma "teoria de dominação cultural" (MOVIMENTO ESCOLA SEM PARTIDO, s.d.) e Paulo Freire, visto como o "transportador de Marx" para as escolas (Ibid.), entre outros, vem sofrendo todo tipo de ataque. Elege-se assim, novamente na história, um inimigo conhecido, comum à burguesia fundamentalista, reacionária e conservadora: os comunistas. Estampados não somente no PT ou autores marxistas e outros não marxistas, mas também nos movimentos sociais. Assim na quarta seção, buscaremos compreender como se expressa na segunda década do XXI - aproximadamente trinta anos após a queda do muro de Berlim, mais de setenta anos do fenômeno do macarthismo88 nos Estados Unidos e passados cinquenta e quantro anos do Golpe Civil-Militar-Empresarial no Brasil que, derrubou o governo constitucional de João Goulart (1961-1964) - a perseguição de partidos, movimentos, filósofos, educadores, etc. que são identificados pelo MESP como comunistas e, com isso, inimigos da moral cristã, da família e da pátria. Não obstante, o debate implícito suscita a introdução do tema fascismo, isto porque, na análise de Fernandes (2015), o fascismo se ergue majoritariamente contra revoluções socialistas ou mesmo contra reformas consideradas socialistas, essa foi, inclusive, "a função histórica do fascismo na Alemanha e na Itália" (Ibid., p. 35). Por fim, não nos cabe dimensionar todos os aspectos de ordem educacionais e sociais de que podem representar a aderência do programa do MESP enquanto uma legislação ou como construção de consenso em torno de suas bandeiras na sociedade civil. Outros pontos poderiam ser abordados, mas, neste caso, nossa opção busca formar um painel que contribua para a devida crítica a esse movimento que vem ganhando contornos inauditos na sociedade brasileira. Do mesmo modo, mesmo os pontos abordados podem ser explorados por outros

88 De acordo com Moniz Bandeira (2005), o macarthismo refere-se à política empreendida pelo senador Joseph R. McCarthy (1908-1957) que através do Subcomitê Permanente de Investigações do Senado norte-americano procurou intensificar a perseguição de professores, artistas, políticos, pequenos empresários, jornalistas, entre outros, considerados comunistas, com prisões arbitrárias e expropriação de bens. A política incidiu inclusive sobre a queima de livros julgados subversivos. 112

ângulos e melhor aprofundados, mas ressaltamos o esforço aqui presente em construir uma análise preliminar que substancialmente envolva esses quatro elementos - manifestações da busca por hegemonia na sociedade civil - à totalidade das relações econômicas, políticas e sociais que emergem no Brasil e no mundo nesta segunda década do século XXI, somando-se assim as outras tentativas de análise deste fenômeno e contribuindo para o seu desvelamento.

3.1 A PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO DO PROFESSOR E O MESP

[...] pode se dizer que, na escola, o nexo instrução-educação somente pode ser representado pelo trabalho vivo do professor, na medida em que o professor é consciente dos contrastes entre o tipo de sociedade e de cultura que ele representa e o tipo de sociedade e de cultura representado pelos alunos; e é também consciente de sua tarefa, que consiste em acelerar e disciplinar a formação da criança conforme o tipo superior em luta com o tipo inferior (GRAMSCI, 2004, p. 44).

Em consonância com a análise de Gramsci (Ibid.) a problemática suscitada nesta seção compreende o trabalho do professor dentro da especificidade da sociedade capitalista - com suas contradições - em geral e, no Brasil, em particular no interior de um modelo de capitalismo dependente (FERNANDES, 1976) agravado pelo quadro de crise orgânica. Ao usar a assertiva "trabalho vivo" Gramsci (2004) recorre analogamente à distinção oriunda de Marx (2017) entre trabalho vivo e trabalho morto, ou seja, o primeiro como trabalho anterior, passado e acumulado que se objetiva no segundo, neste caso:

Ao transformar o dinheiro em mercadoria, que servem de matérias para a criação de novos produtos ou como fatores do processo de trabalho, ao incorporar força viva de trabalho à sua objetividade morta, o capitalista transforma o valor - trabalho passado, objetivado e morto - em capital, em valor que se autovaloriza, um monstro vivo que se põe a "trabalhar" [...] (aspas do autor) (Ibid., p. 271).

Aqui, Marx (2017) fundamenta o processo de valorização do capital e a formação do mais-valor mediante a incorporação do trabalho morto á mercadoria e acrescenta que "O capital é trabalho morto, que, como um vampiro, vive apenas da sucção do trabalho vivo, e vive tanto mais quanto mais trabalho vivo ele suga" (Ibid., p. 307). Tais análises nos fornecem subsídios para pensarmos sobre a relação que Gramsci (2004) possibilita ao ressaltar a urgência do trabalho vivo do professor, ativo e consciente das

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relações que envolvem a função docente na luta de classes. Obviamente, à luz da categoria marxista o professor efetua um trabalho vivo, haja vista, os atributos que lhes são implícitos e o constituem. O professor não é um acúmulo de trabalho morto previamente depositado que, tal como um maquinário transfere conteúdos aos seus alunos formando diretamente mais- valor - apesar da tese do Professor Armindo Moreira, como vista anteriormente, reiterar o contrário - mas essa afirmação, sobretudo nas condições que advém das políticas neoliberais para a educação e o trabalho requer a introdução das categorias de trabalho produtivo e trabalhador produtivo, bem como, trabalho e trabalhador improdutivo e precarização, pois, disso decorre a questão se o trabalho do professor gera ou não mais-valor. Marx (2004, p. 109) considera como trabalho produtivo aquele "que gera diretamente mais-valia, isto é, que valoriza o capital", independente se o resultado de seu produto é material ou imaterial e neste sentido, "é produtivo o trabalhador que executa um trabalho produtivo" (Ibid., Ibidem.). Disto decorre que "o trabalho é improdutivo (itálicos do autor) quando cria bens úteis, valores de uso, e não está voltado diretamente para a produção de valores de troca" (ANTUNES, 2018, p.47), pois, em Marx (2017) o mais-valor, a valorização do capital está diretamente associada ao "valor de troca como medida do valor de uso" (MÉSZÁROS, 2011, p. 1057)89. Não obstante, é preciso ampliar a noção de classe trabalhadora para além dos que produzem mais-valor diretamente. Pelas novas configurações que o trabalho assume, após meados da década de 1970, com a reestruturação produtiva do capital e o advento neoliberal emergem novas organizações do trabalho - trabalho digital, avanço do setor de serviços, etc. - que nos condicionam a repensar a constituição desta classe incluindo os trabalhadores presentes na esfera da circulação de mercadorias, parte constitutiva do processo produtivo (ANTUNES, 2009); além daqueles que mesmo executando um trabalho improdutivo "vivenciam situações muito aproximadas com aquelas experimentadas pelo conjunto dos trabalhadores produtivos" (Ibid., p. 238). Doravante em seu trabalho o professor não gera mais-valor diretamente e como não produz mercadorias e sim conhecimento, sua produção é imaterial, mas não necessariamente seu trabalho é improdutivo.

89 Sobre valor de troca e valor de uso acrescentamos que o ser humano se apropria do meio e ao interferir neste o transforma em matéria prima - que é também um valor de uso - para posteriormente produzir outro valor de uso, que satisfaz às necessidades e que tornando-se mercadoria possui um valor de troca. Tanto os meios como os objetos do trabalho podem ser meios de produção. Assim, podemos associar o valor de uso à uma ideia de qualidade, e em seguida o valor de troca à quantidades (MARX, 2017). 114

Se nos for permitido escolher um exemplo fora da esfera da produção material, diremos que um mestre escola é um trabalhador produtivo quando trabalha não só para desenvolver a mente das crianças, mas também para enriquecer o dono da escola. Que este invista seu capital numa fábrica de ensinar, em vez de numa de fazer salsicha, em nada modifica a situação. O conceito de trabalho produtivo não compreende apenas uma relação entre atividade e efeito útil, entre trabalhador e produto do trabalho, mas também uma relação de produção especificamente social, de origem histórica, que faz do trabalhador o instrumento direto de criar mais-valia. Ser trabalhador produtivo não é nenhuma felicidade, mas azar (MARX, 2017, p. 578).

Acrescentamos a essa explicação o fato de que ao corroborar para a formação especializada de uma massa de trabalhadores, formação para o capital humano, a fase neoliberal do capitalismo propicia ao trabalho do professor contribuir demasiadamente à valorização do capital, educando, para o capitalista, um trabalhador especializado e neste sentido, ocorre à importância de analisar a questão das mediações. Nosso argumento é que, por um lado, o professor em sua prática pode contribuir para a emancipação humana, pois, ao mediar os conhecimentos historicamente produzidos e acumulados pela humanidade, pela educação escolar ele possibilita a aquisição aos estudantes das ferramentas necessárias ao combate à alienação e à superação das contradições da sociedade capitalista. Todavia, por outro, como à escola se encontra no interior dessa sociedade, marcada por suas contradições, pela proeminência da propriedade privada, da divisão do trabalho e pelas lutas de classes, recrudescidas nesta fase neoliberal e, o professor sujeito à alienação e encerrado sob as mesmas ideologias que todos, têm a sua prática como mediação entre o mundo do trabalho na sociedade capitalista com as suas prerrogativas e a escola sob o fetiche do consumo e do mercado balizados na educação pela Teoria do Capital Humano que, embora se apresente como moderna e inovadora acaba por produzir o consenso sob os desígnios da burguesia. A esse respeito analisa Fernandes (1989, p. 147):

A ideologia da classe dominante é a ideologia das nações capitalistas hegemônicas e de sua superpotência. A prática inovadora e "moderna" transporta consigo, portanto, uma socialização de mentes e corações que "faz a cabeça" dos educandos segundo paradigmas do colonizado satisfeito consigo próprio [...]. O colonizado conformista chega ao "pensamento crítico" e à ilustração. Mas é um risco para si mesmo e para a sociedade. Pois, permanece permanentemente preso às fronteiras de uma pedagogia que não se volta para dentro e não finca suas raízes nos confrontos dos miseráveis da terra com as cadeias que os acorrentam a sua miséria (aspas do autor). 115

Por outro lado, ele reforça que:

O professor precisa se colocar na situação de um cidadão de uma sociedade capitalista subdesenvolvida e com problemas especiais e, nesse quadro, reconhecer que tem um amplo conjunto de potencialidades, que só poderão ser dinamizadas se ele agir politicamente, se conjugar uma prática pedagógica eficiente a uma ação política da mesma qualidade (Ibid., p. 170).

É bem verdade que a escola e com ela o trabalho do professor não se constituem único aparelho privado de hegemonia no conjunto das relações sociais e se considerarmos a educação no sentido amplo da acepção ele disputa com outros aparelhos como família, Igreja, meios de comunicação em massa, entre outros, a hegemonia frente à sociedade civil. Gramsci (1999, p. 399) vai além, explicitando e ampliando o caráter das relações pedagógicas.

Mas a relação pedagógica não pode ser limitada às relações especificamente "escolares", através da quais as novas gerações entram em contato com as antigas e absorvem as experiências e seus valores historicamente necessários, "amadurecendo" e desenvolvendo uma personalidade própria, histórica e culturamente superior. Esta relação existe em toda a sociedade no seu conjunto e em todo indivíduo com relação aos outros indivíduos, entre camadas intelectuais e não intelectuais, entre governantes e governados, entre elites e seguidores, entre dirigentes e dirigidos, entre vanguardas e corpos de exercito. Toda relação de hegemonia é necessariamente uma relação pedagógica [...] (aspas do autor).

Em suma, o trabalho do professor para a sociedade capitalista encontra-se por um lado, na esfera do trabalho improdutivo quando não produz diretamente mais-valor, contudo, presente na esfera da circulação, este trabalho contribui tanto para a formação técnica voltada à reprodutividade do capital quanto para a construção do consenso necessário a manutenção da ordem capitalista. Como adverte Frigotto (2010, p. 38), o trabalho realizado na escola "[...] embora não produza mais valia, é extremamente necessário ao sistema capitalista monopolista para a realização de mais valia; e, neste sentido, ele será um trabalho produtivo". Da mesma forma, ao não incidir sobre o posicionamento de classe no âmago da luta de classes do qual Fernandes (1989) nos chamou atenção, o trabalho do professor - mesmo que se entenda como produtivo ou improdutivo -, subsumido na forma mercadoria na função de decorar apostilas prontas e transmitir esse conteúdo, contribuindo assim para a formação de força de trabalho convertida em mercadoria e com ela a valorização constante do capital, está de acordo com a Teoria do Capital Humano, pois, se reduz também a escola a um espaço sem

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conflitos e sem contradições e, o ato de educar, a uma tecnologia educacional. Contribuindo à formação de "recursos humanos, produzir capital humano" (FRIGOTTO, 2010, p. 243). Por conseguinte, ao expormos a dialética do trabalho do professor na sociedade capitalista, buscamos da mesma forma compreendê-lo em conjunto à classe que vive do trabalho, com suas nuanças aqui apontadas a partir dos estudos de Antunes (2009; 2018). Efetuando um trabalho que, subsumido sob as formas de dominação capitalista encontra-se na esfera da circulação, enquanto trabalho produtivo que, contribui à valorização do capital, mas, com a potencialidade de, ao mesmo tempo, corroborar com o desvelamento das contradições da sociedade capitalista. No entanto, sujeito às mesmas penúrias de precarização do trabalho por que passam toda a classe trabalhadora. Antunes (2018, p. 55-56) irá esclarecer que:

Desde 2008, com a eclosão da nova fase de crise estrutural do capital [conforme analisamos no capítulo 1] (excerto nosso), assistimos à expansão significativa do processo de precarização estrutural do trabalho (itálicos do autor). Essa tendência se desenhava desde princípios da década de 1970, quando deslanchou o processo de reestruturação produtiva do capital em escala global.

Nesse novo desenho emergem novos mecanismos de organização do trabalho que absorvem em parte e ultrapassam em outras o "binômio fordismo taylorismo"90 (ANTUNES, 2009, p.49), levando ao chamado toyotismo91 - num processo de rupturas e permanências - e

90 Para Antunes (2009, p. 38-39), “expressão dominante do sistema produtivo e de seu respectivo processo de trabalho, que vigorou na indústria, ao longo praticamente de todo o século XX, sobretudo a partir da segunda década, baseava-se na produção em massa de mercadorias a partir de uma produção mais homogeneizada e enormemente verticalizada [...]. Esse padrão produtivo estruturou-se com base no trabalho parcelar e fragmentado na decomposição das tarefas” (itálicos do autor). 91 "[...] 1) é uma produção muito vinculada à demanda, [...] diferenciando-se da produção em série e de massa do taylorismo/fordismo. [...]; 2) fundamenta-se no trabalho operário em equipe, com multivariedade de funções, rompendo com o caráter parcelar típico do fordismo; 3) a produção se estrutura num processo produtivo flexível, que possibilita ao operário operar simultaneamente várias máquinas [...], alterando-se à relação homem/máquina na qual se baseava o taylorismo/fordismo; 4) tem como princípio o just in time, o melhor aproveitamento possível do tempo de produção; 5) funciona segundo o sistema kanban, placas ou senhas de comando para reposição de peças e de estoque. [...]; 6) as empresas do complexo produtivo toyotista, inclusive as terceirizadas, têm uma estrutura horizontalizada, ao contrário da verticalidade fordista. [...]; Desse modo, flexibilização, terceirização, subcontratação, CCQ, controle de qualidade total, kanban, just in time, kaizen, team work, eliminação do desperdício, ‘gerência participativa’, sindicalismo de empresa, entre tantos outros pontos, são levados para um espaço ampliado do espaço produtivo; [...]. Essa assimilação do toyotismo vem sendo realizada por quase todas as grandes empresas, a princípio no ramo automobilístico e, posteriormente, propagando-se também para o setor de serviços, tanto nos países centrais quanto nos de industrialização intermediária” (itálicos do autor) (ANTUNES, 2009, p. 46-57; 61). 117

com ele, o modelo de acumulação flexível que, para os trabalhadores em geral se traduz em flexibilização das leis trabalhistas.

Foi nesse contexto que o capital, em escala global, veio redesenhando novas e velhas modalidades de trabalho - o trabalho precário - com o objetivo de recuperar as formas econômicas, políticas e ideológicas da dominação burguesa. Proliferaram, a partir de então, as distintas formas de "empresa enxuta", "empreendedorismo", "cooperativismo", "trabalho voluntário" (aspas do autor) etc., dentre os mais diversos modos alternativos de trabalho precarizado. E os capitais utilizaram-se de expressões que, de certo modo, estiveram presentes nas lutas sociais dos anos 1960, como controle operário e participação social, para dar-lhes outras configurações, muito distintas, de modo a incorporar elementos do discurso proletário, porém, sob clara concepção burguesa (itálicos do autor) (ANTUNES; BRAGA, 2009, p. 233).

A agenda da precarização do trabalho representa uma necessidade histórica oriunda das bases neoliberais como mediação para a fase de crise estrutural do capital dos anos 1970, como aponta Antunes (2018, p. 60) "uma processualidade resultante também das lutas entre as classes, da capacidade de resistência do proletariado, podendo por isso, tanto se ampliar como se reduzir", "dependendo diretamente da capacidade de resistência, organização e confrontação da classe trabalhadora" (Ibid., p. 59). Figurando como reação às lutas dos trabalhadores que procuram resistir em face à alienação do trabalho no modo de produção capitalista ou, como necessidade frente à queda exponencial na taxa de lucros (MÉSZÁROS, 2011), a precarização manifesta, em essência, as contradições do trabalho subsumido na forma emprego na sociedade capitalista, bem como o caráter autodestrutivo do sistema, ladeada pelas ideologias da flexibilização, empregabilidade, cooperativismo, entres outras, termos que se firmam com o advento do neoliberalismo.

Permanentemente são postos em prática procedimentos empresariais e/ou políticos para bloquear a emergência das tensões [...]. Citemos alguns, como a superposição de sucessivas formações profissionais, em diferentes níveis, procurando adequar os seres sociais às necessidades específicas – e exigências – do capital, preparando-os para uma disponibilidade a mais flexível possível, frente à inflexibilidade crescente das exigências do capital: a empregabilidade. Outra política – empresarial e pública – reside na falsificação da democracia, através do estímulo (monetário ou por temor ao desemprego) à participação e ao engajamento do trabalhador, que deve vestir a camisa da empresa. Também o estímulo ao empreendedorismo, como apagamento jurídico fictício da relação real de subordinação do trabalho ao capital, que se apresenta como igualdade entre… capitalistas, sendo um

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deles mero 'proprietário' (aspas da autora) de sua própria força de trabalho (FONTES, p. 50).

Essa nova configuração de trabalho precarizado que, dispondo de maior flexibilização dos contratos de trabalho resulta diretamente na perda de direitos históricos da classe trabalhadora, conquistados a cargo de muitas lutas, acentuando um processo de redução das organizações de classe, tais como, sindicatos, clubes e agremiações que dispunham de ferramentas coletivas ao combate contra o capital. Esse novo trabalhador, principalmente no setor de serviços, envolto em contratos de trabalho isolados e a terceirização despontará como uma: imensa massa de 'lumpen-proletariado' (aspas do autor) pós-moderno em estado crescente de precarização, totalmente desprotegido, desenraizado, errático, sem identidade e sem organização, presa fácil da mídia, da polícia, de fundamentalistas e populistas (SEMERARO, 2017, p. 25).

Aqui, cabe uma observação sob o uso do termo lumpemproletariado em que, Marx (2011, p. 91) irá compreender que se constitui por:

Roués [rufiões] decadentes com meios de subsistência duvidosos e de origem duvidosa, rebentos arruinados e aventurescos da burguesia eram ladeados por vagabundos, soldados exonerados, ex-presidiários, escravos fugidos das galeras, gatunos, trapaceiros, lazzaroni [lazarones], batedores de carteira, prestidigitadores, jogadores, maquereaux [cafetões], donos de bordel, carregadores, literatos, tocadores de realejo, trapeiros, amoladores de tesouras, funileiros, mendigos [...] (grifos da edição).

