Sociedade, Endogamia E Homogamia Matrimoniais Na Freguesia De Jacarepaguá, Rio De Janeiro (C.1750-C.1800)
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435 Bordando as redes familiares: sociedade, endogamia e homogamia matrimoniais na freguesia de Jacarepaguá, Rio de Janeiro (c.1750-c.1800) Embroidering family networks: matrimonials endogamy and exogamy in Jacarepaguá, Rio de Janeiro (c.1750-c.1800) Mareana Gonçalves Mathias da Silva Barbosa1 Resumo: Este artigo tem como objetivo analisar o estudo de caso de duas famílias e suas estratégias matrimoniais de homogamia e endogamia matrimonial entre 1750 e 1800, na freguesia rural de Jacarepaguá. Inseridos no Antigo Regime católico português, os personagens apresentados possuem uma forte noção de pertencimento à Monarquia portuguesa e suas regras, que eram observadas por cada um, por suas famílias e seus vizinhos. Visto que se trata de uma paróquia rural, onde os laços são intrinsecamente ligados à moral religiosa, as principais formas de aliança eram a designação de padrinhos de batismo e a escolha familiar de cônjuges para o casamento. Através dos laços familiares, escravos, libertos e livres, conviviam no mesmo espaço e compartilhavam da mesma tradição, assim como inseriam estrangeiros e forasteiros a todo o tempo em sua lógica de funcionamento, a fim de garantir a paz e a boa convivência. Palavras-chave: antigo regime português; Jacarepaguá; estratégias matrimoniais. Abstract: This article aims to analyze the case study of two families and their matrimonial strategies of homogamy and endogamy between 1750 and 1800, in the rural parish of Jacarepaguá. Situated in the Old Portuguese Catholic Regime, the characters presented have a strong notion of belonging to the Portuguese Monarchy and its rules, which were observed by each one of them, their families and their neighbors. Since this is a rural parish, where ties are intrinsically linked to religious morality, the main forms of alliance were the nomination of baptismal godparents and the family choice of spouses for marriage. Through family ties, slaves, freed and free, lived in the same space and shared the same tradition, as well as inserting foreigners and outsiders at all times in their logic of functioning, in order to ensure peace and good coexistence. Keywords: portuguese ancient regime; Jacarepaguá; marriage strategies. Introdução Este artigo tem por objetivo demonstrar um estudo de caso sobre as estratégias matrimoniais dos moradores da freguesia de Jacarepaguá, onde habitavam partidistas e foreiros2 entre as décadas de 1750 e 1800. Jacarepaguá localizava-se na área rural do Rio 1 Bacharel, licenciada e mestre em História Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Atualmente cursa o Doutorado na mesma instituição, no Programa de Pós-graduação em História Social. É professora da rede municipal na cidade de Piraí/RJ desde 2015. 2 Partidistas são lavradores de cana que em troca de um pedaço de terra, os partidos, devem entregar parte da cana ao engenho em que estão submetidos. Foreiros, por sua vez, pagam um foro anual para o dono da Aedos, Porto Alegre, v. 12, n. 27, março 2021. 436 de Janeiro, como quase todas as regiões que não faziam parte das quatro freguesias urbanas: Sé, Candelária, Santa Rita e São José. Para este artigo, escolhemos duas famílias que, por décadas, mantiveram a endogamia e a homogamia familiar matrimonial, ou seja, planejaram casamentos entre membros de suas famílias a fim de manter, conforme a nossa hipótese, o patrimônio material e imaterial adquirido durante séculos entre “iguais” (por isso casamentos homogâmicos). Para que este artigo fosse escrito, foram utilizadas, basicamente, quatro tipos de documentação; três de natureza paroquial. A mais qualitativa e que contém mais informações foram as habilitações matrimoniais - necessárias para homens e mulheres livres que quisessem se casar frente à Santa Igreja Católica -, as quais contém muitas informações sobre os cônjuges e suas famílias, além de testemunhos e anexos. Além das habilitações matrimoniais, usamos, também, os batismos para compreender o intervalo primogenésico e intergenésico, os quais auxiliam a compreender a permanência – ou não – de alguns casais na mesma localidade, como é o caso da família a qual escolhemos para o estudo de caso, além da atribuição de nomes e escolha de padrinhos. Por último, alguns óbitos e testamentos foram utilizados para fazer uma análise primária e correlacional entre a família e o acesso à terra. A partir do cruzamento dessas três fontes paroquiais e do censo3 realizado pelo Conde de Resende, pudemos chegar a algumas conclusões acerca da lógica de funcionamento matrimonial das famílias Oliveira Lobo e Cordeiro de Castro. Para a melhor compreensão da história que estamos prestes a contar, o presente artigo divide-se em quatro partes. Em primeiro lugar mostraremos brevemente, embora com mais especificidade, a “natureza” das documentações utilizadas; em seguida, faremos fazenda, cujo valor pode depender da relação que este mantém com o senhor de engenho. Cf. ABREU, Mauricio. Geografia Histórica do Rio de Janeiro (1502 – 1700). Rio de Janeiro, Ed. Andrea Jakobsson Estúdio e Prefeitura do Município do Rio de Janeiro, 2010. V. II. pp. 106-11. 