Pequenas cidades e diversidades culturais no interior do Estado do : o caso das microterritorializações homoeróticas de Santa Maria, Bagé, , Uruguaiana e

Small Towns and Cultural Diversity in the Inland of Rio Grande do Sul State: the case of the homoerotic micro­territorialization in Santa Maria, Bagé, Alegrete, Uruguaiada and Itaqui

Benhur Pinós Pinós da Costa Universidade Federal de Santa Maria [email protected]

Resumo Abstract

Os estudos sobre as espacializações das diversidades The diversity and sexual spacializations studies are sexuais são produzidos enfocando principalmente as focused mainly on large cities. Due to the small extent grandes cidades. Em virtude da pouca expressão de in the formation of a flexible market linked to desires formação de um mercado flexível vinculado aos and sexualities, and the idea of rigidity of local desejos, as sexualidades e a ideia da maior rigidez de societies, it is trought that homosexuality is uma sociedade local, pensa­se que as experienced with extreme difficulty, discrimination homossexualidades são vividas com extrema and prejudice in small towns. In this study we reveal dificuldade, discriminação e preconceito em cidades an empirical research on the routine of subjects who pequenas. Neste estudo revelamos uma experiência de are sexually oriented to the same sex, in small towns pesquisa empírica quanto aos cotidianos de sujeitos in Rio Grande do Sul State, . In it we orientados sexualmente para o mesmo sexo em cidades demonstrate the drama of living a sexuality considered pequenas do interior do Estado do Rio Grande do Sul, as deviant in these contexts, but we also reveal the rich Brasil. Nele demonstraremos os dramas de se viver tactics conceived with creativity and ingenuity by uma sexualidade tida, ainda, como desviantes nesses these individuals, to fully live their affectivity and contextos espaciais, mas também revelaremos ricas their homoerotic desires. On the other hand, we are táticas produzidas por tais sujeitos, com criatividade e also going to show some interesting cases of political esperteza, para se viver plenamente a afetividade e o struggle for cultural and sexual recognition, that are desejo homoerótico. Por outro lado, também very original and consistent in view of the non­ evidenciaremos casos interessantes de lutas políticas permissive environment which prevails in such para reconhecimento das diversidades culturais e regional contexts. In this paper, we will explore the sexuais, muito originais e consistentes em virtude dos researches performed in the cities of Santa Maria, contextos pouco permissivos em tais condições Bagé, Alegrete, Uruguaiana and Itaqui, RS, Brazil. regionais. Neste texto exploraremos a pesquisas estabelecidas nas cidades de Santa Maria, Bagé, Keywords: homosexuality; homoerotism; space; small Alegrete, Uruguaiana e Itaqui, RS­Brasil. city; recognition.

Palavras­chave: homoerotismo; espaço; pequena cidade; reconhecimento.

Revista Latino-americana de Geografia e Gênero, Ponta Grossa, v. 3, n. 2, p. 125-137, ago. / dez. 2012. Pequenas cidades e diversidades culturais no interior do Estado do Rio Grande do Sul: o caso das microterritorializações homoeróticas de Santa Maria, Bagé, Alegrete, Uruguaiana e Itaqui

No texto anterior a este, publicado no volume diferentes territórios homoafetivos de diferentes anterior desta revista, desenvolvíamos as discussões escalas: como os lugares de discussão do grupo dos resultados encontrados na pesquisa recém­doutor, Igualdade Santa Maria­RS, principalmente a Casa 13 edital ARD 2010 FAPERGS, desenvolvida na de Maio e a Casa de Cultura, na cidade de Santa Universidade Federal de Santa Maria, de mesmo nome Maria; os lugares efêmeros das festas LGBTT´s em desta publicação, mas enfatizando a análise em duas Santa Maria, em Rosário do Sul e em Cruz Alta­RS; as cidades do interior do Rio Grande do Sul: Santo Paradas Gays (ou da Diversidade) em Santa Maria e Ângelo e Cruz Alta, no noroeste deste Estado Cruz Alta; a vivência efetiva em determinados lugares brasileiro. Assim, salientamos uma discussão sobre as de encontros amigáveis e de busca sexual homoerótica metodologias e as justificativas que norteavam a (ou deriva, ver Perlongher, 1987 e Costa, 2002 e pesquisa. Dentre elas, discutimos a ideia inicial que 2008), como a praça , a chamada convergiu para o desenvolvimento de histórias orais rua ‘24 horas’ e a boate Barcelona; e os relatos das (MEHY, 1991) com sujeitos orientados sexualmente situações espaciais das vivências das sexualidades dos para o mesmo sexo destas cidades. No entanto, além grupos entrevistados em cidades além de Santa Maria. dos procedimentos pensados, constituímos uma ampla Não podemos deixar de salientar a importância dos etnografia (ANGROSINO, 2009), que se revelou pela espaços virtuais e redes sociais (mídias eletrônicas) presença observante e participativa nas atividades da que se tornavam momentos espaço­tempo importantes ONG Igualdade Santa Maria­RS e um conjunto de para criar uma visão singular (pois a visão é do sucessivos trabalhos de campo para composição de pesquisador e é dada pela experiência) das práticas entrevistas não­diretivas (roteiro semi­estruturado e culturais e sexuais homoeróticas da cidade de Santa aberto às discussões informais e imprevisíveis) Maria­RS (assim como de outras cidades), o trabalho produzidas (gravadas) junto a grupos de tais sujeitos etnográfico de contato informal com sujeitos nas cidades comentadas. orientados para o mesmo sexo que nos adensaram de As definições do caráter metodológico se conhecimentos sobre um universo invisível nas construíram no decorrer do processo de pesquisa em cidades pequenas do interior do Estado do Rio Grande virtude dos limites e possibilidades encontrados pelo do Sul. Assim, então, desenvolvemos nossa pesquisador, principalmente em decorrência ao ‘etnogeografia’ (BONNEMAISON, 2003) trabalho etnográfico no decorrer do ano de homoerótica nesta pesquisa. desenvolvimento da pesquisa e em período anterior a Enquanto, naquele texto, desenvolvemos os ela, principalmente devido a sua chegada à cidade de caminhos que nos levaram a entrar em contatos com Santa Maria em 2009 e contado com a ONG Igualdade certos sujeitos e certos lugares focais, assim como os e a líder LGBTT Marquita Quevedo. O caráter ‘ponta pé’ inicial de todo o processo, que se etnográfico fundamenta­se em dois aspectos: uma caracterizou pela relação imediata com duas cidades construção ampla que se desenvolveu em diferentes do noroeste do Estado do Rio Grande do Sul, este se estratégias de contato com o grupo cultural estudado, concentra em um segundo momento da pesquisa que principalmente pelo acompanhamento nas atividades foca o contato com sujeitos orientados para o mesmo da ONG Igualdade; contato com outros sujeitos sexo da zona sul do Estado, mais especificamente orientados para o mesmo sexo de outras cidades do relacionados à chamada ‘campanha Gaúcha’. Nele interior do RS; assim como o uso de redes sociais de podemos perceber realidades diferenciadas das internet e trabalhos de campo para conhecer a cidades do noroeste do Estado, mais dinâmicas realidade de vivência das homossexualidades em economicamente e mais vinculadas a outros tipo de outras cidades além de Santa Maria. Foi fundamental, relação cultural que se caracteriza por gerações mais neste processo, os debates com os grupos atuais dos migrantes alemães e italianos das áreas mais (experiências de conversas informais originas dos tradicionais de colonização da encosta do planalto trabalhos de campo ou idas a determinadas cidades) meridional. O dinamismo econômico das cidades de para perceber mais a fundo os fundamentos cotidianos Santo Ângelo e Cruz Alta movimenta melhor o de suas vidas vinculadas as singularidades de suas mercado de consumo juvenil (diferentes sexualidades. singularidades e identificações juvenis em geral) e Em relação ao caráter metodológico partimos da LGBTT´s (festas esporádicas, por exemplo), porém a ideia que o 'território' se torna fundamental ao proeminência da célula familiar que constituí o núcleo encontro do grupo cultural, assim como na discussão monolítico de organização migrante torna conflituosas de Bonnemaison (2003), pois ele revela e dá as relações de sexualidades divergentes a este modelo visibilidade ao grupo cultural que até então está heteronormativo. Na região das cidades da campanha invisível ao pesquisador. Assim nos revelaram gaúcha, embora se perceba como regrada pelo