Na essência dos indivíduos designados por Marx (2011) está o caráter de "massa de trabalhadores" que, empregados ou não, encontram-se desorganizados e na informalidade e por isso, susceptíveis às formas de manipulação que, no contexto ao qual Marx (Ibid.) se detém inscrevem-se sobre o Golpe de Estado desferido por Luís Bonaparte92. Pensados a partir do prisma da pós-modernidade que tudo fragmenta e relativiza (HARVEY, 2017) e da precarização do trabalho que fragmenta as lutas da classe trabalhadora e relativiza as leis trabalhistas, o lumpemproletariado resulta da completa ausência de identidade de classe e do pertencimento ao conjunto das lutas dos trabalhadores que pode acarretar, entre outras coisas, a nosso ver, ao apoio ou a passividade frente às políticas

92 Luís Bonaparte, sobrinho herdeiro de Napoleão Bonaparte, chegou ao governo da França em 1948 pela via eleitoral, impedido, por força da Constituição Francesa, de concorrer ao segundo mandato, desferiu um golpe de Estado em 1951, se autoproclamando Imperador da França (MARX, 2011). 119

neoliberais em geral e, em particular, conservadoras, reacionárias e fundamentalistas preconizadas pelas frações ultraliberais da burguesia brasileira, as quais fazem parte o MESP. No caso recente brasileiro, o avanço neoliberal preconizado pela Reforma Trabalhista, Lei n. 13.467 de 13 de julho de 201793, constitui-se o exemplo mais bem acabado até então no Brasil das novas formas de precarização do trabalho. Levada a cabo após a dissolução do que configurou os governos Lula e Dilma, de conciliação de classes - conforme debatido no capítulo 1 – e que levou, em nossas análises, via golpe jurídico-midiático-parlamentar à Presidência, Michel Temer, a Lei em questão alterou significativamente as disposições da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) ao deslocar parte da segurança jurídica conferida ao trabalhador neste documento para acordos coletivos e/ou contratos individuais; ao retirar da contagem de horas trabalhadas o período de alimentação e troca de uniforme; ao possibilitar a terceirização para a atividade fim; ao modificar o regime de contribuição sindical, entre outras (BRASIL, 2017). Da mesma forma, os regimes de contratação docente vêm sendo alterados nos últimos anos em várias partes do país94. A título de exemplo, no Estado de São Paulo, a Lei Complementar nº 1.093 de 16 de julho de 200995, criada no governo de José Serra (PSDB) estabeleceu o que convencionou se chamar de "categoria O". Modelo de contratação em que o professor não desfruta de nenhum direito trabalhista corespondente aos professores ditos efetivos ou de outra categoria contratados anterior a essa Lei, pois, não possui vínculo empregatício. São contratados por tempo determinando via processo seletivo, sem poder usufruir dos mesmos direitos que os professores efetivos e, após a prestação de serviços, para evitar quaisquer processos jurídicos, ficam impedidos por 40 dias de firmarem um novo contrato com a Secretaria de Educação. Segundo dados do Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (APEOESP) de 2018, "a categoria reúne hoje quase 30 mil docentes" (APEOESP, 2018, n.p.). Ou seja, constituem uma massa de precarizados que, por não gozarem de segurança no emprego, acabam por utilizar a educação como uma fonte

93 Disponível em: . Acesso em 22 set. 2018. 94 Segundo dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) de 2013, um em cada quatro professores no Brasil não tem vínculo empregatício e exercem sua função mediante contratos temporários de trabalho. Informação disponível em: . Acesso em 15 out. 2018. 95 Disponível em: . Acesso em 27 ago. 2018. 120

de renda secundária, o que liquida tanto suas condições concretas de trabalho como o trabalho efetuado em sala de aula. Na Universidade de São Paulo (USP), entre os anos de 2014 e 2017, o número de professores com contratos de trabalho temporário triplicou, saltando de 65 professores para 216, em alguns departamentos, como de Obstetrícia da USP Leste, cerca de um quarto dos professores são temporários (O ESTADO DE SÃO PAULO, 2017, n.p.)96. São contratos de trabalho, como consta no Portal Transparência da Universidade97, com jornadas de trabalhos de doze horas, salários de até mil e seiscentos reais para doutores, mil e trezentos para mestres e novecentos reais para graduados. Esses docentes, contratados por processo seletivo, permanecem na Universidade por no máximo dois anos. Não têm autonomia para pesquisa, isto é, são contratados apenas para lecionar e, por não possuírem vínculo empregatício, não usufruem de direitos e benefícios equivalentes aos professores concursados. O caso da USP denota como o processo de precarização do trabalho docente vem atingindo tantos os professores das escolas públicas e privadas da educação básica quanto os do ensino superior. Em outra ponta, o governo de Jair Bolsonaro que se inicia em 2019 tem, nas figuras de Olavo de Carvalho - um dos intelectuais que contribuíram para a formação do MESP -, do ministro da Educação Ricardo Vélez e na ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, três expoentes defensores do homeschooling. Em nossas análises, por prescindir do trabalho docente, essa modalidade - muito comum nos Estados Unidos -, em que o processo educacional fica sob a incumbência das famílias ou grupos de família (ADRIÃO; GARCIA, 2017) anula a função do professor ou quando muito, promove a ascensão do fenômeno de aulas particulares, "uma educação 'delivery' (aspas das autoras) (Ibid.,2017, p. 444). Cabe ressaltar que o modelo de aulas particulares integra o processo de privatização da educação. Além de precarizar o trabalho do professor com baixas remunerações, ausência de contratos de trabalho, estabilidade ou outros direitos trabalhistas, esse processo garante recursos aos grupos privados que investem em materiais específicos para essa modalidade de ensino98.

96 Disponível em: . Acesso em 27 ago. 2018. 97 Disponível em: . Acesso em 27 ago. 2018. 98 Segundo sua página eletrônica no Brasil “[...] fundada em 1844 por Samuel Pearson como S. Pearson and Sona [...] em Yorkshire, no norte da Inglaterra [...], a Pearson é a maior empresa de educação do mundo,” (PEARSON, s.a, n.p.). No entanto, segundo Adriaão e Garcia (2017), a Pearson fez fortuna nos EUA com a venda de material escolar/educativo para homeschooling. 121

Se nos exemplos sobre o trabalho docente, do fenômeno das terceirizações e da desregulamentação das leis trabalhistas encontramos os fortes traços da precarização, em situações limites, o trabalho análogo à escravidão tornou-se uma constante em muitos países, incluindo o Brasil. A esse respeito, Antunes (2018) e Antunes e Braga (2009) apresentam que as teses do chamado "fim do trabalho", presentes em autores como Habermas e Castells (apud ANTUNES; BRAGA, 2009), dispostas a demonstrar a dissolução do trabalho vivo no avanço da modernidade capitalista em decorrência do advento da "era da informação" não se comprovaram, haja vista, a necessidade cada vez maior do capital de trabalho vivo precarizado.

Com o avanço das tecnologias da informação e comunicação (TICs) não foram poucos os que acreditaram que uma nova era da felicidade se iniciava [...]. O mundo do labor enfim superava sua dimensão de sofrimento. A sociedade digitalizada e tecnologizada nos levaria ao paraíso, sem tripalium (itálicos do autor) e quiça até mesmo sem trabalho (ANTUNES, 2018, p. 9).

No entanto,

Se o universo do trabalho on-line e digital não para de se expandir em todos os cantos do mundo, é vital recordar também que o primeiro passo para se chegar ao smartphone e a seus assemelhados começa com a extração de minério, sem o qual os ditos cujos não podem ser produzidos. E as minas de carvão mineral na China e em tantos outros países, especialmente do sul, mostram que o ponto de partida do trabalho digital se encontra no duro ofício realizado pelos mineiros [...] (Ibid., p. 20).

As condições de trabalho, especificamente ao sul do globo, mas não somente, nos advertem de que apesar do discurso empreendido por um futuro tecnológico e informatizado, o trabalho vivo, cada vez mais precarizado é imprescindível à valorização do capital. Assim, corrobora com esse argumento o fato de que, segundo a página eletrônica Tecmundo - uma revista eletrônica especializada em temas de tecnologia - com jornada de até "doze horas diárias e assédio moral descontrolado" (TECMUNDO, 2017, n.p.) a fábrica da Apple na China, sediada em Xangai onde produz parte de seus famosos "iphones" tem sido frequentemente relatada por Organizações não Governamentais (ONGs) internacionais pelas péssimas condições de trabalho. "Em 2012 cerca de 150 funcionários da empresa se reuniram no telhado da fábrica e ameaçaram se jogar em um suicídio coletivo caso as condições de trabalho não melhorassem" (Ibid., Ibidem.).

122

Os minérios necessários à fabricação desses aparelhos eletrônicos, assim como outros, provêm de várias partes do mundo, mas especialmente do continente africano. Portanto, as condições deploráveis dos trabalhadores chineses se vinculam diretamente com os, por exemplo, trabalhadores do setor de mineração em África do Sul. Neste país, devido às péssimas condições de trabalho e baixos salários desta categoria, em 2012, trabalhadores da mineradora britânica Lomnin, deflagraram uma greve sendo brutamente reprimidos.

A luta dos mineiros na Lomnin ficou conhecida mundialmente depois que a polícia sul-africana abriu fogo contra milhares de trabalhadores no dia 16 de agosto deste ano. Pelo menos 45 operários morreram e dezenas ficaram feridos em consequência da repressão. O ataque foi considerado o episódio mais violento no país desde o fim do regime de segregação racial, em 1994 (CONFEDERAÇÃO NACIONAL DOS METALÚRGICOS, 2012, n.p.).

Após uma série de batalhas judiciais e dezenas de trabalhadores assassinados a categoria conseguiu um reajuste salarial de 22%. Não sabemos sobre as condições de trabalho, sabemos, no entanto que, em 2018 "mais de mil mineiros que trabalhavam na extração de ouro ficaram presos na mina Beatrix, na África do Sul" (PORTAL G1, 2018, n.p.) por conta de uma tempestade. A mesma matéria afirma que "Os acidentes no setor de mineração são frequentes na África do Sul, que tem as minas mais profundas do mundo" (Ibid., Ibidem.), neste específico episódio, felizmente, todos sobreviveram, o que nem sempre acontece como veremos. Não por menos, se em África do Sul a questão da mineração conta com sindicatos organizados que enfrentam todo o poder repressivo do capital, local e internacional, no Congo a situação engloba um processo de guerra civil que durou mais de vinte anos e que já matou mais seres humanos do que o holocausto na Segunda Guerra Mundial. A fragmentação e desorganização territorial e política do Congo - resultado da exploração, colonização, saque e pilhagem realizada pela Bélgica por mais de seis décadas e pelo conturbado processo que envolveu os conflitos que o levaram à independência (WALDMAN; SERRANO, 2008) - contribui para que este país seja invadido por empresas de mineração que contam com mão de obra extremamente barata e ausência de leis regulatórias (FÓRUM, 2014, n.p.). O caso congolês ficou conhecido como "minerais do conflito", por, além de tudo, acirrar disputas locais. Segundo artigo da mesma revista: Os residentes locais, cujo estilo de vida foi destruído por décadas de guerras civis, são forçados a procurar esses “minerais de conflitos” em condições

123

desumanas. Em 2008, quando não existia muita pressão internacional sobre o caso, foi feita uma estimativa de que cerca de 2 milhões de mineradores eram crianças, trabalhando em regime de escravidão. O coltan, por exemplo, é extraído nas chamadas “minas artesanais”, onde as pessoas devem cavar com picaretas, pás e até mesmo com suas próprias mãos (Ibid., n.p.).

Em 2013, em Bangladesh, o desmoronamento seguido de incêndio de um prédio de três andares onde funcionava uma indústria têxtil com mais de três mil trabalhadores ceifou a vida de mais de trezentos e cinquenta deles. O caso revelou as péssimas condições laborais em que roupas de grifes famosas no mundo todo são produzidas (BBC BRASIL, 2013). Excessos de horas de trabalho, trabalho infantil, baixos salários, prédios sem segurança, insalubres, entre outras penúrias, marcam a vida destes trabalhadores (Ibid.) Doravante, a acumulação flexível e com ela a tentativa de amenizar a queda na taxa de lucros, apropria-se em larga escala de formas de trabalho análogo à escravidão99 e somam-se aos exemplos acima os que proveem do próprio Brasil. No caso, o chamado "Cadastro de Empregadores que tenham submetido trabalhadores a condições análogas à de escravo"100, de 2016101, contém cento e sessenta e cinco empresas, distribuídas por todos os estados do país. Entre elas, a gigante do setor de logística "ALL - América Latina Logística Malha Paulista S.A" e a "Engetal Engenharia e Construções Ltda" responsável pelas obras da Escola Técnica Estadual (ETEC) e Faculdade de Tecnologia (FATEC) do Estado de São Paulo realizadas durante o governo de Geraldo Alckmin (PSDB-SP) entre 2016 e 2017. A lista completa possuiu desde pastelarias de bairro até madeireiras no Pará, passando por construtoras, cooperativas agrícolas, fazendas produtoras de soja e cana-de-açúcar e inclusive um clube de futebol no estado de Goiás, revelando uma tragédia que corresponde às formas históricas de acumulação do capital, em que, principalmente nos países de capitalismo dependente como o nosso, a existência de relações de trabalho democráticas com direitos e leis trabalhistas são exceções e não a regra.

99 Considera-se como Trabalho Análogo à Escravidão no Brasil, conforme o artigo 149 do Código Penal: Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto (CÓDIGO PENAL, 1940). 100 Disponível em: . Acesso em 27 mai. 2018. 101 Tentamos atualizar os dados do Cadastro de Empregadores que tenham submetido trabalhadores a condições análogas à de escravo sabendo que o Ministério do Trabalho divulgou uma nova lista em outubro de 2010. No entanto, desde 01 de janeiro de 2019 o link para a página que contém essa lista está fora do ar. 124

Com efeito, a precarização do trabalho inclui da mesma forma, a insegurança com o desemprego. Marx (2017, p. 710), ao dialogar com os estudos do economista inglês Thomas Malthus (1766-1834) a respeito de sua teoria102 sobre o vertiginoso crescimento populacional por ele prevista analisa que:

À produção capitalista não basta de modo algum a quantidade de força de trabalho disponível fornecida pelo crescimento natural da população. Ela necessita, para assegurar sua liberdade de ação, de um exército industrial de reserva independente dessa barreira natural.

Mais adiante encontramos em Marx (Ibid., p.7 11) a seguinte explicação:

Se os meios de produção, crescendo em volume e eficiência, tornam-se meios e ocupação dos trabalhadores em menor grau, essa mesma relação é modificada pelo fato de que, à medida que cresce a força produtiva do trabalho, o capital eleva mais rapidamente sua oferta de trabalho do que sua demanda de trabalhadores. O sobretrabalho da parte ocupada da classe trabalhadora engrossa as fileiras de sua reserva, ao mesmo tempo que, inversamente, esta última exerce, mediante sua concorrência, uma pressão aumentada sobre a primeira, forçando-a ao sobretrabalho e a submissão aos ditames do capital.

Nesta lógica perversa, observada por Marx (2017), encontramos o desemprego como um fenômeno estrutural e não isolado ou conjuntural. Intrínseco à lógica do modo de produção capitalista. E, a precarização como mediação entre os trabalhadores submissos que exercem o sobretrabalho e o exército industrial de reserva. O painel de exemplos exposto configura um cenário em que, a precarização do trabalho no século XXI desponta como uma combinação de "velhas e novas formas de exploração do trabalho" (ANTUNES, 2018, p.137) que combina processos equivalentes à escravidão com modelos laborais informatizados revestidos de nomenclaturas que em síntese, promovem a exploração e expropriação da força de trabalho com ainda maior avidez. Disso, decorre uma série de consequências imediatas ao trabalhador, como evidenciado por Antunes (2018) em suas pesquisas (Ibid., p. 138): "alta incidência de acidentes de trabalho, inclusive

102 A teoria Malthusiana foi elaborada pelo economista inglês Thomas Robert Malthus (1776-1834) e publicada em 1798, no livro Ensaio sobre o princípio da população. Segundo ele, a população mundial cresceria em um ritmo acelerado e a produção de alimentos em um ritmo lento. Assim, segundo a visão de Malthus, ao final de um período de apenas dois séculos, o crescimento da população teria sido 28 vezes maior do que o crescimento da produção de alimentos. Dessa forma, a partir de determinado momento, não existiriam alimentos para todos os habitantes da Terra, produzindo-se, portanto, uma situação catastrófica, em que a humanidade morreria de inanição (LENZ, 1985). 125

aqueles que resultam no óbito do trabalhador [...]. Adoecimentos com nexo laboral, sobretudo aqueles relacionados às lesões osteomusculares e transtornos mentais". Essas problemáticas não estão ausentes do trabalho do professor. Dados obtidos junto à Revista Nova Escola103 (2018, n.p.) dão conta que "66% das professoras e professores já precisaram se afastar do trabalho por questões de saúde. O levantamento também mostrou que 87% dos participantes acreditam que o seu problema é ocasionado ou intensificado pelo trabalho". Por ora, os efeitos da precarização do trabalho docente têm incidido sobre contratos de trabalho incertos, perda salarial, perda de autonomia, transtornos mentais, entre outros. Todavia, considerando os preceitos propostos pelo programa do MESP a tendência é que a precarização se intensifique. Isto porque, o que propõe o MESP em seu programa incide sobre dois pontos nevrálgicos ao trabalho do professor. O primeiro, a intensificação de sua perda de autonomia em sala de aula agravada pela existência de aparelho coercitivo pressionando, na prática, o desencadeamento de processos de censura e perseguição política e ideológica. Segundo, a judicialização das relações entre professor e aluno que provêm do primeiro ponto implica uma burocratização excessiva das relações internas da escola, esbarrando na subjetividade. Caberia às instâncias jurídicas, no limite, decidir após uma série de liminares para um lado e para o outro qual o conteúdo deveria ser abordado e ainda pior, qual o método de abordagem. Outra questão grave sobre a judicialização são os processos dos quais os professores seriam atingidos, afetando todas as dimensões de sua vida pessoal, financeira e profissional. Como desempenhar a função docente junto a um emaranhado de possibilidades subjetivas de processos criminais? Penna (2016), nos artigos "O ódio aos professores", "Proibido educar?" ambos de 2016, "Escola sem Partido como ameaça à Educação Democrática: fabricando o ódio aos professores e destruindo o potencial educacional da escola" (2017) e "O ódio aos professores se profissionaliza" (2016), tem investigado a questão da perseguição aos professores a partir de imagens e falas de intelectuais do MESP, bem como alguns de seus interlocutores, imputando a gravidade das ameaças que se apresentam em audiências públicas e nas redes sociais que disseminam o movimento.

103 Disponível em: . Acesso em 23 dez. 2018. 126

A partir de suas análises, ressaltamos os pontos que dimensionamos a respeito: a. do professor como doutrinador da ideologia marxista; b. do professor como corruptor de menores ao usar a "ideologia de gênero" para "incentivar os alunos a abandonar a religião e incentivá- los a fazer sexo" (PENNA, 2016, n.p.); c. do professor comparado a um estuprador quando se discute a questão do aluno como massa de audiência cativa, pois, na fala de Nagib: "é um argumento também típico dos estupradores que alegam em sua defesa que aquela menina de doze anos, que eles acabaram de violentar não é tão inocente quanto parece [...]" (NAGIB, 2017, n.p. apud PENNA, 2017, p. 247). Em síntese: "a escola [em especial na figura do professor] (grifos nossos) como um espaço terrível de corrupção dos inocentes" (ibid, n.p.). Em maio de 2017, a professora do Liceu Nilo Peçanha, em Niterói (RJ), Valéria Borges foi acusada de ferir a liberdade de consciência do[s] aluno[s] (grifos nossos), a neutralidade política, e [...] os direitos dos alunos com práticas de assédio moral [...] (JORDY, 2017, n.p.) ao responder uma questão de um aluno sobre uma possível comparação entre Jair Bolsonaro e Adolf Hitler (1889-1945). Ao proceder com a resposta ao aluno, a professora desfez a comparação, porém, não sem questionar as concepções do então deputado federal a respeito do porte de armas e dos direitos LGBTTQI, contextualizando tanto sua ação parlamentar quanto os prováveis propósitos de seus seguidores nas redes sociais (Ibid., Ibidem). Um dos alunos gravou a fala da professora que, dias depois foi estampada na página eletrônica pessoal do vereador por Niterói, Carlos Jordy (PSC). Após a publicação do vídeo, a professora foi vítima de comentários do tipo "Desqualificada, lixo, aliciadora, comunista satânica" (Ibid., Ibidem.), na mesma página do vereador que, inclusive é autor de um projeto de lei104 que busca instituir o programa do MESP nesta cidade. A professora, que passou por um quadro depressivo, também recebeu, junto com sua família ameaças de morte (NOVA ESCOLA, 2018, n.p.). A professora de sociologia, Gabriela Viola, que leciona numa escola pública da cidade de Curitiba, promoveu com seus alunos uma atividade que consistia na elaboração de uma música para a finalização do conteúdo sobre o pensamento filosófico e sociológico de Karl Marx, abordado com os alunos em aulas anteriores (EL PAÍS, 2016), conteúdo que consta no

104 Disponível em: . Acesso em 16 out. 2017. 127

referencial curricular do Estado do Paraná105. Os alunos então elaboraram um funk cuja letra dizia: “Os burgueses não moram na favela. Estão nas empresas explorando a galera. E para os proletários o salário é uma miséria. Essa é a mais-valia vamos acabar com ela” (Ibid., Ibidem.). Um vídeo publicado nas redes sociais pelos próprios alunos com eles interpretando a música foi o suficiente para que a professora fosse agredida nas redes sociais por simpatizantes do MESP, incluindo aí a própria página eletrônica do MESP que publicou o vídeo106. A professora foi afastada pela Secretaria Estadual de Educação do Paraná com o argumento de "preservação de sua integridade física, após usuários terem publicado ameaças à professora nas redes sociais com comentários como: 'essa mulher merece uma surra' e 'pobres crianças manipuladas' (aspas do autor) (Ibid., Ibidem.)". Contudo, com o apoio dos pais e alunos ela retornou às atividades uma semana depois, no caso, com o acompanhamento pedagógico de membros da Secretaria, isto é, sob vigilância. Na seção "corpo de delito", um termo jurídico, da página eletrônica do MESP encontram-se disponíveis vários casos do que eles julgam como "doutrinação marxista" (MOVIMENTO ESCOLA SEM PARTIDO, s.a, n.p.) ou "doutrinação de ideologia de gênero" (Ibid., Ibidem.), ou ambas. Expondo em vídeos professores e alunos ao ridículo. Não é objetivo nosso analisar cada um desses vídeos ou casos, pois partimos da análise do programa do MESP, todavia os exemplos supracitados que denotam a exposição de professores sem consentimento com seu trabalho posto em vigilância o tempo todo traduzem essa face da precarização do trabalho docente, que se expande para a perseguição política, jurídica e ideológica. Tal ambiente, além de propiciar o medo, bem como seu uso político (PENNA, 2016, n.p.), segundo nossas análises, constitui importante chave de leitura para compreendermos a eleição de um Presidente da República e de diversos deputados, senadores e alguns governadores cúmplices com o MESP e sua difusão. Por conveniência, oportunismo ou convergência com as concepções dispostas no movimento e em seu programa. A censura, o medo e as perseguições conduzindo à precarização são formas de redesenhar a função do professor na sociedade capitalista, e do mesmo modo, buscando arrastar a categoria para a desorganização, desarticulação e desmobilização que observamos no chamado lumpemproletariado. Porém, os indivíduos em sua história, como já analisamos

105 Disponível em: . Acesso em 12 nov. 2018. 106 Disponível em: http://escolasempartido.org/corpo-de-delito. Acesso em 15 mai. 2018. 128

em Marx e Engels (2007) e Marx (2011), possuem tanto as capacidades de reproduzir o que está posto como as potencialidades de mudança, de modo tal que, se por um lado o MESP pode conquistar hegemonia desconfigurando à função docente, por outro, os professores podem, a partir de seu posicionamento de classe, de sua inserção política enquanto intelectuais orgânicos, resistir e superar não somente o MESP, mas a série de tentativas de precarização de seu trabalho. Uma luta que não se faz sozinho ou apenas entre os pares, mas que se estende aos trabalhadores da apple na China, da indústria têxtil no Bangladesh, das minas na África do Sul e no Congo e dos trabalhadores do mundo todo em suas lutas diárias. Como adverte Fernandes (1989, p. 170):

Então, faz parte da situação de um país subdesenvolvido a existência de uma infinidade de situações nas quais o professor precisa estar armado de uma consciência política penetrante. Ele é uma pessoa que está em tensão política permanente com a realidade e só pode atuar sobre essa realidade se for capaz de perceber isso politicamente.

