16 Introdução Proximidade Do Pesquisador Com O Tema Os
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16 Introdução Proximidade do pesquisador com o tema Os estudos acadêmicos e, em especial, as dissertações e teses, via de regra, procuram responder a algum questionamento da sociedade ou pelo menos a alguma inquietação do pesquisador. Nas ciências humanas as experiências vividas pelo pesquisador podem ou deveriam ser relevantes na escolha e no desenvolvimento do tema a ser estudado. Frequentemente pesquisadores elaboram estudos que não refletem as suas experiências de vida, profissionais ou pessoais. Ainda que estas pesquisas possam ter relevância científica, utilizem-se dos métodos científicos tradicionais e obtenham os graus acadêmicos almejados; dificilmente permitirão ao pesquisador usufruir do mesmo prazer, que aquelas pesquisas nas quais o objeto do estudo faz parte da vida profissional e pessoal do pesquisador. Na minha avaliação, uma “Tese” deveria ser o culminar de uma história de vida ou fruto dela. A metodologia escolhida, a análise das histórias de vida ou história oral de vida híbrida e o tema; o desenvolvimento do judô no Brasil, estão estreitamente relacionados com as minhas experiências pessoais, vividas, predominantemente no meio do judô. Meu envolvimento com o judô ocorreu através do ingresso nessa prática na escola, ainda no ensino fundamental em Porto Alegre - RS. Assisti a minha primeira aula no porão do Anexo do Colégio Estadual Júlio de Castilhos, em uma sala pequena com o piso coberto por serragem coberta por lona verde. Alguns anos antes, com a idade de cinco ou seis anos já tinha tido a oportunidade de ver o judô em outra academia, onde meu pai praticava. Nunca poderia imaginar que retornaria a ver e entrevistar o professor de meu pai, sensei João Graf Vassoux, quase cinqüenta anos após, com objetivos acadêmicos. Naquela ocasião não me interessei muito pela prática, possivelmente porque meu pai não fazia parte do grupo de graduados. Mesmo sendo um homem forte e aluno aplicado, caia mais do que derrubava. Aquilo não me agradou muito. Aos 11 anos com um uniforme, judogui1 que pertencera ao meu pai e, no mesmo colégio onde estudava o primeiro ano ginasial, tive a minha iniciação no judô com um professor brasileiro, sensei Irineu Pantaleão Bazacas. Ele normalmente não vestia o judogui e não me recordo se havia ou não um retrato de Jigoro Kano no nosso 1 As palavaras em itálico podem ser encontradas no glossário ao final do texto ás páginas 184 a189. 17 dojo2. Ainda assim, era um judô japonês. O judogui simples da marca Tigre, as saudações, o mukso, o vocabulário japonês, a disciplina e a etiqueta, não diferia muito daquela que encontrei no Japão 15 anos depois. Pouco tempo depois, um dos professores de Educação Física da escola, Colégio Estadual Júlio de Castilhos, assumiu as aulas de judô. Então tive o primeiro contato com o professor Francisco Xavier de Vargas Neto, que viria a ser o meu treinador. O “Chico do Judô” foi responsável pela formação de uma geração de judocas no Rio Grande do Sul, entre os quais eu me incluo. Mais do que treinador ele influenciou toda a minha vida e, a de muitos outros garotos. Mesmo hoje, passados mais de quarenta anos desse primeiro contato, continuamos nos encontrando. Formamos uma confraria que se encontra regularmente para comer um churrasco e, invariavelmente, falar de judô. De uma certa forma, acabei seguindo os passos deste professor, pois hoje sou também professor de educação física e treinador de judô. Outros dois professores já falecidos tiveram influência definitiva na minha trajetória, sensei Naoshige Ushijima, meu sensei japonês e o professor Bugre Ubirajara Marimon de Lucena, com quem convivi intensamente na universidade e cujas lições me ensinam até hoje. Hoje lamento não ter entrevistado os dois mestres com quem tive tanto contato, com certeza tornariam este estudo mais completo e interessante. Ambos foram professores fundamentais no desenvolvimento do judô do Rio Grande do Sul, um deles pelo seu contato freqüente com a sua origem, o judô japonês, e o outro, por ter sido o introdutor do judô na Escola de Educação Física da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, onde passou a formar toda uma geração de futuros professores, e assim indiretamente contribuiu para o crescimento do judô no Rio Grande do Sul. Por influência do sensei Naoshige Ushijima consegui um estágio de treinamento no Japão, na Universidade Kokushikan, onde treinei sob a orientação dos professores Nishida e Moriwaki e Hitoshi Saito. Este período me oportunizou uma experiência singular, que ultrapassou os conhecimentos de judô que adquiri. Viver no Japão sem falar japonês com pouco dinheiro e, com as limitações dos sistemas de comunicação da época, me proporcionou um grande crescimento pessoal. Finalmente em 1998/99, mais de dez anos depois de encerrar a minha carreira de atleta, em um curso de treinadores na Universidade de Leipzig, pude conhecer a estrutura do judô 2 Dojo – Termo japonês que refere local para prática de atividade marcial, ou local próprio para seguir o caminho. 