SECRETA RIA DE PLANEJAMENTO E COORDENAÇÃO DA PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA FUNDAÇÃO INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA- IBGE

RIVIITA Blllllllllll GIDGRAFIA

ISSN 0034-723X

R. bras. Geogr., Rio de Janeiro, v. 51, n. 4, p.1-122, out./dez. 1989 REVISTA BRASILEIRA DE GEOGRAFIA

Órgão oficial do IBGE

Publicação trimestral, editada pelo IBGE, que se destina a divulgar artigos e comunicações inéditos de natureza teórica ou empírica ligados à Geografia e a campos afins do saber científico. Propondo-se a veicular e estimular a produção de conhecimento sobre a realidade brasileira, privilegiando a sua dimensão espacial, encontra-se aberta à contribuição de técnicos do IBGE e de outras Instituições nacionais e estrangeiras.

Os originais para publicação devem ser endereçados para:

Revista brasileira de Geografia I Diretoria de Geociências- Av. Brasil, 15 671 - Prédio 3B -Térreo - Lucas - Rio de Janeiro - RJ - CEP 21 241 Tel.: (021) 391-1420- Ramal223

Os pedidos de assinatura e número avulso ou atrasado devem ser endereçados para;

Centro de Documentação e Disseminação de Informações Av. Beira Mar, 436- 8~ andar- Rio de Janeiro- RJ- CEP 20 021 Tel.: (021) 533-3094

A Revista não se responsabiliza pelos conceitos emitidos em artigos assinados

Criação: Programação Visual e Capa Pedro Paulo Machado

© IBGE

Revista brasileira de geografia I Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística -ano 1, n. 1 (1939, jan./mar.)- Rio de Janeiro : IBGE, 1939- Trimestral. Órgão oficial do IBGE. Inserto : Atlas de relações internacionais, no período de jan./mar. 1967 - out./dez. 1976. lndices:autor-tltulo-assunto, v. 1-1 0( 1939-1948) divulgado em 1950 sob o titulo : Revista brasileira de geografia : índices dos anos I a X, 1939-1948 - índices anuais de autor-titulo-assunto. ISSN 0034-7 23X = Revista brasileira de geografia.

1. Geografia - Periódicos. I. IBGE.

IBGE. Gerência de Documentação e Biblioteca CDU 91(05) RJ-IBGEI81-44

Impresso no Brasii/Printed in Brazil SUMÁRIO

ARTIGOS

GRANDES PROJETOS E PRODUÇÃO DE ESPAÇO TRANSNACIONAL: UMA NOVA ESTRATÉGIA DO ESTADO NA AMAZÔNIA- 7 Bertha K. Becker

A GEOGRAFIA QUANTITATIVA NO BRASIL: COMO FOI EOQUEFOI?-21 Speridião Faissol

UMA MEDIDA DA EVOLUÇÃO RECENTE DA ORGANIZAÇÃO ESPACIAL DO ESTADO DA BAHIA- 53 Sylvio Bandeira de Mello e Silva Jaimeval Caetano de Souza

COMUNICAÇÕES

INDUSTRIALIZAÇÃO E DIFUSÃO ESPACIAL DE UTILIDADES DOMÉSTICAS NO BRASIL: A PROPAGAÇÃO DAS MODERNIZAÇÕES EM REGIÃO PERIFÉRICA (NORDESTE DO PAÍS) - 71 Nilson Crocia de Barros

PROPOSTA DE DISTRITOS ELEITORAIS PARA O ESTADO DO RIO DE JANEIRO, SEGUNDO AS BASES TERRITORIAIS DA BANCADA FLUMINENSE NO CONGRESSO NACIONAL - 79 Aluizio Capdeville Duarte Rubem José Leão de Magalhães

MOVIMENTOS SOCIAIS URBANOS: AS ASSOCIAÇÕES DE MORADORES DE FAVELAS DO MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO - 97 Maria Therezinha Segadas Soares

OS CENTROS DE GESTÃO E SEU ESTUDO- 109 Roberto Lobato Corrêa

INSTRUÇÕES BÁSICAS PARA PREPARO DOS ORIGINAIS - 121

ISSN 0034 - 723 X

R. bras. Geogr., Rio de Janeiro, v. 51, n. 4, p.1-122, out./dez. 1989. O Projeto Editorial agradece a colaboração dos avaliadores abaixo citados e que gentilmente atuaram no decorrer do ano de 1989.

Dulce Maria Alcides Pinto Edmon Nimer Edgard Kuhlmann Edna Mascarenhas Sant' Anna Evangelina Xavier Gouveia de Oliveira Fany Rachei Davidovitch Lourdes Manhães de Mattos Strauch Lucia de Oliveira Luiz Goes Filho Maria Mônica Vieira Caetano O'Neill Marilourdes Lopes Ferreira Miguel Alves de Lima Miguel Guimarães de Bulhões Mitiko Yanaga Une Ney Rodrigues lnnocencio Olga Maria Buarque de Lima Fredrich Olindina Vianna Mesquita Roberto Lobato Corrêa Roberto Schmidt de Almeida Rubem José Leão de Magalhães Solange Tietzmann Silva Speridião Faissol Tereza Maria Ramos de Oliveira RBG 7

GRANDES PROJETOS E PRODUÇÃO DE ESPAÇO TRANSNACIONAL: UMA NOVA , A * ESTRATEGIA DO ESTADO NA AMAZONIA

Bertha K. Becker * *

Uma das últimas grandes fronteiras para riferias" (Wallerstein, 1979, cap. 4). alte­ a expansão capitalista mundial, a Amazônia rando a divisão internacional do trabalho e Brasileira é um espaço geopolítico privilegia­ tornando obsoleta a noção de "Terceiro do para a ação de corporações transnacio­ Mundo", calcada numa pretensa homoge­ 1 nais • Grandes projetos minerais, controla­ neidade dos países periféricos. dos por joint-ventures, empresas estatais e Este é o caso do Brasil, que oscila na po­ estrangeiras, iniciam, assim, a nova fase in­ sição de 8 ~ a 1 O~ economia mundial graças dustrial da expansão da fronteira. a uma capacidade industrial diversificada A implantação de grandes projetos pelas que repercute, inclusive, uma fragmentação corporações é parte da construção de uma e mobilidade social relativa, superior à ob­ ordem econômica planetária, mas é nossa servada na maioria dos países da América hipótese que, simultaneamente, essa im­ Latina, África e Ásia. O processo de acumu­ plantação é, também, parte de uma forma lação, no país, tornou-se, portanto, diferen­ contemporânea de afirmação do Estado Na­ te do que ocorria nó passado. Ele se baseia cional: a multinacionalização de empresas num nível de industrialização substancial, estatais, um fenômeno que ocorre em âmbi• mas com forte dependência ao capital inter­ to mundial nos últimos 20 anos, particular­ nacional, que deixou de ser, apenas, uma mente nos países do capitalismo periférico. força externa operando localmente, e ao Es­ Expandem-se, assim, as proporções e o tado, cujo papel cresceu drasticamente du­ ritmo de industrialização de alguns desses rante esse processo. Se a ação consentida países, os dotados de recursos, mercados entre capital internacional, Estado e, significativos, força de trabalho barata e/ou também, capital privado nacional constitui posição estratégica, que alcançam uma no­ uma das bases da industrialização do país, va posição no sistema econômico mundial não faltam conflitos a esse processo, confli­ como "semi-industrializados" ou "semipe- tos de interesses entre as partes e, basica-

• Recebido para publicação em 06 de março de 1989. Versão preliminar apresentada como Conferência sobre Grandes Projetos na Amazônia, ''Ciências às 6:30'', SBPC, 1986 e Simpósio da Comissão so· bre a "Nova Divisão Internacional do Trabalho e Problemas Regiona.is", UGI, Zaragoza, Espanha, 1986. ; * Professora titular do Departamento de Geografia da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ. Corporações transnacionais ou multinacionais são empresas que têm pelo menos duas afiliadas e 10% de suas atividades localizadas fora do país.

R. bras. Geogr.. Rio de Janeiro, 51 (4): 7-20, out./dez. 1989 8 RBG

mente, entre a lógica do crescimento das multinacionais e o desenvolvimento do país "ALTA TECNOLOGI~" E em termos sociais e políticos, entre os inte­ MULTINACIONALIZACAO DA resses gerais e os interesses privados e, EMPRESA ESTATAL portanto, entre as funções de acumulação e de legitimação do Estado. As características das estratégias globais Hoje, no momento em que a tecrwlogia se das corporações transnacionais são hoje re­ torna o vetor de redefinição da ordem mun­ conhecidas. dial e a pressão intensificada e generalizada A partir dos anos 70, a revolução tec­ pela privatização evidencia a agudização nológica no campo da eletrônica e da comu­ daqueles conflitos, coloca-se a necessidade nicação cria uma nova forma da produção e de encarar com objetividade o papel do Es­ de organização social, baseada na infor­ tado na própria existência dos Estados­ mação e no conhecimento - a alta tecnolo­ -Nação periféricos, ainda mais no Brasil, em gia - que reorganiza as bases do modelo de face da nova conjuntura política. Nesse acumulação (Castells, 1985). Corporações contexto, qual o significado do processo de transnacionais e organismos internacionais multinacionalização da empresa estatal? reforçam uma economia global, estendendo Como referido acima, a hipótese desse a produção industrial aos países subdesen­ trabalho é a de que a imposição de uma or­ volvidos. A segmentação da força de traba­ dem econômica planetária se efetue, simul­ lho, engendrada pela polarização requalifi­ taneamente, à transformação dos Estados­ cação/desqualificação em face das ativida­ -Nação, que, em alguns países periféricos, des de alta tecnologia, e a segmentação da correspondem à própria construção do Es­ produção, numa poderosa estratégia espa­ tado e da Nação, num processo extrema­ cial que combina recursos em escala pla­ mente complexo e contraditório. Embora netária, asseguram a globalização. A im­ dependente, em grande parte, do capital in­ plantação da nova ordem planetária redefi­ ternacional, é para ingressar na era tec­ ne o papel dos Estados Nacionais. Em face nológica, dando continuidade ao crescimen­ da expansão das corporações, os países to econômico e limitar o poder de corpora­ deixam de ser as unidades econômicas da ções estrangeiras, reservando o controle de realidade histórica, e os Estados Nacionais mercados e territórios para a Nação, que no perdem controle sobre a decisão das corpo­ Brasil, como em alguns outros países pe­ rações sobre o processo produtivo como riféricos, o Estado entra no jogo da nova or­ um todo e sobre o seu espaço (Becker, dem mundial, criando condições para a pro­ 1984). dução de espaços transnacionais pelas em­ A globalização, contudo, é bem mais presas estatais. complexa do que aparenta, pois que um Nesse contexto, a exploração de recursos processo de multinacionalização de empre­ na Amazônia Brasileira sob controle nacio­ sas públicas está em curso nos últimos 20 nal assume importância vital para o Estado, anos, significando que a transnacionali­ que, favorecendo a implantação de grandes zação é também uma forma contemporânea projetos na região, assegura, também, a ex­ de construção do Estado Nacional. Este pansão de empresas estatais e, mesmo, a processo corresponde a um fenômeno mun­ sua multinacionalização. dial em extensão que é muito menos discu­ tido: o paradoxo de uma só e mesma em­ Esta é a hipótese que esse trabalho de­ presa ser multinacional e pública. Ele mani­ senvolve em quatro partes: breves conside­ festa a contradição entre duas lógicas numa rações quanto à questão da multinacionali­ mesma empresa - a empresarial, que visa a zação de empresas estatais referenciadas maximizar o lucro, e a estatal, que impõe in­ ao Brasil; a significância da Amazônia para teresses gerais à empresa -, entre interes­ as grandes corporações e para o Estado; ses da Nação e interesses da empresa, que suas estratégias na região, visando à pro­ tem vantagens específicas dadas pelo Esta­ dução de um espaço transnacional; os con­ do mas ao mesmo tempo faz investimentos flitos inerentes ao processo. fora do Território Nacional. RBG 9

Outros paradoxos são intrínsecos ao zação do capital estrangeiro só é possível, fenômeno. Segundo a teoria marxista, uma dando ao Estado uma nova posição de po­ empresa se multinacionaliza para explo­ der para barganhar com as multinacionais, ração dos países periféricos pelos países de­ estabelecendo-se uma situação de de­ senvolvidos, seja pelo imperialismo seja pe­ pendência associada ao fortalecimento do la troca desigual; segundo a teoria liberal no Estado; ramo da ciência da gestão, a multinacionali­ - ideológicos; a condição de ex-colônia zação é fruto da lógica de desenvolvimento coloca a independência política no cerne da da empresa, que procura explorar uma van­ identidade nacional, provocando a rejeição tagem ligada a diferenças entre países - da colonização econômica pelas multinacio­ quanto a custo e disponibilidade de fatores nais estrangeiras e fortalecendo a posição de produção, escala de mercado, nível tec­ da empresa estatal, fato a que se soma, no nológico -, ou responde a políticas prote­ Brasil, a ideologia militar que visualiza o país cionistas de outros países (Anastassopou­ como futura potência mundial. A empresa 2 los, Blanc, Dussauge, 1985) • A evidência estatal garante, assim, a apropriação pela empírica, contudo, é de que a multinaciona­ Nação de setores considerados chave para lização das empresas estatais não se res­ o controle do conjunto da economia, para a tringe aos países desenvolvidos; pelo substituição de importações, para o desen­ contrário é um fenômeno crescente nos paí• volvimento tecnológico etc.; e ses do capitalismo periférico. - políticos, referentes ao reforço da es­ Acresce que, segundo a teoria, a empresa trutura do Estado no plano interno para se li­ pública é criada por razões ideológicas - berar dos interesses particulares dos blocos garantir o controle de setores-chave pela regionais. Nação - e por razões econômicas - apro­ Na medida em que se configuram proble­ priação pelo Estado das atividades em que o mas de desenvolvimento na escala nacio­ capital se desvaloriza, permitindo a manu­ nal, acentua-se o papel das empresas esta­ tenção do lucro no setor privado. No entan­ tais e o Estado cria condições para sua ex­ to, a evidência nos países subdesenvolvi­ pansão e eventual multinacionalização, pro­ dos é de que a nacionalização se faz com cesso que, do contrário, seria mais lento e estatização, e de que há setores que se de menor escala. desvalorizam e não são nacionalizados e O nacionalismo é, pois, um importante vice-versa. fator de extensão do setor público nos paí• A criação das empresas públicas e sua ses subdesenvolvidos e o nível de inter­ eventual multinacionalização não se pres­ venção estatal é uma condição fundamental tam, assim, a uma pura análise econômica nesse processo. Este decorre da difícil - sua explicação vai além do mercado e combinação entre a doutrina e a prática; do seus mecanismos, e deve ser encontrada na cruzamento da ideologia - que condiciona finalidade da ação do Estado, nos motivos a atitude e a doutrina do governo em face contingentes da constituição da empresa da nacionalização -e da economia, i.e., da estatal: pressão da realidade. Essa combinação se - econômicos, que atribuem à empresa manifesta do descompasso entre uma ideo­ pública uma função instrumental a serviço logia expressa ao nível do discurso, mas das políticas nacionais. As empresas esta­ que defende práticas que lhe são estranhas, tais constituem-se como meio essencial do resultando no paradoxo de uma ideologia li­ desenvolvimento econômico do país na me­ beral com intervencionismo estatal. dida em que dada a insuficiência da iniciati­ Nesse contexto, a especificidade de va privada nacional (fraca disponibilidade de gestão da empresa estatal reside na contra­ capital, de potencial empresarial ou falta de dição contida na relação entre a empresa e o interesse). esses países têm que recorrer à Estado que a tutela, colocando-se a questão empresa estrangeira ou à pública para seu central do grau e dos domínios da autono­ desenvolvimento. Por seu turno, a internali- mia da empresa em relação ao Estado. As

2 A experiência advinda de estudos na Amazônia indica que, a essas razões, deve-se acrescentar as vantagens da apropriação monopolista do espaço pa­ ra seu controle, permitindo o uso dos recursos no momento e no volume que melhor conviver à empresa; 10 RBG brechas de compatibilidade entre nacionali­ setores-chave se inicia nos anos 70 com o zação e. multinacionalização residem na governo autoritário, manifestando-se sua coincidência de interesses da empresa e da multinacionalização nos anos 80: é o caso Nação quanto a investimentos no exterior da EMBRAER no setor da aeronáutica, parte e/ou na neutralização da oposição de inte­ do complexo militar-industrial, que, criada resses decorrentes de irracionalidades na em 1969, exporta hoje 50% de seus trama de decisões do Estado, ou da qualida­ negócios para os países desenvolvidos on­ de de manobra dos dirigentes da empresa, de tem duas filiais; da Companhia Vale do fatos que influem na trajetória das empre­ Rio Doce - CVRD, que controla o setor de sas. O processo de multinacionalização não mineração do ferro e hoje se diversifica; e é, portanto, homogêneo, dependendo do da SIDERBRÁS (Grupo Companhia Si­ setor de atividade e das características da derúrgica Nacional, COSIPA e USIMINASl empresa no que tange à sua relação com o que controla a indústria do aço. Paralela­ Estado através da capacidade de seus ges­ mente o Estado desenvolve uma estratégia tores, que constituem a mediação humana de "grandes zonas regionais" com países entre as duas lógicas, a empresarial e a es­ vizinhos, e de "afinidades culturais" com tatal, e atenuam o conflito latente da países africanos recém-liberados da coloni­ criação de "um Estado dentro do Estado". zação (principalmente portuguesa), ressal­ Estes fatos são patentes no Brasil, onde, tando, em sua atuação, a venda de tecnolo­ apesar da ideologia liberal da livre empresa, gia no exterior para construção de grandes o setor público se desenvolveu desde cedo, barragens através da ELETROBRÁS. tem grande peso e responde em grande par­ Através do desenvolvimento das empre­ te pela posição atual do país como "recém­ sas estatais, se assegura o controle de seto­ -industrializado" ou "semiperiferia" no res e produtos-chave para a economia na­ cenário mundial. cional. Criam-se condições para acelerar: a) Em face da crise mundial de 1929, o na­ a formação de capital nacional (reunião de cionalismo se firma, bem como o movimen­ capitais privados através de ações sem di­ to de construção do Estado. Com a política reito a voto mas com isenções fiscais; b) a de Getúlio Vargas, o Estado se apropria dos formação de quadros técnicos, o desenvol­ meios de produção essenciais ao seu desen­ vimento da pesquisa e de tecnologias volvimento - energia, minas, transporte, próprias e a participação no campo da alt,? parte da siderurgia e do crédito, paradoxal­ tecnologia; c) a valorização dos recursos mente com o apoio do capital estrangeiro, naturais nacionais no exterior, assegurando mas reduzindo o domínio das empresas o fluxo das exportações e a substituição das norte-americanas. A indústria de base é im­ importações. plantada com a criação da Companhia Si­ É assim que o crescimento econômico do derúrgica Nacional, barganhada em troca do Brasil se apóia no modelo do "tripé", i.e., apoio brasileiro à guerra contra o fascismo; em três tipos de empresa: as multinacionais uma complexa legislação trabalhista acelera estrangeiras, as empresas privadas nacio­ a formação de um proletariado urbano para nais e as empresas públicas, estas realizan­ atender ao crescimento industrial. A criação do em média um terço da formação bruta do de empresas públicas e o movimento de capital fixo cada ano. A estratégia das esta­ construção do Estado Nacional são acelera­ tais se harmoniza em parte com a política do dos no segundo pós-guerra, quando um am­ governo para dar continuidade ao cresci­ plo movimento nacional exige a nacionali­ mento econômico, seja como multinacional zação do setor petrolífero, dando origem à nacionalista (EMBRAER), como instrumento PETROBRÁS (1956). Diversificando-se gra­ de política externa (PETROBRÁS), como pi­ dativamente, a PETROBRÁS em 1973 lar do desenvolvimento (CVRD) ou instru­ constitui uma das 200 maiores empresas in­ mento de industrialização (SIDERBRÁS) dustriais mundiais não americanas, e, em (Anastassopoulos, Blanc, Dussauge, 1983, mantém esse lugar figurando como 1985). uma multinacional. A nova vaga de criação de empresas É lícito, portanto, admitir que as empre­ públicas para controlar e desenvolver sas estatais não são apenas um meio essen- RBG 11

cial do desenvolvimento econômico do país Ao lado da vantagem representada pela sua existência ultrapassa o nível apropriação de territórios, a região apresen­ econômico, identificando-se com a própria ta uma fantástica riqueza mineral. A provín• construção do Estado Nacional. cia metalogênica da Amazônia Oriental (lo­ A multiplicação e multinacionalização das calizada entre os rios Araguaia e Xingu), 2 empresas estatais, contudo, acentuam por com mais de 100 000 km , é uma das gran­ um lado a contradição entre um crescimen­ des anomalias geológicas do planeta, no to econômico nacional e a sua vulnerabilida­ que tange ao volume e à concentração de de decorrente da dependência aos financia­ metais de uso industrial e/ou alto valor mentos externos que o sustentam, e, por unitário num raio de 60 km a partir da Serra outro lado, a contradição da relação das em­ dos Carajás (25-30 bilhões de toneladas). presas com o Estado, na medida em que Sua descoberta, em meados da década de elas têm seus próprios interesses particula­ 60, resultou de uma política de prospecção res. Esse processo tem uma dimensão espa­ sistemática em nível empresarial e, embora cial - uma crescente apropriação do espa­ apenas 20% de suas reservas sejam conhe­ ço pelas empresas, fato que, embora parte cidas, essa riqueza inclui as mais importan­ da construção do Estado Nacional, é tes reservas de ferro no mundo ( 1 5 bilhões também contraditório na medida em que a de toneladas com 60% de teor), e grandes gestão auto-suficiente das empresas em reservas de manganês (60 milhões com teor seus territórios é conflitante com o Estado, de 42%) e níquel (4 7 milhões de toneladas); incapaz de controlar o impacto social e re­ a terceira maior reserva mundial de bauxita gional por eles gerado. (4. 7 bilhões de toneladas, incluindo as re­ Nesse contexto, a Amazônia, como fron­ servas exteriores à área de Carajás, das teira, assume especial significância, sendo quais 40 milhões com 38-40% de alumina), aí possível visualizar a estratégia geral do além de cobre, ouro, cassiterita e wolframi­ Estado e de uma corporação estatal em pro­ ta. A localização próxima à costa do Atlânti• cesso de multinacionalização, no caso, a co favorece o acesso às jazidas, Companhia Vale do Rio Doce. valorizando-as ainda mais (Figura 1 ) . Os recursos potenciais da região não se restringem ao e~paço e aos minerais. A A AMAZÔNIA COMO UM ESPACO Amazônia contém a maior bacia hidrográfi­ GEOPOlÍTICO PRIVILEGIADO I ca do mundo, com um potencial calculado PARA A ACÃO DE CORPORACÕES de 70 000 MW, e um imenso potencial flo­ TRANSNACIONAIS: O PONTÓ DE restal em termos de biomassa, que pode ser VISTA DO ESTADO E DA convertida em carvão vegetal para siderur­ CORPORAÇÃO gia, e de essências com ampla gama de usos econômicos. Do ponto de vista das corporações, a Representa, assim, um espaço extrema­ Amazônia Legal apresenta, como primeira mente atrativo para as corporações trans­ vantagem, a possibilidade de apropriação nacionais interessadas, a longo prazo, na de grandes porções de espaço. Essa possi­ apropriação do espaço e dos recursos como bilidade é facilitada pela extensão territorial, reserva e, a curto prazo, na exploração da baixa densidade demográfica e fraqueza de bauxita e do ferro. Resulta daí que, entre 33 organizações sociais capazes de resistir à "grandes projetos" industriais e de infra­ nova apropriação. Configura-se, assim, co­ -estrutura3 que expressam a estratégia prio­ mo um espaço onde é possível implantar ritária do Estado para a década de 80, seis novas estruturas, abrir mercados para in­ foram localizados na Amazônia, onde é pos­ vestimentos e para importação e expor­ sível implantar projetos multissetoriais, en­ tação de produtos de alta tecnologia e/ou quanto que em outras regiões os projetos se tecnologia madura, bem como expandir o vinculam a um único setor (lbase, 1982). mercado financeiro mundial. Do ponto de vista da corporação, a expio-

3 Grandes projetos são projetos patrocinados e/ou financiados em grande parte pelo Estado, cujo investimento é equivalente ou superior a um bilhão de dólares (lbase, 1982), 12 RBG

FIGURA 1 RECURSOS MINERAIS DE CARAJÁS

8,.,,. ttOOO

@NOftQ.... 10

@ NÍ•••I ., Ge•.,,. l.tOO ~ o.re

FONTE: REV. PROGRAMA GRANDE CARAJÁS PRES. DA REPÚBLICA /SEC. DE PLANEJAMENTO

ração dos recursos regionais enfrenta, con­ siste em um espaço não plenamente estru­ tudo um grande obstáculo: o "fator turado, com uma organização capitalista amazônico", basicamente representado pe­ inacabada, formas de produção e organi­ las distâncias a vencer e pela falta de ener­ zação social indefinidas e fluídas, que lhe gia e de mão-de-obra. atribuem um elevado potencial político. Es­ O Estado se encãrrega de eliminar esse te fato torna a integração da fronteira vital obstáculo. Por razões econômicas e para a própria construção do Estado que se ideológicas, cria condições para a expansão empenha em sua rápida estruturação não só das corporações na região, inclusive da cor­ para valorizá-la economicamente mas para poração estatal que controla a exploração controlá-la política e ideologicamente. Para mineral no país, a CVRD que, nesse proces­ tanto, a partir de 1970, financia a rápida so, tende a se multinacionalizar. apropriação da terra por grandes corpora­ Do ponto de vista do Estado, contudo, a ções, simultaneamente desenvolvendo pro­ fronteira assume um significado diverso da­ gramas reformistas em localizações es­ quele que tem para a corporação. Ela con- tratégicas e implanta todos os tipos de re- RBG 13

desde transporte, comunicação, urbana - tinuidade na construção do Estado Nacio­ que provêm as bases para a integração nal, embora segundo um modelo de moder­ econômica, política e ideológica (Becker, nização dolorosa, está em jogo; sob esse 1984). ângulo, as questões que se colocam são a A criação do Programa Grande Carajás, da sobrevivência e manutenção de uma po­ no fim dos anos 70, configura a estratégia sição na ordem econômica internacional, do Estado para a _nova fase da fronteira, a ameaçada pela acentuação da competição da indústria de exploração mineral. Propos­ das corporações privadas, ainda que com to pela CVRD, o programa foi endossado altos custos sociais. Assim, sob um discur­ pelo Estado. O discurso do Estado justifica so da economia de mercado, criam-se, sua intervenção pela importância de desen­ também, condições para a expansão das volver um projeto de escala nacional que, empresas estatais particularmente a CVRD, explorando ordenada e sistematicamente as de modo que possa expandir e diversificar riquezas naturais da região, seria capaz de suas atividades e, assim, fortalecer sua suprir o país com divisas para superar o pe­ competição no mercado mundial de ríodo crítico decorrente da crise mundial de minérios. modo a dar continuidade ao desenvolvimen­ Criada em 1 942, a CVRD é hoje uma cor­ to regional e à eliminação das desigualdades poração eficiente e moderna, uma holding regionais (CVRD, 1980). que controla 86 subsidiárias, participa de A ambigüidade das relações Estado­ outras 66, a maior exportadora individual de -empresa estatal está, contudo, presente ferro no globo, tendo adquirido ampla expe­ 4 desde a gestação do projeto • A CVRD pro­ riência em navegação, metalurgia e silvicul­ põe a mobilização industrial do ferro e do tura com os projetos desenvolvidos no su­ alumínio da Amazônia Oriental numa escala deste do país. planetária, sob seu controle e, posterior­ A CVRD tem sido um agente governa­ mente, a valorização de toda a gama de pro­ mental no desenvolvimento de uma vasta dutos locais e o beneficiamento da pro­ infra-estrutura de ferrovias, rodovias e por­ dução mineral, formando um imenso corre­ tas utilizadas inclusive por outras empresas. dor de exportação e um parque siderúrgico A empresa colocou grande ênfase no pro­ que pagaria pelos custos do projeto. Fiel à cesso de substituição de importações, utili­ sua aliança com interesses do capital priva­ zando ao máximo em seus negócios as fir­ do, o Estado reduz as pretensões de amplo mas nacionais: em 1969, somente 25% de controle da CVRD, estabelecendo que os suas compras eram feitas no Brasil, enquan­ projetos serão implantados pela iniciativa to que em 1975, essa proporção cresceu privada, competindo ao setor público ape­ para 80%. Como empresa estatal, envolve­ nas a implantação de um sistema logístico -se, ainda, em complexas negociações de de infra-estrutura suficientemente eficiente troca de bens e serviços, e, por vezes, mes­ e moderno para atrair projetos industriais. mo negociações governo a governo (Vernon Sua prática, contudo, é mais complexa. e Levy, 1982). Amplos segmentos da sociedade acusam, Não lhe faltam hoje, contudo, caracterís• com razão, a iniciativa, decidida em círculo ticas de uma empresa privada dinâmica. Ela fechado sem discussão nacional, de ser, desenvolveu uma quantidade considerável apenas, um instrumento de dependência fi­ de fundos gerados internamente e uma ca­ nanceira externa e perda da soberania, devi­ pacidade independente de empréstimo; do à internacionalização da região, ainda atua com agressividade no mercado mun­ que sob a imagem do desenvolvimento de dial e desenvolve fortes laços com clientes . uma potência mundial. Por sua vez, a ima­ externos e joint-ventures com empresas gem de uma potência em formação, desvia­ estrangeiras. ria a atenção nacional da discussão da crise. Devido à exaustão e altos custos dos Tal visão é, em nossa opinião, parcial. A depósitos de ferro de Minas Gerais, o deslo­ realidade parece menos simplificada. A con- camento do centro nacional de siderurgia

4 A interpretação aqui efetuada se fundamenta em estudos anteriores sobre as políticas estatais na região, e numa bibliografia que, ressalva feita a alguns trabalhos científicos, é muito fragmentada e dispersa em relatórios. 14 RBG para o norte torna-se necessário para man­ expandido de modo a alcançar a escala con­ ter o nível das exportações e eliminar com­ dizente com a mobilização de recursos pre­ petidores. Acresce que a sobrevivência da vista: além de criar condições de infra­ CVRD no mercado mundial requer sua di­ -estrutura e apropriação subsidiada da terra versificação, principalmente pela produção como fizera na década anterior, passa do alumínio. Assim, a construção de um gi­ também a produzir o insumo básico para a gantesco corredor de exportação no Norte produção atual do alumínio e futura indus­ do país, à semelhança daquele existente no trialização mineral, a energia elétrica. Sudeste - permitindo a circulação de pro­ Alguns elementos da estratégia de pro­ dutos agrícolas e minerais desde o Planalto dução do novo espaço podem ser identifica­ Central até o Porto de Vitória -, torna-se, dos: também, meta prioritária para a CVRD e pa­ 1) lnstitucionalização do programa: subsí• 5 ra o Estado • dios à apropriação do espaço e criação de Uma política de mercado agressiva para a um novo território CVRD, pois, segundo nossa compreensão, O Programa Grande Carajás, o "Cara­ está também no cerne da intervenção esta­ jazão", proposto pela CVRD, em 1980, e tal, configurando, no caso, a coincidência aceito pelo Estado, propõe a ser o maior de interesses entre a corporação e o Estado. projeto de desenvolvimento integrado no Assim, embora restringindo as pretensões mundo. Visando a equacionar o problema da CVRD, o Estado atua a seu favor, favore­ da exploração de todos os recursos da cendo a sua expansão. Este fato, associado Amazônia Oriental de modo integrado, o à crise do final dos anos 70, que provocou a programa é constituído de três segmentos retração de interesses estrangeiros na área, -minero-metalúrgico, agroflorestal e infra- explica por que, dentre os seis grandes pro­ -estrutura - prevendo-se, com seu desen- jetos implantados na Amazônia até o mo­ volvimento, investimentos de 61.7 bilhões mento, somente um seja totalmente contro­ de dólares (39.2 em projetos e 22.5 em lado por corporações estrangeiras, o infra-estrutura) e ganhos no montante de ALUMAR, o investimento privado mais vul­ 1 O bilhões de dólares por ano. toso já feito no Brasil; dois deles são ex­ Para implementá-lo, por decisão de cúpu­ clusivamente estatais - Ferro Carajás, la, uma nova esfera de poder foi estabeleci­ da CVRD, e Hidrelétrica de Tucuruí da da para fixar as políticas - o Conselho ln­ ELETROBRÁS -e os outros três, que produ­ terministerial do Programa Grande Carajás zem bauxita e/ou a lu mina e alumínio, são con­ junto à Secretaria de Planejamento, direta­ trolados por joint-ventures em que a CVRD mente ligado ao Governo Federal e, assim, sozinha é a acionista majoritária (ALBRÁS e superposto à Superintendência de Desen­ ALUNORTE) ou em que a CVRD com capital volvimento Regional - SUDAM e aos go­ privado nacional são majoritárias (Projeto vernos estaduais. O Conselho lnterministe­ Trombetas) (Quadro 1 ). rial estabelece para o programa um regime especial de concessão de incentivos tri­ butários e financeiros, todas as isenções ESTRATÉGIAS ESPACIAIS DO previamente definidas na legislação vigente ESTADO E DAS CORPORACÕES (isenção de imposto de renda por 1 O anos PARA PRODUÇÃO DE ESPÁÇOS para os projetos em operação), além de TRANSNACIONAIS créditos especiais e isenções na importação de equipamento, produtos industriais e cir­ culação de mercadorias. O processo acima referido implica a pro­ O "tripé" da economia foi respeitado. As dução de um novo espaço, transnacional. O intensões da CVRD foram restringidas, de­ papel do Estado nesse processo é mantido e vendo a Companhia do Vale do Rio Doce in-

5 A Estrada de Ferro Norte-Sul, definida como a obra de maior vulto do atual governo, afirma e amplia a estratégia de construção do grande corredor de exportação. Ligando o cerrado do Centro-Oeste ao Norte - parte de Senador Canedo, próximo a Goiânia indo até Açailãndia, onde se articula com a ferro­ via Carajás - e promovendo a interligação dos sistemas rodo, ferro e hidroviário, mobilizará produtos em grande escala, principalmente para exportação. Embora o projeto seja elaborado pela CVRO, sua construção será feita através de uma nova via de capital aberto, associando governo e capital privado (Jornal do Brasil. 28-12-86). RBG 15

QUADRO 1 GRANDES PROJETOS PRODUTIVOS NA AMAZÔNIA

ESPECIFICAÇÃO DOS PROJETOS PRODUTIVOS DA AMAZÔNIA

DENOMINA- Acionistas ÇÃODOS Número de Investimento Data da Principais PROJETOS Partici- Produto Empregos (milhões de Inauguração Mercados Empresas pação Criados dólares) (%)

Ferro Carajás 1985 CVRD 100 Ferro Japão 7 000 3 616 manganês RFA Doméstico Trombetas 1979 CVRD 46 Bauxita Canadá 1 600 500 000 Votorantim 10 EUA Alcan 24 Venezuela Billington 10 Albrás 1985 CVRD 51 Alumínio Valesul (2) 3 032 2 500 000 (NIPPON) NAAC 49 Japão AMAZÔNIA ALUMINIUM LTD.) Alunorte 1988 (1) CVRD 60.8 Alumina Albrás 854 571 NAAC 39.2 Valesul Alumar 1984 AI coa 60 Alumina e Valesul 2 000 1 500 000 Billington 40 Alumínio Alcan EUA Doméstico Fonte: Relatórios das Empresas. (1) Projetado, (2) CVRD e Billington.

formar sobre os termos de venda, cessão No interior deste território, uma nova ou arrendamento dos direitos sobre suas ja­ apropriação seletiva se efetua: a área atri­ zidas de cobre, manganês e níquel, buída à CVRD - cerca de 2 milhões de ha mantendo-os no que tange à exploração do em torno da Serra dos Carajás, para a explo­ ferro e participando na exploração do man­ ração de ferro e manganês, prospecção, e ganês (embora a industrialização do último promoção do desenvolvimento; um zonea­ deva caber à iniciativa privada). Em contra­ mento agrícola para diagnóstico e regulari­ partida, a empresa mantém o controle sobre zação da propriedade da terra, visando à im­ o grande complexo territorial organizado em plantação de estabelecimentos agrícolas, torno da exploração do ferro. zoneamento programado, embora sem ne­ nhuma definição até o momento; um zonea­ Um novo território é, assim, criado, mento industrial, através da criação de dis­ sobrepondo-se à divisão administrativa ofi­ tritos industriais que, em contrapartida, é cial e mesmo aos territórios diretamente ge­ FIGURA 2 ridos pelo próprio Governo Central anterior­ PROGRAMA CARAJÁS mente criados. Localizado ao norte do parale­ lo de 8 °, limitado pelos rios Araguaia, Xingue Paranaíba, e com uma extensão de 800-900 km2 (90 milhões de ha), o novo território do "Carajazão" corresponde a 10% do Ter­ ritório Nacional, englobando grandes porções do Estado do Pará, Goiás e Maranhão, totali­ zando 220 municípios e compreendendo áreas sob controle do INCRA e do GET AT (ho­ je extintos) (Figura 2). 16 RBG

claramente definido, expressando bem a baseou na construção de uma rede rodo­ nova fase da expansão da fronteira viária. Hoje, um gigantesco sistema de (Carajás-Marabá, São Luiz, Tucuruí e Vila transporte, na forma de um Y, con!itituído do Conde). pela interconecção hidroferroviária se im­ 2) Elementos de integração e ordenação planta para alcançar a mobilização de recur­ do espaço transnacional: redes e insumo sos prevista e a formação. de um espaço básico transnacional (Figura 3). A Estrada de Ferro Três elementos fundamentais asseguram Carajás, inaugurada em 1985, é a espinha a produção do espaço transnacional: o sis­ dorsal do sistema, do corredor de expor­ tema de transporte para exportação da pro­ tação a ser desenvolvido, uma estrada mo­ dução, o insumo básico para a produção in­ derna (controle eletrônico). com 890 km de dustrial - a energia hidrelétrica -, e os comprimento e capacidade para transportar núcleos urbanos, base logística para a nova 35 milhões de toneladas/ano de ferro, con­ produção e para a organização do mercado siderada vital pela empresa para vencer a de trabalho. competição com a Austrália no mercado de a) Um sistema logístico global de trans­ ferro. porte. Nas décadas de 60 e 70, a inte­ A hidrovia constituída pelas bacias dos gração da fronteira ao Território Nacional se rios Tocantins e Araguaia, situada próximo

FIGURA 3 SISTEMA LOGÍSTICO GLOBAL DE TRANSPORTES - PROJETO GRANDE CARAJÁS

I i i ----, __ ..., I .,~ ·" --·-· '..,_ AP

; I

) i /~@ferre t <~-._/ e 111Gft9Q"~ \ / @cobre ·;;.. r· ~ o ( '··-- @ niqvel I l \ 1 {DIIou:sito I \ i '/

FONTE: REV. PROGRAMA GRANDE CARAJÁS PRES. DA REPÚBLICA /SEC. DE PLANEJAMENTO RBG 17

às minas, é o outro eixo do sistema. Um local, atuando como pontos de atração e re­ conjunto de eclusas foi planejado para asse­ sidência de migrantes, de sua ressociali­ gurar a navegação através de 2 046 km vi­ zação, e de circulação intra-regional da for­ sando a apoiar o projeto de desenvolvimen­ ça de trabalho, pois o mercado de trabalho to agrícola na área, mas até o momento ainda desorganizado requer uma força de apenas as eclusas de Tucuruí foram cons­ trabalho móvel, tanto espacialmente como truídas, na verdade, com uma outra função. no que se refere à capacidade de desempe­ nhar tarefas variadas no correr do ano. b) A produção hidrelétrica, um insumo Os núcleos urbanos tornam-se também a básico. A construção das eclusas de Tucu­ base de operações para os grandes projetos ruí está associada à construção da usina hi­ industriais da década de 80. Participam da drelétrica, por si só um grande projeto de produção do espaço transnacional não ape­ uma empresa estatal, a ELETRONORTE nas como portos e centros industriais, mas, (subsidiária da ELETROBRÁS), executado também, como os lugares onde a comuni­ por uma construtora privada, a Camargo cação de base eletrônica se efetua, e como Corrêa. A construção da usina foi iniciada sede da gerência dos projetos. Atuam em 1975 e teve sua primeira fase concluída também como mediadores entre os espaços no final de 1984, com uma produção de 4 nacional e transnacional no que tange à or­ GW. Quando concluída, será a quarta maior ganização de um mercado de trabalho que usina hidrelétrica do mundo. O discurso go­ demanda mão-de-obra qualificada; consti­ vernamental justificou essa obra, com gas­ tuem a base espacial da segmentação da tos de 6 milhões de dólares obtidos com fi­ força de trabalho, lugar onde a força de tra­ nanciamentos externos, na base de sua im­ balho é treinada e onde se procura, através portância para a autonomia energética na­ de vantagens extramonetárias (como vilas cional, como um investimento político para residenciais, alimentação), imobilizar essa a integração nacional. Na realidade, a parcela semi ou plenamente qualificada. função da usina é suprir em energia o com­ plexo minero-metalúrgico, pois que os gran­ Assim, todos os grandes projetos têm des centros regionais (Belém e São Luiz) uti­ suas cidades planejadas, base de seus ter­ lizam, apenas, um décimo da sua produção. ritórios auto-suficientes. Em sua periferia, Tarifas subsidiadas (preço de venda inferior contudo, núcleos espontâneos multiplicam­ ao do custo da produção) garantem a pro­ -se e crescem, por vezes temporariamente, dução de alumínio, nos grandes projetos, abrigando a força de trabalho não qualifica­ compromisso que não pode ser evitado ape­ da, móvel, dispensada após o términq das obras de construção dos estabelecimentos. sar da crise econômica, e que prova ser ver­ dadeira a acusação feita pela sociedade de Os dois tipos de núcleos urbanos são, as­ sim, complementares, formando uma base que o Estado atua socializando perdas even­ tuais dos investidores, ainda que um dos logística de dupla face que atende às principais investidores seja a CVRD. exigências da segmentação da força de tra­ balho imposta pelas necessidades da nova c) Os núcleos urbanos e a produção de ordem mundial em implantação. um novo mercado de trabalho. Desde o iní• Diversificam-se, assim, os tipos de cio, o projeto de integração da Amazônia núcleos urbanos na fronteira, relacionados previu a urbanização como base logística ao novo espaço transnacional em for­ para a sua ocupação, sob a justificativa da mação. necessidade de oferecer condições de vida As cidades das companhias, altamente atraentes à população migrante. Políticas especializadas, são "distritos industriais" de urbanismo rural e de pólos de crescimen­ localizados junto às minas ou portos, por to desenvolveram-se na primeira metade da vezes constituindo extensões portuárias década de 70. Na verdade, o papel das cida­ das metrópoles ou centros regionais. O Es­ des na integração da fronteira tem sido: as­ tado participa da construção da maior parte segurar as relações com centros distantes delas como é o caso do Porto de Barcarena, através da circulação de bens, capital e in­ em Vila do Conde, próximo a Belém, termi­ formação; organizar o mercado de trabalho nal de exportação construído e gerenciado 18 RBG

pela Companhia de Desenvolvimento de Barcarena - CODEBAR sob a supervisão da CONFLITOS INERENTES AO SEPLAN, para atender às necessidades do PROCESSO DE PRODUÇÃO DA complexo industrial ALBRÁS-ALUNORTE NOVA ORDEM ESPACIAL que já conta, hoje, com 1 2 000 habitantes; VELHOS PROBLEMAS EM NOVA de Tucuruí, controlada pela ELETROBRÁS, ESCALA porto fluvial projetado para se tornar um centro não só hidrelétrico como eletrossi­ derúrgico, abrigando 56 000 pessoas em O preço para participar da nova ordem 1 984; de Carajás, da CVRD, localizada na planetária é o aprofundamento de conflitos Serra dos Carajás, núcleo produtor de ferro em todos os níveis, em conseqüência do gusa e esponja, com 11 000 habitantes em conflito entre o espaço nacional e o transna­ 1985. cional. A participação na nova ordem transnacio­ Além das cidades das companhias, o Es­ nal refere-se, por sua concepção, ritmo, tado provê a construção de centros habita­ destino da produção e apropriação dos re­ cionais em núcleos já existentes ou novos, sultados, a uma ligação com o exterior ex­ localizados em pontos estratégicos como pressa na produção de enclaves econômi• portos, pólos industriais e/ou centros de cos, políticos e territoriais dentro do espaço atração/redistribuição de força de trabalho. nacional. Nesse processo, as dimensões hu­ A CVRD constrói dez novos centros habita­ mana e ecológicas e a identidade cultural re­ cionais ao longo da ferrovia. O Governo Fe­ gional são negligenciadas. A competição deral faz o mesmo em Marabá - entronca­ entre gigantescas corporações determina o mento fluviorrodoviário localizado no conta­ processo beneficiando algumas delas, mas to entre a bacia de mão-de-obra nordestina os conflitos inerentes ao processo se mani­ e a fronteira onde se prevê o desenvolvi­ festam no espaço nacional em diferentes ní• mento da siderurgia a eletricidade e a veis, como por exemplo: carvão vegetal - e em São Luiz, centro in­ dustrial produtor de ligas, sede dos portos - um primeiro nível de conflito se dá en­ da Ponta da Madeira e ltaqui, pólo industrial tre as corporações estrangeiras e a estatal. ligado por hidrovia a dez cidades e centro de É o caso da pressão exercida pela ALCOA atração de mão-de-obra, onde núcleos habi­ sobre a ALCAN e a CVRD. Para que a tacionais são construídos, bem como cida­ ALCAN lhe venda grande quantidade de des operárias nas vizinhanças dos portos. bauxita - afetando o suprimento dos proje­ tos da CVRD - e a baixo preço, a ALCOA Em contraste com a ordem das cidades ameaça explorar suas próprias reservas e das companhias, os núcleos espontâneos assim baixar o preço do minério no mercado situados na periferia ou proximidade dos internacional; grandes projetos emergem e explodem cao­ - conflitos entre o Estado e as corpora­ ticamente. Abrigando a força de trabalho ções se configuram, inclusive com as esta­ não qualificada, desenvolvem um comércio tais, como a CVRD. Apesar da identidade de afivo envolvendo não apenas bens de con­ interesses entre o Estado e a CVRD, o Esta­ sumo, mas contratação de mão-de-obra, do apoiou a empresa mas restringiu suas prostituição, hospedarias etc. para atender metas; por outro lado, esta se fortalece e o fluxo de população que vem à busca de tende para um processo de multinacionali­ emprego ou que reflui quando do término zação, acentuando-se sua face empresarial das obras dos grandes projetos. Exemplos e sua autonomia, o que implica a fragmen­ desses núcleos, a outra face da moeda das tação do Estado e a acentuação de interes­ cidades planejadas, são Paranapebas/Rio ses particulares em relação aos interesses Verde, centro de recrutamento para Carajás comuns; e hoje com 1 5 000 habitantes ( 1986) e Cu­ - conflitos entre as esferas de poder go­ rionópolis, que, localizada entre Carajás e vernamental resultam da redivisão territorial Marabá, alcançou 65 000 habitantes em em curso na região. A nova malha territorial apenas seis anos. "programada" pelo Estado e superposta às RBG 19

existentes representa perda de poder de de­ de migrantes assim atraídos, empregados e cisão para os governadores estaduais e ad­ assentados apenas temporariamente, ministradores locais que, no entanto, têm transforma-se em mão-de-obra não qualifi­ que utilizar seus magros recursos para aten­ cada para as grandes obras de construção der a problemas locais decorrentes da im­ dos projetos e é dispensado quando elas plantação de grandes projetos. terminam, refluindo para os núcleos urba­ Do impacto do espaço transnacional so­ nos, como no caso da Usina de Tucuruí, por bre o espaço local, vivido pela populaçâo, exemplo, em que dos 30 000 trabalhadores decorrem vários tipos de conflitos: empregados em sua construção somente 7 000 haviam permanecido em 1985. a) a destruição de espaços construídos, i.e., não apenas a destruição da natureza, mas também do ambiente previamente pro­ OBSERVACÕES FINAIS duzido pelo próprio Estado. Tucuruí é um PERSPÉCTIVAS exemplo desse processo: a barragem inun­ dou 216 000 ha de florestas, 250 km de ro­ dovias - dentre os quais 1 50 km perten­ Devido à crise mundial e à dívida externa, cendo rodovia Transamazônica, construí• à os grandes projetos estão atrasados ou da nos anos 70 -, projetos de colonização adiados. Existe uma indefinição quanto ao do INCRA, onde três núcleos urbanos foram destino do Programa Grande Carajás: o ca­ submergidos, com grande impacto, portan­ pital estrangeiro se retrai; o capital nacional to nas comunidades de pequenos produto­ aguarda regulamentação governamental pa­ res e populações indígenas, e nas relações ra investir com vantagens fiscais naqueles homem-meio; setores onde tradicionalmente atua, i.e., a b) a revolução econômica, social e políti• pecuária e a especulação de terra; resta ca produzida pelo impacto da ferrovia nas apenas o investimento estatal. áreas organizadas em função da circulação fluvial que, reduzindo o tempo das relações O potencial de recursos da Amazônia é devido à maior acessibilidade, desorganiza um fato e constitui um dos vetores para re­ os laços sociais e a cultura locais; e pensar o país sob o novo regime político, c) efeitos resultantes da dissociação en­ uma vez que o modo pelo qual a fronteira é tre grandes projetos e condições locais, co­ ocupada certamente influirá no futuro do mo é o caso das linhas de transmissão de país. Coloca-se, então, a questão: como Tucuruí, que atravessam grandes exten­ efetuar a exploração cuidadosa desse po­ sões de terra sem com elas estabelecer tencial sem prejuízo das necessidades das qualquer conexão, a população permane­ populações presentes e futuras? cendo desprovida de suprimento de ener­ Os partidos políticos não têm uma pro­ gia; é também o caso da apropriação espe­ posta clara para a questão. A comunidade culativa da terra por empresários modernos, científica tem tentado ampliar o debate na­ estranhos à região. cional sobre o problema, sugerindo, entre São ainda intensos os conflitos relaciona­ outras medidas, a ampliação do poder de dos à segmentação da força de trabalho e barganha nas negociações externas, re­ intensificação da mobilidade da mão-de­ dução do ritmo de implementação do Pro­ -obra não qualificada, e à inchação dos grama Carajás - que deve ser integrado ao núcleos urbanos, um dos mais altos custos planejamento do desenvolvimento do país sociais da implantação da nova ordem. A como um todo - e exigência de que os in­ mobilidade é estimulada por ação do Estado vestimentos das corporações estrangeiras - seja indiretamente, através da imagem sejam em capital de risco. Movimentos so­ de acesso à terra ou emprego abundante e ciais constituem uma resistência à es­ remunerador, seja diretamente através da tratégia do Estado e das corporações desapropriação de pequenos produtores através de petições enviadas à ELETRO­ (fato que libera terra e força de trabalho pa­ NORTE e ao Governo Federal, de acampa­ ra projetos públicos) e de seu reassenta­ mentos de protesto em Tucuruí e Novo Re­ mento em outras áreas. O grande número partimento (situado na Rodovia Transa- 20 RBG

mazônica), da ampliação da mobilização so­ sua vez, contribui para a afirmação do Esta­ cial com novas alianças entre organizações do Nacional. sindicais e civis, a CONTAG e a Pastoral da No sentido do impacto social e ecológico Terra. causado na região e da acentuação da face As sociedades regional e nacional não privada da corporação estatal, não há coin­ participaram da decisão desse processo de cidência entre os interesses da empresa e construção de espaço transnacional induzi­ os interesses nacionais, pelo contrário, há do pelo Estado, dele sofrendo vários ônus. conflito. Contudo, na medida em que a mo­ O Estado, contudo, manteve e ampliou a bilização de tal volume de recursos deman­ política de modernização ao nível nacional e da tecnologia moderna e exploração em obteve ganhos políticos ao·nível internacio­ grande escala, a face pública da corporação nal, assim como as empresas estatais, estatal prevalece: ela deve conduzir a explo­ CVRD e ELETRONORTE, alcançaram ga­ ração para assegurar o controle nacional so­ nhos em termos de empresa: nesse proces­ bre os recursos do país. Vale dizer que a so, a primeira cresceu, se diversificou, pro­ corporação estatal se justifica contra a pri­ move hoje o desenvolvimento industrial no vatização. Uma segunda questão, então, se território sob seu controle, ao longo da fer­ coloca: como exercer efetivamente o con­ rovia, caminhando para a multinacionali­ trole social sobre as corporações, inclusive zação. Apoiada pelo Estado, a CVRD, por estatais?