Assim, aguardamos para futuras análises em que medida o MESP contribuirá à precarização docente enquanto partido que opera horizontalmente na sociedade civil como difusor de uma concepção de mundo e, por outro lado, verticalmente enquanto aparelho jurídico-coercitivo que almeja se instituir em face da sociedade política, tendo nos dispositivos do programa a formulação para legislações em geral. Contudo, essa distribuição de verticalidade e horizontalidade em que opera o fenômeno é dialética e, neste sentido, assim como a difusão realizada pelo MESP na sociedade civil tem se convertido em coerção dos professores, como vimos nos exemplos acima, mesmo antes do programa se estabelecer enquanto uma lei federal, do mesmo modo, as tentativas de processos contra professores em instâncias jurídicas têm se demonstrado um excelente difusor das proposições do programa, pois, ao tornar-se uma polêmica que se propaga via redes sociais, programas de rádio e televisão, entre outros aparelhos privados de hegemonia, abrem-se canais para a divulgação de seus preceitos e valores, isto é, ambos se alimentam um ao outro mutuamente.

3.2 A RELIGIÃO NAS FRONTEIRAS DA EDUCAÇÃO

Enganam-se, a meu ver, os que distinguem a intolerância civil da intolerância teológica. Essas duas intolerâncias são inseparáveis. É impossível viver em paz com pessoas que se acredita réprobas; amá-las seria odiar Deus que as castiga; é absolutamente necessário convertê-las ou 129

torturá-las. Onde quer que se admita a intolerância teológica, é impossível que não haja um efeito civil [...] (ROUSSEAU, 2006, p. 166).

Os apontamentos supracitados corroboram as investigações que intencionam problematizar, a partir do fenômeno do MESP, as relações entre Estado, religião e educação. No sentido em que, como nos adverte Rousseau (2006), as relações que permeiam a religião, tratando-se de uma sociedade fundamentada nos valores cristãos e que não os superou, serão concomitantemente revertidas para o conjunto do Estado. Assim, por exemplo, Gramsci (2000) explicitou em sua formulação ampliada de Estado integral, o qual se explorou anteriormente, que este não está isolado da sociedade civil e por isso, Estado compreende tanto a sociedade civil, em que coexistem os distintos aparelhos privados de hegemonia, quanto à sociedade política, local próprio ao aparato coercitivo, isto é, militar, jurídico e parlamentar.

Afirmação de Guicciardini107 (nota nossa) de que, para a vida de um Estado, duas coisas são absolutamente necessárias: as armas e a religião. A fórmula de Guicciardini pode ser traduzida em várias outras fórmulas menos drásticas: força e consenso, coerção e persuasão, Estado e Igreja, sociedade política e sociedade civil [...], direito e liberdade, ordem e disciplina, ou, com um juízo implícito de sabor libertário: violência e fraude (Ibid., p. 243).

Apesar de atualizar a afirmação do historiador Guicciardini, Gramsci (2000) não desconsidera o fato de que a religião peregrina entranhada à hegemonia dominante, pois, "[...] por um lado, procura manter a sua hegemonia em amplos setores da população pobre com seu poderoso aparelho ideológico, enquanto, por outro, se alia às classes dominantes" (SEMERARO, 2018, p. 221), exercendo sua função de produzir consenso, persuasão e, numa concepção mais audaciosa, fraude. O que, na verdade é atualizado por Gramsci (Ibid.) é o caráter que, no moderno modo de produção capitalista, esse papel na sociedade civil não compete apenas à Igreja, pois, outros grupos também o advogam, e, portanto, a disputa por hegemonia será uma disputa na sociedade civil entrelaçada à sociedade política por estes distintos grupos. Como Estado e sociedade civil não se separam, "[...] distintos, mas inseparavelmente entrelaçados" (SEMERARO, 2006, p. 170), e como a religião atua como um aparelho privado

107 Guicciardini (1483-1540) foi um historiador italiano de família aristocrata contemporâneo de Maquiavel. Storia d' Italia foi uma de suas principais obras, mas sua produção foi abundante, tanto como historiador quanto como analista de questões políticas. Disponível em: . Acesso em: 12 mai. 2018. 130

de hegemonia - no Brasil historicamente com demasiada capilaridade (SAVIANI, 2013); (CUNHA, 2016) -, ela se fará também dominante no Estado, quando sua atuação coaduna com a atuação da classe dominante e vice-versa. Portanto, a dissolução do aparato religioso enquanto discurso e ação hegemônica perpassa o que Marx (2010, p. 38) compreende como emancipação do Estado108 frente à religião: "Na sua forma de Estado, no modo apropriado à sua essência, o Estado se emancipa da religião, emancipando-se da religião do Estado, isto é, quando o Estado como Estado não professa nenhuma religião, mas ao contrário, professa-se Estado". O que para nós, se expressa pelos processos distintos de laicização e secularização da sociedade civil que pode se converter na mesma ação na sociedade política conduzindo à emancipação do Estado frente à religião. Para Cunha (2016) os dois processos indicados (laicização e secularização) não são sinônimos, sendo o primeiro, um processo referente ao conjunto dos mecanismos estatais em que:

O Estado laico não pode admitir que as instituições religiosas imponham que tal ou qual lei seja aprovada ou vetada, nem que alguma política pública seja mudada por causa de valores religiosos. Todavia, o Estado laico não pode desconhecer que os religiosos de todas as crenças têm o direito de influenciar a ordem política, tanto quanto os não crentes (Ibid., p. 04)

Por sua vez, a secularização envolve o âmbito da cultura. Na compreensão do autor, que se reporta ao sociólogo Max Weber (1994, v. I, p. 15 apud CUNHA, 2018, p. 03), a secularização apresenta-se como "[...] um desencantamento do mundo, [...] produto do processo mais amplo de racionalização. Este pode ser entendido como resultante das ações sociais serem cada vez mais orientadas para a eficiência dos meios visando às finalidades [...]" . Na interpretação de Cury (2018, p. 49), a "secularização é um processo social pelo qual pessoas, costumes e instituições que estavam sob o domínio do religioso passam para o domínio da terrenalidade privilegiando a vontade humana em achar soluções terrenas para os problemas terrenos". Semeraro (2018, p. 221) acrescenta que:

108 Acrescentamos que para nós, a leitura de Gramsci a respeito de Estado traz um avanço em relação a de Marx, pois, em Gramsci é possível compreender a sociedade civil como parte constitutiva de sua concepção de Estado integral. 131

Gramsci considera que a secularização desencadeada no mundo moderno pelo pensamento crítico e a socialização da política reduzem o "mito da religião" (aspas do autor) a um fóssil pré-moderno e que a autoridade da Igreja foi definitivamente posta em questão pelo pensamento de Hegel.

Com base nestas definições, procuramos evidenciar que, os sucessivos projetos de lei relacionados ao programa do MESP, expostos nas esferas municipal, estadual e federal do país, ao arrogarem um modelo de família e valores com base em interpretações que fazem do cristianismo, comportam um processo que subtraí o caráter laico do Estado em sua integralidade. Seguindo a mesma lógica, essa concepção de mundo de modo particular sobrepõe-se à busca pela secularização da sociedade civil, configurando o processo contrário, de sacralização da sociedade, bem como de teocratização do Estado, atribuindo uma combinação de retorno ao pré-moderno e de modernização da sociedade a partir dos parâmetros constitutivos do cristianismo católico e evangélico. Como apontamos nas tabelas 1, 2 e 3 expostas na seção 2.1 do capítulo 2, parte significativa dos integrantes do MESP, especialmente os parlamentares que propuseram projetos de lei, são integrantes das Igrejas Evangélicas ou da Igreja Católica. Alguns inclusive exercem função de pastores evangélicos, outros atuam como cantores gospel (tanto evangélicos como católicos) e outros estão intimamente ligados a importantes lideranças dessas religiões no país109. Aqui, novamente expressamos que o fenômeno do MESP é um produto de determinadas frações burguesas que comportam determinados setores das religiões cristãs, contudo, pela expressividade alcançada, assimilou e foi assimilado por todo o conjunto das Frentes Parlamentares Católicas e Evangélicas, a nosso ver, primeiro por conveniência política e depois por convergência ideológica. Neste sentido, é importante desfazer esta imbricada relação para compreendermos concretamente que, em essência, parte das propostas do MESP já se faziam presentes na sociedade política capitaneadas por estas frentes parlamentares e, portanto, ainda que o MESP seja sumariamente derrotado, tanto em seus projetos de lei, quanto em suas ideias, às bases estabelecidas: "ideologia de gênero" e "doutrinação marxista", entre outras, permanecerão em pauta enquanto se expressar a vontade coletiva destas frentes e dos grupos que as representam, na sociedade civil e no Estado. Isso nos mostra uma constante disputa a ser

109 Apontamos adiante no texto para uma relação direta entre os membros do Partido Republicano Brasileiro (PRB) e a Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), liderada por Edir Macedo, bem como, do Partido Ecológico Nacional (PEN) com a Igreja Assembleia de Deus que, entre seus membros mais famosos encontram- se o pastor Silas Malafaia, líder do ministério Vitória em Cristo ligado a esta Igreja. 132

travada na sociedade civil para impedir que os valores particulares de um determinado grupo, neste caso, amparados em dogmas religiosos, sobreponham-se a todos. A presença dos cristãos evangélicos no espaço público tem início com a introdução de programas de rádio direcionados a esse público o que, remonta à década de 1940, quando a Igreja Adventista dos Santos dos Últimos Dias passou a utilizar esse veículo de comunicação (VITAL DA CUNHA; LOPES, 2013). Posteriormente surgiram os programas televisivos, como o da Igreja Nova Vida exibido, já em 1960 pela TV TUPI (INSTITUTO DE ESTUDOS DA RELIGIÃO, 2013) "Em 1989, a Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) foi, então, a primeira denominação evangélica a ser proprietária de uma televisão com cobertura nacional" (Ibid., p. 35). Segundo os mesmos autores, dados de 2009 do Instituto de Estudos da Religião (ISER), apresentam um total de onze emissoras de televisão evangélicas, isso sem contar os horários sublocados por essas Igrejas na programação de outras emissoras. E, "Os evangélicos justificam a importância que dão a esse veículo de comunicação argumentando que o uso que fazem da mídia age como um recurso fundamental para a contenção dos males que acometeriam a sociedade brasileira" (Ibid., p. 36). Em sendo a hegemonia expressa pelas disputas que ocorrem na sociedade civil e, também, na sociedade política, as redes de televisão e rádio executam um papel proeminente de difusão de uma concepção de mundo na sociedade civil, restando, desse modo, a mesma atuação desses grupos junto aos órgãos coercitivos, no caso, a introdução de seus valores na sociedade política. Apesar de membros de Igrejas evangélicas serem eleitos para cargos públicos desde a década de 1960 (PRAGMATISMO POLÍTICO, 2016) a formação de Frente Parlamentar Evangélica (FPE) no Congresso Nacional remonta ao ano de 2003, inaugurada numa sessão solene seguida de culto religioso em homenagem ao dia nacional das missões evangélicas (DUARTE, 2012). Ressalta-se, no primeiro ano do governo petista de Lula da Silva. Conforme aponta a pesquisa de Vital da Cunha e Lopes (2013), no período entre 2003 a 2012 houve um significativo crescimento do número de deputados federais evangélicos. Mesmo envolto ao episódio da "CPI dos Sanguessugas"110 que atingiu vinte e nove parlamentares da FPE em 2006. Na legislatura de 2011 - 2014, - quando da introdução dos

110 Segundo Vital da Cunha e Lopes (2012, p. 43), o “escândalo das sanguessugas [...] corresponde a um escândalo de corrupção que atingiu o executivo e, sobretudo, o legislativo em 2006. [...]. A operação sanguessuga deflagrada em maio daquele ano visou desbaratar uma quadrilha que atuava fraudando licitações para a compra de ambulâncias pelo Ministério da Saúde”. 133

projetos de lei baseados no programa do MESP -, a FPE contabilizava setenta deputados federais e três senadores, despontando a participação das denominações evangélicas: Assembleia de Deus, com vinte e dois deputados, Batista com onze, Presbiteriana com oito e IURD com sete deputados. Cabe salientar que segundo os mesmos autores (Ibid., p. 47), essa participação política transcende a criação dessa frente, pois,

[...] além da apresentação do político definida por sua inscrição religiosa, [emergiram] (grifos nossos) partidos próprios como o Partido Republicano Brasileiro (PRB), em 2005, ligado a Igreja Universal do Reino de Deus, e o Partido Ecológico Nacional (PEN), em 2012, ligado à Assembleia de Deus.

Com seus valores, a intenção da FPE, ao se colocar como missionária do Evangelho de Cristo, segundo Duarte (2012. p. 66):

[...] pode ser entendida em dois sentidos. O primeiro versa sobre o comprometimento do crente com a obra de Deus, por exemplo, por meio da [...] realização dos cultos [alguns desses no âmbito da Câmara dos Deputados] (informações nossas). O segundo considera que o exercício da política pelos evangélicos deve se pautar pela luta em prol das “bandeiras do Evangelho”: a vida desde a concepção, a família heterossexual e a extinção de vícios (pornografia, pedofilia e drogas) da sociedade brasileira. É nesse sentido que Pr. Pedro Ribeiro [deputado federal pelo Partido da República PR/CE entre 2003 e 2007]111 (informações nossas) trouxe para aquele tempo do ritual o discurso acerca do comprometimento dos “missionários da Casa”, no plano da política, com as bandeiras do Evangelho. Deste modo, os deputados deveriam ser “servidores de Cristo” na Casa legislativa atuando não apenas no mundo espiritual, mas também no/para o mundo mundano (aspas da autora).

Não obstante, conforme Cunha (2016, p. 02) destaca, é enganoso pensar que o "Programa Escola sem Partido [...], fosse obra exclusiva de pastores evangélicos fundamentalistas travestidos de deputados, senadores e vereadores". Em nossas análises, e na direção da afirmação de Cunha (Ibid.), a FPE, enquanto representante de frações de determinadas Igrejas Evangélicas é parte imbricada ao desenvolvimento e fundamentação do MESP. Contudo, não está sozinha, pois, como já observado, compactuam com a criação e consolidação do fenômeno frações da burguesia ultraliberal que comportam sujeitos não necessariamente vinculados a alguma religião, bem como, a proeminente atuação de frações da Igreja Católica.

111 Disponível em: Acesso em 05 jan. 2019. 134

Historicamente, a Igreja Católica no Brasil sempre foi politicamente atuante (FAUSTO, 2001). Sendo inclusive, durante o período de colonização portuguesa, oficialmente patrocinada pelo Estado e professada como religião oficial, assim, por exemplo, nascimento, casamento e óbito eram registrados oficialmente pela Igreja Católica, dispensando a existência de outros órgãos estatais, configurando o que se chamou de regime do "padroado112" (LIMA, 2014). No entanto, com a Proclamação da República em 1889, ao menos formalmente, sua influência - que desde a década de 1870 já enfrentava contestações (FAUSTO, 2001) - foi abalada sob a Constituição de 1891 que, promoveu a separação entre Estado e religião em seu texto (SILVA, 2017). Com inspirações liberais, racionalistas e positivistas, o advento da República congregava um conjunto de ideais que marchavam na contramão dos interesses católicos até então estabelecidos. Na educação, que se compreende aparelho privado de hegemonia da sociedade civil imbricada ao Estado, esse processo de hegemonia católica perpassa como aponta Saviani (2013), pelo monopólio da Igreja no exercício do ensino, destinado a princípio à "catequização" e posteriormente como formação de uma elite colonial. Esse ensino, com base na instrução foi oferecido em grande medida pela Companhia de Jesus (jesuítas), mas com participações em menor grau de outras ordens como, por exemplo, as ordens Franciscanas e Beneditinas. Com as reformas pombalinas de educação113 e a expulsão dos jesuítas da colônia, as concepções estritamente católicas passaram a conviver com os ideais de racionalismo e

112 “É a designação do conjunto de privilégios concedidos pela Santa Sé aos reis de Portugal e de Espanha. Eles também foram estendidos aos imperadores do Brasil. Tratava-se de um instrumento jurídico tipicamente medieval que possibilitava um domínio direto da Coroa nos negócios religiosos, especialmente nos aspectos administrativos, jurídicos e financeiros. Porém, os aspectos religiosos também eram afetados por tal domínio. Padres, religiosos e bispos eram também funcionários da Coroa portuguesa no Brasil colonial. Isto implica, em grande parte, o fato de que religião e religiosidade eram também assuntos de Estado (e vice-versa em muitos casos). [...]. O fim do regime de padroado no Brasil se deu com a Proclamação da República em 1889”. Disponível em: . Acesso em 05 jan. 2019. 113 "As reformas educacionais de Pombal visavam a três objetivos principais: trazer a educação para o controle do Estado, secularizar a educação e padronizar o currículo. [...] A década de 1760 marcou um período de consolidação e amplificação das reformas iniciadas durante a década anterior. Estas incluíam a estruturação de um novo sistema de educação pública para substituir o dos jesuítas expulsos em 1759. A Companhia de Jesus surgida no espírito da contrarreforma, exemplificava as reivindicações ultramontanas da supremacia papal, a disputa portuguesa com os jesuítas foi, portanto, mais do que uma questão de interesse local. A reforma educacional tornou-se uma alta prioridade na década de 1760. A expulsão dos jesuítas deixara Portugal despojado de professores tanto no nível secundário como no universitário. Os jesuítas haviam dirigido em Portugal 34 faculdades e 17 residências (colégios). No Brasil possuíam 25 residências, 36 missões e 17 faculdades e seminários." Disponível em: . Acesso em 05 jan. 2019. 135

lógica, advindos do que Marquês de Pombal elaborou como "despotismo esclarecido" (Ibid., p. 81), marcando o período em que esteve nos postos mais altos da Coroa Portuguesa. É importante frisar que, sob a responsabilidade de Pombal foi organizado no Brasil o ensino régio que retirou a influência jesuíta, incorporando princípios seculares, contudo, sob a guarda da fração da Igreja Católica aliada à Coroa Portuguesa (Ibid.). Nos séculos XVIII e XIX, a proeminência das ideias iluministas, do liberalismo e do positivismo acentuaria um processo ainda incipiente de laicização na Educação, coexistindo, dessa forma, na organização do ensino as matrizes religiosas católicas em conjunto àquelas que derivavam destas novas ideias. Ressaltamos que, no que concerne a hegemonia católica na educação, somente com o advento da República haverá de fato uma ameaça ao domínio de suas concepções. Conforme analisa Saviani (Ibid., p. 178):

[...] a concepção que se procurava incutir na população, de modo geral, e, em consequência, as ideias pedagógicas que conformavam as escolas em que se concretizava a então denominada instrução pública continuavam impregnadas da visão católica. Assim, podemos considerar que a hegemonia católica no campo da educação não chegou a ser abalada nem mesmo quando se agudizavam os conflitos entre as elites, bafejadas pelo ideário iluminista, e o clero, assim como entre o clero secular, sujeito ao imperador pelo regime do padroado, e os ditames da Cúria Romana, como se deu desde a ascensão de Pombal até o final do Império brasileiro.