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‘machismo gaúcho’, teremos algumas surpresas. Em encontram (entre amigos) para conversarem e se primeiro momento, ao invés de uma formato cultural divertirem. Segundo eles, em tempo passado, muito monolítico pautado na família dos imigrantes europeus próximo, o site disponibilizava três salas, mas (alemães e italianos), a região da zona sul do Estado atualmente somente uma. Muitos chegam a ficar quase do Rio Grande de Sul apresenta uma formação duas horas tentando ‘entrar’ e encontrar uma ‘vaga’ ‘geocultural’ mais hibrida, principalmente pela relação disponível, salientando a forte procura. Duas situações de fronteira com os países platinos, pela formação ocorrem neste espaço virtual: primeiramente querem histórica que converge aspectos das culturas encontrar alguém para se relacionar sexualmente, mas espanholas e portuguesas imbricadas, assim como pela acabam sempre encontrando alguém já conhecido e forte presença dos elementos indígenas e negros, que tido como amigo; por outro lado conseguem sempre se misturam no espaço das estâncias, nas cidades marcar com sujeitos que se consideram heterossexuais (anteriormente charqueadoras) e nos micro­territórios e levam uma vida como tal, mas que, de expressão cultural (como na própria religiosidade esporadicamente, procuram e efetivam alguma relação que agrega o catolicismo, o paganismo indígena e as homoerótica. Nesse site, muitos deles alegam terem religiosidades afro­brasileiras). É, neste sentido, que, a ficado com os mesmos ‘caras’, sendo comum a seguir iremos desenvolver discussões encontradas nas ‘divisão’ dos ‘bofes’, como eles argumentam. Isto ‘etnogeografias’ estabelecidas em Bagé, Alegrete, evidencia um círculo de relações contraditórios Uruguaiana e Itaqui, na fronteira sudoeste do Rio composto por alguns mesmos sujeitos, contraditório Grande do Sul e, para finalizar o trabalho, uma atenção por definir­se relações sexuais/afetivas com sujeitos de à própria cidade de Santa Maria, núcleo sede e identificações muito diferentes quanto às significações produtor dos interesses e relações constituídas pelo sociais dos seus desejos. Círculo de relações pautadas pesquisador. nas contínuas reproduções de aspectos de posições dos sujeitos envolvidos quanto às experiências sexuais. Bagé 2 A significação e o processo de identificação As entrevistas em Bagé foram marcadas a partir da quanto à homossexualidade em Bagé relação e ação de Douglas. Conhecemos Douglas no II Muitos alegaram a identificação desde criança com Encontro Regional LGBT antes da Décima Parada atividades mais ligadas ao universo feminino, Gay de Santa Maria (em agosto de 2010). Neste principalmente com as brincadeiras com bonecas e a evento trocamos contato. Todas as negociações para aversão a atividades mais rudes, como futebol na ida à Bagé foram feitas via Messenger (MSN). escola. Douglas, por exemplo, argumentou a aversão a Douglas conseguiu marcar uma entrevista com um atividades bruscas e atração desde a infância a atores grupo de amigos locais em sua casa no dia 13 de (galãs) de novelas, que aos poucos começou a ser novembro de 2010. Contamos também com a presença significada como comportamentos divergentes ao seu de Marquita Quevedo que se deslocou de Santa Maria sexo. Em sua vida foi o próprio pai que argumentou conosco. No total foram seis participantes da que “homem que gostava de homem era considerado entrevista com as seguintes idades: 17, 19, 19, 20, 22 e ‘puto’”, mas na escola este atributos pejorativos 27, anos. Deles, somente dois faziam faculdade e o (‘puto’, ‘bicha’, ‘mulherzinha’) foram intensificados restante ainda cursavam o ensino médio, sendo que pelos colegas e, aos poucos, se tornou um problema a nenhum deles exercia atividade remunerada de ser superado em sua vida. No ano de 2006 resolveu trabalho. contar sobre a construção de sua identidade para sua Os aspectos principais que conseguimos captar da mãe e isto foi considerado por ele um dos marcos de entrevista sobre as condições cotidianas de vida de sua vida. A mãe acabou aceitando depois de ficar sujeitos orientados sexualmente para o mesmo sexo muito triste e hoje se tornou uma grande amiga dele, em Bagé foram as seguintes: sendo crucial esta relação familiar para sua aceitação para a própria afirmação dele como sujeito de sua 1 O espaço virtual como espaço de encontro afetividade e prazer homoeróticos. homoerótico e/ou homoaefetivo Outros alegam terem tido muita dificuldade de O site ‘Terra’ e a sala de bate­papo ‘cidades­Bagé’: aceitação na família, principalmente em relação ao segundo os entrevistados é na sala de bate­papo do site pai, sendo que, muitas vezes, era pela força e violência Terra (cidades­Bagé) que a maioria dos encontros que era reprimida a expressão de uma sexualidade ocorre. Todos os entrevistados usam esta sala virtual desviante das condições rígidas de gênero, para encontrar e marcar algum encontro de cunho principalmente aqueles que nasceram e cresceram em sexual, mas também neste mesmo chat eles se outras cidades menores que Bagé, como Aceguá e

