43º Encontro Anual da Anpocs

ST 29: Pensando as décadas esportivas: Análise social do Futebol e dos eventos esportivos realizados no Brasil

Copa do Mundo 2019 e a cobertura do jornal O Globo: invisibilidades, machismo e quebra de paradigmas

Autores: Ronaldo Helal, professor titular do PPGCOM – UERJ e Carol Fontenelle, mestranda do PPGCOM - UERJ

Resumo

O Brasil disputou a Copa do Mundo de futebol na modalidade para mulheres em junho. Foi a oitava participação do país na competição, ou seja, esteve em todas as edições, sendo que esta é a primeira vez que a Rede Globo de televisão realizou a transmissão dos jogos ao vivo. Diante disso, como O Globo, por meio de seu site, trata esta Copa do Mundo? Como as jogadoras e o campeonato são apresentados para o público? Há intenção de gerar proximidade entre o público e as próprias atletas, gerando assim audiência?

Introdução

O presente artigo tem como objetivo investigar os recursos acionados pelo jornal O Globo na “construção” das narrativas em torno da Copa do Mundo de futebol de mulheres.

Nossa análise se concentrou no seguinte período: três meses antes dos jogos (que começaram em 7 de junho) até o término da participação da seleção brasileira no campeonato. Por meio do portal online do jornal, utilizamos palavras-chaves, ligadas à competição, a exemplo de “copa do mundo de futebol feminino”. Foram encontradas matérias que criticavam um suposto olhar machista para a modalidade e outras em que consideramos que este mesmo olhar era “reforçado”. Para entendermos o porquê destes aspectos enraizados em nossa cultura, iremos recorrer à história do futebol de mulheres no Brasil.

Além disso, analisamos matérias nas quais há clara tentativa de tentar explicar para os leitores o porquê do futebol de mulheres não ter a mesma visibilidade que os homens, realizando esta comparação entre gêneros em vários momentos.

Vale lembrar que utilizamos durante o texto o termo futebol de mulheres, pois, de acordo com alguns estudiosos como o professor Pablo Alabarces, em palestra realizada, em abril de 2019, na UERJ, o termo futebol “feminino” pode ser interpretado como se as mulheres jogassem uma modalidade de futebol diferente que a dos homens. A metodologia utilizada foi a análise de narrativas, tal qual desenvolvida por HELAL, a exemplo de seu artigo: “Narrativas de la prensa francesa sobre el fútbol brasileño en los Mundiales de 1958 y 19981”.

Identidade de gênero e patriarcado

Na sociedade patriarcal2, a figura de poder está centrada no homem. Na sociologia Weberiana, o autor aponta que o poder da autoridade doméstica se caracterizava sob o aspecto de propriedade. É como se o chefe de família fosse dono não apenas de sua propriedade, mas também dos filhos, esposa e servos.

No caso da autoridade doméstica, antiguíssimas situações naturalmente surgidas são a fonte da crença na autoridade, baseada em piedade, para todos os submetidos da comunidade doméstica, a convivência especificamente íntima, pessoal e duradoura no mesmo lar, com sua comunidade de destino externa e interna; para a mulher submetida à autoridade doméstica, a superioridade da norma e da energia física e psíquica do homem; para a criança, sua necessidade objetiva de apoio; para o filho adulto, o hábito, a influência persistente da educação e lembranças arraigadas da juventude; para o servo, a falta de proteção fora da esfera de poder de seu amo, a cuja autoridade os fatos da vida lhe ensinaram submeter-se desde pequeno (WEBER, 1991, p. 234). Desta forma, cabia ao homem ditar as regras e aos demais respeitarem o que ele escolhesse para seus destinos. Cabia à mulher obedecer a seu marido, cuidar da casa e da prole. É um poder opressor que abarcaria também o campo das ideias, pois as mulheres sequer poderiam estudar e expor a sua opinião em público. A partir da década de 1920, as mulheres conquistaram uma participação social mais ativa, pois eram vistas como consumidoras, já que muitas já haviam conseguido trabalho remunerado e tinham maior acesso à educação. Nesta mesma época, movimentos civis começaram a ser formados com o objetivo de proporcionar mais espaço para elas que, mesmo trabalhando, ainda tinham que estar em papel de submissão.

1 Artigo apresentado no LASA 2018 - XXXVI International Congress of the Latin American Studies Association, 2018, Barcelona. LASA2018 CONGRESS PAPERS. Barcelona: Latina American Studies Association, 2018. v. 1. p. 1-17.

2 Na sociedade patriarcal, citada por Weber, o poder estava centrado nos homens. Entendemos, assim, que a análise do autor refere-se às sociedades na qual sua estrutura estava baseada na dominação de homens sobre mulheres. Compreendemos também que o conceito, cunhado antes da criação do advento do Estado, não é capaz de abarcar toda a complexidade envolvida na sociedade capitalista atual, desta forma, sendo utilizada em nosso artigo como aporte histórico. Os novos papéis femininos puderam ser assimilados nas relações patriarcais, desde que fossem racionalizados como uma extensão, para a esfera pública, das capacidades inatas das mulheres e, pois, não emancipassem as mulheres da dependência mental, emocional ou econômica com relação aos homens (e, portanto, da subordinação a eles). Na verdade, esses novos papéis, criando uma ilusão de mudança, mascaravam – e com isso ajudavam a perpetuar – a dominação masculina. (BESSE, 1995, p. 223).