Coube à Igreja Católica uma reação às novas tendências que deslocavam a formação dos indivíduos para um processo de secularização, dado o caráter laico que o Estado republicano assumia. Saviani (Ibid.) considera esta reação como ativa, pois, além de diversas manifestações, a Igreja tratou de pressionar os governos republicanos a introduzirem o Ensino Religioso nas escolas públicas, além de participar na elaboração de materiais didáticos destinados a essas escolas. Com a chegada de Getúlio Vargas (1882-1954) ao governo em 1930, uma nova etapa de relações de forças se configurava: a emergência de uma elite industrial que já se expandia desde a década de 1920, e, um processo econômico-social que impulsionava uma nova dinâmica ao país, incidindo sobre o desenvolvimento de Estado, elaboração de leis trabalhistas, investimentos na indústria de base, etc. Tais mudanças marcavam, por um lado, a reorientação econômica do novo grupo hegemônico e, por outro, buscavam solucionar os impactos que a Crise de 1929 provocara na economia brasileira (FAUSTO, 2001). Caio Prado

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Júnior (1963, p. 292) analisará da seguinte forma as transformações econômicas, sociais e políticas que emergiram com Vargas no Brasil:

Apesar da crise e das dificuldades de tôda (Sic) ordem neste momento de subversão econômica internacional, veremos crescer a produção brasileira de consumo interno, tanto agrícola como industrial. Acentua-se assim novamente o processo de nacionalização da economia do país. A grave crise que sofria seus sistema tradicional de fornecedor de matérias-primas e gêneros tropicais, resultava no progresso de sua nova economia voltada para necessidades próprias.

Do ponto de vista político, entretanto, o resultado alcançado por um gradual avanço econômico baseado na substituição das importações, foi obtido por um governo centralizador que, por um lado, combinava a construção do consenso a partir da "refundação do país", com a eleição de novos mitos e personalidades históricas e a ideia de unidade nacional, e por outro, um forte poder coercitivo. É neste cenário que surge o movimento da Escola Nova. Suas concepções, expressas no novo Ministério da Educação e Saúde Pública, liderado por Francisco Campos114, dispunham de uma sucessão de decretos publicados em 1931, que versavam a respeito da criação de um Conselho Nacional de Educação, da organização do Ensino Superior sob o Regime Universitário, da organização do Ensino Secundário e, contraditoriamente ao movimento que se promulgava por um caráter liberal e laico, o reestabelecimento do Ensino Religioso (SAVIANI, 2013). A contradição, neste caso, nos revela um estágio de correlação de forças e disputa por hegemonia na educação que converge, como observado no capítulo 1, às especificidades brasileiras na sua forma histórica de organização econômica, social e política que, propiciaram ao Brasil a existência de uma burguesia liberal conservadora e por vezes

114 "Logo depois de empossado, em novembro de 1930, uma das primeiras medidas do governo provisório foi criar o Ministério da Educação e Saúde Pública. Para ocupar a nova pasta foi indicado Francisco Campos, integrante do movimento da Escola Nova [...]", que "[...] havia desempenhado papel importante na articulação da estratégia que desembocou na Revolução de 1930: participara, como representante de Minas, do 'pacto do Hotel Glória' entre Rio Grande do Sul e Minas Gerais, firmado no Rio de Janeiro em 1929, do qual resultou a Aliança Liberal. Em 1931 ambos, Campos e Capanema, juntamente com Amaro Lanari, [...], fundaram a Legião de Outubro, os 'camisa cáqui' inspirados no fascismo italiano. [...] De fato, após a posse como presidente constitucional, em 1934, Getúlio Vargas nomeou Capanema para o Ministério [Educação e Saúde Pública] (complementos nossos), cargo em que permaneceria por 11 anos, até o final do Estado Novo, em 1945. Francisco Campos, por sua vez, havia entrado em linha de colisão [...] com o próprio Capanema por dissensões internas à política mineira. E teve, também, sua confiança abalada junto a Vargas tendo em vistas as suspeitas de que ele estaria apoiando a Revolução Constitucionalista paulista de 1932. Em consequência, Francisco Campos deixou o MEC em outubro de 1932." (SAVIANI, 2013, p. 195; 267-268). 137

reacionária, herdeira da escravidão, das oligarquias e do padroado. Por isso, ao analisarmos as disputas em torno da educação é preciso salientar a existência de divisões mesmo dentro de determinados grupos ou a composição de blocos entre grupos que poderiam ser julgados antagônicos, como foi o caso de Francisco Campos ao estabelecer uma série de decretos com base nas concepções da Escola Nova, ao mesmo tempo em que legitimava o Ensino Religioso nas escolas públicas.

Para Campos, aderir à Escola Nova não significa renunciar à "recuperação dos valores perdidos", tarefa que, a seu ver, teria de ser desempenhada pelo ensino religioso. Dir-se-ia que a "modernização conservadora" [...], poderia facultar a seguinte leitura: enquanto conservadora, essa orientação buscava atrair a Igreja para respaldar seu projeto de poder; enquanto modernização, a força de atração dirigia-se aos adeptos da Escola Nova. Estes eram visto como portadores dos requisitos técnicos à viabilização do projeto de modernização conservadora (aspas do autor) (SAVIANI, 2013, p. 271).

No entanto, o bloco sustentado pelas posições afirmadas por Francisco Campos sofreria uma ruptura quando da publicação, em 1932, do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova115, abrindo uma fase de disputas diretas entre o grupo dos escolanovistas, cujas pretensões alçavam a implementação efetiva dos valores liberais e laicos na educação e a Igreja Católica que, concentrava seus esforços na manutenção do Ensino Religioso nas escolas públicas. Se em 1931, o decreto116 de Campos tornou facultativo o Ensino Religioso nas escolas, a Constituição de 1934, o tornou obrigatório nas escolas e facultativo aos alunos, inclusive nas escolas profissionais (SEPULVEDA; SEPULVEDA, 2017). Entre 1946, com o final do primeiro ciclo varguista, até 1964, o Brasil passará por um período de expressivo crescimento econômico, sobretudo por conta da conjuntura internacional (FAUSTO, 2001), período este conhecido como nacional-desenvolvimentista (SAVIANI, 2013). Com o avanço das ideias liberais, a Constituição de 1946, no que tange a questão do Ensino Religioso, será marcada pela aliança entre renovadores e católicos,

115 "Dois aspectos marcam, portanto, a estrutura do texto do 'Manifesto' é, por um lado, um documento doutrinário e, por outro, um documento de política educacional. Como documento doutrinário, o texto declara-se filiado à escola Nova. De fato, o conjunto do trabalho é atravessado implícita ou explicitamente pela perspectiva escolanovista. Implicitamente, na medida em que se insere no movimento de renovação e que se propõe a tarefa de reconstrução educacional. Explicitamente, quando se empenha em enunciar as bases, os princípios e procedimentos próprios da Escola Nova, opondo-se à escola tradicional. [...] Como documento de política educacional, mais do que a defesa da Escola Nova, está em causa no 'Manifesto' a defesa da escola pública. Nesse sentido o texto emerge como uma proposta de construção de um amplo e abrangente sistema nacional de educação pública abarcando desde a escola infantil até a formação dos grandes intelectuais pelo ensino universitário." (SAVIANI, 2013, p. 252-253). 116 Decreto nº 19.941, de 30 de abril de 1931 (SAVIANI, 2013). 138

manifestada pela continuidade desta disciplina nas escolas públicas e confessionais (SEPÚLVEDA; SEPÚLVEDA, 2017). Com efeito, durante a ditadura civil-militar-empresarial, a Igreja Católica expressou sua hegemonia frente à educação com a introdução da disciplina Educação Moral e Cívica que, na prática, conjecturava o conjunto de valores preconizados tanto pelos atores políticos deste regime, como pela Igreja, neste caso: o patriotismo, o ideário da família cristã burguesa, a disciplina, o civismo, entre outros. Não obstante, a permanência nas últimas décadas da disciplina de Ensino Religioso enquanto tal, ou em períodos específicos à sua confluência com outras disciplinas como Educação Moral e Cívica manifestam, no limite, a poderosa capilaridade da Igreja Católica nas engrenagens do Estado, "[...] por meio de lobby e de acesso privilegiado de religiosos da CNBB ao governo e aos políticos [...]" (VITAL DA CUNHA; LOPES, 2012, p. 37) e sua dinâmica de produção de consenso na sociedade civil. Contudo, essa relação entre determinadas frações da Igreja Católica com o regime ditatorial exige uma problematização, pois, advém da reação aos preceitos antidemocráticos do regime e das ideias marxistas que permeavam certos setores da Igreja Católica o avanço de uma Teologia da Libertação. Esse movimento, intensamente dedicado à "educação e organização política nos setores populares" (SEMERARO, 2018, p. 229), impõe uma disputa no interior da Igreja Católica em toda a América latina. No Brasil, muitos bispos irão aderir a essa predileção pelos oprimidos que se encontram ao sul do globo, denunciando as ditaduras opressoras e a divisão de classes da sociedade capitalista, ao ponto em que, a própria Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) será reorientada em grande medida por essas frações. Conectada a esse movimento, parte da pedagogia libertadora de Paulo Freire, de certo modo contribui para o aprofundamento das teorias de libertação cristã e sua atuação na educação. Semeraro (2018, p. 230) também aponta, a partir de Gramsci, para a "função de Partido" exercida pela Teologia da Libertação, enquanto colaboradora à fomentação de movimentos sociais populares como: "as comunidades eclesiais de base (CEBs) [...], do Movimento dos Trabalhadores sem Terra (MST), do Partido dos Trabalhadores (PT), da Central Única dos Trabalhadores (CUT), da Central dos Movimentos Sociais (CMS), do Fórum Social Mundial (FSM)", entre outros (Ibid., Ibidem). Embora, por uma questão de principio, o projeto da Teologia da Libertação não correspondesse a um efetivo processo de laicização e secularização, percebe-se que a contra-

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hegemonia exercida sobre o projeto de poder da Igreja Católica no Brasil e sua íntima relação com a burguesia dominante - que, na educação, versou primeiro pela sua ação confundida com o próprio Estado e depois como construção de consenso a seus valores pela disciplina de Ensino Religioso, bem como por sua capilaridade no tecido social - contraditoriamente foi expressa a partir dos anos de 1960 no interior da própria Igreja. Todavia, se o Concílio Vaticano II (CVII) convocado pelo Papa João XXIII (1881- 1963) abriu as portas para uma reorientação no interior da Igreja Católica, propiciando, entre outras coisas, o surgimento do fenômeno da Teologia da Libertação, a chegada de João Paulo II (1920-2005) ao papado em 1978, foi decisiva para a perseguição desse movimento (CONTIERO, 2006). Na condição de líder máximo da Igreja Católica sua posição foi contundente na tentativa de esvaziar os preceitos sociais da Teologia da Libertação, bem como o próprio movimento, que ensaiavam uma leitura do marxismo para a Igreja. Como nota-se no documento de 1984, da Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé, escrito por Joseph Ratzinger, à época prefeito da congregação e posteriormente sucessor de João Paulo II como Papa Bento XVI entre os anos de 2005 a 2013:

A presente Instrução tem uma finalidade mais precisa e mais limitada: quer chamar a atenção dos pastores, dos teólogos e de todos os fiéis, para os desvios e perigos de desvio, prejudiciais à fé e à vida cristã, inerentes a certas formas da teologia da libertação que usam, de maneira insuficientemente crítica, conceitos assumidos de diversas correntes do pensamento marxista (SAGRADA CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ, 1984, n.p.).

Da mesma forma, a perseguição à Teologia da Libertação também se estampou em outros documentos e, mais precisamente na condenação ao voto de silêncio do teólogo e à época padre franciscano Leonardo Boff, por ter publicado, em 1981, o livro Igreja, Carisma e Poder. "Obra que ensejava críticas ao modelo hierárquico da Igreja Católica que não alcançava os reais problemas das populações mais pobres e oprimidas" (FORUM, 2007, n.p). O processo de condenação também foi conduzido por Joseph Ratzinger. Segundo a mesma revista:

À época, Boff foi obrigado a sentar-se na mesma cadeira que Galileu Galilei sentou 400 anos antes. E escutou de Ratzinger as seguintes palavras: “Eu conheço o Brasil, aquilo que vocês fazem nas Comunidades Eclesiais de Base não é verdade, o Brasil não tem a pobreza que vocês imaginam, isso é a construção da leitura sociológica, ideológica, que a vertente marxista faz.

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Vocês estão transformando as Comunidades Eclesiais de Base em células marxistas” (aspas do autor) (FORUM, 2007, n.p).

Ao compasso que a Teologia da Libertação passava pela "inquisição", despontava na Igreja Católica outro movimento emergente que engendrava uma estreita ligação com o pentecostalismo117 de determinadas Igrejas Evangélicas, neste caso, a chamada Renovação Carismática Católica (RCC), surgida nos Estados Unidos, na década de 1960. No Brasil, a RCC, apesar de se fazer presente desde os anos 1960, teve grande propulsão a partir da década de 1990 e, hoje concentra ainda mais força no interior da Igreja Católica. Na disputa por um novo modo de evangelização, os mecanismos produzidos por essa variante católica apresentam:

[...] um estilo de evangelização a partir da música, do lazer e da oração como um processo de rotinização do carisma [...], em que a RCC viabiliza por intermédio dos meios de comunicação uma opção preferencial pela cultura midiática. Quanto a este último aspecto, importa frisar que a partir da década de 1990 a RCC começou a realizar mega eventos, chamados rebanhões, cenáculos, encontrões ou festivais, semelhantes aos realizados no campo evangélico, muitos deles contando com a presença de padres cantores como Marcelo Rossi, Fábio de Mello, e Antônio Maria. Na promoção de eventos, ocupa um lugar de destaque as emissoras de rádio, [...] e, especialmente as redes de TV que alavancaram a tendência no interior do catolicismo como a Rede Vida e, sobretudo, a TV Canção Nova (ORO; ALVES, 2013, p. 123).

Apesar de não ser hegemônica dentro da CNBB, a RCC foi ganhando cada vez mais espaço num cenário em que a proporção entre católicos e evangélicos no Brasil vinha paulatinamente diminuindo (IBGE, 2010), orientando uma prática que, em síntese, aproxima estes dois campos. Portanto, ao incidirmos sobre uma análise que computa as determinadas frações da Igreja Católica a adesão às pautas como a do MESP, sinalizamos que, as enormes disputas dentro do campo católico resultam numa divisão entre setores mais progressistas - como a Teologia da Libertação, por exemplo, que permanece ativa apesar de amplas perseguições - e outros conservadores e reacionários, como a RCC que, caminha na direção dos preceitos pentecostais contrários à laicização, à secularização e principalmente à emancipação do Estado frente à religião.

117 Segundo Campo (2005), a origem do pentecostalismo nos EUA datam do início do século XX. O movimento iniciado por Charles Fox Parham, na cidade de Topeka no Kansas, e William Joseph Seymour, em Los Angeles, na Califórnia. O pentecostalismo tem como “[...] um dos traços comuns o fervor emocional e a religião obrigatoriamente se expressa e se expressará em termos emocionais para os deserdados. Nesse contexto, o clero intelectualmente preparado e inclinado à liturgia é rejeitado em favor de líderes leigos que satisfazem mais adequadamente as necessidades emocionais desta religião” (Ibid., 2005, p. 105). 141

Contudo, há outros grupos no interior da Igreja Católica disputando poder, alguns ainda mais reacionários, como os setores ligados a Opus Dei118 e outros progressistas, como o grupo feminista "Católicas Pelo Direito de Decidir"119, o que revela, em suma, as constantes contradições nas ações e nos discursos do bloco. Haja vista, sua atuação política dos últimos anos no Congresso Nacional aliada à FPE. No entanto, de certo modo, a ascensão dos grupos evangélicos na política parlamentar compeliu as frações conservadoras e reacionárias católica a fazer o mesmo caminho. Assim, em meados dos anos 2000, a presença de deputados que se dirão representantes dos valores cristãos católicos aumentará progressivamente. Como afirmam Vital da Cunha e Lopes (2013, p. 38):

Os católicos começaram a se organizar em frentes parlamentares. Atualmente [em 2012] (grifos nossos), eles se organizam em três núcleos; i) a Frente Parlamentar Mista em Defesa da Família [...]; ii) a Frente Parlamentar Mista em Defesa da Vida e contra o Aborto [...] iii) a Pastoral Parlamentar Católica.

Por conseguinte, consideramos que há uma tendência hegemônica destes grupos de orientação conservadora e reacionária no interior da Igreja Católica na atual conjuntura brasileira, o que se transfere diretamente para as posições assumidas pelos parlamentares católicos. Embasamos nossa afirmação pela posição que a CNBB assumiu nas eleições de 2018. Num artigo disponibilizado em sua página eletrônica120, a CNBB, na figura do cardeal Dom Vital Corbellini, bispo de Marabá (PA), explicita da seguinte forma sua posição a respeito dessas eleições:

A Igreja Católica colaborou no empenho em moralizar as campanhas políticas como a elaboração da lei 9.840 contra a corrupção eleitoral, coordenada pela Comissão Brasileira Justiça e Paz, da CNBB. [...]. No

118 De acordo com sua página eletrônica “O Opus Dei (Obra de Deus, em latim) é uma instituição hierárquica da Igreja Católica - uma prelazia pessoal -, que tem como finalidade contribuir para a missão evangelizadora da Igreja. Concretamente, pretende difundir uma profunda tomada de consciência da chamada universal à santidade e do valor santificador do trabalho cotidiano. O Opus Dei foi fundado por São Jose Maria Escriva em 2 de outubro de 1928” (OPUS DEI, s.a., n.p.). Disponível em: . Acesso em 12 out. 2018. 119 A ONG denominada “Católicas Pelo Direito de Decidir” é uma iniciativa de grupos feministas oriundos da Igreja Católica para promover mudanças nos padrões culturais e religiosos relacionados a questão da mulher. Uma de suas bandeiras, que desperta a ira dos grupos conservadores e reacionários da Igreja, é a defesa da descriminalização do aborto. Informações disponíveis em: . Acesso em 02 jan. 2019. 120 Disponível em: . Acesso em 12 out. 2018. 142

entanto, é ainda escassa a atuação de católicos influentes na política em vista da moralidade pública, da administração da justiça, no estatuo da família e na promoção da vida entre outros pontos. O Papa Bento XVI alertava da ausência no âmbito político que sejam vozes e iniciativas de chefes católicos, dedicados e coerentes com as suas convicções éticas e religiosas [...] (CNBB, 2018, n.p.).

Apesar de nossa pesquisa não incidir sobre a análise de discurso, acreditamos ser possível tecer certas comparações entre a posição da CNBB, presente neste artigo, e alguns preceitos que se vinculam à FPE, bem como às posições públicas assumidas por integrantes do MESP, neste caso: o apelo a uma política moralizante; o estatuto da família e a promoção da vida. Isso porque, a moralização política - como vimos no capítulo 1 - está perpassada pela influência dos interesses de determinas frações da burguesia, haja vista que, após a prisão do ex-presidente Lula, nenhum outro político de expressão nacional foi preso ou condenado, sendo que muitos, como Aécio Neves, Michel Temer, José Serra, só para citar alguns, são judicialmente investigados por vários crimes. Assim também, o estatuto da família, conforme indica à atuação da Frente Parlamentar Mista Permanente em Defesa da Família, tem como atribuição a defesa da família cristã em contraposição aos grupos feministas e LGBTTQIs e, por fim, a promoção da vida, apontando para uma forma genérica, também possibilita a leitura da histórica posição de certos grupos católicos contrários à descriminalização do aborto. Apontamos, dessa forma, que as pautas de ampliação dos direitos às comunidades LGBTQQIs, das mulheres e a legalização do aborto, entre outras, têm propiciado a convergência entre a FPE e as frentes que comportam os grupos católicos. Comprova tal assertiva, a confluência entre os campos católicos e evangélicos no Congresso Nacional quando do episódio da criação do Projeto Escola sem Homofobia. O Projeto Escola Sem Homofobia deriva das ações estabelecidas no PNDH3, que em 2004, possibilitou a criação do “Programa de Combate à Violência e à Discriminação contra LGBTT e da Promoção da Cidadania Homossexual” (CUNHA, 2016, p. 19). O programa, envolvendo diversos ministérios, entre eles, a pasta da educação, possibilitou que esta em conjunto à ONG Ação Educativa, além de outros movimentos sociais, desenvolvesse um projeto que visasse disponibilizar aos professores textos e vídeos que corroborassem para a discussão e o combate às práticas de discriminação contra a comunidade LGBTTQI nas escolas. A justificativa do projeto, segundo Cunha (Ibid., Ibidem.), versava-se pela prevenção da “violência contra minorias sexuais, cujas estatísticas de homicídios chegavam a níveis assustadores”.

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Na apresentação do texto organizado pela Ação Educativa (2015), a justificativa do projeto é exposta da seguinte forma:

O Projeto Escola Sem Homofobia visa contribuir para a implementação e a efetivação de ações que promovam ambientes políticos e sociais favoráveis à garantia dos direitos humanos e da respeitabilidade das orientações sexuais e identidade de gênero no âmbito escolar brasileiro. Essa contribuição se traduz em subsídios para a incorporação e a institucionalização de programas de enfrentamento à homofobia na escola, os quais pretendemos que façam parte dos projetos político-pedagógicos das instituições de ensino do Brasil (Ibid., p. 09).