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Candiota, por exemplo. Muitos alegam que a relação quanto à diversidade de comportamentos afetivos. As entre orientação sexual para o mesmo sexo e expressões alternativas tornam­se mais visíveis na transgenia é uma regra em cidades do interior, cidade e muitos dos sujeitos orientados sexualmente inclusive pela pressão de outros setores sociais, como para o mesmo sexo acabam se vinculando a tais família e escola. Um entrevistado alega que um dos expressões para poder exercer, por elas, uma problemas que enfrentou na família era a confusão que sexualidade homoerótica, principalmente quanto ao faziam entre ‘atração homoerótica’ e travestismo, ou cuidado com o cabelo e a produção de cortes seja, os próprios membros da família alegavam que se alternativos, assim como novas roupas e acessórios fossem atraídos pelo mesmo sexo deveriam assumir­se que misturam tendências de gênero sem se importar como mulheres e assim se travestir. Isto talvez com o sexo que as vestem. Mas todos alegam que implique que em cidade menores os sujeitos orientados ainda é pouco evidente em Bagé a ocorrência de para o mesmo sexo apresentem duas possibilidades: ou ‘metrossexuais’ heterossexuais e que todos aqueles se vive uma vida dicotomizada em relação a um que tendem a se vestirem e se expressarem de forma comportamento heterossexual e experiências mais alternativa (não confundindo isto com camufladas homoeróticas (encontros escondidos com transgenia) tendem a se vincularem as certas outros homens e manutenção de uma vida familiar expressões e comportamentos homoeróticos, quase heterossexual) ou, então, encontrem a liberdade de sempre se assumindo como gays. desejo na transição para uma expressão contida no Todos eles verificam que ocorreu em Bagé um gênero oposto, ou seja, constrói sua identidade ‘surto de gays’ nos últimos três anos. Isso, talvez, seja feminina e travestem­se. pela maior possibilidade de ‘assumir­se’ quanto, uma A divulgação, pelos veículos de mídia, de outras vez que conseguem encontrar grupos de amigos que se identidades juvenis, permitiu o vinculo do apoiam quanto à assunção da identidade e a romper o homoerotismo com expressões culturais urbanas atuais preconceito de outros e quanto a si mesmos. Os não tão rígidas em relação à dicotomia sexual entre equipamentos de comunicação e a mídia eletrônica uma vida heterossexual social e intima homoerótica, foram muito importantes para isso, pois facilitam os assim como a transgressão efetiva de gênero dos contatos diversos e divulgam possibilidades culturais e travestis. Novas identidades culturais e estéticas como sexuais diversas. Outro fator também foi a forte os ‘emos’, os ‘coloridos’, ‘os clubbers’ e os ‘neopunks’ imigração de jovens para a cidade (geralmente de vão permitir produzir outros grupos urbanos que cidades menores, principalmente para estudarem e podem negociar novas formas de expressões e procurar trabalho) que, de certo ponto, se promove o comportamentos sexuais, não se vinculando totalmente desvinculo quanto às obrigações familiares locais e ao travestismo e/ou a vida vinculada a uma incentivam a procura de uma forma de expressão heterossexualidade representada e um homoerotismo original quanto suas vontades e necessidades afetivas. velado. 4 Bagé como centro urbano de liberdade de 3 Alterações quando a aceitação das expressões expressão homoeróticas em Bagé Um dos fatos que nos chamou a atenção nesta De acordo com os entrevistados, Bagé tem se atividade foi descobrir a importância de Bagé como transformado muito em relação a posturas centro urbano de característica mais cosmopolita. discriminatórias quanto à homossexualidade. Um dos Pensávamos em Bagé como uma cidade de interior fatores principais foi à instalação de universidades na com certa cultura rígida de herança da família cidade, principalmente a UNIPAMPA, que fez circular patriarcal dos antigos gaúchos estancieiros, mas uma diversidade de sujeitos e, principalmente descobrimos que Bagé se torna uma referência em aumentou a ocorrência e a visibilidade de sujeitos relação à outra escala de relações urbanas, orientados sexualmente para o mesmo sexo. Desta principalmente àquela que liga a cidade a cidades forma, há três anos a discriminação era mais menores da região da fronteira e das Serras do Sudeste acentuada. A conexão de Bagé a novos do Rio Grande do Sul. Bagé se torna centro urbano comportamentos e expressões estéticas promovidas vinculado aos serviços, à diversão, ao mercado pela maior circulação de sujeitos universitários alterou cultural e ao ensino em relação a cidades como a postura dos habitantes quanto à homoafetividades. , Aceguá e , por exemplo. Por outro lado, alegam que a mídia faz alterar posturas Muitos dos jovens dessa cidade não veem Porto rígidas e tradicionais em todos os lugares, tornando Alegre como expressão máxima de libertação e de positiva a abertura as novas expressões de diversidade contato com o cosmopolitismo e/ou a diversidade de sujeitos, principalmente quanto às culturas juvenis e cultural baseada a expansão do mercado de diversão,

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mas Bagé. Um dos sujeitos participantes do grupo que também frequentam a praça. Tempos atrás alega ter nascido e crescido em Aceguá, mas foi em mantinham uma relação muito próxima com as Bagé que conseguiu finalmente assumir­se como gay e travestis e frequentavam sem problemas tal lugar, viver intensamente afetividades vinculadas a isto. porém alegam que a disseminação do uso de drogas Quando chegou a Bagé teve como vínculo de fez da praça e o comportamento de travestis não muito identificação o ‘Serginho’ do ‘Programa Big Brother’, amistoso, tornando isto uma fronteira rígida de da TV Globo. Alega que em Aceguá sempre foi convivência entre as travestis e outros grupos de gays conhecido como ‘bichinha’, mas andava sempre muito da cidade, o que culminou na assunção de uma postura reprimido. Sua residência em Bagé tornou­o mais cada vez mais transgressora e ilícita delas em relação seguro de si e mais livre para poder expressar uma ao restante da sociedade. postura mais alternativa em relação à postura de A escola sempre foi um problema a plena gênero, principalmente tendo como ídolo de expressão convivência de todos, mas alegam terem diferentes o ‘Serginho’. O distanciamento da família e a tipos de escola. Alguns alegam que certas escolas são possibilidade de encontrar amigos também orientados mais rígidas em termos de comportamento e que a sexualmente para o mesmo sexo foi de crucial mudança para uma escola menos rígida tornou­se importância nesse processo. lugar importante para construção mais tranquila da Outro sujeito entrevistado do grupo também alega sexualidade. As festas de final de ano também se ter vindo de Candiota. Nessa cidade também, sempre tornam sempre complicadas para todos, fora conhecido como gay, mas nela sempre apresentou principalmente porque envolve a reunião familiar e receio de assumir­se definitivamente. Bagé foi especial todos querem saber da vida que levam, sempre para ele para poder assumir­se. Em Bagé conheceu os perguntando sobre namoradas, sobre casamento e amigos pelo site: ‘Terra’ e desde então conseguir viver coisas que envolvem a vida heterossexual, tornando plenamente e sem preconceito próprio sua sexualidade. sempre constrangedoras certas situações. Foi na cidade que teve sua primeira relação sexual A vida gay, para a maioria dos entrevistados, torna­ com outro homem, mesmo já em Candiota saber de se vinculada a um constante desafio de superação de seu desejo. Alega conhecer bem a realidade de Porto preconceitos e discriminações em diversos lugares de Alegre, mas embora essa cidade apresentar mais bares convivência social, como a família, a escola, o quartel, destinados ao público gay, alega que a vida em Bagé o trabalho e, até mesmo, no prédio em que moram. Em não é tão diferente como a de , sucessivos lugares deve­se apreender a adquirir uma principalmente porque já possui um bom círculo de ‘maleabilidade’ de comportamentos e de expressões, amizades e de facilmente poder manter afetividades e assim como construir a aceitação paulatina dos demais encontros sexuais com outros homens. sujeitos para tornar­se livre e sincero quanto suas O grupo alega que não se deslocam muito de Bagé próprias singularidades. para ir a festas em outras cidades, principalmente pelas A Praça dos Esportes (Praça Rio Branco) tornou­se dificuldades financeiras para isto. No entanto, quando o lugar de reunião da diversidade cultural de Bagé. É ocorre, os lugares de deslocamento são Porto Alegre e neste lugar que os entrevistados, amigos íntimos, se , muito pouco para Santa Maria. Salientamos reúnem em todos os finais de semana no final da tarde isto, pois pensávamos que Santa Maria funcionava e, na qual, diversas ‘tribos’ juvenis se encontram. como polo de vivência de sexualidade para os sujeitos Alegam não ter coragem de beijar outro homem na desta cidade, mas Pelotas, por estas mais próxima, e avenida principal de Bagé (Av. Sete de Setembro), Porto Alegre, por ser o centro metropolitano do mas terem coragem para fazerem isto na Praça Estado, exerce mais influencia quanto ao Esporte, uma vez que lá estariam protegidos pelo deslocamento. próprio grupo e por toda uma diversidade que circula no lugar. A Praça dos Esportes e a Praça do Coreto 5 Lugares de encontros gays em Bagé (Praça ) são os lugares em que A chamada ‘Praça Escura’ (Praça Dr. Álbano) é frequentemente se reúnem. A Praça Escura tornou­se considerada praça de ‘PG’ ou ‘programa’ ou ainda lugar de frequência de travestis, traficantes e prostituição de travestis. Alegam não frequentarem a drogados, por isto não frequentam mais. Ocorrem Praça Escura, pois todos as travestis estão muito festas GLS esporádicas (House e Paradise) na cidade, ligadas ao uso de drogas e a convivência com nessas festas sempre ocorre à frequência de ‘supostos’ traficantes, sendo muito perigoso a eles em virtude de heterossexuais que se aproveitam da oportunidade assaltos que possam acontecer tanto por parte das para terem relações com outros homens. Outros bares travestis como por outros sujeitos, muitas vezes de grande frequência gay, mas que não são traficantes ou simples assaltantes usuários de drogas, considerados exclusivos para isto são: Atelié Coletivo,