Os discursos sobre quais práticas são ideais para cada sexo, muitas das vezes aliados às capacidades chamadas de inatas, fazem parte da produção de verdades. Em História da Sexualidade (1988), Foucault já traçou que esta história é uma invenção social, já que definir um papel para a sexualidade pode fazer com que ela seja usada como instrumento de utilidade para manter os padrões sociais e controlar a própria sociedade. Desta forma, os discursos têm o papel de instaurar saberes e, no caso da mulher, impõe o papel que ela deve ocupar socialmente, contribuindo para a sua identidade.

Cada grupo social segue as suas regras que estão ligadas a uma estrutura socialmente criada para disciplinar ou, como aponta Foucault, são criados micropoderes para disciplinar. A preocupação do autor nunca foi definir o que são os poderes, mas sim analisar como os poderes são operados em sua estrutura. Para ele, o homem (devemos entender que esta palavra está sendo utilizada no sentido de ser humano e não com a semântica de gênero) é o centro das transmissões de poder. Gestos, desejos, discursos são os primeiros efeitos de poder e as ideologias são instrumentos reais de formação e de acumulação do saber. O poder tem que fazer circular um saber. Já para Norbert Elias (2006), a necessidade de um comportamento regulado e autocontrolado é comum a todos os grupos sociais. A diferenciação se dá nos modelos que imprimem diferentes tipos de regulação do comportamento, nos tipos de coação externa e nas condições de autocoação. Isto faz parte de um processo de individualização, ou seja, o sujeito é, desta forma, educado para fazer parte do seu grupo, a partir dos comportamentos internalizados, em um processo que passa através de gerações. Desta forma, fazendo análise da sociedade brasileira, podemos concluir que o saber instituído para mulher em ser ela a dotada de habilidade para cuidar da família transmite um micropoder instituído, no qual ela internaliza este papel, muitas das vezes sem se dar conta de que este lhe foi atribuído. Ou seja, sua individualidade também é construída.

Distinção de gênero na prática do futebol

Mulheres são ensinadas desde cedo que rosa é a cor mais bonita. Seus brinquedos incluem kits domésticos e bebês, enquanto homens ganham carrinhos, bolas de futebol e uniformes de clubes. Ou seja, há um processo de diferenciação do que faz parte de cada universo e isto começa antes mesmo do indivíduo vir ao mundo.

Sendo assim, meninas são incentivadas a brincarem de forma distinta dos meninos, como explica Daolio (1997), ao brincar com determinados brinquedos de acordo com o gênero, ou seja, se forem meninas, brincam de boneca, caso contrário, jogam bola, brincam de carrinho. Desta forma, existe uma construção social desde a infância que o futebol é esporte para homens. Esta construção social durante muito tempo teve o apoio de teorias biológicas de formação do corpo feminino. Em 1941, é promulgado o decreto-lei n. 3.199, que até o ano de 1975 estabeleceu as bases de Organização dos Desportos em todo o país. O artigo 54 faz referências à prática do esporte pelas mulheres. Preceitua que: “[...] Às mulheres não se permitirá a prática dos esportes incompatíveis com as condições de sua natureza, devendo para este efeito, o Conselho Nacional dos Desportos (CND)3 baixar as necessárias instruções às entidades desportivas do país [...]”. Ainda em 1941, o general Newton Cavalcanti apresentou ao CND algumas instruções que julgava necessárias para a regulamentação da prática dos esportes pelas mulheres. E assim, com a justificativa de que alguns esportes eram violentos, as mulheres ficaram proibidas de praticar de forma profissional lutas, futebol, rugby, water-polo e pólo. Em 1965, um outro parecer da CND deu instruções às entidades desportivas sobre a prática de esportes pelas mulheres, ratificando a proibição não apenas do futebol, mas também do futebol de salão e de praia. Além da ideia de que estes esportes eram violentos e a mulher frágil para executar tais atividades físicas, havia receio da masculinização do corpo, da redução de sua fertilidade – nesta época a mulher tinha como uma de suas funções sociais ser capaz de

3 O CND foi criado pelo decreto-lei n. 3.199 e extinto na Constituição de 1988. procriar. Sendo assim, podemos destacar que, na prática, a mulher não era aceita em um ambiente constituído como socialmente masculino, apesar de que neste mesmo ambiente havia a indicação de que elas deveriam realizar alguma atividade física leve, para manterem a boa forma, já que ter uma boa aparência poderia ajudá-las a conseguir um bom casamento ou mantê-lo. Apesar da proibição, muitas mulheres realizavam a prática esportiva clandestinamente. Eram consideradas grosseiras e sem classe. Já as mulheres da elite, assistiam aos jogos, já que o esporte era um evento da alta sociedade. Em 1967, Lea Campos, formada em Jornalismo e Educação Física, se tornou a primeira árbitra brasileira, após realizar um curso de oito meses na escola de árbitros da Federação Mineira de Futebol. Para a realização do curso, ela conseguiu encontrar uma brecha na lei. As mulheres eram proibidas de praticar o futebol, mas em nenhum lugar a lei cita que elas estariam proibidas a arbitrarem. Somente em 1971, Lea conseguiu o reconhecimento de seu diploma pela FIFA e, em 1979, as mulheres passaram a ter o direito de praticar o futebol de forma oficial4. Em 1981, é criado o primeiro clube de futebol feminino: o Esporte Clube Radar, no Rio de Janeiro. A seletiva para montar o time ocorreu nas praias de Copacabana e, durante um tempo, todo o time representava a Seleção Brasileira de futebol. Em 1988, elas foram para o Torneio Experimental da China, um teste criado pela FIFA como embrião da Copa do Mundo de Futebol Feminino que só veio surgir em 1991. Na ocasião, o time do Radar, que era a Seleção da época, conquistou o terceiro lugar, em meio a muito preconceito das famílias que não aceitavam que muitas delas jogassem5.