Os materiais que comporiam este projeto ficaram prontos apenas em 2011, no entanto, acabaram não sendo distribuídos às escolas, devido à fortíssima pressão exercida pela convergência entre a FPE e as frentes das quais os deputados federais católicos se concentravam. Na ocasião, a resistência formada por essas frentes tratou de obstruir todas as pautas do governo até terem acesso ao material, e de posse do material, articularam desde chantagens políticas que envolviam membros do governo associados a casos de corrupção até a propaganda maciça nas redes sociais e em seus veículos de comunicação (VITAL DA CUNHA; LOPES, 2013), distorcendo os pontos fundamentais do projeto e criando até mesmo um nome pejorativo para o mesmo, o chamado “kit gay”. Segundo matéria do El País (2018), o tema foi inclusive utilizado como propaganda de campanha nas eleições presidenciais de 2018, em que, o agora presidente acusou o seu adversário Fernando Haddad (PT) de ter criado o “kit gay”. Damares Alves, à época assessora parlamentar do senador Magno Malta e hoje Ministra da Família, Mulher e Direitos Humanos do governo Bolsonaro, chegou a expressar sobre ao surgimento do "kit” que “a ex-prefeita de São Paulo Marta Suplicy teria pago um grupo de estudos para promover práticas de masturbação em bebês” (INTERCEPT BRASIL, 2018, n.p.). Na interpretação deste bloco parlamentar, formada a partir da associação de católicos e evangélicos no Congresso Nacional, o material representaria uma ameaça à família tradicional cristã e aos princípios do evangelho ao incentivar crianças e jovens a serem gays, devendo, portanto, ser barrado. “Apesar do parecer do representante da UNESCO no Brasil, atestando que o material era adequado ao desenvolvimento afetivo-cognitivo para o fim a que se destinava, a distribuição foi sustada pela Presidenta Dilma” (CUNHA, 2016, p. 19). Nossas análises permitem afirmar que, a polêmica desenvolvida em torno do Projeto Escola Sem Homofobia foi decisiva para a confluência entre as frentes católicas e a 144

evangélica no Congresso Nacional, da mesma forma, propiciaram o avanço das pautas do MESP nos meios de comunicação, atraindo reciprocamente o movimento a essas frentes, a partir daí, podemos asseverar que o MESP torna-se uma das bandeiras dessas frentes, se não, a principal. Na essência dessa aglutinação de vontades coletivas regressivas, manifestava-se uma antiga bandeira dos setores fundamentalistas, conservadores e reacionários da Igreja Católica, chamada por eles de “Ideologia de Gênero” e abraçada posteriormente pelos evangélicos e, da mesma forma, a bandeira que englobava esses dois atores com as frações ultraliberais da burguesia brasileira, o chamado “marxismo cultural”.

3.3 A QUESTÃO DA “IDEOLOGIA DE GÊNERO”

Está na hora dos pais abrirem os olhos e conhecerem o que as escolas públicas e particulares estão ensinando. O pior de tudo são os textos que o MEC já está enviando para a educação em todos os níveis, carregados desta míope visão do ser humano. Respeitamos a opção pessoal de cada um, mas não se admite impor desde a infância uma ideologia que contradiz a natureza humana. A ideologia de gênero é perigosa e maldosa. A Igreja ama e acolhe todo ser humano, mas jamais pode compactuar com uma ideologia que quer levar uma mentira tão absurda como esta para as salas de aula (CNBB, 2017, n.p.).

A cruzada católica contra os direitos LGBTTQI que, a partir do MESP aparenta ser uma pauta apenas das frações evangélicas pentecostais e fundamentalistas por conta da atuação desses nos meios de comunicação, remonta ao ano de 1998, quando:

A Conferência Episcopal do Peru expediu uma nota intitulada “La ideologia de género: sus peligros y alcances.” (aspas da autora). O documento de 16 páginas despertou o apoio de toda [ou quase toda] (informação nossa) a Igreja Católica e inclusive de setores evangélicos em diferentes países e também no Brasil, de forma que estes passaram à se referir aos estudos de gênero como “ideologia de gênero (COELHO, 2016, p. 01).

A expressão, que se dissemina a partir do documento elaborado pelo clero peruano, tem raízes mais profundas no interior do Vaticano e desponta como uma reação das frações conservadoras e reacionárias da Igreja Católica frente aos avanços mundiais em políticas públicas para as mulheres e para a comunidade LGBTTQI, capitaneadas pelos organismos internacionais121 (SILVA, 2017).

121 Denominamos organismos internacionais aqueles que se abarcam em torno da Organização das Nações Unidas (ONU) e também o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional (FMI), entre outros. 145

Este movimento reativo da Igreja não se circunscreve apenas ao clero, mas também se faz presente em movimentos leigos diretamente vinculados a determinados grupos religiosos. Assim, Junqueira (2017) destaca, por exemplo, o livro Who Stole Feminism? How Women Have Betrayed Women, publicado com o apoio do think tank da direita norte americana, em 1994, pela professora de Filosofia da Clark University, Christina Hoff Sommers , onde “ela atacou o que chamou de Gender Feminism: uma ideologia de feministas que [...] passou a antagonizar desigualdades históricas baseadas no gênero” [...] (Ibid., p. 31). E a militância nas conferências da ONU, da jornalista e escritora norte-americana Dale O’Leary, "ligada à Opus Dei, representante do lobby católico Family Research Council e da National Association for Research & Therapy of Homosexiality, que promove terapias reparadoras da homossexualidade” (Ibid., Ibidem).

É de O'Leary o argumento, constantemente retomado pelos movimentos antigênero, de que esta agenda seria liderada por feministas radicais e promovida por agentes do controle populacional e da liberação sexual, ativistas gays, multiculturalistas e promotores do politicamente correto, extremistas ambientalistas, neomarxistas, pós-modernos desconstrutivistas. Tais ativistas do gênero visam dominar os organismos internacionais, as universidades e o Estado, A ONU, por exemplo, já estaria sob o domínio deles (JUNQUEIRA, 2017, p. 32).

Por conseguinte, a organização da Igreja em torno da defesa de uma concepção particular de família que, se manifesta na perseguição dos movimentos sociais não heteronormativos, procura produzir o consenso em torno de suas bandeiras de distintas formas, em grupos leigos, em ações pastorais, em seus veículos de rádio e TV, mas, principalmente nos documentos que emergem da Santa Sé, já que são estes a orientar os direcionamentos da Igreja como um todo, despontando como uma doutrina que não deve ser questionada. Neste caso, em 2003, o cardeal colombiano Alfonso López Trujillo, “ferrenho opositor à Teologia da Libertação, contrário ao uso de preservativos, ao casamento homossexual, às pesquisas em célula tronco, etc” (ibid, p. 37), coordenou os trabalhos do Conselho Pontifício para a Família que, elaborou um documento chamado: Lexicon. Termini ambigui e discussi su famiglia, vita e questioni etiche (PONTIFÍCIO CONSELHO PARA A FAMÍLIA, 2006 apud JUNQUEIRA, 2017, p. 40). Tal documento em termos de educação sexual, segundo Junqueira (2017, p. 40):

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[...] se posiciona pelo primado da família e sublinha os limites da educação escolar. O feminismo é nele sempre apontado como problemático. “Feministas do Gênero”, “feministas radicais” ou “feministas lésbicas” são frequentemente objetivadas como mulheres que “pisoteiam a especificidade do gênio feminino”, que criam um “terreno favorável às violências”, disseminam a guerra dos sexos e aspiram para sua “destruição”. No Lexicon, assim como entre os conservadores da ordem sexual, sexo e sexualidade são elementos pertencentes à ordem transcendente (aspas e itálico do autor).

Não obstante, observamos que o MESP em sua gênese centrava-se na questão da chamada “doutrinação marxista”, haja vista que, como já apresentamos, seu despertar esteve relacionado a uma comparação realizada por um professor entre São Francisco de Assis e Che Guevara. No entanto, há um ponto de inflexão com a criação do programa em 2014, em que, as reações das frentes católicas e da FPE no Congresso ao Projeto Escola Sem Homofobia, conforme já apontado, funde-se aos preceitos do MESP; nessa amalgama, juntaram-se ainda a ala ultraliberal da burguesia brasileira, bem como, políticos oportunistas. O bloco formado acrescenta à pauta da “doutrinação marxista” a de “ideologia de gênero” que, até aquele momento não se apresentava com tanta expressividade no MESP. Portanto, apesar das assertivas do programa não conterem em seu escopo o termo “ideologia de gênero”, os projetos de lei que derivaram dele passaram a incorporar o termo122, o que para nós, contribuiu decisivamente para uma maior expressividade do movimento, pois, a questão sexual encontra-se de modo mais presente no senso comum ao invés do marxismo que, no Brasil, reside de forma mais contundente nos ciclos acadêmicos e movimentos sociais. Ou seja, o “pânico moral” (FERREIRA; AGUIAR, 2018) espalhado pelo movimento concentrava-se em afirmar que os professores estariam destruindo as famílias a partir da “ideologia de gênero”. Ainda mais eficiente, foi à estratégia do MESP ao associar os dois pontos: neste formato, os professores comunistas do Partido dos Trabalhadores, embasados em Paulo Freire e Gramsci (considerados os “teóricos do PT”) estariam destruindo a família com a “ideologia de gênero” e formando militantes marxistas comunistas do PT. Doravante, as ações que disseminaram o termo “ideologia de gênero” no Brasil, tanto as da Igreja Católica quanto as das Evangélicas, como a confluência destas com o MESP devem ser analisadas a partir do prisma do alcance que os movimentos feministas e

122 Como exemplo, o último PL baseado no programa do MESP ao entrar na pauta da Câmara Federal foi o substitutivo apresentado pelo relator do PL n. 7180/2014 e seus apensados, Deputado Flávio Augusto da Silva (PSC/SP) em 2018. Neste documento as assertivas do MESP que analisamos no capítulo 2 são acrescidas de um parágrafo único com os dizeres: “A educação não desenvolverá políticas de ensino, nem adotará currículo escolar, disciplinas obrigatórias, nem mesmo de forma complementar ou facultativa, que tendam a aplicar a ideologia de gênero, o termo gênero ou orientação sexual” (BRASIL, 2018, p. 24-25). 147

LGBTTQI tiveram no país nos últimos anos, pois, nosso argumento sobre essa confluência de agendas conservadoras reacionárias e fundamentalistas de distintos aparelhos privados de hegemonia perpassa pelo caráter reativo destes contra os movimentos progressistas expressados por uma classe em geral ativa na contrarrevolução preventiva autocrática burguesa (FERNANDES, 2011). Em termos gerais, os movimentos feministas surgiram no contexto da Revolução Francesa (1789). Inspirados nos ideais iluministas espalharam-se por várias partes da Europa, Estados Unidos e América Latina com a bandeira do sufrágio universal (COSTA, 2005). No Brasil, cabe destacar, a criação em 1910, do Partido Republicano Feminino como uma resistência à permanência do impedimento do voto feminino na República recém-inaugurada (PINTO, 2003). Não obstante, são reveladoras as experiências da ex-União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) para as mulheres, quando dos primeiros anos da Revolução Russa de 1917, conquistas como a descriminalização e legalização do aborto, o direito ao divórcio, o fim do princípio da ilegitimidade para reconhecimento dos filhos e da pensão alimentícia, o papel central do Estado na criação e educação infantil, na garantia de lavanderias e restaurantes públicos, além de outras. Todavia, as dificuldades de uma sociedade que saira do completo atraso e posteriormente a burocracia stalinista acabavam por dissolver muitas dessas conquistas (GOLDMAN, 2014). Em 1949, o livro de Simone de Beauvoir (1908-1986), O Segundo Sexo, imprimiu novos contornos acerca das discussões de gênero. Contudo, nos anos 1960, impulsionadas pelas lutas em torno dos direitos civis nos EUA123, pelos movimentos estudantis na França 124 e os movimentos pacifistas que reagiam às imagens que chegavam da Guerra do Vietnã125, há

123 Destacamos como lutas por direitos civis aquelas engendradas pelos movimentos negro e feministas nos EUA, que tiveram seu auge nos anos 1960. Ver mais em: DAVIS, Angela. Mulheres, raça e classe. São Paulo: Boitempo, 2016. 124 Em maio de 1968, na França, três conflitos acabaram confluindo e se alimentando mutuamente. A crise estudantil, que teve como palco o Quartier Latin da capital francesa, e que proporcionou as imagens mais memoráveis da revolta: os slogans imaginativos, a ocupação da Sorbonne, as barricadas e os paralelepípedos. A segunda crise foi operária, sendo explicitada por uma greve geral de várias semanas que desembocou em acordos trabalhistas que representaram um aumento de 35% do salário mínimo. A terceira crise foi política: a contestação sindical e estudantil ao regime da V República que colocou contra as cordas o general de Gaulle, até então seu único presidente, em uma situação que acabou desembocando, depois da vitória do gaullismo nas eleições legislativas de junho, na derrota em um referendo no ano seguinte e em sua renúncia. As revoltas transcenderam os limites da França esbarrando na questão colonial da Argélia e expandindo-se para várias partes do mundo (EL PAIS, 2018). 125 No auge da Guerra Fria, as disputas entre norte-americanos e soviéticos pela influência econômica, política e ideológica em várias partes do mundo foram intensificadas com o conflito ocorrido na ex-colônia Francesa do 148

uma retomada de movimentos em torno da politização das questões do gênero feminino, sua especificidade e principalmente sua opressão frente a uma sociedade patriarcal e violenta - em todas as suas formas contra as mulheres -, conduzindo para a esfera pública de discussão demandas que outrora eram consideradas pela burguesia liberal da esfera privada (COSTA, 2005).

Ao afirmar que “o pessoal é político”, o feminismo traz para o espaço da discussão política as questões até então vistas e tratadas como específicas do privado, quebrando a dicotomia público-privado, base de todo o pensamento liberal sobre as especificidades da política e do poder político. Para o pensamento liberal, o conceito de público diz respeito ao Estado e às suas instituições, à economia e a tudo mais identificado com o político. Já o privado se relaciona com a vida doméstica, familiar e sexual, identificado com o pessoal, alheio à política (Ibid., p. 02).

No Brasil e na América Latina, o impulso gerado nos âmbitos europeu e norte- americano ressoou nos anos 1960 e 1970, num contexto de repressão exercida pelos governos ditatoriais destes países. Apesar de muitas militantes feministas do Partido Comunista Brasileiro (PCB) e de outras organizações de esquerda - especialmente aquelas das famílias mais abastadas - ser exiladas a partir do regime civil-empresarial-militar, em meados dos anos 1970, a questão da mulher passa a ser repensada a partir de movimentos e conferências promovidos pelos organismos internacionais, como a ONU, por exemplo, que estabeleceu o ano de 1975, como o “Ano Internacional da Mulher”, refletindo no Brasil com uma série de eventos desse cunho (PINTO, 2003). Contudo, é necessário distinguir a questão feminista quanto às lutas pela igualdade ou as lutas pela diferença. Isso porque, “No que se refere às questões acerca da igualdade e da diferença, há intenso e extenso debate no interior do campo de produção dos estudos de gênero e do Movimento de Mulheres” (AUAD, 2003, p. 139), coexistindo duas frentes com intepretações filosóficas distintas, a saber:

Vietnã, outrora Indochina, que, após a independência se viu dividida entre o norte comunista e o sul pró EUA. Na ânsia de derrotar os comunistas do Vietnã do Norte, os EUA se lançaram numa guerra de grandes proporções que, por conta dos avanços nos meios de comunicação, teve, pela primeira vez na história, momentos de cobertura ao vivo dos meios de comunicação. As imagens que chegavam aos jornais e telejornais propiciaram uma forte reação de movimentos pacifistas para o fim da guerra que, só se encerrou com a retirada das tropas norte-americanas, em 1975. Ver mais em: HOBSBAWM, Eric J. Era dos Extremos: breve século XX 1914 – 1991. Tradução de Marcos Santarrita. São Paulo: Companhia da Letras, 1995.

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A corrente igualitarista teria se baseado primordialmente no ideário veiculado pelo Segundo Sexo, de Simone de Beauvoir, obra na qual figura minuciosa descrição das transformações fisiológicas femininas a fim de reforçar a percepção do caráter inferiorizante do corpo feminino. [...]. Tal corrente trata toda diferença entre o masculino e o feminino como construção social e, como fator de opressão, não aceita, portanto, a existência de uma “natureza feminina”. O seu projeto radical seria a extinção dos gêneros masculino e feminino. Herdeira do Iluminismo, esta corrente, agregada a uma abordagem marxista, percebe o comunismo como a superação do capitalismo e simultaneamente do patriarcado, em um projeto de sociedade liberta de qualquer distinção de classe e de sexo, e plenamente igualitária (aspas e itálicos da autora) (Ibid., p. 139-140).

Por sua vez, a mesma autora coloca que:

A corrente diferencialista [...], defende a afirmação e o caráter positivo de uma identidade tipicamente feminina – colocada em oposição a uma identidade tipicamente masculina – ao remeter a uma essência feminina e, portanto, a uma masculina, essencialmente oposta. Trata-se de dar caráter apologético às diferenças, que são geralmente usadas como opressão. Derivado da psicologia lacaniana, o pensamento diferencialista não questiona a bipolaridade e o caráter de construção dos gêneros em nossa sociedade (Ibid., Ibidem.).

Sobretudo, a partir do avanço das políticas neoliberais nos anos 1990, em todo o mundo, e sua lógica cultural da pós-modernidade e da globalização, as lutas feministas adentraram por um caminho de fragmentação, tanto interno ao movimento como as já apontadas acima, como externo em sua aproximação, de décadas anteriores, com outros grupos, como os movimentos negro, partidos comunistas, movimentos estudantis, pacifistas entre outros, muito por conta, do sexismo promovido no interior desses movimentos que logravam as causas feministas um segundo plano (ARRUZZA, 1983).

Aonde quer que se dirigissem, os milhares de mulheres norte-americanas empenhadas nos movimentos pelos direitos civis, nos movimentos estudantis, no movimento contra a guerra, esbarravam no mesmo sexismo. O sarcasmo, o escárnio, o desprezo aberto de que eram objecto (Sic.) quando procuravam fazer valer as suas reinvindicações e propor reflexões partindo do ponto de vista da sua opressão específica só tinha uma saída: o divórcio definitivo entre o movimento feminista e os restantes movimentos (Ibid., p. 78).

Podemos inferir que há uma disputa pela condução da agenda das lutas feministas, e por isso, frações da burguesia que adentram a causa promovem um deslocamento das lutas históricas que, compreendiam a descriminalização e legalização do aborto, a extinção da

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violência contra as mulheres, a opressão do patriarcado, o sexismo, entre outras formas de opressão às mulheres, para a esfera exclusiva do discurso a partir de termos que reduzem as conquistas das mulheres ao ambiente de trabalho-emprego, como na posição exposta pelos organismos internacionais (ONU MULHERES, s.a., n.p.):

Empoderar mulheres e promover a equidade de gênero em todas as atividades sociais e da economia são garantias para o efetivo fortalecimento das economias, o impulsionamento dos negócios, a melhoria da qualidade de vida de mulheres, homens e crianças, e para o desenvolvimento sustentável.

Sabemos, entretanto que, na ótica neoliberal, que recrudesce os princípios liberais de individualidade e concorrência, bem como, intensifica o conservadorismo moral, a causa feminista poderá apenas na aparência se fortalecer a partir do espectro pós-moderno do empoderamento ou da equidade, conforme observa Engels (2016, p. 69) na sociedade burguesa:

O homem apoderou-se também da direção da casa; a mulher viu-se degradada, convertida em servidora, em escrava da luxúria do homem, em simples instrumento de reprodução. Essa baixa condição da mulher, manifestada, sobretudo entre os gregos dos tempos heroicos e, ainda mais, entre os dos tempos clássicos, tem sido gradualmente retocada, dissimulada e, em certos lugares, até revestida de formas de maior suavidade, mas de maneira alguma suprimida.

O uso de termos que suavizam o caráter classista da luta feminista impede de capitular que, em essência, a mulher no modo de produção capitalista tende a ser subjugada ao propósito de progenitora dos futuros herdeiros que manterão as condições de divisão de classe e a manutenção da propriedade privada, e ao mesmo tempo, de mantenedora do lar - o que garante ao trabalhador (seja este trabalhador qualquer membro da família) a “[...] reprodução das condições necessárias para que a força de trabalho se possa apresentar no mercado como mercadoria” (ARRUZZA, 1983, p. 103). Quando muito, para a mulher, como apontado no discurso dos organismos internacionais, resta a equiparação ao homem apenas em termos de cargos em empresas, quiçá de salário. Não por menos, as teses do MESP, que evocam o sentido da família nuclear monogâmica heteronormativa, têm destinado para a mulher esse mesmo futuro, com a prerrogativa de recrudescer até mesmo as categorias discursivas do empoderamento e da equiparação.