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Na ONU, Maior Universitário. Nesses bares/boates roupas e acessórios caros e de marcas famosas, assim ocorre sempre uma diversidade de expressões juvenis como o alto consumo no local, também diferenciava e a presença sujeitos gays acabam contribuindo a esta os grupos. Outro fator de segregação que verificamos diversidade. Muitas vezes o ambiente sugere um também se refere às questões de faixas etárias. homoerotismo camuflado em que muitos se aproximam para manter certa experiências Aspectos a salientar das experiências de homoerótica, mas não se identificam claramente como pesquisa em Bagé-RS sujeitos gays. Nestes lugares os grupos de gays da cidade A pesquisa em Bagé nos aproximou de uma divergem quanto a seus atributos estéticos e seus realidade diferente que estávamos acostumados a comportamentos. O próprio grupo de entrevistados observar: uma hipótese que Porto Alegre se torna um auto identificam­se com ‘bichinhas quá quá’, ou seja, centro único de diversão e de convivência ‘se aceitam e vestem a camiseta de gay, não se homoerótica. Na realidade de alguns sujeitos, Bagé preocupando em demonstrarem­se como machos’ torna­se um centro de excelência de diversão e de Todos alegam usarem tênis ‘All Star’, ‘chaparem’ o libertação de certas expressões culturais alternativas, cabelo e vestirem com roupas mais justas e mais como a respeito das homoafetividades. O relato das coloridas, assim como expressarem fortemente condições de vida de sujeitos orientados para o mesmo atributos mais efeminados (no entanto, não se sexo em cidades como Aceguá e Candiota muda o travestem). Muitos, entre os próprios sujeitos caráter de Bagé em relação ao cosmopolitismo, a orientados sexualmente para o mesmo sexo, os liberdade de expressão e ao mercado de diversão e de discriminam por terem este tipo de comportamento, diversidade cultural. Isto foi um achado na pesquisa e principalmente àqueles que procuram terem uma uma desconstrução de nossa teoria da relação rígida postura menos transgressora e estarem mais entre capital e interior quanto as possibilidade de comprometido com as posturas adequadamente vivência da homossexualidade quanto à capacidade da relativas ao gênero masculino. Muitos outros também, cidade se aproximar de um modo de vida mais se diferenciam por apresentarem uma posição social cosmopolita. (econômica) mais elevada. Informaram­nos do grupo Outro fato que se revelou na pesquisa são as atuais das ‘Sete Passivas’ que não se misturam, pois querem alterações sociais em relação às expressões manter uma ‘postura mais masculina, mas todos sabem homoeróticas que se alteram, até mesmo, no interior. que vão as festas para pegarem os bofes’. Ter um Nas cidades do interior ocorre comumente a dicotomia carro, por exemplo, se torna fator de separação entre travestis e sujeitos que se adequam a uma vida econômica entre grupos de sujeitos orientados para o heterossexual e vivem esporadicamente experiências mesmo sexo, assim como posturas e estéticas mais ou homoeróticas. Ocorre duas possibilidades quanto à menos transgressivas quanto às qualidades de gênero rigidez das definições de sexualidade: ou o sujeito sexual. Nas festas GLS esporádicas estes grupos se vive a homossexualidade plenamente e se torna um separam claramente, produzindo grupos fechados travesti (se aproxima efetivamente do corpo e quanto à convivência. No dia 13 de novembro, quando expressão feminina) ou o sujeitos reprime a estávamos na cidade, tivemos a oportunidade de ir à sexualidade em condições e instituições festa Paradise e notamos claramente essas distinções. heteronormativas e camufladamente vive experiências Estávamos com nossos entrevistados, ou seja, as homoeróticas. Em uma cidade pequena, uma ‘bichinhas quá quá’, que alegremente se divertiam, ‘comunidade gay’ torna­se mais difícil de ser falavam alto, dançavam freneticamente e efetivada. Em Bagé isto mudou em poucos anos, demonstravam certas performances que transgrediam principalmente pelos novos comportamentos e as estéticas e comportamentos de gênero masculino expressões divulgados pelas mídias, pelos novos (mais efeminados e imitando certas danças e trejeitos investimentos que ocorrem na cidade e fazem circular das divas da ‘dance music’). Outros grupos se outros sujeitos provenientes de outros lugares, fazendo diferenciavam e se segregavam na festa por de Bagé um lugar para se libertarem das amarras demonstrarem um comportamento não tão heteronormativas, principalmente de jovens que se transgressivo, principalmente por terem homens e deslocam para a cidade para estudarem. Assim, aos mulheres no mesmo grupo e pelos homens, embora poucos, se constrói uma comunidade gay de homens procurassem outros homens para se relacionarem que não se transformam em travestis e também não se sexualmente, faziam o esforço de se apresentarem da adequam a uma vida heterossexual: sutilmente forma mais masculinizada possível. Certos atributos transgridem as posturas, comportamentos e estéticas relacionados às questões de ordem econômica, como de gêneros sexuais. Suas expressões vinculam­se as