BIBLIOGRAFIA

AMAZÔNIA Oriental. Um projeto nacional de exportação. C.V.R.D. 1980, Mimeo. ANASTOSSOPOULOS, G. P.; BLANC, G.; DUSSAUGE, P. Les multinationales publiques. Presses Universitaires de France, Collection IRM, Paris. 1985. BECKER, 8. A crise do estado e a região: a estratégia da descentralização em questão. In: Revista Brasileira de Geografia, 48 (1 ), IBGE. Rio de Janeiro. 1986. CASTELLS. M. High technology, economic restructuring and the urban - regional process in the United States.ln: High technology, space and society, ed. M. Castells, Sage, Beverly Hills. GRANDES Projetos, IBASE. Rio de Janeiro, 1982. Mimeo. PROGRAMA Grande Carajás, a internacionalização da Amazônia. IBASE. Rio de Janeiro, 1981. Mimeo. VERNON, R.; LEVY, 8. State - Owned enterprises in the word-economy: the case of iron ore. In: Public enterprises in less developed countries, ed. L. P. Jones, Cambridge University Press. 1982. WALLERSTEIN, I. The capitalist world economy. Cambridge University Press, 1979.

RESUMO

A implantação de grandes projetos de exploração mineral por corporações transnacionais marca uma nova fase, industrial, de expansão da fronteira na Amazônia. Eles são expressão da nova ordem econômico-tecnológica que se impõe no planeta. Mas a hipótese básica deste trabalho é que eles são, também, parte de uma forma contemporânea de afirmação do Estado-Nação: a multinacionalização de empresas estatais. Após discutir brevemente esse processo com referência ao contexto do Brasil, estuda-se o Programa Carajãs como um exemplo do processo de transnacionalização da Companhia Vale do Rio Doce - CVRD.

ABSTRACT

Huge mineral projects developed by transnational corporations, are the landmark of a new industrial front in Amazonia. They are part of the new economic-technological order. However, the basic hypothesis of this paper is that they are also a contemporary practice of nation-state building: the multinationalization of state-owned enterprises. The paper discusses briefly this process in reference to Brazil and studies the Carajás Program as an exemple of the transnationalization process of the Companhia Vale do Rio Doce - CVRD. RBG 21

A GEOGRAFIA QUANTITATIVA NO BRASIL: COMO FOI E O QUE FOI?*

Speridião Faissol * *

evidentemente na medida em que o próprio INTRODUÇÃO autor dele participou, ao longo das décadas de 60 e 70, enquanto geógrafo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. "Enquanto a memória fala, deve ser re­ Descrever eventos contemporâneos é um lembrado que minha memória é igual à sua. exercício de memória e uma tentativa de le­ O que é crucial, não é o que ela lembra, mas gitimação, na medida em que procuramos o que ela esquece. A memória tem pouco a descrever e entender o que aconteceu; isto ver com o que era, mais com o que é agora e é, particularmente, legitimação, quando o muito mais com o que é deixado para os fu­ que estamos narrando tem fortes doses de turos que nunca serão. Nesta perspectiva, a controvertido, de ideológico por isso mes­ memória aparece como uma hipótese ainda mo e, de elevado conteúdo de mudança, por ser rejeitada. Sua pretensão de ser ver­ khuniana ou não. dade, não é realmente de que seja verdade, Tanto que, o que não se lembra, tem mui­ mas o conceito de que a verdade está a ser­ to a ver, como observa Gunnar Olsson, no viço de uma legitimação''. parágrafo que citamos acima (40), de um artigo em um livro que trata, precisamente, Gunnar Olsson: "Toward a Sermon of Mo­ de Recollections e Reflexions, menos com dernity" in Recollections of a Revolution. o que era, do que com o que vemos projeta­ do para o futuro, que é, sem dúvida, uma O objetivo do presente artigo é o de regis­ pretensão de legitimação. trar e recuperar elementos do processo de Legitimação que, certamente, estava no implantação de métodos e conceitos da pensamento de , que inicia um chamada Geografia Quantitativa no Brasil, capí~ulo de um de seus mais recentes livros

• Recebido para publicação em 09 de junho de 1989. * ... Professor de Geografia do Departamento de Geografia do Instituto de Geociências da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e Bolsista de Pesquisa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPql.

R. bras. Geogr., Rio de Janeiro, 51 (4): 21-52, out./dez. 1989 22 RBG

- The Geographer at Work - com as se­ leiro de forma bastante adequada, inclusive guintes palavras: - "A menos que a mu­ no que se refere à participação ou não da dança seja verdadeiramente catastrófica, as nossa "Velha Guarda", como já tinha ob­ definições de evolução ou revolução são servado ( 18), alguns bem pouco velhos, e adotadas ao sabor de cada um, ao descre­ dos "Jovens Turcos", alguns também não ver o desenvolvimento em uma disciplina" tão jovens. (24). Creio ser este o sentido, também, do A idéia do presente artigo (e a tentação de que Olsson quis dar com a hipótese a ser re­ denominá-lo "A (R)evolução da Geografia jeitada, ou não. Quantitativa no Brasil" foi muito forte, e O nome do capítulo é, sugestivamente, não fora o receio de simplesmente fazer The (r)evolution in Geography e segue-se, uma cópia, talvez o tivesse adotado) veio, ao parágrafo acima, uma referência a um em parte, da leitura deste livro e entre nu­ aspecto do processo de mudança que me merosos outros destaco, especialmente, pareceu, pelo menos, curiosa e em que ele pela oportunidade, um dos volumes da série diz que: "A " Velha Guarda" (alguns dos Criticai Human Geography, da Mac Millan quais podem ter sido, desgraçadamente, jo­ Press, em 1984, editado por Mark Billinge, vens) tendia a usar o termo evolução, enfa­ Derek Gregory e Ron Martin sob título Re­ tizando que todo este novo modismo é mui­ collections of a Revolution - Geography to pouca novidade e, de qualquer maneira, as a Spatia/ Science ( 1 0); neste livro os era nada mais do que o desenvolvimento do editores e os vários autores de contribui­ que já vinha sendo feito antes, e de qual­ ções, divididas aliás em duas partes: Recol­ quer forma vinha se fazendo sempre. E na­ lections e Reflexions (como de certa forma turalmente, de alguma forma eles tinham o fez a Revista Brasileira de Geografia em razão" p. 22. seu número especial de 50 anos), procura­ E Gould prossegue dizendo que "Os "Jo­ ram fazer um balanço da fase da chamada vens Turcos" (alguns dos quais eram deli­ Geografia Quantitativa, de natureza quase ciosamente velhos), tendem a usar o termo que autobiográfica, o que reforçou, em revolução,. quando estão falando sobre as mim, a idéia de rever os desenvolvimentos e mudanças que ajudaram a se tornar realida­ desdobramentos, no Brasil, desta mesma de, enfatizando as tremendas diferenças impropriamente chamada Revolução Quan­ entre a velha maneira de observar as coisas titativa, ou simplesmente Geografia Quanti­ e a nova, moderna, contemporânea e, ob­ tativa; e estimulado por alguns artigos do viamente, intelectualmente mais profunda número especial da Revista · Brasileira de que se tem hoje em dia. E, naturalmente, de Geografia, ano 50, discutir, também, o - alguma forma eles estão certos, também." "o que foi" -, baseado, principalmente, O sentido destas observações é o de que nas minhas próprias reflexões; por outro la­ os "jovens turcos", a vanguarda das trans­ do, muitas críticas, algumas favoráveis ou­ formações científicas, sociais e políticas, no tras não, mas, às vezes, injustas e faccio­ sentido que Thomas Khun deu a estas sas, divulgadas nestes últimos quinze anos, transformações de natureza paradigmática, constituíram estímulo adicional, na busca é constituída por uma avant garde em geral real tanto do ao" o que foi "como ao "co­ jovem, e que na Geografia isto só aconte­ mo foi". Claro que com as limitações do co­ ceu em parte, de vez que muitos dos inova­ mo as vejo agora e quem sabe buscando a dores não eram tão jovens e muitos dos legitimação de que fala Gunnar Olsson no conservadores não eram tão velhos. artigo de que extraímos o trecho que cita­ A descrição de Peter Gould (que me pare­ mos logo no início, para isso, estaria recor­ ceu curiosa mais pelo parêntesis que ele rendo ~specialmente às minhas próprias Re­ abriu do que pelo conteúdo mais ou menos collections - o "como foi", principalmen­ de se esperar), certamente foi feita sem ter te. o menor conhecimento do que se passou no E com isto procurando, ainda, resgatar Brasil (tanto quanto eu possa saber e apesar este movimento de um certo terrorismo da referência que Gould faz a Christofolletti, ideológico que, tanto no Brasil como em ou­ porém em outro contexto); nem faria dife­ tros países, tentou fulminar a Geografia rença sabê-lo, mas aplica ao processo brasi- Quantitativa como servindo a interesses e RBG 23

"aparentemente preocupada com os gran­ Preston James e Leo Waibel, para citar, tal­ des ou falsos problemas nacionais, e pro­ vez, alguns dos mais conhecidos, entre gressivamente inserindo-se cada vez mais 1939 (quando foi publicado o primeiro como parte do aparelho ideológico de um número da Revista Brasileira de Geografia) e Estado que, simultaneamente se tornou 1956, ocasião em que se realizou, no Brasil, mais e mais autoritário", como afirmou Ro­ um Congresso Internacional de Geografia. berto Lobato (37) p. 116, um entre numero­ Este Congresso contou com a presença sos críticos do movimento teórico• de mais de 500 geógrafos, muitos dos quais -quantitativo, em livro organizado por Ruy altamente qualificados, que contribuíram Moreira, todo ele voltado para críticas, às significativamente para o enriquecimento vezes candentes, a este mesmo movimento da Geografia brasileira, graças à visão de quantitativo. Hilgard Sternberg, organizador do Congres­ No item que se segue, procurarei fazer so e que o percebeu como uma enorme ala­ uma Recollection do o "como foi" esta transformação na Geografia, mais particu­ vancagem na Geografia do nosso país; e contou com o apoio de Fabio de Macedo larmente como ela afetou o IBGE e suas Soares Guimarães que lhe prestou a incon­ pesquisas e seu Departamento de Geogra­ fia, onde comecei minha carreira profissio­ dicional ajuda do IBGE e a infra-estrutura fí• nal, em 1942, e de onde me aposentei em sica e científica, que marcou o Congresso pela sua alta qualidade. A publicação de 1983. Como se trata de um depoimento pes­ inúmeros Livros-Guias para excursões, em soal, não tem a pretensão de ser exaustivo inglês e francês, constitui, cada um deles, e se limita ao meu conhecimento e interpre­ uma importante contribuição à Geografia do tação dos fatos, como os vejo hoje, decorri­ Brasil. dos todos estes anos. Para ser mais preciso, Em segundo lugar, pelo ambiente verda­ talvez descreva muito pouco do que foi, deiramente acadêmico que sempre existiu muito do que já esqueci, mais do que como - o que contraria, pela evidência, muitas vejo estas coisas agora e sobretudo como críticas mais ou menos sectárias de atrela­ uma hipótese que, quem sabe, eu, mesmo, menta a uma doutrina de Estado ou de Go­ rejeite ou renegue no futuro, como Gunnar verno. Às vezes, o patrulhamento era, ao Olsson colocou no trabalho que citei, no iní• contrário do que a crítica sugeria, em senti­ cio deste artigo. E aqui, a minha verdade e a do oposto, e com freqüência mais pessoal minha pretensão de legitimação é de que o que institucional. Departamento de Geografia do IBGE tem Este foi o caso da própria organização da um crédito perante a Geografia brasileira, Comissão Nacional da UGI que se fez dis­ crédito que a fase quantitativa, que este tanciada do Conselho Nacional de Geogra­ mesmo Departamento implantou no Brasil, fia, com este objetivo, a despeito do fato de saiu acrescentado. que lhe cabia a representação pelo próprio Em primeiro lugar, por isso mesmo, decreto que criou o CNG, desde o fim da parece-me necessário destacar o papel ino­ década de 30. vador que este Departamento de Geografia Nunca se fez no Departamento de Geo­ do IBGE teve no desenvolvimento da Geo­ grafia do IBGE, o DEGEO, por discreta que grafia brasileira, a começar pela sua própria fosse, qualquer insinuação sobre adoção de existência, e pelo que ele se constitui como conceitos e/ou conclusões em pesquisa a maior massa, em quantidade e em quali­ geográfica. Ao se organizar a Conferência dade, de pesquisa geográfica feita no Brasil. Regional da UGI no Brasil, um outro evento Assim, tanto o "como foi" como "o que da maior importância para a Geografia brasi­ foi", deveram muito à atuação do Departa­ leira, em 1982, por um grupo de colegas mento de Geografia do IBGE, nos últimos " que constituíram a Comissão Organizadora 50 anos, que muitos gostariam de esque­ e, quase todos, membros da Comissão Na­ cer. Neste particular, muitos dos críticos, cional do Brasil da UGI - de diferentes par­ até mesmo do próprio IBGE, tendem a se es­ tes do Brasil e de diferentes organizações quecer o que representou ter trazido ho­ -, podia-se constatar que o Temário da mens como De Martonne, Pierre Deffontai­ Conferência e os temas dos expositores nes, Francis Ruellan, Michel Rochefort, continham numerosos assuntos de inspi- 24 RBG

ração social e mesmo marxista, sem que a isto tivesse qualquer observação nem dos organizadores, nem da direção do IBGE, que O "COMO FOI" foi o principal patrocinador; o que foi até ob­ jeto de alguns comentários na crônica inter­ É muito difícil reconstituir a evolução da nacional a respeito, que ao ressaltar o alto Geografia, num país como o Brasil, nos últi­ nível profissional em que se realizou a Con­ mos trinta anos, em que numerosas Institui­ ferência, estranhava esta liberdade concei­ ções se desenvolveram, e às vezes sim, e às tual e mesmo ideológica, dado o fato de es­ vezes não publicam seus trabalhos, razão tar isto acontecendo num momento de Go­ por que o conhecimento de todos eles aca­ verno militar autoritário e de direita. ba se tornando difícil. Faço estas observações por uma questão de respeito institucional e de senso de justi­ Entretanto, dada minha participação pes­ soal neste - o "como foi" -, na intro­ ça e pelo conhecimento que tinha da si­ dução, implementação e na difusão interna, tuação, na qualidade de Secretário-Executi­ no Brasil, dos postulados e métodos da vo da Comissão Organizadora. A seguir, analisamos "o que foi" em ge­ Geografia Quantitativa, pareceu-me, agora, ral, para discutir algumas questões que me bastante apropriado, não só um depoimento parecem terem sido fundamentais no bojo pessoal - para o qual a memória pode me destas transformações; mas quero deixar trair por não ter nada escrito, pelo que me claro, de novo, que neste artigo se preten­ desculpo antecipadamente, mas, principal­ de, apenas, um depoimento pessoal, sem a mente, uma análise crítica e reflexiva, já aí pretensão de uma análise exaustiva que, in­ entrando, inevitavelmente, pelo "o que clusive, demandaria muito mais tempo e foi", decorridos todos estes anos. A vànta• consultas; e aqui, mais do que apenas o gem adicional é que este tempo fez assentar "como foi" estão colocados os problemas a poeira e se ter uma visão menos apaixona­ que me parecem os mais relevantes e, ainda da dos fatos e das idéias. assim, sem a preocupação que não seja a de De um modo impessoal, o Departamento exemplificar. de Geografia do IBGE foi, sem dúvida, o Neste item se discutem as questões, co­ maior centro de pesquisa geográfica no Bra­ mo elas me pareceram importantes no Bra­ sil, desde a década de 40, e no caso da Geo­ sil, embora no contexto das transformacões grafia Quantitativa foi, também, o principal genéricas observadas num âmbito mai.or e centro difusor de metodologias. E, a despei­ com as restrições de conhecimentos defa­ to das dificuldades, continua sendo, inclusi­ sados, parciais e parcelados. ve porque é aí que ainda se desenvolvem os Finalmente, umas considerações finais grandes projetos de pesquisa geográfica no que procuram enxergar adiante o "depois" Brasil - a Geografia do Brasil e o Atlas Na­ que, abrindo caminho para novas visões do cional do Brasil -, dentre outros. Mundo, deixou incorporado ao patrimônio O Departamento de Geografia da Univer­ da Geografia, tanto os métodos como os sidade de Rio Claro onde se destacaram desenvolvimentos teóricos e procurando Christofolletti, Ceron e Livia de Oliveira, en­ colocar, a chamada Geografia Radical no tre outros, foi, sem dúvida, outro importan­ Brasil, numa perspectiva evolutiva. te centro, e, logo, muitos outros passaram a É que, como escreveu Pedro Geiger (23). utilizar técnicas quantitativas, principal­ exatamente no número especial da Revista mente análise fatorial e/ou enveredar por que comemora os seus cinqüenta anos, a elucubrações teóricas. Geografia brasileira nunca mais seria a mes­ O Departamento de Geografia da SUDENE ma, depois da Geografia Quantitativa. com Carlos Caldas à frente, foi ou­ Com isto, passamos ao "como foi", que tro centro importante e o da Secretaria de não tem nenhum sentido polêmico e sim o Planejamento do Rio Grande do Sul, de um depoimento pessoal, nem mesmo também. quando classificamos o movimento teóri• Alexandre Filizola Diniz, formado em Rio co/quantitativo como revolucionário e a ClarQ, hoje na Universidade de Sergipe, tem tendência radical, como evolutiva. realizado, por igual, importante trifbalho RBG 25 nesta área, principalmente em estudos ru­ sofia positivista em algumas teorias, mais rais. do que na metodologia, em si mesmo, que Um curso de Métodos Quantitativos, que era sempre reflexo das teorias. eu fora convidado, por Maria do Carmo Mas, certamente, esta revolução meto­ Galvão, a oferecer, no Mestrado de Geogra­ dológica ensejou uma profunda reflexão e fia da Universidade Federal do Rio de Janei­ revisão teórica, e esta, sim, foi fundamen­ ro, desde sua criação, e que, aliás ajudara a tal. processar (eu era um dos poucos colegas Peter Gould mostra bem isso, pois embo­ com Doutorado naquela época), funcionava ra no livro citado tenha feito, por isso mes­ também como importante centro de di­ mo, uma opção pela idéia de "Revolução", fusão. Muitos colegas ali fizeram o Mestra­ não muito convicta, mostra que isto ocorreu do, alguns dos quais alunos E1 alunas, outros porque ela se constituiu em importante ino­ orientados, como Marilourdes Lopes Ferrei­ V!i~Ção conceitual (e Gould salienta que nã~ ra (hoje Professora da UFRJ, cuja liderança é o apelido de "Revolução" que importa), intelectual começava a despontar), Lana Li­ que ele descreve como tendo sido em torno ma Moreira, Lia Osorio, Maria Luiza Castelo das idéias contidas em cinco palavras/con­ Branco e Evangelina Xavier Gouveia de Oli- ceitos - espacial, modelo, regional, estru­ veira. tura e planejamento -, cujo uso ele levan­ Funcionava e funciona, pois, a este cur­ tou em numerosas publicações acadêmicas so, desde aquele tempo, esteve associado (21 revistas nos últimos trinta anos, de Jorge Xavier da Silva, um incansávE!I pes­ 1954 a 1984); e este uso se acentuou exa­ quisador nesta área e, agora, Marilourdes tamente nestes últimos trinta anos, conco­ Lopes Ferreira, uma das minhas mais bri­ mitantemente com as transformações des­ lhantes alunas e agora colega, além de ami­ critas. ga querida, que ofereceu o mesmo curso Nos primeiros anos da década de 50, diz durante algum tempo, curso, este, que con­ Gould, pouquíssimos artigos usavam a pala­ tinua sendo oferecido no Instituto. Além de vra espaço ou espacial (aliás, sugere-se que numerosos outros colegas professores e a noção de espaço de Fred, Schaeffer (44) pesquisadores do Instituto de Geociências que substituiu o conceito de lugar de Harts­ da Universidade Federal do Rio de Janeiro, horne - "areal differentiation" - tenha como Mauricio Abreu, que fez um brilhante representado a diferença mais marcante), doutoramento na Universidade de Ohio, co­ enquanto que, hoje, cerca de 50 a 60 arti­ autor com David Vetter de um capítulo do li­ gos, anualmente, usam o conceito. vro "Tendências atuais da Geografia", em Aliás, todo o reboliço visava, em grande que discutiu uma aplicação metodológica parte, fazer da Geografia uma ciência espa­ quantitativa e, atualmente, Coordenador de cial, com formas, leis e processos espaciais Pós-Graduação do Instituto de Geociências de natureza explicativa. Em suma, aplicar o da UFRJ, e tantos outros. método científico à Geografia, como este Não menciono os tantos outros, inclusive método era agora visto a partir das ciências de outras Instituições, para não ser exausti­ físicas e naturais. Mas a questão é que mui­ vo e fazer eventuais omissões indesejadas. to cedo se verificou que a explicação não Um ponto importante nesta reflexão é o podia se circunscrever à forma e era ne­ que se refere ao fato de que, a despeito do cessário se recorrer ao processo social. nome cunhado e difundido de "Revolução Até o título de um dos mais interessantes Quantitativa" e de "Geografia Quantitati­ livros de teoria espacial/social - Social Re­ va", a preocupação mais fundamental não lations and Spatia/ Structures -, da série foi usar o método pelo método, ou criar teo­ Critica/ Human Geography da Mac Millan ria para um dado método, mas, sim, criar a Education, editado em 1 985 (27), é sugestivo teoria e achar o método mais próprio a po­ nesta tentativa de identificar (ou não) o espa­ der testar e validar ou não a teoria. Foi, por­ cial como objeto da análise geográfica. Neste tanto, um desenvolvimento do processso livro, Doreen Massey (38) discute a questão científico na Geografia, é bem verdade que do espacial e do social, nos dois planos: ainda de base positivista, e muitas das críti• a - primeiro, uma busca de identidade e cas feitas, o foram às repercussões da filo- cientificismo, uma busca de leis espaciais, 26 RBG

processos espaciais; no contexto desta pays de Vidal de La Blache falhava, princi­ busca de identidade, muitos autores postu­ palmente na medida em que não se conse­ lam um verdadeiro "fetichismo espacial", guia identificar, claramente, pays por toda spatial /aws devoid of substance or con­ a extensão da terra e/ou dos países propria­ tent" e processos espaciais que se podiam mente ditos, embora o conceito tivesse um arrancar de seu contexto social, como diz caráter integrativo. Mas voltaremos a este Doreen Massey no artigo citado acima. (Ver tópico mais adiante. também a discussão em Faissol (1.8) e (20); Por fim, a palavra e a idéia de planejamen­ b - o segundo, uma espécie de volta ao to na Geografia vieram com a constatação social, ainda que se considere The diferren­ de que já se dispunha de um arsenal teórico ce that space makes (43), como Andrew e metodológico, que permitiria fazer previ­ Sayer discute em artigo no mesmo livro ou sões sobre o comportamento de parte do como descreve (47), ao procu­ sistema espacial, controladas algumas va­ rar uma reteorização transformativa, que riáveis, como veremos no "o que foi", mais tem a ver com a tradição materialista fran­ adiante, e como relatamos em outro artigo cesa de que Henry Lefebvre é um dos ex­ publicado no número especial, comemorati­ poentes. A volta ao social tem a ver com vo dos cinqüenta anos desta mesma Revis­ Geografia-Ciência Social e a explicação do ta Brasileira de Geografia (19). processo espacial, por uma interação Estas inovações são trazidas seja por uma espaço-sociedade e não mais a explicação avant-guard ou "Jovens Turcos", e como do processo espacial pela forma espacial, tornaremos mais explícito no item seguinte, por uma linguagem da geometria. uma das figuras marcantes e mais produti­ Da mesma forma, a palavra teoria e o vas da fase quantitativa da Geografia foi o conceito de modelo e de estrutura passaram Prof. , um dos famosos estudan­ a freqüentar o vocabulário dos geógrafos hu­ tes graduados da Universidade de Washing­ manos (desde que a estrutura era muito ton, em Seattle, em meados da década de usada por geógrafos físicos). A palavra e o 50, quando se deslanchou o processo. conceito de região, diz Gould, evoluiu da Brian Berry costuma colocar a questão co­ check/ist, que era a definição de uma re­ mo sendo a de uma transformação teórico• gião qualquer, tratada a seguir pelo proces­ -quantitativa, de natureza paradigmática, is­ so da lista inteira de ramos da Geografia, to é, a mudança foi profunda, gerando um desde o relevo até à atividade econômica e novo paradigma na Geografia. aos transportes e comunicações. E evoluiu, O meu primeiro contato, por assim dizer porque, aí, foi introduzida a noção de espa­ pessoal, com o estab/ishment da Geografia ço, mais que a de região, que era definida Quantitativa foi através do próprio Prof. não pela check/ist inteira, mas por aqueles Brian Berry, um de seus mais conhecidos aspectos que fossem relevantes no proces­ expoentes, que conheci no Brasil, e ocorreu so integrativo, o que faz parte, hoje, da con­ de uma forma inesperada, na primeira meta­ cepção consensual da Geografia, mas sur­ de do ano de 1967. giu neste momento e neste contexto. Era diretor do antigo SERFHAU o Arquite­ A diferença foi importante porque, embu­ to Harry Cole, com quem muitos geógrafos tida na idéia de região, o método regional do IBGE mantinham excelentes relações simplesmente adotava a checklist que, profissionais, e que havia convidado Brian simplesmente, repetia o método sistemáti­ Berry a vir ao Brasil, vindo do Chile, onde co para uma área considerada. estava com o Prof. John Friedmann, ambos A associação do conceito de região ao de convidados do Governo Chileno para uma espaço deu, ao segundo, um caráter inte­ assessoria sobre questões de planejamento grativo, que no primeiro fica, apenas, implí• regional, naquele ano de 1967. Como Harry cito, no sentido de que um sistema de re­ Cole estava deixando o SERFHAU naquele giões pode ser delineado à base de diferen­ momento, com o estabelecimento de um tes critérios; o espaço, entretanto, só pode novo Governo, ele nos oferecia a possibili­ ser identificado no contexto de um proces­ dade de ter o Prof. Brian Berry por uma se­ so integrativo sociedade-meio físico. O mana, no Departamento de Geografia do RBG 27

IBGE; fui conhecê-lo, neste Departamento, nos rumos das transformações que se fo­ para uma primeira visita e discussão, da ram operando, na Geografia brasileira, mais qual participaram além de Marilia Galvão, particularmente a do IBGE, a partir do fim da Chefe do DEGEO, Elza Keller, Olga Buarque, década de 60. Era, também, minha estréia Roberto Lobato e eu próprio, de vez quePe­ na União Geográfica Internacional, que me dro Geiger se encontrava ausente do Brasil levou a numerosas outras participações, até na ocasião. No Aeroporto do Galeão e no ser eleito para a Vice-Presidência relativa à mesmo dia de sua chegada já nos reuni­ América Latina, em 1 976, como menciona­ mos1. rei logo a seguir. A idéia era submeter a recém-elaborada Uma razoável fluência na lrngua inglesa e Divisão do Brasil em Microrregiões Ho­ um interesse e curiosidade matemática mogêneas, a uma análise fatorial, sugerida ajudavam-me, como uma vantagem compa­ por Brian Berry como a fórmula adequada de rativa de não pequena importância; mas, testar sua validade teórica. até aquele momento, nada havia se concre­ Naquele momento, o DEGEO já havia ela­ tizado, além de um fervilhar de curiosidades borado ou quase terminado os dois modelos e muita leitura da bibliografia corresponden­ de regionalização - homogêneo e funcional te. Além do livro de Berry sobre a Índia (2), - e participava de uma ampla discussão Essays on Commodity Flows que lançava (inclusive com o IPEA) sobre estas formas sua teoria de campo e que repercutiu, mui­ de organização espacial; e a apresentação to, no Departamento de Geografia - ver a da teoria de campo, por Brian Berry, soava observação de Geiger (23), como um possr­ como um elemento para o desdobramento vel modelo para planejamento (como já in­ destas discussões, e é bem provável que a dicamos acima e como discutiremos esta metodologia estatrstica tenha encontrado questão mais adiante), outro do mesmo au­ campo fértil no DEGEO, exatamente porque tor e mais Duane Marble (3) passaram a ser o movimento teorizante estava já em anda­ lidos avidamente. mento. Algum tempo depois, creio que no meio Para se ter uma idéia da importância que o do ano de 1968, veio ao Brasil o Prof. John IBGE deu à vinda do Prof. Brian Berry, basta Peter Cole, geógrafo inglês, da Universida­ mencionar que ele foi recebido em reunião de de Nottingham, bolsista do Conselho do Conselho Diretor da Fundação IBGE, em Britânico (também autor ( 14) de um livro que eu e Miguel Alves de Lima trnhamos as­ de Geografia Quantitativa), para estudar o sento, eu como representante do Ministério Censo de População e que Pedro Geiger re­ do Interior e Miguel como membro nato, lata ter sugerido que procurasse o DEGEO, pois que era Diretor Superintendente do discutindo os mesmos temas com Marilia IBG. Galvão, comigo e, depois, com vários ou­ Posteriormente, tive novo contato com tros colegas, inclusive com o próprio Pedro Brian Berry, em 1967, no Congresso Inter­ Geiger que havia regressado do curso que nacional de Geografia da Índia, em Nova De­ fora dar na Universidade de Columbia. Cole lhi, ao qual compareci juntamente com Mi­ iria ter um papel relevante na introdução da guel Alves de Lima; lá fui convidado, pelo Geografia Quantitativa no IBGE. Prof. Brian Berry, a ser o membro corres­ Em 1969, Cole voltava ao Brasil com a fa­ pondente brasileiro da Comissão de Méto­ mrlia, e por um perrodo maior, de cerca de dos Quantitativos da UGI, dando inrcio, três meses. Tive o prazer de hospedá-lo em assim, a uma participação ativa e pessoal minha casa, onde passávamos longas horas

1 Aqui parece·me necessário fazer um parêntesis, para esclarecer um ponto onde algumas das críticas mais contundentes foram feitas: a participação da Geografia do IBGE no processo de planejamento, a serviço de interesses de uma autocracia apoiada numa tecnocracia de economistas e geógrafos. Quem assistiu e participou das discussões sobre os planos de desenvolvimento nacional, regional, urbano e de regiões metropolitanas, pôde verificar o quanto foi uma conquista da Geografia se fazer presente, e, neste sentido, a contribuição de Pedro Geiger e Lysia Bernardes tem que ser cOnsiderada de forma particular; e um esforço enorme na defesa de princípios de eficiência social/regional, de descontração das regiões metropolitanas para cidades médias etc. Na realidade, ali se estava praticando o comprometimento do geógrafo com problemas da Sociedade, de forma prática e participativa, o que viria a ser norma depois. Teria sido fácil se omitir, mas seria este o caminho? Neste momento e neste contexto, a participação de Lysia e Nilo Bernardes, de Elza Keller e, sobretudo, de Pedro Geiger haviam sido decisivas, tanto na montagem do projeto de Divisões Regionais, como nas discussões com o IPEA. Neste contexto, ainda, foi montada a primeira pesquisa estatística a nível nacional, para ser usada na montagem do modelo de regiões funcionais. A experiência de Pedro Geiger e de Lysia Bernardes, tanto na montagem da pesquisa, como no contacto com os economistas espaciais do IPEA, era fundamental neste aspecto. 28 RBG conversando, ora sobre um modelo de si­ tamos vendo?"; mas Waibel tinha em men­ mulação do crescimento da população, te, sempre, o modelo de Von Thunnen e via usando a Cadeia de Markov como o proces­ os anéis do modelo do "O Estado Isolado", so gerador de um novo estado do sistema, e Ruellan tinha, em mente, as superfícies de ora sobre uma variedade de métodos esta­ erosão que ele e De Martonne descreveram tísticos, ora sobre a prática e os conceitos no Brasil Tropical Atlântico; e nós não per­ da teoria dos jogos (praticávamos longas cebíamos que o modelo abstrato era o cami­ horas com um jogo - o D day - que simu­ nho para perceber uma realidade, a qual, na 2 lava a invasão da França pelos aliados) • verdade, nunca se alcança; o modelo era o Nesta ocasião, Cole começou a nos intro­ instrumento de ver o que não se percebia, a duzir à Análise Fatorial, que ele mandava não ser com os olhos da mente. O mais que executar na Inglaterra, no computador da se consegue é um conjunto de aproxima­ Universidade de Nottingham, até que intro­ ções sucessivas. duzíssemos o software respectivo no com­ Para aqueles que julgavam ser o processo putador da PUC, onde Nelson do Vale nos quantitativo de inspiração apenas capita­ ajudava. E, a partir daí, dispúnhamos não só lista, é interessante observar que Berry era da Análise Fatorial, mas, também, da análi­ realmente (talvez ainda seja) uma pessoa se de agrupamento, entre outros. com idéias bem conservadoras; mas isto Nestes exercícios pude apreciar, direta­ não o impedia de defender idéias de melho­ mente, que a especificação de um modelo rias na estrutura da Sociedade, enquanto tem uma enorme importância, e que o méto­ Cole, na intimidade, não escondia uma do estatístico, na realidade a revolução tendência mais ou menos anarquista (seu quantitativa, era muito mais do que um sim­ pai havia sido anarquista na Austrália) e, ples instrumento de análise. Aí, pude perce­ sem dúvida, nitidamente socialista, embora ber, de forma ainda difusa, que a mudança não marxista. A diferença entre os dois es­ não era, apenas, metodológica; ao tava não no método, mas na especificação contrário, estavam-se operando profundas do modelo. O modelo, na verdade, sempre transformações conceituais. existe em nossa mente, filtrado pelos nos­ Os modelos em que eles se baseiam são sos conceitos e preconceitos, ainda que a um poderoso instrumento de reflexão e gente não queira ou não admita. Apenás, quando Peter Gould escreveu ''então eu ele não é especificado. vou pular para o lado da revolução", ele es­ E no modelo podemos ver e analisar a sua tava constatando que "algo muito dramáti­ lógica e a sua consistência interna, sem o co acontecera ao velho campo de estudo da que estaríamos pensando erraticamente. Geografia no fim da década de 50 e vem A estes, seguiram-se uma série de outros acontecendo desde aquele tempo" (24) desdobramentos, desde a participação em p. 22, em ambas as citações. uma reunião da Comissão de Métodos Nunca me havia ocorrido que a falta de Quantitativos, em Poznan, Polônia, em teoria e modelo seria fatal (tão forte era a 1970, juntamente com Marília Galvão e Elza minha crença no que sempre aprendi como Keller, em que já apresentamos papers nos o olho do geógrafo), e que Ruellan sempre quais se usaram métodos quantitativos de procurava mostrar no campo e com o que análise (trazidos ao Brasil por John Cole co­ brincávamos ao usar a expressão voilá mo dissemos), até uma reunião da referida l'allure de I'Aigonkian, quando ele de longe Comissão, no Brasil, a qual Brian Berry de­ nos mostrava a crista de uma superfície de veria ter comparecido e que nos trouxe o erosão, marcada ou preservada por aflora­ Prof. Akin Mabogunje, da Universidade de mentos de rochas daquele período; e que lbadan, Nigéria, e, também, de destacada Waibel sintetizava, sempre, com "o que es- participação no processo. Mas aí já se ob-

2 Neste jogo, Cole deixava-me fazer o papel das forças aliadas e pude aplicar a estratégia e as táticas do General Patton, mas a experiência de Cole com as várias hipóteses da teoria, nunca me permitiram ocupar Paris, como Patton o fez, na vida real. Mais tarde, eu e Pedro Geiger praticávamos o mesmo jogo, que era, também, extremamente interessante e revelava nossa preocupação com o jogo espacial-social. isto me fez refletir muito sobre a importância da teoria dos jogos, no planejamento econômico, mas, sobretudo, na importância da reflexão teórica, no contexto desta teoria, em um outro jogo, o da cons­ trução de uma ferrovia entre um dado interior e um porto, na qual entravam múltiplas variáveis, desde as dificuldades do terreno, pântanos, montanhas etc., ou hostilidade da população indrgena local, e as vantagens econômicas de se atravessar uma região fértil etc. RBG 29

servava um desenvolvimento um tanto Conferência Regional da UGI, realizada no autônomo da corrente quantitativa brasilei­ Brasil naquele ano), pois conhecendo a co­ ra e um livro que organizei, um pouco mais lonização africana em nosso país, visitou a tarde, com um grupo de colegas (17), no Bahia, e de certa forma apaixonou-se pela DEGEO, para a Comissão de Geografia do nossa terra, a qual trouxe, inclusive, sua es­ IPGH, já começava a marcar uma difusão posa, para uma visita mais longa. Nesta para fora do Brasil, na América Latina, e foi ocasião, ele não só deu um curso na Univer­ considerado, em 1982, por esta Comissão, sidade Federal do Rio de Janeiro, mas traba­ a melhor contribuição geográfica, divulgada lhou conosco no IBGE (1974/75). na América Latina, entre 1978 e 1982. Mabogunje teve uma participação efeti,­ Na Reunião de Poznan havíamos conheci­ va, desde que era um dos Vice-Presidentes do o Prof. Duane Marble, da Universidade de da UGI, na minha própria eleição para uma Northwestern, em Evanston, lllinois (co­ das Vice-Presidências da UGI, em 1976, em autor com Berry do livro de Readings Spatial Moscou, pois incentivou muito a Miguel Al­ Analysis ) e que se prontificou a nos dar ves de Lima, então Presidente da Comissão uma fita magnética contendo os mais varia­ Nacional do Brasil da UGI, à apresentação dos programas de análise quantitativa de de um · nome brasileiro como candidato que ele dispunha para seu Departamento. Latino-Americano à vaga deixada pelo Creio que pouco tempo depois, quando geógrafo Argentino Guillermo Zamorano, compareci a uma reunião da CLAG em Syra­ no Comitê Executivo da UGI; eleito por indi­ cuse (onde, em 1956, obtive o PhD com cação da Comissão Nacional do Brasil, per­ Preston James), juntamente com Miguel Al­ maneci neste Comitê Executivo até 1984, ves de Lima e Pedro Geiger, fui à Northwes­ no Congresso de Paris. Devo aos dois a mi­ tern e obtive a citada fita magnética com nha eleição, mas também ao fato de que, Duane Marble. O IBGE já tinha se equipado em 1976, se reconhecia o Brasil como uma com um sistema de Informática e pudemos das comunidades geográficas ativas e reno­ colocar a fita em seu computador e,passar a vadoras no quadro mundial (e eu já era usar seus programas. Entre outros, havia membro de uma das Comissões mais presti­ um que era um programa de agrupamento giadas da União - a de Métodos Quantitati­ de lugares, com ou sem a chamada res­ vos). trição de contigüidade, problema ao qual Havíamos levado a Moscou uma publi­ voltaremos mais adiante. Esta fita, com um cação que continha numerosos artigos, de variado conjunto de programas, teve grande vários autores do DEGEO, já baseados em importância na introdução de uma variada métodos quantitativos e um paper de mi­ gama de técnicas, como voltaremos a men­ nha autoria "O multiplicador urbano" havia cionar. sido aceito pela Comissão de Métodos Não é necessário enfatizar as dificuldades Quantitativos do Congresso de Moscou e que todos nós encontrávamos em assimilar publicado no "Resumo de Comunicações" todo um arsenal de técnicas estatísticas, em língua russa, e esta publicação reforça• bem como descreve David H. Smith: "AI­ va esta visão que já se tinha da Geografia most 30 years old and with a PhD under my brasileira. belt, I had no knowledge of statistics what­ Recorde-se que a eleição para cargos na soever. In fact, when I overheard collea­ UGI, embora siga critérios de representação gues talking about chi-square, I honestly regional, no mundo (daí um membro Latino­ mistook it for pi. ", p. 124; o esforço para Americano), segue, também, critérios rígi• descobrir o que os softwares encontrados dos de qualificação profissional, pois que na referida fita continham foi muito intenso os Vice-Presidentes são examinados, em e muita coisa ficou sem explicação, o que seus currículos, pelo próprio Comitê Execu­ mostra como foi verdadeira a observação tivo, que seleciona os nomes apresentados (no nosso caso literalmente verdadeira) de para serem submetidos à Assembléia Geral David Smith que citamos acima. daUGI. Mabogunje voltaria ao Brasil muitas vezes O Brasil teve dois Vice-Presidentes na (a última das quais em 1982, por ocasião da UGI: Hildgard Sternberg, eleito em 1952, 30 RBG em Washington e reeleito em 1956, época também, no Grupo de Pesquisa do Gabinete do primeiro Congresso da UGI no Brasil, e da Superintendência de Pesquisa do IBGE. Speridião Faissol, eleito em 1 976 e reeleito Curiosamente, ela se interessou muito em 1980, quando a Assembléia Geral da pelos processos de difusão, especialmente UGI aceitou o convite do Governo brasileiro depois que veio ao Brasil o Prof. Lawrence para fazer a Conferência Regional Latino­ Brown, da Universidade de Ohio e especia­ Americana, no Brasil, em 1982. lista neste assunto. Mais tarde, ficou inte­ Esta projeção internacional, que dava for­ ressada em um projeto de uso espacial de ça aos candidatos brasileiros na UGI, uma análise regional baseada em uma ma­ também nos ajudava a enviar para o exterior triz de insumo-produto, com a vinda ao Bra­ alguns geógrafos do DEGEO, seguindo, sil do Prof. Baruch Kipnis, da Universidade aliás, uma tradição antiga, de que eu próprio de Haifa, Israel, por sugestão do Prof. Arie me beneficiara, obtendo o PhD na Universi­ Sachar, da Universidade Hebraica de Jeru­ dade de Syracuse, no meio da década de salém, que veio, também, várias vezes ao 3 50 • Brasil e, quase sempre, a convite do Institu­ Assim, enviamos para Notthingham a to de Geociências da Universidade Federal geógrafa Olga Buarque para se aperfeiçoar do Rio de Janeiro. com o próprio Cole e mais Roberto Lobato e Paralelamente ao envio de geógrafos para Hilda da Silva, para a Universidade de Chi­ aperfeiçoamento no exterior, trazíamos cago, onde ensinava Brian Berry. geógrafos qualificados do exterior, para temporadas no IBGE. Assim, vieram Ho­ Infelizmente, Hilda da Silva veio a ser víti• ward Gauthier (que havia feito sua tese de ma de insidiosa doença e faleceu interrom­ pendo brilhante carreira; Roberto Lobato re­ Doutoramento sobre transportes e desen­ gressou após o primeiro ano, por razões par­ volvimento, em São Paulo) e Lawrence Brown, ambos da Universidade de Ohio e ticulares, mas, certamente, tendo incorpo­ que contribuíram para a expansão do elenco rado importante experiência profissional. de técnicas quantitativas de análise espa­ Além disso, Brian Berry deixava a Univer­ cial. sidade para se tornar Diretor do Laboratório O Departamento de Geografia do IBG - para Computer Graphics de Harvard e, as­ e mais tarde da Superintendência de Pes'­ sim, perdia-se uma fonte para aperfeiçoa• quisa, ~m seguida Superintendência de mento de pessoal do IBGE. De qualquer for­ Estudos Geográficos e Sócio-Econômicos ma, obtivéramos do referido Laboratório (SUEGE, IBGE) - foi, sem dúvida, a fonte softwares para produção de mapas na im­ geradora mais importante, como já salienta­ pressora do computador, do tipo "Symap" mos. e "Simvu" que produziam mapas de isoli­ A questão do que foi esta fase quantitati­ nhas e choropletas. va no Brasil é importante, especialmente Por outro lado, o IBGE realizava cursos de porque passada a fase inicial, no mundo em aperfeiçoamento para professores e, em geral e no Brasil, em certa medida, estes muitos deles, se ofereciam disciplinas e métodos e conceitos estão introduzidos e métodos quantitativos na Geografia, do que fazem parte das rotinas de trabalho de nu­ resultou uma maior difusão de interesses. merosas Instituições e Universidades. Evangelina Xavier Gouveia de Oliveira, uma É curioso observar que o Chefe do Depar­ das jovens professoras que participava de tamento de Geografia da Universidade de um destes cursos, encantou-se com a nova Washington, o Prof. Donald Hudson, não fase e veio trabalhar no IBGE, fazendo o quis imiscuir-se nos intrincados problemas Mestrado na UFRJ e destacando-se, de aprendizado de métodos estatísticos e