Vale ressaltar que a sociedade brasileira apresenta relação diferenciada entre a prática e o consumo do futebol entre homens e mulheres. Desde cedo homens são incentivados a praticar e a gostar de futebol, ganham bolas, camisas de clubes, aprendem a gostar de determinados jogadores. Enquanto meninas são incentivadas muitas das vezes a brincarem de donas de casa com seus bebês e atribuições domésticas, Ou seja, a prática

4 Para mais informações ler MOURÃO, Ludmila. As narrativas sobre o futebol feminino – o discurso da mídia impressa em campo. Rev. Bras. Cienc. Esporte, Campinas, v. 26, n. 2, p. 73-86, jan. 2005 5 Para mais informações ler https://dibradoras.blogosfera.uol.com.br/2019/09/06/o-clube-que-desafiou-a- lei-e-formou-a-primeira-selecao-brasileira-feminina/ masculina do esporte é legitimada socialmente, mas a feminina não, apesar dessa realidade apresentar mudanças nos últimos anos.

Sendo assim, ocorre também disparidade entre a atenção dada ao futebol de homens e de mulheres e este último é produto da escassez de recursos e do preconceito que as mulheres sofrem quando realizam esta prática esportiva, afinal, muitos talentos se perdem em meio a frases do tipo: “futebol não dá futuro”, “isto é coisa de menino”, “nenhum homem vai querer você se você jogar mais que ele”, conforme aponta Goellner.

Criado, modificado, praticado, comentado e dirigido por homens, o futebol parece pertencer ao gênero masculino, como parece também ser seu o domínio de julgamento de quem pode/deve praticá-lo ou não. É quase como se à mulher coubesse a necessidade de autorização masculina para tal. [...] Ou seja, é um jogo para machos. (GOELLNER, p.81, 2000)

A cobertura de O Globo

Foi possível observar que algumas matérias pretendem discutir a falta de investimento no setor, apresentam traços culturais que poderiam ser considerados como machismo ou ainda àquelas que aproximam o leitor da seleção, o que, obviamente, pode gerar audiência para a TV Globo que faz parte do mesmo grupo de comunicação. Em 18 de março foram publicadas duas matérias sobre a Seleção Brasileira. Na verdade, uma é o desdobramento da outra. Na primeira, “Cinco estrelas da nova geração da seleção brasileira feminina de futebol contam suas histórias - atletas lutam por mais valorização, incentivo e oportunidade”. Entrevistas com as jogadoras e fotos, onde percebemos que houve uma produção para a realização da reportagem: cabelos escovados, maquiagem e fotos não espontâneas. No texto, sempre palavras que fazem questão de ligar às atletas “ao que é da categoria feminina”6, como vaidade, feminilidade, e foco para os episódios nos quais elas sofreram preconceitos relacionados à sexualidade e ao machismo. Na entrevista com Camilinha, a matéria destaca o seguinte: “Na escola, quando jogava futebol no recreio, alguns meninos se penduravam na grade de proteção da quadra para gritar coisas como “futebol não é pra mulher” e “vai brincar de boneca, guri”; na fala de Andressinha, encontramos registro semelhante: “Vivia no meio de 20

6 Sabemos que ditar o que é característico somente das mulheres faz parte de uma das diversas representações sociais e isto não quer dizer que concordamos com a expressão. meninos e muitos me olhavam diferente. Cansei de ouvir que eu parecia um guri. Chorei muito por isso. Mas não guardo rancor porque tive forças para chegar aonde cheguei.” E na declaração de Adriana Leal, na mesma matéria, temos o seguinte registro em tom de desabafo:

Parece que o preconceito contra a mulher que atua no futebol nunca vai acabar. É só lembrar a campanha que as jornalistas fizeram (“Deixa Ela Trabalhar”) nas redes sociais pedindo o mínimo. Nós, jogadoras, também queremos o mesmo. E há várias campanhas de grupos de torcedoras de alguns clubes (“Deixa Ela Torcer”). Lamentável que ainda seja preciso alertar a sociedade para essa atitude machista7.

A matéria ainda traz Beatriz Zaneratto. Novamente a comparação com os homens: a atleta ganhou o apelido de “A imperatriz” desde os Jogos Olímpicos, mas ela não tem a mesma fama de Adriano, apesar de não passar despercebida pelas ruas de Seul (ela é atleta do Hyundai Red Angels, desde 2013). Além disso, encontramos a fala da mãe da jogadora dizendo que sonhava que ela fosse bailarina, mas “a menina de 4 anos só queria chutar o que via pela frente8”.

