Querida Heloisa / Dear Heloisa
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Querida Heloisa / Dear Heloisa: cartas de campo para Heloisa Alberto Torres Mariza Corrêa e Januária Mello (orgs.) Núcleo de Estudos de Gênero - PAGU Série Pesquisa Unicamp 2008 1 SUMÁRIO Prefácio (Mariza Corrêa)...................................................................................... 2 Apresentação (Mariza Corrêa).............................................................................. 8 1. Cartas do campo: Buell Quain (Mariza Corrêa)....................................... 26 2. Cartas do campo: Charles Wagley (Mariza Corrêa)..............................122 3. Cartas do campo: Eduardo Galvão (Januária Mello)..............................319 Apêndice (Mariza Corrêa e Januária Mello)...........................................428 Capa, seleção e edição das fotos (Januária Mello) 2 PREFÁCIO Num papel solto, com timbre do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, encontrado entre os documentos de Heloisa Alberto Torres na Casa de Cultura que leva seu nome em Itaboraí, Niterói, com data de 15 de dezembro de 1939, consta o seguinte versinho: Consulta a D. Heloisa Os processos são maçantes, Minh’alma já está cansada. Vamos ambos fugir antes Que a noite seja tombada? A assinatura é de Manuel Bandeira, que acrescenta ao nome, seu amigo e admirador . Amigos e admiradores do porte de Bandeira e de Carlos Drummond de Andrade, que lhe dedicou mais de uma crônica, Heloisa teve muitos; teve também detratores e inimigos. Aqui, no entanto, não se trata de fazer uma notícia biográfica da diretora do Museu Nacional, já esboçada em vários outros textos, citados ao longo do trabalho, mas sim de tentar entender porque suas cartas, em número tão reduzido, louvadas em prosa – acho que não em verso – tiveram tão grande repercussão no início da institucionalização da antropologia no país. Seu papel como administradora de uma das principais instituições de pesquisa na época, é claro, não pode ser menosprezado. Mas o que emerge dessas cartas de campo enviadas a ela, e economicamente respondidas, é um trabalho cotidiano que os historiadores da ciência costumam chamar de ‘construção da ciência normal’, isto é, todos aqueles detalhes trabalhosos que fazem a diferença entre fazer e não fazer pesquisa. Não sabemos como sua relação com os Estados Unidos, em plena época da Política de Boa Vizinhança – que Wagley chamava de ‘política da boa amizade’ numa 3 carta- teve início, mas temos uma pequena pista numa carta de Gilberto Freyre, outro que se define como seu admirador, a ela em 1938, ano no qual, justamente, parece ter início seu intercâmbio com atores e agências norte- americanas para a ‘implantação’ (ver o dossiê sobre Quain) do estudo da antropologia no país em bases mais ‘científicas’. Gilberto Freyre escreve de Columbia, em 28 de outubro de 1938: “Estou quase de volta. Foi um mês intenso, este, em New York. Ontem foi a última reunião do seminário na Universidade. Foram extremamente amáveis comigo e levo boas recordações. Mas o que quero lhe dizer – sempre em reserva – é que tive várias conferências com os diretores das fundações Guggenheim, Rockefeller e o Duggan [?] da Carnegie e conferências [...], promovidas por eles, em almoços e jantares, pois como sabe, sou bem pouco saliente – e que pelas conversas parece que vamos ter uma fase nova nos nossos estudos e pesquisas aí no Brasil – principalmente as orientadas pelo Museu Nacional. Disse a eles, e repeti, que se havia uma coisa séria no Brasil, uma instituição de cultura com uma tradição de trabalho sério, constante, era o Museu – o seu Museu. [...] Ficou esboçado um plano e um começo de convenção com pesquisas orientadas pelo Museu e outros recomendados por pessoas da confiança deles. Será uma grande coisa para o Brasil. Guarde segredo. Lembranças à sua mãe, a Marieta, Roquette e [...] E um abraço do Gilberto F.” Numa carta anterior, de 19 de outubro, Gilberto Freyre dera notícias de Boas que, “com mais de 80 anos está ainda bem e com toda a vivacidade intelectual. Falou com muito carinho do Casagrande . Bondade de mestre com antigo discípulo.” “Eu falei a ele do seu trabalho, no centro de estudos sério que é o Museu. Ele acha que devemos ter ali um departamento de estudo das nossas línguas indígenas. E tem razão.” 4 Mencionando que Boas, ao saber de seu encontro com o pessoal das fundações, lhe recomendara que não esquecesse da antropologia, e das oportunidades de estudo no Brasil, repetia, “ Guarde o segredo ”. 