3 A forma usual, no IBGE, não era a de se procurar obter um grau acadêmico, mas se adquirir experiência profissional, o que talvez tenha atuado, a longo prazo, em desfavor da posição acadêmica dos geógrafos do IBGE. Fabio Macedo Soares Guimarães, sem dúvida um dos expoentes intelectuais da Geo­ grafia Brasileira de todos os tempos (e que merecidamente, ganhou a distinção de o primeiro na lista dos clássicos da Geografia brasileira no número espe­ cial, comemorativo do 50?, aniversário da Revista Brasileira de Geografia). fizera um período de estudos nos Estados Unidos, na Univer;idade de Wiscon­ sin, em meados da década de 40, logo após a 11 Guerra Mundial, onde conheceu e estudou com Hartshorne e com Leo Waibel, que teria enorme im­ portância no Brasil. Da mesma forma, lá já havia estado Jorge Zarur, que obteve o grau de Mestre naquela Universidade, e que foi o grande incentivador da ida de uma nova leva de geógrafos do IBGE aos Estados Unidos. E, juntamente com Fabio Macedo Soares Guimarães haviam seguido Orlando Valver­ de, Lucio de Castro Soares, Lindalvo Bezerra dos Santos e José Verissimo da Costa Pereira, que formavam a linha de frente da Geografia do IBGE, naquela ocasião. RBG 31

matemáticos, embora desse apoio integral papel na Geografia do IBGE, já agora na im­ aos seus companheiros que a isto se dispu­ portante função de Diretora Adjunta da Di­ sessem, notadamente William Garrison que retoria de Geociências. era o principal professor pesquisador desta Ao longo do ano de 1972, graças ao fase, em Seattle. apoio de Ney Strauch, meu antigo colega No Brasil, Miguel Alves de Lima era o Di­ em Syracuse e editor da Revista Brasileira retor Superintendente do Instituto Brasileiro de Geografia, publiquei vários artigos nesta de Geografia, e embora não tenha participa­ Revista (alguns em co-autoria, mas todos do do processo inovativo diretamente, deu com a cooperação do Grupo que comigo apoio integral ao Departamento de Geogra­ trabalhava), consolidados em uma ca­ fia - à Marilia Galvão, Chefe do Departa­ letânea, "Problemas Geográficos Brasilei­ mento, e a mim também, no Grupo de Áreas ros - Análises Quantitativas", que regis­ Metropolitanas, entre outros, - que pro­ trava o progresso que foi conseguido até o curávamos implantar esta fase no Departa­ ano de 197 2 ( 16). No Instituto Pan­ mento de Geografia. Paralelamente, o Prof. Americano de Geografia e História, coorde­ lsaac Kerstenetzky, Presidente do IBGE, no nei a elaboração de um livro "Tendências início da década de 70, um economista que Atuais na Geografia Urbano/Regional - sempre revelou uma ampla compreensão da Teorização e Quantificação" com a partici­ dimensão espacial, dava integral apoio ao pação de muitos dos colegas do IBGE e da grupo, inclusive facilitando o acesso ao sis­ tema computacional da PUC, que o IBGE es­ própria Universidade Federal do Rio de Ja­ neiro, no qual a participação de Marilourdes tava usando para processar as tabulações foi essencial (17). avançadas do Censo de População de 1970. Quando, em 1973, o IBGE implementou a Nelson do Vale, Sociólogo e Professor da sua nova estrutura, criando-se a Superin­ PUC, foi o elemento de contato nesta Uni­ tendência de Pesquisa e Desenvolvimento, versidade e se interessou de tal forma pelo de natureza multidisciplinar, que tive a hon­ processo, que acabou ingressando no IBGE, ra de dirigir desde sua implantação - orga­ mais tarde. Nelson foi o colega e amigo que nizei, em meu gabinete, um grupo de pes­ nos ensinou a usar o computador da PUC quisas, já citado linhas atrás, que também para os algoritmos de Análise Fatorial e um teve importante papel neste processo de di­ modelo de Simulação (que usava cadeia de fusão, já aí articulado e coordenado Markov) e que haviam sido introduzidos no também por Marilourdes Lopes Ferreira e ao IBGE através da vinda do Prof. John Cole. qual se incorporaram alguns outros geógra• O grupo de Estudo de Áreas Metropolita­ fos, estatísticos e economistas. Muitos dos nas (GAM) de que eu era o Coordenador, e colegas do antigo GAM fizeram parte deste do qual fazia parte a própria Chefe do grupo, a começar pela própria Marilourdes. DEGEO, Marilia Galvão, numa larga medida E mais Evangelina Xavier Gouveia de Olivei­ assumiu este papel de centro difusor, mas nu­ ra, Armindo Alves Pedrosa, Lana Lima Mo­ merosos outros geógrafos participaram, de reira, Maria das Graças, Nadja Loureiro, An­ forma bem ativa; Pedro Geiger, de forma tonio Carlos Fernandes Menezes, Marilia muito particular, mas, também, Elza Keller, Biangolino e Rosa Maria Porcaro que, dentre ambos chefes de Divisão no Departamento, outros, se constituíram em um grupo extre­ cada um difundindo as novas técnicas em mamente inovativo, verdadeiramente um sua área. grupo de pesquisas, onde tínhamos longas No Grupo de Estudo de Áreas Metropoli­ discussões sobre uma variedade de temas. tanas, Olga Buarque foi uma das mais ativas Neste sentido, creio que foi único no IBGE participantes, com apoio de Eliza Mendes (e posso me orgulhar de ter deixado discípu• de Almeida e um grupo de estagiários, onde los neste grupo), nesta área, e seu papel na começava a despontar a inteligência e a in­ difusão de metodologias e enfoques novos, dependência científica de Marilourdes Lo­ no próprio Departamento de Geografia do pes Ferreira, que fez um mestrado brilhante IBGE, foi muito relevante. na UFRJ, onde logo em seguida passou ale­ Entretanto, o que me parece fundamental cionar, além de já desempenhar importante nesta questão toda não é uma descrição 32 RBG cronológica - que constitui, apenas, um grafia Regional e do conceito de único; mas depoimento pessoal -, mas uma discussão o que é importante reiterar foi o seu papel das principais questões que, segundo mi­ motivador e, numa grande medida, a cora­ nha avaliação, deram o verdadeiro tom das gem de desafiar os conceitos e o prestígio transformações teórico/conceituais e meto­ de Hartshorne. dológicas que se processaram na Geografia, Aquele livro que mencionamos no início a partir da metade da década de 50. as Recollections, contém dois artigos, no É o que procuraremos ver no item que se capítulo das Reflexions: o primeiro, de Da­ segue. vid Mercer Unsmasking Technocratic Geo­ graphy (39), que contém um ataque, até AS TRANSFORMACÕES NA violento, à Quantitativa e o segundo, One GEOGRAFIA NAS DÉCÁDAS DE 50 Man's quantitative Geography: Frame­ E 60: O QUE FOI O MOVIMENTO works, Evaluations, Uses and Prospects de TEORIZANTE E QUANTITATIVO; Alan G. Wilson (48), que contém uma defe­ SUAS REPERCUSSÕES NO BRASIL sa apaixonada, com os quais se pode apreender, neste mesmo livro, as tendências opostas, que aparecem, As transformações que foram se proces­ também, no corpo principal do livro. sando na Geografia nas décadas de 50 e 60 É relevante observar que Wilson, pratica­ tiveram como pano de fundo as transforma­ mente, começa seu artigo dizendo que cha­ ções mais profundas que se operavam na mar "the (once!) "new" geography as Sociedade como um todo, depois da 11 Guer­ quantitativa is misleading: the more impor­ ra Mundial e do surgimento da energia da tant feature was increasing ambition in rela­ Era Nuclear, da eletrônica sofisticada e do tion to the deve/opment of theory. That this computador, como não podia deixar de ser, theory has since been criticised by radical pois nada se processa de forma isolada, es­ geographers as at best inadequate and at pecialmente nestas décadas de enorme worst trivial is a separate issue and one to avanço tecnológico. Em meu livro (20), res­ which I will return /ater", p. 201 (48), na li­ salto muito este aspecto e Peter Gould dis­ nha do que dizem Berry, Harvey, Gould e cute este mesmo assunto no capítulo 4 de outros. seu interessante livro (25). Gould mostra a Mas o nome Geografia Quantitativa, que importante combinação do surgimento de o artigo de lan Burton ( 12) consagrava, aca­ novas idéias, já desde a década de 30 com bou por ficar e talvez tenha transfigurado Robert Dickinson, na Inglaterra, Christaller, um pouco o movimento em 'sua base- teori­ na Alemanha, Hagestrand, na Suécia, lsard zante e, com certeza, afugentou muitos e Garrison, nos Estados Unidos; este último possíveis adeptos, com o pavor da ma­ reuniu os space cadets que deram partida temática e da estatística. ao movimento na Universidade de Washing­ Mas é importante observar, entretanto, ton. que a própria utilização de métodos estatís• Sobretudo, parece-me necessário desta­ ticos para a análise espacial fazia surgir uma car que havia, antes de mais nada, uma quantidade de problemas de natureza teóri• preocupação teorizante, que o artigo de ca que, às vezes, passavam desapercebidos Schaeffer (44) destacava, uma evolução do ou, apenas, assumidos como óbvios. idiográfico para o nomotético, uma procura Um deles, ao qual voltaremos mais adian­ de teoria, posteriormente destacada no livro te, refere-se à questão da contigüidade en­ de Willimam Bunge Theoretical Geography tre unidades observacionais, que se agre­ (11 ), que o grupo de Rio Claro, no Brasil, gam para formar uma região. com sua revista "Geografia Teorética" en­ Como esta contigüidade não era gerada, carnava de forma bem nítida. Houve muita nos modelos de análise, pela e~pecificação discussão sobre o papel pioneiro deste arti­ dos atributos destas mesmas unidades ob­ go de Schaeffer, que descartava o "Excep­ servacionais, ela era forçada exogenamente cionalismo na Geografia" e atacava, forte­ ao modelo para satisfazer o requisito de uni­ mente, os conceitos de Hartshorne da Geo- dades contíguas; como resultado, uma RBG 33

questão causal, extremamente importante, remos mais adiante, no qual a questão ficava ambígua e sem solução. Esta questão quantitativa, às vezes, tornava mais difícil a consiste na razão pela qual unidades que se compreensão, ou exigia modelos próprios, agrupam para formar uma região não serem como os que Hagestrand introduziu (uma si­ agrupadas de forma contígua pela própria mulação baseada na probabilidade e, por is­ descrição de seus atributos e especificação so, denominada Monte Carla, que introdu­ do modelo e, sim, por uma matriz exógena zia a dimensão tempo). ao modelo analítico. Isto significa: falta de E este processo de difusão é de natureza teoria devidamente especificada sobre Re­ epidemiológica, capaz de fazer uma área ou gião, que incluísse entre as variáveis lugar próximo se tornar semelhante, pores­ endógenas ao modelo de análise as que fos­ ta mesma forma de difusão, mas onde o ele­ sem responsáveis por esta similaridade/pro­ mento temporal teria que ser introduzido. É ximidade. isto que queremos dizer com falta de teoria Brian Berry sustenta, como veremos mais sobre região, teoria que especificaria os in­ adiante, que um paradigma de difusão seria, dicadores que espelhassem o funcionamen­ em sua opinião, o que se sucederia ao do to deste processo, e geraria um conjunto de determinismo geográfico, pois que é este lugares semelhantes entre si e contíguos: processo de difusão que corrige a noção do uma região. meio físico gerando uma estrutura social. E Voltaremos a este tópico mais adiante, a contigüidade é uma proxy para a mas af está um exemplo da estreita asso­ distância e para a operação do processo de ciação entre teoria e a metodologia usada difusão, tanto que um dos métodos usados para comprová-la. Não se trata, apenas, de na análise quantitativa, como veremos mais testar uma hipótese, como a crítica ligeira, adiante, descreve o processo pelo qual uni­ às vezes, sugere, mas de testar uma teoria. dades observacionais isoladas ou agrupa­ Chegamos, assim, ao "o que foi", pro­ das dois a dois (contíguas e não-contíguas) priamente dito, desta revolução teórico• se distribuem no espaço. O que este méto­ -quantitativa, embora "o como foi" esteja, do procura explorar é o fato de que duas sempre, presente. unidades observacionais contíguas, com uma mesma característica, significa então A revolução teórico-quantitativa: que o processo está seguindo uma linha não "o que foi" aleatória. Brian Berry (5) em seu "Paradigma para a Seria desnecessário tornar a enfatizar o moderna Geografia", já havia colocado a fato de que uma transformação importante, questão, surgida com o que ele denominou em qualquer ramo da ciência, somente se como problema de Galton, o fantasma que processa no contexto de transformações ameaçaria a geografia estatística: o fato de mais abrangentes, onde elas são concomi­ que "implicit in most uses of correlation, re­ tantes e sincrônicas. gression, factor and like modes of analysis O pós-guerra foi se caracterizando por is the assumption that the observations uma fase de intenso cientificismo e tecnolo­ used are independend entities for which gia, e o computador foi um importante ins­ certain functionally necessary causal re/a­ trumental numa e noutra coisa. tionships between variables occurring wi­ No caso da Geografia, como de resto nas thin them are equally and general/y true. An Ciências em geral e nas Ciências Sociais em equally plausible rival hypothesis at the sa­ particular, isto significava, como também me aggregate leve/ of generalization is, ho­ observa Gould (24), p. 50, em que ele dis­ wever, that the observations are elements cute o que o computador fez: set within larger systems from which they a - de um lado, uma imensa capacidade de acquire common characteristics by borro­ armazenar dados de todo tipo; e wing or migration, or more general/y, b- de outro lado, uma enorme capacidade thnough the operation of some spatia/ diffu­ de tratar estes dados. sion mechanism", p. 4-5. Era o paradigma Decorria daí, o uso de estatísticas tanto da difusão que Berry postulava e, comove- descritivas como inferenciais, com todo o 34 RBG

seu conjunto de pressupostos. E em muitos muitos geógrafos, procurando demonstrar casos, estas estatísticas se tornavam dispo­ este postulado, acabavam por verificar sua níveis através de packages estatísticos do impossibilidade. Michael Dacey, ao tentar tipo SPSS ouSAS, que facilitavam enorme­ explicar a distribuição de cidades centrais mente o seu uso por iniciantes como atual­ por um modelo de distribuição de pontos - mente o Statgraphics, entre outros, para a forma - verificou que explicava, apenas, os próprios microcomputadores, de uso a distribuição, e que a gênese da distri­ pessoal. buição - o processo responsável pela dis­ É importante observar que, como assinala tribuição - podia ser mais de uma, o que in­ Peter Gould no livro que tantas vezes temos validava a explicação (15). mencionado, geógrafos sempre estiveram O artigo de Berry "Paradigma para a mo­ interessados em saber como "lot of diffe­ derna Geografia" constituiu (foi traduzido e rent things hang together'' no espaço publicado na RBG) o mais sério aviso de geográfico, como Humboldt o fez em suas cuidado na aplicação indiscriminada de longas viagens, isto é, como eventos se métodos estatísticos. correlacionam no espaço. , que codificou os postula­ Mas, além disso, é ainda Gould quem ob­ dos da Geografia quantitativa, em 1969, di­ serva: o computador nos permite explorar zia (31) que: "The quantitative revolution uma grande massa de dados, em busca de implied a philosophical revolution. /f I did correlações eventualmente significativas, not adjust my philosophy, the process of entre estes dados. quantification would simply /ead me into a Como paralelamente a esta conjuntura se cul-de-sac. My own lack of success with processava uma importante transformação the new methodology was simp/y the result na Geografia (a afirmação de Peter Gould de o f trying to pour new wine in to old bottles ", que o que aconteceu na Geografia, a partir p. vi, do prefácio. O new wine era a passa­ do fim da década de 50, havia sido algo gem do conceito de areal differentiation pa­ dramático, na realidade queria dizer que a ra integração espacial, que acabaria por tra­ transformação foi qualitativa e, portanto, zer consigo, mais tarde, a idéia da re­ revolucionária), naturalmente as duas coi­ levância social, tjue colocava tudo numa sas se uniram para completar o quadro. visão diferente daquela do mundo positivis­ Este instrumental está à disposição de um ta. repensar na Geografia, qualquer que sejam Harvey em seu clássico Explanation in os pressupostos teóricos ou ideológicos Geography e em vários outros artigos pu­ que se adote. blicados no Instituto de British Geogra­ Brian Berry já havia colocado esta mesma phers discutia muito a questão do padrão e questão do repensar, sugerindo que "The processo espaciais, e concluía que havia Hartshornian mainstream had withered un­ uma questão de escala, quando dizia que na der theoretical-quantitative attack" (8), e, análise a nível micro, o espaço cedia o poder a seguir, que "To a new generation of de explicação ao processo interno da firma; young geographers, progress in Geography na análise a nível macro, cedia aos proces­ meant - theory-building, theory-testing, sos mais globais e que, portanto, a nível and theory-refining - (a ênfase é minha) in meso, o espaço era uma variável explicativa an accumulative and unidirectional sequen­ importante, o que o levava a afirmar ser o ce, and the theory was /ocation theory - nível mesorregional, o nível de resolução da von Thunen, Weber, Christaller and Geografia - ciência espacial. Losch", pp. vii. O livro de Harvey produziu um enorme im­ Isto significava que a essência desta pacto no mundo geográfico e Stephen Gale transformação era a colocação da Geografia fez um longo e controvertido comentário bi­ como a ciência do espaço, e com isto, a bliográfico (22), que, inclusive, mereceu idéia de que forma espacial explicava pro­ contundente resposta de Harvey no mesmo cesso espacial e teoria de localidade central número (32), da Geographical Analysis que significava que forma espacial era intrinse­ publicou o comentário. Não caberia, nos li­ camente explicativa, embora neste bojo mites deste artigo, uma discussão dos te- RBG 35

mas controversos entre Gale e Harvey, mas É nesta linha que geógrafos - Derek Gre­ um dos temas importantes foi a separação gory entre eles - sustentavam que a entre Metodologia e Filosofia da Geografia, instância positivista e naturalista apenas a separação entre forma e conteúdo, como mudara a face tecnológica da Geografia, Harvey coloca a questão, como sendo ne­ mas não alterara a sua essência que, no di­ cessária, "assuming a phi/osophical posi­ zer de Gregory, continuava Vitoriana. tion entai/s a methodologica/ position'' mas Derek Gregory ao fim da década de 70 que "the adoption o f a methodological posi­ (26), afirmava que: "For the moment I tion does not entail the adoption of a corres­ simply want to assert that mid-twentieth ponding philosophica/ position", P. 7. No century geography formalized the ideais of fundo, esta é a questão mais importante co­ its Victorian forebears. I am prepared to ac­ locada no contexto das crfticas mais con­ cept that it may even have extended them, tundentes às metodologias quantitativas. in so far as there were severa/ strands to the As posições teórico-conceituais e filosófi• philosophical thread spun across the inter­ cas foram simultâneas, sem relação de cau­ vening decades, but I am certainly not pre­ 4 sa e efeito. pared to accept that it transformed them .'' Entretanto, Gale toca, ao final, numa Voltaremos a discutir a questão do espa­ questão fundamental - talvez a dicotomia ço mais adiante e em diferentes contextos, quantitativa-qualitativa - quando se per­ pois a disputa no interior das Ciências So­ gunta: "To what extent can the methodo/o­ ciais era no sentido de saber-se o quanto o gies developed for mathematics and the social explicava o próprio processo espa­ physical sciences be applied to the social cial. Na realidade, esta havia sido a disputa sciences?" (22) p. 317, tema que Peter entre dois importantes cientistas do Gould discute em número especial da revis­ Século XIX, Vidal de La Blache e Durkheim; ta Geoforum (25). o primeiro, obviamente defendendo o pri­ Harvey, nesta ocasião, já estava prepa­ mado do pays - a sua forma de ver o espa­ rando seu novo livro "Social Justice and the ço, e o segundo, defendendo o primado do City" e havia publicado um artigo muito social. debatido também, levantando a questão de Toda esta reviravolta na estrutura concei­ "Revolutionary and counter Revolutionary tual da Geografia, fazia-se sob a égide de theory in Geography and the Problem of uma visão khuniana do processo de evo­ Ghetto Formation", realizando uma pro­ lução do conhecimento cientffico. Berry, em funda guinada ideológica que o levou até Introdução já citada (15), neste mesmo vo­ seu último livro Limits to Capital, tornando­ lume, escreve (7), que o determinismo ha­ se um dos expoentes da Geografia Radical. via sido o primeiro paradigma da Geografia E em seu comentário-resposta, Harvey su­ moderna, que foi desaprovado sem ter sido gere que a primeira coisa a fazer seria "Per­ demonstrado que estava errado (p. 29); em haps the first task here is to recognize the seu lugar surgiu o areal differentiation de ideological content of our own ideas and to Hartshorne, e muitos outros, inclusive recognize the potential for both counter re­ geógrafos alemães como Hettner; mas já volutionary and revolutionary participation começava a surgir a insatisfação, e com ela, in the societal process as they unfold as idéias de difusão, já colocadas por Franz around us" p. 329 (32). Boas, um misto de Antropólogo e Geógrafo. Sobre este tema, Harvey teve uma acalo­ Berry defende a difusão como o atual pa­ rada discussão com Brian Berry (lembre-se radigma, que tem desempenhado um impor­ que os dois eram ingleses, emigrados para tante papel em "demythologizing nature os Estados Unidos), divulgada no Profissio­ and history and revea/ing man's role in nal Geographer, Area e, possivelmente, em change," que marca a tendência para o po­ outras publicações. der explicativo do social. Mas esta linha já

4 Não creio que David Harvey tenha feito nenhuma afirmativa do tipo da que Derek Gregory fez, mas como não estamos fazendo uma seqüência cro­ nológica dos autores, parece-me necessário mencionar que estamos citando Harvey em 1969, com seu livro Explanation in Geography; Harvey foi se modificando ao longo do tempo com Social Justíce and the City, para uma posição radical, e mais recentemente para The Limits to Capital, que ele des­ creve como uma tentativa de reescrever o ''Capital'' de Karl Marx. É preciso cuidado nas comparações, para não interpretar autores que mudaram de po­ sição ideológica ou conceitual, fora do contexto próprio. 36 RBG vinha de Preston James quando afirmava em que ela se processava: o sistema capita­ que o significado das condições físicas da lista. terra era uma função de objetivos e habilida­ des técnicas, valia dizer, do social, com to­ da sua complexidade, não apenas tec­ A questão ideológica: Positivismo, nológica. método científico. cientificismo e Mas, nem todos aceitavam a perspectiva capitalismo khuniana da ciência normal, e de mudança paradigmática, embora endossassem a Uma questão de grande importância sur­ idéia de que as transformações eram pro­ gida no bojo das transformações por que foi fundas. A divergência era quanto à interpre­ passando a Geografia a partir de meados da tação de Khun do que era ciência normal e década de 50, nos países anglo-saxônicos e mudança paradigmática, que implicava em a partir do fim da década de 60 no Brasil, foi se assumir uma insatisfação com o estado a questão ideológica, vale dizer o estabele­ da Geografia, na direção de uma mudança cimento de vínculos entre a filosofia positi­ profunda. vista de um lado, e com ela a visão natura­ Ron Johnston, por exemplo, um dos cola­ lista da ciência e a concepção evolucionista boradores no Recollections of a Revolution, aplicada ao Social (com a conseqüente im­ escreve neste volume um artigo A Foun­ plicação no sistema capitalista), e os mode­ dling Floundering in World Three em que se los quantitativos, de outro lado. considerava discrepando do que ele mesmo Estamos usando o conceito de ideológico descrevia como " Thus the changes in me­ em seu sentido formal, sem conotação com thodology and philosophy which had been determinada linha política, como às vezes introduced to geography since the Ameri­ se procura colocar, e métodos quantitativos can based "quantitative theoretical revolu­ como instrumentais, sem conotações teóri• tions" of the 1950's have been interpreted cas, a não ser as premissas dos próprios as paradigms shifts or revolutions termina­ métodos. ting periods of normal science which create disciplinary consensus over means and Neste particular a literatura a respeito é ends", p. 39 (35). E Johnston acrescenta vasta e seria difícil sintetizá-la. que esta não havia sido a sua experiência e Esta utilização da visão naturalista e a de muitos outros, segundo ele pensa. conseqüente aplicação mais direta do rigor Johnston havia estado por muitos anos matemático deu à Geografia um cientificis­ fora da Inglaterra (na Austrália, no Pacífico mo de que ela necessitava para afirmar-se, Sul e na África do Sul) e exposto a contex­ embora a linguagem matemática e a busca tos muito diferentes, como um "foundling" de uma geometria nos processos espaciais (uma espécie de bebê abandonado por pais tenha lhe valido alguns exageros que foram desconhecidos), ''floundering'' (fazendo es­ duramente criticados e, aos poucos, sendo forços para tomar pé). Estou fazendo a ex­ corrigidos. Mas, sem dúvida, significou um plicação do título do artigo (que eu mesmo importante passo à frente. tive de procurar no Dicionário da Enci­ Além disso, uma das críticas correntes, clopédia Britânica), que expressa sua refere-se a questões da ligação do movi­ própria posição filosófica a respeito do pro­ mento teórico-quantitativo com temas e cesso, isto é, procurando tomar pé na si­ premissas do sistema capitalista - eficien­ tuação, mas meio perdido no meio do torve­ tistas - e com isso a uma inadequação das linho da disputa acirrada que se travava, "it metodologias quantitativas (o que ignorava has 20 years of floundering," como ele a origem capitalista das teorias e não do mesmo observa. método), aos problemas crítico& da Socie­ De qualquer forma, esta transformação dade; tanto que a primeira reação radical in­ teórico-quantitativa precisa ser analisada corporava a metodologia quantitativa. Por sob vários ângulos, e começamos pelo con­ isso, parece-me importante fazer uma re­ texto filosófico e suas relações com a visão destes postulados, a começar com a questão metodológica, no contexto social filosofia positivista. RBG 37

A filosofia positivista e seus competitivo. Veja-se neste comentário e na reflexos na Geografia citação anterior, como a questão era pro­ fundamente ideológica e conceitual e que A revolução quantitativa na Geografia foi, desaguava no sistema capitalista. amplamente, ainda de inspiração positivis­ Onde isto parecia claro era na cidade; na ta, embora não estritamente, em numero­ realidade o modelo de Burgess, da Escola de sas questões como veremos; e mais por ra­ Ecologia Humana de Chicago, se enquadra­ zões de ordem tecnológica que filosófica. va na ecologia humana de Park (41 ), que Augusto Comte, o fundador do Positivis­ percebia a ordem moral positivista nesta es­ mo, se apoiava na inevitabilidade do Pro­ trutura da cidade, o que revela primeiro are­ gresso (cujo moderno equivalente é o De­ lação positivismo e capitalismo, muito an­ senvolvimento) e dos estágios da História, tes de qualquer preocupação quantitativa, que se ajustavam a sua inspiração positivis­ como vista nos dias de hoje. É que o survi­ ta e evolucionista. E segundo Comte, a val of the fittest se ajustava à competição razão científica guiaria a empresa humana e pelo uso e posse da terra de forma perfeita; e como a mesma se apoiava em processo descobriria "leis" segundo as quais a história iria se movendo, inelutavelmente, naturalístico, era considerada uma ordem de seus começos primitivos e mitológicos, moral, eticamente compreensível e de­ para seu domínio final e magistral pela razão fensável, segundo a ótica positivista. humana. Ver, para uma discussão mais am­ Estas idéias refletem uma tendência ge­ pla, meu artigo no Ano 50, comemorativo, neralizada e destituída de autocrítica, dos da Revista Brasileira de Geografia (19). cientistas sociais do século XIX, de aplicar os princípios do método científico que se É claro que estas leis tinham muito a ver generalizava no campo das ciências natu­ com a filosofia evolucionista Darwiniana e rais, para o comportamento humano, a ten­ traduzida para o plano social por Herbert tativa de descobrir processos evolutivos do Spencer, nas quais inter-relações e interde­ tipo "a história se repete", etc., que roboti­ pendência se conjugavam no contexto de zam o comportamento do homem e dos gru­ um habitat comum, que era forjado de for­ pos sociais. Basta ler o livro de Rostow (em­ ma menos competitiva, internamente a este bora já depois da 11 Guerra) e suas etapas do habitat, mais homogêneo, pelo próprio fun­ desenvolvimento econômico, que são muito cionamento do survíval of the fittest", que conhecidas. É que a 11 Guerra Mundial exa­ fazia sobreviver as espécies e, eventual­ cerbou o processo tecnológico e a crença mente, os grupos sociais mais aptos e indiscriminada neste processo, de que ele também, mais homogêneos, num contexto resolveria todos os problemas; com isto, comunitário/territorial. A homogeneidade exacerbava a tecnocracia. intragrupo era gerada pelo processo compe­ titivo. É ainda David Mercer quem observa esta tendência que ele chama de "cientismo", e David Mercer observa (39) que: "Spen­ que diz ser a culminação do positivismo e cer's ideas on social struggle, individual que postula, "inquestionavelmente": rights and the "surviva/ of the fittest" were a - só existe um "verdadeiro" método rapidly incorpor:ated into the rul/ing ideas of científico; capitalist societies from the 1850's on, b - o conhecimento é neutro; even though they were highly suspect. In ti­ c - os padrões de "precisão" que operam me they became very influential in bour­ nas ciências físicas oferecem a única mol­ geois social science, particularly in human dura genuinamente explanatória, para a ge­ geography, where they can be traced right ração do conhecimento crentífico". trough the Burgess model of residential structure ... ". Mercer conclui que o Darwi­ Aí estão colocados os problemas funda­ nismo Social de Spencer e outros que o en­ mentais da filosofia positivista e o mais im­ dossaram, desempenharam a importante portante dos quais, para os problemas da função legitimadora de ''explicar'' a Geografia Humana é o que se refere ao fato existência e persistência de uma weak un­ de ser o conhecimento neutro, pois isto sig­ derclass pelo funcionamento do processo nifica dizer que o cientista recua de seu en- 38 RBG

volvimento com os problemas que ele vive so que este conhecimento, sua avaliação e no Contexto Social, para ver este mesmo suas prescrições não são e não podem ser contexto de uma forma neutra. E isto pare­ neutras. ce ser pedir demais a um ser humano, por­ O Estado medeia as relações de uns po­ tanto, a um geógrafo, quantitativo ou não. vos com outros, de grupos sociais no inte­ O conhecimento neutro advém da premis­ rior do Estado, uns com os outros; e de indi­ sa de que, como observam Peter Jackson e víduos uns com os outros. Mas o Estado Susan Smith (33), a realidade "existe inde­ tem uma direção política, a partir do seu pendentemente do observador", p. 1 O, próprio interior e a interpretação de seu pa­ uma questão fundamental para as novas pel pode sofr.er distorções, segundo os posições da Geografia - Ciência Social, on­ critérios e valores dos detentores desta di­ de se postula que a realidade não existe in­ reção política, ao lado de um certo "mana­ dependente do observador; o que sig­ gerialismo" interno à própria máquina bu­ nifica que o observador vê a realidade com rocrática. os seus conceitos, mas também, com os A essência do processo de planejamento seus preconceitos. A isto corresponde a contém uma opção pelo bem coletivo - a idéia de que a realidade é como o observa­ transformação de conhecimento em ação dor a vê e percebe. - mas, a grande dificuldade deste processo E estes são conceitos entre os que consi­ coletivo é a identificação real e efetiva do deramos ligados à nossa civilização ociden­ bem coletivo e o ponto onde ele não oprima tal, cristã e, paradoxalmente, extremamen­ o indivíduo ou grupos minoritários; é que o te materialista (a teoria da modernização), indivíduo é a essência da Criação e para ele em termos de sua noção de progresso ou deve estar voltada a vontade de produzir o desenvolvimento e sobrevivência. Materia­ bem-estar, no limite em que ele, por sua lista e elitista, pois este progresso, inclusive vez, com este bem-estar outorgado, possa o brasileiro, sempre esteve muito ligado aos estar oprimindo a coletividade. objetivos de uma população minoritária, A compatibilização entre estas duas enti­ beneficiando-a sobremaneira. dades - o coletivo e o indivíduo - constitui Mas estes conceitos nos levam a uma re­ a mais importante tarefa da definição de ob­ flexão sobre a natureza do papel do Estado jetivos e de etapas, no processo de desen­ e da Sociedade, face ao indivíduo, pois mui­ volvimento; e estes objetivos e etapas, co­ to do planejamento tem sido pensado como mo se sabe, não transcendem ideologias e uma forma de ordenar a vida das pessoas, culturas, mas, por isso mesmo, têm muito a em geral um pouco por sobre elas mesmas e ver com os detentores do poder polrtico. suas aspirações, pois os ideais de Progresso se apoiavam no que Comte mesmo chama­ E estes aspectos todos nos levam a con­ va de raison d'etat, intangível. siderar, quem sabe, como afirma Gregory, de que - "na medida em que uma preocu­ Este conhecimento, adquirido através de pação exclusiva com a sobrevivência da dis­ métodos que, segundo Derek Gregory ha­ ciplina pode requerer um grau de pragmatis­ viam "assegurado reconhecimento intelec­ mo que possa implicar ou ser entendido co­ tual para outras ciências'', deveria funcionar mo um abandono de princípios" (26) pode­ pàra a Geografia; e o que era mais importan­ mos estar deformando a disciplina e com ela te: estes métodos pareciam fornecer os ins­ seus praticantes, o que certamente não se­ trumentos e bases técnicas para a elabo­ ração de políticas públicas e privadas" (35), ria o desejável. pp. 20, tanto que Berry dizia que a Geogra­ Gregory sugere que isto divorciou os fins fia podia agora prescrever - optimum dos meios, de tal forma, que os objetivos means of achieving a given set of social ob­ para a pesquisa seriam estabelecidos fora jetives -, (4), p. 80. da profissão, por aqueles que pagaram por Apenas ficava no ar a questão, para ela (26, p. 21 ), o que ocorre, muitas vezes, quem? Esta pergunta ou esta resposta mas nem sempre é tão verdade assim, inclu­ transcende o profissional e passa para o ci­ sive porque é aí que entra aquela obser­ dadão, ele mesmo um profissional e é por is- vação que fiz ao início, de que o comporta- RBG 39

menta de algumas pessoas não reflete o E Gould termina o capítulo dizendo que, status da disciplina. "anos depois, ele encontrou na Suécia um Neste particular, é extremamente instruti­ qualificado consultor do Banco Mundial que va a leitura de um capítulo do livro de Peter havia lido seu relatório": Gould que citamos nas primeiras linhas des­ "- lt was, he said, the best thing he had te artigo: "Three doub/ed-edged swords", ever seen on the topic, and the Lake Volta p. 127-160 (24), que comentaremos mais transportation scheme had been adopted amplamente, dada sua importância e per­ pratical/y as I had recomended it. tinência para o caso. - lt was nice to know", conclui Peter O capítulo discute as várias fontes de fi­ Gould. nanciamento de pesquisas, provavelmente Ao fazer toda esta digressão sobre a ex­ nos Estados Unidos; e as três espadas de periência pessoal de um geógrafo com as dois gumes são as organizações militares - qualificações de Peter Gould, um homem de o que não significa que a Geografia serve ou esquerda claramente, tive a intenção de serviu para fazer a Guerra -, mas significa ilustrar, simultaneamente, as pressões que que, como diz Gould, que "research funds são feitas na direção de qualquer pesquisa from any source always constitute both a aplicada, e do significado, em última benefit anda danger" p. 166, para, a se­ instância, de uma atitude honesta e corajo­ guir, mostrar como instituições civis fazem sa. Mas é preciso considerar que prejuízo mais ou menos a mesma coisa, o que o leva teve Ghana com um retardamento de ajuda ao terceiro item, o dos grandes institutos e por muitos anos? O que sugere que a escritórios - que ele chama de ''The beltway questão existe, mas não é tão simples de bandits". Gould narra uma experiência ser resolvida. pessoal de consultoria para o Banco Mun­ Eu mesmo poderia mencionar algumas si­ dial, em Ghana, onde ele havia passado al­ tuações que presenciei, no contexto de di­ gum tempo antes, em pesquisa acadêmica. versas situações, como na definição de mu­ O que se pedia dele naquele momento era nicípios das regiões metropolitanas, política que - mais ou menos homologasse a idéia de cidades médias ou na delimitação de Es­ de uma nova rodovia tipo auto-estrada, para tados como o Mato Grosso do Sul ou o re­ restaurar a economia de Ghàna, enquanto o cente Estado do Tocantins, entre outras. que ele estava observando era a necessida­ O que estamos querendo dizer com esta de de reconstruir e manter uma antiga estra­ longa dissertação positivista, ainda é, em da e, sobretudo, realizar a manutenção do última instância, a idéia de que primeiro equipamento que existia e que estava todo vem a moldura filosófica e teórica e, com parado, por falta de peças de reposição. E ela, os problemas políticos que a elas se as­ ele assim o fez, mas seu pagamento foi reti­ sociam, e depois, a metodologia. do tendo sido chamado a Washington para Mas, de qualquer maneira, isto quer dizer discutir o relatório, que aliás, não mudou, o que o envolvimento nos problemas da So­ que lhe valeu receber uma nova consultoria ciedade implica em riscos, que contêm os somente decorridos dez anos. dois lados da faca de dois gumes de que fala Gould coloca a difícil questão de ser radi­ Gould. A escolha é sempre difícil, mas sem­ cal em suas opiniões, ou tentar encontrar pre necessária e nunca sabemos se ela foi um meio de influir, de alguma forma, ainda ética e certa, pois não basta uma só das saí• que fazendo concessões. Gould mesmo res­ das. A escolha, qualquer que ela seja, nunca ponde que as pessoas do mundo acadêmico é feita à luz de todas as hipóteses reais e de têm uma responsabilidade especial a pro­ uma perfeita avaliação de cada uma. Ron fessar: "to the best o f their ability, the truth Johnston em On Human Geography (36), as they see it. After ali, they cal/ themse/ves ao falar da questão democrática da escolha Professors", p. 185. Mas ele admite que é e do processo de decisão do indivíduo, em uma questão delicada e uma decisão difícil e face das alternativas possíveis e/ou existen­ que em cada contexto e conjuntura, é im­ tes, usa uma analogia entre o político e o portante avaliar o que se pode e o que não eleitor da teoria política, com a "soberania se pode conceder. do consumidor" da teoria econômica capi- 40 RBG talista, para procurar demonstrar que tanto menta teórico-quantitativo fez emergir, e um, como outro (o eleitor e o consumidor), que passavam, por assim dizer, desaperce­ são vítimas do processo que Schattschnei­ bidas ou ignoradas, com os métodos tradi­ der descreveu em seu livro "The Semi­ cionais e convencionais. Isto constitui, legi­ Sovereing People", que se constitui na ela­ timamente, o "o que foi" a Geografia Quan­ boração de programas partidários com o titativa. Isto não quer dizer que a Geografia mesmo processo que o setor empresarial convencional de outros tempos não tenha maneja sua propaganda, para vender ao significado uma contribuição importante e consumidor o que é produzido e não neces­ científica. Significa, apenas, que o processo sariamente o que é desejado. de mudança na Sociedade e as transforma­ É que é mais fácil pensar num processo ções cognitivas nas ciências em geral e, democrático, e socialmente justo, do que portanto, na Geografia, afetam a própria praticá-lo em toda sua extensão e significa­ qualidade da pesquisa. do e é mais fácil falar da soberania do con­ sumidor, que vê-la praticada. Estes são problemas metodológicos e em Toda esta discussão da filosofia do positi­ alguns casos filosóficos. vismo, como aplicada às relações sociais, Não é fácil separar formalmente o filosófi• mostra bem que, quantitativo ou não, se co do metodológico, pois, como observava adotamos esta perspectiva, quase que so­ Harvey no seu clássico de 1969 (31), a filo­ mos levados ao sistema capitalista, cuja sofia mostrava o rumo a seguir, enquanto a essência é "o surviva/ of the fittest". metodologia dava o impulso para caminhar E aí, ao examinarmos as relações cidade­ naquele rumo. Por isso, a simples obser­ campo, cidade-cidade e as relações entre vação da paisagem, ou o uso de dados esta­ indivíduos, estaremos movidos pelo lucro, tísticos, levava a algumas indagações sobre que está inserido, por exemplo, na teoria de estas mesmas questões, extremamente re­ localidades centrais; ou entre um núcleo de­ levantes, para os resultados da pesquisa. senvolvido e uma periferia subdesenvolvi­ Uma questão que surgiu quase que auto­ da; mas, é neste momento que precisamos discernir entre o modelo teórico - que pode maticamente foi a da representatividade ser capitalista ou não - e a reflexão e adap­ das observações. E aí em dois planos: tação deste modelo de análise, aos objeti­ vos da Sociedade a que pertencemos como A REPRESENTATIVIDADE DO CONJUNTO cidadãos e que pode contemplar outras fun­ ções que não a maximização do lucro. DE OBSERVAÇÕES NO CAMPO I ESPECIALMENTE PARA FINS DE Mas, por outro lado, o cientificismo gera­ GENERALIZAÇÕES do pela aliança conceitual entre positivismo e naturalismo obviamente abria caminho pa­ ra um intensivo uso do chamado método A pesquisa de campo constituía-se numa científico, como mencionamos antes, méto­ questão, já que era feita sem a preocupação do científico este, em que as técnicas esta­ de comparar-se a representatividade das tísticas e matemáticas caíam como uma lu­ observações, ao longo de uma rodovia e em va. É a crença na tecnologia como capaz de um inquérito feito em uma fazenda, ou a ex­ superar todos os problemas, num mundo de tensão da predominância de uma ou algu­ tecnocratas. mas culturas ou métodos agrícolas, ou um Mas, os pressupostos eram da filosofia certo número de medidas de inclinação de positivista, embora tais métodos contives­ camadas sedimentares. A idéia de amostra e sem os seus próprios pressupostos, mas in­ amostragem se efetivava, de alguma forma, trínsecos ao método, como procuraremos pela via da percepção intuitiva do pesquisa­ ver a seguir. dor (o estudo de casos), o que conduzia à extensão das observações a uma maior ge­ O cientificismo, a metodologia quantitativa neralidade, inteiramente dependente da per­ e seus pressupostos cepção intuitiva e em conseqüência da ge­ nialidade de cada um, insusceptível de veri­ Parece-me importante ressaltar as ques­ ficação e comparação. Frustrava-se um dos tões extremamente relevantes que o movi- princípios da Geografia ritteriana - o da RBG 41

comparação. Era o que os estatísticos cha­ mas das interpolações, feitas mais ao sabor mam de amostra intencional. Na realidade ·dos sentimentos e percepções de cada um. mais que se frustrava, pois a comparação A média usada sem a variância ficava à era feita com bases falsas. mercê do que os estatísticos descrevem nas Por outro lado, o trabalho de campo, es­ "estatísticas descritivas" como a dispersão pecialmente na Geografia Humana, em ge­ maior ou menor, que aumentava ou dimi­ ral, implica em inquéritos junto ao trabalha­ nuía a probabilidade de erro. Na realidade, o dor ou proprietário rural, quanto a relações que isto significa é que o dado estatístico trabalho, a métodos agrícolas adotados, era tomado como a própria realidade, sem uso de adubos, financiamentos, preços especificação de qualidade do dado. etc., para intuir as condições de vida do ho­ É claro que uma longa experiência profis­ mem rural, ou da cidade. sional ia cobrindo estas deficiências, pela Estes inquéritos, entretanto, deveriam intensidade da percepção intuitiva, e é por passar por dois processos, ambos muito im­ isso que o "Mestre" na Geografia era sem­ portantes: pre um conceito de importância transcen­ dental. Distorções óbvias eram sempre de­ a - A própria elaboração do questionário, tectadas, e é comum a observação de que o que implica em um conhecimento prévio produto bruto per capita não representa aproximado, para levantar as questões rele­ adequadamente a riqueza dos países por­ vantes; de uma certa forma o questionário que, em muitos casos, esta riqueza está deve refletir uma proposição teórica, sobre muito concentrada. A renda per capita do a área e o tema; e Kuwait contém uma margem de erro muitís• b - de novo, a própria questão da represen­ simo maior que a da Suíça, porque a va­ tatividade, isto é, fazer o levantamento se­ riância na primeira é enorme e na segunda, gundo um plano de amostragem tão rigoro­ bem pequena. so quanto possível, para que os dados tabu­ O curioso é que algumas das críticas fei­ lados tenham significado e consistência, e tas ao movimento quantitativo era de que permitam generalizações. ele obscurecia o qualitativo e que o compor­ Estes dois são pontos fundamentais em tamento do homem era qualitativo e não po­ relação ao que a adoção de uma metodolo­ dia ser quantificado. Aí, como em numero­ gia quantitativa fez emergir como proble­ sas instâncias de crítica anti ou de fervor mas; estes dois pontos são tão essenciais quantitativo, peca-se pelos excessos. De que qualquer conclusão tirada do trabalho um lado, a negação da quantificação, que de campo, sem a observância deles, padece às vezes era acusada até de distorção de uma premissa de inconsistência a priori, ideológica (e aí havia muito do "não comi e e de impossibilidade de replicar ou mesmo não gostei"), simplesmente porque o cen­ testar sua validade. tro de difusão quantitativa era anglo­ Adicionalmente, os dados obtidos com saxônico, principalmente norte-americano; estes levantamentos devem sofrer um tra­ de outro lado, a deificação desta mesma tamento adequado, o que nos leva ao item quantificação, em que qualquer atributo do seguinte: grupo social era colocado em termos de O USO ADEQUADO DE DADOS uma variável quantificada, ou então seria ESTATÍSTICOS E DE descartada. MÉTODOS DE ANÁLISE Mas, na medida em que o uso adequado dos dados é feito, não nos contentamos Este segundo plano, uma espécie de ex­ com médias e variâncias, pois essencial­ tensão deste mesmo aspecto, se observava mente estamos à procura de inter-relações. tanto no uso de dados estatísticos, como E nesta linha das inter-relações, além da até no uso da média, sem a variância. Os correlação pura e simples, a Análise Fatorial dados estatísticos também eram usados e suas várias modalidades penetrou na Geo­ sem a preocupação da representatividade grafia de uma forma muito profunda. - apenas a percepção intuitiva - e muitos O uso da análise fatorial ficou muito di­ mapas de isolinhas padeciam dos proble- fundido na Geografia, principalmente por- 42 RBG que um dos complementos estatísticos da distâncias de forma incontrolada e, portan­ análise fatorial é o cálculo do score, isto é, to, inadequada. a posição da observação num dado vetor da Mas, o Trend Surface não para aí, e faz análise. O fator, em si mesmo, mostra uma uma nova superfície a partir dos resíduos da combinação de variáveis (que se hipotetiza­ regressão, que são, como se sabe, tão im­ das adequadamente e com relevância teóri• portantes quanto os valores estimados, ca, descreve um dado conceito abstrato). pois são eles que descrevem as irregularida­ como o tamanho de uma cidade, o nível de des na superfície. E, em geral, interrompe­ desenvolvimento de uma unidade observa­ se a análise neste ponto, porque a interpre­ cional ou outra dimensão teórica qualquer; e tação dos resíduos começa a ficar difícil, isto coloca uma enorme ênfase na formu­ embora muitos geógrafos tenham estendi­ lação de uma base teórica que passa a ser do esta análise até se atingir um percentual condição fundamental de sucesso da meto­ próximo do zero dos resíduos; é isto que se dologia. O score, posiciona a unidade ob­ poderia chamar de a quantificação pela servacional neste vetor, obtido como de­ quantificação, o que no jargão dos entendi­ monstração de validade ou não da formu­ dos se costuma chamar "GIGO" (Garbage lação teórica definida, ou até mesmo de In Garbage Out), como Gould os chama uma hipótese inicial. (24). É importante ressaltar o como a análise A correlação canônica que não conseguí• fatorial contribuiu para forçar a definição e ramos introduzir no DEGEO, foi usada por especificação de conceitos, às vezes vagos, Mauricio Abreu ( 1 ) , e o Optimal Origin Point como tamanho de uma cidade, nível de de­ foi usado sobre um conjunto de cidades senvolvimento, grau de industrialização brasileiras, por mim (21), no contexto da etc., que uma vez descritos adequadamen­ idéia de Pólos de Desenvolvimento (que se­ te, permitiam uma compreensão mais clara riam pontos ótimos de origem, naturais, pa­ do fenômeno, de vez que dificilmente estes ra a difusão do desenvolvimento), consti­ conceitos podem ser enunciados à base de tuindo, assim, um modelo de aplicação da um único indicador. função distância. A análise fatorial havia sido tomada em­ É claro que muitos destes métodos foram prestada à Psicologia, mas outros métodos desenvolvidos porque os conceitos que os foram surgindo derivados às vezes da motivavam eram os da eficiência econômi• própria análise fatorial (correlação canôni• ca, portanto, de base essencialmente capi­ ca) ou da regressão ( Trend Surface Analy- talista. sis ), e uma tri;tnsformação do Trend Surfa­ Por isso, examinamos a seguir alguns ce produzida ·pelo grupo da Universidade destes pressupostos. É claro que o objetivo do Estado de Ohio e que Howard Gauthier aqui não é, obviamente, explicar o sistema trouxera para o Brasil ( Optimal Origin capitalista mas, apenas, aquilo que apre­ Point ). senta conotações com metodologias aplica­ A Trend Surface constituía uma su­ das. cessão de regressões, que calculando o score dos pontos usados na análise, por O sistema capitalista e os pressupostos que exemplo, construía uma superfície linear ele colocou para a explicação do processo por sobre estes scores e que poderia ser sócio-econômico e espacial entendida como uma superfície de desen­ volvimento. É um método essencialmente O sistema capitalista se apóia em alguns espacial, que analisa uma série de pontos pressupostos básicos: numa área, desenhando uma superfície so­ a - de um lado, a propriedade privada e a bre esta área. É claro que partia-se de sua transmissão por hereditariedade. Uma distâncias calculadas a partir das coordena­ grande discussão se travou a respeito do das geográficas de cada ponto, constituin­ papel ou da função social da propriedade do assim uma distância em linha reta. Por is­ privada; de um lado, a sua intangibilidade e, so, a extensão de análises deste tipo, a su­ de outro, a idéia de que no fundo não somos perfícies muito grandes, distorceriam as mais que arrendatários de um bem, mas es- RBG 43 ta discussão é interminável, porque ambos A consagração da idéia da eficiência os conceitos estão associados a visões do econômica levou a teoria locacional, uma mundo, bem diferentes, uma da outra. A teoria de fundamental importância para a essência deste postulado é, entretanto, a Geografia, a adotar os princípios da planície acumulação de capital. E numerosas teorias isotrópica e o conjunto de premissas da teo­ e métodos conseqüentes surgiram para de­ ria de localidade central, o que faz dela uma monstrar a eficiência do postulado, a come­ teoria capitalista de localização urbana e de çar com teoria locacional, importante na distribuição de bens e serviços. Geografia. Mas, sobretudo, ele coloca a Este processo resultou num desenvolvi­ questão do valor da qualidade da terra, no mento econômico material nunca antes caso rural, como instrumento de produção, atingido, gerando, porém, uma profunda di­ às vezes tomado como dado, que alguns visão no mundo, com uma parcela altamen­ economistas americanos denominaram te desenvolvida e a grande maioria altamen­ unearned increment. te subdesenvolvida. Constituía-se essen­ b - O primado do lucro pelo capital investi­ cialmente, na apropriação do valor adiciona­ do, que traz consigo a competição e com ela do pela transformação industrial por parte todos os processos de merchandizing, que de uma minoria - pessoas e países -, que deveriam privilegiar o primado do consumi­ procurava se apoiar tanto na lógica positi­ dor - o que significaria que todo o proces­ vista como em seu corolário de Darwinismo so produtivo giraria em torno das necessida­ social, para justificar a sobrevivência do des deste consumidor o merchandizing fez mais apto. exatamente o contrário, colocando o consu­ Este sistema capitalista assumiu, assim, midor à mercê do produtor, porque este é uma posição no Projeto Global, e se expan­ mais forte e organizado, o que constitui diu de forma tal que sua unidade básica de uma das deformações do sistema capitalis­ funcionamento passou a ser o globo terres­ ta, quem sabe, o chamado "capitalismo sel­ tre e a economia mundial. vagem". De novo, a teoria locacional e todo o arcabouço da teoria de localidade central. Esta expansão global e, mais que ela, os métodos usados para alcançá-la geraram Destas duas premissas fundamentais re­ enormes desequilíbrios em todos os níveis, sultou que a Geografia foi, com muito maior ao mesmo tempo que profundas frustra­ intensidade, umá Geografia do processo ções e insatisfações. produtivo, com base na eficiência econômi• ca e destinada a maximizar a geração de lu­ E a reação a estas frustrações fez afundar cros. O consumidor foi sempre levado a com elas, a base positivista e surgir uma consumir o que era produzido, o que repre­ preocupação mais humanística e mais so~ sentava a falácia do postulado "o reinado cial, com os problemas do espaço e da So­ do consumidor". ciedade. Aí está, de um lado, a origem do movimento radical na Geografia, e de outro Mas o sistema capitalista evoluiu, sobre­ lado, a do movimento humanista. tudo, ao longo deste século, e mais nitida­ mente após a Segunda Guerra Mundial, pa­ O primeiro deixou marcas profundas na ra se transformar num poderoso e quase in­ Geografia brasileira, inclusive pelo apelo controlável sistema global de produção, fi­ ideológico de fora da discussão geográfica, nança, distribuição e já, hoje em dia, com enquanto que o segundo ficou um pouco di­ uma componente transnacional mais pode­ luído. Como se trata do que veio depois, rosa que a maior parte dos países do mundo voltaremos ao assunto nas considerações atual. finais. Esta sobrevivência do mais apto leva à Com isto, podemo-nos voltar para uma chamada eficiência econômica, na qual se discussão de alguns conceitos críticos do ti­ baseavam numerosas teorias econômicas, po espaço e região, ao mesmo tempo que a inclusive locacionais, que acabaram por ter teoria espacial e as questões que a metodo­ profunda influência em teorias geográficas, logia quantitativa fez emergir. a começar pela teoria de localidade central, E, aí, vamos verificar que as relações es­ e outras. paço - sociedade vão ser a constante em 44 RBG

teoria espacial, como temos seguidamente O conceito de espaço salientado. e a questão espacial

A noção de espaço - a Geografia uma As repercussões, conceitos críticos ciência espacial - tem sido um dos grandes e a Geografia Regional: Espaço, pomos de discórdia conceitual, pois que faz Teoria espacial e Região girar a questão em torno da explicação do processo pela via da forma espacial ou do As repercussões foram de natureza con­ processo espacial, quando uma hipótese al­ ceitual e metodológica e se fizeram sentir ternativa seria a interação entre um proces­ nos conceitos críticos à própria identidade so espacial no âmbito de um outro social, ou da Geografia. vice-versa, geradores de uma forma espa­ Espaço e teoria espacial e região são con­ cial. Esta é a essência da idéia de Geografia, ceitos que estão associados aos próprios uma ciência social, e do conceito de que o estágios do desenvolvimento da Geografia; espaço é socialmente organizado. Não exis­ e o reviver do pays e a noção de território e te ambigüidade no vice-versa, pois a relação territorialidade são outros conceitos que homem-m~io é regulada por um processo estão surgindo ao longo desta mesma evo­ social, pelo que Preston James _chamava de lução do pensamento geográfico. objetivos e habilidades técnicas, que fazem Pode-se afirmar que uma das componen­ do nativo de Borneo um quase escravo do tes destas transformações, relativa à identi­ meio e do agricultor ou industrial alemão ou ficação da Geografia como uma ciência do japonês (ou outros) um quase master de espaço, - como as estatísticas que Peter seu ambiente, que transcende os seus limi­ Gould mostra em seu livro e que citamos lo­ tes mais estreitos. go de início,- deixam isso bem claro. Recorde-se o argumento de Brian Berry, O espacial passava a ser a identidade da que mencionamos antes, relativo ao chama­ Geografia, o seu campo de trabalho, a partir do fantasma de Galton. Uma estrutura es­ do que Berry chamou de a "desaprovação " pacial pode derivar de processos e mecanis­ do modelo determinista, sem ter sido, na mos que, às vezes, são exógenos ao espaço opinião de Berry, cientificamente rejeitado, estudado e difundidos por processos tem­ talvez porque nunca havia sido demonstra­ porais, e a explicação tem que ser procura­ do. da neste processo, que é temporal. E era uma mudança de fundamental im­ Se a metodologia quantitativa colocou portância que estava contida na noção de numerosas questões teóricas para a formu­ espaço, em face da noção de lugar: a pri­ lação de teorias na Geografia, o reverso, meira, contida nas críticas de Frank Schaef­ também, é verdadeiro. Uma das premissas fer e desenvolvida amplamente no bojo da essenciais da maioria dos métodos de in­ reformulação teórica que se processava si­ ferência estatística - especialmente os de multaneamente; a segunda, que constituía base de relações lineares entre variáveis - o cerne da concepção hartshorniana e mes­ é a da independência entre as observações; mo vidalina, como discutiremos a seguir, mas uma premissa fundamental da análise sendo comum, às duas concepções, a idéia espacial é a de que o efeito de proximidade de que localização continuava sendo um e de contigüidade faz com que haja interde­ conceito fundamental e inerente à própria pendência entre as observações, exatamen­ Geografia. te pelo efeito de proximidade, que faz luga­ Mas, no contexto desta identificação do res próximos parecidos. Peter Gould ressal­ espacial como o objeto da Geografia, o su­ ta, mais de uma vez, como o fizemos em ou­ jeito ficou sendo a forma espacial; e levou (e tro lugar (20), que a essência da análise ainda está em processo de mudança) tempo geográfica se concentra nas inter-relações para se perder o receio da identidade (implí• entre atributos dos lugares, no contexto das cito na idéia do conceito gêmeo espaço/so• relações entre os lugares, que forma a base ciedade), e se evoluir para a idéia de uma de teoria espacial. E como o importante é a combinação espaço e social, para expli­ teoria, daí decorrem grandes dificuldades cação. operacionais, como discutem longamente RBG 45