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estéticas ditadas pela mídia com um toque de entrevista também representa um grupo jovem de criatividade em cada corpo que se expressa. quatro rapazes de idade próximas a 19 e 20 anos. Os Apresentam­se como novos homens que gostam de temas principais abordados na entrevista foram: outros homens, mas que não se travestem para viver a homoafetividade, ligando­se a uma variabilidade de 1 Preconceito e discriminação estéticas juvenis que encontramos na publicidade e na Consideram a sociedade alegretense muito cultura de consumo e de expressão culturais da preconceituosa e apresentam dificuldade de encontrar televisão e da internet. trabalho, pois qualquer expressão pessoal que possa lembrar certo efeminamento já torna o sujeito Alegrete estigmatizado e excluído do mercado de trabalho, isto alega um dos entrevistados que atualmente está As entrevistas em Alegrete foram marcadas pelo desempregado e com muitas dificuldades de encontrar contato com João Inácio, presidente da ONG Grupo emprego. Muitos deles relataram cenas de chacota e Esperança. Primeiramente tentamos entrar em contato de discriminação em vários ambientes sociais, com representantes da Secretaria de Saúde do principalmente na escola e, até mesmo, na rua. Município que estiveram presentes na Décima Parada Algumas situações são citadas, como na passagem Livre de Santa Maria (agosto de 2010), mas não perante um sinal de trânsito em que, muitas vezes se obtivemos sucesso para marcar as entrevistas. Também houve frases como ‘sai da frente putão’. Neste sentido, por e­mail não conseguimos contato com a enfermeira alegam sobre dificuldade em viver em uma cidade tão chefe da Secretaria Municipal da Saúde do Município preconceituosa. Por outro lado também, salientam os Heili Temp, coordenadora do programa de prevenção aspectos paradoxais destas convivências, em que DST/AIDS. Foi somente tentando por Orkut digitando muitos homens que discriminam homossexuais na ‘Heili e Alegrete’ que conseguimos contato com a cidade acabam sempre procurando os mesmo coordenadora. Por Orkut, finalmente conseguimos o homossexuais e os travestis para terem alguma contato com João Inácio do Grupo Esperança. Assim experiência de prática sexual. Em grupos de homens que fizemos contato, João Inácio se demonstrou muito heterossexuais, a demonstração homofóbica, conforme interessado em contribuir com a pesquisa, marcando a falam os entrevistados, parece um elemento de entrevista com um grupo de sujeitos no dia 19 de autoafirmação machista. fevereiro de 2011. Logo chegando ao Grupo Esperança, Inácio nos 2 Relacionamentos e construção da identidade mostrou um material de arquivo que representava um sexual apanhado histórico das atividades da ONG. Hoje essa Todos os entrevistados alegam que procuram liderança alega que é muito respeitado perante as homens bem masculinos. Salientam que gostam de lideranças políticas da cidade e faz um trabalho muito serem passivos na relação sexual e geralmente competente junto aos grupos de pessoas portadoras de procuram homens que não apresentam trejeitos HIV/AIDS, assim como campanhas de prevenção as afeminados e não se identificam como gays. Pensam DST´s em geral, principalmente com profissionais do que talvez isto faça parte da construção da identidade sexo. Inácio é enfermeiro aposentado e hoje se dedica em uma cidade do interior que separa muito aquele as causas de reconhecimento de uma diversidade que quer assumir um papel feminino e aquele que quer cultural e sexual banida da sociedade Alegretense, assumir um papel masculino na relação. Por outro subsidiando os mais necessitados e aqueles que lado, sabem também de muitos homens que procuram enfrentam as dificuldades de se viver plenamente uma as travestis e gays assumidos para exercerem um papel sexualidade divergente quanto a uma sociedade rígida feminino e passivo na relação, mas que, socialmente, da campanha gaúcha. Inácio estava muito contente se demonstram ‘machões’ e, até mesmo, homofóbicos. neste momento, pois tinha obtido um recurso de edital Todos alegaram terem tido relações sexuais muito da Secretaria de Saúde do Estado do Rio Grande do cedo, muitos próximos aos sete e dez anos de idade. Sul de aproximadamente cem mil reais para promover Durante essa fase nunca significavam uma identidade uma campanha intitulada ‘Esquina sem Homofobia’, gay, somente sentiam prazer em praticar tais atos coisa que nos chamou muito atenção, pois está muito sexuais com primos, vizinhos e, até mesmo, com relacionado com o tema de nossa pesquisa. Desde já, adultos, como empregados de lavouras das Inácio convidou­nos a participar de algumas atividades proximidades da casa em que moravam. É na escola futuras dessa campanha e, nos demonstramos solícitos que começaram a significar o comportamento a contribuir. desviante, pois eram sempre alvos de chacotas. Na O grupo de sujeitos que Inácio reuniu para a família, muitos encontraram bastante dificuldade de

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aceitação, sendo que muitos dos entrevistados alegam tentar amenizar esta separação existente entre elas e terem sido alvo de violência familiar pela demais gays da cidade, assim como amenizar a discriminação quanto à orientação sexual que práticas constantes de violência homofóbica. começavam a construir. As danceterias mais frequentadas da cidade são a Mesmo mantendo uma vida muito precoce sexual e Hangar e a Vinil, que esporadicamente produzem passando por diversas discriminações e festas GLS, mas nunca as travestis frequentam tais estigmatizações, se divertem ao contar e tornar hilárias festas. No balneário ‘Passo Novo’, perto da ponte do os eventos e as experiências sexuais que mantinham Rio Ibirapuitã, sempre ocorre ‘pegação’. Todos os com muitos dos primos e vizinhos que hoje entrevistados dizem que se deslocam até lá, sozinhos apresentam uma vida condizente aos padrões de uma ou em grupos, para paquerarem e, na maioria das sociedade heteronormativa. Situações de lugares vezes, encontram alguém para efetivar uma inusitados nas quais faziam sexo com outros homens, experiência sexual pelas matas próximas ao rio. conforme foram relatadas, como nas margens do Rio O carnaval se torna um evento gay na cidade. Em Ibirapuitã, sobre as árvores (como o caso de uma que Alegrete se torna um dos únicos eventos nos quais os nos contou de forma muito alegre suas experiências gays podem se divertir com certa liberdade. As escolas sexuais com rapazes de sua idade e mais velhos sobre de samba promovem concursos de rainha gay nas uma árvore amoreira), assim como, quando um deles quais alguns se travestem para concorrer. fugia de casa após o meio dia, durante a chamada ‘sesta’ para ir fazer sexo com trabalhadores rurais Aspectos a salientar das experiências de chamados por ele de ‘brejeiros’. Os casos de sexo pesquisa em Alegrete-RS inusitado e aventureiro imersos em uma aura de perigo e de pecado torna­se uma diversão para o grupo e O contato com Alegrete foi gratificante, pois apresenta­se como um conjunto de assuntos que traz tivemos a oportunidade de manter relações com o união e alegria entre eles. As dificuldades afetivas e de grupo Esperança, entidade extremante organizada que viver plenamente a sexualidade produz um esperteza faz um ótimo trabalho de prevenção às DST´s/AIDS e tática para que a sexualidade seja exercida e muitos contra homofobia junto aos sujeitos orientados para o eventos táticos tornam­se divulgados como atos de mesmo sexo, profissionais do sexo e travestis da coragem e de diversão, como uma representação cidade. A partir deste contato, sugerimos participar cômica do pecado e daquilo que é estigmatizado. efetivamente do projeto ‘Esquina sem Homofobia’ de autoria de João Inácio, líder da ONG. 3 Grupos diferenciados e lugares de encontros Novamente observamos, que as praças das cidades Embora todos os quatro entrevistados serem muito de interior, como Alegrete, são lugares de referência jovens (19 anos aproximadamente) já alegam terem para reunião das diversidades culturais e juvenis. certas divergências com grupos de ‘emos’ de menor Outro lugar interessantes de ‘pegação’ gay da cidade é idade (aproximadamente 14 anos) que ficam nas duas o balneário as margens do Rio Ibicuí, lugar de praças principais da Cidade: a praça General Osório e referência dos sujeitos orientados para o mesmo sexo a Praça Getúlio Vargas (da Igreja Matriz). Ambas as para efetivarem paqueras e práticas afetivas e sexuais. praças são altamente frequentadas pela diversidade Interessante que um rio tão importante para a cultura cultural da cidade. Na Praça Getúlio Vargas, os carros gauchesca (citado na música ‘Canto Alegretense’) durante a noite estacionam ou ficam dando voltas. No pode ter tais significados invisíveis para a sociedade interior da praça, se reúnem uma diversidade de local e regional. Estas invisibilidades sobre as grupos juvenis, inclusive os gays. As travestis ficam referências e as práticas espaciais dos lugares que mais fora da praça na esquina das ruas General Cabrita tornam fascinante este tipo de pesquisa. Além disso, e Venâncio Aires. Elas saíram do centro da Praça tais invisibilidades ocorrem, pois se referem a práticas devido ter tido um investimento público em discriminadas pela sociedade e, assim, apresentam­se iluminação, no intuito de limpeza das práticas que lá com táticas transgressivas. O ato de transgressão estavam presentes. Há também certa concentração de rompe a rigidez do social e permite a expressão da travestis na Avenida Assis Brasil. De acordo com os diversidade. Cabe a todos prepararmos uma nova entrevistados, as travestis são um grupo mais fechado sociedade para reconhecer toda esta diversidade de e frequentemente ocorre conflitos entre ‘emos’, outros significados e de práticas espaciais para uma grupos de homens jovens e as travestis. Inácio, por convivência mais justa e mais harmônica em exemplo, alega que as travestis se demonstram ser um sociedade. grupo problemático na cidade, em que a ONG Esperança procura se aproximar constantemente para