A outra entrevista é com Kerolin (e o mesmo texto depois é desmembrado e publicado no site no mesmo dia com o título: Jogadora da seleção brasileira feminina de futebol depende de R$ 1.400 de Bolsa Atleta). Tal qual acontece em diversas reportagens sobre jogadores, temos a ênfase na vida difícil: ela vive com cinco primos e quatro irmãos, em Campinas. A mãe, mesmo cansada após fazer faxinas, ia levar a filha para os treinos. Além disso, o texto traz elementos ligados à vaidade:

Exatamente porque entende a importância de manter uma boa imagem, Kerolin não se descuida. Vaidosa, tem três fixações: cabelos, sobrancelhas e dentes. Se tudo não estiver perfeito, ela nem sai do vestiário. Também tem outro ritual: antes de pisar no gramado, gosta de ouvir um funk bem batidão9.

7 O Globo, 18/03/2019.

8 Idem.

9 Ibidem. Podemos perceber a boa imagem ligada à estética e não ao desempenho futebolístico e a vaidade relacionada ao que é feminino. Notamos também que o elemento musical foi inserido. O funk é um estilo popular e afirmar que a atleta gosta de escutá-lo até antes das partidas (como já diversas vezes vimos jogadores falando sobre pagode, funk e sertanejo) pode aproximá-la de parte expressiva do público que também gosta deste estilo musical.

No dia 19 de março, a indicação que o futebol para mulheres está em crescimento, na matéria que tem o título: “Fifa recebe recorde de pedidos para sediar Mundial feminino de 2023”. Na reportagem, a informação que a organização recebeu nove pedidos para sediar os jogos: África do Sul, Argentina, Austrália, Bolívia, Brasil, Colômbia, Coreia do Sul, Japão, Nova Zelândia.

Na matéria de 29 de março, “Copa do Mundo feminina: o que você precisa saber”, o próprio título já nos mostra que a Copa na modalidade para mulheres não tem muita visibilidade e que é necessário uma espécie de manual para que o torcedor conheça-a. A reportagem inicia fazendo um enaltecimento à equipe: “Para chegar à Copa do Mundo, o Brasil fez uma campanha impecável na Copa América do Chile, em abril de 2018. A equipe venceu todos os sete compromissos e conquistou o sétimo troféu da competição, garantindo a vaga” e aponta-se que o esporte ainda é muito desvalorizado, comparando-o, inclusive, com o futebol para homens.

A Fifa anunciou um aumento na premiação para a seleção vencedora da competição, dobrando os recursos da edição de 2015, de US$ 2 milhões para US$ 4 milhões. O prêmio total da competição também foi ampliado, de US $ 15 milhões em 2015 para US $ 30 milhões. No entanto, os recursos seguem sendo inferiores a competição masculina. No ano passado, a França levou para casa US $ 38 milhões pelo título mundial. Já o recurso total para competição foi de US $ 400 milhões10.

Ainda antes da Copa, podemos perceber reportagens referentes à participação da Seleção no Torneio She Believes, nos Estados Unidos, no qual perdeu todas as três

10 O Globo, 29/03/2019. partidas. Em 10 de março, a matéria: “Maus jogos da seleção feminina às portas da Copa do Mundo trazem alerta” e nela a seguinte entrevista:

Estamos jogando contra as melhores. Se quiséssemos maquiar resultados, marcaríamos amistosos fáceis. Mas jogar contra seleções abaixo de nós não construiria nada. Temos que perder para saber a dificuldade que vamos enfrentar — argumenta Marco Aurélio Cunha, coordenador do futebol feminino da CBF11. Podemos perceber que ocorre uma tentativa do jornal de mostrar que a sucessão de resultados ruins não significaria um mal desempenho na competição, ou seja, as pessoas não podem e não devem perder o interesse em acompanhar os jogos da Copa. Sendo assim, a narrativa enaltece o time, mas não deixa de registrar um suposto “fracasso” recente. Porém, este “fracasso” poderia ter servido para fortalecer mais a equipe.

Durante a Copa

O primeiro dia da competição traz a seguinte reportagem: “Por que esta Copa do Mundo feminista já entrou para a História?” Além de enaltecer as conquistas das mulheres, fala sobre a espera de retorno dos patrocinadores e a própria cobertura midiática:

A luta feminina vive seu quarto grande movimento histórico e o futebol foi encampado por ele. Nesse cenário, a voz que elas ganharam repercutiu no mundo. E todos querem vê-las. Os 24 países participantes transmitiram os jogos de suas seleções na TV. Mais de 100 países de todos os continentes, que não participarão do Mundial, também compraram os direitos de transmissão12.

A matéria não cita especificamente a Seleção Brasileira, mas temos que analisar porque ela parece cumprir uma função: mostrar ao leitor o quanto o futebol de mulheres já é valorizado no exterior e pelos patrocinadores. Ou seja, é uma tendência que parece finalmente chegar ao país.