Cliff e Ord (13) e Sibert (45), em sua spatial contrário, em um meio através do qual as auto correlation. relações sociais são produzidas e reproduzi­ das". É neste sentido, talvez, que a Geogra­ Teoria espacial fia Humana e a Sociologia podem estar se confrontando com um (que não pode ser Tudo isto tem muito a ver com o desen­ considerado como não clássico) "problema volvimento de teorias na Geografia, já que o de ordem". Este "problema de ordem" con­ movimento era, simultaneamente, teorizan­ siste no que o próprio título do livro descre­ te e quantificador, como temos reiterada­ ve Social relations and spatial structures, mente mencionado. que alguns dos "fetichistas espaciais" po­ Segundo Berry (8), o determinismo riam como spatial structures and social rela­ geográfico havia sido a primeira tentativa de tions, vale dizer, o que vem primeiro: se o estabelecimento de uma teoria e de um pa­ espaço ou a sociedade. radigma na Geografia, e à medida que ele se Na longa lista de papers, os editores pro­ esvaiu, as várias tentativas de colocar a curaram agregá-los a cada uma das linhas geografia num contexto puramente empiri­ principais do livro: a - as implicações de cista, como a areal diferentiation de Harts­ uma filosofia realista da ciência para estas horne, pareciam significar o abandono de novas estratégias analíticas; b - as con­ um modelo causal, por uma mera curiosida­ seqüências da incorporação de espaço em de científica. O próprio conceito de Vidal de teoria social marxista e não-marxista; c - a La Blache, o pays, tinha uma clara cono­ estruturação espacial de classes e outras tacão naturalista e idiográfica, que agora se forças sociais; e, d - a significação de tem­ pr~cura resgatar com o sentido, talvez, de po - geografia e suas extensões para teoria algo parecido com a região historicamente social propriamente contextual. definida de Friedmann, aproximando-se A essência da visão contida neste livro é mais do conceito de territorialidade e regio­ que a dicotomia espaço e sociedade, que nalismo, do que de regionalização (Ver a John Urry considera "um engano de cate­ discussão em Faissol, 20). Mas, num deter­ goria elementar" (e o que é importante des­ minado momento, o conceito de pays era tacar), descarta, também, a explicação do uma combinação especial e única de condi­ processo espacial, pela forma espacial. Veja ções físicas, gêneros de vida e padrões cul­ a discussão deste aspecto em meu livro turais, insuscetíveis de serem replicados e, (20). provavelmente, incapazes de serem defini­ Mas, no bojo de toda a discussão relativa a dos de forma exaustiva, cobrindo todo o espaço e sociedade, fica embutida a território nacional. O que entendo hoje, en­ questão do conceito de região e em seu bojo tretanto, é que neste conceito, pode estar a questão da contigüidade e do próprio embutida a idéia da territorialidade e de uni­ método regional. dade política, importante no processo de desenvolvimento. A região, o modelo e a questão da Mas, onde se fez uma das mais extensas contigüidade; e abrangentes discussões, da questão espa­ ço, foi num livro relativamente recente /f everithing occurred at the same time (1985), e do qual já citamos dois autores there would be no deve/opment. /f every­ (43 e 4 7), Andre Sayer e Edward Soja, dis­ thing existed in the same p/ace there could cutindo a questão espacial no contexto do be no particularity. Only space makes possi­ social. ble the particular, which then unfolds in ti­ Os editores do livro - Derek Gregory me . . . to /et this space conditioned particu­ (geógrafo) e Jonh Urry (sociólogo), ao des­ larity grow without /etting the whole run creverem rapidamente as grandes mudan­ wild - that is political art. ças na estrutura da Sociedade, nestes últi­ August Losch: "The economics of location, mos 30 anos, observam que: "como resul­ p. 508, 1939". tado destas mudanças, a estrutura espacial Uma das dicotomias clássicas da Geogra­ é agora vista não somente como uma arena fia foi a sistemática regional que o próprio onde a vida social se desenvolve mas, ao Hartshorne tratou longamente (30), com 46 RBG

um capítulo sob o título Js Geography divi­ um grão de areia", em que observa que a ded between "Systematic" and Regional um nível de extremo detalhe na Geografia, Geography? E bastaria citar uma expressão nenhum grão de areia seria igual a outro, o de Hartshorne para ilustrar todo seu con­ que constituía o paroxismo do idiográfico. teúdo teórico:"O complexo geográfico Já a região, percebida como um agrupa­ completo só pode ser estudado em um pon­ mento de lugares, se inseria no processo to", p. 121 . O que o leva a considerar a classificatório, que Harvey indicaria como Geografia Regional como um detalhamento, essencial ao processo científico (31 ). em termos de integração, da Geografia Sis­ O problema da região, que David Grigg já temática. havia colocado como um conceito especifi­ Preston James, um expoente da geogra­ cado no contexto de um método classifi­ fia americana positivista, escreveu: "O con­ catório (o que Harvey reitera, como sugeri­ ceito regional e o método regional envolvem mos acima), dada sua importância na geo­ a generalização de fenômenos numa área" grafia, foi um daqueles problemas, em que a (34), quando em 1954, foi, juntamente com metodologia quantitativa fez emergir nume­ Clarence Jones, editor do volume comemo­ rosas questões. Harvey diz que "/ believe rativo do 59° aniversário da Associação dos that the most important effect o f quantifica­ Geógrafos Americanos; nesta época, eu era tion has been to force us to thínk logícally seu aluno em Syracuse, onde o livro estava and consistently where we had not done so sendo editado. before". Existe um capítulo de seu livro, James, acrescenta que: era necessário sobre a questão da classificação (31, definir categorias, em termos de critérios p.327-349), que como dissemos, segue a li­ selecionados, que fossem relevantes, para nha de Grigg (28 e 29). um problema particular, p. 9, o que equiva­ Aí se coloca um tipo de especificação es­ lia a dizer, teoria sobre região. tatística, que informa que a região/classe é James prossegue dizendo que "Um siste­ um conjunto de unidades observacíonais, ma de divisão regional é justificado, se ele na qual a variância interna é menor que a va­ ilumina os fatores ou elementos de um pro­ ríância entre outras regiões, isto é, blema; não é justificado, se obscurece estes tomando-se uma área qualquer para estudo, fatores e elementos". ao dividir-se esta área em regiões, para que E a região era uma: elas sejam homogêneas, é necessário que a variância intragrupo seja menor que a va­ a) área de qualquer tamanho; riância íntergrupo. b) homogênea em termos de critério especí• Assim, colocar o conceito de região deri­ fico; e vado do processo classificatório (partir da c) distinguível das áreas próximas por uma junção de unidades observacionais peque­ espécie de associação particular de fenôme• nas), trouxe a taxonomia, para a Geografia, nos, na área em questão e, em con­ e a seguir, métodos estatísticos, que opera­ seqüência, possuindo uma espécie de cionalizassem este conceito. O próprio coesão interna. Berry escreveu um artigo que se tornou A contigüidade estava aí, implicitamente clássico no uso de análise multidimensional prevista, como "a coesão interna" ou seja, (essencialmente análise fatorial e de agru­ a força integradora. A questão era sempre a pamento), para operacionalizar o conceito especificação, que deixava isto ao subjetivo de região, mas neste momento parece-me de cada um, portanto, deixando a questão importante ressaltar alguns aspectos que o da coesão interna, importante na noção de uso da metodologia quantitativa e os con­ espaço, sujeita a uma certa ambigüidade. ceitos em que ela se baseou, fizeram emer­ Esta era a questão da região, como con­ gir. cebida por Hartshorne (30), como uma di­ visão de um dado território, até mesmo se­ O primeiro, é o da própria unidade de ob­ gundo uma infinidade de características - a servação usada corno a base do processo checklist - tais, que ela acabaria por ser taxonômico. única e excepcional. George Cressey escre­ Trata-se da unidade elementar, que deve veu, certa vez, um artigo, "autobiografia de ser em número tal que seja representativa RBG 47

de uma área determinada e heterogênea. As longas reuniões havidas, até mesmo Por igual, deve ser intrinsecamente ho­ com os representantes dos Estados, acaba­ mogênea, para que os dados usados - de vam por consagrar o princípio do único, sem valores médios para unidade taxonômica - ter sido formalmente explicitado. Era a reite­ sejam descritivos de uma situação, isto é, ração da longa experiência acumulada. que estes valores médios tenham uma va­ riância que se considere desprezível. Se va­ A definição de região - a região mos agregar unidades pelas suas caracterís• homogênea é constituída de um conjunto ticas, que façam emergir outras unidades de lugares homogêneos e contíguos maiores, homogêneas, segundo um dado critério necessário e inerente ao próprio pro­ O conceito de homogêneo já ficou escla­ cesso classificatório, então estas unidades recido, até mesmo em termos de sua espe­ elementares devem conter um mínimo de cificação estatística; falta inserir, nela, a homogeneidade interna, que assegure idéia de que as unidades agregadas devam aquela premissa da variância desprezível. ser contíguas. O segundo, que já mencionamos e que Voltamos, aqui, a mencionar aquela fita ressurge sempre, é o da representatividade magnética com uma variedade de progra­ do número de unidades, seja do número de mas cedidos por Duane Marble. Um destes unidades com que se trabalha desde o iní• programas era o de uma análise de agrupa­ cio, seja do número de unidades considera­ mento ( C/uster Analysis), que continha das como uma classe ou região. duas modalidades, uma com uma restrição Se região é um conjunto de unidades ob­ de contigüidade e outra sem esta restrição. servacionais semelhantes entre si, o que O que estes programas colocavam, era uma acontece se existe só uma unidade? Vale di­ discussão do conceito de região,. à luz da zer, se ela é diferente, o bastante, de todas questão da contigüidade. A contigüidade de as outras? unidades taxonômicas, identificadas como No processo classificatório podemos ter homogêneas, não era gerada no bojo da todas as unidades taxonômicas agrupadas análise e pela via de atributos destas mes­ em um só conjunto, portanto, como 100 % mas unidades taxonômicas, como seria de de generalidade; de outro lado, todas as uni­ se supor, à base de uma teoria sobre região. dades diferenciadas entre si, com 1 00% de Era embutida no programa, como uma va­ detalhe. O processo estatístico de testar um riável exógena, uma matriz inserida no mo­ ponto ótimo, partia, como se sabe, de que delo de agrupamento, que rejeitava o agru­ este ponto ótimo seria definido como aquele pamento de duas unidades semelhantes en­ em que a variância intergrupo fosse maximi­ tre si, no perfil produzido pelo espaço multi­ zada, em relação seja à variância total ou à dimensional da análise fatorial, por exem­ variância intragrupos. Isto satisfazia o con­ plo, porque não eram contíguas como indi­ ceito de que uma região seria um conjunto cado pela matriz exógena ao modelo de de unidades que tivessem o máximo de se­ análise (ver (20), para uma discussão mais melhança entre si, obviamente segundo um detalhada desta questão). Aqui, queremos critério. salientar, entretanto, que uma condição es­ A Geografia tradicional aceitou sempre o sencial no arranjo espacial de fenômenos critério, embora a operacionalização do geográficos é a de que a proximidade é um critério ficasse num plano altamente subjeti­ fator importante de similaridade, pela ope­ vo. A divisão do Brasil em Microrregiões Ho­ ração do processo de difusão, de natureza mogêneas, formalmente, se baseou num essencialmente epidemiológica. Um modelo conjunto de mapas - mais de uma centena regional que contemple esta idéia - a da di­ - mas o detalhe concreto de agrupar muni­ fusão espacial de forma explícita - poderia cípios em uma microrregião qualquer, aca­ descrever melhor este processo. bou sem uma especificação completa e ob­ Mas, como teoria geográfica é colocada jetiva, a despeito de estar baseada numa muito em função do processo de difusão, enorme soma de conhecimentos empíricos que deriva de contactos e relações, o mode­ do grupo. lo de regiões funcionais ou nodais adquiria 48 RBG

uma importância especiai.Não lhe falta a fos o fizeram no questionamento da proprie­ metodologia adequada, que Berry empre­ dade de se usar os métodos da matemática gou na Índia (Correlação Canônica). que e da física newtoniana para tal fim, como o permite identificar a composição de uma es­ fez Peter Gould em recente artigo (25), en­ trutura sócio-econômica através de uma tre outros. Mas, o que não se pode negar, é matriz e a composição de uma estrutura de que tais métodos contribuíram, e muito, pa­ relações através de outra matriz. A fatori­ ra os questionamentos teóricos que eles en­ zação de ambas e a regressão de uma sobre sejaram nestes trinta anos, de forma tal, a outra permite a avaliação dos efeitos de que eles hoje estão incorporados ao conhe­ uma estrutura sobre a outra, um instrumen­ cimento geográfico. to de grande alcance para o planejamento. Por outro lado, a experiência de numero­ Restaria saber se os efeitos são lineares e sos geógrafos com os problemas do plane­ se os indicadores usados, suscetíveis de se­ jamento e/ou com a identificação dos desní• rem quantificados, respondem pela soma de veis sociais que análises mais detalhadas e múltiplos atributos e relações sociais, precisas revelavam, criou uma consciência econômicas e políticas, que formam o in­ da relevância dos problemas da Sociedade, trincado quadro da estrutura social e territo­ que descartava o sentido do "conhecimen­ rial de uma região. Mas, este é um problema to neutro" positivista e abria caminho para que afeta todas as ciências sociais e não só uma Geografia Social, comprometida e par­ à Geografia. ticipativa, juntamente com as outras ciências sociais. O próprio Brian Berry, que CONSIDERAÇÕES FINAIS: O QUE com freqüência foi acusado de destituído de MUDOU DEPOIS? A GEOGRAFIA sentido social, dedicou boa parte de seus RADICAL? E AGORA? estudos às questões internas da cidade So­ cial area analysis, onde as questões das de­ sigualdades sociais foram longamente estu­ A (r)evolução que se processou na Geo­ dadas, como aparece em um de seus livros, grafia, nos trinta anos decorridos entre a de co-autoria com Kasarda (9). década de 50 e a de 80, foi da maior signifi­ Assim, vencidos os "fetichismos" tanto cação na valorização da pesquisa geográfi­ espacial como social, creio que a Geografia ca em si mesma; mas foi, também, de gran­ alcançou um ponto em que, aberta a inter­ de importância na identidade da Geografia, pretações diferenciadas do quadro social­ no contexto das ciências sociais em geral, -espacial, e tanto pluralística como, meto­ pois deu-lhe cada vez mais uma maior espe­ dológica e teoricamente, está pronta a as­ cificidade, sobretudo mais uma clara in­ sumir, e em verdade assumiu, seu lugar serção num contexto social e numa visão dentre as ciências sociais. menos eficientista do mundo, e com isto, um campo de pesquisa mais claramente de­ Vencido foi, também, o medo à neutrali­ finido. dade social e ideológica, em que muitos A sua base positivista e naturalista inicial geógrafos se refugiavam, ao mesmo tempo deu-lhe foros de cientificidade, e uma bate­ pelo receio de se envolver em questões não ria de técnicas estatísticas de análise, que acadêmicas de natureza política e ideológi• permitiram a revelação de quadros da estru­ ca e pelo receio de que, fora do método tura social e econômica que, de outra for­ científico naturalista/positivista, saía-se do ma, ficariam obscuros ou revelados apenas terreno firme da investigação científica, pa­ pelas outras ciências sociais como Econo­ ra a elucubração abstrata e, quiçá, tenden­ mia ou Sociologia. ciosa. É claro que existem dificuldades de quan­ Com isso, o geógrafo saía de sua torre de tificar o comportamento humano, não raro marfim, de fora da Sociedade, para ser pela via de relações lineares entre indicado­ também ator no quadro social, viver esta res deste comportamento; e na realidade, realidade social e apontar as soluções que esta dificuldade e a crítica correspondente, lhe pareçam mais adequadas, comprometi­ poderiam se estender, como muitos geógra- das com um (o seu) sistema de valores. RBG 49

Isto foi o que aconteceu com o surgimen­ repetir. Mas, vale a pena ressaltar o fato de to de uma Geografia Radical, em sua primei­ que, o próprio Brian Berry em seu livro The ra fase, ainda não muito radicalizada e mar­ Human consequences of urbanization (em xista. que não se encontra uma fórmula sequer), A década de 50, e parte da década de 60, já sugeria que I perceived that the intelec­ marcou a intensa movimentação quantitati­ tual basis for much urban po/icy was deri­ vista, mas, já ao fim da década de 60, era ved from social theories written about visível a insatisfação não somente com a nineteen-century urbanization. I thus came exacerbação metodológica - esta sim esta­ to appreciate that many of the difficulties va desservindo à Geografia mas, being experienced stemmed from a sing/e também, com uma estrita vinculação de ob­ fact: the conventional wisdom was no lon­ jetivos de pesquisa a temas claramente não ger valid, p. xii do Prefácio (6). O objetivo relevantes. do livro, segundo Berry era o de "it should be responsive to a c/early fe/t need troug­ David Harvey quando escreveu um artigo hout the world for a general overview of the sobre teoria revolucionária e contra-revo­ substantive and ideological aspects of lucionária, o fez no contexto da formação twentieth-century urbanization and its hu­ de ghettos nas cidades americanas, suge­ man consequences", p. x, cit. rindo que este era um tema mais importante E é por isto, que é este o sentido do que e de relevância social que a distribuição de me parece ter sido a abertura que a análise supermercados, tão caro aos fanáticos do quantitativa fez, para o equacionamento "fetichismo espacial" e aos adoradores de dos problemas sociais e sua posterior cons­ teoria de localidade central e simultanea­ cientização. mente os seus maus aplicadores. Isto sugere que duas discussões se pro­ É claro que como a Geografia estava mui­ cessavam simultaneamente: a da relevância to voltada para uma geografia da produção; dos temas tratados pelo geógrafo e a forma o consumo, que significava mais o lado so­ de tratá-los. cial do processo, era tomado como dado. Embora aqui não seja o local próprio para Mas esta era uma evolução que se proces­ uma avaliação do que veio depois da ênfase sava, simultaneamente, na economia. O quantitativa - e nem é objetivo deste artigo próprio Brian Berry (5), já evidenciava esta -, é importante considerar a questão, pois insatisfação, embora de natureza mais me­ a mudança de ênfase, da direção do proces­ todológica e teórica do que ideológica, ao so produtivo, para esta geografia radical, escrever um artigo importante "Paradigma com a maior relevância dos problemas do para a moderna Geografia", embora ele o consumo e da qualidade de vida, foi essen­ termine com a observação de que "um pro­ cialmente produto de um momento de tem­ blema central que as sociedades atuais en­ po. frentam, se constitui na definição e, possi­ Nos Estados Unidos, a crescente opo­ velmente, na procura de finalidades coleti­ sição à guerra do Vietnam, no fim da déca­ vas desejáveis, por parte de cidadãos cons­ da de 60, se misturava com umas outras in­ cientes das tendências atuais e capacidades quietações internas como: a discriminação de coletividades, imperfeitamente organiza­ racial, os direitos humanos, a pobreza, a fo­ das e sensitivas às necessidades, bem co­ me e uma série de questionamentos do mo suas limitações individuais" p. 20; mas próprio sistema (46), como observa David muitos outros (Harvey e Peet - 42 - eram Smith. "From criticism of particular institu­ indiscutivelmente dos mais ativos nesta tions in contemporary America grew a more área) mostravam como os temas relativos a fundamental critique of capitalism and im­ problemas que aflingiam a Sociedade deve­ perialism . ... On a broader leve/, the end o f riam obter uma prioridade absoluta, nas li­ the post war era o~ sustained economic nhas da pesquisa geográfica. Discuto esta growth, the emergence of interest in the questão em artigo publicado na Revista Bra­ "quality of life", the rise of the pollution is­ sileira de Geografia (18), e no livro (20), sue, and the begining of the "energy crisis" também, sendo editado pelo IBGE e por isso ali contribute to a-direction of societal con­ dispenso-me de voltar ao assunto, para não cern - and hance geographical inquiry 50 RBG

- toward distributional, welfare and ecolo­ surava a Geografia Humana no processo gical issues", p. 129. Esta tendência se científico-naturalista, impedia o reconheci­ acentua nos países desenvolvidos e são co­ mento da Geografia - Ciência Social. nhecidas as manifestações na Europa Oci­ Embora as dicotomias sempre estivessem dental, especialmente na França, começan• presentes na Geografia, sempre se argu­ do a se tornar também importante nos paí• mentava, também, pela unidade da geogra­ ses em desenvolvimento, embora com con­ fia. E esta unidade era preservada pelo con­ tornos diferentes. ceito de espaço. Nestes países, ao invés de uma reação a Mas, permanecia e permanece a questão: uma política de desigualdades internas, a se o espaço é socialmente produzido, se ele questão se colocava, também, e especial­ é um conceito simultaneamente territorial e mente, num plano internacional, em que social, onde fica a Geografia Física? Esta é tanto os países como as grandes multina­ uma questão crucial na Geografia atual. cionais eram visadas. Com isto, se voltava à essência da idéia Onde termina a Geografia Física, consti­ de Geografia - uma ciência social - mais tutiva do quadro de elementos do ambien~Ei voltada para os problemas da Sociedade do físico em que opera o quadro social .(esta que para aqueles relativos à eficiência do uma parte essencial da Geografia - Ciência sistema econômico. Esta foi uma mudança Social) e aí incluído o território, coll)·Ó um fundamental, porque era mais voltada para elemento importante nesta organização so­ os problemas do homem, do homo sapiens, cial? do que do homus economicus. O começo E onde começa uma Geografia Física ":ol­ desta mudança de orientação que nada teve tada para as ciências da terra, sem a preo­ com a orientação metodológica e sim, com cupação do seu significado para o homem, os objetivos da pesquisa geográfica e com a mas relacionada com os diferentes aspec­ reação ao positivismo neutro e descompro­ tos da estrutura da crosta terrestre e dá ca­ missado com a Sociedade, foi marcado por mada gasosa que a envolve? esta insatisfação com o estado de coisas da Da resposta e da conscientização des Sociedade de pós-guerra, como discutimos geógrafos e professores de Geografia a esta em artigo recente na Revista Brasileira de questão, vai depender a composição dos Geografia ( 19 e 20). Institutos de Geociências das Universida.­ Por igual, o apego à combinação Geogra­ des. É a posição da Geografia no contexto fia Humana - Geografia Física, que enclau- acadêmico.

BIBLIOGRAFIA

1) ABREV, Mauricio de Almeida; VETTER, David. A análise de relações entre conjuntos de variáveis na Matriz geográfica: correlação canônica. In: FAISSOL, Speridião (Org.). Tendências atuais na geografia urbano/regional; Teorização e quantificação. Rio de Janeiro, IBGE, 1978. p. 133-44. 2) BERRY, J. L. Brian. Essays on commodity flows and the spatial structure of the lndian economy, Research Paper n. 11, Department of University of Chicago, 1966. 334 p. 3) ; MARBLE, Duane. Spatial analysis, Englewood Cliffs, N. Jersey, 1968. 4) . More on relevance and policy analysis. Area. v. 4, 1972. p. 77-80. 5) . A paradigm for modern geography. In: CHORLEY, Richard J., ed. Directions in geo­ graphy. Metuen and Co. Ltd. 1973. p. 3-22. 6) . The human consequences of urbanization; divergent paths in the urban experience of the Twentieth Century. In: THE MAKING OF THE 20th CENTURY SERIES, Sta. Matin's Press, New York, 1973. 205 p. 7) . Geographical theories of social change. Perspectives in geography; The nature of change in geographical ideas. Northern lllinois Press, v. 3, 1980, p. 21-46. 8) . lntroduction: A khunian perspectiva. Perspectives in geography; The nature of change in geographical ideas. Northern lllinois Press, v. 3, 1980, 220 p. RBG 51

9) . KASARDA, J. Contemporary urban ecology. New York, Mac Millan, 1977, 396 p. 10) BILLINGE, Mark, ed. et alii. Recollections of a revolution; Geography as a spatial science. Mac Millan, 1984. 235 p. (The Criticai Human Geography). 11) BUNGE, William. Theoretical geography. Sweden. The Royal University of Lund 1966. 289 p. (Series general and mathematical geography, n. 1). 12) BURTON, lan. The quantitativa revolution in geography. The Canadian Geographer. Toronto, n. 7, p. 151-62, 1963. 13) CLIFF, A. D.; ORD, J. K. Spatial autocorrelation. Pion Limited, 1973, 178 p. 14) COLE, John Peter et alii. Quantitative geography. John Wiley 1968. 15) DACEY, Michael. A probability model for central place locations. Annals of the Association of American Geographers. v. 56, n. 4, p. 550-68. December 1966. 16) FAISSOL, Speridião. Problemas geográficos brasileiros; Análises quantitativas. Revista Brasileira de Geografia, IBGE, 1972. 271 p. 17) FAISSOL, Speridião. (Org.). Tendéncias atuais na geografia urbano/regional; Teorização e quanti­ ficação. Rio de Janeiro. IBGE, 1978. 302 p. 18) FAISSOL, Speridião. A geografia na década de 80; Velhos dilemas e novas soluções. Revista Bra­ sileira de Geografia. Rio de Janeiro, IBGE. v. 49, n. 3, p. 7-38. 1987. 19) . Planejamento e geografia: exemplos da experiência brasileira. Revista Brasileira de Geografia. Rio de Janeiro, IBGE, v. 50, n. 2, p. 85-98, 1988. Edição especial. 20) . Espaço, território, sociedade e desenvolvimento brasileiro. Rio de Janeiro, IBGE. (No prelo). 21) . et alii. A cidade como propulsora do processo de desenvolvimento. In: FAISSOL, Spe- ridião (Org.). Tendéncias atuais na geografia urbano/regional; Teorização e quantificação. Rio de Janeiro, IBGE, 1978. p. 148-216. 22) GALE, Stephen. On the heterodoxy of explanation: a review of David Harvey's explanation in geo" graphy. Geographical analysis. Ohio State University Press. july 1972. p. 285-322. 23) GEIGER, Pedro. Industrialização e urbanização no Brasil; conhecimento e atuação da geografia. Revista Brasileira de Geografia. Rio de Janeiro, IBGE, v. 50, n. 2, 1988. p. 59-84. Edição es­ pecial. 24) GOULD, Peter. The geographer at work. Routledge & Kegan Paul. Londres, 1985. 351 p. 25) . The present and future being of geography as a human science. Geoforum, v. 16, n. 2, 1985. Speciallssue: Links between natural and social sciences p. 99-1 08. 26) GREGORY, Derek. ldeology, science and human geography. Hutchinson University Library, Hut­ chinson & Co., Publishers, 1978, 198 p. 27) GREGORY, Derek; URRY, John, ed. Social relations and spatial structures. Londres, Mac Millan 1985, 440 p. (Series Criticai Human Geography). 28) GRIGG, David. The logic of regional systems. Annals ofthe American Association of Geographers n. 55, 1965. p. 465-91. 29) . Regions, models and classes. In: CHORLEY, Richard J. and HAGGET, ed. Models in geography, 1967. 30) HARTSHORNE, Richard. Perspectives on the nature of geography. Chicago, 1959. 201 p. (Mo­ nograph Series of the Association of American Geographers). 31) HARVEY, David. Explanation in geography. Edward Arnold. Londres, 1969. 521 o. 32) . On obfuscation in geography; A comment on Gale's heterodoxy. Geographical Analy- sis. Ohio State University Press. July 1972. p. 323-30. 33) JACKSON, Peter; SMITH, Susan J. Exploring social geography. George Allen & Unwin Pub. Ltd., North Sidney, Austrália, 1984. 239 p. 34) JAMES, Preston. American geography; lnventory and prospect. Association of American Geo­ graphers. Syracuse University Press. 590 p. 35) JOHNSTON, Ron. A foundling floundering in world tree. In: BILLINGE, Mark, ed. et alii. Recollec­ tions of a revolution - Geography as a spatial science. Mac Millan, 1984. 235 p. (The Criti­ cai Human Geography). 36) . On human geography. Basil Blackwell Ltd., 1986. 198 p. 37) LOBATO, Roberto. Geografia brasileira: crise e renovação. In: MOREIRA, Ruy (Org.). Geografia: Teoria e Crítica -O saber posto em questão. Vozes, p. 115-22. 38) MASSEY, Doreen. New directions in space. In: GREGORY, Derek; URRY, John, ed. Social rela­ tions and spatial structures. Londres, Mac Millan, 1985. p. 9-19. (Series Criticai Human Geography). 52 RBG

39) MERCER, David. Unsmaking technocratic geography. In: BILLINGE, Mark, ed. et alii. Recollections of a revolution. Londres, Mac Millan, 1984. 235 p. 40) OLSSON, Gunnar. Toward a sermon of modernity. In: BILLINGE, Mark, ed. et alii. Recollections of a revolution - Geography as a spatial science. Londres, Ma c Millan, 1984. p. 73-85. 41) PARK, Robert. Human ecology. American Journal of Sociology, v. 42, July 1936. p. 1-15. 42) PEET, Richard. Radical geography; Alternativa viewpoints on contemporary social issues, Marou­ fa Press, Inc. 1977. 387 p. 43) SA VER, Andre. The difference that space makes. In: DEREK, Gregory; URRY, John, ed. Social re­ lations and spatial structures. Londres, Mac Millan, 1985. 440 p., p. 49-66 (Series Criticai Human Geography). 44) SCHAEFFER, Fred. Exceptionalism in geography. Annals of the Association of American Geogra­ phers n. 43, p. 226-49. 45) SIBERT, John L. Spatial autocorrelation and the optimal prediction of assessed values. Depart­ ment of Geography, University of Michigan. Ann Arbor, 1975. 220 p. 46) SMITH, David M. Human geography; A we/fare approach, Edward Arnold Pub. 586 p. (Ed. em es­ panhol). 47) SOJA, Edward W. The spatiality of sociallife: Towards a transformative retheorization. In: DE­ REK, Gregory; URRY, John, ed. Social relations and spatial structures. Mac Millan, 1 985. p. 49-66 (Series Criticai Human Geography). 48) WILSON, G. Alan. One man's quantitativa geography: Frameworks, evaluations, uses and pros­ pects. In: BILLINGE, Mark, ed. et alii. Recollections of a revolution. Londres, Mac Millan, 1984.235 p.

RESUMO

O autor, um dos geógrafos participantes do processo de implantação de metodologias quantitativas no IBGE, mostra, neste artigo, dois conjuntos de observações: num deles, um relato dos principais fa­ tos relativos à referida implantação: em outro, os principais problemas surgidos ao longo desta fase. No primeiro caso, descreve as dificuldades não só de implementação de métodos quantitativos em face de resistências metodológicas e conceituais, como também, de reações de natureza ideológica; as convicções de natureza filosófica dos geógrafos tradicionais, positivistas e empiricistas, por isso mesmo, confrontavam-se com as posições teorizantes e quantitativistas dos novos métodos e técni­ cas. Ai, a idéia de um cientista social neutro de um lado, e as convicções tecnologizantes e tecnocrati­ zantes dos quantitativistas se chocavam, de um lado com aqueles que tinham uma visão de eqüidade social e territorial e de outro, com os radicais que procuravam "ideologizar" a Geografia num sentido específico. E descreve os exageros de um lado e de outro. No segundo caso, discute as principais questões que a metodologia quantitativa foi fazendo emer­ gir. E neste contexto, ressalta o efeito cientifizante que esta metodologia trouxe, no sentido de equipa­ rar a Geografia às demais ciências sociais, dando-lhe status e individualidade, com a especificação do espacial. RBG 53

UMA MEDIDA DA EVOLUÇÃO RECENTE DA ORGANIZAÇÃO ESPACIAL DO ESTADO DA BAHIA*

Sylvio Bandeira de Mello e Silva** Jaimeval Caetano de Souza***

atua sobre as mesmas de forma importante, com destaque para as questões associadas INTRODUÇÃO E OBJETIVOS de localização e de interação espacial. Na maioria das vezes, as análises espa­ ciais abrangem uma determinada área e/ou A análise da organização espacial consti­ as relações entre diferentes espaços em um tui o objeto central da pesquisa geográfica. dado momento. Pouco freqüentemente são Embora sendo entendidas de diversas ma­ desenvolvidos, na Geografia, estudos com­ neiras, em função dos diferentes enquadra­ parativos envolvendo a mesma forma de mentos teórico-conceituais e metodológi• abordagem em diferentes espaços, abran­ cos, as questões de organização do espaço gendo um determinado período, ou em uma são de fundamental importância nas ativi­ mesma área, abarcando épocas diferencia­ dades dos geógrafos, quer em termos de das. Justifica-se, portanto, a realização de contribuição ao conhecimento da realidade um estudo com a mesma perspectiva analí• quer em termos aplicados, visando à so­ tica em um dado meio, em momentos dife­ lução de problemas específicos. rentes, tentando implantar uma linha de tra­ Entendemos, de forma abrangente, por balho sobre análise têmporo-espacial com­ organização espacial a maneira pela qual parativa (v. Silva, 1987, como exemplo uma determinada sociedade se estrutura e deste tipo de estudo). funciona em um dado meio, como resultado Assim, o propósito deste trabalho é o de de complexos processos sociais, econômi• contribuir para o conhecimento da evolução cos, culturais e políticos. Na realidade, o es­ recente da organização do espaço na Bahia, paço integra todas estas categorias, dando­ através de uma comparação em dois mo­ -lhes uma expressão material mas também mentos: o primeiro, indicando a situação no

• Recebido para publicação em 14 de setembro de 1988. • • Professor Titular de Departamento de Geografia da Universidade Federal da Bahia - UFBA. • • • Geógrafo, Bolsista de Aperfeiçoamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq. Este trabalho contou com o apoio do CNPq. Os autores agradecem à colaboração da área de informática da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste - SUDENE e dos profs. Hedison Sato e Hailton Mello da Silva, do Departamento de Geologia e Geofísica Aplicada da UFBA.

R. bras. Geogr.. Rio de Janeiro, 51 (41:53-70, out./dez. 1989 54 RBG

início da década de 70 e, o segundo, em c) como se comportou a relação entre Sal­ meados da década de 80. Esta comparação vador e as cidades intermediárias no início foi implementada com base na aplicação, da década de 70 e em meados da de 80? para a realidade mais recente, da mesma metodologia que foi utilizada, em 1973, no trabalho A organização do espaço na Bahia, METODOLOGIA uma análise fatorial, de autoria de Sylvio Bandeira de Mello e Silva e James Herbert Galbraith, publicado no livro Projeto de Re­ Pretendemos avaliar, neste trabalho, a or­ gionalização Administrativa para o Estado ganização espacial do Estado da Bahia, da Bahia, Convênio Secretaria do Planeja­ através da análise do papel das principais mento, Ciência e Tecnologia do Estado da atividades terciárias, estudando sua distri­ Bahia - Universidade Federal da Bahia. Es­ buição nos centros urbanos, com o uso da te trabalho tentou avaliar a organização do análise fatorial. Reconhece-se, com efeito, espaço a partir da influência das cidades, que as complexas atividades de serviços, propondo uma hierarquia urbana e uma desenvolvidas nas cidades, exercem uma análise da distribuição espacial dos índices forte influência sobre o espaço geográfico, de desenvolvimento obtidos pelas cidades integrando as demais atividades setoriais. do Estado da Bahia, com a intenção de sub­ Neste sentido, a organização espacial apa­ sidiar o estabelecimento de uma regionali­ rece, portanto, como uma decorrência das zação administrativa, o que, efetivamente, relações espaciais, coordenadas pelas ativi­ se concretizou através do Decreto dades desenvolvidas nas cidades, o que n? 23.731 de 09/10/1973. acaba por configurar aquilo que se conven­ Agora, o objetivo deste trabalho é o de cionou chamar de hierarquização urbana e comparar, através da análise fatorial, a or­ de regiões urbanas, com um grau determi­ ganização do espaço na Bahia em dois pe­ nado de interdependência. . ríodos diferentes. O primeiro, começo dos Com base nestas considerações, o pri­ anos 70, analisado no texto acima citado, meiro trabalho (Silva & Galbraith, 1973) de­ corresponde à fase inicial das grandes finiu 13 funções urbanas, dentre as chama­ transformações econômico-espaciais expe­ das atividades de distribuição de bens e ser­ rimentadas pelo Estado da Bahia, após viços (variáveis de 1 a 13) e duas variáveis 1960, sobretudo graças ao processo de in­ indicando o grau de desenvolvimento da dustrialização, à melhor infra-estrutura, em infra-estrutura (variáveis 14 e 15), para especial na área de transportes, à intensifi­ efeito de aplicação de uma análise que per­ cação de suas relações econômicas com o mitisse determinar os centros mais impor­ Sudeste e ao dinamismo de várias regiões tantes e as principais áreas de influência ur­ agrícolas (v. Silva, 1985 e Silva & Silva, bana. Para fins de comparação, foram utili­ 1987). A análise do período recente, mea­ zadas, neste novo trabalho, as mesmas va­ dos da década de 80, irá demonstrar os riáveis especificadas na Tabela 1. efeitos diferenciados desse processo de Estas informações foram levantadas para mudanças na organização espacial do Esta­ as 87 cidades que tinham mais de 5 000 do da Bahia, com repercussões até nossos habitantes em 1970, ou seja, foram manti­ dias. das as mesmas do estudo de 1973 para fins As questões básicas que se colocam são: de comparação, apesar da ocorrência de alte­ rações no período. Com isto, o objetivo foi o a) que mudanças ocorreram na organização de se trabalhar com o mesmo universo de do espaço na Bahia, como resultado das análise, com as mesmas variáveis e com a transformações processadas no papel das mesma metodologia, possibilitando a reali­ cidades mais importantes do Estado? zação de um estudo comparativo completo. A distribuição das cidades do Estado da b) que cidades se beneficiaram mais e que Bahia por grupos de habitantes, em 1970 e cidades tiveram maior retração, em termos 1985 (projeção feita com base na média do relativos, em função das transformações re­ crescimento da década 70 - 80), é mostra­ centes? da na Tabela 2. RBG 55

TABELA 1 LISTAGEM DAS VARIÁV EIS

ANO DE VARIÁVEIS FONTE REFERÊNCIA

a) Funções Econômicas 01. Número de agências bancárias CISEM (Catálogo de Informações Sócio-Econômicas dos Municípios) 1984 02. Número de estabelecimentos do CISEM (Catálogo de Informações comércio atacadista Sócio-Econômicas dos Municípios) 1984 03. Número de empresas com mais de Ministério do Trabalho Cadastro Ge­ 1O empregados ral de Empregados/Desempregados 1987

b) Prestação de serviços de saúde 04. Número de médicos IBGE - Informações Básicas dos Municípios 1982 05. Número de dentistas IBGE - Informações Básicas dos Munidpios 1982 06. Número de farmacêuticos IBGE - Informações Básicas dos Municípios 1982 07. Número de leitos de hospitais CEI (Centro de Estatística e Informa­ ções - SEPLANTEC) 1984

c) Prestação de serviços de Educação 08. Número de salas de aula do ensi- SEC-BA - N? de salas de aula utiliza- no médio das por nível de ensino 1984

dl Prestação de serviços à agricultura 09. Número de veterinários IBGE - Informações Básicas dos Municípios 1982

e) Prestação de Serviços Profissionais Di­ versos 1O. Número de advogados IBGE - Informações Básicas dos Mu- nicípios 1982 11. Número de engenheiros IBGE - Informações Básicas dos Mu­ nicípios 1982

f) Funções transportes e comunicações 12. Número de telefones CEI (Centro de Estatística e Informa­ ções - SEPLANTEC) 1984 13. Número de linhas de ônibus STC/DDT (Secretaria de Transportes intermunicipais e Comunicações/Departamento de Transportes e Terminais) 1987

g) Serviços públicos indicadores do de­ senvolvimento urbano 14. Número de ligações de água enca­ CEI (Centro de Estatística e Informa­ nada ções- SEPLANTEC) 1984 1 5. Número de ligações de energia CEI (Centro de Estatística e Informa­ elétrica ções - SEPLANTEC) 1984

NOTA - Para o início da década de 70 consultar a indicação das fontes e dos anos de referência em Silva & Galbraith (1973). 66 RBG

TABELA 2

DISTRIBUIÇÃO DAS CIDADES POR GRUPO DE HABITANTES - 1970-1985

FREQÜÊNCIA FREQÜÊNCIA NÚMERO ACUMULADA ACUMULADA GRUPOS DE CIDADES ABAIXO DO LIMITE ACIMA DO LIMITE DE SUPERIOR DE CLASSE INFERIOR DE CLASSE HABITANTES 1970 1985 1970 1985 1970 1985 ( 1) I (2) I I TOTAL 336 336 o- 500 7 2 7 2 336 336 501 - 1 000 51 22 58 24 329 334 1 001 - 2 000 81 56 139 80 278 312 2 001 - 5 000 110 104 249 184 197 256 5001-10000 45 73 294 257 87 152 10 001 - 20 000 27 43 321 300 42 79 20 001 - 50 000 8 21 329 321 15 36 50 001 e mais 7 15 336 336 7 15

(1) 1970 com base nos dados do Censo Demográfico de 1970. (2) 1985 refere-se à projeção feita com base na média do crescimento da década 70-80, mantendo-se a mesma divisão municipal do Estado da Bahia.

Observam-se uma expressiva diminuição formações totais (ou a maior parte delas), do número de cidades muito pequenas e um sejam explicadas através de componentes expressivo aumento do número de centros ou características (fatores) pouco numero­ médios. Assim, o número de cidades acima sas, os quais podem ser classificados como de 5 000 habitantes cresce em 1985, mas, novas e hipotéticas variáveis. Sua grande para este estudo comparativo, foram toma­ vantagem é, portanto, a de simplificar as re­ das, como vimos, somente as 87 aglomera­ lações entre numerosas variáveis, permitin­ ções listadas em 1973. Por outro lado, as do uma avaliação integrada desse universo. cidades acima de 5 000 habitantes, que fo­ As observações foram feitas primeira­ ram incorporadas na listagem de 1985 e mente sobre p variáveis (as atividades ur­ que não foram consideradas neste trabalho, banas) em relação a n objetos ou eventos são, sobretudo, pequenos centros urbanos, (as cidades), onde n deve ser maior que p, com população bem próxima a esta cifra. o que estabelece a matriz n por p que pre­ Desta forma, sua inclusão não alteraria a cisa ser simplificada e interpretada. Na composição da hierarquia urbana e a das análise fatorial utilizada neste trabalho, a áreas de influência das cidades nos níveis matriz dos dados é transformada em uma intermediário e superior, cuja análise é o ob­ matriz simétrica de correlação p x p, entre jetivo deste trabalho. variáveis oscilando entre -1,0 e 1,0. A fi­ A Tabela 31ista as 87 cidades com as res­ nalidade da análise fatorial é a de quebrar pectivas populações em 1 970 e 1985. esta matriz de correlação p x p em uma ma­ triz fatorial p x k (k ( = p onde k é o rank da Com a definição das variáveis e das cida­ matriz de correlação e é determinado pelo des, foram levantadas todas as informa­ tamanho das raízes características da ma­ ções, o que permitiu construir a matriz de triz de correlação. A raiz é a variância (ou in­ 87 cidades por 15 variáveis (v. Tabela 4), formação) explicada pelo componente, ou que foi então submetida à análise fatorial, fator, a qual ele representa, e a sua soma dá correlacionando-se as funções e os lugares, a variância total ou a quantidade total de in­ com a finalidade de atingir os objetivos formações disponíveis explicadas. A partir enunciados para este trabalho. daí, o próximo passo é o de estabelecer os O propósito da análise fatorial, em resu­ fatores, ou seja, uma nova variável que re­ mo, é o de esclarecer relações específicas presente um grupo de variáveis originais al­ entre muitas variáveis, de forma que as in- tamente correlacionadas, através de uma RBG 57

TABELA 3

CIDADES COM MAIS DE 5000 HABITANTES EM 1970 E PROJEÇÃO DE SUAS POPULAÇ0ES PARA 1985

!continuai POPULAÇÃO RECENSEADA PROJEÇÃO DA POPULAÇÃO CIDADES 1970 1985

01. Acajutiba 5 929 7 019 02. Alagoinhas 54 671 90 193 03. Amargosa 7 679 13 365 04. Barra 8 946 11 829 05. Barreiras 10 292 51 360 06. Belmonte 7 265 8 607 07. Bom Jesus da Lapa 12 757 24 781 08. Brumado 15 602 30 978 09. Buerarema 7 260 11 998 1O. Cachoeira 11 712 11 391 11. Caculé 5 069 7 293 12. Caetité 6 926 9 904 13. Camacan 8 268 20 123 14. Camaçari 13 586 94 273 1 5. Campo Formoso 5 155 14 540 16. Canavieiras 11 901 15 189 1 7. Candeias 26 235 53 582 18. Cândido Sales 5 712 9 404 19. Castro Alves 9 706 12 138 20. Catu 14 011 29 163 21. Coaraci 13 940 17 688 · 22. Conceição do Almeida 5 465 5 794 23. Conceição do Coité 6 613 13 085 24. Conceição do Jacuípe 7 198 13 682 25. Cruz das Almas 17 371 29 194 26. E$planada 5 586 13 004 27. Euclides da Cunha 6 491 11 825 28. Feira de Santana 129 472 300 582 29. Floresta Azul 5 684 7 321 30. Gandu 6 444 16 972 31. Guanambi 10 811 35 529 32. laçu 5 497 12 599 33. lbicaraf 15 493 19 684 34. lguaf 5 615 7 812 35. Ilhéus 59 251 78 339 36. lpiaú 18 738 33 035 37. lpirá 5 925 15 187 38. lrecê 10 418 46 532 39. Itaberaba 16 335 35 800 40. ltabuna 91 202 155 500 41. ltajufpe 10 082 13 225 42. ltamaraju 10 989 54 471 43. ltambé 10 247 14 802 44. ltanhém 7 904 7 348 45. ltaparica 5 207 14 613 46. ltapetinga 30 957 40 138 4 7. ltarantim 5 346 7 581 48. ltororó 7 860 10 456 49. Jacobina 19 211 31 431 58 RBG

TABELA 3

CIDADES COM MAIS DE 5000 HABITANTES EM 1970 E PROJECÃO DE SUAS POPULAÇÕES PARA 1985 . !conclusão) POPULAÇÃO RECENSEADA PROJEÇÃO DA POPULAÇÃO CIDADES 1970 1985

50. Jaguaquara 5 911 21 913 51. Jequié 62 998 98 225 52. Jeremoabo 5 046 3 690 53. Juazeiro 36 409 78 590 54. Livramento do Brumado 5 541 9 770 55. Maragogipe 12 844 13 848 56. Mata de São João 12 487 24 275 57. Medeiros Neto 9 878 11 288 58, Miguel Calmon 5 718 7 595 59. Muritiba 10 159 12 925 60. Nazaré 16 505 18 871 61. Pau Brasil 5 748 10 835 62. Paulo Afonso 38 802 78 330 63. Poções 10 548 19 700 64. Pojuca 5 999 15 199 65. Remanso 7 337 17 328 66. Riachão do Jacuípe 5 024 13 340 67. Ribeira do Pombal 7 018 16 935 68. Rui Barbosa 10 198 14 868 69. Salvador 1 017 591 1 805 969 70. Santa Maria da Vitória 6 938 24 959 71. Santana 5 303 9 514 72. Santo Amaro 20 877 35 185 73. Santo Antônio de Jesus 21 500 42 269 74. São Félix 5 787 7 836 75. São Francisco do Conde 5 103 5 794 76. São Gonçalo dos Campos 6 078 6 951 77. São Sebastião do Passé 8 282 20 165 78. Senhor do Bonfim 21 741 42 151 79. Serrinha 16 187 29 067 80. Simões Filho 5 992 52 890 81. Terra Nova 5 550 7 813 82. Tucano 5 538 7 341 83. Ubatã 12 581 19 699 84. Uruçuca 5 782 12 314 85. Valença 21 018 35 666 86. Vitória da Conquista 83 814 153 600 87. Xique-Xique 10 108 23 232

TABELA 4 MATRIZ DE DADOS ORIGINAIS {continua)

CIDADES 15

01 1 o 1 2 1 o o 42 o 1 o 141 1 1 272 2 082 02 5 32 86 65 14 6 179 367 3 21 31 3 096 19 15 691 20 700 03 4 14 9 15 5 1 114 119 3 3 3 276 3 3105 3 566 04 3 4 10 4 2 o 37 228 1 3 2 188 1 3 012 2 282 05 6 39 45 26 8 3 157 157 3 20 22 1 564 9 7 446 7 927 06 2 10 9 5 2 o 28 33 o 5 4 269 2 1 103 2 863 07 4 8 18 13 4 2 72 313 1 5 12 692 6 7 600 3 884 08 5 63 40 22 9 5 76 195 4 16 31 914 7 6 387 7 484 09 3 17 10 4 2 o o 42 o 2 1 278 2 1 536 4164 10 3 9 17 17 5 5 15 147 o 2 o 42 o 3 532 4 737 11 2 8 4 4 1 1 30 97 2 3 185 2 1 600 2 121 12 4 14 14 8 4 2 82 273 5 9 282 3 2 644 3 133 RBG 59

TABELA 4 MATRIZ DE DADOS ORIGINAIS (conclusão)