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Itaqui e Uruguaiana grupos de brasileiros e esta rivalidade é principalmente revelada em eventos GLS da cidade, O trabalho de campo em Itaqui e Uruguaiana foi como nos concursos em shows de Drag Queens e marcado pela a ajuda de João Inácio, do Grupo Travestis. Argumenta que o grupo mais problemático Esperança de Alegrete, a partir de contatos que ele nestas disputas e conflitos são as travestis e que existe promoveu. A ida a estas cidades foi bastante singular, uma nítida separação entre grupos de travestis principalmente porque conseguimos entrevistar um argentinos e brasileiros e isto determina, por exemplo, grupo de travestis de Itaqui, entendendo um pouco desavenças em concursos e shows de transformismo mais deste universo. A ida em Uruguaiana não foi em festas locais, assim como na vida cotidiana muito satisfatória, pois somente conseguimos relacionado as desavenças em relação a disputa de entrevistar um rapaz que se disponibilizou em reservar namorados e de pontos de prostituição. Não um tempo de seu dia de trabalho, no sábado, para ser conseguimos saber mais desta realidade, somente essa entrevistado. Ao chegar à cidade não conseguimos informação do entrevistado que conhece melhor a vida localizar as pessoas antes contatadas por João Inácio, de Uruguaiana. Talvez este fosse um ponto necessário somente este rapaz. A entrevista com este rapaz em ao aprofundamento em outra pesquisa. Uruguaiana não foi gravada, uma vez que ele nos O entrevistado também alega que não existe muito recebeu na rua mesmo, na própria calçada perto do deslocamento da população local para outras cidades e salão de beleza em que trabalhava. No entanto, que Uruguaiana é uma referência de festas GLS da conseguimos obter algumas informações interessantes região. Muitos outros gays se deslocam para dele. Nos trechos, a seguir, vamos fazer um breve Uruguaiana, vindos de cidades menores, para terem relato da conversa em Uruguaiana e depois em Itaqui. oportunidades de encontrar outros gays em ambientes festivos, como boates e bares da cidade, e, Uruguaiana principalmente, durante o carnaval. O carnaval de Uruguaiana é uma referencia no Estado e no Brasil Conversamos com um cabeleireiro de 25 anos da como um dos carnavais mais animados e bem cidade e ele nos relatou que a cidade apresenta uma produzidos fora da época tradicional do carnaval. O representativa população gay, chegando a ter um entrevistado alega que existe uma ampla participação espaço exclusivo para a população GLS chamada de grupos de travestis e população gay em geral. ‘Casa Rosada’. O entrevistado também argumentou Grande parte da população que realmente participa e que todos os domingos à tarde a população gay da produz o carnaval são gays e que a folia se transforma cidade se reunia na Praça e que a numa grande celebração ao homoerotismo e a prefeitura organizou um sistema de vigilância policial transgressão das estéticas e comportamentos de para impedir certas expressões, tidas, assim, como gênero. subversivas. Este fato não foi divulgado como repúdio a certas expressões homoeróticas que ocorriam na Itaqui cidade, sendo reveladas como iniciativa de repressão a certos atos ilícitos que ocorriam na praça como o Em Itaqui, como tínhamos antes argumentado, consumo de drogas e assaltos. Porém o entrevistado conseguimos fazer entrevistas com quatro travestis argumenta que tais atos não ocorriam e o problema locais. A entrevista foi feita em uma casa de principal foi relacionar tais atos com a concentração e prostituição, também chamado de ‘bordel’, mas a expressão livre de afetividade entre sujeitos especificadamente de prostituição feminina. João orientados para o mesmo sexo. Este fato ocorreu no Inácio conhecia o proprietário do bordel que também ano de 2009. se dizia gay assumido. O contato com estas travestis Outro fato interessante que conhecemos nesta fora feito pelo dono da casa noturna. Já na casa entrevista foi à relação internacional de fronteira que, trabalhava na copa do ‘bordel’ uma travesti que ajudou também, determina uma convivência singular de a articular a entrevista com mais três colaboradoras. sujeitos orientados para o mesmo sexo. Existe um Foi muito interessante esta experiências de fazer as trânsito constante entre sujeitos orientados para o entrevistas durante o início da noite no mesmo mesmo sexo entre as duas cidades de fronteira, momento em que chegavam os primeiros clientes das Uruguaiana (Brasil) e Passo de Los Libres (). prostitutas. Não tivemos contato com as prostitutas, Ambos frequentam festas, bares e boates de ambas as pois este não era o objetivo do trabalho, mas fomos cidades, sendo que a ‘Casa Rosada’ é um lugar de muito bem recebidos por todos na casa. A seguir, referência para ambos as nacionalidades. No entanto, descrevemos os principais assuntos tecidos durante a existe certa rivalidade entre grupos de argentinos e entrevista.