1 Desde então, Boas, ou Ruth Benedict (“a dona Heloisa de Columbia”, dizia Freyre), se dirigiam a ela para que ajudasse os estudantes que vinham de Columbia fazer pesquisa no Brasil. É a história dessa ajuda que essas cartas contam, parcialmente. Algumas discrepâncias, ou dissensos, aparecem no Apêndice, mostrando que nem todos estavam de acordo com a visão de Gilberto Freyre. Algumas das cartas aqui incluídas, e as do apêndice, não deveriam, rigorosamente, estar nesta coleção, mas acreditamos que elas ajudam a esclarecer certos passos citados nas cartas. No entanto, se levássemos esse procedimento às últimas conseqüências, teríamos de incluir as cartas de Ruth Landes e as de Carl Whiters e de James e Virginia Watson para Heloisa – além das trocadas entre Wagley e Thales de Azevedo, as de Donald Pierson que dizem respeito às políticas de pesquisa no Brasil, e etc. Esperamos que as redes de pesquisadores e as redes políticas, fiquem um pouco mais claras com os exemplos aqui registrados. É imperdoável que, historiadores da nossa disciplina, sejamos tão displicentes a respeito das datas de nossas próprias pesquisas: a pesquisa original, da qual esta derivou, já publicada 2, teve início em 1987, e a procura e encontro das cartas entre a diretora do Museu e outros antropólogos foi se desenvolvendo paralelamente a ela, quando eu pesquisava a trajetória de Heloisa Alberto Torres. Como todos os entrevistados mencionavam as cartas de Heloisa, elas passaram a ser um mistério central na pesquisa. Há algumas no Museu Nacional, mas essas estão mais relacionadas às atividades administrativas e à última pesquisa levada a efeito pelo Museu, ainda na gestão de Dona Heloisa, em colaboração com um pesquisador americano, Carl Withers, em Arraial do Cabo – pesquisa que por si só mereceria um estudo. Por 1 Carta de Gilberto Freyre, manuscrita, a Heloisa Alberto Torres, Casa de Cultura Heloisa Alberto Torres em Itaboraí, pasta Gilberto Freyre. 2 M.Corrêa, Antropólogas & Antropologia . Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2003. 5 volta de 1996, a procura se tornou mais sistemática, quando Ingrid Weber, cuja sensibilidade com o material também merece registro, passou a pesquisar na Casa de Cultura Heloisa Alberto Torres (CCHAT), depois de um levantamento preliminar que fiz lá e percebi que uma boa parte das cartas a respeito da pesquisa de campo lá estavam. Em 1999, Januária Mello a substituiu e se tornou uma parceira integral do trabalho desde então. As cartas que editamos aqui foram todas traduzidas por mim, quando em inglês; os procedimentos seguidos por nós estão mais detalhados nos três dossiês nos quais agrupamos as cartas, por as julgarmos as mais interessantes para a discussão dos inícios do trabalho de campo em etnologia no Brasil: as cartas de Buell Quain, as de Charles Wagley, e as de Eduardo Galvão – juntamente com as poucas cartas, ou cópias delas, de Heloisa. Lá também se explicita a origem de algumas cartas e fotos que não vieram da CCHAT, mas de doações privadas, como as feitas por Clara Galvão ou Donald Pierson, ou copiadas no exterior, por exemplo, por Érika Figueiredo e Bernardo Carvalho, a quem também agradecemos aqui. Januária, além de ter feito um belo trabalho de limpeza e organização da correspondência e do material iconográfico existente na Casa de Cultura Heloisa Alberto Torres, digitou e editou o dossiê Eduardo Galvão, fez, junto comigo, a revisão dos originais, e tentou preencher as lacunas que encontramos ao longo da pesquisa, tanto no que se refere às menções a personagens pouco conhecidos, quanto no que diz respeito às deambulações de nossos personagens principais. 3 Nem sempre conseguimos, e isto está assinalado nas notas que acompanham o trabalho. Januária foi responsável também por todo o registro fotográfico da pesquisa. Temos a agradecer o apoio que recebemos, ao longo desses anos, do Conselho Nacional de Pesquisa Científica, CNPq, em forma de bolsas e 3 Quando Januária iniciou o trabalho, já não mais foram encontradas duas belas fotos que vi quando de minha visita: uma de Heloisa sorridente carregando uma tora sobre o ombro, numa alusão às corridas de toras indígenas, e outra de uma fileira de homens sérios, entre os quais Heloisa era a única mulher, numa reunião em Paris, em 1949, descrita a seguir na apresentação. 6 auxílios, à FAPESP que apoiou essa pesquisa quando ela começou, ao Fundo de Auxílio à Pesquisa e Extensão da Unicamp (FAEPEX), e ao Pagu/Núcleo de Estudos de Gênero da Unicamp. Sem a contribuição dessas agências, esta pesquisa não teria sido viável; sem a contribuição do Pagu, não teríamos tido o apoio institucional que permitiu o desenvolvimento e a finalização do trabalho. Agradecemos esse apoio e a simpatia de todos os pesquisadores e funcionários do Pagu para com a pesquisa – a Jadison Freitas, especialmente, por ter posto seus talentos no tratamento de imagens à nossa disposição. Cabe, também, agradecer ao historiador César Augusto Ornellas Ramos, então Diretor do Patrimônio Histórico e Artístico da Secretaria Municipal de Educação e Cultura de Itaboraí, responsável pela Casa, em convênio com o IPHAN, que facilitou nossa pesquisa,