13 6 33 22 16 8 o 75 77 2 12 15 567 5 3 675 5 555 14 12 23 208 115 18 2 91 194 5 20 30 2 774 11 17 311 26 294 15 3 13 17 9 3 2 60 302 2 4 8 399 7 2 445 4 572 16 3 18 11 9 8 2 82 78 o 7 4 538 4 3 116 5 652 17 6 24 60 45 10 5 99 175 2 12 24 825 10 8 290 11 428 18 1 17 3 1 o o o 78 o 1 o 134 2 2 134 2 871 19 2 7 12 6 5 42 244 1 5 4 278 2 3 311 3 693 20 4 11 39 27 5 1 21 153 o 6 13 931 4 5 146 7 258 21 4 24 11 7 3 2 24 82 1 12 i 567 4 3 191 4 614 22 2 9 8 2 2 2 20 104 2 2 4 143 1 1 281 2190 23 3 31 15 10 2 3 30 82 o 12 1 552 3 2 409 4 685 24 o 12 3 3 2 19 90 2 3 3 268 1 1 922 3 216 25 4 21 42 22 6 2 36 153 6 10 118 1 134 2 5 841 5 976 26 3 2 9 8 2 1 82 49 3 3 8 272 4 2 170 3181 27 4 12 10 4 5 3 88 335 5 7 17 503 5 3 257 4 548 28 13 220 497 172 55 34 112 896 11 71 41 13 205 39 46 334 58 908 29 1 5 2 1 2 o o 60 o 1 2 102 3 1 454 1 919 30 4 17 11 8 6 1 102 105 o 8 5 566 10 2 241 3 892 31 5 66 32 20 8 3 85 61 5 11 9 1 143 7 6 097 7 246 32 2 4 4 2 o o o 114 o 1 3 163 1 2 814 3 414 33 4 23 15 11 8 3 50 72 8 4 566 1 4 591 5 331 34 2 2 3 5 3 2 53 77 1 5 1 148 o 1 741 1 810 35 11 95 178 106 37 8 647 249 8 368 134 4 938 17 17 958 24 450 36 5 38 37 25 8 5 100 107 6 19 13 951 5 6 007 7 326 37 4 10 9 10 3 67 303 3 7 3 398 3 3 009 4 871 38 6 47 44 20 10 153 361 2 8 36 901 12 8 376 13 299 39 6 36 18 16 4 1 75 199 4 17 31 901 11 7 404 6 836 40 13 170 256 158 74 33 678 365 12 91 86 9 744 55 26 546 37 020 41 4 18 13 6 4 o 30 65 o 8 1 561 1 3 332 3 699 42 6 32 46 18 4 o 99 249 4 17 8 946 12 6 285 8 193 43 2 4 7 8 2 1 44 78 3 3 2 185 2 2 751 3 299 44 3 4 4 3 3 o 15 139 1 4 3 240 4 2 320 3 233 45 1 4 8 10 3 2 30 44 o 3 o 290 11 1 033 2 936 46 6 25 45 24 12 137 119 22 15 14 1 733 13 8 479 9 808 47 1 2 3 1 50 64 2 o 2 167 1 1 554 1 931 48 4 17 10 6 5 42 90 1 5 283 1 2 875 3 455 49 6 54 65 26 11 4 165 442 2 11 10 1 471 20 9 217 15 174 50 3 10 11 8 2 o 124 91 1 6 7 583 4 2 979 5 263 51 8 74 106 86 30 14 328 291 21 48 25 3 850 27 18 913 23 106 52 2 1 4 6 1 o 30 164 2 2 3 187 1 1 478 3 245 53 7 88 119 63 20 5 552 257 2 23 39 108 13 15 941 19 462 54 2 2 5 o o 1 60 202 1 6 2 284 4 1 627 2 607 55 2 2 8 1 1 o 21 201 o o o 276 4 4 337 4 883 56 2 5 17 28 2 2 56 67 3 1 2 564 4 3 375 4 560 57 4 3 5 5 1 o 51 110 3 4 2 374 2 2 439 3 575 58 3 5 7 6 2 o 36 112 o 2 2 179 2 1 910 2 736 59 2 2 11 10 3 2 20 128 o 2 o 1011 2 432 3 336 60 4 11 13 14 4 3 111 92 1 5 6 528 4 3 148 4 462 61 2 4 2 3 4 o o 45 o 2 2 144 2 1 744 2 073 62 5 14 54 35 12 187 131 1 9 51 982 4 9 630 13 157 63 2 15 9 6 3 1 93 187 1 4 2 354 4 3 985 4 267 64 1 4 18 19 4 o 132 46 o 4 9 443 2 2 469 3 439 65 3 13 9 6 3 4 92 122 o 4 3 299 o 3 872 3177 66 3 20 9 19 6 1 23 303 1 12 4 347 2 2 170 5 268 67 4 11 11 12 3 4 58 151 3 6 22 537 3 3 156 5 753 68 3 13 7 5 5 4 109 124 6 8 5 278 3 2 085 3 854 69 121 982 3 638 3 766 1 971 1 190 8 328 3 585 410 3 145 7 641 199 289 157 250 093 404 529 70 4 32 14 1 6 5 60 134 2 8 5 474 7 5 395 3 469 71 3 6 6 10 2 2 72 100 2 5 2 302 1 2 379 2 154 72 4 16 39 56 11 4 21 192 1 6 9 749 8 9 324 10 734 73 6 38 88 38 7 7 160 193 5 5 10 1 572 8 8 961 10149 74 3 4 7 18 1 2 64 76 o 8 o o 4 1 830 1 878 75 1 12 17 10 3 o 21 82 o 4 15 157 3 356 3 377 76 4 12 12 8 2 1 38 105 1 5 o 261 1 1 839 2 920 77 3 1 19 32 6 2 14 103 2 3 6 482 4 3 239 5 425 78 6. 34 40 23 8 113 276 4 11 18 1 578 8 11 252 11 282 79 4 27 27 21 9 158 280 2 14 4 751 6 6198 7 197 80 5 31 144 101 46 1 22 106 1 162 130 1 841 6 3 919 9 696 81 1 o 2 3 2 o o 46 1 2 3 79 2 952 1 791 82 3 64 2 6 2 2 53 172 o 1 4 181 1 2 447 3 430 83 3 18 8 6 4 1 o 50 o 5 1 386 7 3 969 4163 84 2 11 6 4 3 2 6 80 o o 5 274 2 2 107 2 821 85 5 32 51 19 7 3 158 214 o 12 14 938 8 6 888 8 773 86 12 212 223 108 44 22 670 447 28 81 101 3 926 39 26 381 32 896 87 3 8 9 6 4 o 57 275 3 11 3 445 4 4 966 4 724 60 RBG

matriz rotacionada, e os escores dos fatores Com base na elevada interdependência dados pelo produto da matriz do coeficiente entre as variáveis escolhidas, foi extraído de regressão dos escores dos fatores, com um só fator que, sozinho, passou a explicar a matriz dos dados padronizados. 97,6% da variância, ou seja, das informa­ Assim, os passos básicos, resumidamente, ções totais, valor próximo ao de 1973 são os seguintes: (98,4%). Este fator, resumindo todas as - determinação da matriz dos dados origi­ funções urbanas, também é considerado nais (nxp); neste trabalho com um indicador do desen­ - determinação das correlações entre to­ volvimento urbano, ou seja, ele correspon­ das as variáveis (p x p) ; de, sozinho, a uma medida do estágio de de­ - determinação dos pesos das variáveis senvolvimento das cidades. nos fatores (p k) ; x A Tabela 6 mostra o peso de cada va­ - rotação da matriz de fatores p x k a uma riável no fator 1 e as comunalidades que estrutura simples; e correspondem à variância de uma determi­ - determinação dos escores dos fatores nada variável contada pelo fator. Há maior por evento (lugar). uniformidade na distribuição dos pesos das variáveis neste trabalho do que no de 1973, RESULTADOS ALCANÇADOS o que aponta para uma melhor distribuição das variáveis (funções urbanas) no sistema urbano do Estado como um todo. A aplicação do programa de análise fato­ Já a Tabela 7 lista os escores do fator 1 rial permitiu, inicialmente, obter as correla­ para as 87 cidades, hierarquizados por or­ ções entre as variáveis escolhidas, onde po­ dem de escore e com a indicação da popu­ de ser verificado que as mesmas são alta­ lação para efeito de comparação, a exemplo mente correlacionadas, como ocorreu do que foi feito em 1973. também no trabalho de 1973 (v. Tabela 5). O programa utilizado foi o da SUDENE-PSU­ Também são indicados os escores espe­ SRE com adaptações visando a seu empre­ rados segundo a população dos centros e os go no sistema VAX-1185, do Programa de resíduos. Observa-se, igualmente, que não Pesquisa e Pós-Graduação em Geofísica da há coincidência plena entre a hierarquização UFBA. por escores e a demográfica, ou seja, há ci-

TABELA 5

MATRIZ DE CORRELAÇÃO

VARIÁVEIS VARIÁVEIS 01 15

01 - BNCO 1,00 02- CATC 0,96 1,00 03- EMPR 0,99 0,97 1,00 04- MEDI 0,99 0,96 0,99 1,00 05- DENT 0,99 0,95 0,99 1,00 1,00 06- FARM 0,99 0,95 0,99 1,00 1,00 1,00 07- CAMA 0,99 0,96 0,99 0,99 0,99 0,99 1,00 08- SALA 0,97 0,96 0,97 0,96 0,96 0,95 0,96 1,00 09- VET 0,99 0,96 0,99 1,00 1,00 1,00 0,99 0,96 1,00 10- ADVG 0,99 0,95 0,99 0,99 0,99 0,99 0,99 0,95 0,99 1,00 11 - ENG 0,98 0,94 0,99 1,00 1,00 1,00 0,99 0,95 1,00 0,99 1,00 12- FONE 0,99 0,96 0,99 1,00 1,00 1,00 0,99 0,96 1,00 0,99 1,00 1,00 13- LBUS 0,94 0,97 0,93 0,91 0,90 0,90 0,92 0,94 0,91 0,90 0,89 0,91 1,00 14- ÁGUA 0,99 0,98 0,99 0,98 0,98 0,98 0,98 0,98 0,98 0,97 0,97 0,98 0,95 1,00 15- ENER 1,00 0,98 1,00 0,99 0,99 0,99 0,99 0,98 0,99 0,98 0,98 0,99 0,95 1,00 1,00 RBG 61

TABELA 6

PESO DAS VARIÁV EIS E COMUNALIDADES

COEFICIENTE VARIÁVEIS DE REGRESSÃO COMUNALIDADES DO FATOR 1

01 - Número de agências bancárias 0,07 1,00 02 - Número de médicos 0,07 1,00 03 - Número de dentistas 0,07 0,99 04 - Número de veterinários 0,07 0,99 05 - Número de farmacêuticos 0,07 0,99 06 - Número de advogados 0,07 0,99 07 - Número de engenheiros 0,07 0,99 08 - Número de salas de aula do ensino médio 0,07 0,97 09 - Número de leitos de hospital 0,07 0,99 1O - Número de ligações de água encanada 0,07 0,99 11 - Número de ligações de energia elétrica 0,07 1,00 12 - Número de telefones 0,07 1,00 13 - Número de estabelecimentos do comércio atacadista 0,07 0,98 14 - Número de empresas com 1O e ma i~ em­ pregados 0,07 1,00 1 5 - Número de linhas de ônibus intermunicipais 0,06 0,94

PORCENTAGEM DE EXPLANAÇÃO 97,67

TABELA 7

ESCORES OBTIDOS E ESCORES ESPERADOS POR POPULAÇÃO ESTIMADA PARA 1985 SEGUNDO AS CIDADES OBSERVADAS (continua) ESCORES POPULAÇÃO CIDADES RESÍDUOS ESTIMADA Obtidos I Esperados 01.Salvador 1 805 969 134,1850 134,1356 0,0494 02.Feira de Santana 300 528 10,0902 13,2997 -3,2095 03.1tabuna 155 500 7,9252 5,0552 2,8730 04. Vitória da Conquista 153 600 7,1452 4,9481 2,1971 05.11héus 78 339 4,0672 0,9072 3,1600 06.Jequié 98 225 2,8630 1,9593 0,9037 07.Juazeiro 78 590 1,3532 0,9205 0.4327 08.Camaçari 94 273 1,0899 1,7494 -0,6595 09 .Aiagoinhas 90 193 0,9302 1,5330 -0,6028 1O.Jacobina 31 431 O, 7291 - 1,5301 2,2592 11.1recê 46 532 -0,1378 -0,7522 0,6144 12.1tapetinga 40 138 -0.4795 -1,0824 0,6029 13.Simões Filho 52 890 -0,4890 -0,4228 -0,0662 14.Senhor do Bonfim 42 151 -0,6076 -0,9786 0,3710 15.Santo Antônio de Jesus 42 269 -0,6442 -0,9725 0,3283 16.1tamaraju 54 471 -0,8069 -0,3407 -0.4662 17.Candeias 53 582 -0,8953 -0,3869 -0,5084 18.Barreiras 51 360 -0,9371 -0,5022 -0.4349 19.Brumado 30 978 -0,9581 -1,5533 0,5952 "" 62 RBG

TABELA 7

ESCORES OBTIDOS E ESCORES ESPERADOS POR POPULAÇÃO ESTIMADA PARA 1985 SEGUNDO AS CIDADES OBSERVADAS (continua)

POPULAÇÃO ESCORES CIDADES ESTIMADA RESÍDUOS Obtidos I Esperados 20.1taberaba 35 800 -1,0086 -1,3057 0,2971 21.Valença 35 666 -1,1230 -1,3126 O, 1896 22.Serrinha 29 067 -1,2760 -1,6513 0,3753 23.Guanambi 35 529 -1,3298 -1,3196 -0,0102 24.Santo Amaro 35 185 -1,3401 -1,3373 -0,0028 25.Paulo Afonso 78 330 -1,3478 0,9068 -2,2546 26.1piaú 33 035 -1,4686 -1,4478 -0,0208 27 .Bom Jesus da Lapa 24 781 -1,5942 -1,8706 0,2764 28.Euclides da Cunha 11 825 -1,6082 -2,5303 0,9221 29.Cruz das Almas 29 194 -1,7636 -1,6447 -0,1189 30.Campo Formoso 14 540 -1,7989 -2,3924 0,5935 31.Santa Maria da Vitória 24 959 -1,8548 -1,8615 0,0067 32.Camacan 20 123 -1,8932 -2,1083 0,2151 33.1pirá 15 187 -1,9152 -2,3596 0,4444 34.Xique-Xique 23 232 -1,9721 -1,9497 -0,0224 35.Caetité 9 904 -2,0212 -2,6277 0,6065 36.Riachão do Jacuípe 12 340 -2,0217 -2,5042 0,4825 37.Gandu 18 972 -2,0457 -2,2688 0,2231 38.Catu 29 163 -2,0569 -1,6463 -0,4106 39.Tucano 7 341 -2,1330 -2,7575 0,6245 40.Ribeira do Pombal 16 935 -2,2143 -2,2707 0,0564 41.Poções 19 700 -2,2850 -2,1299 -0,1551 42.Amargosa 13 365 -2,3138 -2,4221 O, 1383 43.Nazaré 18 871 -2,3441 -2,1721 -0,1720 44.Rui Barbosa 14 868 -2,3459 -2,3758 0,0299 45.Coaraci 17 688 -2,3629 -2,2323 -0,1306 46.Castro Alves 12 138 -2,3917 -2,5144 O, 1227 47.1bicaraí 19 684 -2,4114 -2,1307 -0,2807 48. Canavieiras 15 189 -2,4265 -2,3595 -0,0670 49.Jaguaquara 21 913 -2,4533 -2,0170 -0,4363 50.Conceição do Coité 13 085 -2,4542 -2,4663 0,0121 51.São Sebastião do Passé 20 165 -2,4907 -2,1062 -0,3845 52.Maragogipe 13 848 -2,4925 -2,4276 -0,0649 53.Ubatã 16 699 -2,4966 -2,1299 -0,3667 54.Barra 11 829 -2,5260 -2,5301 0,0041 55. livramento do Brumado 9 770 -2,5627 -2,6345 0,0718 56. Mata de São João 24 275 -2,6101 -1,8964 -0,7137 57.1tororó 10 456 -2,6163 -2,5997 -0,0166 58.Cachoeira 11 391 -2,6174 -2,5523 -0,0651 59.Remanso 17 328 -2,6254 -2,2507 -0,3747 60.1tanhém 7 348 -2,6316 -2,7572 O, 1256 61.Medeiros Neto 11 288 -2,6370 -2,5575 -0,0795 62.1tajuípe 13 225 -2,6672 -2,4592 -0,2080 63.São Gonçalo dos Campos 6 951 -2,6846 -2,7773 0,0927 64.1taparica 14 613 -2,7231 -2,3887 -0,3344 55. Esplanada 13 004 -2,7301 -2,4705 -0,2596 66.São Félix 7 836 -2,7600 -2,7325 -0,0275 67.Santana 9 514 -2,7643 -2,6475 -0,1168 68.Miguel Calmon 7 595 -2,7959 -2,7447 -0,0512 69.Jeremoabo 3 690 -2,8292 -2,9421 -0,1129 RBG 63

TABELA 7

ESCORES OBTIDOS E ESCORES ESPERADOS POR POPULACÃO ESTIMADA PARA 1985 SEGUNDO AS CIDADES OBSERVAÓAS (conclusão) ESCORES POPULAÇÃO CIDADES ESTIMADA RESÍDUOS Obtidos I Esperados 70.Muritiba 12 925 -2,8426 -2,4745 -0,3681 71.1també 14 802 -2,8547 -2,3791 -0,4756 7 2. Buerarema 11 998 -2,9035 -2,5215 -0,3820 73.Pojuca 15 199 -2,9099 -2,3589 -0,5510 74.Caculé 7 293 -2,9259 -2,7600 -0,1659 75.Conceição do Almeida 5 794 -2,9322 -2,8358 -0,0964 76.Uruçuca 12 314 -2,9336 -2,5055 -0,4281 77 .São Francisco do Conde 5 794 -2,9356 -2,8358 -0,0998 78.1açu 12 599 -2,9734 -2,4910 -0,4824 79.Cândido Sales 9 404 -3,0225 -2,6531 -0,3694 80.Conceição do Jacu(pe 13 682 -3,0552 -2,4360 -0,6192 81.Belmonte 8 609 -3,0698 -2,6934 -0,3764 82.1guaí 7 812 -3,0872 -2,7337 -0,3535 83.Pau Brasil 10 835 -3,1497 -2,5805 -0,5692 84. Floresta Azul 7 321 -3,1633 -2,7585 -0,4048 85.1tarantim 7 581 -3,1781 -2,7454 -0,4327 86.Terra Nova 7 813 -3,2855 -2,7336 -0,5519 87 .Acajutiba 7 019 -3,3647 -2,7738 -0,5909

dades que apresentam escores mais eleva­ ou seja, uma classificação funcional das ci­ dos do que outras, mesmo tendo população dades, passível de ser comparada com a de inferior, o que ocorre, a título de exemplo, 1973 (Tabela 8). com Ilhéus em relação a Jequié, Juazeiro, Comparando esta classificação hierárqui­ Camaçari e Alagoinhas. ca das cidades baianas com a de 1973, Este aspecto pode ser analisado global­ observa-se, inicialmente, que várias cidades mente através da Figura 1, que mostra uma que constaram da primeira relação das 25 alta correlação entre os escores do fator 1 mais importantes não participam mais da e a população. Neste gráfico, destacam-se atual lista. São elas: Cruz das Almas, Ca­ pontos acima ou abaixo da linha de re­ choeira, Nazaré, lbicaraí, Catu, Coaraci e gressão, indicando os centros que apresen­ Caetité. Em termos relativos, estes centros tam escores acima do que seria esperado, perderam na competição com outros cen­ considerando o seu tamanho demográfico tros, que passaram a fazer parte da lista (resíduos positivos) e escores abaixo da atual. São eles: Camaçari, lrecê, Simões Fi­ predição pelo modelo (resíduos negativos). lho, ltamaraju, Barreiras, Brumado e Gua­ Os centros urbanos que obtiveram indica­ nambi. É significativo destacar, nas cidades dores acima do esperado, com base na po­ que saíram da relação, a predominância de pulação, distribuem-se razoavelmente bem centros do tradicional Recôncavo (Cruz das sobre todo o território, abrangendo quase Almas, Cachoeira, Nazaré e Catu) e da zona todos os mais importantes núcleos, mas cacaueira (lbicaraí e Coaraci, bem próximas também alguns de menor relevância. Já os de ltabuna). Das cidades que entraram na centros com escores abaixo do esperado relação, duas delas expressam o dinamismo estão bem concentrados sobretudo no da Região Metropolitana de Salvador (Ca­ Recôncavo, Litoral Norte e, com maior dis­ maçari e Simões Filho) e, as outras, a impor­ persão, na Região Cacaueira e adjacências. tante retomada do crescimento regional de Com base nos escores do fator 1 , é pos­ algumas áreas como Guanambi, Brumado e sível também propor uma hierarquia urbana, Barreiras, além da expansão de novas áreas 64 RBG

FIGURA 1 CORRELAÇÃO ENTRE FATOR 1 4,0 E POPULAÇÃO

2,0 0:: o 1-

-4,0

o lO 20 30 40 50 60 70 80

POPULAÇÃO (x 10')

r= 0,9985 TABELA 8 PROPOSIÇÃO DE HIERARQUIA URBANA - 1985

ORDENS CIDADES CLASSIFICAÇÃO FUNCIONAL

Salvador Metrópole Regional Feira de Santana ltabuna 2 Capital Regional de 1? ordem Vitória da Conquista Ilhéus Jequié Juazeiro 3 Camaçari ( 1 ) Capital Regional de 2? ordem Alagoinhas Jacobina lrecê ltapetinga 4 Simões Filho ( 1) Centro Regional de 1? ordem Senhor do Bonfim Santo Antônio de Jesus ltamaraju Candeias ( 1 ) 5 Barreiras Centro Regional de 2? ordem Brumado Itaberaba Valença Serrinha Guanambi 6 Santo Amaro Centro Regional de 3? ordem Paulo Afonso lpiaú (1) Cidades componentes da Região Metropolitana de Salvador. RBG 65

como ltamaraju (extremo sul) e lrecê Vitória da Conquista, Jequié e Juazei­ (centro-norte). ro-Jacobina; Por outro lado, das cidades que permane­ - o segundo nível, que se destaca espa­ ceram na relação dos mais importantes cen­ cialmente, é o das áreas de lrecê, Santo tros em 1973 e em 1985, quatro subiram Antônio de Jesus, ltamaraju, Barreiras e de posição hierárquica (Jacobina, Santo Bruma do. Antônio de Jesus, Itaberaba e Candeias) e Este segundo nível de subcentros regio­ cinco caíram de nível (ltapetinga, Santo nais merece um destaque pelo crescimento Amaro, Paulo Afonso, lpiaú e Serrinha). cer­ atingido com relação à situação de 1973, tamente expressando as Avariações no di­ em particular por ltamaraju e Barreiras. namismo das economias sub-regionais. Para fins de conclusão da comparação Elaboramos, também, um mapa (Figura 2) com o trabalho de 1973, elaboramos uma que mostra a distribuição espacial dos esco­ análise de correlação entre a população e res do desenvolvimento urbano, através de uma das variáveis, no caso, a distribuição isoescores. Considerando a relevância des­ dos médicos, com base em uma equação de se indicador do papel funcional das cidades, 2? grau. Observa-se que a relação entre as assumimos, como no trabalho de 1973, que duas variáveis aparece como curvilinear (Fi­ a distribuição dos isoescores expressa a or­ gura 3). a exemplo do que foi detectado no ganização do espaço na Bahia, pelos cen­ estudo anterior, quando foi obtida uma cor­ tros urbanos de melhor nível. relação superior à atual (r = 0,98 contra Da mesma forma que em 1973, observa­ r = 0,93). Considerando a posição excep­ -se, também, que a Bahia em 1985 ainda cionalmente alta de Salvador, os dados da não está integrada do ponto de vista de or­ capital, em 1985, também não fizeram par­ ganização do espaço, pelas cidades com ex­ te desta análise de correlação. pressivo tamanho funcional, mas nota-se Esta análise permitiu o cálculo do número que houve melhoria. Com efeito, a extensa de médicos esperados em relação ao tama­ região central, que em 1973 se caracterizou nho das cidades. A Tabela 9 cita o número por ser uma área de fraquíssima integração de médicos esperados em 1973 e 1985 se­ urbana, agora melhorou sua posição em ter­ gundo determinados tamanhos de cidades e mos relativos, o mesmo ocorrendo com ou­ de acordo com os modelos empregados. tras áreas do território baiano (nordeste e Calculando-se a proporção entre o número extremo sul). Entretanto, as áreas de menor de médicos segundo diversos tamanhos das integração localizam-se, ainda hoje, em cidades, constata-se que, em termos predi­ uma pequena porção do nordeste, outra en­ tivos, havia um só médico para cada 2 000 tre Salvador e Feira de Santana e em uma habitantes em 1973, enquanto que, em faixa estreita entre Ilhéus, ltabuna e Vitória 1985, esta relação subiu para dois médicos da Conquista. Deve-se ressaltar, também, para 2 000 habitantes, o que expressa uma que esta análise é comparativa à de 1973, mudança relevante. tomando-se, portanto, as mesmas 87 cida­ As cidades que possuem um número mais des que, em 1970, tinham mais de 5 000 elevado estão significativamente nas re­ habitantes. Se a análise fatorial fosse feita giões do Recôncavo e Cacaueira, exceção sobre todas as cidades acima de 5 000 ha­ de Santana, no oeste do estado. Os núcleos bitantes em 1985, o padrão de organização com número de médicos igual ao esperado do espaço baiano pelos centros urbanos se­ envolvem, também, as áreas do Recôncavo ria mais expressivo somente nos níveis infe­ e Cacaueira, e os que têm um número de riores da estrutura urbana. médicos abaixo do esperado distribuem-se Constata-se, nos níveis intermediário e sobretudo nas áreas periféricas. superior, que Salvador permanece, em nos­ Finalmente, é relevante fazer, também, sa análise, como a cabeça do sistema urba­ uma comparação entre a proporção da po­ no estadual e que, bem abaixo desse nível, população e do escore do fator 1 de Salvador destacam-se, em termos de importância, e das oito cidades de maior nível hierárquico dois outros de caráter urbano-regional: no estado, isto para o início da década de - o primeiro, formado pelas áreas de Feira 70 e para meados da década de 80 (Tabela de Santana-Alagoinhas, ltabuna -llheús, 10). Confirma-se, de modo absoluto, que a 66 RBG

FIGURA 2 ORGANIZAÇÃO DO ESPAÇO SEGUNDO ESCORES DE DESENVOLVIMENTO URBAN0-1985

I o (e::VIRAS.. . O.

---2,00

O 30 60 90 120Km ~...... ,j__.:e=L_~~ RBG 67

FIGURA 3 CORRELAÇÃO ENTRE NÚMERO DE MÉDICOS E POPULAÇÃO 200

160

1/) o (.) 120 o- 'W ::E w o 80

O• z

40 .• ·.••• ·=.

40 80 120 160 200 240 280 320

3 P O P U L A Ç Ã O (X I 0 ) M=-7,9997•1,1977x 10. 3 P-1,9752xi0- 9 P2

r= o,9286 TABELA 9

NÚMERO DE MÉDICOS ESPERADOS, SEGUNDO O TAMANHO DAS CIDADES E A POPULAÇÃO

NÚMERO DE MÉDICOS ESPERADOS CIDADES SEGUNDO A POPULAÇÃO f------,------1973 1985

10 000 4 4 15 000 7 10 20000 10 15 25 000 13 21 30 000 16 26 35 000 19 32 40000 22 37 45 000 25 42 50000 28 47 55 000 30 52 60000 33 57 65 000 36 62 70000 37 66 75 000 40 71 80000 42 75 85 000 44 80 90000 45 84 100 000 49 92 110 000 52 100 120 000 55 107 130 000 58 114 68 RBG

TABELA 10

PROPORÇÃO ENTRE A POPULAÇÃO E O ESCORE DO FATOR 1 DE SALVADOR E O DAS 8 CIDADES DE MAIOR NÍVEL HIERÁRQUICO NO ESTADO- 1973-1985

PROPOR CÃO PROPORCÃO COM BÁSE COM BÁSE POPULAÇÃO POPULAÇÃO CIDADES NA POPU- NA POPU- 1970 1985 LAÇÃO LAÇÃO 1970 1985

Salvador 1 017 591 1 805 969

TOTAL DAS CIDADES SEM SAL- VADOR 548 774 1,85 1 049 302 1,72 Feira de Santana 129 472 7,86 300 582 6,01 ltabuna 91 202 11 '16 155 500 11,61 Vitória da Conquista 83 814 12,14 153 600 11,76 Ilhéus 59 251 17,17 78 339 23,05 Jequié 62 998 16,15 98 225 18,39 Juazeiro 36 409 27,95 78 590 22,98 ltapetinga 30 957 32,87 Alagoinhas 54 671 18,61 90 193 20,02 Camaçari 94 273 19,16

PROPORÇÃO PROPORÇÃO ESCORE DO COM BASE ESCORE DO COM BASE CIDADES FATOR 1 NOS FATOR 1 NOS 1973 ESCORES 1985 ESCORES 1973 1985

Salvador -9,1347 134,1850

TOTAL DAS CIDADES SEM SAL- VADOR -2,0749 4,40 35,4641 3,78 Feira de Santana -0,6813 13,41 10,0902 13,30 ltabuna -0,3629 25,17 7,9252 16,93 Vitória da Conquista -0,3367 27,13 7,1452 18,78 Ilhéus -0,2568 35,57 4,0672 32,99 Jequié -0,2279 40,08 2,8630 46,87 Juazeiro -0,0734 124,45 1,3532 99,16 ltapetinga -0,0700 130,50 Alagoinhas -0,0659 138,61 0,9302 144,25 Camaçari 1,0899 123,12

Fonte - Silva & Xavier (1973) e cálculos dos Autores. proporção entre Salvador e as demais cida­ das oito cidades não é compatível com o des com base no fator 1 (o indicador do de­ seu tamanho demográfico, o que corres­ senvolvimento urbano) não corresponde, ponde a um indicador de desequilíbrio inte­ nos dois períodos, à proporção estabelecida rurbano. Nota-se, também, que ltapetinga com base na população. Isto significa dizer é substituída, na lista das oito cidades de que a distância entre Salvador e as oito mais maior nível hierárquico, por Camaçari, per­ importantes cidades é maior quanto ao tencente à Região Metropolitana de Salva­ estágio de desenvolvimento urbano do que dor e sede do Pólo Petroquímico da Bahia. com relação à distância existente com base Por outro lado, Feira de Santana, ltabuna, em uma comparação demográfica. Em ou­ Vitória da Conquista, Ilhéus e Juazeiro me­ tras palavras, o grau de desenvolvimento lhoraram na posição relativa a Salvador, RBG 69

com relação à proporção dos escores, mes­ realizados em diferentes épocas, sobre o mo quando isto deixa de ocorrer com re­ mesmo espaço, com o emprego da mesma lação à proporção demográfica. Somente metodologia. Com efeito, com essas carac­ Feira de Santana, Vitória da Conquista e terísticas, a evolução recente de elementos Juazeiro reduzem suas proporções com ba­ importantes da organização espacial pôde se nos critérios demográficos e de desen­ ser objetivamente analisada. Confirmando volvimento urbano (escores). Isto acaba in­ isto, foi possível mostrar as principais alte­ fluenciando positivamente na comparação rações na organização do espaço pelas ci­ do total das oito cidades em 1970 com re­ dades no Estado da Bahia, com destaque lação a 1980, ou seja, nesse período ocorre para as modificações na área central (Jaco­ uma melhoria da posição das cidades inter­ bina e lrecê) e nas partes periféricas (ltama­ mediárias com relação a Salvador, tanto no raju e Barreiras). Foi possível demonstrar, aspecto demográfico como no de desenvol­ também, de forma comparativamente obje­ vimento urbano. tiva, as cidades que mais se beneficiaram e as que tiveram maior retração. Já a relação entre Salvador e as cidades intermediárias CONCLUSÕES demonstrou uma relativa melhoria da po­ sição dessas últimas, o que é significativo As análises efetuadas permitiram com­ em termos de uma mais efetiva organização provar a validade de estudos comparativos, urbano-regional do território baiano.

BIBLIOGRAFIA

DAWSON, J. A.; UNWIN, D. J. Computing for geographers. New York, Crane, Russak & Company, Inc., 1976. 362p. FAISSOL, S. Análise Fatorial: problemas e aplicações na Geografia, especialmente nos Estudos Urba­ nos. Revista Brasileira de Geografia, Rio de Janeiro, 34 (4): 77-100, out./dez. 1972. GEIGER, P. P. Cidades do Nordeste. Aplicação de "factor analysis" no estudo de cidades nordestinas. Revista Brasileira de Geografia, Rio de Janeiro, 32 (4): 131-172, out./dez. 1970. JOHNSTON, R. J. Análise dos componentes principais e Análise Fatorial na pesquisa geográfica: al­ guns problemas e questões. Revista Brasileira de Geografia. Rio de Janeiro, 44 (4): 678-702, out./dez. 1982. KIM, J.; MULLER, C. W. lntroduction to Factor Analysis: What it is and how to do it. Beverly Hills and London, Sage Publications, 1978 (Series: Quantitative Applications in the Social Sciences, 07-013). _____. Factor Analysis: Statistical methods and practical issues. Beverly Hills and London, Sage Publications, 1978 (Series: Quantitative Applications in the Social Sciences, 07-0 14). NIE, N. H. et alii. SPSS - Statistical package for the social sciences. 2. ed. New York, McGraw-Hil/, 1975. PEDROSA, A. A.; PORCARO, R. M. O uso da Análise Fatorial na caracterização geral da área de in­ fluência de Presidente Prudente. In: Revista Brasileira de Geografia. Rio de Janeiro, 35 (4): 113-136, out./dez. 1973. SILVA, B. C. N.; SILVA, S. C. B. de M. Urbanização e política de desenvolvimento regional no Estado da Bahia. Geografia, RioCiaro. 72(23): 15-30,abr. 1987. SILVA, S. C. B. de M. O sistema urbano de Salvador e sua inserção no contexto nacional. Geografia, Rio Claro, 10 ( 19): 41-59, abr. 1985. -----· Centralidade urbana no Estado da Bahia: Um estudo comparativo. Geografia, Rio Cla­ ro, 12 (24): 103-118, out. 1987. _____.; GALBRATTH, J. H. A organização do espaço na Bahia: uma Análise Fatorial. Projeto de Regionalização Administrativa para o Estado da Bahia. Salvador, SEPLANTEC-UFBA, 1973, p. 53-71. _____.; Xavier, E. de A. Considerações em torno de uma política de desenvolvimento regional para o Estado da Bahia. Projeto de Regionalização Administrativa para o Estado da Bahia. Salvador, SEPLANTEC-UFBA, 1973, p. 107-115. 70 RBG

RESUMO

O objetivo deste trabalho é o de contribuir para o conhecimento das mudanças recentes da organi­ zação do espaço na Bahia através de uma comparação em dois momentos: o primeiro. expressando a situação no início da década de 70 e. o segundo, em meados da década de 80. Esta comparação foi realizada com base na aplicação da mesma metodologia. a análise fatorial. para as duas situações. A organização espacial é assumida como uma expressão do papel das cidades. analisando-se a distri­ buição das funções urbanas com uso da análise fatorial. Os resultados obtidos permitiram mostrar as principais alterações na organização do espaço no Estado da Bahia. com destaque para o crescimento observado na área central (Jacobina e lrecê) e nas partes periféricas (ltamaraju e Barreiras). A relação entre Salvador e as cidades intermediárias demonstrou uma relativa melhoria da posição destas últi­ mas. o que é significativo em termos de uma mais efetiva organização urbano-regional no território baiano.

ABSTRACT

A MEASUREMENT OF THE RECENT EVOLUTION OF THE SPATIAL ORGANIZATION OFTHESTATEOFBAH~

The aim of this paper is to contribute for better understanding of the Bahia through a comparison of a dual stage evolution. The earlier one showing the situation in the beginning of the 1970's and the se­ cond in the middle of the 1980's. This comparison was made throught an application of the same me­ thodology - the factor analysis - for both the periods. The spatial organization is assumed as an ex­ pression of the coordination role of cities which determined the analysis of the urban functions by means of the said method. The obtained results led to conclude that the most important growth chan­ ges in the spatial organization of Bahia occurred mainly in the central area (Jacobina and lrecêl and in the peripheral zones (ltamaraju and Barreiras). The relation between Salvador and the secondary cities showed a relatively better improvement of the latter. which is significant in terms o f a more effective urban-regional organization in the State of Bahia. RBG 71

INDUSTRIALIZAÇÃO E, DIFUSÃO ESPACIAL DE UTILIDADES DOMESTICAS NO BRASIL: A PROPAGAÇÃO,., DAS, MODERNIZAÇÕES EM REGIAO PERIFERICA (NORDESTE DO PAÍS)*

Nilson Crocia de Barros**

levantamento direto, investigar padrões e INTRODUÇÃO processo de difusão de bens de uso doméstico (Pedersen, 1970: apud: Santos, 1979b: 35), no território brasileiro, orienta­ do pelo pressuposto do importante papel As modificações na composição dos bens desempenhado pelas disponibilidades de e serviços produzidos no Brasil, nas últimas renda nas absorções diferenciais de utilida­ décadas, envolveram significados sócio• des, pelos núcleos familiares em países po­ -espaciais notáveis, particularmente acen­ bres (Santos, 1979a: 29). tuados, se se leva em consideração um dos caracteres centrais do país, a saber, a sua complexidade espaço-estrutural. CONSIDERACÕES ACERCA DA No que se reporta ao processo de indus­ DIFUSÃO ESPACIAL DE trialização/urbanização, e organização es­ INOVAÇÕES pacial do país, a literatura é ampla (Cano, 1977; Oliveira, 1977; Singer, 1977; Bec­ ker, 1982). Examinando-se o problema pelo O termo "difusão" foi cunhado por Tylor aspecto do consumo, se é levado a admitir ( 1871), significando a propriedade de deno­ desdobramentos deste processo, pelo ter­ minar processos de homogeneização cultu­ ritório brasileiro; sem dúvida, a expansão ral por propagação de elementos. Inscreve­ espacial do consumo, propiciada por várias -se, assim, na tradição antropológica, como circunstâncias, ajuda no entendimento da paradígma de entendimento das mudanças própria mencionada industrialização. culturais, por via da extensão de elementos O presente trabalho procura, à maneira de de uma cultura para outra. A ênfase é me­ ensaio, combinando informações obtidas nor em invenções independentes em cultu­ através dos Censos Nacionais (IBGE) e de ras paralelas que em presença ou não de

• Recebido para publicação em 30 de junho de 1988. Trabalho apresentado ao ''Encontro Nacional de Estudos sobre Crescimento Urbano'', outubro de 1987, promovido pela Fundação Joaquim Nabuco, Recife/PE. O autor agradece à CAPES, pelo auxmo à pesquisa. * * Professor Adjunto da Universidade Federal de Pernambuco, Pesquisador do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq. R. bras. Geogr., Rio de Janeiro, 51 (4): 71-78, out./dez. 1989 72 RBG

transmissões, interinfluências. Da escola di­ gação correlacionada negativamente com fusionista alemã histórico-cultural ou ela (Diniz, 1 984: 221). Assemelha-se ao histórico-geográfica, ou austro-alemã, em modelo gravitacional, dependendo da cujos estudos F. Ratzel participara (Santos, função distância-declínio (Chisholm, 1979: 1979b: 30; Correa 1986:85-6), advém a 134), ou função-proximidade (Santos, imagem dos Kulturkreise - círculos cultu­ 1979b: 261-2). A difusão se processaria rais. Nos Estados Unidos, o pensamento di­ em uma "superfície" que receberia o "iní• fusionista é sistematizado por Franz Boas, cio" a partir do centro difusor, a "acele­ em perspectiva de rigor descritivo e induti­ ração", e o "declínio" ou saturação do vo, apoiada em trabalhos de campo, no que evento-propagação. Este movimento pode­ se fixaram conceitos de amplo uso antro­ ria ser expresso por Ul')1a curva logística ou pológico, como padrão cultural - "área em forma de S (Chisholm, 1979: 135). Pos­ cultural" - entendida como: pequenas uni­ teriormente, agregou-se ao raciocínio das dades geográficas baseadas em elementos difusões espaciais o papel das localidades culturais, teoricamente circulares (Harris., centrais, pelos estudos de Hudson ( 1 969) e 1968: 373). Berry ( 19 71 ) , i. é, vinculando as noções O acervo de contribuições geográficas ao contágio-vizinhança e filtração hierárquica tema se distingue, a princípio, pelo estudo (Chisholm, 1979: 134). de disseminação de plantas, animais (ora Certamente, neste âmbito, se há de con­ em perspectiva zoológica e botânica, ora siderar a influência de trabalhos de talhe so­ agrícola), difusão de raças, religiões, técni­ ciológico, acerca de sociedades com alto ní• vel de consumo ou "sociedades de massa" cas de produção, e outros elementos (San­ - mass society, Massengesellschaft -, tos, 1979b: 29; Chisholm, 1979: 131-4). Poder-se-ía intuir que a idéia de "difusão" cujo marco é a obra de Mannheim ( 1935). As sociedades de massa sofreriam uma dis­ carregava consigo oposição ao "localismo'~ sociação da estrutura social derivada das - equilíbrio homem/meio isolado -, idéia, por conseguinte, talvez pertubadora da roti­ mudanças profundas nas condições de vida na dos gêneros de vida ambiental que se de­ (Ropke, 1957: 20-1 ). Sobreeleva-se a di­ lineiam na obra de La Blache ( 1954). mensão "consumo", no sistema social, e se desenvolvem estudos que ora enfatizam O trabalho clássico, comumente referido a soberania do consumidor - este indepen­ na tradição geográfica, pertinente ao assun­ dente e de comportamento racional -, ora to é de Sauer (1952), aplicado ao estudo da a sua manipulação pelo aparelho publicitário difusão de plantas cultivadas, animais (Galbrait, 1966) e o efeito - demonstração domésticos, técnicas agrícolas etc. A partir (Veblen, 1966). da década de 20, a Geografia das paisagens Rostow (1965) procurou identificar eta­ culturais, de Sauer, confunde-se com os pas que as sociedades percorreriam, da tra­ progressos de Geografia Cultural, particu­ dicional à era do alto consumo de massas larmente com a superação do enfoque de ou sociedades de afluência, atingidas por percepção simples, pela incorporação no poucos países, situação final, esta, afirma­ aparelho explicativo da recorrência à da também por Katona (1968). história das civilizações (Ciaval, 1974: A concepção do campo de difusão espa­ 127-8; Chisholm, 1979: 134), após ostra­ cial de inovações como uma superfície aber­ balhos associados deste autor, com Kroe­ ta e detentora de arranjos pretéritos, de ma­ ber (1939). neira a gerar interatuações entre condições Recebendo estudo sistemático, o assunto pretéritas e novas variáveis, i.é, as "rugosi­ da difusão geográfica de inovações, dades do espaço", deve-se a Santos, 1978; desenvolve-se com os estudos de Hãgers­ 1979, a,b). O consumo tenderia atingir, ain­ trand (1952), na Suécia, com preocupações da que parcial e ocasionalmente, as popula­ construtoras de seus modelos (modelos de ções pobres dos países subdesenvolvidos Monte Carla) (Ciaval, 1974: 197-8; Santos, (Santos, 1979 a: 20), mas como a difusão 1979b: 31-2). Simplificadamente, o ele­ se opera em contexto de ampla desigualdade mento geografizador da difusão é a social, se constituiriam por mecanismos de distância - d -, estando a força da propa- seletividade econômica, dois circuitos RBG 73

(idem, ibidem). O espaço destes países é grande núcleo urbano-industrial menciona­ visto não a partir de superfícies hipotéticas, do. mas de uma superfície concreto-histórica, e Neste último contexto, realizaram-se as tempo social plural (Santos, 1978: 203), o investigações primárias. que o conduz a indagar: difusão de inova­ ções, ou estratégia de vendas? (Santos, 1979 b:29). À tendência difusora das ino­ DIFUSÃO DA DISPONIBILIDADE DE vações, de interesse dos grupos oli­ UTILIDADES DOMÉSTICAS DE gopólios, se articularia, causalmente, o re­ ORIGEM INDUSTRIAL NO BRASIL cuo do consumo de produtos locais (San­ E DESDOBRAMENTOS ESPACIAIS tos, 1979: 28). EM REGIÃO PERIFÉRICA Particularmente, sobre agricultura no Bra­ sil, observe-se o estudo de Ceron & Halbs­ gut (1978), utilizando a análise de superfí• O que se vem verificando no quadro brasi­ cie de tendência (Trend surface analysis) leiro é um aumento substancial na disponi­ (Diniz, 1984: 219). bilidade de utilidades domésticas advindas Nas condições brasileiras, a produção de do sistema industrial, nas unidades residen­ bens industriais se concentra no grande ciais. Este processo global comporta uma núcleo urbano-industrial de São Paulo/Rio hierarquia de bens, no que tange ao seu de Janeiro - macrometrópoles (Faissol, grau (ou estado) de difusibilidade, - bens Ferreira, Moreira: 1986: 116) - heartland, mais ou menos difundidos pelas residências no modelo heartland-hinterland (Perloff, no território do país -, observando-se, ain­ Dunn, Lampard, Muth: 1960, apud: Manza­ da, uma relação inversa entre a situação gol, 1985: 176). Daí partem os impulsos de hierárquica do bem, quanto ao estado de di­ modernização - spread effects (Myrdal, fusão (em 1970), e à velocidade de sua di­ 1957, apud Becker, 1982: 17). A outra fusão no período de 1970/1980. fração do território, examinada neste traba­ Reenfocando a disseminação de eletro­ lho, quanto à difusão do consumo de utilida­ domésticos, agora quanto aos desdobra­ des domésticas, se insere no que Becker de­ mentos territoriais da mesma, constata-se a nomina "regiões periféricas deprimidas" profunda diferenciação de disponibilidade ( 1982: 23-51. onde prevalecem os back­ entre o heartland e a "fração periférica em wash effects (Myrdal, 1957, apud Becker, exame" (Tabela 1 ). A diferença menciona­ 1982: 23) e se observa uma dotação mais da é tão mais vincada quanto menos difuso reduzida de modernizações (Faissol, Ferrei­ for o bem no conjunto do país, e o mesmo ra, Moreira. 1986: 128-9). Entre outras ca­ pode ser dito quando se confronta a fração racterísticas, a área se distingue pela volu­ periférica referida à situação média do país mosa emigração, particularmente para o (Tabela 1 ). Constata-se, ainda, que na

TABELA 1

SITUAÇÃO DE DIFUSÃO DE UTILIDADES EM RESIDÊNCIAS, NOS ANOS CENSIT ÁRIOS, E SUA EVOLUÇÃO, SEGUNDO AS UNIDADES DA FEDERAÇÃO ESCOLHIDAS - BRASIL 1970-1980

UNIDADES DOMICÍLIOS COM DOMICÍLIOS COM DOMICÍLIOS COM DA RÁDIO(%) GELADEIRA (%) TELEVISOR(%) FEDERAÇÃO ESCOLHIDAS 1970 1 1980 11970/80 1970 1 1980 11970/80 1970 1 1980 11970/80

Brasil 58,92 75,76 28,6 26,07 49,51 89,9 24,11 54,92 127,8 São Paulo 80,54 86,37 7,2 46,28 73,97 59,8 49,73 82,30 65,5 Paraíba 35,99 67,71 88,1 7,69 20,04 160,6 4,09 24,90 508,8

FONTE - IBGE. Censo Demográfico do Brasil - 1970, Tabulações avançadas do Censo Demográfico do Brasil - 1980. 74 RBG

década em exame (70/80) a difusão faz-se to à intensidade de múltiplos contactos in­ mais acelerada no hinterland considerado. terpessoais mas, também, pela concen­ A Tabela 1 permitiria ajuizar no sentido de tração dos rendimentos e formas destes que, enquanto o rádio, no ano inicial, apre­ contactos. Para modernizações em contex­ senta níveis de saturação de difusão apenas to agrícola, Diniz insiste nesta hipótese de no heartland, decorridos dez anos, interva­ hierarquia à rede urbana ( 1984: 232). No lo de forte difusão na fração periférica - in­ caso dos bens em exame se hão de levar em cremento na disponibilidade relativa, de conta as distribuições de infra-estruturas 88, 1 % -, a saturação parece atingir o hin­ complementares, como rede de energia terland. O caso do televisor apresenta a na­ elétrica, estações retransmissoras, as­ tureza da vertiginosa difusão na década sistência técnica etc., as chamadas "inova­ (70/80). contudo, incomparavelmente mais ções empresariais" (Pedersen, 1970: 205, acelerada - em termos de disponibilidade apud: Santos, 1979b: 35). relativa -, na periferia. Se se examinam na década de 70, as mo­ Tais observações advertem acerca da uti· dificações na estrutura energética domésti­ lidade, como princípio das generalizações a ca, no que toca à preparação dos alimentos, respeito de "momentos de difusão", que - cocção-, conclui-se da penetração rápi­ compreenderiam uma "situação original" da do uso do gás (de botijão, GLP) nas áreas - onde se verifica contraste acentuado en­ mais ruralizadas, e tendência à saturação tre o(s) centro(s) emissor (es) e as zonas ad­ no município mais urbanizado, capital da jacentes periféricas -, um li amortecimento Unidade da Federação (Tabela 3). Ainda as­ da diferenciação" e, enfim, um momento de sim, é muito disseminado o padrão de uso saturação (Griliches; 1957; Brown e Moore, da lenha/carvão, e mesmo (ainda que me­ 1968, apud: Santos, 1979b: 41 ). nos, posto que a energia elétrica permite re­ Generalizações confirmadas à escala na­ venda de energia interunidades residenciais cional, se reiteram - a nível elevado de abs­ - uso clandestino - e seu custo é menor) tração - quando se operam observações da iluminação a querosene, o que confere a em escala mais dimensionada (micro­ certas áreas de periferia, à noite, em Campi­ -espaço). Além de uma "saturação" na Grande (PB), uma paisagem de luzes e (tendência à) mais rápida nos centros hie­ sombras, oscilando. rarquicamente mais elevados no sistema ur­ Evidenciou-se, também, para o ano de bano, a velocidade da difusão - relativa - 1970, a dominância na Unidade da Fede­ no período (1970/1980) é tanto mais acen­ ração "supra" dos aparelhos receptores de tuada quanto mais rural a área que se inves­ imagens de TV preto e branco (Tabela 4) e tiga ou menor a aglomeração (Tabela 2). Es­ dominância tanto maior quanto mais rurali­ tas considerações sugerem a incorporação zada a área, ou menor o centro urbano. Pes­ ã análise espacial das difusões, da noção de quisa de campo, junto a pequenos comer­ hierarquia urbana, não só no que diz respei- ciantes, -ambulantes, camelôs- na cida-

TABELA 2

SITUAÇÃO DE DIFUSÃO DE UTILIDADES EM RESIDÊNCIAS, NOS ANOS CENSIT ÁRIOS, E SUA EVOLUÇÃO, SEGUNDO OS MUNICÍPtOS ESCOLHIDOS - PARAÍBA - 1980

DISPÕE DE DISPÕE DE DISPÕE DE POPU· RÁDIO GELADEIRA TELEVISOR MUNICIPIOS LAÇÃO (%) (%) (%) ESCOLHIDOS URBANA 1980 1970 T1980 11970/80 1970 1 1980 11970/80 1970 1 1980 T1970/80

João Pessoa 335 205 61,80 67,78 9,7 34,74 59,40 70,9 23,97 68,06 183,9 Campina Grande 235 385 57,13 70,47 23,4 18,57 38,18 105,6 12,44 54,24 336,0 Cajazeiras 32 253 41,76 70,53 68,9 10,94 26,86 145,5 2,74 28,30 932,9 Mogeiro 2 488 23,85 73,60 208,6 1,25 4,13 230,4 0,60 6,18 930,0

FONTE - IBGE. Censo Demográfico da Paraíba - 1970, Censo Demográfico do Brasil - famma e domicnios - 1980, Sinopse pre· liminar do Censo Demográfico da Paraíba - 1980. RBG 75

TABELA 3

SITUACÃO QUANTO AO TIPO DE COMBUSTÍVEL EMPREGADO PARA COZINHAR EM RÉSIDÊNCIAS NOS ANOS CENSITÁRIOS, E SUA EVOLUÇÃO, SEGUNDO OS MUNICÍPIOS ESCOLHIDOS - PARAÍBA - 1970-1980

1970 1980 POPU- CRESCIMENTO MUNICIPIOS LAÇÃO DO USO Lenha/ Lenha/ DO GÁS ESCOLHIDOS URBANA Gás Gás Carvão Carvão (%) 1980 (%) (%) (%) (%) 1970/1980

João Pessoa 335 205 64,74 35,26 82,12 17,88 26,9 Campina Grande 235 385 44,39 55,61 66,92 33,08 50,8 Cajazeiras 32 253 14,75 85,25 28,81 71,19 95,3 Mogeiro 2 488 2.45 97,55 7,57 92.43 209,0

FONTE - IBGE. Censo Demográfico da Paraíba - 1970, Censo Demográfico do Brasil - famnia e domicnios - 1980, Sinopse preliminar do Censo Demográfico da Paraíba - 1980.