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A travesti que assumiu o controle da conversa é carnaval. Contradizendo as ordens da coordenação, a conhecida como ‘Serginha’ (no feminino). Serginha se vice­prefeita e o presidente da câmara de vereadores diz precursora da ‘bandeira GLS’ da cidade de Itaqui e mantiveram o evento de escolha da rainha gay. Isto realmente ela é considerada pelas outras travestis gerou um conflito das lideranças municipais, no qual a presentes como a pessoas mais experiente e mais coordenadora do carnaval, por um lado, alegava que acolhedora da cidade, sendo referência de liderança e não existe sanção legal para tal evento ocorresse e que afetividade para todas. Serginha começa a falar sobre o prefeito, por outro lado, assumiu tudo ‘de boca’, ou os avanços nas lutas de reconhecimento dos travestis seja, não tendo nada oficializado. Hoje ela espera uma locais e argumenta que devido a ação dela e de suas audiência pública para ser decretada oficialmente a colegas, a cidade hoje se apresenta muito promissora escolha da rainha gay do carnaval de Itaqui. quanto a boa convivência social das travestis. Ela nos A Kevin (no feminino mesmo) diz que nasceu e fala de um grande reconhecimento do poder público de cresceu na cidade de Quaraí e acha Itaqui um lugar colocar atualmente em processo a produção da lei extremamente acolhedor e bom para se viver. Não municipal de instituição de um terceiro banheiro em enfrenta preconceito na cidade e alega que Itaqui bares e casas comerciais de diversão noturna. Algumas apresenta a fama, entre as travestis, de facilidade de se casas já apresentam este terceiro banheiro e outras já conseguir um namorado. Muitas delas casam e reconhecem o direito e o dever das travestis mantém relações muito duradouras na cidade. Alegam frequentarem o banheiro feminino. Em uma casa que tais relações reproduzem o molde marido e mulher noturna conhecida da cidade (GSS) alegam que numa relação entre um homem supostamente estavam se deslocando para o banheiro masculino e o heterossexual e uma travesti. A própria Kevin trabalha vigilante do local disse, com muito respeito, que elas em uma floricultura muito bem frequentada na cidade ‘estavam autorizadas a frequentar o banheiro e não encontra preconceito em relação aos clientes que feminino’. Até mesmo em uma instituição vão ao estabelecimento, muitos deles são fregueses tradicionalista, chamada de ‘Piquete Dom Lagarto’, os assíduos e mantém uma relação muito próxima com seguranças e a ‘patroa’ do piquete, em certa ocasião da ela. presença do grupo de travestis, que a casa se Cris também trabalha e um salão e em uma boate responsabilizava pela segurança delas e, assim, elas noturna. Durante muito tempo se prostituiu, ainda faz deveriam frequentar o banheiro feminino para evitar alguns programas, mas não precisa exatamente disto. certo constrangimento com homens locais que Demonstra­se muito em estar no mercado de poderiam não entender o compartilhamento do trabalho e elogia a sociedade de Itaqui por acolherem banheiro masculino com travestis. sem preconceitos muitas das travestis. Outras são Serginha alega que na cidade não existe uma ONG, discriminadas, pois assumem uma postura ‘bafona’ (ou mas a ação corajosa de algumas travestis em seja, extravagante e muito escandalosa) e ainda reivindicar junto ao poder público alguns direitos para estarem na quadra se prostituindo e se relacionando com a especificidade de suas vidas, tem apresentado com o mundo das drogas. Mas a tudo isto as travestis muito resultado. Sempre em seu discurso, Serginha mais novas alegam terem tido a força da Serginha que afirmou que o importante é manter uma postura de desde cedo foi lutando e preparando a sociedade para respeito e de dignidade para com a sociedade e, por a melhor inserção das mais novas. este viés, todos concederão respeito e justiça para com Serginha vem de uma família de 14 irmãos. a diferença. Isto já se construiu, segundo ela, em Quando era menino teve muito problemas de saúde e a Itaqui. O grupo travestis que entrevistamos alegam­se família fez uma ‘promessa’ de não cortar o cabelo. inseridos plenamente no mercado de trabalho local, Devido seus problemas de saúde, foi superprotegida trabalhando principalmente em casas de família e em em seio familiar e criada como uma menina. No bares, assim como cabeleireiras e cozinheiras e decorrer dos fatos sempre achou que era uma menina, também promovendo eventos. Poucas são as travestis embora muito duvidassem que isto pudesse acontecer que precisam se prostituir para sobreviver em Itaqui, e ainda falassem ‘este menino vai ser puto, veja só o embora frisarem da existência de algumas travestis em jeito dele...’ Com os pais nunca teve problemas, que a relação da “quadra” (ou prostituição de rua) está somente com um irmão mais velho que a espancava. muito vinculada ao consumo e ao tráfico de drogas. Com 10 anos saiu de casa e foi para Porto Alegre com Serginha também nos contou que está esperando outras travestis. Não se prostituiu, mas argumenta com uma audiência pública com o prefeito, devido um afeto que suas amigas se prostituíam para sobreviver e incidente ocorrido no carnaval da cidade. De acordo cuidar dela, que era mais nova. Com 11 anos começou com ela, a coordenadora do órgão público responsável o processo de se tornar mulher, tomando hormônios. pelo carnaval barrou a eleição da rainha gay do Em Porto Alegre começou a cursar escolas de

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Revista Latino-americana de Geografia e Gênero, Ponta Grossa, v. 3, n. 2, p. 134-137, ago. / dez. 2012. Pequenas cidades e diversidades culturais no interior do Estado do Rio Grande do Sul: o caso das microterritorializações homoeróticas de Santa Maria, Bagé, Alegrete, Uruguaiana e Itaqui formação de cabeleireiro e se diz uma vencedora por namorados constantes durante um longo tempo, além nunca ter que trabalhar com prostituição, assumir­se de paqueras e encontros ocasionais. como travesti e conseguir sempre um lugar no mercado de trabalho. Aspectos a salientar das experiências de Cris, por outro lado, já teve muito problemas com pesquisa em Uruguaiana e Itaqui-RS o pai, inclusive de agressão. Foi trabalhar em casas noturnas se prostituindo. Hoje mora com a avó e Nosso trabalho em Itaqui e Uruguaiana foi também é cabeleireira. Diz que ainda faz alguns especial. Primeiramente foi muito cansativo, pois programas eventuais, mas não depende disto para passamos por Alegrete para pegar o João Inácio e viver. Ao falar dos problemas de sua família Cris se rumamos diretamente para Itaqui. De Santa Maria a emocionou, principalmente em relação a situações distância é de aproximadamente 500 km. No outro dia constrangedoras com o pai. Hoje sua família está em que passamos em Uruguaiana. Foi muita surpresa Porto Alegre e ela mantém um contato muito encontrar travestis tão convictas de si e tão lutadoras, esporádico com sua mãe, além da avó, com quem assim como tranquilas de sua aceitação social em uma mora. Travestiu­se com 18 anos de idade (no dia da cidade tão pequena como Itaqui. O cotidiano destes entrevista tinha 21 anos, sendo então muito recente), sujeitos nos pareceu rico em detalhes, principalmente mas notamos que Cris se apresenta como uma mulher em relação à luta de reconhecimento de suas muito elegante e charmosa, não demonstrando ter singularidades em seu contexto de vida, assim como traços masculinos. Também alega ter tido o apoio da as muitas vitórias que obtiveram. Chamou­nos muita Serginha para se erguer das dificuldades de inserção atenção à postura política e correta de Seginha, quanto social. Durante algum tempo até mesmo passou fome, ao comprometimento pela causa de melhoria das mas conseguiu assumir­se plenamente, conseguir uma condições de vida e de justiça de suas companheiras, profissão e sair da prostituição. Perguntamos a Cris assim como de desenvolvimento pessoal. como é a relação entre prostitutas, travestis e clientes Primeiramente, foi muito interessante o contexto em nas casas noturnas. Ela alega que as travestis não, que se desenrolou a entrevista, em um ‘bordel’, mas necessariamente, são prostitutas e sempre trabalham em segundo momento nos chamou atenção o respeito no balcão de atendimento da casa, mas muitos clientes e o acolhimento em que todos nos receberam. Ficamos a assediam e chegam a esperar a casa fechar para com uma ótima impressão da cidade que, embora ficarem com elas. A maioria das prostitutas mantém pequena e simples, assim como sendo a cidade mais boas relações com as travestis e não apresentam distante da capital gaúcha, é bela em relação à vida grandes conflitos como na disputa de clientes. simples e respeitosa quanto às diversidades culturais e As entrevistadas alegam que não tem lugares sexuais. Parabéns Itaqui! específicos em Itaqui para frequentarem e que, muitas Em Uruguaiana nos chamou atenção o vezes, saem na rua de mãos dadas com os namorados desenvolvimento de uma cidade polo em relação ao sem enfrentarem atos preconceituosos e homofóbicos. mercado de diversão e de diversidade cultural. O Relacionado ao carnaval, ocorre na cidade a festa contexto do carnaval já era sabido por todos nós, mas Glamour Gay (já no seu décimo quinto ano), muito as relações entre um cotidiano internacional frequentada pela sociedade local. Alegam também que homoerótico foi muito interessante ter conhecido. Foi as matas nas margens do rio Uruguai (parte vegetada decepcionante termos viajado tanto e não ter perto do porto de Itaqui) são muito frequentadas por conseguido produzir uma entrevista com mais sujeitos, elas e por gays durante a noite. Muitas delas se como ocorreu em outras cidades, mas a deslocam ao lugar já acompanhadas para namorar, disponibilidade de um único sujeito foi gratificante e praticar sexo ou somente transitar para paquerar já nos revelou muitos dados interessantes: como a alguém. Isto principalmente durante a noite e emergência do homoerotismo no carnaval mais madrugada. conhecido do interior do estado; sobre o mercado As entrevistadas nos argumentam que muitos desenvolvido entre as duas cidades de fronteira homens com quem tem e tiveram relações são casados (Uruguaiana e Passo de Los Libres); e sobre os e que inclusive apresentam relações de amizade com conflitos em espaço público de uma expressiva suas mulheres, embora elas não saibam de seus população LGBT e o poder local (o caso das maridos. Alegam terem relações muito com militares e repressões estabelecidas na Praça Farroupilha). que é frequente terem propostas de práticas sexuais entre elas e casais. Muitas vezes, as relações são de longas durações, com encontros esporádicos com homens casados, e dizem terem sempre mais de dois