11 O Globo, 10/03/2019.

12 O Globo, 07/06/2019. No mesmo dia, matéria referente à Seleção, sob o título: “Por que a Copa do Mundo feminina de 2019 já é histórica” e o subtítulo: “Campeonato, que começa hoje na França, é marcado pelo ineditismo em várias frentes: transmissão televisiva, uniforme exclusivo e álbum de figurinhas. Segundo a FIFA, mais de 720 mil ingressos foram vendidos”. Durante a reportagem, podemos perceber o “clima de comemoração” das atletas por estarem tendo algum reconhecimento. No caso da seleção brasileira, esta foi a primeira vez que a convocação para a Copa foi feita em um evento, reunindo jornalistas. “Eu sonhava e continuo sonhando com essa visibilidade toda. Ver essa quantidade de jornalista é de se espantar”, conta, na matéria, a jogadora do PSG , atleta que, aos 41 anos, conquistou a marca, em 2019, de participar de sete Copas do Mundo.

Ainda na matéria importantes menções: a publicação do decreto lei de 1941 que as proibiam oficialmente de jogar; o fato da TV Globo, pela primeira vez, transmitir os jogos ao vivo; estudo de mensuração na América Latina da empresa Kantar IBOPE Media, que mostra que na edição da Copa em 2015, o tempo médio de consumo das transmissões dos jogos entre a população geral aumentou em 51% e entre as mulheres 30%; entrevista com uma estudante animada para ver os jogos e a informação que algumas empresas irão modificar o horário dos colaboradores para que eles possam acompanhar os jogos.

Desta forma, podemos perceber que a matéria traz elementos para o leitor que justificariam a falta de visibilidade anterior e indicam que há tendência de crescimento. Estes aspectos podem proporcionar que os leitores tenham o interesse de se unir às empresas e às atletas para também acompanhar os jogos.

A Seleção Brasileira estreou na competição dia 09 de junho e o Globo traz a matéria: “Cristiane se torna a mais velha a fazer três gols em um jogo de Copa, e Brasil vence a Jamaica”. A matéria é otimista, enaltece Cristiane e as demais atletas, fazendo menção ao fato de a vitória quebrar a sequência ruim de nove derrotas consecutivas (a última vitória da Seleção Brasileira tinha sido sobre o Japão, em julho de 2018, pela Copa das Nações) e apresenta foto da jogadora comemorando o gol com as colegas, dados do jogo e da próxima partida contra a Austrália.

No dia 10 de junho, na coluna de Patrícia Kogut, observamos a nota: “Estreia da Seleção feminina na Copa faz crescer audiência da Globo”. O texto traz informações de audiência no Rio e em São Paulo, indicando que a partida: “rendeu à Globo 20 pontos no Rio, o dobro da média da faixa nos quatro últimos domingos. Em São Paulo, a partida marcou 19 pontos e fez crescer em nove a audiência do horário na comparação com as quatro semanas anteriores13”. Apesar do sucesso em audiência da competição, no dia 11 de junho, o site apresentou matéria que mostra a pouca popularidade da equipe na França e os baixos salários das atletas: “A badalação zero da seleção brasileira na França”. No texto, o destaque para o fato da seleção de mulheres apresentar pouca visibilidade e aparato de segurança quando comparada ao time dos homens.

Bem diferente das turnês da seleção masculina em países estrangeiros, quando há cordões de isolamento e histeria coletiva. Ainda que seja a seis vezes melhor do mundo, o interesse pela equipe feminina está a anos-luz dos homens, que foram alçados a super celebridades.14

O texto é crítico e enfatiza que os homens são considerados celebridades enquanto Marta foi eleita seis vezes a melhor do mundo e, mesmo assim, não alcançou este status e aproveita para fazer outra comparação também em tom crítico ao comportamento de familiares de jogadores na Copa da Rússia. “Cenas vistas na Copa do Mundo da Rússia, com grande grupo de parentes, amigos e empresários fazendo churrasco em Sochi num hotel onde ficaram hospedados, estão fora de cogitação na França15”.

A matéria aproveita para dizer que os poucos familiares acompanhando à seleção de mulheres deve-se à falta de condição financeira das jogadoras, realizando nova comparação aos homens: “O lado financeiro pesa. Os salários médios das jogadoras, que em geral vieram de famílias de classe média a classe média baixa, estão longe das cifras milionárias dos craques brasileiros16”.

13 O Globo 10/06/2019.

14 O Globo, 11/06/2019.

15 Idem.

16 Ibidem. Já no dia 12 de junho, outra matéria indicando popularidade crescente da seleção, com o título: “Publicitárias criam campanha de apoio à seleção feminina” e subtítulo: “Grupo de São Paulo pintou rua atrás do hotel da seleção masculina e cria perfil 'Copa é Copa' para divulgar Copa do Mundo que acontece na França”. Na matéria, a iniciativa de 11 publicitárias de uma mesma agência em São Paulo, que surgiu após a indagação: “por que as ruas não estão pintadas como na Copa dos homens?”. Além de pintarem a rua, a ação incluiu: solicitaram que donos de bares abrissem os estabelecimentos mais cedo para transmissão dos jogos, planejaram espalhar cartazes pela cidade e adesivos em ônibus e ainda criaram as campanhas "copaecopa" no Twitter e "copaecopa19" no Instagram. Na entrevista, dentro da matéria, temos o relato de que quando estavam pintando a rua para apoiar a seleção receberam cantadas dos motoristas e pedestres que passavam pelo cruzamento da Caravelas com a Joinville, no bairro de Vila Mariana, em São Paulo. A matéria apresenta tom crítico ao assédio: “Como se precisasse de comprovação, o assédio delas de cada dia interrompeu mais de uma vez a reportagem na tentativa de fotografar o grupo. Apesar do contratempo, segue o jogo e a campanha”. Anteriormente a esta matéria, também observamos, no dia 07 de junho, a seguinte reportagem: “Copa do Mundo Feminina: bares pelo país se mobilizam para apoiar o Brasil17”. Nela, listagem de bares em 21 cidades com programação voltada para a Copa do Mundo, por meio da iniciativa do coletivo feminino “Peita”, com a campanha “Jogue Como Uma Garota”.