TABELA 4

ESTADO DA PARAÍBA. MUNICÍPIOS ESCOLHIDOS. RESIDÊNCIAS COM APARELHOS DE TELEVISÃO POR NATUREZA DA IMAGEM, SEGUNDO OS MUNICÍPIOS ESCOLHIDOS PARAÍBA - 1980

POPU- NATUREZA DA IMAGEM MUNICÍPIOS LAÇÃO ESCOLHIDOS URBANA Total Cores Preto/Branco 1980 (%) I (%) (%) João Pessoa 335 205 100,00 26,02 73,98

Campina Grande 235 385 100,00 10,26 89,74

Cajazeiras 32 253 100,00 8.46 91,54

Mogeiro 2 488 100,00 5,84 94,16

FONTE - IBGE. Censo Demográfico do Brasil - família e domicílios - 1980 e Sinopse preliminar do Censo Demográfico da Paraíba - 1980. de de Campina Grande, apontou no mesmo sificação da comercialização de certos pro­ sentido, para os que possuíam televisor dutos usados, em momentos de difusão (91 ,43%), em 1986. Cerca de 78% dos rápida em áreas periféricas, acompanhada aparelhos apresentavam este tipo de ima­ de lançamento de modelos novos ("ma­ gem. quiagem" de produto) que são adquiridos A investigação primária cuidou de aferir, pelas camadas de população de renda mais entre as unidades residenciais deste último elevada. segmento sócio-profissional que dispunham Esta "segunda circulação" pode se verifi­ de quatro utilidades (Tabela 5) elétricas, as car propiciada por contactos entre estratos importâncias da "forma" ou "estado de da população para fins de serviços de diver­ aquisição" do bem: "usado", ou "novo". sas ordens - serviços domésticos, repa­ Nota-se uma hierarquia de bens, no que ração hidráulica, elétrica etc. -, o que põe concerne à forma de adquirir, ou seja: não em ligação dois contornos especifícos de somente se verifica uma segunda circu­ renda/consumo, ou também mediante o lação comercial dos bens, ou "circuito infe­ comércio estabelecido, em geral, associado rior" (Santos, 1979a), mas também a inten- a oficinas de reparação - estabelecimentos 76 RBG bifuncionais - e o comércio de rua, onde, concentram nas proximidades da "feira" também, é comum a bifuncionalidade. Na principal, "mercado" este, expressão da cidade de Campina Grande, ainda que pre­ ampla fragmentação estrutural do comércio sentes também no centro da cidade, estas (Coing, Lamick, et alii, 1982), no âmbito ur­ barracas de eletrodomésticos usados se bano, em questão (Fotos 1 e 2).

TABELA 5

ESTADO DA PARAÍBA, CIDADE DE CAMPINA GRANDE, RESIDÊNCIAS DOS RESPONSÁVEIS PELAS UNIDADES DE COMÉRCIO AMBULANTE, SEGUNDO A DISPONIBILIDADE DE UTILIDADES ELETRODOMÉSTICAS - 1986

DISPONIBILIDADE FORMA DE AQUISIÇÃO UTILIDADE Total I Sim Não Total j Novo l Usado (%) (%) (%) (%) (%) (%)

Televisão 100 00 91,43 8,57 100,00 73,02 26,98

Refrigerador 100 00 72,86 27,14 100,00 82,35 17,65

Ferro elétrico 100 00 92,86 7,14 100,00 92,31 7,69

Liquidificador 10000 82,86 17,14 100,00 98,28 1,72

FONTE - Pesquisa direta, 1986.

FOTO 1 - Vendedores Ambulantes FOTO 2 ,.... Vendedores Ambulantes Campina Grande - PB Campina Grande - PB RBG 77

estudos emp~ncos de alcance teórico. A CONCLUSÕES abordagem pode atingir as chamadas inova­ ções mais fragmentadas, em nível domésti­ co inclusive, evitando-se um enfoque dual e Os estudos de difusão têm o caráter de in­ permitindo uma visão integradora. corporar à compreensão do espaço, o papel O elemento distância (d) pode ser relativi­ das integrações entre frações do território, zado ao sistema de cidades, às diferencia­ particularmente em um país, que, nas últi­ ções regionais de renda, mas também à pre­ mas décadas, é perpassado por um grande sença/ausência de inversões públicas ou processo de reorganização regional, cujo privadas complementares. O mesmo se afir­ centro são as metrópoles de São Paulo, par­ maria acerca do que se poderia considerar ticularmente, e Rio de Janeiro. Contrapõe­ área com bem em estado de saturação, cu­ -se, em alguma medida, ao enfoque endóge• jos limiares podem sofrer modificações, em no, regional autonomista, que valoriza as função de oscilação de outras variáveis. instâncias regionais, numa ótica de per­ Indica-se, como possível caminho de in­ manência. As contribuições críticas à di­ vestigação, a identificação da importância, fusão espacial, por seu turno, permitem para o setor urbano-industrial, e para o das operar a apreensão da coexistência de ele­ pequenas formas no Nordeste do país, da mentos de tempos díspares. chamada "segunda circulação" de bens de A disponibilidade de informações cen­ uso doméstico, quer do ponto de vista sitárias e de pesquisas específicas, para o econômico de mercado, quer da integração estudo da difusão ou propagação espacial das camadas mais pobres da população à das inovações, oferece possibilidades de sociedade de consumo.

BIBLIOGRAFIA

BECKER, BERTHA K. Política da Amazônia; a nova fronteira de recursos. Rio de Janeiro: ZAHAR. 1982. 233 p. il. mapas. BERRY, B. Geogrâphie des marchés et du commerce de détail. Paris: A. Colin. 1971. BROWN, L.; MOORE, E. Diffusion Research in Geography: a perspectiva. Discussion Paper 9. D. of Geog. U. of lowa, Apud: Santos, 1979 b: 41. CANO, WILSON. Raízes da concentração industrial em São Paulo. Rio de Janeiro: Ditei, 1977. 317p. (Corpo e Alma do Brasil, 53). CENSO DEMOGRÁFICO: 1970. Rio de Janeiro: IBGE, 1973. v. 1, T. 9: Paraíba. -----· Rio de Janeiro: IBGE, 1973: v. 1, T. 1: Brasil. -----· :1980. Rio de Janeiro: IBGE, 1982. v. 1, T. 6: Famnias e Domicnios, Brasil. CERON, A.; HALBSGUT, H. Tendências espaciais na difusão dos tratores empregados na agricultura paulista a partir de 1940. Geografia, v. 3, N. 6, 75-88, APUD:DINIZ, 1984:219. CHISHOLM, M. A Geografia Humana: Evolução ou Revolução? Rio de Janeiro: lnterciência. CLAVAL, PAUL. Evolución de la geografia humana. Barcelona: Oikos-Tau, 1974. 240 p. COING, H.; LAMICK, H.; JUGON, P. et aHi. Articulation entre les formes de production: recherches a Campina Grande. Paris: U. de Paris/1. D'Urbanisme. CORREA, ROBERTO LOBATO. Região e organização espacial. São Paulo: Ática. 1986, 93 p. (Série princípios). DINIZ, José Alexandre Felizola. Geografia da Agricultura. São Paulo: Ditei. 1984, 278 p. FAISSOL, S.; Ferreira, M.; Moreira, L. O Processo de urbanização brasileiro: uma contribuição à formu­ lação de uma política de desenvolvimento urbano regional. Revista Geográfica, 1 03, 111-57, IPGH, México. GALBRAIT, J. La Sociedad opulenta. Barcelona: Ariel. GRILICHES, Zui. Hybrid Corn, an Exploration in the Economics of Technological Change. Econometric, 25, Apud: Santos, 1979 b: 41. HÂGERSTRAND, T. The Propagation of lnnovation Waves. Lund Studies in Geography 8, Human Geography 4. 78 RBG

-----· El terreno proprio de la geografiã humana. In: Nuevas Tendencias en Geografia. Ma­ drid, lnst. de Estudios de Administración Local. HARRIS, M. The Rise of Anthropological Theory. N. York: Crowell. HUDSON, J. Difusion in a Central Place System. Geographical Analysis, v. 1, n. 1, 45-58. Apud: CHISHOLM, 1979: 134. KATONA, G. La Sociedad de consumo de masas. Madrid: Rialp. KROEBER, A. Cultural and Natural Areas of Native North America. Berkeley, U. of California. LA BLACHE, Paul. Princípios de Geografia Humana. Lisboa: Cosmos. 1954, 390 p. MANNHEIM, K. Menschen und Gesel/schaft in Zeita/ter des Umbans. Leiden. MANZAGOL, C. Lógica do espaço industrial. São Paulo: Difel. MYRDAL, G. Economic Theory and Underveloped Regions, Apud. BECKER, 1982: 17. OLIVEIRA, Francisco de. Elegia para uma re(li)gião: SUDENE, NORDESTE; Planejamento e conflitos de classes. 2~ ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978, 137 p. (Estudos sobre o Nordeste; 1 ). PEDERSEN, P. lnnovation Whitin and Between National. Urban Systems. Geographical Analysis, Apud: SANTOS, 1979b: 35. PERLOFF, H.; DUNN, S. et alii. Regions, resources and economic growth. Baltimore: The John Hop- kins University Press, Apud: Manzagol, 1985: 176. ROPKE, G. Masse und Demokratie.Zurich: A Hunold. ROSTOW, W. Las Etapas de/ crescimento econômico. México: FCE. SANTOS, M. Por uma geografia nova. São Paulo: EDUSP/HUCITEC. O Espaço Dividido: os dois circuitos da economia urbana nos países subdesenvolvi­ dos. Rio de Janeiro: F. Alves. Economia Espacial: crfticas e alternativas. São Paulo: HUCITEC. SAUER, C. Agricultura/ Origins and Dispersais. American Geographical Society. SINGER, P. Desenvolvimento econômico e evolução urbana. São Paulo: Nacional. SINOPSE Preliminar do Censo Demográfico: 1980. Rio de Janeiro: IBGE, 1981. n. 10: Paraíba. TABULAÇÕES Avançadas do Censo Demográfico: 1980. Rio de Janeiro: IBGE, 1981. T. 2: Resulta- dos preliminares. TYLOR, E. Primitive culture. London: J. Murray. VEBLEN, T. Teoria de la clase ociosa. México: FCE.

RESUMO

O trabalho aborda a difusão de utilidades domésticas no Brasil. a partir de 1970. Para isto, baseia-se em informações censitárias de 1970 e 1980, referentes ao grau de disponibilidade de aparelhos eletro­ domésticos e grau de uso do Gás Liquefeito de Petróleo - GLP como combustível para cocção de ali­ mentos nas unidades residenciais. O estudo se desenvolve segundo o modelo centro/periferia, tomando-se como exemplo de difusão de bens em região periférica o Estado da Paraiba, e como região central, o Estado de São Paulo. Observou-se mais uma intensa difusão dos bens já referidos, nas décadas de 70 e 80, na periferia, enquanto na região central tais bens (eletrodomésticos) achavam-se já em saturação de difusão, ou próximos a esta situação. No Estado da Paraiba, cidade de Campina Grande, procurou-se avaliar, para o segmento sócio-profissional dos comerciantes ambulantes, a importância da difusão de bens eletro­ domésticos usados, mediante pesquisa direta realizada em 1986. RBG 79

PROPOSTA DE DISTRITOS ELEITORAIS PARA O ESTADO DO RIO DE JANEIRO, SEGUNDO AS BASES TERRITORIAIS DA BANCADA FLUMINENSE NO CONGRESSO NACIONAL*

Aluizio Capdeville Duarte** Rubem José Leão de Magalhães***

para entender as bases territoriais da repre­ OBJETIVOS DO ESTUDO DO sentação político-partidária no Congresso TEMA NO IBGE Nacional. O estudo deste tema poderia for­ necer subsídios e orientar a Justiça Eleitoral no estabelecimento de critérios para a defi­ Com a instalação da Assembléia Nacional nição e delimitação dos distritos eleitorais, Constituinte e a criação da Subcomissão do caso os mesmos fossem adotados para o Sistema Eleitoral, integrante da Comissão sistema eleitoral a ser incluído na nova da Organização Eleitoral, Partidária e Garan­ Constituição. tia das Instituições, durante o ano de 1987, Considerou-se pertinente estudar o tema, a questão do voto e do sistema distrital de até então tratado por cientistas políticos, representação na Câmara Federal voltou a porque o distrito eleitoral é um agregado es­ ser uma das mais dinâmicas e controverti­ pacial. Uma das atribuições institucionais das discussões sobre o sistema eleitoral. da DITER é definir, conceituar e descrever Nos primeiros meses dos trabalhos daquela agregados espaciais de diferentes manei­ subcomissão houve a tendência para ras, segundo critérios específicos. adoção do voto distrital e, por conseguinte, O tema, apesar das implicações políticas da criação de distritos eleitorais no país. que envolve, no Brasil e em todos os países Na programação anual de 1987 do Depar­ que adotam esta forma de representação, tamento de Geografia - DEGEO, da então relaciona-se a um território, agregado ou de­ recém-instalada Diretoria de Geociências - sagregado, onde vivem eleitores, cidadãos DGC, do IBGE, a Divisão de Estudos Territo­ que produzem, consomem e que constroem riais - DITER considerou importante incluir seu espaço geográfico. Como tal, apesar de no seu plano de trabalho anual um estudo ser um tema ainda não estudado sob este

• Recebido para publicação em 18 de m;airy de 1989. Agradecemos a contnbutção da geógrafa Olindina Vianna Mesquita, que, profissionalmente, fez críticas e sugestões ao ter este documento, as quais fo­ ram aceitas e incluídas no mesmo em versão final agora publicada. • • Analista Especializado em Geografia da Fundaçao Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE. * * • Analista Especializado em Economia da Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE. R. brss. Geogr., Aio de Janeiro, 51 (4): 79-96, out./dez. 1989 80 RBG

aspecto e objetivo no IBGE, merecia uma No final do ano de 1987, quando o proje­ especial atenção da área da Geografia na to estava praticamente concluído, tendo co­ Instituição, representada pelo DEGEO, por­ mo modelo de estudo e teste empírico da que o distrito eleitoral deve expressar, no metodologia teórico-conceitual e operacio­ Território Nacional, a instância político• nal o Estado do Rio de Janeiro, a Comissão partidária. de Sistematização da Assembléia Nacional Constituinte rejeitou a adoção do voto dis­ O projeto que a DITER estabeleceu para trital na nova Constituição promulgada em 1987 tinha como objetivo final cdar uma 5 de outubro de 1988. Apesar disto, a metodologia para a definição de distritos DITER considerou que o projeto não deveria eleitorais no Brasil. Pretendia-se estabelecer ser interrompido. Foi concluído e agora é di­ conceitos e critérios para a delimitação de vulgado como uma contribuição da área da distritos eleitorais, independentemente de Geografia do IBGE a um tema de interesse articulações partidárias, seguindo-se nacional e que um dia poderá servir de sub­ critérios da legislação eleitoral, mas relacio­ sídio à Justiça Eleitoral, caso o voto distrital nando a identificação e os limites dos distri­ venha a ser retomado como uma questão tos às características geográficas daquele política e constitucional. território. Partia-se, assim, da premissa de Neste projeto, a analista especializada que há uma dimensão espacial da instância Sueli Caetano de Araújo participou fazendo política na totalidade social brasileira. análise da bibliografia pertinente ao voto Tinha-se, porém, a consciência de que, pe­ distrital, suas vantagens e desvantagens la legislação eleitoral vigente no país, o sis­ como sistema eleitoral e sua evolução tem­ tema de representação proporcional refletia poral, redigindo textos técnicos para o re­ muito mais, em diferentes momentos, os latório final. Coube a Suely Sarmento Rebel­ casuísmos partidários, os interesses de po­ lo, também analista especializada, a parte der e a ideologia dominante. Estes tinham referente à análise dos critérios para defi­ sido elementos condicionadores das formas nição de distritos eleitorais, segundo os fa­ de representação político-partidária. Diver­ tores demográficos e de cadastramento sos cientistas políticos e mesmo a imprensa eleitoral de 1986, participando da redação escrita e falada têm denunciado os casuís• do texto do relatório final apresentado em mos na legislação eleitoral e na represen­ Seminário da DGC, em 1 5/06/88. Na parte tação político-partidária no Congresso Na­ de implantação do projeto em 1987, o ana­ cional em diferentes épocas. lista especializado Cesar Ajara contribuiu Incontestavelmente, a Federação Brasilei­ para a formulação metodológica e partici­ ra não está representada, ao nível da reali­ pou das entrevistas e pesquisas realizadas dade demográfica, social e econômica, de em Brasma, em junho de 1987, no Congres­ maneira proporcional na Câmara Federal. so Nacional. Os votos dos eleitores de São Paulo, quan­ Este documento, agora divulgado, é uma do se verifica o número de representantes nova versão do relatório técnico, de cunho que esta Unidade da Federação tern na pioneiro no IBGE, apresentado no seminário Câmara Federal, valem menos do que os do antes mencionado. Acre, Roraima ou Alagoas. Isto quer dizer que para a eleição de um representante da bancada paulista é necessário um número O SISTEMA ELEITORAL NO maior de votos do que naquelas Unidades BRASIL E O VOTO DISTRITAL da Federação. Desta forma, no projeto, de­ veriam ser discutidos o conceito, o signifi­ cado e a trajetória do sistema eleitoral, O sistema eleitoral brasileiro abriga duas através do voto proporcional e do distrital. modalidades de voto: o voto proporcional e Este assunto é inserido no presente docu­ o voto majoritário. mento, na Parte 2, ficando sob a re$ponsa­ O voto proporcional é aquele que se prati­ bilidade do analista especializado Rubem ca quando se elegem deputados federais, José Leão de Magalhães. estaduais e vereadores. Segundo esta mo- RBG 81

dalidade, as cadeiras nas Casas Legislativas O primeiro decreto eleitoral teve c~mo são distribuídas entre os partidos em partes modelo a Constituição Espanhola. Decreta­ proporcionais ao número de votos de cada do por D. João VI em 7 de março de 1821, um, no total de votos válidos (votos dados instituía que as populações locais, reunidas aos partidos somados aos votos em bran­ em Assembléias, escolheriam os compro­ co). O número de cadeiras destinadas a ca­ missários, a quem cabia nomear os eleito­ da partido obedece, então, ao critério de se res de Paróquia; estes escolheriam os elei­ apurar o quociente eleitoral (que determina tores de Comarca, que na Capital da Provín• o número de votos necessários para que o cia, iriam eleger os deputados, caracterizan­ partido tenha direito a uma cadeira) e o quo­ do assim um processo eleitoral em quatro ciente partidário. graus. Este critério, entretanto, nem sempre dis­ Na ocasião da escolha dos deputados que tribui todas as cadeiras, necessitando, por­ iriam integrar a Constituinte de 1822, esta tanto, da aplicação de um artifício denomi­ prática foi modificada, passando para um 1 nado "Mecanismos das Sobras" • processo em dois graus. O voto majoritário é aquele que se pratica As primeiras eleições, após a Consti­ ao se eleger senadores, prefeitos, governa­ tuição Outorgada de 1824, foram reguladas dores e o Presidente da República. Esta mo­ pelo Decreto de 26 de março de 1829, se­ dalidade está sujeita aos critérios de maioria gundo o qual as eleições de primeiro grau simples e da maioria absoluta. estavam sujeitas à atuação das Mesas Elei­ O critério de maioria simples elege o can­ torais, cuja composição incluía o Juiz de Fo­ didato que obtiver o maior número de votos, ra, o Pároco e mais dois secretários e dois 2 enquanto que o da maioria absoluta elege escrutinadores • Estas Mesas Eleitorais ti­ aquele que tiver, no mínimo, a metade mais nham o poder de regular todas as fases do um dos votos. Com a nova Constituição foi processo eleitoral (alistamento, votação, adotado o majoritário, processando-se a apuração, reconhecimento e proclamação eleição em dois turnos. dos resultados), constituindo-se, desta for­ O sistema de representação distrital é um ma, num "reduto de manipulações, da frau­ 3 sistema de votação que consagra o voto de e da violência eleitoreiras" • majoritário para a eleição de deputados fe­ O voto distrital surgiu em meio às dispu­ derais e/ou estaduais em um distrito eleito­ tas entre os liberais, que se empenhavam ral. Alguns estudiosos defendem o voto dis­ em limitar o poder do Imperador, pleiteando trital puro, que determina um número de práticas parlamentaristas e a autonomia dos distritos igual ao número de cadeiras a municípios, e os monarquistas centralizado­ preencher em cada distrito eleitoral. res. O voto distrital misto é uma alternativa Ao conjunto de leis que tratou do voto que muitos autores preferem, pois uma par­ distrital no Império e na República chama-se te dos candidatos seria eleita no distrito e "A Trajetória do Voto Distrital no Brasil", outra parte proporcionalmente. que consiste em: A) No Império A trajetória do voto distrital no Brasil 1) Lei dos Círculos Nº 842 de O voto distrital no Brasil é matéria apre­ 19/09/1855 ciada desde o Império, ocasião em que che­ 21 Segunda Lei dos Círculos - Nº 1.082 de gou a ser adotado e vigorou por mais de 70 18/08/1860 anos. 3) Lei do Terço - Nº 2.675 de 20/10/1875 As motivações para a sua implantação e 4) Lei Saraiva - Nº 3. 029 de 09/01 I 1881 as conseqüentes modificações introduzidas A Lei dos Círculos instituía que as provín• ao longo de sua existência encontram-se na cias seriam divididas em distritos (círculos) análise do sistema vigente. que elegeriam um só deputado por maioria

1 Ver Anexos 1 e 2. 2 Juiz de Fora era o magistrado imposto pelo Rei sob a alegação de que e~a capaz de melhor atuar no sentido de promover melhor a justiça do que os de· mais do lugar. 3 Ver Raimundo Faoro -. 82 RBG absoluta. Se esta não fosse alcançada, a lei c) A apuração era feita por uma Junta Apu­ determinava a realização de um segundo es­ radora composta pelo presidente do gover­ crutínio com os quatro mais votados. Se no municipal, cinco membros mais votados ainda assim não fosse registrada a maioria ligados ao governo e os cinco membros me­ absoluta, haveria um terceiro escrutínio, nos votados. com os dois mais votados. A Lei Rosa e Silva8 ampliou o número de A sua principal inspiração foi a de permitir deputados em cada distrito para cinco, a legítima representação dos interesses lo­ manteve o voto incompreto e lhe associou o cais, impedindo a ação inibidora da Provín• voto cumulativo (ver nota n ~ 6). cia4. A Lei Bueno de Paivtl anulou o alistamen­ A Segunda Lei dos Círculos alargou os to anterior, reconhecendo o Estado como a distritos eleitorais de modo a eleger três de~ instância de direito para regulá-lo. putados em cada um. Esta lei surgiu como Por fim, a Lei Nº 21.076 de 1932 insti­ resposta a uma manifestação do Imperador, tuiu o voto feminino, baixou para 18 anos o que entendia que a lei de 1855 dera mar­ limite de idade para ser eleitor, conferiu o 5 gem a "abusos e manipulações" • alistamento, a apuração, o reconhecimento A Lei do Terco fez cair o distrito eleitoral e a proclamação dos resultados à Justiça 6 abolindo o sist~ma de lista incompleta , ga­ Eleitoral e adotou o Sistema de Represen­ rantindo a terça parte da representação para tação Proporcional, acabando, assim, com o sufrágio das correntes minoritárias. A o voto distrital. preocupação dos defensores desta ·lei ainda Este breve comentário sobre a Trajetória era com os abusos aludidos pelo Imperador. do Voto Distrital é capaz de dar conta do A Lei Saraiva7 constituiu uma reforma conturbado processo político do Império e eleitoral que restabeleceu o distrito, criou a da Primeira República. As facções em luta eleição direta e o título de eleitor. Estes me­ valiam-se de qualquer artifício para não per­ canismos se revelaram um avanço significa­ der as eleições, a única vergonha reconheci­ tivo no amortecimento das várias formas de da por todos. fraude que sempre caracterizaram o proces­ As mudanças efetuadas na lei eleitoral ti­ so eleitoral brasileiro. nham o objetivo de ora garantir casuistica­ B) Na República mente a manutenção da ordem estabelecida 1) Lei Nº 35 de 26/05/1892 ora coibir a fraude. Estes movimentos se da­ 2) Lei Rosa e Silva vam ao sabor de mudanças nas relações po­ 3) Lei Bueno de Paiva líticas consubstanciadas em maior ou me­ 4) Lei Nº 21.076 de 24/02/1932 nor centralização. A Lei Nº 35 foi a primeira lei eleitoral da República e levou em consideração os se­ Os projetos de restabelecimento do guintes pontos: voto distrital10 a) O alistamento era preparado pelas Co­ missões Seccionais e organizado pelas Co­ Apesar de ter desaparecido com o Código missões Municipais; de 1932, vários parlamentares se pronun­ b) Os estados eram divididos em distritos ciaram ao longo do tempo trazendo a eleitorais de três deputados, que deveriam questão do voto distrital de volta à cena po­ ter, tanto quanto possível, populações lítica. iguais respeitando-se a antigüidade e inte­ Os projetos Edgar Costa, de 1958, e Mil­ gridade dos municípios; e ton Campos, de 1960, se assemelharam na

4 Euclides da Cunha comentando estas intenções fez alusão a um "elemento progressista" como sendo a causa territorial, ou seja, a organização regional de se contrapor ao centralismo de ordem governamental. Ver Helvécio de Oliveira Azevedo em Themistocles Brandão Cavalcanti. 5 O caráter de favor pessoal, o amortecimento das convicções políticas e o incitamento ao vício do processo eleitoral. Ver Helvécio de Oliveira ... (op. cit). 6 lista incompleta - poder votar em vários candidatos. Voto cumulativo - poder dar todos os seus votos a um único candidato. 7 A Lei leva o nome de seu criador- José AntOnio Saraiva (Conselheiro Saraiva). Ministro da Fazenda e Presidente do Conselho na época. 8 Em homenagem ao seu autor Francisco de Assis Rosa e Silva, Deputado Federal por Pernambuco, na Constituinte de 1891 - e Vice-Presidente da República no Governo de Campos Sales (1898- 1902). 9 Francisco Alves Bueno de Paiva, Senador da República (1910-1923). 10 Ver Sueli Caetano de Araujo. RBG 83 questão de promover uma eleição no distri­ sistema de representação distrital está as­ to eleitoral guardando-se, entretanto, o sociado ao Parlamentarismo, conforme de­ princípio da representação proporcional. clarações de parlamentares durante a vo­ Neste caso, a votação era levada a efeito no tação da matéria na Assembléia Constituin­ distrito, onde concorria um candidato por te, e certamente voltará à pauta. partido, mas os eleitos estavam sujeitos à aplicação do critério de quociente par­ tidário. O projeto de 1960 permitia que um mes­ METODOLOGIA - BASES mo candidato se inscrevesse em até três CONCEITUAIS E distritos, considerando-se válido somente OPERACIONALIZAÇÃO aquele onde fosse maior a sua votação. Os projetos Oscar Dias Correia, de 1963, Franco Montoro, de 1964, e de Gustavo "A instância econômica condiciona o pro­ Capanema, de 1969, propunham o sistema cesso eleitoral e tem sua representativida­ misto (parte majoritário, parte proporcio­ de, não existindo, necessariamente, relação nal). O primeiro mantinha a inscrição em direta entre as mesmas."11 Esta conside­ mais de um distrito, mecanismo que Monta­ ração teórica é o ponto de partida para se ra abandonou em seu projeto. O de Capane­ pensar as bases territoriais dos membros da ma era muito semelhante ao anterior, Câmara Fede·ral eleitos em seus estados, diferenciando-se, apenas, no que diz respei­ compondo as bancadas estaduais. Ao mes­ to à vinculação de votos para as Câmaras mo tempo, é a linha conceitual para se pen­ Federal e Estadual. sar o distrito eleitoral como um espaço da O projeto José Sarney, de 1 9 7 7, pleitea­ instância política, produzido por uma so­ va um distrito único nas regiões metropoli­ ciedade local, que utiliza o poder econômico tanas e instituía o voto distrital puro para as no processo eleitoral, mas que em sua re­ Câmaras Federal e Estadual. presentatividade político- partidária recebe O de Tarso Dutra, de 1979, voltava ao influxos das outras instâncias da totalidade sistema misto, mas mantinha a região me­ social, sobretudo o da ideologia dominante. tropolitana como distrito único. Se não há relação direta entre poder Três emendas constitucionais são de rele­ econômico e representatividade na Câmara vante importância: a de Nº 1/69 admitiu a Federal, deve-se partir para analisar e enten­ representação proporcional total ou parcial, der as outras condicionantes. Ao nível con­ sugerindo, assim, a volta ao voto distrital. ceitual, a indagação que se coloca é a de A Emenda Nº 22/82 alterou o art. 148 da que certos aspectos sociais, como o nível Constituição, que consagrava a represen­ de informação que o eleitorado possui ou a tação proporcional, implantando o sistema que tem acesso, as relações culturais, como misto majoritário e proporcional. de compadrio e de subordinação de vizi­ Finalmente, a Emenda Nº 25/85 extin­ nhança, são fatores tão atuantes quanto os guiu o voto distrital sem que ele sequer te­ do poder econômico no processo eleitoral. nha entrado em vigor. Foi mantido, entre­ Outro aspecto conceitual a ser pensado é tanto, o texto da Emenda Nº 1/69 admitin­ o de que se o distrito eleitoral é um território do a representação proporcional total ou com uma sociedade que o construiu, ele de­ parcial. ve expressar aquela sociedade em sua es­ Apesar de ter sido rejeitado na As­ trutura de classes, em sua evolução tempo­ sembléia Constituinte, este projeto não de­ ral, nas suas bases econômicas e relações ve ser descartado, porque, em 1993, como de produção específicas. Desta maneira, prevê a Constituição, haverá um plebiscito considera-se que o distrito eleitoral deverá em que os cidadãos deverão escolher a for­ ser constituído por um território com carac­ ma de governo, se Presidencialista, Parla­ terísticas econômicas e sociais comuns. Ele mentarista ou Monarquia Constitucional. O deve expressar uma identidade espacial,

11 Ver o estudo de David Fleischer. 84 RBG

descrevendo uma totalidade social a nível dos eleitorais serem acessados, rapidamen­ 2 locaP , -materializada pelas manifestações te. Desta forma, uma pesquisa direta no de interesses comuns. Nesta linha de idéias, Congresso Nacional foi feita com esta finali­ considera-se que a análise da organização dade, utilizando~se, também, o arquivo in­ do espaço geográfico como uma totalidade formatizado da bibliografia sobre voto distri­ social deva ser o fio condutor para a defi­ tal, sistema eleitoral e processo político• nição e delimitação dos distritos eleitorais, partidário no país. Outra tarefa necessária inserindo-se na Metodologia do Projeto. foi a de consultar o Tribunal Superior Eleito­ Há evidências empíricas de que no atual ral para se obter o resultado do cadastra­ sistema de representatividade política, isto mento eleitoral realizado em 1986, pois, pa­ é, através do voto proporcional, pelo menos ra cálculos de distrito eleitoral por número na Câmara Federal, há uma representativi­ de eleitores, era necessário ter o cadastra­ dade territorial. Os congressistas são elei­ mento eleitoral por município para todo o tos com votos oriundos de determinados Brasil. territórios. É o que se chama de bases terri­ Os contatos no PRODASEN levaram a se toriais dos congressistas. Desta forma, a in­ fazer modificações na metodologia opera­ vestigação do processo eleitoral e os resul­ cional. Só se poderia obter para análise e tados de um sistema eleitoral, isto é, de tratamento dos dados os resultados das uma eleição, poderão identificar as bases eleições de 1982. Isto porque os das elei­ territoriais das bancadas políticas na Câma• ções de 1986 ainda não tinham sido libera­ ra Federal. Entretanto, no recente sistema dos pelo Tribunal Superior Eleitoral até eleitoral brasileiro, isto é, durante o período aquela data (junho de 1987) e, por conse­ de exceções político-institucionais, a legis­ guinte, os arquivos com os resultados elei­ lação e o processo eleitoral sofreram suces­ torais ainda não haviam sido implantados. sivas intervenções casuísticas. Ele tem que Foram utilizados, assim, só os resultados ser repensado, a fim de que os estudos so­ das eleições de 1 982. Como era uma pes­ bre o processo político brasileiro possam quisa preliminar, cujo objetivo era testar responder às indagações teórico• uma metodologia, conceitual e operacional, conceituais expostas anteriormente. considerou-se que só se investigariam os re­ Ao nível da obtenção dos dados para a sultados eleitorais para uma Unidade da Fe­ metodologia operacional, fizeram-se algu­ deração. Optou-se pelo Estado do Rio de Ja­ mas opções. Primeiramente, o processo neiro, na expectativa de que, posteriormen­ eleitoral a ser analisado deveria ter como te, pudessem ser obtidos, no Tribunal Re­ marco inicial a eleição de 1982, que foi a gional Eleitoral do referido estado, os resul­ primeira após o término do bipartidarismo tados das eleições de 1986. Ao mesmo no Brasil, imposto ao sistema eleitoral du­ tempo, como a metodologia teórico• rante o recesso democrático no país. As­ conceitual exige, para a definição e delimi­ sim, procurar-se-ia trabalhar com os resulta­ tação dos distritos eleitorais, um conheci­ dos das eleições de 1982 e 1986. Isto per­ mento empírico da Unidade da Federação mitiria investigar o processo eleitoral para estudada em seus aspectos geográficos, a duas legislaturas e assim acompanhar a tra­ opção pelo Estado do Rio de Janeiro jetória eleitoral dos deputados federais, mostrou-se mais viável, em decorrência do avaliando suas bases territoriais, sua fi­ conhecimento que tem sobre este estado, liação partidária e a percepção do eleitorado como profissional e como cidadão, que vi­ dos espaços onde os deputados obtiveram vencia o processo político desenrolado no seus votos. A fonte de dados seria o Centro estado. de Processamento de Dados do Senado Fe­ Estava-se ciente de que o sistema eleito­ deral - PRODASEN, que dispõe de sistema ral vigente em 1 982 apresentava um de informação com arquivos dos resultados obstáculo para análise da pr~ferência do das eleições realizadas no Brasil. Este siste­ eleitorado pelos çandidatos, pois havia o ma apresenta possibilidades de os resulta- voto vinculado por partido. Assim, quem

12 Considera-se que a totalidade social não se refere, apenas, ao Estado - Nação. O conceito pode ser aplicado a diferentes escalas espaciais. Ver Aluizio Capdeville Duarte. RBG 85

votasse para governador ou deputado fede­ votos em determinados municípios. Foi fei­ ral num partido, teria que votar no mesmo to o mapeamento dos resultados, o que per­ partido para outros níveis de representativi­ mitiu delinear possíveis distritos eleitorais e dade política. Entretanto, este fato, que foi os deputados distritáveis. um dos casuísmos na legislação para 1982, Os dados em nível municipal foram agre­ não afetaria a metodologia operacional co­ gados, constituindo microrregiões políti• 14 mo um todo, porque só se iria investigar a cas • Este tratamento dos dados poderia composição da bancada estadual na Câma• fornecer indicadores para a definição de dis­ ra Federal para identificar as bases territo­ tritos eleitorais, complementando-se com o riais e os deputados distritáveis, através número de eleitores cadastrados e a popu­ dos eleitos. lação existente naqueles territórios. O PRODASEN forneceu três relatórios Desta forma, os resultados obtidos permi­ acessados do Sistema de Informações Elei­ tiram uma interpretação das bases territo­ torais - 1982. Os relatórios continham os riais da instância política do Estado do Rio resultados por totais do estado, candidatos de Janeiro e se chegar a uma proposta de por municípios e votação individual. Foram distritos eleitorais para o referido estado. selecionadas informações para a Câmara Federal, com resultados da votação dos eleitos por mun1c1p1o e por partidos. Utilizaram-se, também, o total de votos de BASES TERRITORIAIS DA todos os partidos, os votos em branco e nu­ BANCADA FLUMINENSE NA los por município. Um dos relatórios conti­ CÂMARA FEDERAL nha, também, a percentagem de votos obti­ dos pelos eleitos no total dos votos no mu­ nicípio. Nesta parte considera-se a instância polí• Para suprir a deficiência metodológica pe­ tica e suas bases territoriais, através dos la falta dos resultados das eleições de partidos e dos deputados eleitos em 1 982, 1986, utilizou-se a publicação do Centro de para a legislatura 1983-1987. Documentação e Informação, da Câmara 13 Ela será descrita em dois níveis espaciais, dos Deputados, de 1987 , que indica o subdivididos em "microrregiões políticas", perfil político-partidário e a biografia dos de­ de acordo com quadros e mapas. elabora­ putados eleitos em 1 986. dos. Uma escala é o Estado do Rio de Janei­ Para identificação das bases territoriais ro como um todo; a outra escala espacial da representação político-partidária do Esta­ será a da Região Metropolitana, agregado do do Rio de Janeiro e a percepção da pre­ espacial institucionalizado segundo a Lei ferência do eleitorado fluminense por parti­ Complementar que estabeleceu a fusão do dos e candidatos, elaboraram-se matrizes antigo Estado do Rio de Janeiro com o Esta­ descritivas utilizando os dados dos arquivos do da Guanabara. do PRODASEN. Uma das matrizes continha, nas linhas, os O território político-partidário do municípios e, nas colunas, os deputados fe­ derais eleitos por partido, com a percenta­ interior do Estado do Rio de Janeiro gem dos votos obtidos naquele município A análise das matrizes elaboradas e do no total de votos de todos os partidos. Esta Quadro 1 permite caracterizar o Estado do matriz indicava as bases territoriais dos de­ Rio de Janeiro, subdividido em áreas ou "re­ putados eleitos, a força e preferência dos giões" diferenciadas quanto à preferência partidos naqueles territórios. do eleitorado pelos partidos políticos e pelos Outra matriz era constituída pelos candi­ candidatos eleitos para a Câmara Federal datos que obtiveram mais de 50% de seus em 1982.

13 Há publicações da Câmara dos Deputados para as recentes legislaturas com o perfil biográfico dos Senadores e Deputados. No ano de 1987, a mesma foi editada sob o tftulo Assembléia Nacional Constituinte, 1987. 14 Muitas destas Microrregiões Políticas identificadas no Rio de Janeiro, neste estudo, reproduziam a Divisão Regional em Microrregiões Geográficas, projeto em desenvolvimento na DITER, em 1988. 86 RBG

Algumas questões conceituais, anterior­ área político-partidária bipolarizada pelos mente levantadas, encontram respostas partidos mais conservadores e tradicionais, quando confrontadas com os resultados elei­ herança dos partidos existentes no sistema torais. As áreas diferenciadas quanto à re­ bipartidário ARENA e MDB e, em um passa­ presentatividade político-partidária são ana­ do mais longínquo, dos partidos surgidos lisadas sob a ótica de sua estrutura com a redemocratização ocorrida em 1945, econômico-social, dos processos sociais aí a União Democrática Nacional - UDN e o decorridos ao longo do tempo, evidencian­ Partido Social Democrático- PSD. do características específicas que permitem A preferência do eleitorado por dois depu­ concluir que há um rebatimento espacial da tados na área, concentrando o número de instância política. votos válidos, com pequena dispersão de Em linhas gerais podem-se identificar três votos em outros candidatos não eleitos (ver grandes áreas ou "regiões" políticas no Es­ Quadro 1), indicou para um sistema de voto tado do Rio de Janeiro, excluindo o território distrital que os mesmos seriam deputados da Região Metropolitana que será analisado "distritáveis", isto é, tinham suas bases à parte. As três áreas são: o Norte do Esta­ territoriais claramente determinadas, eram do; o Médio Vale do Paraíba do Sul e a Peri­ políticos regionais no estado e tinham repre­ feria da Região Metropolitana. sentatividade federal, pois foram eleitos pa­ A primeira área ou "região política" cor­ ra o Congresso Nacional. responde aos territórios das "microrregiões A bipolarização nesta área fluminense po­ políticas" de lt~peruna, Miracema, Cam­ de ser explicada pela estrutura econômico• pos, Bom Jardim e Cantagalo (ver Quadro 1 social característica desse espaço geográfi­ e Mapa 1 ). Esta grande área do território po­ co. É área tradicionalmente agrícola, moder­ lítico fluminense era o espaço da ação políti• nizada tecnicamente, porém com relações ca de dois partidos - o Partido Democráti­ sociais de produção baseadas em estrutu­ co Social - PDS e o Partido do Movimento ras sociais arcaicas, vigentes há dois sécu­ Democrático Brasileiro - PMDB. Estas los. Algumas se destacam como as relações duas siglas partidárias obtiveram a pre­ de compadrio entre fazendeiros e trabalha­ ferência de mais de 65% do eleitorado, dores rurais. O arrendamento de terras, a quando se avaliam os resultados por micror­ existência de pequenos produtores depen­ regiões políticas. Aí, dois deputados fede­ dendo dos grandes proprietários para co­ rais, eleitos para a legislação de mercialização da produção, a presença de 1983-1987, tiveram a quase totalidade dos pequenos fornecedores de cana para as votos válidos do território: Carlos Peçanha, grandes usinas completam o quadro estru­ do PMDB, e Alair Ferreira, do PDS. Era uma tural com rebatimento na bipolarização par-

QUADRO 1 BASES TERRITORIAIS DOS PARTIDOS POlÍTICOS PELA REPRESENT ACÃO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO NA CÂMARA FEDERAL - ELEIÇÃO DÉ 1982

PERCENTA· PERCENTAGEM DE VOTOS DOS TOTAL DE MICRORREGIOES GEM DEVO- ELEITOS POR PARTIDOS VOTOS DA- TOS DE NÃO POLITICAS DOS(= 100) ELEITOS(%) PDT l PDS l PMBD I PTB I PT ltaperuna ...... 56 080 21,0 4,6 41,7 29,6 2,6 0,1 Miracema ...... 43196 22,1 1,5 38,3 36,8 1,2 0,1 Campos ...... 219 918 20,6 5,9 32,2 35,7 5,1 0,5 Bom Jardim ...... 20 643 30,2 1,6 40,8 26,2 1,0 0,2 Cantagalo ...... 27 639 20,4 2,4 36,0 37,3 3,8 0.1 Nova Friburgo ...... 91 954 33,7 8,0 27,9 23,0 6,4 1,0 Rio Bonito ...... 45 614 22,9 8,4 36,0 29,0 1,4 0,3 Cabo Frio ...... 76 409 27,6 3,4 30,7 31,9 5,9 0,2 Barra Mansa ...... 203 522 26,5 14,6 31,4 23,6 1,6 0,3 Barra do Piraí ...... 60066 25,0 8,7 33,2 29,5 3,5 0,1 Vassouras ...... 40 329 31,0 6,5 35,1 22,3 5,0 0,1 Três Rios ...... 49 597 13,5 5,7 33,9 36,3 10,5 0,1 Baía da Ilha Grande ...... 25 244 27,0 5,6 40,7 22,4 4,0 0.1 Metropolitana ...... 3 718 994 33,6 32,6 22,7 6,4 3,8 0,9 MAPA 1 ::D a:l ESTADO DO RIO DE JANEIRO C) BASES TERRITORIAIS DOS PARTIDOS POlÍTICOS REPRESENTAÇÃO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO NA CÂMARA FEDERAL - 1983-1987

ESCALA

~ ~ 1,6 24 , 32 40 Km 1 1 1 Q

N!! DE VOTANTES

------3.718.994

200.000

80000 40.000 20.643

PARTIDOS DOS ELEITOS PDT PDS :~~8

MicrorregiCio como base territorial PT --- de ogregoçõo de dados I Voto de candidatos nllo eleitos D de todos os partidos ClO..... 88 RBG

tidária e nos dois representantes eleitos pe­ sindicalizado, mais informado, obtendo re­ la área. Com exceção da cidade de Campos, sultados eleitorais bastante expressivos que tem expressiva população urbana, os nesta "região política" (ver Quadro 1 ). demais municípios têm pequenos centros As "microrregiões políticas" periféricas à onde as relações pessoais influenciaram a Região Metropolitana do Rio de Janeiro, co­ preferência do eleitorado. Vota-se nos ami­ mo Nova Friburgo, Rio Bonito, Cabo Frio e gos, nos compadres e não nos partidos e Baía da Ilha Grande, constituem uma outra suas plataformas políticas. região político-partidária com característi• A segunda área identificada, a do Médio cas semelhantes às que ocorrem na Região Vale do Paraíba do Sul, corresponde às "mi­ Metropolitana. Um fato apenas afasta seu crorregiões políticas" de Barra Mansa, Bar­ perfil político-partidário do espaço metropo­ ra do Piraí, Vassouras e Três Rios (ver Qua­ litano: o PDT não foi o partido da pre­ dro 1 ) e apresenta outras características ferência do eleitorado. Este ainda tinha, em político-partidárias. 1982, tendência a votar nos partidos e em Apesar do PMDB e do PDS ainda terem políticos conservadores. O PDS (ver Quadro obtido preferência do eleitorado, outros par­ 1) obteve acima de 27% da preferência do tidos de tendência progressista, como o eleitorado da área. A Microrregião de Nova Partido Democrático Trabalhista - PDT, ou Friburgo foi o território de maior dispersão com histórica tradição no Estado do Rio de de votos pelos partidos e por candidatos Janeiro, como o Partido Trabalhista Brasilei­ não eleitos. Esta área não apresentou carac­ ro - PTB, apresentaram resultados des­ terísticas de distrito eleitoral. Não houve um tacáveis. Não houve preferência por um ou deputado eleito que obtivesse, na área, vo­ dois candidatos na área como um todo; ape­ tação que permitisse considerá-lo como dis­ nas Barra Mansa deu a Denisar Arneiro, do tritável. Pode-se encontrar um rebatimento PMDB, 45% dos votos por ele obtidos para desta característica política com as estrutu­ ser eleito e Volta Redonda contribuiu para a ras espaciais. eleição de Julio Caruso, pois, lá, este obte­ Este território político apresenta estrutura ve 24,6% do total de seus votos. econômico-social bastante diferenciada. Nesta área político-partidária do Estado Apesar de ainda existir grandes proprieda­ do Rio de Janeiro, a característica principal des rurais, estas dedicam-se à criação ex­ é a dispersão dos votos por vários candida­ tensiva ou a culturas permanentes. Ambas tos e partidos, com elevada percentagem de as atividades não exigem mão-de-obra nu­ votos válidos obtidos por candidatos não merosa. Nelas as relações de compadrio são eleitos. Não é área com nítida preferência pouco nítidas entre patrão e empregado. por candidatos distritáveis, com exceção de Por outro lado, existe uma pluralidade de Denisar Arneiro que tem suas bases territo­ pequenos produtores, de características co­ riais e por ela foi reeleito em 1986. loniais, como em Nova Friburgo, muito rela­ Pode-se procurar entender estas caracte­ cionadas aos centros urbanos que se indus­ rísticas políticas relacionando-as com a es­ trializaram ou se tornaram centros de servi­ trutura espacial. Área bastante urbanizada, ços para a atividade de turismo e lazer. Os com sua economia baseada na produção in­ loteamentos de antigas fazendas e de sali­ dustrial, pequena população rural dedicada nas incentivaram uma nova forma de ocu­ à pecuária leiteira, é uma "região" mais po­ pação da população rural: a de "caseiros". litizada pela presença de sindicatos, maior Estes empregados permanentes são in­ acesso à informação, maior proximidade da fluenciados por seus patrões, que vivem na metrópole carioca. As relações pessoais en­ cidade do Rio de Janeiro e em Niterói. Estes tre eleitorado e candidato são dificultadas não estão vinculados à política local. São de pela massa populacional, pelas atividades diferentes tendências partidárias e podem urbanas complexas e pelas ocupações pro­ informar e opinar na preferência do eleitora­ fissionais diversificadas. As relações de do local, representado por esta população compadrio são mais tênues. Os novos parti­ de trabalhadores que lhes serve. De certa dos, com suas plataformas como o PDT, forma, o espaço periférico à região metro­ passam a atrair a preferência do eleitorado politana tem um comportamento político- RBG 89

partidário diferente do das demais áreas ou tadual. O PDS e o PTB alcançaram expressi­ "regiões políticas", anteriormente analisa­ va preferência do eleitorado no território das. Ele constitui uma transição do compor­ metropolitano, obtendo entre 72% e 78% tamento do eleitorado entre o interior agrí• de seus votos totalizados no estado. cola e o espaço urbanizado da metrópole ca­ Ao nível da totalidade territorial, em valo­ rioca. res absolutos e relativos, os resultados obti­ dos pelo PMDB, em 1982, evidenciaram A região metropolitana como um que ele não era o partido de preferência dos território político-partidário eleitores fluminenses, pois alcançou, ape­ nas, 521 008 votos que representavam O território da Região Metropolitana do 16,35% do total dos votos dados aos can­ Rio de Janeiro com seus quinze municí• didatos eleitos. Se considerarmos os votos pios 15 (ver Mapa 2) contribuiu, em 1982, dos eleitos pela região metropolitana, a com 77,4% dos votos válidos para a com­ contribuição do PMDB foi ainda mais inex­ posição da bancada fluminense na Câmara pressiva, pois alcançou somente 9,60% do Federal (ver Quadro 2). Da mesma forma, total dos votos que elegeram os represen­ ela concentrou a preferência do eleitorado tantes fluminenses na Câmara Federal. pelo PDT. Este partido e o PT obtiveram na Quando se desdobra a análise dos resul­ região metropolitana a quase totalidade tados da eleição de 1 982 pelos segmentos (mais de 90%) dos votos que os eleitores espaciais da região metropolitana, como do estado lhes deram no total geral dos vo­ são apresentados no Quadro 3, surgem di­ tos válidos. O PMDB, aí, teve pequena ex­ ferenciações quanto à preferência dos elei­ pressão relativa, apenas 45,5% do total es- tores por partidos e por candidatos.

MAPA 2 ESTADO DO RIO DE JANEIRO BASES TERRITORIAIS DOS PARTIDOS POlÍTICOS AS DIFERENCIAÇÕES ESPACIAIS NA REGIÃO METROPOLITANA N• DE VOTANTES

90 000 ~- 6252!

