Alterity Or Austerity: a Review on the Value of Health Equity in Times Ticle of International Economic Crises
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DOI: 10.1590/1413-812320182412.23202019 4459 A R Alteridade ou austeridade: uma revisão acerca do valor da A TIGO equidade em saúde em tempos de crise econômica internacional R Alterity or austerity: a review on the value of health equity in times TICLE of international economic crises Simone Schenkman (https://orcid.org/0000-0003-1140-1056) 1 Aylene Emilia Moraes Bousquat (https://orcid.org/0000-0003-2701-1570) 1 Abstract In recent decades, the global and ag- Resumo Nas últimas décadas, o sistema capita- gressive crises-transformed capitalist system has lista, transformado por meio de crises mais agres- subjected society to fiscal austerity and strained sivas e globais, tem submetido a sociedade à auste- the assurance of its right to health, as an impo- ridade fiscal e tensionado a garantia dos direitos à sition to increase health systems efficiency and saúde, como imposição para ampliar a eficiência e effectiveness. Health equity, on the other hand, efetividade dos sistemas de saúde. A equidade em provides protection against the harmful effects of saúde, por outro lado, opera como fator protetor austerity on population health The aim of this ar- em relação aos efeitos nocivos da austeridade so- ticle is to analyse the effect of the global financial bre a saúde da população. O objetivo deste artigo é crisis on how health equity is considered against analisar o efeito da crise financeira global quanto effectiveness in international comparisons of heal- à valorização da equidade em saúde frente à efe- th systems efficiency in the scientific literature. -In tividade nas comparações internacionais de efici- tegrative review, based on PubMed and VHL da- ência dos sistemas de saúde na literatura científi- tabases searches, 2008-18, and cross-case analysis. ca. Realizada revisão integrativa, com busca nas The balance between equity and effectiveness bases de dados PubMed e BVS, de 2008-18, com must be sought from health financing to results, in análise cross-case. O equilíbrio entre equidade e an efficient way, as a means to strengthening he- efetividade deve ser buscado desde o financiamen- alth systems. The choice between alterity or aus- to até os resultados em saúde, de modo eficiente, terity must be made explicitly and transparently, como forma de fortalecimento dos sistemas de with resilience of societal values and the principles saúde. A escolha entre alteridade ou austeridade of universality, integrality and equity. deve ser feita de forma explícita e transparente, Key words Health equity, Health sector reform, com resiliência dos valores societais e princípios de Efficiency, Effectiveness, Capitalism. universalidade, integralidade e equidade. Palavras-chave Equidade em saúde, Reformas de sistemas de saúde, Eficiência, Efetividade, Capi- talismo. 1 Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo. Av. Dr. Arnaldo 715, Cerqueira César. 01246- 904 São Paulo SP Brasil. [email protected] 4460 Introdução tências à flexibilização do direito à saúde4,5. Em 1970, com a crise do petróleo e da dívida externa Nas últimas décadas, o sistema capitalista tem no terceiro mundo, associada à queda na taxa de Schenkman S, Bousquat AEM Bousquat S, Schenkman se transformado por meio de crises, que assu- lucro e inflação descontrolada, foi proposta pelo mem papel central na sua manutenção, de forma Banco Mundial (BM) e Fundo Monetário Inter- não acidental. Esse modo de produção, por suas nacional (FMI), como modelo para a solução de contradições internas, é dependente destas cri- problemas, a redução do Estado de bem-estar ses esporádicas para espoliar o excesso de capital social, com privatização e reformas tributárias, acumulado e abrir novas possibilidades de cresci- desregulamentação e liberalização financeira5,6. mento e de investimento. Essas reconfigurações Na década de 1990, com a crise da dívida ex- acabam também por tensionar os direitos sociais terna da América Latina e a crescente financei- adquiridos, uma vez que a expansão do capital e a rização do capital, emergem propostas da OMS flexibilização das relações sociais, em especial as e BM, de um novo universalismo na saúde, pre- de produção e circulação, buscam consolidar no- cursor da cobertura universal em saúde. Como vas formas de poder de classe, e tem envolvido nas contrapontos, vale citar a abordagem integradora últimas crises a perda de direitos, quando vistos e sistêmica da Atenção Pimária à Saúde (APS) da como obstáculos às suas operações1. Organização Mundial de Saúde (OMS), em Alma Assim, os direitos humanos de diferentes gera- Ata (1978)5,6, e a comissão criada para discussão ções: - os relativos à liberdade (direitos individuais e valorização dos determinantes sociais