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Consideramos, contudo, o fato que os avanços preconizados nos governos Lula e Dilma para as causas feministas, tais como, a Lei Maria da Penha, a criação da Secretaria de Políticas para as Mulheres, a licença maternidade pelo período de seis meses, a lei do feminicídio, entre outros (PARTIDO DOS TRABALHADORES, 2018), corroboraram para que as discussões restritas aos movimentos e aos centros de estudos e pesquisas acadêmicos se espalhassem pelo conjunto da sociedade civil. Há também de se considerar que tais conquistas, devem-se, sobretudo ao arcabouço das lutas feministas, que, especificamente a partir dos anos 2000 tiveram em aparelhos privados de hegemonia progressistas como o representante brasileiro da Marcha das Vadias, o grupo Católicas Pelo Direito de Decidir, o Coletivo Nacional Juntas, a Marcha das Mulheres Negras, o Rosas pela Democracia, a Marcha Mundial das Mulheres e o Femen Brasil, entre outros, grande expressividade na difusão do caráter das lutas das mulheres no Brasil e no mundo e, ainda que, entre estes e outros grupos haja divergências, os pontos de contato são muito superiores. Assim, em nossas análises, a elaboração e a propagação do termo “ideologia de gênero” pelos setores conservadores, reacionários e fundamentalistas, contempla, em grande medida, o desdém, o preconceito e a aversão destes pela emancipação da mulher frente à sociedade de classes e ao patriarcado, fundamentado na função à qual se destina a mulher no modo de produção capitalista: a produção precarizada, subjugada e vítima de todos os tipos de violência e assédios no emprego e, a submissão e sequenciamento de violências e reprodução no lar. Com isso, não queremos expressar a tese determinista de que a superação do capitalismo representaria imediatamente a emancipação feminina, pois, há outras estruturas de dominação que combinadas ao capitalismo garantem a subordinação da mulher. Conforme a análise que Arruzza (1983, p. 126) faz do artigo The Unhappy Marriage of Marxism and Feminisn: Towards a More Progressive Union, publicado em 1979, por Heidi I. Hartmann:

O que permite ao capitalismo colocar as mulheres nos escalões inferiores das hierarquias internas da força de trabalho não são as lógicas de funcionamento interno do próprio capitalismo, mas sim as constitutivas de outro sistema de opressão, que embora se tenha ligado ao capitalismo, goza de vida própria e de uma autonomia relativa: o sistema patriarcal. A subordinação das mulheres criada pelo sistema patriarcal, cujas origens são pré-capitalistas, é assim utilizada pelo capitalismo em benefício próprio.

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No entanto, salientamos que, a nosso ver, tampouco na sociedade de classes em que o patriarcado exerce uma mediação entre o modo de produção capitalista e a subordinação da mulher, haverá essa emancipação. No caso dos movimentos LGBTTQI, ligados indiretamente à questão feminista por conta da acepção do termo gênero, a ameaça à ordem capitalista de dominação concentra-se no ideário da família cristã e na liberdade do corpo. Vinculados à questão da produção, o corpo como força de trabalho deve antes ser privado de qualquer forma de liberdade e potencialidades para servir à valorização do capital. Como observou Gramsci (2015, p. 268):

As tentativas feitas por Ford para intervir, com um corpo de inspetores, na vida privada de seus empregados e para controlar como eles gastavam os salários e como viviam são um indício destas tendências ainda “privadas” ou latentes que, podem se tornar, num certo ponto ideologia estatal, articulando- se com o puritanismo tradicional, ou seja, apresentando-se como um renascimento da moral dos pioneiros [...] (aspas do autor).

De certo modo, o prognóstico de Gramsci (2015), salvo os diferentes contextos, não estava errado. Primeiro porque o fordismo atrelado ao taylorismo atravessou o século XX como modelo de organização da produção, e o fenômeno do toyotismo com a acumulação flexível, as terceirizações e a constante precarização do trabalho, dramatiza sobremaneira a fiscalização do trabalhador que vê seu corpo sugado em tempo integral, especialmente com o fenômeno da comunicação digital, cujo exercício das funções laborativas adentra também os horários de descanso, através de e-mails, whatsapp, facebook, ou outras redes sociais. Em segundo, no contexto conservador e reacionário em que subsiste a burguesia brasileira, o controle da vida privada na condenação de práticas que não correspondam aos valores morais desta classe reverte-se em ideologia, sendo que, as subversões dessas ideologias passam a ser criminalizadas pelo poder coercitivo e pela própria resignação, fruto do consenso que a todos tende a atingir. Na totalidade do fenômeno do MESP, a configuração de um termo difuso como “ideologia de gênero”, como afirmamos anteriormente: uma ideologia que confirma o argumento que congrega ao conjunto das ideologias dominantes desta fase neoliberal do capitalismo uma versão particular do puritanismo do qual Gramsci (2015) observou. Nesta versão, abalizada pelo fundamentalismo religioso pentecostal evangélico e católico, que empregam as ferramentas midiáticas para difundir suas concepções de mundo como se essas fossem compartilhadas por todas as pessoas, os grupos não heteronormativos são classificados 153

de dois modos distintos que excluem um ao outro. Um, a observação de que na esfera privada o direito burguês liberal permite a liberdade sexual dentro de certos parâmetros e outro que restringe essa mesma liberdade do domínio público para a conservação dos princípios ditos morais da sociedade, isto é, pode-se, por exemplo, exercer o direito ao homossexualismo desde que esse direito não seja publicamente expressado, ou que não se arvore dos mesmos direitos civis que os casais heterossexuais. Contrariando esse fator coercitivo que permeia tanto a sociedade política como a sociedade civil, as comunidades LGBTTQI historicamente têm apresentado uma postura de enfrentamento, ora direto, ora indireto. Assim, por exemplo, em 1969, as LGBTs126 que frequentavam um bar chamado Stonewall Inn, em New York (EUA) se revoltaram contra a violência policial e as políticas virulentas do Estado, que criminalizava as pessoas com orientação sexual e identidade de gênero não heteronormativas.

As constantes batidas policiais extremamente abusivas e violentas, fizeram com que aquele espaço (em sua maioria LGBTs muito marginalizadas, “queens de rua”, sem trabalho e espaço na sociedade de classes) se revoltassem e radicalizassem contra a polícia. Com gritos de “Gay Power” a comunidade local expulsou a polícia com paus, pedras, tijolos, etc (aspas do autor) (aspas do autor) (REVISTA MOVIMENTO, 2018, s.p.).

Vale destacar que este episódio marcado como “Revolta de Stonewall” contribuiu para a organização do movimento Frente de Libertação Gay, que introduziu esta data de Stonewall - 28 de junho - como o Dia Mundial do Orgulho Gay, realizando ainda no ano seguinte, 1970, a 1ª Parada do Orgulho Gay em New York. Nesta mesma década emergia no Brasil movimentos que buscavam legitimar as pautas homossexuais na sociedade civil (FACCHINI, 2003). Data de 1978, o primeiro grupo organizado de militância da causa homossexual no Brasil. O SOMOS, como foi chamado, surgiu em São Paulo, pela iniciativa de João Silvério Trevisan, ativista que fora exilado em anos anteriores pelo regime ditatorial e que, por isso, acabou entrando em contato com outros grupos e movimentos nos EUA (Ibid.). Ainda nesse mesmo ano, começa a circular no Rio de Janeiro, o jornal O lampião da Esquina que promovia uma série de publicações voltadas para a “cultura gay” frequentadora dos chamados à época “guetos cariocas” (Ibid.). Apontamos que estes dois movimentos contribuíram

126 Termo para a época. 154

enquanto resistências ativas, inspirando ainda grupos que despontaram no país no início dos anos 1980, com uma estética própria e irreverência como forma de protesto, haja vista as performances dos Dzi Croquettes127, que alavancaram a consolidação de uma “cultura gay” de resistência. Contudo, a burguesia brasileira em seu caráter conservador, reacionário e permanentemente contrarrevolucionário, como nos apontou Fernandes (1976), absorveu do trágico fenômeno da Síndrome de Deficiência Imunológica Adquirida (AIDS) - que chegou ao Brasil ainda nos anos 1980 (BRITO; ROSA, 2018) - uma espécie de arma política para a marginalização das comunidades LGBTTQI, buscando construir o consenso quanto ao caráter seletivo da doença em aparelhos privados de hegemonia, como nas revistas Veja e na Isto é (CASTRO, 2005), aproveitando-se levianamente do fato da AIDS ter de início atingindo de modo mais contundente estas comunidades. Com efeito, a visibilidade alcançada pela realização anual da Parada do Orgulho Gay em São Paulo, desde 1997, associada às políticas sociais das duas últimas décadas, propiciaram, com base nas lutas e resistências dos Movimentos LGBTTQI, conquistas como o direito ao casamento civil e a união estável, o direito à adoção, pensões, direito ao nome e a identidade de gênero, acesso ao serviço público de saúde para cirurgia de redesignação sexual, entre outros (BRASIL, 2017). No entanto, se por um lado, tais conquistas evidenciam um novo horizonte para esses movimentos, por outro, os números assustadores de violência e discriminação - confirmados pelos dados do movimento de resistência Grupo Gay da : “A cada 20 horas um LGBT morre de forma violenta vítima da LGBTfobia, o que faz do Brasil o campeão mundial de crimes contra as minorias sexuais” (RELATÓRIO GGB, 2018, p.01) – somados à um governo que em seu programa128 não contempla nenhuma política afirmativa para os grupos LGBTTQI e que, em sua base de sustentação comporta frações assumidamente contrárias à emancipação homossexual - as frentes parlamentares católicas, a

127 Sobre os Dzi Croquettes segundo Silva (2017, p. 05): “Como uma constelação de corpos falantes e desejantes, produzindo deslocamentos, dispersão do gênero e do indivíduo, assim posso caracterizar os Dzi Croquettes. Em um período de grande efervescência e criatividade no campo das artes (teatro, literatura, música), dos costumes e dos hábitos como a liberalização sexual, mas também de controle, censura, repressão e violências, entre pelos, barbas, purpurinas e paetês, os Dzi Croquettes, nos anos 70, com suas performances artísticas marcadas pela ambiguidade de gênero, numa fusão de teatro e humor, com passos fortes, danças e rebolados e combinando, de maneira inusitada, meias de futebol com salto alto, sutiãs com peitos cabeludos, cílios postiços com barbas, borravam as históricas fronteiras de gênero. Não por acaso, eles diziam: “Nós não somos homens, nem somos mulheres. Nós somos gente, gente computada igual vocês!”. 128 No programa de governo de Jair Bolsonaro, apresentado no capítulo 2, não há nenhuma referência às políticas afirmativas para as comunidades LGBTTQI. 155

FPE, e o próprio MESP, por exemplo - ajudam-nos a afirmar que as disputas por direitos civis na sociedade capitalista estão na aparência dos problemas que envolvem tanto estes grupos como os movimentos feministas, além de outros. Dessa forma, observamos que em essência, o controle econômico e social da esfera da vida privada pelo trabalho precarizado e seus mecanismos estatais de coerção são decisivos para a manutenção da divisão de classes, bem como da divisão intraclasse. Portanto, a garantia das liberdades individuais passa pela categoria classe, pois, somente poderá haver emancipação para um se houver para todos. Como ideologia, a “ideologia de gênero” indica uma busca de restringir o caráter público, coletivo e emancipatório da questão homossexual e feminista, conformando e reduzindo as lutas dessas categorias a algumas conquistas individualistas, como por exemplo, ao poder de compra e consumo deste “novo nicho” de mercado intensamente frisado pela massmédia129. Assim, junto à lógica individualista do neoliberalismo, determinados padrões de comportamento podem ser aceitos, por conveniência ou oportunismo da burguesia dominante, já outros não. Para nós, reside exatamente neste “sim” e “não” a questão do posicionamento de classe e a luta conjunta na práxis coletiva entre todos os trabalhadores precarizados, em sendo feministas ou LGBTTQIs, para a superação da sociedade de classe, do patriarcado, da restrição à liberdade humana e, em suma, da emancipação humana. Marx (2010), ao entrar no debate sobre os direitos políticos dos judeus na Alemanha - minoria que até então era destituída de direitos civis e políticos - em meados do século XIX aponta para a questão da emancipação política destes frente aos cristãos. Contudo, ele observa que “A questão judaica deve ser formulada de acordo com o Estado em que o judeu se encontra. Na Alemanha, onde não existe um Estado político, onde não existe o Estado como Estado, a questão judaica é uma questão puramente teleológica” (itálicos do autor) (Ibid., p. 37). Acrescentamos então que, para a classe trabalhadora em geral, a questão da emancipação deve ser formulada de acordo com a sociedade na qual ela se insere. Neste caso, inferimos que a emancipação política, na melhor das hipóteses, pode até ser alcançada, mas, nos limites da democracia burguesa: será ela suficiente?

129 Dados da revista Exame de 2018, indicam que “Atualmente, o público LGBT é um dos que mais crescem no mercado consumidor em todo o mundo. O potencial desse segmento pode ser visto em eventos como a Parada do Orgulho LGBT, que ocorre anualmente em São Paulo. O evento atrai milhares de pessoas do Brasil e do exterior e, de acordo com os organizadores, reuniu 3 milhões de participantes em 2017”. Disponível em: . Acesso em 25 jan. 2019. 156

A resposta à discussão propiciada por Marx (Ibid.) pode nos colaborar a compreender analogamente o real estado das coisas no que concernem as lutas de grupos historicamente marginalizados e, responder a nossa questão. Pois, para ele “A emancipação política de fato representa um grande progresso; não chega a ser a forma definitiva da emancipação humana em geral, mas constitui a forma definitiva da emancipação humana dentro da ordem mundial vigente até aqui” (Ibid., p.41). Nessa perspectiva, cabe a máxima lançada pelo cantor e compositor Paulinho Moska na forma de canção-manifesto: “Nenhum Direito a Menos” (MOSKA, 2018), sem deixar de lado o verso do poeta Carlos Rennó musicado pelo compositor e cantor Chico César “[...] eu me alegraria se afinal morresse esse sistema que nos causa tanto trauma” (RENNÓ; CÉSAR, 2015). Contudo, a emancipação humana em sua totalidade representa, em última instância, a superação da ordem burguesa que subsumi o potencial humano em geral, em mera abstração manifestada em direitos individualistas circunscritos aos parâmetros limitantes se considerarmos a totalidade das relações sociais em suas determinações históricas. Construídos para manter a ordem de dominação tal como se encontra, mas, a imputado materialmente e imaterialmente como verdades naturais e universais. Assim, Marx (Ibid., p. 54) encerra a questão da seguinte forma:

Toda emancipação é redução do mundo humano e suas relações ao próprio homem. A emancipação política é a redução do homem, por um lado, a membro da sociedade burguesa, a indivíduo egoísta independente, e, por outro, a cidadão, a pessoa moral. Mas a emancipação humana só estará plenamente realizada quando o homem individual real tiver recuperado para si o cidadão abstrato e se tornar ente genérico na qualidade de homem individual na sua vida empírica, no seu trabalho individual, nas suas relações individuais, quando o homem tiver reconhecido e organizado suas “forces propes” [forças próprias] (aspas do autor; tradução da edição) como forças sociais e, em consequência, não mais separar de si mesmo a força social na forma de força política (itálicos do autor).

Portanto, indicamos que, no âmbito da escola, a educação e a formação humana a laicização e a secularização são importantes conquistas para a emancipação política dos trabalhadores, representados aqui pelos precarizados, pelas mulheres e pelos LGBTTQIs, todavia, somente esses dois processos não são suficientes para que os indivíduos possam assumir o controle de sua própria história buscando a emergência de uma emancipação humana. 157

3.4 A CRUZADA ANTIMARXISTA, ANTICOMUNISTA E AS INTER-RELAÇÕES COM O FASCISMO

No auge da Guerra Fria, mais precisamente em 1952, a Suprema Corte dos EUA aprovava por seis votos a três a constitucionalidade da chamada Lei Feinberg, aplicada ao Estado de New York desde 1949, que, na prática, proibia todos os sistemas de ensino e universidades em solo norte-americano de contratar professores considerados subversivos e/ou comunistas (VASSAR CRHONICLE, 1952). Em síntese, a lei expressava - segundo uma publicação do jornal do College Vassar, sediado na cidade de Poughkeepsie, N.Y - que:

À medida que nos opomos ao comunismo, também devemos defender nossos próprios princípios de liberdade pelos quais esse país ganha nossa lealdade. O equilíbrio que deve ser alcançado é particula'rmente precário na educação. Durante os últimos dois anos, vimos a situação do julgamento da Califórnia causar repercussão em círculos acadêmicos e outros em todo o país, até que, recentemente, a Universidade de Yale publicou sua política de não contratar comunistas em seu corpo docente. Como instituições de ensino superior, essas universidades colocaram o problema em aberto. Mais difícil é a tentativa de definir o equilíbrio entre o comunismo e a defesa da liberdade acadêmica nas escolas públicas primárias e secundárias. A Lei Feinberg fez tal tentativa, e a decisão de 6 a 3 da Suprema Corte em favor de sua constitucionalidade colocou a liberdade acadêmica na ponta da balança. Ao estabelecer restrições elaboradas para purificar as escolas públicas de qualquer expressão "subversiva", a Legislatura de Nova York e a decisão da Suprema Corte deram sinal verde para a limitação da liberdade (tradução nossa) (Ibid., p. 02).

Tal legislação, insuflada pela extrema direita, constitucionalizava as políticas empreendidas desde anos anteriores, pelo então senador do Partido Republicano, Joseph McCarthy (1908-1957), de perseguir professores, cineastas, roteiristas, artistas, em suma, todos aqueles considerados como comunistas, e que por isso representariam uma ameaça ao país. Fenômeno que ficou conhecido como “caça às bruxas” em alusão ao episódio das Bruxas de Salém130 (PINSK; PINSK, 2004). Essa “caça às bruxas” (Ibid.), promovida pelas sumárias perseguições suscitadas pelo senador MacCarthy, no contexto da Guerra Fria, tinha um sentido explícito: combater a influência da União Soviética. Ainda assim, a própria opinião expressa pelo jornal supracitado

130 Em finais do século XVII, o pequeno povoado de Salem, nos EUA, testemunhou a perseguição de centenas de pessoas acusadas de bruxaria. A partir de provas subjetivas e testemunhos que continham interesses políticos, cerca de 20 pessoas, em sua maioria mulheres, foram condenadas - pela Igreja Calvinista local que detinha os poderes civis – à morte por enforcamento (MORAES, 2015). 158

demonstrava que tais táticas não formavam um consenso junto à opinião pública norte- americana. Não obstante, no Brasil, pouco menos de uma década depois, o educador Anísio Teixeira (1900-1971), por defender abertamente o paradigma de uma escola pública, universal e gratuita é acusado de comunista por frações da Igreja Católica, cujas defesas estavam centradas no modelo privado de ensino confessional (SAVIANI, 2013). Anísio, que tinha como base filosófica as perspectivas pragmatistas de John Dewey, não compactuava com as ideias marxistas. Segundo Saviani (Ibid., p. 287), Anísio declarou inúmeras vezes publicamente sua posição, suas ideias, seu distanciamento com as teorias marxistas "manifestando sua discordância do postulado da luta de classes; reiterando à exaustão que jamais defendeu o monopólio estatal da educação; insistindo em seu respeito pela escola particular [...]". No entanto, não bastavam as explicações teóricas, pois, o que estas frações da Igreja consideravam comunistas neste educador ou qualquer outro que advogasse os mesmos princípios era a identificação da educação pública como monopólio do Estado e este último como uma política estritamente comunista (Ibid.). Com o advento do golpe civil-militar-empresarial em 1964, o espectro de pessoas perseguidas, torturadas, exiladas e assassinadas por serem consideradas comunistas irá crescer sobremaneira, pois, a “caça às bruxas” intencional que tinha objetivos concretos desembarcara no Brasil junto aos agentes norte-americanos que contribuíram para a implementação do golpe (MUNIZ BANDEIRA, 2005). Não somente Anísio, que falece em 1971, em condições ainda não esclarecidas (COMISSÃO NACIONAL DA VERDADE VOL. 2, 2014), mas tantos outros professores, estudantes, operários, sindicalistas, camponeses, padres, profissionais liberais, políticos, artistas, em suma, pessoas foram brutalmente perseguidas, torturadas, exiladas e assassinadas por este regime (COMISSÃO NACIONAL DA VERDADE VOL. 3, 2014). O documento assinado, em 2014, pela Comissão Nacional da Verdade (CNV), após uma série de depoimentos e investigações, aponta que tais perseguições, foram orquestradas por um grande aparato que institucionalizara a tortura, as prisões sumárias, e, no limite, a morte:

Criara-se uma arquitetura legal que permitia o controle dos rudimentos de atividade política tolerada. Aperfeiçoara-se um sistema repressor complexo, que permeava as estruturas administrativas dos poderes públicos e exercia uma vigilância permanente sobre as principais instituições da sociedade civil: sindicatos, organizações profissionais, igrejas, partidos. Erigiu-se 159

também uma burocracia de censura que intimidava ou proibia manifestações de opiniões e de expressões culturais identificadas como hostis ao sistema. Sobretudo, em suas práticas repressivas, fazia uso de maneira sistemática e sem limites dos meios mais violentos, como a tortura e o assassinato. (Ibid., VOL. 2 p. 79).

Não por menos, o MESP atualiza a dimensão da “caça às bruxas” ao revisitar o tema do marxismo e/ou comunismo como uma ameaça à família brasileira e a unidade nacional. Em sua página eletrônica, por exemplo, as críticas que associam Paulo Freire ao marxismo e, esses dois, às políticas educacionais dos governos petistas são exaustivamente repetidas. Numa pesquisa rápida, ao inserirmos o nome de Paulo Freire no buscador desta página (MOVIMENTO ESCOLA SEM PARTIDO, s.d., n.p.) percebemos o expressivo número de cinquenta artigos e/ou cartas de apoiadores do movimento que fazem menção ao educador, todas computando a ele inúmeras sorte de críticas, injúrias, difamações, leviandades, etc, em frases como [...] teórico do PT; [...] Uma educação que se reduz a ser mera ortofonia, repetição incessante de conceitos petrificados; [...] Sua pedagogia do oprimido nada mais é do que transportar Marx para a sala de aula; [...] mente torta; [...] com Paulo Freire os brasileiros sofrem lavagem cerebral marxista desde os primeiros anos de vida; [...] um dos maiores culpados deste estado de coisas no Brasil; [...] Sua aparente inabilidade de dar um passo atrás e deixar o estudante vivenciar a intuição crítica nos seus próprios termos reduziu Freire ao papel de um guru ideológico; [...] Não há originalidade no que ele diz, é a mesma conversa de sempre. Sua alternativa à perspectiva global é retórica bolorenta. Ele é um teórico político e ideológico, não um educador; [...] As técnicas que ele inventou foram aplicadas no Brasil, no Chile, na Guiné-Bissau, em Porto Rico e outros lugares. Não produziram nenhuma redução das taxas de analfabetismo em parte alguma; [...]