PARTIDOS DOS ELEITOS

PDT PDS PMDB PTB PT

r-I Voto de condu:lotos não elEIItos ,, •••••• Região metropolitano doR•o de Joneoro I detodososportodos L__j

15 Conforme a Lei Complementar n q 20. de 1 12 de julho de 1974, que estabeleceu a fusão dos Estados da Guanabara e Rio de Janeiro. 90 RBG

QUADRO 2 BASES TERRITORIAIS DA REPRESENT ACÃO PARTIDÁRIA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO NA CÂMARA FEDERAL - ELEIÇÃO DE 1982

PARTICIPACÃO DA REGIÃO METROPOLITANA NÓ CONJUNTO DO ESTADO DISTRIBUIÇÃO DOS VOTOS Região Metropolitana Total do Estado (= 100) Absoluta I Relativa (%) Total de votos ...... 4 679 879 3 718 994 79,5 Total de votos dos eleitores por partidos ...... 3 187 425 2 467 179 77,4 PDT ...... 1 283 865 1 210 925 94,3 PDS ...... 1 165 726 845 159 72,5 PMDB ...... 521 008 236 832 45,5 PTB ...... 180 812 141 542 78,3 PT ...... 36 014 32 721 90,9

QUADRO 3 BASES TERRITORIAIS DOS PARTIDOS POlÍTICOS PELA REPRESENT ACÃO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO NA CÂMARA FEDERAL - ELEIÇÃO DÉ 1982

REGIÃO METROPOLITANA DO RIO DE JANEIRO (As diferenciações intra-regionais) A REGIÃO E SEUS Percentagem Percentagem de Votos dos SEGMENTOS ESPACIAIS Total de Votos de Votos Eleitores (%) (= 100) de Não-eleitos (%) PDT I PDS I PMDB I PTB .I PT

REGIÃO ...... 3 718 994 33,6 32,6 22,7 6,4 3,8 0,9 Município do Rio de Janeiro 2 305 073 33,5 35,6 19,5 6,8 3,4 1,2 Baixada Fluminense ...... 754 323 37,9 35,5 21,9 2,5 2,0 0,2 Zona de Niterói ...... 506 381 27,4 20,0 40,9 4,4 6,5 0,8 Município de Petrópolis ...... 90 696 36,5 9,7 8,1 31,9 13,5 0,2 Segmento restante ...... 62 521 34,7 18,3 25,3 17,3 4,3 O, 1

De imediato, conclui-se que o eleitorado nanceiro a políticos, sem distinção de ideo­ da Baixada Fluminense, o tradicional ter­ logias político-partidárias. Sabe-se, ritório dos Municípios de Nova Iguaçu, Du­ também, que aquelas mesmas pessoas fa­ que de Caxias, Nilópolis e São João de Meri­ zem parte de direção de escolas de samba e ti, se bipolarizou por partidos de ideologias que políticos e candidatos aí têm suas bases antagônicas, pelo menos como se apresen­ partidárias. tavam em 1982, isto é, o PDT e o PDS. Apesar de os eleitores da Baixada Flumi­ Há evidências empíricas de que o eleitora­ nense serem trabalhadores de baixa renda, do brasileiro vota muito mais em pessoas do em 1982 não se sentiram atraídos pelos que em políticos e nas ideologias par­ programas do PT e de seus candidatos. Este tidárias. As plataformas eleitorais e os pro­ partido teve baixa aceitação junto aos mo­ gramas partidários não são bem conhecidos radores da Baixada Fluminense. A pre­ pelos eleitores. ferência destes foi pelo candidato Agnaldo É de domínio público que pessoas vincu­ Timóteo, do PDT, que foi eleito com ladas à contravenção do jogo dão apoio fi- 503.455 votos e 89% destes foram dados RBG 91

pelo Municípios do Rio de Janeiro e da Bai­ veira, nos municípios do antigo Estado do xada Fluminense. Rio de Janeiro. Na denominada Zona de Niterói, consti­ O PTB só não teve expressão no território tuída pelo município e sua periferia imediata metropolitano no segmento da Baixada Flu­ (São Gonçalo, ltaboraí, Maricá e Magé), a minense, espaço, desde a década de 40, preferência foi pelo PDS, partido do en.tão muito vinculado à metrópole carioca, que candidato Moreira Franco, que ficou em se­ em 1982 deu sua preferência ao PDT, que gundo lugar nos resultdos finais. Pode-se obteve 35,6% do eleitorado. entender o fato também porque o PDS era o partido liderado por Amaral Peixoto, de grande "cacife" eleitoral no antigo Estado OS DISTRITOS ELEITORAIS do Rio de Janeiro e sogro do referido candi­ PROPOSTOS dato. É preciso lembrar, ainda, que Moreira Franco tinha sido prefeito de Niterói e ali ti­ nha suas bases eleitorais sedimentadas. O PDS alcançou, na "Zona de Niterói", Na Parte 2 deste documento foi esclareci­ 40,9% da preferência do eleitorado, en­ do que há dois tipos de sistema distrital de quanto que o PDT obteve a metade dos vo­ representatividade. O mais comum é o sis­ tos, 20%. O PTB, partido de Getúlio Vargas tema puro, isto é, através do voto distrital é e Roberto da Silveira, teve expressiva pre­ feita a composição da Câmara Federal. Ca­ ferência neste território eleitoral, comparan­ da deputado é eleito por um distrito. O outro do com outros segmentos espaciais, tanto sistema é o misto. A representação é feita metropolitano como estadual. cinqüenta por cento pelo voto distrital e o O Município de Petrópolis teve um perfil restante pelo proporcional. diferente das demais partes da Região Me­ Neste estudo considerou-se o voto distri­ tropolitana. Foi onde o PMDB teve a pre­ tal puro e conceituou-se que o distrito elei­ ferência dos eleitores em todo o território toral é um determinado território constituído metropolitano, alcançando 31,9% do total por um ou mais municípios contíguos, con­ dos votos válidos de todos os cinco parti­ tendo um número médio de eleitores, sendo dos. O PTB, aí obteve o segundo lugar com a média variável para cada Unidade da Fe­ 13,5%, distanciando-se muito do PDT e do deração. PDS. Não houve um candidato à Câmara Fe­ No caso do Estado do Rio de Janeiro o deral que se destacasse na preferência do eleitorado médio foi determinado eleitorado petropolitano. O mais votado foi considerando-se, segundo a legislação elei­ Leônidas Fernandes do PMDB que, aí, obte­ toral da época (1987), que o número de re­ ve 18,7% de seus votos em todo o estado. presentantes da bancada fluminense na A vinculação partidária pode explicar a ex­ Câmara Federal era de 46 cadeiras. pressiva preferência pelo PMDB porque o Para determinar a média de eleitores por prefeito eleito era do PMDB e os votos da­ distrito, dividiu-se o número de eleitores ca­ dos a este partido para a Assembléia Legis­ dastrados no total do estado em 1986 lativa foram muito numerosos, se bem que (7 138 362 cidadãos) pelo número de ca­ pulverizados por vários candidatos não elei­ deiras na Câmara, para a bancada estadual tos. (46). O eleitorado médio foi de 155 182 O segmento espacial restante, abrangen­ eleitores. do Mangaratiba, ltaguaí e Paracambi, deu A legislação eleitoral, então em vigor, pre­ uma pequena margem de preferência pelo via uma variação de 1 5% para mais e para PDS que obteve 25,3% dos votos válidos. menos a partir da média estadual, isto para O eleitorado se dispersou votando tanto no atender às peculiaridades sociais da Unida­ 16 PDT como no PMDB. Igualmente votou no de da Federação • PTB, confirmando a tradição do trabalhismo A base teórico-conceitual formulada nes­ muito ligado à memória de Roberto da Sil- te estudo considerou que o território distri-

1e Ver a Dissertação de Mestrado de lcléa Hauer da Silva, sob o título O Voto Distrital, submetida à banca examinadora da Faculdade de Direito da Univer­ sidade Federal do Rio de Janeiro e aprovada em Dezembro de 1985. 92 RBG

tal deveria ser uma unidade espacial enten­ dos e delimitados tais distritos? A metodo­ dida como uma totalidade social. Como tal, logia utilizada neste documento e que se re­ o distrito eleitoral deveria expressar uma or­ fere à Unidade da Federação como um todo ganização espacial onde as instâncias poderia ser aplicada a um município que se­ econômica e política interagissem e a socie­ ria subdividido em distritos? O município, dade, que aí se moldou ao longo do tempo, por suas dimensões demográficas, formasse uma unidade com contrastes so­ econômico-financeiras e sociais, passaria a ciais que teriam rebatimento no espaço dis­ ter a hegemonia política na Unidade da Fe­ trital e poderiam ser submetidos à análise deração. O que seria da representação da empírica. população interiorana na política estadual. Nesta linha metodológica, ao definir um representada na Câmara Federal? Ao nível distrito, o mesmo deveria ser submetido às intra-estadual estaria acontecendo uma re­ análises da estrutura econômica, social e presentatividade que foi evitada até agora, política. Este estudo enfatizou a instância ao nível da Federação. política, vista sob a ótica dos resultados das Estas questões são levantadas e poderão eleições de 1982, utilizando como parâme• ser temas de outras pesquisas e estudos em tro a composição da bancada fluminense áreas acadêmicas, mas que terão im­ por partidos e candidatos. A existência de portância fundamental para a sociedade ci­ outros estudos, já publicados sobre a estru­ vil brasileira como um todo, quando chegar tura econômico-social e sobre os processos o momento do plebiscito previsto na Consti­ sociais ocorridos no Estado do Rio de Janei­ tuição recém-promulgada. ro, tornou desnecessárias as análises empí• Nosso estudo poderá subsidiar a Justiça ricas destes elementos metodológicos para Eleitoral para tomadas de decisão, indepen­ a identificação de espaços geográficos que dentemente das particularidades e interes­ poderiam ser distritos eleitorais. Eles foram ses partidários, para se tentar evitar, no Bra­ utilizados para atender o objetivo final do sil, o que tem acontecido em países onde o projeto, isto é, fazer uma proposta para o voto distrital foi adotado e onde o conceito Estado do Rio de Janeiro de distritos eleito­ de distrito eleitoral se relacionava apenas rais, segundo uma metodologia em que a aos elementos numéricos da população elei­ instância política fosse um rebatimento da toral. Os interesses político-partidários às organização do espaço geográfico. vezes não explicitados, em alguns países e Desta forma, identificaram-se distritos em determinados momentos, prejudicaram eleitorais e suas delimitações, não apenas a uma forma de representação que para mui­ partir da média eleitoral do estado. Utilizou­ tos cientistas políticos é a mais democrátiêa se este parâmetro, com as variações previs­ e na qual o cidadão, como eleitor, tem um tas por lei, mas, sobretudo, consideraram­ contato direto sobre seu representante se as características econômicas, sociais e na Câmara Federal. observando-o, orien­ preferência político-partidária dos municí• tando-o e, sobretudo, defendendo os pios fluminenses segundo a eleição de interesses comunitários de segmentos es­ 1982. paciais. O Quadro 4 descreve a proposta elabora­ A instância política sinaliza para uma re­ da com número de distritos e seus municí• presentação capaz de desenvolver a prática pios. O Mapa 3 permite a visualização da da cidadania. Esta impõe um melhor conhe­ mesma. cimento da realidade social, econômica e Alguns aspectos da proposta merecem, à política para que seja verdadeiramente efi­ guisa de conclusão, um destaque para re­ caz o exercício da participação nas grandes flexão pelos interessados na questão do vo­ decisões da sociedade civil, representada to distrital e sua implantação no país. por todos os seus segmentos. No caso dos municípios de grande popu­ A Geografia pode participar nesta linha de lação e eleitores, como é o caso do Municí• reflexão e o IBGE pode informar, como se pio do Rio de Janeiro que seria representado tentou mostrar neste estudo, contribuindo por 21 deputados federais e que teria 21 para as decisões futuras dos cidadãos brasi­ distritos eleitorais, como seriam identifica- leiros. RBG 93

QUADRO 4 ESTADO DO RIO DE JANEIRO - SIMULAÇÃO DE DISTRITOS ELEITORAIS

DISTRITOS ELEITORAIS ELEITORES MUNICÍPIOS INTEGRADOS EM 1986 Quantidade l Denominação

21. Rio de Janeiro ...... Rio de Janeiro ...... 3 624 870

04. Nova Iguaçu ...... Nova Iguaçu ...... 609 113

02. São Gonçalo ...... São Gonçalo ...... 377 303

02. Duque de Caxias ...... Duque de Caxias ...... 338 007 02. Niterói ...... Niterói ...... 282 586

02. Campos ...... Campos - São João da Barra ...... 245 707

01. São João de Meriti ...... São João de Meriti ...... 228 172 01. Petrópolis ...... Petrópolis ...... 141 966

01. Volta Redonda...... Volta Redonda ...... 130 050

01. Nilópolis ...... Nilópolis ...... 96 749 01. ltaboraí...... ltaboraí- Magé - Maricá ...... 188 188

01. Sul Fluminense...... ltaguaí - Mangaratiba - Paracambi - Angra

dos Reis - Parati ...... 116 627 01. Região dos Lagos...... Saquarema - Araruama - São Pedro da Aldeia

-Cabo Frio ...... 130 988

01. Rio Bonito...... Rio Bonito - Cachoeiras de Macacu - Silva Jar­ dim - Casimira de Abreu - Conceição de Ma-

cabu - Maca é ...... 132 799 01. Norte Fluminense...... São Fidélis - ltaocara - Cambuci - Santo Antô• nio de Pádua - Miracema - Laje do Muriaé - ltaperuna - Natividade - Porciúncula - Bom Jesus do ltabapoana ...... 166 287 01. Baixo Médio Paraíba...... Paraíba do Sul - Três Rios - Sapucaia - Sumi­ douro - Carmo - Cantagalo - Duas Barras - Cordeiro - São Sebastião do Alto - Bom Jar­ dim - Trajano de Morais - Santa Maria Madale- na ...... 145 258 01. Médio Paraíba ...... Rio das Flores - Valença - Barra do Piraí - Vas- souras - Mendes - Engenheiro Paulo de Frontin - Miguel Pereira ...... 163 652 01. Barra Mansa...... Resende- Barra Mansa - Rio Claro - Piraí ...... 155 753 01. Serrana ...... Teresópolis -Nova Friburgo ...... 144 535 CD MAPA 3 ~ ESTADO DO RIO DE JANEIRO DISTRITOS ELEITORAIS SIMULAÇÃO SEGUNDO CADASTRAMENTO DE 1986

c;; ~p

ESCALA

o a 16 24 32 40Km I I I I I ' _, Cll::J:J Q RBG 95

ANEXO 1 Voto proporcional - n2 de cadeiras por partido eleição para a Câmara Federal - 1982 - RJ VOTOS VÁLIDOS = DADOS AOS PARTIDOS +VOTOS EM BRANCO

Votos válidos em 1982 - 5 167 541

PDT 1 581 636 PTB 501 027 PDS 1 399 748 PT 140 366 PMDB 1 057 102

- Quociente eleitoral

votos válidos votos dados ao partido X n 2 de cadeiras quociente eleitoral votos válidos

1 581 636 501 027 PDT 14 PTB 4 112 337,84 112 337,84 1 399 748 140 366 PDS 12 PT 112337,84 112 337,84 1 057 102 PMDB 9 112 337,84

ANEXO 2 Voto proporcional - n 2 de cadeiras por partido - eleição para a Câmara Federal - 1982 - RJ

MECANISMOS DAS SOBRAS PARA 6 CADEIRAS RESTANTES

votos dados ao partido a) M ÉDIA = ------"------­ b) MÉDIA • n 2 de cadeiras conquistadas + 1 2

1 581 636 1 399 748 PDT = 105 442.4 (32) + 1. PDS = 99 982 (5+) + 1. 15 14 1 399 748 1 057 102 PDS = 107 672,92 (1 2) + 1. PMDB = 96 100 13 11 1 057 102 1 581 636 PMDB = 105 710,2 (22) + 1. PDT = 98 852 (6 +) + 1. 10 16 501 027 501 027 PTB = 100 205,4 (42) + 1. PTB = 83 504 5 6 140 366 140 366 PT = 70 183 PT = 70 183 2 2

Nota: As cadeiras são preenchidas por aqueles que obtiverem a maior média. O PT obteve média abaixo daquelas obtidas pelos demais partidos, mesmo quando da aplicação da segunda rodada de cálculo, razão pela qual não conseguiu nenhuma das seis cadeiras restantes. 96 RBG

BIBLIOGRAFIA

ARAUJO, Sueli Caetano de. Os Projetos de Restabelecimento do Voto Distrital no Brasil. Relatório de Pesquisa DEGEO/DITER. Arquivo Técnico da DITER jan./88. Datilografado. BRASIL - Assembléia Nacional Constituinte - 1987. Repertório Biográfico dos membros da As­ sembléia Nacional Constituinte de 1987. Brasília. Câmara dos Deputados. Coordenação de Publicações. 1987. 796 p. CAVALCANTI, Themístocles Brandão. O Voto Distrital no Brasil: Estudo em torno da viabilidade de sua adoção. FGV. Rio de Janeiro. 1975. DUARTE, Aluizio Capdeville. O Conceito de Totalidade Aplicado à Identificação de uma Região. Revis­ ta Brasileira de Geografia 50 (2): 99-106, abr./jun., Rio de Janeiro. 1988. FAORO, Raimundo. Os Donos do Poder: formação do Patronato Político Brasileiro. 6~ ed. Ed. Globo. Rio de Janeiro. 1984. 750 p. FLEISCHER, David. O Regionalismo na Política Brasileira: As Bancadas Nordestinas na Câmara Fede­ ral (1983). Rev. Cienc. Pol. 28(1 ): 3-25. Rio de Janeiro. Fundação Getúlio Vargas. 1985. LEAL, Vitor Nunes. Coronelismo, Enxada e Voto: O Município e o Regime Reapresentativo no Brasil. 5 ~edição. Ed. Alfa - Omega. Rio de Janeiro. 1986. 276 p. REVISTA de Informação Legislativa. Abr./jun. 1983. Ano 20. N ~ 78. SILVA, lclea Hauer. O Voto Distrital. Dissertação de Mestrado submetida à Banca examinadora da Fa­ culdade de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro e aprovada em dez. 1985. Inédi­ to. Cópia xerox.

RESUMO

O presente estudo tem por objetivo tecer considerações no sentido de fornecer subsídios e orientar a Justiça Eleitoral no estabelecimento de critérios para a definição e delimitação dos distritos eleito­ rais. A relevância do tema diz respeito ao fato de que o distrito eleitoral é um agregado espacial, mere­ cendo, portanto, a atenção da área da Geografia. Em sua conclusão apresenta uma proposta de distri­ tos eleitorais para o Estado do Rio de Janeiro, à luz da metodologia apresentada. RBG 97

MOVIMENTOS SOCIAIS URBANOS: AS ASSOCIAÇÕES DE MORADORES, DE FAVELAS DO MUNICIPIO DO RIO DE JANEIRO*

Maria Therezinha Segadas Soares**

O número, a dimensão e a intensidade pressão e de peso político-eleitoral, inver­ das mobilizações populares urbanas têm au­ tendo a ordem estabelecida. Na base do mentado em vários países. Essas mobiliza­ movimento coletivo dos favelados está a ções constituem uma nova forma de confli­ necessidade de morar e de reivindicar me­ to social, ligada diretamente à organização lhor qualidade de vida para seu lugar de mo­ coletiva do modo de vida. radia. "Desemboca-se na exigência histori­ Assiste-se, assim, ao surgimento e gene­ camente definida de uma série de direitos à ralização de movimentos sociais urbanos, vida (casa, serviços, saúde, cultura, etc.) sendo que um deles - o que se vai analisar cujo tratamento social, à medida que trans­ - é a mobilização dos favelados e o apare­ corre o tempo, se torna cada vez mais cole­ cimento de associações de moradores de tivo e interdependente" (Castells, 1974). favelas e, até mesmo de uma Federação de Associações. "Elas constituem um sistema de práticas sociais contraditórias que con­ O MOVIMENTO SOCIAL URBANO trovertem a ordem social estabelecida, a partir das contradições que apresentam" (Castells, 1974). Segundo Castells (1974),, o movimento Numa sociedade regida por leis que prote­ social urbano resulta da coincidência de três gem a propriedade da terra, uma população elementos fundamentais: numerosa e de baixa renda se instala nessa a) Um conteúdo social sem ambigüidade. terra e, apesar das tentativas de expulsão e b) Uma base social homogênea. remoção, ela resiste, de modo variado, a es­ c) Uma organização política, cujos militan­ sas ações e se torna, com o tempo, tão nu­ tes vivem no local, assumem a coordenação merosa que passa a ser um grupo de da luta e estão vinculados à base social.

* Recebido para publicação em 20 de junho de 1989. * * Professora Adjunta do Instituto de Geociências da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ. Pesquisa patrocinada pelo CNPq. R. bras. Geogr., Rio de Janeiro, 51 (4): 97-108, out./dez. 1989 98 RBG

Estes três elementos serão analisados no de residência e/ou comércio e indústria coe­ decorrer do trabalho em relação ao movi­ xistem, gozando, assim, das vantagens lo­ mento das associações de moradores de fa­ cacionais que estas áreas lhes oferecem velas. (mercado de trabalho, serviços e transpor­ a) A existência de um conteúdo social te). As favelas do rio, devido às peculiarida­ sem ambigüidade, isto é, onde os diversos des do relevo, constituem múltiplas "perife­ atores são claramente identificados. rias" de baixa renda ao lado de vários No caso em pauta, de um lado estão os "núcleos" da cidade legal. Das 377 favelas proprietários ou pseudo-proprietários de da cidade do Rio de Janeiro (Classificação áreas urbanas, ocupadas pelos favelados, das Aglomerações de Baixa Renda do Muni­ inclusive o Estado-proprietário. Do outro la­ cípio do Rio de Janeiro, 1982, v. Bibliogra­ do, uma massa crescente de população ca­ fia), só dez estão afastadas da área urbani­ rente, em busca de um teto, que constrói zada ou de sua vizinhança imediata, suas habitações em terrenos dos quais não situando-se essas próximo aos valões da é proprietária. Um grande peso é dado ao planície costeira. Estado que, de incício, considerou a favela Algumas considerações serão feitas so­ como um •aglomerado temporário e, ao bre o crescimento, o número e a localização constatar que, não só era permanente, mas das favelas no Rio de Janeiro. A favela é que crescia cada vez mais, atuou contra ou bem antiga no Rio, sendo que, em 1920, já a favor dos favelados, conforme as diretri­ eram assinaladas 20 favelas (Parisse, zes políticas do momento. 1969; Abreu, 1987) nas seguintes RAs b) Uma base social homogênea que, aos atuais: Portuária, Rio Comprido, Botafogo, poucos, vem aumentando o seu grau de Copacabana, Lagoa, São Cristóvão, Tijuca, conscientização e de mobilização na defesa Vila Isabel e Ilha do Governador, isto é, no de seu teto. núcleo da cidade, onde se encontrava a indústria de construção, o comércio e os Essa população, que hoje atinge mais de serviços. A população favelada instalava­ 750 mil pessoas e 377 favelas (Classifi­ se, então, próxima a essas áreas, conjugan­ cação das Aglomerações de Baixa Renda do do emprego e moradia e para isso contribuía Município do Rio de Janeiro, 1982, v. Bi­ bliografia), é oriunda da própria cidade ou o sítio da cidade. A partir de então, as favelas se expandi­ da migração que para ela se dirige ou já se ram, tanto em número como em área de dirigiu em décadas passadas. Assim, no es­ ocorrência, atingindo em 1987 (IPLAN-RIO) paço urbano da cidade do Rio de Janeiro um total de 4 78 favelas. pode-se reconhecer a existência de um "es­ Toda a planície norte, pontilhada de mor­ paço legal", onde a propriedade do solo é rotes, as encostas do Maciço da Tijuca e os condição imprescindível e um "espaço ile­ pequenos maciços do litoral atlântico viram gal", que é também parte integrante do es­ aumentar o número de favelas. Ao mesmo paço da cidade. O "espaço ilegal" é consti­ tempo, as favelas proliferavam e cresciam tuído pelas favelas, caracterizadas, em na zona sul, acompanhando a expansão da 1980, pelo IBGE como aglomerados urba­ cidade nesta direção. Hoje são encontra­ nos especiais, onde a população não possui das, também, na Barra da Tijuca, Baixada a propriedade da terra e existe grande pre­ de Jacarepaguá e Baixada de Sepetiba (Ta­ cariedade de infra-estrutura. bela 1 ). O sítio do Rio de Janeiro favorece a insta­ Essa tabela mostra que os períodos de lação destes aglomerados subnormais. maior proliferação de favelas, quer no Constituído de montanhas, de pequenos núcleo como na periferia, foram as décadas maciços rochosos litorâneos, de planícies de 40, 50 e 60, momento de grande cresci­ pontilhadas de morros e de numerosos rios, mento da cidade e de intensa migração para permitiu que as populações carentes se lo­ ela. O Censo de 1948 da Prefeitura do Dis­ calizassem nessas áreas desprezadas, em trito Federal mostra que 52% da população grande parte, pela "cidade legal". As fave­ favelada era constituída por migrantes. las procuraram sempre situar-se próximo a c) O embrião de uma organização política - áreas densamente ocupadas da cidade, on- a União dos Trabalhadores Favelados - RBG 99

TABELA 1 cação de Favelas (1950). Essas favelas fo­ ram as do Catumbi, Borel e Dona Marta, on­ NÚMERO DE FAVELAS NO E_SPAÇO de houve até luta armada contra a polícia. O URBANO EM DIFERENTES PERIODOS DE movimento favelado, assim, desde o início, OCUPAÇÃO- 1900-1981 caracterizou-se como um movimento social NÚMERO DE FAVELAS urbano, visando preservar a moradia no lo­ NO ESPAÇO URBANO cal em que ela se encontrava. "O efeito ur­ PERÍODOS bano (manutenção nos locais) e o efeito po­ Núcleo Periferia lítico (mobilização e organização dos habi­ tantes da favela) se reforçavam ou se debili­ TOTAL 117 260 tavam segundo uma dialética. Existe uma 1900 a 1920 14 9 regularidade do efeito político a partir da sa­ 1921 a 1930 16 14 1931 a 1940 17 34 tisfação ou do fracasso da reivindicação ur­ 1941 a 1950 22 49 bana, do nível de mobilização da população 1951 a 1960 21 63 e da organização" (Castells, 1974). Este 1961 a 1970 13 51 excelente trecho de Castells resume as con­ 1971a1975 5 13 dições para as fases de crescimento ou re­ 1976 a 1978 2 12 tração das Associações de Moradores, que 1979 a 1981 2 1 corresponderam a determinados momentos Sem informação 5 14 políticos e a relações de força em cada uma dessas fases. No decorrer do trabalho será FONTE - IPLAN-RIO, 1982. visto como essa correlação de forças foi im­ portante na evolução das Associações de Moradores do Rio de Janeiro (Tabela 2). UTF - as primeiras lutas. À medida que O embrião da organização coletiva dos fa­ proliferavam em toda a cidade as favelas, velados surgiu no Morro do Catumbi, na lu­ estas entravam em conflito com os pro­ ta daqueles contra a Ordem Terceira de São prietários de terras ou com a própria União, Francisco de Paula, proprietária do terreno. já começando a surgir grupos para lutar por Havia, aí, áreas vazias que chamaram a seus interesses unindo, inicialmente, um grande número de favelas - a União dos Trabalhadores Favelados - que iria estimu­ TABELA 2 lar a criação de Associações de Moradores em numerosas favelas. EXPANSÃO TEMPORAL DAS Não houve propriamente uma organi­ ASSOCIAÇÕES DE MORADORES 1920-1981 zação política coordenando a ação, mas vários elementos que pertenciam ao movi­ EXPANSÃO TEMPORAL mento sindicalista, já existente, que tinha DAS ASSOCIAÇÕES uma experiência de organização e luta. Mui­ DE MORADORES tos deles moravam nas favelas e se empe­ PERÍODOS Núcleo Periferia nharam na organização e difusão do movi­ (número de (número de mento associativo. associações) associações) É importante que o primeiro movimento coletivo em defesa das favelas não surgiu TOTAL 79 102 com o aparecimento de Associação de Mo­ radores em cada favela e, sim, com a 1920 a 59 9 4 criação de uma entidade de caráter mais 1960 a 64 19 12 amplo, que tentou reunir representantes de 1965 a 69 13 26 várias favelas: a União dos Trabalhadores 1970 a 74 5 7 1975 a 79 Favelados - UTF, cujo estatuto foi feito por 15 19 1980 a 81 14 34 um advogado - Dr. Margarinos Torres. Es­ ta entidade maior surgiu diante da ameaça Sem informação 4 de expulsão feita a várias favelas, decorren­ te da criação de uma Comissão para Erradi- FONTE - IPLAN-RIO. 100 RBG

atenção dos migrantes e dos removidos de Procurando um advogado que tinha fama de outras favelas da cidade, particularmente "amigo dos pobres" fizeram freqüentes do Morro de Santo Antônio. reuniões em casa dele. Aí foi criada, por su­ A primeira bandeira que polarizou os fave­ gestões do advogado Margarinas Torres, lados foi a luta pela bica de água. Inicial­ uma entidade que representasse os favela­ mente, eles procuravam os políticos para dos diante das autoridades - a União dos pedir a instalação de água e outras benfeito­ Trabalhadores Favelados - UTF. Várias rias. Em 1947, época da criação da Fun­ tentativas de expulsão foram realizadas dação Leão XIII, órgão religioso, objetivan­ contra o Borel, Quartel General da UTF. do o auxílio às populações faveladas, as au­ Margarinas Torres foi preso e o presidente toridades despertaram para o problema da UTF convocou os favelados para uma crescente das favelas. Até então, o morro passeata que polarizou grande multidão, era considerado como lugar de moradia pro­ com fai'xas, exigindo a libertação do advo­ visória pelos órgãos oficiais. Só com o pas­ gado. No meio da agitação, o presidente da sar do tempo, com as lutas das novas gera­ UTF também foi preso. O Borel era o núcleo ções pela permanência e melhoria do local, central da organização (UTF) havendo é que a favela começou a ser vista como núcleos (futuras Associações de Morado­ ameaçadora, sendo considerada um proble­ res) em Mata Machado, Santa Marta, ma para as autoridades e, também, para os Dendê, União, Juramento, Jacarezinho, especuladores imobiliários. Formiga, Cerro Azul, Brás de Pina, Morro Azul, Querozene, Catumbi, Providência, A repressão à favela começou a funcionar Pasmado, Esqueleto e Telégrafo. Cada fa­ com remoções, expulsões e prisões, sendo vela tinha seu presidente eleito e era filiada criados, como uma primeira solução para er­ àUTF. radicar as favelas, os parques proletários A partir daí, o movimento coletivo das fa- (três parques) em pleno Governo Vargas, o velas prosseguiu com altos e baixos, con­ que representou uma primeira tentativa de forme a política governamental e a própria política habitacional realizada por um gover­ disputa, entre as favelas, pelo poder. Enten­ no populista e autoritário. Com o aumento dimentos entre a Arquiodiocese e a Prefei­ do número de favelas, os políticos começa• tura fizeram com que a Fundação Leão XIII, ram a interessar-se pelas mesmas como fon­ de 1947 a 1957, pudesse atuar em 34 fave­ te de votos nos períodos eleitorais. O novo las, criando Centros de Ação Comunitária governo criou uma comissão para acabar (ambulatórios e escolas). Em 1955 surgiu a com as favelas, fazendo até mesmo um re­ Cruzada São Sebastião que além de cons­ censeamento das mesmas (1948). Nesta truir, para os favelados, um conjunto resi­ mesma época, a Ordem Terceira tentou a dencial em área altamente valorizada do Le­ expulsão dos favelados do Catumbi esses, blon, realizou melhorias em 12 favelas. juntar1do-se aos moradores do Morro de O interesse pelas favelas cresceria no iní• São Carlos, Coroa e outros, organizaram cio da década de 60 quando, no Governo uma passeata que teve bom resultado, pois Lacerda, o Coordenador de Serviços Sociais o governo, ainda apoiado em bases populis­ - Arthur Rios - ajudou a formar Associa­ tas, entendeu-se com a Ordem e sustou o ções de Moradores e assinou convênios de despejo. melhorias em 80 favelas. Com o estímulo A paz não durou muito, pois a Comissão dado pelo Coordenador, aumentava o para a Erradicação de Favelas, apesar de número de Associações de Moradores de sua inoperância devido a interesses políti• favelas. Passados quase dois anos de cos, era sem dúvida, uma ameaça. O esto­ atuação de Arthur Rios, que tratou as comu­ pim necessário para a criação de um orga­ nidades favelada-s como integradas à cida­ nismo de defesa dos favelados explodiu no de, várias favelas tiveram ligações de água, Borel no início dos anos 50. O terreno fora luz e as primeiras casas de alvenaria foram comprado pela Seda Moderna, o que trouxe construídas por favelados mais seguros de grande insegurança para os moradores des­ sua situação. Surgiu, então, um novo perso­ se morro. Aos favelados do Borel se junta­ nagem, o poder militar: dois coronéis pro­ ram os de outras áreas também ameaçadas. testaram em entrevistas a jornais, contra a 101

existência de favelas em terras do Exército, Administrações Regionais. Seguiram-se declarando que as associações de Arthur várias remoções de favelas principalmente Rios não passavam de aglomerados subver­ na zona sul (Favelas da Ilha das Dragas, Lar­ sivos - "Ligas Arturinas". go da Memória, Praia do Pinto, Catacumba A partir desse conflito, Arthur Rios come­ e outras), todas em áreas muito valorizadas, çou a perder o apoio do Governador Lacer­ com o protesto da Igreja, Imprensa e prisão da. Em entrevista coletiva aos jornais, Rios por 26 dias, de líderes favelados. declarou que "a idéia de acabar com as fa­ Durante três anos, ninguém quis assumir velas só terminará quando todos compreen­ a presidência da FAFEG, iniciando-se um derem que os favelados são organizados e período de Juntas Governativas, à frente da podem participar de qualquer empreendi­ Federação. Nesse ínterim, havia surgido a mento e quando não se encarar mais o mor­ CHISAM, que, pelo Decreto 870, de junho ro como sinônimo de criminalidade. As fa­ de 1967, reconhecia as Associações de velas não devem ser removidas. Os terre­ Moradores e seu papel de representantes nos particulares devem ser desapropriados das comunidades, junto ao Estado, mas ad­ gradualmente". Nesse manifesto foi profe­ vertia que, quando não fosse cumprido tizado o fracasso de Vila Kennedy, Vila qualquer dispositivo do estatuto ou quando Aliança e Vila Progresso, construídas pelo fosse apurado algum ato que desvirtuasse a Governador Lacerda, devido às prestações finalidade das mesmas, haveria inter­ a serem pagas e aos gastos com os trans­ venção. Muitas intervenções aconteceram portes. No dia seguinte, os jornais publica­ nas Associações de Moradores e esse foi vam a entrevista de Rios e, ao mesmo tem­ um período de não surgimento de novas po, a sua exoneração do cargo. As favelas (Tabela 2). do Rio entrariam em novo período de luta Só no f.im do regime militar é que as asso­ pelo direito de morar, o que se chocava com ciações ressurgiram em número e atuação, grande número de interesses. A nova coor­ tendo até sido organizado um grande con­ denadora, Sandra Cavalcanti, ainda no Go­ gresso das AMs, com remessa de uma pau­ verno Lacerda, começou as remoções com ta de reivindicações ao então Governador força total, iniciando-as com a remoção e Leonel Brizola. Esse já se havia declarado incêndio da Favela do Pasmado. favorável a uma Política de urbanização por Com o correr do tempo, a União dos Tra­ razões eleitorais e populistas. Pela magnitu­ balhadores Favelados foi-se enfraquecendo de do problema e o montante financeiro ne­ pelas próprias ações urbanizadoras anterio­ cessário para uma política de construção de res e lutas internas, dando lugar, em 1963, habitações populares, essa ação limitou-se à Federação das Associações das Favelas a uma modesta política de instalação de cer­ do Estado da Guanabara, num momento em tos serviços de consumo coletivo em algu­ que se temia qualquer forma de organi­ mas favelas. zação, pelo que ela pudesse trazer de ideo­ logia. A FAFEG foi acusada publicamente por ser composta por um grupo de comunis­ AS CÉLULAS DO MOVIMENTO: AS tas. ASSOCIAÇÕES DE MORADORES

Até agora se procurou mostrar como o A REVOLUCÃO DE 1964 E A movimento favelado preencheu as condi­ POLÍTICA DE CONTROLE DAS ções para que pudesse ser considerado um AMs Movimento Social Urbano, apesar de ter si­ do uma longa e difícil marcha no sentido de preservar o local de moradia dos favelados, A revolução de 64 esvaziou o papel políti• marcha com recuos e vitórias que, na reali­ co das AMs, ao mesmo tempo que eram to­ dade, ainda não terminou. A FAFERJ e as madas medidas visando o domínio das mes­ Associações de Moradores que a compõem mas, e colocando as associações sob o con­ realizaram mais um congresso em 1 984 e o trole da Secretaria de Serviços Sociais e das documento tirado termina assim: 102 RBG

"É necessário promover e controlar o solo feria do município, todas as RAs apresen­ urbano de maneira que beneficie a todos, tam cifras abaixo de 50% da AM, mostran­ tanto os pobres como os ricos, tanto os fa­ do mais baixo grau de associativismo que velados como os não-favelados. Acredita­ no núcleo (Tabela 3 e Mapa 1 ). mos que a infra-estrutura dos serviços urba­ Quanto à expansão espacial da AM do nos pode acompanhar a ocupação do solo Município do Rio de Janeiro, pode-se afir­ urbano, visto que faz parte da vida de uma mar que ela se deu do núcleo para a periferia cidade e é a cidade, por natureza, o lugar do município. Até 1964, 63,6% das AMs privilegiado da convivência humana.'' existentes estavam localizadas no núcleo e, Um dos temas mais enfatizados no a partir de então, a situação se inverteu, IV Congresso de Associações de Favelas, sendo que até 1982 (período de realização realizado em 1984, foi a necessidade do do cadastro do IPLAN), já se contavam não engajamento das entidades faveladas 56,3% de AM na periferia do município. A na política, posição difícil de ser mantida, multiplicação das Associações de Morado­ pois os próprios políticos tiveram como área res nessa periferia se explica, em parte, pela de sua maior propaganda eleitoral as asso­ própria expansão da "cidade legal" para es­ ciações e os favelados, nas recentes elei­ sa área e pelos problemas vivenciados com ções de 1985. Esse congresso da FAFERJ as remoções no núcleo. A defesa da favela reuniu os presidentes das Associações de contra as remoções e em prol da melhoria Moradores, assim como quem mais fosse da qualidade de vida foi a grande bandeira convidado. das associações que tiveram seu momento O grau de conscientização das AMs de maior surgimento em 60-64, no núcleo constatado é hoje muito grande, na tentati­ - 19 associações criadas - e em 65-69 na va de resolver os problemas da comunida­ periferia - 26 associações criadas -, de, apesar das constantes lutas intra­ número que cai para cinco no núcleo e sete ~ssociações. Hoje, as diretorias das AMs na periferia, em função do agravamento do fazem parte do Conselho-Comunidade das regime militar. Após a gradativa abertura Regiões Administrativas, às quais dirigem polftica do país, reergueu-se o movimento suas reivindicações e reclamações, que são associativista dos favelados com a criação encaminhadas aos órgãos competentes pe­ de 14 associações no núcleo e 34 na perife­ las Regiões Administrativas. Em 1987, qua­ ria, no período 1980/81 . tro grandes favelas - Rocinha, Jacarezi­ nho, Alemão e Maré - foram reconhecidas como Regiões Administrativas. Sem dúvi­ da, as Associações de Moradores Favela­ ESTUDO DA ATUACÃO INTERNA dos constituem hoje a base do movimento, DAS ASSOCIACÕES DE verificando-se, também, que há um maior MORADORES DÊ FAVELA grau de associativismo (criação de AM) no núcleo da cidade. À medida que vai se afas­ tando espacialmente deste núcleo, ocor­ As AMs das Favelas têm, como principais re uma diminuição do número de AMs. funções, definir os problemas e prioridades, As favelas situadas no núcleo apresentam, tentando buscar soluções mais adequadas quase todas, mais de 50% de associações, aos interesses da favela e representar a po­ em relação ao total de favelas. Esse alto pulação favelada perante os poderes públi­ grau de associativismo registrado nessa cos para a obtenção de melhorias, tais co­ área deve-se a esse núcleo ser o de maior mo: luz, água, entre outros. poder econômico e, também, de mais alto padrão cultural do município. Por serem es­ Além dessas funções básicas, as AMs sas favelas periferias imediatas dos vários das Favelas, tomam parte de outras bairros que constituem o núcleo, ocorre, aí, ocorrências do cotidiano das populações fa­ maior conscientização da população favela­ veladas, como a regulação de conflitos e di­ da e mesmo um certo efeito-demonstração. vergências de diferentes tipos entre os mo­ Já nas áreas mais distantes, isto é, na peri- radores, a prestação de várias modalidades RBG 103

TABELA 3 DISTRIBUIÇÃO DE FAVELAS E DE ASSOCIAÇÕES DE MORADORES SEGUNDO AS REGIÕES ADMINISTRATIVAS- 1981

DISTRIBUIÇ~O DE FAVELAS E DE ASSOCIAÇAO DE MORADORES REGIÕES ADMINISTRATIVAS Número Número de Rela- de Associações ti v o Nome I Número Favelas de Moradores (%) TOTAL 377 181 48,0 Portuária I 8 7 87,5 Centro 11 o -o o Rio Comprido 111 14 12 87,5 Bota fogo IV 12 8 66,6 Copacabana v 6 5 83,3 Lagoa VI 6 5 83,3 São Cristóvão VIl 15 7 46,6 Tijuca VIII 13 9 69,2 Vila Isabel IX 9 5 55,5 Ramos X 29 12 41,3 Penha XI 23 13 56,5 Méier XII 27 12 44,4 Engenho Novo XIII 27 9 33,3 Irajá XIV 11 5 45,5 Madureira XV 36 12 33,3 Jacarepaguá XVI 26 7 26,9 Bangu XVII 22 11 50,0 Campo Grande XVIII 12 4 33,3 Santa Cruz XIX 10 o o Ilha do Governador XX 18 12 66,6 Anchieta XXII 28 12 42,8 Santa Teresa XXIII 8 5 62,5 Barra da Tijuca XXIV 17 7 41 '1 FONTE - IPLAN-RIO, 1982. MAPA 1 FAVELAS É ASSOCIAÇÕES DE MORADORES POR REGIÕES ADMINISTRATIVAS

...... ·-·-

-~-·

:L... o

FAVELAS: CJ SEII ASSOCIAÇÃo -COII ASSOCIACÃo FONTE: IPLAN-RJO 104 RBG

de serviços, proporcionando a assistência barracos) - (Tabela 5) -,não se verificam social e até mesmo assistência jurídica. grandes diferenças entre núcleo e periferia, As Associações de Moradores agem no notando-:;e, entretanto, tendências ligeira­ Controle Urbanístico e no Controle das mente opostas. Na região do núcleo, de um Transações Imobiliárias nas favelas, sendo total de 79 associações, 43 ou 54,4% delas essas as suas mais importantes formas de exercem Controle Urbanístico e 30 ou atuação. 37,2% exercem controle sobre as transa­ Nas questões do Controle Urbanístico ções imobiliárias, ambos percentuais não (construção de novos barracos e aspectos muito altos, entretanto aí, cinco Regiões ligados à urbanização de favelas) - (Tabe­ Administrativas se destacam por terem per­ la 4) - e do Controle das Transações Imobi­ centagens bem acima dos valores já apre­ liárias (compra, venda, aluguel e reforma de sentados. Na questão do Controle Urbanís-

TABELA 4

CONTROLE URBANÍSTICO

CONTROLE URBANÍSTICO

Núcleo REGIÕES ADMINISTRATIVAS Total de Subtotal Favelas Absoluto j Relativo (%) TOTAL 79 43 54,4 I Portuária 7 1 14,2 111 Rio Comprido 13 6 46,1 IV Botafogo 8 4 50,0 V Copacabana 5 4 80,0 VI Lagoa 5 4 80,0 VIl São Cristóvão 8 5 62,5 VIII Tijuca 9 5 55,5 IX Vila Isabel 5 3 60,0 XX Ilha do Governador 12 8 66,6 XXIV Barra da Tijuca 7 3 42,8

CONTROLE URBANÍSTICO

Periferia REGIÕES ADMINISTRATIVAS Total de Subtotal Favelas Absoluto I Relativo(%)

TOTAL 102 40 39,2 X Ramos 12 3 25,0 XI Penha 13 6 46,0 XII Méier 12 6 50,0 XIII Engenho Novo 9 4 44,4 XIV Irajá 5 2 40,0 XV Madureira 12 5 41,6 XVI Jacarepaguá 8 2 25,0 XVII Bangu 11 4 36,3 XVIII Campo Grande 4 2 50,0 XIX Santa Cruz o o XXII Anchieta 12 5 41,6 XXIII Santa Teresa 5 1 20,0

FONTE - IPLAN - RIO, 1982. RBG 105

TABELA 5

CONTROLE DAS TRANSAÇÕES IMOBILIÁRIAS

CONTROLE DAS TRANSAÇÕES IMOBILIÁRIAS

Núcleo REGIÕES ADMINISTRATIVAS Total de Subtotal Favelas Absoluto I Relativo(%) TOTAL 79 30 37,9 I Portuária 7 1 14,2 111 Rio Comprido 13 2 15,3 IV Botafogo 8 6 75,0 V Copacabana 5 2 40,0 VI Lagoa 5 2 40,0 VIl São Cristóvão 8 5 62,5 VIII Tijuca 9 2 22,2 IX Vila Isabel 5 2 40,0 XX Ilha do Governador 12 8 66,6 XXIV Barra da Tijuca 7 o 0,0

CONTROLE DAS TRANSAÇÕES IMOBILIÁRIAS

Periferia REGIÕES ADMINISTRATIVAS Total de Subtotal Favelas Absoluto I Relativo (%) TOTAL 102 43 42,1 X Ramos 12 3 25,0 XI Penha 13 3 23,0 XII Méier 12 8 66,6 XIII Engenho Novo 9 5 55,5 XIV Irajá 5 4 80,0 XV Madureira 12 4 33,3 XVI Jacarepaguá 8 2 25,0 XVII Bangu 11 3 27,2 XVIII Campo Grande 4 2 50,0 XIX Santa Cruz o o XXII Anchieta 12 7 58,3 XXIII Santa Teresa 5 2 40,0 FONTE- IPLAN-RIO, 1982. tico, as RAs de Copacabana e Lagoa apre­ controlado pelas AMs, pois as transações sentam índices de 80%, o que deve estar li­ imobiliárias são freqüentemente fontes de gado à escassez de novas terras para cons­ lucro para "tubarões", que construíam bar­ trução de novos barracos e a uma maior in­ racos onde havia ainda lugar e os alugavam, tensidade no trabalho de urbanização des­ morando, geralmente, fora da favela. O alu­ sas favelas. São áreas já muito povoadas, guel de barracos é muito comum e é muito disputadas por sua localização, onde a freqüente o favelado não ser o proprietário construção de novo barraco tem de ser au­ da casa e sim inquilino (Tabela 4). Por torizada pelas AMs. Na questão do Controle exemplo, na Favela de Dona Marta dotada das Transações Imobiliárias, o próprio de excelente localização, mas comprimida "mercado da terra" das favelas tem de ser entre duas áreas, cujos donos zelam pela 106 RBG

sua propriedade, a construção de novos na diferença dos benefícios públicos recebi­ barracos só é permitida pela AM à família dos pela favela e pelo "asfalto". de membros da comunidade, como por 2) Plano de Saúde Integrado, isto é, atendi­ exemplo, novos casais. mento no INAMPS, Ministério da Saúde e Na periferia, de um total de 102 associa­ Secretaria de Saúde, qualquer que seja a si­ ções, 40 delas, isto é, 39,2% exercem Con­ tuação do favelado. trole Urbanístico e 43 delas ou 42,1 %, 3) Instalação de escolas públicas de 1? e 2? exercem controle sobre as transações imo­ graus nas favelas "com a participação e dis­ biliárias. Nota-se, na periferia, um maior cussão dos moradores e das associações". equilíbrio dos dois tipos de controle, já que a 4) Maior participação nas decisões gover­ diferença percentual entre esses é menor namentais que dizem respeito às favelas. que a observada no núcleo. Esses números 5) A não execução de obras nas favelas, mais baixos, aí encontrados, podem ser ex­ sem consulta às Associações de Morado­ plicados, por essa área periférica não apre­ res. sentar uma pressão imobiliária tão grande. 6) O imposto recolhido do comércio exis­ tente na favela, deve ser aplicado em traba­ lhos sociais na própria favela. 7) Código de obras específico para as fave­ A DEFESA DA FAVELA E O las. IV CONGRESSO DE Dois itens dessa pauta, porém, causaram ASSOCIACÕES DE MORADORES grande controvérsia: a subvenção, pelo Es­ DE FAVELAS DE 1984 tado, para as AMs e a instalação de posto policial nas favelas. A subvenção, para mui­ tos, é uma forma de atrelamento ao Estado. Por tudo que foi acima assinalado, Quanto ao posto policial, foi colocado que a constata-se que o Movimento Social Urba­ polícia não iria defender o favelado e, ao no, gerado pela carência de uma grande par­ invés disso, seria mais uma forma de explo­ te da população do município aliada à sua ração do favelado. Apesar disso, esses dois necessidade de ter, ao menos, um teto para itens foram aprovados para serem incluídos morar e, concretizado pelo surgimento e na carta a ser remetida ao Governador. grande crescimento de favelas e de Asso­ ciações de Moradores, gerou até mesmo um tipo de organização de nível mais eleva­ CONCLUSÃO do: a Federação das Associações de Mora­ dores de Favelas. Pode-se constatar que o movimento das AMs teve capacidade de or­ Por tudo que acima foi referido, constata­ ganização, apesar de sua longa duração e se que o movimento social que se originou das lutas e períodos difíceis por que passou. da necessidade de moradia, por parte de O resultado dessa longa marcha foi, sem uma crescente população carente e sem ter­ dúvida, positivo, o que é comprovado pela ra, após uma longa marcha, muitas lutas e realização, ao longo do tempo, de vários períodos difíceis, teve um saldo positivo, congressos de AM, sendo que o último, o principalmente porque as Associações de IV Congresso realizado em 1984, do qual o Moradores de Favelas constituíram-se co­ nosso grupo de pesquisas participou, como mo uma realidade, conhecidas pela popu­ observador convidado, deu origem a um do­ lação, em geral, e reconhecidas pelo poder cumento que bem mostra o grau de cons­ público. Esse movimento social urbano cientização dessas organizações. contém todos os elementos apontados por Dos inúmeros temas e reivindicações tra­ Castells (1974): um conteúdo social sem tados, assinalar-se-ão abaixo alguns que ambigüidade, uma base social homogênea e demonstram um real conhecimento da si­ uma organização política. tuação, por parte das AMs: O movimento cada vez mais se consolida, 1) Cobrança de apenas 50% da tarifa de luz lutando todos pela urbanização das favelas e a não cobrança de multa de 1 O%, em caso e pela propriedade da terra onde estão suas de atraso, baseando-se essa reivindicação casas. RBG 107

O crescimento numérico das Associações posse é difícil, como o "rito" jurídico é mui­ de Moradores, sua existência em quase to­ to lento e oneroso. Oitenta e sete favelas das as favelas do município e sua atuação, (do total de 367 cadastradas em 1982 pelo até mesmo política, fez com que se tornas­ IPLAN-RIO) desconhecem o proprietário, sem forte grupo de pressão política, com além de 175 pertencerem à União, pois constante presença na Imprensa. estão à margem de rios, canais e lagoas. As Seria de esperar uma vitória desse movi­ demais sabem quem é o proprietário da ter­ mento social quanto ao problema da legali­ ra, onde estão estabelecidas. Além disso, o zação da propriedade da terra por ocasião que impedirá que novas favelas se instalem da elaboração da Carta Magna do país d~ em outros pontos da cidade? 1988. Realmente, foi aprovado o artigo 183 Se a resistência e a luta dos favelados - que reconhecia o usucapião urbano. agora organizados em Associações de Mo­ Esse artigo define que "aquele que pos­ radores, fruto da conscientização gradual 2 suir como sua área urbana de até 250 m , de sua condição - foi longa e difícil, essa por cinco anos, ininterruptamente e sem população, que constitui um quinto da po­ oposição, utilizando-a para sua moradia ou pulação do Município do Rio de Janeiro, de sua famma, adquirir-lhe-á o domínio, des­ transformou-se num grupo de difícil contro­ de que não seja proprietário de outro imóvel le, de forte peso político e cada vez mais ca­ urbano ou rural. (... ) Os imóveis públicos paz de assumir o seu próprio destino e ex­ não serão adquiridos por usucapião". por, através de seu órgão máximo - a Essa vitória ainda está muito longe de se FAFERJ - os seus problemas e reivindica­ concretizar, pois não só a comprovação da ções.