18 Europeu e desfrutar da convivência do professor Karl Heinz Von Deblitz, outro grande sensei. Nesses quarenta anos que pratico judô, completados em 2011, meu interesse passou de aprendiz das quedas e técnicas (waza) de projeção e de solo, aos treinamentos com objetivos competitivos, (renshuo), para o entendimento das formas e métodos de treinamento e busca da performance e, finalmente, para o entendimento de como ocorreram essas modificações na prática do judô no nosso país. Desde o início da minha carreira de atleta (1971), chegando à conquista da faixa preta, (sho Dan) em 1979, a conclusão do curso de Graduação em Educação Física em 1980, minha especialização em judô na Universidade de Leipzig em 1998/99, e finalmente o epílogo deste curso de doutorado na USP, se passaram quatro décadas. Ao longo delas o judô se transformou. Para mim essa transformação foi de atividade de lazer, passando por esporte de competição até se transformar na minha profissão. Esta foi a minha maior motivação para desenvolver esse estudo. De fato, nestes quatro anos de estudos, tive a oportunidade de rever muitos amigos, conhecer e treinar em alguns dos melhores dojos do país, tanto de formação quanto de treinamento dos melhores atletas do judô brasileiro. Como experiência única, cito os treinamentos na Vila Sônia, vinte anos depois da minha primeira visita. A convivência de alguns dias com o sensei Massao Shinohara, que ainda ministra aulas para iniciantes, aos 86 anos, foi por si só uma experiência única. O exemplo de vida do sensei Shinohara e a forma como encara o ensino do judô, só por isso já valeu a pena. Espero que esta investigação possa elucidar alguns aspectos do desenvolvimento do judô no Brasil e estabelecer onde e como a imigração japonesa influenciou o judô no nosso país. Introdução ao tema O judô é uma modalidade esportiva de origem japonesa que chegou ao Brasil no início do século XX e que hoje em dia é praticado por cerca de dois milhões de pessoas. A introdução do judô no Brasil ocorreu principalmente a partir da imigração japonesa, com a chegada do Kasato Maru3, em 1908. Outra versão para o início dessa modalidade é a chegada dos primeiros professores-lutadores4, representantes da 3 Nome do primeiro navio de imigrantes japoneses a chegar ao Porto de Santos em 1908. 4 Em 1914 chegaram ao Brasil Mitsuyo Maeda, Soishiro Satake, Laku, Shimitsu e Okura. 19 Kodokan5, com o intuito de difundir esta prática no país. A influência da imigração japonesa foi decisiva na formatação dos processos pedagógicos e na formação dos primeiros praticantes e professores brasileiros. Desde a sua introdução até os dias de hoje, o judô se transformou em um esporte de combate difundido internacionalmente e, aqui no Brasil, sofreu outras influências, tanto nos seus aspectos pedagógicos e educacionais quanto nos seus objetivos e fundamentos. Definido pelo seu criador, professor Jigoro Kano, como “método de educar o corpo, a mente e o espírito e de competir vitoriosamente...” (KANO, Jigoro. 1954), o judô passou a ser praticado no Brasil e no mundo, predominantemente, como um esporte cujos objetivos educacionais, formativos e marciais foram relegados a um segundo plano ou totalmente esquecidos. A prática do judô sempre esteve associada à formação do caráter, à disciplina pessoal e à educação de um modo geral, além dos aspectos da defesa pessoal e da saúde (MAEKAWA, M.; HASEGAWA, Y., 1963; TOMIKI, K., 1969; OIMATSU, S., 1984; RUAS, V., 1999; PFISTER, G., 1999; SUGAI, V. L., 2000; WATSON, B., 2000; SOUZA, G., CARDIA, F., FRANCHINI, E., 2007; SIEBER, L.; CYNARSKI, W.; LITWINIUK, A., 2007; SERRANO, E., 2008; LUIZ JUNIOR C.; INTERDONATO G.; MIARKA B.; GORGATTI, M., 2008; HACKNEY, C., 2009). Muitos profissionais da área da saúde recomendam a prática do judô como uma forma de contribuir para a disciplina de crianças e adolescentes e, até mesmo, para minimizar problemas de saúde como hiperatividade, asma e obesidade. Em alguns casos, os alunos procuram o judô para minimizar problemas de relacionamento como timidez ou agressividade excessiva. Mesmo sem comprovação científica consistente, médicos, pedagogos e psicólogos costumam indicar a prática do judô, na expectativa de que ele possa auxiliar na formação desses indivíduos. (GEESINK, A., 2005) O principal objetivo desta investigação foi o de identificar alguns dos principais genearcas6 do judô brasileiro e construir a “árvore genealógica judoística” dos atletas medalhistas em Jogos Olímpicos e campeonatos mundiais. Tendo em vista a importância que a prática do judô adquiriu na sociedade brasileira e o grande número de praticantes nas mais diversas faixas etárias, este estudo investigou as origens e o 5 Escola criada por Jigoro Kano para desenvolver o judô, o termo significa, escola para desenvolver o caminho. 6 Defini como genearca aquele professor que adquiriu seus conhecimentos de luta (judô ou jiu-jítsu) antes de chegar ao país, em condições de retransmiti-los e assim contribuir para o desenvolvimento do judô no país.