de saúde, civis e políticos), à igualdade (direitos fundamen- pela OMS, bem como propostas voltadas ao for- tais: sociais, com ênfase na saúde, econômicos e talecimento dos sistemas de saúde7,8. culturais), e à solidariedade (direitos difusos ou Com a CFG, inicialmente com a crise dos coletivos) - são renovadamente ameaçados2. A si- bancos, depois com a dívida soberana e o baixo tuação é ainda mais dramática nos países capita- crescimento, o setor saúde vai se voltando à fi- listas periféricos, onde sequer os direitos de segun- nanceirização e os fundos públicos são progres- da geração foram efetivamente garantidos para o sivamente apropriados pelo mercado privado. conjunto da população. Não tardaria para que em 2012 fosse declarado As principais semelhanças entre as maiores o ano da cobertura universal pela OMS e fossem crises do capital (1929 e 2008) ocorreram no plano prospectados futuros mercados de saúde pela macroeconômico, precedidas pela movimentação Fundação Rockefeller. Em 2014, a Organização internacional indiscriminada do capital. Décadas Pan-Americana da Saúde (OPAS) tensiona a dis- de estagnação nos salários dos trabalhadores, com cussão da saúde universal e do direito à saúde, lucros de grande vulto no topo da distribuição, ampliando a estreita concepção de cobertura, coexistindo o capital e a oferta de trabalho ocio- sem garantia de acesso5,6,8. so, sem utilidade social, foram a marca dos anos Assim, a cada crise, prega-se a austeridade anteriores às crises. Assim, estas correspondem fiscal e a mercantilização da saúde como solu- a exacerbações de iniquidades socioeconômicas, ção para os déficits financeiros, com resultados acumuladas com deslocamentos espaciais e tem- nefastos à saúde da população4,5,6. Em situações porais do capital, que coincidiram com a desregu- de crise econômica, o colapso dos sistemas de lamentação excessiva dos mercados financeiros3. saúde tende a ocorrer quando o sistema de pro- As especificidades da Crise Financeira Glo- teção social se encontra previamente espoliado e bal (CFG), de 2008, encontram-se no modo de o sistema de saúde, altamente fragmentado e pri- regulação escolhido para substituir o modelo vatizado, evidenciando-se a divisão da socieda- anterior, com menores custos e maiores lucros, de na escolha e utilização dos serviços de saúde. flexibilização das relações sociais e elevado ritmo Além disso, as altas taxas de desemprego e perda de inovações tecnológicas, induzindo ao desem- de moradia têm importantes repercussões na si- prego estrutural. A natureza financeira do siste- tuação de saúde das populações; alguns estudos ma fornece maior sobrevida ao capital, porém associam aumentos ao incremento da incidência em operações de grande risco que, em ambiente de depressão e da ocorrência de suicídios e homi- sem a devida regulamentação, produz crises mais cídios, bem como de alcoolismo, abuso de drogas agressivas e globais, por vezes transformando o e da morbidade por doenças infecciosas4,5. Desse otimismo e a liberdade de alguns, em tragédia e modo, é exatamente quando aumentam as neces- exclusão para muitos1. sidades para utilização dos serviços de saúde, que Estas crises também se traduzem nas tensões os dispêndios públicos em saúde decrescem de decorrentes das concepções e recomendações das forma vertiginosa e com retração de investimen- organizações internacionais e as respectivas resis- tos4, conforme exemplos da Grécia6,9, Espanha 4461 Ciência & Saúde Coletiva, 24(12):4459-4472, 2019 24(12):4459-4472, Coletiva, & Saúde Ciência e Itália6. Ao contrário, países que priorizaram o A questão de pesquisa, que orientou a revisão crescimento econômico, com aumento dos gas- integrativa e a construção deste artigo, é compre- tos públicos, e resistiram a reduções na proteção ender como as avaliações de eficiência de siste- social, fundada no princípio da solidariedade e mas de saúde têm sido abordadas, em tempos no sentido filosófico da alteridade, mantiveram- de crise, tendo como norte a equidade e como se se mais estáveis, mesmo em tempos de crise, manifestam nos diferentes tipos de sistemas de como a Islândia, Alemanha, França e Suécia4,5,6. saúde. Nas situações de crise mais uma vez ganha Foram estudadas as definições utilizadas para proeminência a equidade em saúde, definida eficiência e sistemas de saúde, verificando nos -úl como a ausência de diferenças sistemáticas nos timos dez anos como que essas avaliações foram determinantes de saúde entre grupos sociais, em realizadas, sua coerência e consistência, e respec- diferentes posições na hierarquia social. As ini- tivas variáveis de representação dos conceitos quidades em saúde trazem desvantagens adicio- utilizados. nais a grupos que já se encontram historicamente em desvantagem social, em decorrência de gêne- Estratégia de busca ro, raça ou religião, dentre outros atributos10. A equidade