Ainda no dia 12 de junho a matéria: “Por que Brasil x Austrália virou clássico no futebol feminino”. Nela, o equilíbrio entre os dois times: nove vitórias para a Austrália, oito para o Brasil e um empate, no qual as brasileiras venceram nos pênaltis, nas Olimpíadas de 2016. Vale ressaltar que a Austrália era considerada, pela imprensa e incluindo aí o Globo, a equipe mais qualificada na qual a Seleção Brasileira iria enfrentar na primeira fase e a reportagem pode ser classificada como otimista, afinal, mostrava que não é impossível vencer as adversárias da estreia na competição, que foi no dia seguinte.

No dia 13 de junho, observamos: “A virada foi amarga, mas era difícil entender como o Brasil chegou a fazer 2 a 0 na Austrália” e o subtítulo: “Derrota não tira seleção

17 O Globo, 07/06/2019. da Copa, mas atuação deixa dúvidas sobre capacidade do time em fases mais avançadas”. O texto traz a derrota da Seleção, após já estar vencendo de 2 a 0 e ter deixado a Austrália virar para 3x2. Foi possível perceber, na matéria, menções às fragilidades da equipe e a necessidade de maior posicionamento em campo. “Aparentemente, a seleção não altera a zona do campo onde pressiona, ou seja, reluta em marcar mais na frente, porque não tem segurança para tal. A linha defensiva não acompanha e o time abre crateras no campo18”. Apesar dessas e outras críticas, a matéria tem um tom predominantemente técnico, semelhante ao que teria no futebol de homens e ainda traz otimismo, em uma clara tentativa de enaltecer as jogadoras mesmo na derrota:

O segundo gol, jogada mais bem construída pela seleção na partida, teve inventividade e inteligência da lateral Tamires, bom cruzamento de e a presença habitual de Cristiane na área. Se somarmos isso a Marta, a momentos de Thaísa e Andressa, nota-se que o Brasil tem qualidade técnica para ser uma seleção melhor do que é. Por aí passa a discussão sobre a derrota em Montpellier.19 A reportagem termina falando sobre a “falta de perna” das jogadoras no final da partida e a idade, segundo eles, avançada de algumas jogadoras: Marta (33), Cristiane (34) e Formiga (41) e ainda aponta que é necessária renovação na Seleção. Ou seja, a matéria é bem crítica, como é bem comum nas derrotas também do futebol de homens.

Ainda no dia 13 de junho, matéria com tom crítico e comparando novamente homens e mulheres: “Copa do Mundo feminina: veja o ranking de igualdade de gênero nos países que participam do torneio”. A reportagem apresenta comparação entre dados do estudo “Mulheres, Empresas e o Direito 2019: Uma década de reformas” do Banco Mundial, envolvendo 187 países, e a Copa do Mundo. Segundo a matéria, o Brasil, que está na 71ª colocação geral e na 15ª, considerando apenas os 24 países participantes do campeonato, não passaria das oitavas de final, no ranking da igualdade de gênero. França e Suécia conquistaram o máximo de pontos: 100, enquanto o Brasil 81.88%.

Ainda de acordo com a matéria, dentre os adversários na primeira fase (Itália, Jamaica, Austrália), o Brasil só está a frente da Jamaica, que apresenta 68,13 pontos e

18 O Globo, 13/06/2019.

19 Idem. ficaria em penúltimo lugar no torneio. O texto traz ainda os motivos que fizeram o país perder pontuação:

Não há igualdade entre os salários de homens e mulheres que ocupam cargos similares, trabalhadoras têm mais dificuldades de acessar a aposentadoria e não existe licença-paternidade remunerada nem uma lei que proíba a discriminação de credores com base no gênero no acesso ao crédito. De acordo com a organização, são lacunas que deixam as mulheres em desvantagem em relação à capacidade de escolherem os empregos que quiserem; de retornar ao trabalho após ter filhos; de empreenderem e de receber aposentadoria20.

O tom de otimismo retorna forte na vitória da Seleção diante da Itália, na reportagem do dia 18 de junho, que trouxe a classificação da equipe para as oitavas de final. Na página do site, foto de Marta e Thaisa sorrindo ocupando boa parte da matéria e o título: “Marta vira maior artilheira em Mundiais, e Brasil bate a Itália em Valenciennes: 1 a 0” e o subtítulo: “Brasil sofre no primeiro tempo, equilibra o jogo após o intervalo e chega ao gol com pênalti sobre Debinha”. Logo no início do texto enaltecimento a marca batida por Marta: 17 gols e a comparação com um jogador, colocando, em parte no mesmo lugar, o futebol praticado por homens e mulheres: “De pênalti, Marta marcou seu 17º gol em Copas do Mundo e superou Miroslav Klose, da Alemanha, como a maior artilheira da história de Copas femininas e masculinas21”.

