1 De “Xica Da Silva” a “Funcionário Da Cozinha Do RU”: Manifestações Discursivas De Sexismo E Racismo Nas Universidad

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1 De “Xica Da Silva” a “Funcionário Da Cozinha Do RU”: Manifestações Discursivas De Sexismo E Racismo Nas Universidad De “Xica da Silva” a “Funcionário da Cozinha do RU”: Manifestações Discursivas de Sexismo e Racismo nas Universidades Brasileiras Autoria: Juliana Cristina Teixeira, Marco César Ribeiro Nascimento, Alexandre de Pádua Carrieri Resumo: O objetivo deste artigo é analisar como os discursos, enquanto veículos de ideologias, podem ser construtores e reprodutores de ideologias sexistas e racistas relacionadas ao contexto das universidades brasileiras. Em uma abordagem de pesquisa qualitativa, analisamos discursos escritos e imagéticos vinculados a casos ocorridos em universidades que foram explicitamente relacionados ao sexismo e ao racismo. Observamos que os casos estão associados a práticas hostis que se valem de relações de poder e que acionam ideologias e discursos clara e marcadamente sexistas e racistas, que visam construir relações de pertencimentos e não pertencimentos simbólicos em relação ao lugar da universidade. 1 Introdução A sociedade brasileira vive um momento de enfrentamento, por meio de políticas públicas e também da própria opinião pública, de dinâmicas históricas e culturalmente arraigadas, como o combate ao preconceito, à discriminação e às desigualdades em relação a grupos sociais que, embora nem sempre sejam minoria em termos quantitativos, são assim designados politicamente para se referir a grupos que são minoria em relação à conquista de direitos e possibilidades de acesso a determinados espaços, condições e instituições sociais. Essas minorias podem ser designadas por vários grupos sociais, como as mulheres, os negros, os homossexuais e os pobres, além de várias outras. Esses quatro grupos reúnem dimensões que se entrecruzam: gênero, raça, sexualidade e classe social. Em relação especificamente a este artigo, abordaremos manifestações discursivas que constroem e reproduzem como minoria para o espaço social da universidade as mulheres e os negros, pois estaremos falando de manifestações sexistas e racistas relacionadas ao contexto das universidades brasileiras. Ainda, estaremos falando das dimensões de gênero e de raça enquanto construções discursivas de uma sociedade ainda desigualmente construída. Falamos em manifestações discursivas porque entendemos os discursos como veículos de ideologias (FIORIN, 2005). Os discursos podem ser entendidos como práticas sociais que têm o poder de construir, reproduzir, negar ou combater determinadas ideias e práticas. Eles refletem aspectos importantes da sociedade, mas também podem os refratar, trazendo aspectos que podem desviar o real já que, enquanto textos, falas ou imagens, podem se tornar representações de uma realidade. Consideramos que tais representações são importantes objetos de estudo que podem nos auxiliar a compreender determinadas dinâmicas sociais. Nesse contexto, o objetivo deste artigo é analisar como os discursos, enquanto veículos de ideologias, podem ser construtores e reprodutores de ideologias sexistas e racistas relacionadas ao contexto das universidades brasileiras. Advogamos, nesse objetivo, a importância de se olhar para os discursos como se simbolicamente fossem “as pinturas rupestres” da nossa sociedade contemporânea, pois eles manifestam construções sociais que dizem respeito a um determinado espaço e a um determinado tempo. As universidades brasileiras, espaços dos quais falamos neste artigo, e contexto de produção dos discursos a serem analisados, são espaços constituídos para serem plurais, abarcando as diferenças não só em termos de pluralidade no que diz respeito às suas práticas de ensino, pesquisa e extensão; mas também em relação aos sujeitos que delas farão parte. No entanto, por questões históricas, são espaços que ainda não se constituem efetivamente como acolhedores das diferenças, já que acabam refletindo preconceitos e desigualdades sociais, como as relacionadas a gênero e raça. Nossa questão de pesquisa é, então: de que maneiras os discursos produzidos nesses espaços ou a eles relacionados reproduzem o sexismo e o racismo presentes em nossa sociedade? Propomos ainda uma reflexão a respeito da relação entre a existência de discursos sexistas e racistas e a importância da manutenção de políticas públicas que visem ao enfrentamento dessas questões, como é o caso das cotas raciais, objeto cuja discussão se tornou importante de maneira vinculada à questão de pesquisa central deste artigo porque estava presente como tema nos discursos que analisamos. A importância deste estudo reside também em afirmar a existência desses dois aspectos sociais quando ainda se observa a existência de discursos que negam o racismo e o sexismo na sociedade brasileira (vide o discurso de democracia racial ainda invocado em nossa sociedade), e que alegam o “coitadismo” ou a vitimização aos grupos sociais que se constroem enquanto minoria e que aceitam, por exemplo, as cotas para as universidades. 