3 Mapa de população feito pelo Conde de Resende nas freguesias do Distrito da Guaratiba em 1797. Mapa descritivo do distrito da Guaratiba, freguesia de Jacarepaguá. 1797. AHU-Rio de Janeiro, cx. 165, doc. 62. O mapa de população apresenta os nomes dos chefes de domicílio, a quantidade de filhos, se eles eram ou não casados, se eram homens ou mulheres, se possuíam escravos ou agregados, o tamanho de sua terra, o que plantavam e a lucratividade anual. Trata-se obviamente, de um retrato estático da freguesia em 1797, o qual precisou ser cruzado com mais documentos para que obtivéssemos uma ideia do funcionamento da sociedade do período. Aedos, Porto Alegre, v. 12, n. 27, março 2021. 437 uma pequena apresentação da freguesia de Jacarepaguá; enquanto isso, a parte três concentra-se na explicação da organização da sociedade do Antigo Regime monárquico português; a quarta parte dedica-se ao objeto principal de nossa análise, as duas famílias envolvidas na endogamia e homogamia matrimonial; e a última e quinta parte continua a história das famílias Cordeiro de Castro e Oliveira Lobo a partir da comparação com uma localidade ibérica. Escrevendo sobre o passado colonial: fontes paroquiais e o censo do Conde de Resende Para que fosse possível representar em palavras a história de duas famílias que viveram há mais de dois séculos atrás, contamos com a análise de documentos paroquiais e com o censo feito em 1797. Por meio do cruzamento desses documentos, pudemos colocar neste artigo, algumas informações, ainda que fragmentadas, sobre essas famílias – fragmentadas porque o passado nunca pode ser reconstruído, tampouco o presente. Desse modo, pudemos apresentar dados sobre como viviam essas famílias no Rio de Janeiro do século XVIII. Entre as informações que encontram-se na habilitação matrimonial estão os registros de batismo dos contraentes (e, portanto, o nome de seus pais e padrinhos e as respectivas naturalidades), que são os que querem se casar, o depoimento deles4, indicando seu local de moradia, suas naturalidades, idades, se são ou não legítimos5, informação sobre as paróquias em que moraram por mais de 6 meses e o certificado da quaresma atestado por um pároco. 4 Em geral, os depoimentos deveriam ser dados ao juiz dos casamentos, que se localiza nas freguesias urbanas. Como Jacarepaguá é uma freguesia rural, não é pouco comum que os contraentes pedissem, pela distância que os depoimentos fossem tomados pelo seu pároco na própria freguesia de Jacarepaguá. Para isso, muitas vezes lançavam mão do artifício do “atestado de pobreza”, dizendo não poder arcar com os custos do deslocamento. 5 Legítimos são filhos que nasceram enquanto os pais eram casados. Naturais são os que tem os dois pais solteiros ou só é declarada a ascendência de um progenitor. Caso os pais se casassem após o nascimento da criança, esta poderia ser considerada legítima por casamento posterior. Embora tenham sido encontrados casos como esses, não eram muito comuns na freguesia. Aedos, Porto Alegre, v. 12, n. 27, março 2021. 438 Estas são as informações que aparecem em todas as habilitações, a não ser que alguma certidão de batismo não fosse encontrada6 ou se estas informações não existissem, como é o caso de alguns africanos recém-saídos do cativeiro cujos nomes dos pais não consta, uma vez que provavelmente vieram adultos do continente. Nesses casos, era obrigatória a realização de uma justificação de batismo, na qual o contraente deveria apresentar três testemunhas capazes de confirmar que ele fora batizado, fornecendo todas as informações de seu conhecimento referentes ao batismo. Obedecendo às regras do Concílio de Trento, o casal que desejasse se unir pelo laço sagrado do matrimônio deveria informá-lo ao seu pároco7 e, por sequência, fazer denunciar oralmente os proclames8, ditos em domingos ou dias santos, tanto nas freguesias em que moraram por mais de seis meses quanto nas freguesias urbanas.9 Este proclame gerava um documento por um escrito que deveria ser anexado ao processo, cujo exemplo segue: Quer casar Francisco Coelho da Silveira, filho legitimo de Domingos Coelho Linhares e Ana Maria da Silveira, natural e batizado na freguesia de Santa Barbara, bispado de Mariana, por ora assistente na freguesia do Santissimo Sacramento com Sebastiana Tereza de Azevedo, filha legitima de José Teixeira de Azevedo e Antonia Maria da Assunção, natural e batizada na freguesia de Nossa Senhora do 6 Uma vez não se encontrando o batismo, era necessário