Também no dia 18 de junho, o site apresenta matéria bem crítica e novamente comparando homens às mulheres: “Por que Marta não tem patrocínio e ganha menos de 1% do salário de Neymar?”. No subtítulo, enaltecimento à jogadora e a outras atletas: “A seis vezes melhor do mundo joga esta Copa da França com chuteira de uma campanha pela igualdade de salários entre homens e mulheres. Grandes marcas, no entanto, patrocinam outras 14 jogadoras da seleção brasileira”.

A reportagem afirma que a disparidade entre salários e investimentos entre as categorias de homens e de mulheres é uma realidade global e tenta encontrar na discriminação uma explicação para esta realidade:

20 O Globo, 13/06/2019.

21 O Globo, 18 /06/ 2019. Afinal, segundo muitos estudiosos do tema, é somente a discriminação de gênero entranhada em toda a cadeia esportiva que explica por que a melhor jogadora de futebol de todos os tempos ganha € 340 mil por temporada, enquanto Neymar, por exemplo, recebe € 91,5 milhões (R$ 396 milhões). Com isso, ela ganha apenas 0,3% do rendimento anual do jogador, bem menos de 1%22. Ainda de acordo com a matéria, Marta não renovou o contrato com a Puma, por não ter chegado a um acordo referente aos valores e, desta forma, a jogadora está com a logomarca do movimento “Go equal”, que luta por igualdade de gênero, no lugar de uma logomarca de patrocinador, em sua chuteira. O texto traz ainda dados de levantamento realizado pela revista “France Football”, que mostra que a soma dos cinco salários mais altos do futebol feminino totaliza € 1,79 milhões — o equivalente a cerca de R$ 7,7 milhões. Novamente há comparação com o futebol masculino: “Isso não é sequer um décimo do salário do quinto jogador mais bem pago, Gareth Bale, que leva para casa € 40,2 milhões — algo em torno de R$ 175 milhões23”.

O dia 23 de junho traz a eliminação da seleção, nas oitavas de final, e o destaque é a entrevista dada por Marta após a eliminação na Copa, ao vivo, na TV Globo: “Após eliminação da seleção brasileira, Marta desabafa e faz apelo”. Podemos observar enaltecimento à jogadora, o que parece possibilitá-la a fazer questionamentos: “ ‘Chorem no começo, para sorrirem no fim’, disse a maior artilheira da história das Copas do Mundo”. Também notamos neste subtítulo que Marta é considerada a maior artilheira até quando se trata da Copa do Mundo de homens. Desta forma, podemos dizer que as matérias, de forma geral, diferenciam uma Copa da outra, mas quando há a intenção de enaltecer as jogadoras fazem uso deste recurso – é como se a Copa dos homens chancelasse a genialidade da jogadora.

Na matéria, observamos ainda o apelo de Marta para que as jogadoras mais novas treinem e queiram treinar mais e estarem prontas para jogarem o tempo que for necessário em uma partida: “Não vai ter uma Formiga para sempre, não vai ter uma Marta para sempre, não vai ter uma Cristiane. O futebol feminino depende de vocês para

22 O Globo, 18/06/2019.

23 Idem sobreviver24”. E o que parecia ser ruim: as jogadoras estarem envelhecendo e, por isso, não terem mais a possibilidade de muito perdurarem na carreira, ganhou tom de enaltecimento, ainda no texto desta matéria:

Que sigam o exemplo do trio citado acima. Marta, aos 110 minutos, deu um pique na esquerda e levou o Brasil mais uma vez ao ataque na tentativa de empatar o jogo na prorrogação; Cristiane correu mais de 9 quilômetros até sair com cãimbras; Formiga, que vinha de lesão, não ficou muito atrás. Cerca de 8,5km da jogadora que mais participou de Copas do Mundo - sete no total25.

Ainda no dia 23 de junho, a reportagem “Treinadoras são minoria no futebol feminino, mas têm melhores resultados” traz dados interessantes: no prêmio dado pela FIFA desde 2010 para os dez melhores treinadores e treinadoras das seleções durante a Copa, as mulheres nunca foram a maioria; mesmo sendo minoria, nas últimas nove edições do prêmio, as mulheres ganharam seis; a alemã Silvia Neid foi eleita por três vezes melhor do mundo, em 2010, 2013 e 2016); no ranking top 10 da Fifa, cinco seleções são comandadas por mulheres e nesta edição da Copa, nove mulheres estiveram no cargo de técnica nas 24 seleções. Para enaltecer o trabalho das profissionais, a matéria traz ainda entrevistas com jogadoras elogiando o trabalho desenvolvido por técnicas com quem elas trabalharam, em falas que indicariam que as mulheres são mais capazes de entender outras mulheres. “Atuando com a Thaissan Passos posso ver as diferenças, pois a mulher entende mais de mulher. Ela sabe quando estamos de TPM, conhece os sinais de quando não estamos bem e consegue perceber coisas que talvez o homem não consiga26”, afirmou a jogadora do Fluminense Kelly Cristina. Como a matéria retrata em dados numéricos, o universo do futebol é de homens até quando falamos do futebol de mulheres.