2 O artigo está dividido nas seguintes seções: após esta Introdução, apresentamos um breve contexto das universidades brasileiras; discussões sobre o sexismo e o racismo como referencial teórico; o percurso metodológico da pesquisa; a análise e discussão dos resultados; as considerações finais e as referências bibliográficas. As universidades públicas brasileiras e os programas de ampliação do acesso à educação superior As universidades são “instituições pluridisciplinares de formação dos quadros profissionais de nível superior, de pesquisa, de extensão e de domínio e cultivo do saber humano” (BRASIL, 1996, art. 52). O tripé ensino, pesquisa e extensão é o que as define, podendo ter cursos de graduação e pós-graduação. Essas universidades podem ainda ser públicas ou privadas. No caso específico deste artigo, falamos das universidades públicas, as quais são criadas e mantidas pelo Poder Público, ao contrário das universidades privadas que, como sugere o próprio termo, são criadas e mantidas pelo setor privado (BRASIL, 2001). Concebidas como um espaço plural, as universidades possuem um papel importante “na inclusão, promoção da participação e da independência das pessoas com necessidades educacionais especiais e dos demais grupos minoritários” (SARAIVA; NUNES, 2011, p. 942). No entanto, a dificuldade de acesso à mesma ainda é uma realidade para determinados grupos constituídos como minoria (SARAIVA; NUNES, 2011). Essas exclusões, reais e também simbólicas, ocorrem de maneira diferenciada se considerarmos o grupo social do qual falamos, a região na qual se localiza a universidade, os cursos e áreas de ensino aos quais nos referimos. Mas grupos sociais como pobres e negros ainda sofrem bastante dificuldade de inserção. Quando inseridos nessas universidades, esses grupos ainda podem sofrer dificuldades tanto no que se refere à adaptação aos cursos e à dificuldade de conciliação cotidiana com a necessidade, por exemplo, de trabalhar; como também em relação ao enfrentamento de manifestações de preconceitos e discriminações. Nesse contexto, as políticas de inserção nas universidades e de cotas, cujos debates já se iniciaram no país na década de 90 (SARAIVA; NUNES, 2011), tiveram sua execução intensificada nos últimos anos e sua importância tanto defendida quanto contestada. Os autores deste artigo se posicionam favoravelmente a essas políticas que, diante de um cenário de desigualdade que não pode ser revertido em um curto prazo, podem trazer benefícios importantes para a inclusão de grupos sociais desprivilegiados. Além do programa ProUni – Programa Universidade para Todos - que foi criado pelo governo federal no ano de 2004 (SARAIVA; NUNES, 2011), e do programa FIES – Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior - que se destinam à inclusão de grupos economicamente desfavorecidos nas universidades particulares, nos interessa particularmente neste estudo o programa de cotas. O programa de cotas é um programa que reserva vagas nas universidades públicas com base em critérios raciais e sociais (BACELLAR E SILVA; SILVA, 2012). No Brasil, os primeiros programas de cotas foram criados a partir de 2003, tendo atualmente a aderência de diversas universidades. No ano de 2012, o Supremo Tribunal Federal decidiu a constitucionalidade das cotas raciais (BLACK WOMEN OF BRAZIL, 2012). Dentre argumentos utilizados pelos que se posicionam contrariamente ao programa estão: a defesa de investimentos em uma educação básica de qualidade, que eliminaria a necessidade das cotas; a acusação de um assistencialismo que não resolveria a exclusão social; a acusação de uma discriminação “às avessas”; a defesa de que as cotas degradarão a qualidade das universidades; e a defesa da meritocracia (BACELLAR E SILVA; SILVA, 2012; BITTAR; ALMEIDA, 2006; FIGUEIREDO; GROSFOGUEL, 2009). 3 Dentre argumentos favoráveis ao programa, estão os que criticam o próprio conceito de mérito, afirmando que ele não é um conceito isento de subjetividade e de influências de aspectos sociais e que, portanto, não há mérito puro; os que defendem o programa como sendo a reparação de desigualdades históricas; e os que vêem nas contestações ao programa resquícios de paternalismo e de reação diante de uma ameaça à posição de grupos dominantes (BACELLAR E SILVA; SILVA, 2012; BITTAR; ALMEIDA, 2006). Comentando a crítica contrária às cotas que invoca o discurso de que o investimento em educação básica eliminaria a necessidade de cotas, concordamos que a necessidade de investimentos nesse nível básico é inegável, e que a existência de uma educação básica de qualidade não garantiria, mas poderia reduzir em algum grau as dificuldades de inserção de negros e grupos de baixa renda nas universidades. No entanto, frisamos
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