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Revista Latino-americana de Geografia e Gênero, Ponta Grossa, v. 3, n. 2, p. 135-137, ago. / dez. 2012. Pequenas cidades e diversidades culturais no interior do Estado do Rio Grande do Sul: o caso das microterritorializações homoeróticas de Santa Maria, Bagé, Alegrete, Uruguaiana e Itaqui

Santa Maria adentram caminhos nas áreas vegetadas para paquerarem e efetivarem experiências sexuais com Anteriormente já argumentamos sobre as questões outros homens. Assim como na praça Saldanha de Santa Maria que envolveram a pesquisa. Santa Marinho, o Morro do Cerrito funciona como ponto ‘de Maria é a cidade de residência e de envolvimento de pegação’ homoerótica. Os homens assumem uma interesse profissional do pesquisador. Nela tecemos postura espacial de “deriva”, nos moldes das nosso cotidiano e aprofundamentos algumas questões discussões de Perlogher (1987); relacionadas ao universo de sujeitos orientados para o mesmo sexo. Santa Maria é uma cidade média que 4) Nossa convivência com as travestis não foi apresenta um grande fluxo de estudantes, assim a intensa. Somente frequentamos algumas visitas de população orientada para o mesmo sexo nos parece representantes da ONG Igualdade a casas de travestis. mais numerosa, ocasionando maior facilidade de O que podemos perceber é que elas se organizam em contatos homoeróticos. No entanto, como em outras casas de aproximadamente dez travestis sob o cidades do interior, assim como a própria capital do comando da dona da casa, que cobra um aluguel de Estado, os meios virtuais facilitam os contatos entre residência a cada uma. Elas também apresentam homens que procuram experiências sexuais com outros pontos de prostituição fixos, principalmente nas BR´s homens. O que se observa nestes contatos é uma que cruzam a cidade, pois Santa Maria é uma cidade diversidade de posturas individuais quanto ao central do Rio Grande do Sul e polo de conexão de homoerotismo: tornando revelada ou não visível a transportes. Outras ficam também em esquinas da identidade gay do sujeito, em diferentes níveis de Avenida Presidente Vargas. Ficamos sabendo de assunção desta identidade, desde muitos homens que alguns conflitos entre grupos de travestis que se levam uma vida heterossexual de acordo com os referem, principalmente, a questões pessoais, como padrões sociais e institucionais familiares, até sujeitos intrigas estabelecidas entre elas e disputas por identificados efetivamente como gays, além do namorados e clientes. Espacialmente o vinculo dos complexo universo das travestis e dos transgêneros. travestis se refere a casa de residência grupal e o ponto Em termos de relações espaciais vinculadas ao de prostituição. Não encontramos em Santa Maria a exercício de afetividades homoeróticas, podemos realidade de Itaqui, por exemplo, sendo que todas as destacar: travestis que entramos em contato vivem da prostituição. 1) A cidade apresenta um mercado incipiente específico para o mercado GLS, mas de mais Considerações finais oportunidades do que outras cidades do Estado visitadas, à exceção de Uruguaiana. Atualmente, duas Finalizamos os escritos relacionados a pesquisa casas noturnas se destacam em relação a frequência desenvolvida entre 2010 e 2011 financiada pela GLS: o Barcelona, danceteria cuja maioria dos Fundação de Amparo a Pesquisa do Rio Grande do Sul frequentadores se designam gays, e o Makondo, em (pelo edital ARD­2010 FAPERGS, projeto recém­ especial a festa Studio 54, que atrai um público gay doutor) que se ocupou em produzir discussões principalmente de universitários e de maior poder empíricas sobre aspectos cotidianos das vivências aquisitivo. A cidade também conta com uma sauna sociais de sujeitos orientados sexualmente para o gay, de encontro exclusivo de homens que procuram mesmo sexo em cidades do interior do Estado do Rio este lugar para experiências sexuais com outros Grande do Sul. Nossas experiências durantes anos de homens; pesquisa revelaram um mundo homoerótico marcadamente urbano e singularizado pela evidência 2) Em termos de espaço público, muitos encontros científica da grande cidade (como Porto Alegre, por e paqueras ocorrem principalmente na Praça Saldanha exemplo), dessa forma, esta pesquisa revelou um rico Marinho, em especial as proximidades dos banheiros universo homoerótico que permeia pequenas e médias públicos, antiga rua 24 horas, proximidades do Santa cidades, assim como o espaço rural. Os escritos Maria Shopping e, mais atualmente, no Shopping desenvolvidos e publicados nos mostram uma série de Royal, principalmente durante os domingos à tarde; possibilidades de aprofundamentos em relação às questões de sexualidade que envolve a pequena cidade 3) Também é bastante curioso o trânsito de homens e o espaço rural que necessitam ser aprofundados. Este orientados sexualmente para o mesmo no chamado será talvez os projetos que iremos procurar atentar nos ‘Morro do Cerrito’, bairro Cerrito, as margens da BR próximos estudos. Esta pesquisa nos fez revelar que ao 158. Neste lugar, homens circulam pela estrada e contrário de um espaço normativo que não permite a

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Recebido em: 22 de outubro de 2011. Aceito em: 1 de janeiro de 2012.

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