O dia 24 de junho traz a matéria: “Perguntas e respostas: os próximos passos do futebol feminino do Brasil”. Nela, as seguintes perguntas: Qual será a próxima competição da seleção feminina?; Quem fica e quem sai do time?; Vadão continuará sendo o técnico?; Onde será a próxima Copa do Mundo?; Marta ainda jogará o próximo

24 O Globo, 23/06/2019.

25 Idem.

26 O Globo, 23 /06 / 2019. Mundial?; Existe um Brasileirão feminino?; Posso assistir ao Brasileirão feminino?; E a base?”27

Podemos perceber que as próprias perguntas (excetuando-se à referente ao técnico) mostram o quanto a população não é familiarizada com o futebol de mulheres e parece também uma contribuição para manter o interesse dos brasileiros na modalidade. Na resposta referente à pergunta: “Onde será a próxima Copa do Mundo?”, podemos notar, além da comparação com a modalidade masculina, uma crítica: “Ainda não se sabe. Enquanto, entre os homens, já há definição sobre as sedes das Copas de 2022 (Qatar) e 2026 (EUA, Canadá e México), entre as mulheres essa decisão só será conhecida em março de 2020”.

Ou seja, a Copa do Mundo de homens está estruturada ao ponto de apresentar calendário para duas próximas competições, enquanto a de mulheres ainda está recebendo as inscrições dos países interessados, estando sob análise.

Já a resposta à pergunta: “E a base?” aparentemente pode indicar também uma crítica, já que informa o quanto precisa ser investido, mas mostra indícios de que os investimentos já estão ocorrendo: “Aumentar o investimento no futebol feminino de base é o grande desafio da CBF e dos clubes brasileiros para os próximos anos. Em julho, será disputada a primeira competição formadora organizada pela confederação brasileira: um Brasileirão sub-18, com 24 clubes28”.

Na mesma data, a matéria: “12 anos após desabafo, falta de investimento na base segue a grande questão do futebol feminino”29. Podemos perceber um tom bem mais crítico e a menção à Seleção Brasileira na Copa de 2007, na China, quando jogadoras foram entrevistadas e pediram mais apoio às divisões de base, após perder o título já na final da competição. Segundo o jornal, “até os dias de hoje, praticamente nada foi feito

27 O Globo, 24/06/ 2019.

28 Idem.

29 Ibidem. na estrutura geral de formação de novas jogadoras no país”30. Tal qual há 12 anos, mais entrevistas de jogadoras pedindo investimento e atenção à modalidade.

Ainda no dia 24 de junho, coluna da Patricia Kogut, abordando, novamente, a audiência da TV Globo com o jogo Brasil x França. Há comparativo entre a seleção de homens e de mulheres. Segundo os dados da nota, a partida da Copa de mulheres: “rendeu à Globo 32 pontos de audiência em São Paulo e 30 no Rio. Exibida das 16h às 18h39m, a partida fez crescer a média da faixa em 11 pontos em São Paulo e seis no Rio, em relação às quatro últimas semanas”. Já a Copa América dos homens: “registrou 28 pontos em São Paulo e 25 no Rio. O confronto fez crescer em 14 pontos em São Paulo e 11 no Rio a média da faixa das 16h às 17h55m em relação aos quatro últimos sábados”. Além do óbvio: o futebol configura-se em um negócio rentável, podemos perceber pela nota que a partida das mulheres apresentou mais audiência que a dos homens. Talvez ai possam ser levados em consideração alguns elementos: o horário do jogo e o afastamento dos torcedores da seleção de homens nos últimos anos e quem sabe, aproximação da seleção de mulheres, justamente pela narrativa de enaltecimento das jogadoras como foi possível observar nesta cobertura do site do jornal O Globo.

Conclusões

A transmissão da Copa do Mundo de mulheres, em 2019, configurou-se em sucesso de audiência para a TV Globo. Acreditamos que o site do jornal e também o jornal impresso (que não foi analisado) são apoios à TV na difusão da ideia de que o torneio merecia ser acompanhado.

Podemos separar três blocos de matérias por assuntos que contribuíram para a visibilidade do campeonato: referentes às partidas, com informações técnicas e táticas, como o que ocorre em outros esportes, tanto nas modalidades de homens quanto na de mulheres; textos que são manuais para que os leitores possam entender e se familiarizarem com a Seleção e ainda àqueles que tentam explicar o porquê da falta de visibilidade do futebol de mulheres e não equiparação salarial, sempre fazendo comparação entre atletas e investimentos do futebol de homens.

30 Ibidem. Reparamos também que durante os textos, até nas derrotas, há enaltecimento às jogadoras, como se elas precisassem sempre se esforçar muito mais que os homens para conquistarem resultados e, quando estes são ruins, existem explicações que vão além de táticas, posicionamentos ou alguma falha em campo. É como se o futebol feminino realmente estivesse engatinhando e os momentos ruins fossem apenas parte deste cenário que, pelo tom de otimismo das reportagens, tem tudo para ser modificado.

Mesmo com o término da competição, o tom de manual continua indicando quais são os próximos passos da Seleção. Percebemos que, diante do cenário envolvendo à equipe não se trata apenas de proporcionar informação, mas sim hábito de consumo, pois o leitor irá construir aos poucos o hábito de acompanhar a Seleção, diferentemente do que acontece com a modalidade de homens, no qual o dia-a-dia do time já é acompanhado por àqueles que se interessam pelo esporte e / ou por campeonatos como a Copa do Mundo.

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