BIBLIOGRAFIA

ABREU, M. Evolução Urbana do Rio de Janeiro. IPLAN-RIO, Rio de Janeiro, Zahar, 1987. ABREU, M,; BRONSTEIN, O. Políticas Públicas, Estrutura Urbana e Distribuição da População de Baixa Renda na Área Metropolitana do Rio de Janeiro, IBAM, Rio de Janeiro, 1986. BLAY, E. A. A luta pelo espaço. Petrópolis, Vozes, 1978. BOSCHI, R.; VALLADARES, L. Movimentos Associativos das Camadas Populares: análise comparati­ va de seis casos. Seminário de Estudos Urbanos, IUPERJ, Rio de Janeiro, 1981 . CASTELLS, M. Movimientos Sociales Urbanos. Sigla Vientiuno, Espanha, 1974. CLASSIFICAÇÃO das Aglomerações de Baixa Renda do Município do Rio de Janeiro. Secretaria Muni­ cipal de Desenvolvimento Urbano, IPLAN-RIO, Rio de Janeiro, 1982. DINIZ, E. Favela: associativismo e participação social. Seminário de Estudos Urbanos, IUPERJ, Rio de Janeiro, 1981. FAVELAS do Censo de 1980: Avaliação de Cobertura. Rio de Janeiro, IBGE, 1984. GOULART, J. A. Favelas do Distrito Federal. Estudos Brasileiros N? 9, Ministério da Agricultura, Distri­ to Federal, 1957. GRABOIS, G. Em busca da integração: a política de remoção de favelas no Rio de Janeiro. Museu Na­ cional, Rio de Janeiro, 1973 (Dissertação de Mestrado). GUIA prático de favelas. Secretaria de Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 1976. GUIMARÃES, A. As favelas do Distrito Federal. Revista Brasileira de Estatística, Distrito Federal, 14 (55), 1953. _____. Habitação Popular no Rio de Janeiro. Seminário de Estudos Urbanos, IUPERJ-IBAM, Rio de Janeiro, 1984. MARICATO, E. A Produção Capitalista da Casa (e da Cidade) no Brasil Industrial. São Paulo, Alfa- Omega, 1979. NUNES, G. Favela, Resistência pelo Direito de Viver. Petrópolis, Vozes, 1980. PARISSE, L. Favelas do Rio de Janeiro. caderno do CEMPHA, Rio de Janeiro, n? 5, 1969. PERIMAN, J. O Mito da Marginalidade. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1977. QUATRO Estudos. Secretaria Municipal de Planejamento, IPLAN-RIO, Rio de Janeiro, 1986. REZENDE, J. Como se Faz uma Luta de Bairros. Petrópolis, 1986. SANTOS, C. N. Movimentos Urbanos no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, Zahar, 1981. Quando a Rua Vira Casa. PROJETO, São Paulo, 1986. _____. Varal de Lembranças: Histórias da Rocinha. SEMEC-FNDE, Rio de Janeiro, 1983. 108 RBG

RESUMO

Os movimentos sociais urbanos constituem uma nova forma de conflito social. ligada à organização da vida coletiva. O caso aqui focalizado é o das favelas da cidade do Rio de Janeiro, onde população de baixa renda construiu suas casas, em terrenos alheios localizados em encostas íngremes ou à margem de rios. Aí os favelados gozam de vantagens locacionais, decorrentes da vizinhança da "cidade legal". Essa ocupação, iniciada nos primórdios do Século XX, já em 1982 atingia 377 favelas e um total de 720 000 habitantes. A ameaça constante de expulsão deu origem a um movimento coletivo dos favelados, constituído pela formação de numerosas Associações de Moradores, tendo como órgão coordenador a Federação das Associações de Favelas. Foi uma luta longa e difícil, com vários episódios de expulsão ou remoção para áreas distantes. Ape­ sar disso, as favelas sobreviveram e proliferaram, aumentando grandemente em número e população. Diante do grave problema social e do peso eleitoral dessa população, a política do governo, nos últi­ mos anos, tem sido a de "urbanizar" as favelas, o quefoi sendo realizado, lentamente, devido a seu alto custo. Diante da impossibilidade financeira de uma política habitacional, a Constituição de 1988 aprovou um artigo, criando o usucapião urbano, lei de difícil concretização, principalmente pelo lento e comple­ xo procedimento jurídico que· ela implica.

ABSTRACT

This article analyses the urban social movements focused on Rio de Janeiro's shantytowns, a type of housing that has appeared since the end of nineteenth centeny occupying the hills and marshes of the city. The shantytowns were 59 at 1950 (160 000 inhabitants), but in 1984 were 377 with 720 000 people. Submitted to public policies aiming their expulsion or remotion to far neighborhoods, favela's people organised themselves firstly in "União dos Trabalhadores Favelados", and after in "associação de moradores" under a federation, the "Federação das Associações dos Moradores de Favelas" (FAFERJ). Under political pressures public policies have changed. The so-called "urbanization" policy was en­ visaged as a solution to the favela problems. However this policy failed because urbanization cost we­ re very high. The new 1988 Brazilian Constitution, approved the "usucapião" law which permits acess to the land if anyone living in a favela proves that lives there at least.for five years. However the implementa­ tion of this policy is very difficult. RBG 109

OS CENTROS DE GESTÃO E SEU ESTUDO*

Roberto Loba to Corrêa* *

Os estudos sobre os centros de gestão lismo, aí incluída as repercussões no que se das atividades econômicas foram, a partir refere ao controle e decisão das atividades, da década de 60, progressivamente mais possibilitando extrair deles valiosas infor­ numerosos. O aumento do número destes mações sobre a temática em pauta. estudos traduz, sem dúvida, o reconheci­ Possivelmente, o primeiro estudo explíci• mento da importância crescente da concen­ to sobre o tema foi o de Labasse, publicado tração espacial das atividades de controle e em 1955, que focaliza o papel da cidade decisão, e a simultânea dispersão das uni­ francesa de Lyon como centro de gestão dades produtivas que refletem, por sua vez, das atividades do Banco Crédit Lvonnais. a progressiva importância das corporações Sua expansão econômica e territorial a par­ multifuncionais e multilocalizadas, bem co­ tir do Século XIX transformou Lyon em cen­ mo a magnitude da concentração• tro de gestão de ampla hinterlândia. A mag­ centralização do capital, da acumulação ca­ nitude de sua atuação fez Juillard referir-se pitalista e de seus centros de gestão. a ela, e a outras cidades do gênero, como O processo de concentração-dispersão da villes urbanisantes, capazes de criarem ati­ produção, paralelo à concentração• vidades em suas respectivas áreas de centralização do capital, afetou o poder atuação e de urbanizarem o campo. econômico e político de diversas burguesias É com Gottmann que o tema passa a ter regionais sediadas em centros urbanos que alguma sistematicidade. De fato, a ex­ tiveram eclipsado ou diminuído seus papéis pressão "atividades quaternárias", criada como pontos focais da gestão do território. por ele, implica um refinamento concei­ Isto suscitou o interesse de se estudar as ci­ tual, pois desagrega do setor terciário as ati­ dades como centros de controle e decisão vidades vinculadas ao controle e decisão da das atividades econômicas. Os estudos em­ vida econômica e política. preendidos não são, em sua grande maioria, Os estudos, considerando o conjunto de críticos, mas colocaram em evidência um centros urbanos de um dado país, focalizam aspecto fundamental da dinâmica do capita- o tema segundo duas vias principais. De um

• Recebido para publicação em 25 de agosto de 1989. * * Analista Especializado em Geografia da Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE. Professor visitante do Programa de Pós• Graduação em Geografia da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ.

R. brBs. Geogr., Rio de Janeiro, 51 141: 109-119, out./dez. 1989 110 RBG lado, consideram a importância dos diferen­ tes centros urbanos em termos de decisão e OS ESTUDOS EM OUTROS PAÍSES controle, medida através do número de se­ des sociais que concentram e do montante de capital fixo que controlam: os setores O grau de concentração espacial do poder controlados (indústria, comércio, bancos de decisão e controle nos diferentes países etc.) são discriminados e, na maioria dos ca­ é muito variável. Há países onde ele é enor­ sos, considera-se a variação temporal da me, como se exemplifica com os casos da função de gestão em dois ou mais momen­ França e Inglaterra. Assim, segundo Pred, tos do tempo. Paris, a capital francesa, concentrava em Entre os estudos, segundo esta via de 1965 a sede de 90 das 1 00 maiores organi­ abordagem, incluem-se os estudos de Pred zações industriais, 36 das 50 maiores vare­ relativo ao papel dirigente das cidades jistas e atacadistas, e 19 dos 30 maiores norte-americanas nos anos de 1960 e bancos comerciais, enquanto o segundo 1972, o de Strickland e Aiken em relação às mais importante centro de gestão, Lille­ cidades da Alemanha Ocidental nos anos Roubaix, controlava, do universo de 180 or­ 1950, 1960, 1970 a 1982, o de Taylor e ganizações, apenas seis, e Lyon, o terceiro, Thrift para as cidades australianas nos anos somente cinco. Em menor proporção, mas de 1953, 1963, 1973 e 1978, e o de Cor­ ainda revelando um forte grau de concen­ deiro para as cidades brasileiras e referentes tração, está a Grã-Bretanha: Londres sedia­ aos anos de 1968 e 1984. De outro lado, está a abordagem que con­ va em 1971-1972, 532 das 1 000 maiores sidera o papel de gestão das cidades organizações industriais e de serviços, uma através de sua atuação espacial, medida pe­ grande diferença para as 66 organizações la localização das filiais e pelo número de controladas por Birmingham e as 45 de empregados localizados no espaço de ação Manchester, respectivamente o segundo e das sedes sociais das empresas, e delas de­ terceiro centros de controle e decisão (Pred). pendentes. É do estudo de Fillâtre, comen­ tado por Rochefort e Hautreux, que emerge Em outros países, a concentração espa­ o conceito de "assalariados externos", isto cial é grande, porém razoavelmente dividida entre duas grandes metrópoles. O exemplo é, os empregados que trabalham em estabe­ lecimentos (fábrica, filial varejista, agência australiano é, neste sentido, notável. Consi­ bancária etc.) pertencentes a uma empresa derando as 1 00 maiores empresas do país, cuja sede social está localizada em outro lu­ Taylor e Thrift mostraram que entre 1953 e gar que o do estabelecimento: os emprega­ 1978 as metrópoles e Sydney e Melbourne dos das agências de Salvador, Recife e For­ controlavam entre 87 e 91 dessas empre­ taleza, por exemplo, do Banco ltaú S.A., se­ sas, verificando-se, durante o período, uma diado em São Paulo, são assalariados exter­ progressiva maior importância da primeira nos da metrópole paulista. sobre a segunda enquanto centro de Entre os estudos no âmbito desta abordã­ gestão. gem, estão aqueles realizados por Corrêa, Países como a Alemanha Ocidental apre­ que analisa as metrópoles brasileiras segun­ sentam, ao contrário, uma forte dispersão do seus assalariados externos industriais e no que se refere às atividades de direção e o já menCionado trabalho de Pred, ond~ é controle. Esta dispersão tem apresentado estimado o número de empregos controla­ uma forte persistência ao longo do tempo, dos pelas cidades norte-americanas nos não possibilitando que nenhum centro apa­ mais diferentes lugares, recesse como o principal foco de gestão das Os estudos realizados, tanto em uma atividades econômicas: o maior deles, Ham­ abordagem como em outra, apresentaram burgo, sediava apenas 1 O% das 500 maio­ resultados que, tendo em vista contribuir res empresas do país. Contudo, entre 1950 para a compreensão do tema, merecem ser e 1982, os cinco maiores centros de gestão comentados. Primeiramente abordar-se-á passaram a controlar, em conjunto, um aqueles referentes a diversos países e, em maior número das empresas mais importan­ seguida, os que analisaram o Brasil. tes. O quadro a seguir, extraído de Strick- RBG 111

QUADRO 1 NÚMERO DE EMPRESAS CONTROLADAS PELOS CINCO MAIORES CENTROS DE GESTÃO DA ALEMANHA OCIDENTAL: 1950 A 1982 NÚMERO DE EMPRESAS CONTROLADAS REGIÕES METROPOLITANAS 1950 1960 1970 1982

TOTAL 164 168 180 189 Hamburgo 40 42 43 50 Frankfurt 29 30 44 42 Dusseldorf 33 38 43 40 Munich 33 22 28 31 Essen 29 36 22 26 FONTE - Strickland e Aiken, 1984.

land e Aiken, indica a importância das cinco modo que a importância relativa de New maiores regiões metropolitanas em relação York declinou a partir da década de 60. O ao controle das 500 maiores empresas. mesmo se verificou em relação a centros No caso norte-americano, os estudos fo­ como Philadelphia e Boston, enquanto cen­ ram mais detalhados, envolvendo, no con­ tros como Los Angeles, Houston, Dallas e junto, um período de tempo que se estende Atlanta ampliaram seus papéis de gestão de 1920 a 1980. Além do já mencionado econômica. Por outro lado, cidades meno­ trabalho de Pred, merecem menção, entre res, mas próximas de New York, foram be­ outros, os de Borchert, Goodwin, Semple e neficiadas pela descentralização de sedes Phipps, e Semple, Martz e Green. Os resul­ de empresas oriundas de New York: Stam­ tados obtidos revelam enorme complexida­ ford, Fairfield, Greenwich, Wetsport, Wilton de no que se refere à e~acialidade da e Middlebury, todas no Estado de Connecti­ função de decisão e controle e sua dinâmi• cut. ca. Podem ser assim sumariados: Semple, Martz e Green argumentam que a) A função de decisão e controle das ati­ esta mudança deve-se a uma maturidade do vidades econômicas é eminentemente me­ sistema urbano norte-americano, gerando tropolitana, ainda que não exclusiva. New um significativo processo de relocalização York é o mais importante centro de gestão das sedes das grandes empresas. Vários das atividades, ainda que não apresente centros urbanos passam a oferecer vanta­ uma poderosa concentração como ocorre gens às atividades de direção, ao mesmo com Paris e Londres. Segundo Pred, das tempo que cidades como New York passam 1 000 maiores empresas industriais do país a apresentar deseconomias de escala, para em 1972, a metrópole nova-iorquina sedia­ manterem ali as sedes sociais de grandes va 255, sendo seguida por Chicago com empresas. Esta mudança, por outro lado, 99, Los Angeles com 46, Cleveland-Akron deve-se a um contínuo processo de perdas com 41 e Philadelphia com 33. Sediando e ganhos da função de direção em razão de entre 1O e 30 empresas havia 1 O centros fusões, falências e criação de novas empre­ metropolitanos, enquanto que com até no­ sas. ve empresas industriais havia 37 outros centros. Por outro lado, 171 das 1 000 Os mencionados autores apresentam, maiores empresas industriais estavam se­ então, um modelo formal que descreve o diadas em centros com população inferior a que seriam as etapas locacionais da função 500 000 habitantes. de gestão econômica. Trata-se de uma cur­ O mesmo se pode dizer da gestão das ati­ va em forma de sino, à semelhança de uma vidades do setor terciário: New York sedia­ "curva normal", que indica uma fase inicial va 72 das 300 maiores, Chicago 27, Los de dispersão de função de gestão, sua pro­ Angeles 22 e Philadelphia 1 7; gressiva concentração em um centro quali­ b) Verificou-se uma relativa descentrali­ ficado como corporate primate city e, a zação do poder de decisão e controle, de seguir, um processo de descentralização; 112 RBG

c) um centro de direção de um dado ta­ originou-se e evoluiu nos diferentes países, manho demográfico pode controlar ativida­ repercutindo de modo diverso na espaciali­ des localizadas em centros do mesmo tama­ dade da função de gestão dos centros urba­ nho e mesmo maiores. Assim, segundo nos. Pred, em Baltimore havia estabelecimentos industriais controlados por cidades como ln­ dianapolis, Columbus, Toledo, Omaha e Richmond, entre outras, todas menores que OS ESTUDOS SOBRE O BRASIL aquela. Chicago, por sua vez, controlava 70 fábricas localizadas em New York, empre­ gando um total de cerca de 35 000 pes­ Em relação ao Brasil, quatro foram os es­ soas; Los Angeles controlava 34 fábricas tudos realizados sobre a função de gestão que empregavam cerca de 1 5 000 pessoas; das atividades econômicas pelos centros d) a área de atuação dos centros de urbanos. São os estudos de Corrêa e, de gestão não se limita àquela definida pelas Magnanini e Lima e o de Cordeiro, que con­ relações comerciais vinculadas à distri­ sideraram informações relativas às décadas buição varejista e à prestação de serviços. de 60 e 80. Possibilitam eles uma confron­ Deste modo, a espacialidade da função em tação dos resultados, inclusive em termos pauta não se assemelha àquela das localida­ temporais, apesar de estarem apoiados em des centrais. Por outro lado, não existe uma fontes e variáveis distintas. área de atuação exclusiva de um dado cen­ O primeiro estudo de Corrêa procurou ve­ tro de gestão. Assim, por exemplo, segun­ rificar o papel de comando das metrópoles do Pred, em um centro metropolitano como brasileiras, São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Atlanta, no sul do país, atuam no controle Horizonte, Porto Alegre, Curitiba, Salvador, das fábricas. aí localizadas, centros metro­ Recife, Fortaleza e Belém, tanto em suas politanos como New York, Chicago, Los respectivas regiões de influência como no Angeles, Philadelphia, Detroit e, entre ou­ restante do país. Para isto, considerou os tras, a pequena cidade de Marshalltown, do seus assalariados externos industriais, isto Meio Oeste; e é, os empregados que trabalhavam em esta­ e) existe uma assimetria das estruturas belecimentos localizados em outros municí• espaciais das grandes organizações, de mo­ pios, que os das nove metrópoles onde si­ do que a localização das sedes e unidades tuavam as sedes das respectivas empresas. subordinadas de produção e serviços das Considerou-se tanto o número de assalaria­ várias organizações não coincidem umas dos externos como o grupo de indústria em com as outras. No conjunto, isto gera uma que trabalhavam. Assim, se em um municí• certa especialização funcional dos centros, pio de Minas Gerais houvesse uma fábrica inclusive na gestão de atividades específi• têxtil com 537 pessoas ocupadas e a sua se­ cas, bem como uma forte interdependência de estivesse na metrópole do Rio de Janei­ interurbana. ro, para esta metrópole seriam contabiliza­ Os estudos realizados nas duas aborda­ dos 537 assalariados externos. gens revelam uma forte correlação entre a A fonte de dados foi o Registro Industrial natureza global do sistema urbano de cada do IBGE relativo ao ano de 1962, que forne­ país considerado e o papel que seus princi­ ce um amplo conjunto de informações para pais centros desempenham enquanto locais os estabelecimentos de cinco ou mais pes­ de decisão e controle das atividades soas empregadas, totalizando cerca de econômicas. Assim, a primazia de Paris e 42 000 estabelecimentos industriais. O Londres é correlata com outros aspectos da número de pessoas ocupadas e o grupo de vida urbana na França e Grã-Bretanha, as­ indústria foram considerados sempre que o sim como a bicefalia australiana e a forte es­ endereço do estabelecimento não coincidia, trutura decisional dispersa da Alemanha em termos de município, com o da sede so­ Ocidental e dos Estados Unidos. Admitimos cial da empresa a que se vinculava. Os re­ que as diferenças encontradas advêm do sultados obtidos podem ser sumariados no modo como a acumulação capitalista quadro que se segue: RBG 113

QUADRO 2

OS ASSALARIADOS EXTERNOS DAS METRÓPOLES BRASILEIRAS EM 1962

NÚMERO DE NÚMERO DE PORCEN- PORCENTA- ESTABELE- DE ASSALA- TAGEM GEM FORA PRINCIPAIS GRUPOS METRÓPOLES CIMENTOS RIADOS NA REGIÃO DA REGIÃO DE INDÚSTRIA FILIAIS EXTERNOS (%) (%)

São Paulo 768 133 289 74,8 25,2 Diversificado Rio de Janeiro 381 99 013 42,7 57,3 Diversificado Belo Horizonte 83 23 681 84,9 15,1 Metalurgia; Têxtil Porto Alegre 104 8 604 89,9 10,1 Papel; Madeiras; Têxtil; Produtos Alimentares Curitiba 110 4 801 91,6 8,4 Madeiras; Móveis Salvador 77 9 442 99,2 0,8 Fumo; Açúcar Recife 73 14 928 97,1 2,9 Açúcar; Têxtil Fortaleza 39 1 938 98,3 1,7 Óleos Vegetais; Benefi- ciamento de Algodão Belém 22 1 237 100,0 Madeiras;' Borracha; Ci- mento

FONTE - Corrêa, 1968. As metrópoles de São Paulo e Rio de Ja­ As metrópoles regionais, por sua vez, ti­ neiro caracterizavam-se por uma gestão de nham uma atuação fortemente vinculada às âmbito nacional, enquanto as demais apre­ principais atividades econômicas de suas sentavam uma atuação espacial em termos hinterlândias, diferenciando-se muito entre nitidamente regionais: esta diferenciação si, como se exemplifica através da compa­ aparece quando se consideram simultanea­ ração entre Belo Horizonte e Recife. mente o número de estabelecimentos filiais, Em termos gerais, os resultados aponta­ o número de assalariados externos, o per­ ram a existência de um duplo comando das .centual de assalariados externos dentro e atividades industriais e uma forte correlação fora da região de influência e os grupos de entre a importância das metrópoles enquan­ indústrias controlados. to centros de gestão e localidades centrais A metrópole paulista tinha uma base re­ de alto nível hierárquico. gional de atuação mais sólida que a O estudo de Magnanini e Lima considerou metrópole carioca, enquanto esta era, em os centros de gestão segundo a intensidade termos relativos, muito mais nacional que e especialização da função de direção e con­ São Paulo. A atuação da capital paulista trole a partir do número de sedes sociais ali fazia-se forte sobretudo no Vale do Paraíba, existentes e do montante de capital + re­ Baixada Santista e na região de Campinas, servas. A fonte de dados foi a revista Americana, Piracicaba, Limeira, Rio Claro e Visão que no número de setembro de 1967 São Carlos, no interior próximo a ela, onde (Quem é Quem na Economia Brasileira) indi­ atuava através de indústrias diversificadas. cou a lista de 1 244 maiores empresas Por outro lado, a par de sua atuação predo­ públicas e privadas do país, distribuídas pe­ minantemente nacional, a metrópole cario­ las seguintes atividades: financeira, indus­ ca atuava, de modo significativo, através de trial (abrangendo 21 grupos), comercial, da empresas vinculadas ao Estado, como se energia elétrica, transportes, telecomunica­ exemplifica com a PETROBRÁS, a Compa­ ções, gás e água e de publicidade. No estu­ nhia Siderúrgica Nacional, a Companhia Na­ do em tela, foram consideradas as cidades cional de Álcalis e o Instituto do Açúcar e do que controlavam pelo menos O, 1 % do mon­ Álcool: esta foi uma diferença básica entre a tante de capital + reservas e, pelo menos, atuação do Rio de Janeiro e São Paulo, esta uma das 1 244 empresas: 93 cidades con­ atuando sem o peso de empreendimentos trolavam ao menos uma empresa, mas ape­ estatais. nas 30 atendiam aos dois requisitos. O qua- 114 RBG dro a seguir apresenta os resultados mais muito mais elevado de cidades controlado­ gerais a que chegaram as duas autoras: ras de grandes empresas: Jundiaí e Campi­ nas e, ainda, São José dos Campos, San­ QUADRO 3 tos, Piracicaba, Joinville e Blumenau, entre outras. A posição de Brasília, por outro la­ PODER DE CONTROLE E DECISÃO DAS do, deve-se ao seu papel como capital CIDADES BRASILEIRAS EM 1966 político-administrativa nacional, sediando empresas estatais como o Banco do Brasil e PERCEN­ a ELETROBRÁS. TAGEM DO NÚMERO MONTANTE DE Magnanini e Lima consideraram ainda a CIDADES DE CAPITAL SEDES especialização ou diversificação da ativida­ MAIS SOCIAIS de de direção e controle exercida pelas cida­ RESERVAS des brasileiras. Entre os centros diversifica­ dos estavam São Paulo, Rio de Janeiro, Belo São Paulo 44,20 627 Horizonte, Porto Alegre, Recife e Curitiba, Rio de Janeiro 34,29 324 entre as metrópoles; Santos, Campinas e Brasília 5,68 4 Belo Horizonte 4,15 41 Ponta Grossa entre as demais cidades anali­ Porto Alegre 2,35 50 sadas; entre os centros especializados apa­ Curitiba 0,92 21 reciam Jundiaí, São José dos Campos, Recife 0,87 22 Joinville, Piracicaba e Blumenau, na ativida­ Jundiaí 0,65 8 de industrial; Fortaleza e Salvador, na finan­ Goiânia 0,44 5 ceira; e Goiânia e Florianópolis, na atividade Fortaleza 0,38 2 de distribuição de energia elétrica. Salvador 0,37 4 Os dois estudos acima analisados coloca­ Campinas 0,35 8 ram em evidência, em primeiro lugar, a po­ FONTE - Magnanini e Lima, 1971. derosa concentração bicefálica em São Pau­ lo e Rio de Janeiro, ainda que a metrópole· paulista apresentasse uma maior magnitude São Paulo e Rio de Janeiro controlavam que a carioca. A defasagem entre elas e as 78,49% do capital + reserva e 76,44% das demais cidades é enorme. Em segundo lu­ sedes sociais das principais empresas do gar foi evidenciada a importância das país. São Paulo, no entanto, tinha um peso metrópoles regionais, especialmente aque­ maior que o da metrópole carioca, conforme las do Centro-sul. Esta região, por sua vez, o quadro indica nitidamente: além disto, era concentrava um terceiro escalão de cidades mais importante em 1 7 dos 21 grupos in­ que exerciam relativamente um significativo dustriais considerados, superando o Rio de papel de centros de gestão de atividades. Janeiro no que se referia aos setores finan­ O estudo de Cordeiro considerou os ceiro, comercial e de publicidade. A cidade "principais pontos de controle da economia do Rio de Janeiro era, por outro lado, mais transacional'', isto é, os centros de gestão importante que São Paulo nos setores de das atividades econômicas. Foram conside­ energia elétrica, transportes, telecomunica­ radas, de um lado, as informações contidas ções, gás e água, em grande parte, graças à na revista Visão (Quem é Quem na Econo­ presença de empresas estatais aí sediadas. mia Brasileira) relativas aos anos de 1968 e O estudo em análise indicou ainda a im­ 1984, e referentes as 1 000 maiores empre­ portância da Região Centro-sul do país sas dos setores não-financeiros: cada uma quanto ao controle das atividades econômi• delas possuía um patrimônio líquido (capital cas: as metrópoles de Belo Horizonte, Porto social + reservas + lucros ou perdas) supe­ Alegre e Curitiba apareciam como sendo rior a 1 milhão de dólares. De outro, foram mais importantes que as nordestinas, en­ analisadas as atividades financeiras a partir quanto Belém, a metrópole amazônica, não da mesma fonte e de informações do Guia aparecia entre as primeiras cidades. Consi­ do Banco do Brasil e da Revista Bancária derando os demais centros urbanos, a Re­ Brasileira, relativas também aos mesmos gião Centro-sul concentrava um número anos. Trata-se, portanto, de um estudo que RBG 115

permite acompanhar a dinâmica recente da bana: isto seria evidenciado pelo fato de função da gestão das atividades em termos que em 1 968 as empresas sediadas nas no­ de localização. ve metrópoles e em Brasília concentravam Em relação ao setor financeiro, verificou­ 92,3% do total do patrimônio líquido das se que houve um nítido processo de con­ 1 000 maiores empresas, percentual este centração espacial da gestão das atividades que, em 1984, decaiu para 85,5%. do setor, o qual ampliou a importância de Entre São Paulo e Rio de Janeiro existem São Paulo e Brasília em detrimento do Rio diferenças, conforme aponta Cordeiro. Uma de Janeiro, de quase todas as metrópoles das mais significativas reside no fato de regionais, e dos demais centros urbanos em que, na metrópole paulista, estão as sedes conjunto. A concentração espacial da sociais das principais empresas, enquanto gestão é, em realidade, paralela à redu­ no Rio de Janeiro há um enorme peso das ção do número de empresas do setor. O empresas do Estado, entre elas a PE­ Quadro 4, elaborado a partir de duas tabelas TROBRÁS, a Companhia Vale do Rio Doce e do estudo em questão, é muito expressivo a a Companhia Siderúrgica Nacional. este respeito. Em relação às atividades não-financeiras, As conclusões a que a autora chegou são, foram verificadas, em primeiro lugar, a em linhas gerais, as seguintes: proeminência e persistência das metrópoles a) a função de gestão das atividades está de São Paulo e Rio de Janeiro como os prin­ concentrada nos centros metropolitanos, cipais centros de gestão, apesar da im­ especialmente São Paulo e Rio de Janeiro, e portância relativa delas ter diminuído, e de em Brasília, a capital do país; ter havido um pequeno deslocamento de b) verificou-se uma maior concentração posição entre elas. O Quadro 5 evidencia is­ da função de gestão das atividades finan­ to muito nitidamente. Em segundo lugar, foi ceiras do que das não-financeiras; constatada a ampliação da importância de c) São Paulo é, efetivamente, o epicentro Brasília. Todas as metrópoles regionais, por do sistema capitalista brasileiro; outro lado, também ampliaram suas respec­ d) as empresas do estado têm como cen­ tivas participações. Teria ocorrido, então tros de gestão o Rio de Janeiro e Brasília; uma certa descentralização da função de e) as metrópoles regionais comandam ati­ gestão, afetando vários centros da rede ur- vidades diferentes entre si; a importância

QUADRO 4

EVOLUCÃO DO NÚMERO DE BANCOS COMERCIAIS E DE SEUS PATRIMÔNIOS . lÍQUIDOS

NÚMERO DE BANCOS PATRIMÔNIO LÍQUIDO(%) CIDADES: SEDE DOS BANCOS 1968 I 1984 1968 I 1984 TOTAL 247 108 100,0 100,0 São Paulo 66 42 30,6 36,2 Rio de Janeiro 55 15 12,6 5,9 Belo Horizonte 13 8 8,5 3,5 Recife 9 4 1,8 0,8 Porto Alegre 12 6 6,5 1 '7 Salvador 9 3 3,1 2.4 Fortaleza 5 6 5,7 0,3 Curitiba 3 2 1,2 3,3 Belém 4 2 1,9 0,6 Brasília 2 2 23,6 42,8 Outras 69 18 4,5 2,5

FONTE - Cordeiro, 1986-1987. 116 RBG

QUADRO 5 A partir da década de 40 verificou-se uma crescente concentração dos bancos e, ao IMPORTÂNCIA RELATIVA DOS mesmo tempo, enorme dispersão das PRINCIPAIS CENTROS DE GESTÃO NAS agências bancárias: assim, o número de ATIVIDADES NÃO-FINANCEIRAS bancos passou de 51 2 em 1 941 para 333 1968-1984 em 1961 e 90 em 1985, enquanto o núme­ PATRIMÓNIO lÍQUIDO - 1 o/o ro de agências passou, respectivamente, de CIDADES 1 134 para 5 247 e 15 070. Esta 1968 1984 concentração-dispersão, viabilizada pelare­ forma financeira de 1964-1967 implicou, TOTAL 92,3 85,5 entre outros aspectos, em: a) enorme re­ São Paulo 43,1 27,3 dução dos centros de gestão; b) emergência Rio de Janeiro 36,6 29,7 de um poderoso centro de gestão de âmbito Belo Horizonte 4,0 6,6 nacional, São Paulo, e perda de importância Porto Alegre 2,5 3,0 de outros; c) criação de redes bancárias na­ Curitiba 1,0 1,3 Salvador 0,5 3,1 cionais e, com isto, uma efetiva integração Recife 1,1 2,3 territorial; e d) ampliação do papel do Esta­ Fortaleza 0,3 0,6 do beneficiando as cidades-capitais. Belém o. 1 0,3 Brasma 3,1 11,3 O estudo refere-se a estas mudanças no período 1961-1985. Assim, o número de FONTE - Cordeiro, 1986-1987. centros de gestão diminuiu de 77 para 28, tendo havido a eliminação de numerosas ca­ delas ampliou-se em relação às atividades pitais regionais como, entre outras, Sobral, não-financeiras; e Crato, Campina Grande, ltabuna, Governa­ f) fora do âmbito metropolitano as cida­ dor Valadares, Uberlândia, Campos, Marília, des do Sudeste e Sul aparecem como relati­ Presidente Prudente, Ribeirão Preto, Londri­ vamente importantes centros de gestão de na, Ponta Grossa, Blumenau e Anápolis. Ci­ atividades. dades maiores como Santos e Campinas fo­ ram também alijadas da lista dos centros de O estudo em pauta tem assim resultados gestão, o mesmo ocorrendo com centros comuns com aqueles apresentados ante­ menores como Parnaíba, Maruim, Pedra riormente. Contudo, de modo semelhante, e Azul, Leopoldina, Cantagalo, Americana, em função do tipo de informação disponí• Mococa, Jaú, Nova Esperança, ltajaí e Ca­ vel, levou em consideração as empresas talão. Outras perderam a importância que ti­ formalmente estabelecidas e não as corpo­ nham. O Quadro 6 descreve estes e outros rações que são as unidades orgânicas que aspectos da questão. constituem a base de fato da organização capitalista em sua fase monopolista: a des­ O quadro em questão revela a primazia da centralização acima referida pode ser assim metrópole paulista que, no período de 1961 um fato aparente e não real. Tratar-se-ia, a 1985 ultrapassou a cidade do Rio de Ja­ pelo menos em parte, ~a criação de empre­ neiro. Neste sentido, estes resultados estão sas subsidiárias, juridicamente autônomas e de acordo com aqueles obtidos por Cordei­ de direito, sediadas nas metrópoles regio­ ro. De fato, São Paulo passou a ser o princi­ nais; no entanto, seriam empresas perten­ pal centro de gestão da atividade financeira, centes às grandes corporações sediadas em sediando as principais instituições do setor, São Paulo e Rio de Janeiro. Esta é, de fato, entre elas, os dois maiores bancos comer­ uma hipótese que os trabalhos considera­ ciais privados, cerne de poderosos conglo­ dos não permitem verificar. merados financeiros, o BRADESCO e o ltaú, O segundo estudo de Corrêa refere-se aos e o mais importante banco estadual, o efeitos de concentração dos bancos comer­ BANESPA. A metrópole paulista controla ciais sobre o número de centros de gestão cerca de 40% de todas as agências da atividade bancária, ou seja, as cidades bancárias do país, atuando, através delas, onde estão as sedes sociais dos bancos. em todo o Território Nacional. RBG

QUADRO 6 como o Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Por­ to Alegre. Está, outrossim, associada à DISTRIBUIÇÃO DAS SEDES DE BANCOS criação de redes bancárias nacionais - 1961-1985. BRADESCO, ltaú, UNIBANCO, REAL - que, entretanto, não é exclusiva da capital CIDADES NÚMERO DE SEDES COM SEDES paulista. As metrópoles de Belo Horizonte, DE BANCOS 1961 1985 Curitiba e Salvador também atuam nacio­ nalmente através, cada uma, de um grande TOTAL 333 90 banco de expressão nacional. São Paulo 74 29 A ação do Estado no setor financeiro, Rio de Janeiro 101 8 através da criação de bancos comerciais, Fortaleza 9 7 Belo Horizonte 14 6 transformou as capitais estaduais em im­ Porto Alegre 10 6 portantes centros de gestão da atividade Recife 9 4 em tela. Das 16 cidades que em 1985 dis­ Salvador 9 3 punham de uma única sede de banco, 14 Goiânia 2 3 sediavam bancos do Estado, excluindo-se Curitiba 3 2 da relação Mossoró e Monte Azul Paulista. Brasnia 2 2 Em relação a 1 961 foram incluídas as capi­ Belém 5 2 tais Porto Velho, Rio Branco, Cuiabá e Boa Aracaju 6 2 Vista. São Luís 3 1 Natal 2 1 A concentração da gestão da atividade fi­ Vitória 1 1 nanceira está, assim, associada a um espa­ Florianópolis 1 1 ço monopolista e não mais ao espaço mole­ João Pessoa 3 1 cular, pulverizado, com um número maior Juiz de Fora 2 1 de centros de gestão (Moreira). Espaço mo­ Mossoró 2 1 nopolista que tem como foco a metrópole Monte Azul Paulista 2 1 paulista. Manaus 1 1 Maceió 1 1 Os resultados dos quatro estudos podem Teresina 1 1 ser assim sumariados: Sete Lagoas 1 1 a) a cidade de São Paulo ascende clara­ Porto Velho 1 mente à fundação de principal centro de Rio Branco 1 gestão das atividades do setor privado. Isto Boa Vista 1 está muito evidente tanto no que se refere Cuiabá 1 Outras Cidades (53) 69 ao setor industrial como financeiro. Ela é as­ sim o centro focal do capitalismo industrial­ FONTE - Corrêa, 1989. financeiro do país; b) a cidade do Rio de Janeiro, o segundo centro de gestão, apresentou perda de im­ A primazia de São Paulo no setor financei­ portância nesta função, especialmente no ro é paralela à sua crescente caracterização que se refere ao setor financeiro. O fato de como a grande metrópole nacional, sede ter sido capital do país garante-lhe, contu­ das mais importantes empresas do setpr pri­ do, um significativo papel de gestão das ati­ vado, conforme foi evidenciado por Cordei­ vidades econômicas do setor público. Brasí• ro. Esta primazia, por outro lado, resultou lia, neste sentido, emerge como importante de três processos que não são mutuamente centro de gestão; excludentes: incorporação de bancos me­ c) as metrópoles regionais constituem um nores, transferência da sede de um centro segundo escalão de centros de gestão; con­ menor para ela e criação de agências na hin­ tudo, se diferenciam entre si tanto no que terlândia nacional. se refere ao controle das atividades indus­ A proeminência de São Paulo está, em triais como financeiras. A dinâmica delas realidade, associada à diminuição da im­ quanto à gestão de atividades é também portância de outros centros metropolitanos distinta; e 118 RBG

d) nas Regiões Sudeste e Sul aparecem porações, ou seja, possui uma vasta frontei­ centros do terceiro escalão no que tange à ra para o capital viabilizar-se, produzindo função de gestão. Tendem a ser especializa­ uma organização espacial de acordo com dos numa ou noutra atividade. No entanto, seus interesses e contradições; nestas regiões, muitos destes centros fo­ ram, no decorrer do período 1 961-1985, c) existem, por outro lado, e sobretudo na eliminados. Hipotetiza-se que muitos ou­ Região Centro-sul, grupos econômicos lo­ tros, no entanto, emergiram e se firmaram cais e regionais que, sem se contraporem às como centros de gestão. grandes corporações, apresentam uma rela­ Todos os estudos caracterizam-se, por tivamente forte atuação em alguns espaços outro lado, como a maior parte dos estudos regionais ou locais, instaurando especializa­ relativos a outros países, por serem descriti­ ções produtivas que inserem estes espaços, vos e classificatórios, não abordando a na­ de modo muito singular, na divisão territo­ tureza e o significado da função de controle, rial do trabalho. As estratégias e os impac­ nem os impactos territoriais derivados da tos resultantes da ação destes grupos atuação das grandes corporações. Acredi­ econômicos constituem um relevante tema tamos que o Brasil apresenta-se como um sobre gestão do território. vasto campo para pesquisas sobre o assun­ to em pauta, pelo menos, pelas seguintes Os estudos sobre os centros de gestão razões: das atividades econômicas, ou seja, os cen­ a) além das grandes corporações multina­ tros de gestão do território, tornam-se, nes­ cionais que atuam sobre amplo território - te sentido, extremamente relevantes para Bunge y Born, Nestlé e British American To­ se compreender a organização do espaço bacco, entre outras -existem grandes cor­ brasileiro e sua dinâmica. Deverão avaliar a porações nacionais - Votorantim, Brahma força da metrópole paulista e a atuação dos e BRADESCO, entre outras - assim como outros centros de gestão: Rio de Janeiro, poderosas empresas e corporações do Esta­ Brasília, as metrópoles regionais e outros do, como se exemplifica com a PE­ centros urbanos, contribuindo, assim, para TROBRÁS e a Companhia Vale do Rio Doce. a compreensão de uma organização espa­ Pode-se então investigar, por exemplo, se cial que é, em sua natureza, dinamicamente as práticas econômico-espaciais e os con­ desigual. Deverão, ainda; servir de base pa­ seqüentes impactos são os mesmos, bem ra estudos de casos, seja uma específica como quais são as relações político• corporação seja um determinado centro de espaciais entre os três tipos de agentes; gestão. Tais estudos deverão, entre outros b) o país possui amplo território para ser aspectos, avaliar os impactos sobre a orga­ efetivamente explorado pelas grandes cor- nização sócio-espacial.

BIBLIOGRAFIA

BORCHERT, J. R. Major control points in American economic geography. Annals of the Association of American Geographers. Washington, 62 (2): 214-2 32, 1978. CORDEIRO, H. K. Os principais pontos de controle da economia transacional no espaço brasileiro. Bo­ letim de Geografia Teorética. Rio Claro, 16-17 (31-34), 1987,153-196. CORRÊA, R. L. Contribuição ao estudo do papel dirigente das metrópoles brasileiras. Revista Brasileira de Geografia. Rio de Janeiro, 30 (2): 56-86, 1968. ---~-· Concentração bancária e centros de gestão do território. Revista Brasileira de Geogra­ fia. Rio de Janeiro, 51 (2), 1989. GOODWIN, W. The management center in the United States. Geographica/ Review. New York, 55 (1 ): 1-16, 1965. JUILLARD, E. L'urbanisation des campagnes en Europe Occidentale. Études Rurales. Paris, 1, 1961, 18-33. GOTTMANN, J. Megalopolis. The urbanized northeastern seabord of the United States. New York, The MIT Press, 1961, 81 O p. RBG 119

LABASSE, J. Les Capitaux et la région. Étude geógraphique. Essai sur /e commerce et la circulation des capitaux dans la région lyonnaise. Cahiers de la Fondation Nationale des Sciences Politi­ ques, 1955, 534 p. MAGNANINI, R.; LIMA, O. M. B. Uma medida da função da direção das cidades brasileiras. Boletim Carioca de Geografia. Rio de Janeiro, 22, 1971, 129-147. MOREIRA, R. O movimento operário e a questão cidade-campo no Brasil. Petrópolis, Vozes, 1985, 215 p. PRED, A. L. Majorjob-providing organizations and systems ofcities. Commission on College Geography, Association of American Geographers, Resource Pape r 27, Washington, 1 97 4, 69 p. ROCHEFORT, M.; HAUTREUX, J. La fonction régionale dans /'ar mature urbaine française. Paris. Mi­ nistere de la Construction et de I'Équipament. 1963, (mimeografado). SEMPLE, R. K.; MARTS, D. J. F.; GREEN, M. B. Perspectives on corporate headquarter relocation in the United States. Urban Geography, Silver Spring, 6 (4): 370-391, 1985. SEMPLE, R. K.; PHIPPS, A. G. The spatial evolution of corporate headquarter within the urban system. Urban Geography, Silva Spring, 3 (3): 258-279, 1982. STRINCKLAND, D.; AIKEN, M. Corporate influence and the German urban system: headquartes loca­ tion of German industrial corporations, 1950-1982. Economic Geography, Worcester, 60 (1 ): 38-54, 1984. TAYLOR, M. J.; THRIFT, N. Large corporations and concentration of capital in Australia: a geographi­ cal analysis. Economic Geography, Worcester, 56 (4): 261-280, 1980.

RESUMO

Este estudo constitui-se em uma revisão dos estudos sobre os centros de decisão, especialmente aqueles do Brasil, onde quatro estudos foram realizados. O primeiro deles considera dados relativos ao ano de 1962 relativos ao controle externo do emprego industrial (Corrêa, 1968), enquanto o segundo Magnanini e Lima, 1971) considera os dados relativos a 1968 sobre a localização das sedes sociais das principais empresas do país. O estudo de Cordeiro (1987) analisa a evolução da importância dos centros de decisão apoiado em dados relativos aos anos de 1968 e 1984. Finalmente, o estudo de Corrêa ( 1989) considera a dinâmica da concentração bancária e seus efei­ tos sobre os centros de decisão. O estudo finaliza com sugestões para futuras pesquisas.

ABSTRACT

This study is a review of the management center studies, mainly those concerned to Brazilian cen­ ters. Four studies were done. The first one considers 1962 data on externai controlled industrial em­ ployment (Corrêa, 1968), the second one (Magnanini and Lima, 1971) considers 1968 data on head­ quarter location. The study done by Cordeiro (1987) analyses the evolution of the importance of ma­ nagement centers based in 1968 and 1984 data. Finally, Correa study (1989) considers the dynamic of bank concentration and its effects on management centers. The paper ends with suggestions for further studies. RBG 121

INSTRUCÕES• BÁSICAS PARA PREPARO DOS ORIGINAIS

Os ongmais entregues para publicação contendo, aproximadamente, 200 devem obedecer as seguintes normas: palavras; 1 - Texto datilografado em papel branco 5 - As notas explicativas devem ser nu­ tamanho ofício, em um só lado, em meradas numa seqüência única e da­ espaço duplo, com margem de 3 em, tilografadas em folhas separadas, sem rasuras ou emendas que dificul­ com indicação dos números respec­ tem sua leitura e compreensão. tivos; As laudas deverão ser numeradas, 6 - As tabelas, inseridas nos textos, de­ seguidamente, comportando até 72 vem ser apresentadas em folhas se­ batidas por linha e com 30 linhas por paradas e precedidas de títulos que páginas. permitam perfeita identificação dos OBS.: texto oriundo de autores do dados, com registro dos correspon­ IBGE será datilografado em lauda­ dentes números de ordem, nos lo­ -padrão fornecida pelas Diretorias. cais de inserção; Devem ser remetidas 02 (duas) vias 7 - No caso de listagens e tabelas exten­ do trabalho; sas, e de outros elementos de supor­ 2 - A primeira página do original (folha­ te, podem ser empregados apêndi­ -de-rosto) deve conter título, nome ces; completo do(s) autor(es), qualifi­ 8 - As fórmulas matemáticas devem ser cação profissional, com indicação apresentadas com clareza, para evi­ das atividades exercidas, dos órgãos tar problemas de interpretação; a que estão vinculados, do endereço 9 - Não devem ser utilizadas reprodu­ para correspondência, bem como, ções de ilustrações elaboradas colaboradores, agradecimentos e au­ através do sistema "plotter"; xílios recebidos; 1 O - As fotografias devem ser nítidas, em 3 - O título deve ser conciso, específico preto e branco, contrastadas, de pre­ e descritivo, registrando as palavras­ ferência em tamanho 6 x 9 em, nun­ -chave que representem o conteúdo ca superior a 12 x 18 em; os gráfi­ do artigo; cos desenhados a nanquim, em pa­ 4 - Os artigos devem ser acompanhados pel branco ou vegetal: os dados e di­ de um resumo informativo, de modo zeres que acompanham os dese­ a expressar seus pontos relevantes, nhos, em letra de forma; as legendas datilografados em espaço duplo e fo­ das ilustrações, datilografadas em lha separada, em português e inglês, folhas separadas e numeradas de 122 RBG

acordo com a figura respectiva, com sistemático, devem ser obedecidas indicação no texto, pelo número de as normas e especificações ineren­ ordem, dos locais de inserção das fi­ tes a cada carta, de acordo com a es­ guras e, ainda, menção da fonte e cala e classificação (contatar com o permissão para reprodução,quando órgão responsável por esse mapea­ já houverem sido publicadas; mento ou com a Comissão de Carto­ 11 - O formato de impressão máximo de grafia). As cartas, mapas ou carta­ encartes estabelecido para os docu­ gramas, inseridos ou anexados, de­ mentos cartográficos da RBG é de vem ser referenciados no texto por 50 x 55 em. Sempre que haja re­ um número de ordem corresponden­ dução ou ampliação do documento te. cartográfico original, deverá constar As legendas e outras referências de­ deste apenas a escala gráfica. vem estar destacadas do desenho e O desenho original deve ser feito em afastadas das margens. No caso de material estável. No caso de docu­ cartas do mapeamento sistemático, mentação cartográfica de precisão ver as normas e especificações de ou, quando a densidade de informa­ cada tipo de escala. É aconselhável ções contidas num mapa ou carta­ que para a elaboração de uma base grama dificulte a sua leitura, será ex­ precisa sejam utilizados os docu­ cepcionalmente permitida a im­ mentos cartográficos realizados pelo pressão em cores. Em caso IBGE ou por outros órgãos integran­ contrário, os valores cor serão subs­ tes do Sistema Cartográfico Nacio­ tituídos por hachuras, retículas ou nal: símbolos gráficos compatíveis com a 1 2 - As citações bibliográficas no texto escala. devem ser feitas de acordo com o Os documentos cartográficos devem Projeto ABNT 14.01.01.005 ser precedidos de títulos que permi­ Apresentação de citações em docu­ tam perfeita identificação e em suas mentos; legendas devem constar: classifi­ cação, nomes ou siglas das Unida­ 1 3 - As referências bibliográficas devem des da Federação representadas, ser numeradas em seqüência única e ano da publicação, escala, projeção apresentadas em folhas separadas (exceto nos cartogramas) e as con­ com indicação dos números respec­ venções cartográficas menos conhe­ tivos. Devem ser redigidas segundo cidas. a norma brasileira respectiva (ABNT A documentação cartográfica utiliza­ - NBR - 6023 Referências Bi­ da, com o nome ou sigla da fonte e bliográficas), contendo indicação outros elementos complementares por extenso dos títulos dos periódi• compatíveis à escala, devem ser cos, quando se tratarem de re­ descritos de modo sucinto. No caso ferências de artigos. A exatidão e de mapas e cartogramas deve existir adequação das referências a traba­ flexibilidade na disposição dos títu• lhos consultados e mencionados no los, legendas e outras referências, texto são de responsabilidade do au­ utilizando-se os espaços vazios ofe­ tor; recidos pelo próprio desenho. Deve 1 4 - Quando houver necessidade de divi­ ser estabelecida uma graduação de dir o trabalho em capítulos, seções e importância, adotando-se diferentes partes, esses devem ser numerados, tamanhos de tipos nos dizeres da le­ progressivamente, com o objetivo genda. único de orientar o diagramador na A moldura, em torno do desenho de aplicação de recursos gráficos que um mapa ou cartograma, deve ga­ permitam substituir essa nume­ rantir uma margem no papel. Para as ração, ordenação de títulos e subtí• cartas pertencentes ao mapeamento tulos.