Cabe ressaltar que, Paulo Freire (1921-1997), goza do título de Patrono da Educação brasileira, segundo a Lei nº 12.612 de 2012131 e que, seu livro Pedagogia do Oprimido, “[...] é o único livro brasileiro a aparecer na lista dos 100 títulos mais pedidos pelas universidades de língua inglesa consideradas pelo projeto Open Syllabus”. (G1, 2016, n.p.). Além disso, Freire recebeu o título de doutor Honoris Causa, por vinte e sete universidade no mundo todo, bem como o Prêmio Rei Balduíno para o Desenvolvimento da Educação na Bélgica, em 1980, o Prêmio UNESCO da Educação para a Paz, em 1986, e o Prêmio Andres Belloda da Organização dos Estados Americanos (OEA), como Educador do Continente, em 1992.

131 Disponível em: . Acesso em 12 set. 2018. 160

Outro ponto importante a mencionar sobre esse consagrado educador, diz respeito ao fato de que, em 1964, logo no primeiro ano do regime ditatorial, Freire foi preso e exilado por mais de uma década e meia. Neste período, continuou sua atuação de educador em países como o Chile, EUA, Suíça e Guiné Bissau, lecionando em universidades como a de Harvard e contribuindo com seus conhecimentos para diversas instituições internacionais. Retornando ao Brasil, apenas em 1980, com a anistia (SOUZA, 2007). Por conseguinte, o anticomunismo associado ao antimarxismo, não figura como uma obra oriunda apenas das organizações coercitivas norte-americanas ou brasileiras e muito menos foi introduzido na sociedade pelo MESP. Tampouco a construção de um consenso que historicamente buscou marginalizar tanto o comunismo quanto Marx e seus interlocutores, é uma produção apenas dos órgãos de defesa e inteligência dos EUA. Seu histórico de perseguição remonta às décadas anteriores e tem, no fascismo na Itália e no nazismo na Alemanha sua expressão máxima. Em entrevista para o jornal britânico The Guardian, em 2018, a professora e pesquisadora da Universidade de Harvard, Moira Weigel analisa que:

O conceito de “marxismo cultural” veio da extrema-direita. Era usado, no começo, por nacionalistas brancos e negadores do Holocausto. A teoria, ou teoria da conspiração, do marxismo cultural ecoa direta e deliberadamente uma teoria que Adolf Hitler descreve no livro Minha luta. Segundo Hitler, com o fracasso do marxismo econômico, os intelectuais judeus estavam tomando a cultura ocidental a fim de destruí-la. Os nazistas chamavam isso de bolchevismo cultural (tradução nossa) (THE GUARDIAN, 2018, n.p.).

De fato, ao investigarmos este fenômeno, verificamos no livro escrito em dois volumes por Adolf Hitler (1889 -1945) - quando este se encontrava preso no início da década de 1920, após a tentativa fracassada de um golpe de Estado -, e publicado respectivamente em 1925 e 1928 (SHIRER, 1962), uma associação entre os judeus e os bolcheviques, responsabilizando os primeiros pelo fracasso econômico da Alemanha e os segundos pela “degeneração” cultural da época subscrita principalmente em correntes artísticas da arte moderna132.

132 “[...] a ideologia nazista difundiu um cânone para a arte de seu ‘povo’, padrão sustentado pela desvalorização da produção dos artistas modernos. Surgiram nessa conjuntura o conceito Arte degenerada e a exposição itinerante Entartete Kunst, que procuravam levar o público a ver as obras modernas como deformação, [...]. A Entartete Kunst foi uma grande exposição de caráter moralizante, que expunha ‘indícios’ não a serem considerados como arte, mas como provas de uma corrupção social que teria sido detectada e barrada a tempo pelo Partido nazista. Tudo o que estava exibido deveria ser visto como objetos horrorendos, que insultavam o 161

O bolchevismo da arte é a única forma cultural possível da exteriorização do marxismo. Quando essa coisa estranha aparece, a arte dos Estados bolcheviquizados só pode contar com produtos doentios de loucos ou degenerados, que desde o século passado, conhecemos sob a forma de dadaísmo e cubismo, como a arte oficialmente reconhecida e admirada (HITLER, 2016, p. 114).

Em suas palavras, o bolchevismo - materialização das ideias marxistas - é visto como um grande inimigo do povo alemão como historicamente têm sido os judeus:

Devemos enxergar no bolchevismo russo a tentativa do judaísmo, no século vinte, de apoderar-se do domínio do mundo, justamente da mesma maneira por que, em outros períodos da história, ele procurou, por outros meios, embora intimamente parecidos, atingir os mesmos objetivos (Ibid., p. 276).

Hitler acrescenta ainda que:

A Alemanha é hoje o próximo grande objetivo do bolchevismo. É necessária toda a força de uma ideia nova, com o caráter de uma emissão, para mais uma vez fazer ressurgir o nosso povo, livrá-lo da fascinação dessa serpente internacional e no interior pôr um dique à corrupção do sangue, de maneira que as forças da nação, assim libertada, possam ser empregadas para preservar a nossa raça, [...]. Como é possível explicar ao trabalhador alemão que o bolchevismo é um crime horroroso contra a humanidade, se o governo se alia a esse produto do inferno. [...]. A luta contra a bolchevização mundial exige uma atitude clara com relação à Rússia soviética. Não se pode afugentar o Diabo com Belzebu (Ibid., p. 279).

É importante ressaltar que, a campanha iniciada por Hitler quando da fundação do Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães, em 1920, seguida da redação do Mein Kampf, nos meses em que esteve detido e, posteriormente com sua ascensão, em 1933, a chanceler da Alemanha apresentam-se dentro do contexto de intensas lutas políticas nesse país que, provinham, desde seu tumultuado processo de unificação em finais do século XIX, passando pela derrota na primeira Guerra Mundial (1914-1918), e com essa a privação de territórios, além de uma profunda crise econômica (HOBSBAWM, 2001; 1995). As ideias socialistas e marxistas na Alemanha tinham demasiada força neste período, haja vista que, na passagem do século XIX para o XX, estivesse na Alemanha “o maior partido operário do povo alemão, a religião cristã e, sobretudo, o Estado. O que estava sendo depreciado englobava elementos nos quais, do ponto de vista do regime, podia ser reconhecido a loucura das influências do modernismo estrangeiro, dos elementos judaicos e comunistas e da cultura africana” (OLIVEIRA, 2016, p. 19; 115-116). 162

ocidente, modelo de esquerda na época” (LOUREIRO, 2018, p. 13). Não por mesmo, Hitler acompanhava o cenário externo da Revolução Russa e com ela, a expansão de suas concepções na Europa. Da mesma forma que, o nazismo alemão expressava sua aversão aos bolcheviques, na Itália, anos antes, a ascensão de Mussolini ao governo - com seu partido fascista em 1922, no episódio que ficou conhecido como “a Marcha sobre Roma” (MUSSOLINI, s.a., p. 43) - representou a perseguição às ideais marxistas, que, neste país estavam presentes em sindicatos e especialmente no Partido Comunista da Itália (PCI). Nas palavras de Mussolini, em discurso realizado em 1922:

Não digam os democratas que o Fascismo não tem razão de ser aqui, por aqui não existir o bolchevismo. Aqui vêem-se outros fenômenos de banditismo político, não menos perigosos que o bolchevismo, nem menos nocivos ao desenvolvimento da consciência política da Nação. (Ibid., p. 17).

Apesar de buscar reduzir a influência dos partidos e organizações comunistas na Itália, em 1926, o governo de Mussolini por meio de um tribunal especial fascista, condena à prisão, o então secretário geral do PCI e deputado do parlamento italiano, Antonio Gramsci (FONDAZIONE GRAMSCI, s.d.). Na prisão Gramsci escreverá boa parte de sua obra, permanecendo encarcerado pelos fascistas até pouco antes de sua morte em 1937. Coutinho (2011, p. 79-80) a respeito de Gramsci afirma que:

Quando morreu, em 27 de abril de 1937, Gramsci não podia ter a menor ideia de que esses apontamentos carcerários, que ocupam 2.500 páginas impressas, tornar-se-iam uma das obras mais influentes, comentadas e discutidas do século XX. Nenhuma área do pensamento social – da filosofia à crítica literária, da política à sociologia, da antropologia à pedagogia – ficou imune ao desafio posto pela publicação póstuma dessa obra de Gramsci. Traduzidos em inúmeras línguas, os chamados Cadernos do Cárcere deram lugar à uma imensa literatura secundária, que de resto cresce cada vez mais, igualmente difundida em múltiplos idiomas (itálicos do autor).

Destarte, na página eletrônica do MESP, há coincidentemente ao exposto sobre Paulo Freire ou pela configuração da própria página, um número de cinquenta menções133 à Gramsci. Em sua maioria, versando sobre uma possível aplicação das ideias gramscianas na

133 Não sabemos ao certo se ambos autores foram coincidentemente citados cinquenta vezes na página do MESP ou se cinquenta menções corresponde ao limite da página em seu buscador. 163

educação brasileira durante os governos petistas ao aparelhamento do Estado pelos estudiosos que usam os referenciais teóricos desse autor. Estão presentes afirmações como (MOVIMENTO ESCOLA SEM PARTIDO, s.d., n.p.):

[...] a educação tem de ser, conforme as recomendações de Antonio Gramsci, um dócil instrumento nas mãos do partido-Estado; [...] se tornaram praticamente todas as autoridades educacionais do país, tanto as que operam dentro do Estado - escolas e universidades públicas, ministério e secretarias de educação, tudo gramscianamente aparelhado pela esquerda; [...] A prática esportiva é secundária; o que importa é fazer a revolução gramsciana; [...] o marxismo cultural, de Antonio Gramsci, encontra seu estágio mais avançado no mundo ocidental, vendo a cada dia, um governo comunista e autoritário rasgar a Constituição e destruir a democracia; [...] Refiro-me ao trabalho de formiguinha gramsciana realizado todos os dias, ano após ano, à margem da lei, pelo exército de professores militantes ou simpatizantes dos partidos de esquerda - PT à frente - em milhares de salas de aula em todo o país.; [...] descarada e vagabunda doutrinação marxista/gramsciana que, infelizmente, infesta já há tempos as escolas e universidades de nosso país; [...] O que se pode esperar de um ensino baseado em Gramsci?, que disse: nós vamos destruir o Ocidente, destruindo sua cultura, pela destruição do caráter.

Com isso, destacamos que, ao buscar descaracterizar a obra, o pensamento e a pessoa de Gramsci, a partir de apontamentos descontextualizados, termos incorretos, informações falsas, entre outas práticas, o MESP recupera a política de perseguição ao comunismo ou tudo àquilo que para eles represente comunismo como forma de intimidação de professores e pesquisadores. Ao mesmo tempo, com a tentativa de silenciar Gramsci e outros autores que ousaram enfrentar a ordem burguesa de dominação a partir da práxis revolucionária busca-se construir uma história que, distante da verdade dos fatos, esforça-se por apagar as conquistas e os legados revolucionários do século XX que tiveram nestes autores sua base teórica. Portanto, não são necessariamente novidades as formas contemporâneas de “demonização” do marxismo, historicamente, o fascismo já o fizera e, com interesses semelhantes: subjugar a classe trabalhadora negando-lhe a verdade. Produzir o consenso a partir de um conjunto de valores imputados como naturais e universais e, no caso de resistência, apelar ao aparato coercitivo para eliminar todos aqueles que a sua maneira atuam subversivamente. Todavia, não estamos dizendo com isso que o MESP é fascista, tampouco comparando os intelectuais orgânicos desse movimento com Hitler ou Mussolini, mas, haja vista os pontos de contato aqui explicitados, em essência, as estratégias discursivas que buscam desconstruir a teoria marxista e os autores vinculados ou não com essa teoria em benefício de uma

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concepção de mundo particular, manifestam, no mínimo, a presença de categorias fascistas no movimento. Desse modo, Konder (2009, p. 53) irá definir o fascismo como:

[...] uma tendência que surge na fase imperialista do capitalismo, que procura se fortalecer nas condições de implantação do capitalismo monopolista de Estado, exprimindo-se através de uma política favorável à crescente concentração do capital; é um movimento político de conteúdo social conservador, que se disfarça sob uma máscara “modernizadora” (aspas do autor), guiado pela ideologia de um pragmatismo radical, servindo-se de mitos irracionalistas e conciliando-os com procedimentos racionalistas-formais de tipo manipulatório. [...] é um movimento chauvinista, antiliberal, antidemocrático, antissocialista e antioperário. [...] pressupõe [...] a existência do capital financeiro.

Em Konder (Ibid.), podemos absorver que, o MESP aproxima-se das categorias de movimento político conservador, irracionalista - expressado nas frações fundamentalistas, tanto de mercado como religioso -, antidemocrático e antissocialista, mas, que busca se apresentar sob uma face modernizadora. Aqui, salientamos que seus pressupostos desconsideram sumariamente décadas de pesquisas em educação, como já apontamos anteriormente - desconsideram, do mesmo modo, os direitos conquistados a partir de muitas lutas por grupos historicamente marginalizados ao incidirem na ideologia da “ideologia de gênero”, além de promoverem uma agenda de perseguição a determinadas forma de pensamento e determinados autores. Tais procedimentos manifestam sua lógica conservadora, antidemocrática, antissocialista e irracionalista. Não por menos, Fernandes (2015) irá analisar que o fascismo de Mussolini e Hitler “foram derrotados no campo de batalha [...], porém, como ideologia e utopia persistiu [...], tanto de modo difuso, quanto uma poderosa força política” (Ibid., p. 33). Hobsbawm (1995, p. 121), por sua vez, indica que os fascistas em sua época: “denunciavam a emancipação liberal - as mulheres deviam ficar em casa e ter muitos filhos - e desconfiavam da corrosiva influência da cultura moderna, sobretudo das artes modernistas, que os nacionais socialistas alemães descreviam como ‘bolchevismo cultural’ e degeneradas”. Em setembro de 2017, a mostra Queermuseu: Cartografias da Diferença na Arte Brasileira, aberta ao público desde agosto no Santander Cultural em Porto Alegre, passou a ser alvo de inúmeras críticas nas redes sociais a partir de postagens realizadas pelo MBL - um dos aparelhos privados de hegemonia que se vinculam ao MESP -, alegando que as obras da mostra tinham conteúdo pornográfico, cenas de pedofilia, zoofilia e blasfêmias contra 165

símbolos religiosos (BBC BRASIL, 2018). Em meio às discussões estabelecidas e uma campanha de boicote ao banco Santander empreendida pelo MBL, a exposição foi encerrada. Obras de artistas como, Adriana Varejão, Cândido Portinari, Fernando Baril, Hudinilson Jr., Lygia Clark, Leonilson e Yuri Firmesa apresentavam um imenso panorama acerca da temática LGBTTQI no Brasil e no Mundo (EL PAIS, 2017). A negação da influência da cultura moderna, especialmente nas artes, que para os fascistas denotavam uma arte corrosiva e degenerada e indicavam estreita ligação a determinados valores cristãos, como nos apontou Hobsbawm (1995) e como aponta a própria afirmação supracitada de Hitler, manifestavam a essência antidemocrática e reacionária desse movimento. Analogamente, o deslocamento do “bolchevismo cultural” para o “marxismo cultural” que contempla a ideologia da “ideologia de gênero” está ancorado sobre as mesmas bases históricas: a defesa dos princípios de certo tipo de cristianismo, da pátria e a perseguição aos movimentos de emancipação dos trabalhadores. Hoje, num contexto que congrega o modelo neoliberal agravado pelo fundamentalismo de mercado e religioso. Não por menos, o governo que se inicia em 2019, no Brasil - que endossa o MESP em seu plano de governo - tem como lema a expressão “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos” (PROPOSTA DE PLANO DE GOVERNO, 2018, p. 01). Não obstante, a partir de nossas análises podemos afirmar que, nem toda censura e autoritarismo, podem ser considerados fascistas, no entanto, todo movimento que expresse algum vestígio fascista terá na censura, na promoção do medo e no autoritarismo uma estratégia de consenso e coerção das massas. Assim, a questão que se impõe não é somente se o MESP é ou não fascista ou o quanto ele representa ideias fascistas, mas, em última instância, a denúncia de que não se constrói uma sociedade de indivíduos “[...] socialmente iguais, humanamente diferentes e totalmente livres” (frase atribuída à Rosa Luxemburgo) (FUNDAÇÃO ROSA LUXEMBURGO, s.a., n.p.) tampouco, um mundo em que a bandeira possa ser: “De cada um segundo suas capacidades, a cada um segundo suas necessidades” (MARX, 2012, p. 32) com base em mentiras.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao nos aproximarmos do fenômeno do MESP, em 2014, nos deparamos com um cenário confuso e repleto de nuanças que despontava envolto a uma série de conturbações sociais, crise econômica, crise política, etc., ou seja, o MESP emergia num contexto para nós ainda caótico e repleto de abstrações. Fazia-se necessário desvelar seus sentidos, compreender a conjuntura que operava no Brasil naquele instante, bem como relacioná-la aos processos de maior amplitude, assim, poderíamos iniciar um intenso processo de investigação para, a partir das contradições que nos fossem se apresentando, chegar até a essência do fenômeno. Como apontamos, o MESP esteve presente na sociedade brasileira desde aquele período, todavia, com pouca expressividade. Foi necessário quase uma década para que uma série de conjunturas confluísse para a sua promoção enquanto uma força tenaz que passou a disputar hegemonia na educação e na sociedade. Por isso, nossa primeira intenção foi procurar compreender esse cenário caótico do qual o MESP era parte imbricada. Nesse sentido, nosso ponto de partida foi o pressuposto de que a crise estrutural do capital, tal como compreendida por Mészáros (1998; 2011), compunha um fenômeno de longa duração, isto é, sua base histórica compreendia a queda percentual nas taxas de lucros que outrora apresentou crises pontuais como em 1929, mas que, sobretudo a partir dos anos 1970, passou a se expressar com maior intensidade. Não, por acaso, o neoliberalismo emerge como resposta à crise nesse período, tem no Chile seu primeiro ensaio e depois se espalha mundialmente conjecturando-se como a única solução possível às novas dinâmicas econômicas e sociais e, ao cenário de recessão, que alcançou boa parte do mundo na década de 1980. Contudo, as políticas neoliberais atuam no conjunto da sociedade a partir de mediações, elas não se manifestam tais como aparentam. A globalização enquanto uma mediação do capital na fase neoliberal apresentava-se como redução das fronteiras, aproximação de povos e culturas diferentes, acesso às novas tecnologias, isto é, prometia-se a "fábula", como nos afirmou Milton Santos (2008), de uma humanidade integrada, que a partir dos avanços na ciência e na tecnologia promoveriam a paz e um mundo mais igualitário. Entretanto, como ficou registrado na história, entregou-se a perversidade de um mundo em que as desigualdades, a concentração da riqueza e a destruição dos recursos naturais acirraram-se com intensa velocidade, multiplicando os números de refugiados, de miseráveis e de trabalhadores precarizados que, muitas vezes atuam em

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jornadas e condições de trabalho análogos à escravidão. Recrudesceram-se as guerras urbanas diretamente vinculadas à um ramo dos negócios que movimenta anualmente bilhões de dólares no mundo todo, isto é, o tráfico de drogas, entre outras graves tragédias humanas que adentram o século XXI, sepultando o sonho da globalização. Na educação, a Teoria do Capital Humano, despontou nos anos 1970, como uma mediação das políticas neoliberais para a educação. Imputando as ideologias de eficácia, eficiência e meritocracia. Entregando aos indivíduos a responsabilidade de competir na lógica do mercado de trabalho a partir do investimento em educação, este, um capital humano. Esqueceram-se apenas de computar que esses mesmos indivíduos receberam como herança o fardo da história e que por isso, não partem das mesmas condições, sendo o jogo, neste caso, propício a concentrar cada vez mais as riquezas aos que muito têm e a empurrar para o abismo cada vez mais os que nada têm. Assim, em sendo a crise estrutural do capital um processo de longa duração, ele se expressa a partir dos anos 1970, com o neoliberalismo, este, um conjunto de medidas que busca manter o padrão de acumulação e as taxas de lucro. Atuando na sociedade como um todo, as políticas neoliberais apresentaram-se por meio de mediações, em nosso caso, apontamos para a mediação da globalização e da Teoria do Capital Humano. Não obstante, a conjuntura emerge enquanto uma mediação da longa duração e, neste caso, o início do século XXI, tem oferecido uma conjuntura de agravamento das políticas neoliberais, associado ao avanço de grupos de extrema direita e ultraliberais em boa parte do mundo. Configurando um processo antiglobalizante de fechamento de fronteiras, racismo, xenofobia avanço de valores conservadores e reacionários que compactuam com os fundamentalismos religiosos e o fundamentalismo de mercado. Todo este cenário tem se manifestado no Brasil em conjunto as particularidades desse país, desse modo, a longa duração da crise estrutural do capital encontra por aqui a permanência de uma sociedade erigida sob o trabalho escravo essencialmente negro, com uma burguesia de heranças oligárquicas, autocráticas e permanentemente contrarrevolucionária (FERNANDES, 1976). Exatamente por isso, ao engendrar um processo que acabamos por considerar de revolução passiva, tal como Gramsci (2000) preconizou, o Partido dos Trabalhadores foi ferozmente atacado por uma mesma burguesia que fora atendida em muitas de suas demandas, mas que, não suportou as parcas conquistas dos trabalhadores - fruto de muitas lutas - que ocorreram neste período. Por isso, essa burguesia não demonstrou o menor

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pudor em derrubar uma presidenta legitimamente eleita sem nenhuma prova concreta e, em encarcerar um ex-presidente com base em investigações suspeitas a despeito de uma série de outros políticos investigados que gozam da liberdade. Os processos sob os quais atuaram essas frações da burguesia brasileira relacionam-se diretamente com a longa duração das características que subjaz num país de capitalismo dependente que não enterrou suas velhas e históricas tradições e se expressaram pela mediação de uma conjuntura particular de crise orgânica. Esta, por sua vez, compreendida por meio do que Gramsci (2000) nos aponta, representou a partir de 2013, a confluência entre uma crise econômica, política e social que alcançou todas as esferas da sociedade brasileira. Gramsci (Ibid.) irá analisar que a crise orgânica, que é uma crise de hegemonia da classe dominante, poderá modificar as relações de força. Em nosso caso, observamos que certas frações da burguesia se reorganizaram rapidamente, mudando seus quadros, trocando grupos e dissolvendo a antiga ordem - neste caso, o regime de conciliação de classe que caracterizou os governos petistas - avançando com reformas que recrudescem as condições de vida da classe trabalhadora. Neste quadro geral e particular, emergem forças que buscam nos momentos de crise orgânica conquistar hegemonia. Nossas análises consideraram que o MESP, por um lado, aproveitou-se desta conjuntura para imputar seus valores na sociedade civil procurando construir o consenso junto às massas e na sociedade política a partir de uma série de projetos de lei de caráter coercitivo e, por outro, foi assimilado por essas frações burguesas - da qual ele faz parte - como uma bandeira de concepções moralizantes, vindo ao encontro das históricas permanências apontadas sobre a burguesia brasileira. Assim que compreendemos a conjuntura de crise orgânica e avanço da extrema direita, que mediava os processos de longa duração de crise estrutural do capital, no plano geral e, em particular do caráter histórico da burguesia brasileira, pudemos situar o alcance expressivo do MESP no conjunto das determinações históricas que o compuseram. Portanto, para nós, o ano de 2014 desponta como um ponto de inflexão, um momento em que as forças fundamentalistas, conservadoras e reacionárias avançam com seu projeto de sociedade tendo o MESP como braço político. Isto porque, as intensas manifestações, conhecidas como “jornadas de junho” que se iniciaram em 2013, propiciaram paulatinamente a introdução das pautas da extrema direita nas ruas, ao passo que, em 2014, as pautas que outrora versavam sobre demandas sociais

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passaram a expressar unicamente a questão da corrupção, sendo, o Partido dos Trabalhadores apontado como o único responsável por esse fenômeno. Neste sentido, é decisivo o encontro de Miguel Nagib com Carlos Bolsonaro e Flávio Bolsonaro, em 2014, que resultou na criação do programa como uma mediação dos interesses do MESP. Momento que, a nosso ver, conduziu o MESP de um movimento que apresentava certas demandas na sociedade civil, para um organizador de vontades coletivas, pois, fundiam-se a ele as frentes parlamentares católicas e a evangélica, uma série de políticos oportunistas de distintos partidos, integrantes de grupos como o MBL, revoltados online, Imil, Instituto Liberal, entre outros, além de indivíduos isolados, que buscavam no MESP uma plataforma para se fixarem como alternativa política em futuras eleições. Assim, a bandeira do MESP com um programa estabelecido e diversos projetos de lei que circulavam nas esferas municipal, estadual e federal do país, passava a se configurar um partido - tal como explicado por Gramsci (2000) - que disputava a hegemonia a partir de uma concepção de mundo própria. Outro ponto importante foram as discussões sobre o Projeto Escola Sem Homofobia, desenvolvido pelo Ministério da Educação como parte do PNDH3 e, em conjunto às organizações não governamentais. Aqui, para nós, houve uma confluência entre frentes parlamentares católicas e evangélica e, ao mesmo tempo, essas passaram a endossar o programa do MESP. A introdução maciça da pauta “ideologia de gênero” nos projetos de lei que versavam sobre o programa - somando-se a pauta da “doutrinação marxista” deriva deste momento. A partir do entendimento destas configurações foi possível compreender qual o projeto de escola estava presente no MESP manifestado em seu programa. Um projeto valorativo, conjecturado por frações da burguesia ultraliberal de extrema direita, frações das igrejas evangélicas pentecostais e católicas reacionárias e pentecostais, que almejam constituir um projeto societário, iniciando pela escola e baseada no modelo de família cristã - a qual Engels (2016) contextualizou como uma construção burguesa - e nos preceitos neoliberais, em suma, no fundamentalismo religioso e no fundamentalismo de mercado. Para tanto, foi necessário um empenho a fim de tentar aniquilar as forças contrárias, no caso, os movimentos sociais LGBTTQI, dos trabalhadores sem teto, dos trabalhadores sem-terra, movimentos feministas, centrais sindicais, entre outros, identificando os professores como canais de introdução dessas

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bandeiras na escola. Assim, o MESP pretender-se-ia imputar seus valores como se fossem únicos, universais e naturais. Destarte, das teses explicitadas no programa, nossas análises compreenderam que ao deslocar a educação para a instrução, o MESP desconsidera todos os estudos acerca do desenvolvimento cognitivo dos últimos cem anos, ocasionando a redução da formação humana em geral para, no caso da escola, uma formação aligeirada, descontextualizada e desumanizadora e, na sociedade, uma formação representada pela exclusividade dos valores preconizados pelo núcleo familiar, não importando se os indivíduos existam numa sociedade plural e não apenas no seio da família. Por conseguinte, ao caracterizar os alunos como massa de audiência cativa incorreu-se na mesma perspectiva de desconsiderar os avanços dos estudos na área de educação e desenvolvimento. Aqui, subtende-se que a relação entre professores e alunos é condicionada a uma fórmula maniqueísta, em que, o primeiro detentor de todas as forças abusa de suas prerrogativas para manipular e persuadir os segundos, estes, por sua vez, sendo incapazes de contestar, resistir e refletir à suprema autoridade do professor. O programa incorreu em contradição com o item anterior ao incidir que o professor deva considerar que seus alunos possuem convicções políticas, morais, religiosas e ideológicas próprias, pois, como massa de audiência cativa esses alunos seriam desprovidos de qualquer opinião sobre qualquer assunto, assimilando passivamente qualquer ideia, valor ou concepção verbalizada pelo professor. Contudo, acreditamos numa relação dialética e por isso, tantos os alunos como os professores, sujeitos as mesmas determinações históricas, encontram-se num ambiente - a escola - que, é parte constitutiva da sociedade como um todo, manifestando as contradições subjacentes ao modo de produção capitalista. Portanto, o que pretende o MESP neste sentido aniquila a função de professor de mediar os conhecimentos historicamente acumulados, contribuindo para a formação de indivíduos dirigentes. Ressaltamos também que, o programa do MESP busca impedir que os professores manifestem-se politicamente, incidindo, em separar a figura do professor da figura do indivíduo sócio-histórico, o que, a nosso ver, decorre em um despautério, pois, o indivíduo é a totalidade das relações sociais e históricas as quais ele se insere dialeticamente e não uma soma de partes da quais podemos fracionar: o cidadão pela manhã, o cientista à tarde, o companheiro à noite, etc.

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A neutralidade exigida pelo MESP recupera os preceitos positivistas de Augusto Comte e sua religião universal, transformando o conhecimento em algo estático que não se movimenta no decurso da história e que, da mesma forma, não permite sua intervenção, sua politização ou seu juízo de valor. Para nós, o equívoco da neutralidade pode ocasionar um modelo de sociedade promotora da universalização e naturalização de apenas uma concepção de mundo, como a exclusiva. Acreditamos, entretanto, que é exatamente essa a intenção do MESP com seu programa, impor a escola e a sociedade a partir da ideologia da neutralidade um pensamento único. Não obstante, o programa considera que os valores morais e religiosos dos núcleos familiares sejam automaticamente e acriticamente transferidos aos alunos, sem a devida participação da escola. Partindo do pressuposto de que tais valores são invioláveis, a escola fica impossibilitada de colocar em diálogo, a serviço da humanidade, o caráter histórico de tais valores. Do mesmo modo, com essa concepção, o programa do MESP acabaria por permitir que, valores que primam pela eliminação do outro, isto é, racismo, xenofobia, homofobia, sexismo, e as demais formas de preconceito fossem institucionalizados promovendo a escola da barbárie. A partir destas observações, pudemos afirmar que o fenômeno do MESP contribui demasiadamente para o recrudescimento das políticas neoliberais nesta segunda década do século XX, ao impedir a devida crítica ao modo de produção capitalista, bem como, a sua naturalização e universalização como único caminho para a humanidade. Na educação, o MESP propulsiona a Teoria do Capital Humano e com essa as teses de meritocracia e competitividade que partem do absurdo de negar as desigualdades sociais no mundo todo, a concentração de riquezas, quando muito, descontextualizando esses fenômenos da sociedade que os produziu e individualizando/responsabilizando os indivíduos singulares por questões que derivam do conjunto das relações humanas em suas determinações históricas. Nossas análises também primaram por compreender as consequências do MESP ao trabalho do professor. Neste ponto, indicamos que em seu trabalho, o professor tem passado pelo mesmo processo de precarização que hoje degrada todos os trabalhadores em geral. Foi necessário compreender que seu trabalho contribui para a valorização do capital e que, por isso, encontra-se subsumido à forma emprego na condição de precarizado. Portanto, sua emancipação dessa condição perpassa por seu posicionamento de classe e na práxis coletiva, que envolva toda a classe trabalhadora.

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Ao nos debruçarmos sobre aspectos da relação entre Estado e religião no Brasil conseguimos estabelecer um cenário de permanências da intromissão da Igreja Católica na educação estampada na disciplina de ensino religioso. Da mesma forma, da genealogia dessa relação foi possível estabelecer o surgimento das frentes parlamentares católicas e da FPE. Nosso argumento é que a reação de determinadas frações da Igreja Católica ao Projeto Escola Sem Homofobia conseguiu aglutinar setores evangélicos tornando à pauta da “ideologia de gênero” uma pauta comum à ambos que passaram a se expressar a partir dos projetos de lei que versam sobre o programa do MESP. Portanto, as premissas do MESP partem de uma concepção cristã de mundo e buscam institucionalizar e universalizar tais concepções como verdades absolutas. A respeito da expressão “ideologia de gênero”, compreendemos com nossas pesquisas que existe um vasto campo de estudos sobre gênero que, em sua maioria, entendem o gênero, sexo e sexualidade como construções históricas, assim, a concepção propalada pelo cristianismo sobre família e gênero, já questionada por Engels no século XIX, passa a ser concebida como ideológica ou como um discurso. Assim, para nós é uma ideologia a “ideologia de gênero” que, tenta conformar a humanidade em torno de interesses classistas, da naturalização do modo de produção capitalista e interesses morais que versam sobre o controle da liberdade do corpo, especificamente, do controle do corpo da mulher, que deverá servir apenas à reprodução, ao trabalho subsumido na forma emprego e a manutenção do lar, proporcionando nos três pontos a valorização do capital. Da mesma forma, os considerados “desvios” da naturalidade sexual, isto é, os direitos das comunidades LGBTTQI de usufruírem da liberdade de seu próprio corpo, expressam-se no MESP como “ideologia de gênero”. Concebida pela e para a conservação da ordem burguesa de dominação atrelada à moral cristã. Neste ponto atentamos para a importância de compreender a questão da emancipação além da emancipação política, baseada nos direitos ao sufrágio universal e ao consumo, para uma emancipação humana baseada num radical projeto de sociedade em que possamos verdadeiramente compreender a expressão de Rosa Luxemburgo “socialmente iguais, humanamente diferentes e totalmente livres” (FUNDAÇÃO ROSA LUXEMBURGO, s.d., n.p.). Não menos importante foi compreender a historicidade da assertiva que os professores são, em sua maioria, “doutrinadores marxistas”. Aqui, buscamos construir um quadro histórico comparativo ressaltando o fenômeno do antimarxismo e anticomunismo como

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mecanismos de neutralizar e aniquilar os movimentos de contestação do capital e da burguesia dominante. Fora dessa forma que regimes como o fascismo, o nazismo, bem como o puritanismo norte-americano - em suas organizações como o macarthismo ou a Ku Klux Klan, por exemplo -, se expressaram, ao longo do século XXI, contra a classe trabalhadora, este último promovendo a perseguição, a segregação e a difusão do preconceito seguido de expropriação de bens, prisões arbitrárias de professores, bem como o massacre da população negra; o segundo e terceiro pela barbárie e o genocídio que deixaram milhões de mortos. Os pontos observados contribuíram para fundamentar uma crítica ao MESP e seu programa que se apresenta como de escola, mas que, em essência, configuraram-se ao longo dos últimos anos como um projeto de sociedade. Acreditamos que o desvelamento de suas contradições pode nos dar subsídios para compreender suas reais estratégias de atuação, para, dispostos destas, atuarmos na disputa contra qualquer projeto que tente eliminar o potencial da educação na luta de classes. Portanto, para essa disputa, de caráter mais amplo, importou-nos interrogar qual a função dos intelectuais em tempos de escola sem partido? A resposta que propormos a essa questão indica que é indispensável aos professores, enquanto intelectuais orgânicos comprometidos com um projeto emancipatório de sociedade, atuarem coletivamente junto a todos os trabalhadores na organização de vontades coletivas progressistas que emergem das lutas cotidianas. Tal organização, para Gramsci (1999), o moderno príncipe, isto é, o partido revolucionário no sentido amplo do termo, deve disputar a hegemonia na sociedade civil com um programa próprio. Esse partido deve contribuir para, superando o senso comum, formar uma vontade coletiva nacional-popular disposta como um radical projeto para uma nova sociedade ético-política. Esta é a tarefa que urge a todos os que compreendem no MESP um modelo atrasado, antiquado, preconceituoso, e desumanizador de escola, formação humana e de sociedade. Engels (2015), ao debater as bases do pensamento socialista no confronto intelectual com o então professor da Universidade de Berlim, Eugen Dühring, propôs a questão de que as contradições da sociedade capitalistas avançam historicamente de tal modo que a transformação radical dessa sociedade para outra se torna uma emergência se não quisermos assistir toda a sociedade moderna perecer. Em síntese, longe de explicitar um determinismo histórico ou uma teleologia, nossos estudos apontam para uma intensificação da luta de classes no mundo todo como

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consequência das dinâmicas acentuadas pela crise estrutural do capital. A particularidade brasileira reforça a mediação de uma crise orgânica combinada às características histórica de uma burguesia vinculada às velhas tradições. Neste sentido, o MESP é parte de uma disputa maior por hegemonia, e por isso, deve ser combatido em todos os planos: sociedade civil e sociedade política, mas não apenas ele. É preciso combater a materialidade que o criou, seus sujeitos reais e históricos. O risco, como nos apresentou Engels (2015), é de no limite, vermos perecer todas as conquistas das quais a classe trabalhadora empreendeu uma enorme luta o que, para nós, representa a barbárie. A barbárie de uma escola sem educação, sem formação humana, condicionada à precarização do trabalho, ao autoritarismo e a negligência com as condições humanas. E ainda pior, o caminho percorrido por projetos como o que se vê estampado no programa do MESP vai ao encontro da barbárie da eliminação do outro, da concentração da riqueza, da indiferença com milhões de indivíduos vivendo como refugiados em tendas, do desprezo ao exponencial crescimento de imensas massas de miseráveis no mundo todo. A tudo isso, importa à classe trabalhadora lutar pela sua emancipação, tal como observou Marx (2010), emancipação humana, aquela em que os indivíduos possam assumir o controle de sua própria história e possam recuperar suas forças próprias como forças sociais.

APONTAMENTOS

Feitas estas considerações apontamos para a possibilidade de outros estudos sobre o fenômeno que possam absorver e desenvolver questões as quais não foram possíveis de abordar com a primazia necessária aqui. Por exemplo, Saviani (2017) compreende a importância de um Sistema Nacional de Educação que se concentre na intencionalidade geral da educação articulada a totalidade concreta das relações sociais, sendo dessa forma, uma educação coerente com suas finalidades na sociedade a qual está inserida. Neste sentido, cabe a questão se, a existência de um Sistema Nacional de Educação, pensado a partir destes moldes, poderia contribuir para impedir que programas como do MESP adquirissem demasiada força no âmbito educacional? Haja vista que, em sendo um “sistema nacional” as centenas de projetos de lei espalhados por estados e municípios que versam sobre o MESP não existiriam sem antes haver um debate nacional.

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Outro ponto que poderia ser abordado diz respeito à necessária crítica ao MESP realizada à luz de uma educação emancipadora, ou seja, num contexto em que o MESP emerge como uma força política seria possível pensarmos uma educação para além dessa formação desumanizadora preconizada pelo MESP? Os exemplos que temos nos levam a pensar na escola unitária tal como compreendida por Gramsci (2004), bem como, nas experiências de uma década da escola do trabalho advinda da Revolução Russa em 1917, experiências estas que autores como Pistrak (2018; 2000), Krupskaya (2017) e Shulgin (2013) nos deixaram registradas e que podem contribuir para a construção de um projeto de educação revolucionária e emancipadora. Doravante, todas as seções do terceiro capítulo mereciam um estudo mais aprofundado. Primeiro, a precarização do trabalho do professor, como sinteticamente apresentado, extrapola a questão do MESP e está intimamente relacionada à precarização de todos os trabalhadores do mundo. Na educação, em particular, a burguesia dominante tem percebido há algum tempo sua especificidade em formar “capital humano”, mas também, em lucrar transformado o conhecimento em mercadoria, isto é, em cursos apostilados que dispensam a figura do professor, no homescholling que descaracteriza sua função, na educação a distância que transforma o professor num tutor online, entre outras transformações advindas da necessidade do capital em acumular mais-valor. O MESP, neste cenário, acrescentaria a trágica fórmula acima descrita, a perseguição e a censura àqueles que não seguissem rigorosamente e acriticamente as demandas previamente explicitadas. Por conseguinte, os aspectos que envolvem religião e educação no Brasil envolvem uma série de pormenores, por exemplo, seria interessante estabelecer uma relação entre os conteúdos estabelecidos para o ensino religioso com as concepções de mundo estampadas no MESP, seria, dessa forma, o MESP a tentativa de absolutizar o conhecimento sob o monopólio dessas frações fundamentalistas da Igreja Católica e das evangélicas? Quais os riscos desse monopólio para a construção de uma sociedade teocrática e a consequente eliminação de todos aqueles que não se enquadram a este modelo de religião? Não obstante, caberia ainda uma análise pormenorizada a respeito das questões de gênero, raça e classe no que diz respeito ao MESP. Em Davis (2016) a categoria de interseccionalidade poderia corroborar a uma análise concreta das ameaças do MESP para o conjunto das lutas sociais partindo de uma crítica radical, que não compreende a primazia de uma categoria sobre as outras, mas, que as compreende em conjunto, na totalidade das

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relações sociais historicamente determinadas, em que, a luta de uma é a luta de outra e a luta de outra é a luta de uma. Desse modo, a emancipação humana deverá representar a emancipação do gênero humano em todas as suas dimensões. Por fim, a chamada “doutrinação marxista” ou o “marxismo cultura” possui múltiplas dimensões de análise. A princípio, pode se aprofundar demasiadamente as relações que o MESP possibilita com a categoria fascismo. Tanto em seus discursos, como em sua prática estabelecida. Assim, podemos questionar em que medida o fascismo adquiriu novos contornos em face de uma sociedade neoliberal com frações de uma burguesia fundamentalistas? Adorno (1995) nos colocou diante do dilema a respeito de como deveria se configurar a educação após Auschwitz, isto é, independentemente de qualquer teoria pedagógica a educação teria como fundamento impedir a barbárie que o holocausto representou. No contexto do MESP, questionamos: Como deveria ser a educação de um país que passou por quatro séculos de escravidão negra? Como deveria ser a educação do país que mais mata homossexuais no mundo? Como deveria ser a educação de um país em que, a cada onze minutos uma mulher é violentada134? Em suma, como deveria ser a educação de um país que elege como Presidente da República alguém que construiu sua carreira política fazendo apologia ao racismo, à homofobia, ao estupro e a tortura?

134 Disponível em: . Acesso em 21 jan. 2019. 177

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199

ANEXO A

CARTAZ DO PROGRAMA ESCOLA SEM PARTIDO: "DEVERES" DO PROFESSOR

200

ANEXO B

TERMO DE COMPROMISSO PÚBLICO COM O MESP DOS CANDIDATOS AO LEGISLATIVO E EXECUTIVO NAS ELEIÇÕES DE 2018

COMPROMISSO POLÍTICO PÚBLICO - ELEIÇÕES 2018

Eu, ______, como candidato(a) do Nome do partido ao cargo de Deputado Federal pelo Estado ______, assumo publicamente o compromisso de, sendo eleito(a), apoiar com meu voto projeto de lei contra o uso das escolas e universidades para fins de propaganda ideológica, política e partidária, nos moldes da proposta elaborada pelo Movimento Escola sem Partido.

Local, cidade, dia, de mês de 2018.

______

Colocar o nome do candidato aqui e assinar acima

201