43º Encontro Anual Da Anpocs ST 29: Pensando As Décadas Esportivas
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43º Encontro Anual da Anpocs ST 29: Pensando as décadas esportivas: Análise social do Futebol e dos eventos esportivos realizados no Brasil Copa do Mundo 2019 e a cobertura do jornal O Globo: invisibilidades, machismo e quebra de paradigmas Autores: Ronaldo Helal, professor titular do PPGCOM – UERJ e Carol Fontenelle, mestranda do PPGCOM - UERJ Resumo O Brasil disputou a Copa do Mundo de futebol na modalidade para mulheres em junho. Foi a oitava participação do país na competição, ou seja, esteve em todas as edições, sendo que esta é a primeira vez que a Rede Globo de televisão realizou a transmissão dos jogos ao vivo. Diante disso, como O Globo, por meio de seu site, trata esta Copa do Mundo? Como as jogadoras e o campeonato são apresentados para o público? Há intenção de gerar proximidade entre o público e as próprias atletas, gerando assim audiência? Introdução O presente artigo tem como objetivo investigar os recursos acionados pelo jornal O Globo na “construção” das narrativas em torno da Copa do Mundo de futebol de mulheres. Nossa análise se concentrou no seguinte período: três meses antes dos jogos (que começaram em 7 de junho) até o término da participação da seleção brasileira no campeonato. Por meio do portal online do jornal, utilizamos palavras-chaves, ligadas à competição, a exemplo de “copa do mundo de futebol feminino”. Foram encontradas matérias que criticavam um suposto olhar machista para a modalidade e outras em que consideramos que este mesmo olhar era “reforçado”. Para entendermos o porquê destes aspectos enraizados em nossa cultura, iremos recorrer à história do futebol de mulheres no Brasil. Além disso, analisamos matérias nas quais há clara tentativa de tentar explicar para os leitores o porquê do futebol de mulheres não ter a mesma visibilidade que os homens, realizando esta comparação entre gêneros em vários momentos. Vale lembrar que utilizamos durante o texto o termo futebol de mulheres, pois, de acordo com alguns estudiosos como o professor Pablo Alabarces, em palestra realizada, em abril de 2019, na UERJ, o termo futebol “feminino” pode ser interpretado como se as mulheres jogassem uma modalidade de futebol diferente que a dos homens. A metodologia utilizada foi a análise de narrativas, tal qual desenvolvida por HELAL, a exemplo de seu artigo: “Narrativas de la prensa francesa sobre el fútbol brasileño en los Mundiales de 1958 y 19981”. Identidade de gênero e patriarcado Na sociedade patriarcal2, a figura de poder está centrada no homem. Na sociologia Weberiana, o autor aponta que o poder da autoridade doméstica se caracterizava sob o aspecto de propriedade. É como se o chefe de família fosse dono não apenas de sua propriedade, mas também dos filhos, esposa e servos. No caso da autoridade doméstica, antiguíssimas situações naturalmente surgidas são a fonte da crença na autoridade, baseada em piedade, para todos os submetidos da comunidade doméstica, a convivência especificamente íntima, pessoal e duradoura no mesmo lar, com sua comunidade de destino externa e interna; para a mulher submetida à autoridade doméstica, a superioridade da norma e da energia física e psíquica do homem; para a criança, sua necessidade objetiva de apoio; para o filho adulto, o hábito, a influência persistente da educação e lembranças arraigadas da juventude; para o servo, a falta de proteção fora da esfera de poder de seu amo, a cuja autoridade os fatos da vida lhe ensinaram submeter-se desde pequeno (WEBER, 1991, p. 234). Desta forma, cabia ao homem ditar as regras e aos demais respeitarem o que ele escolhesse para seus destinos. Cabia à mulher obedecer a seu marido, cuidar da casa e da prole. É um poder opressor que abarcaria também o campo das ideias, pois as mulheres sequer poderiam estudar e expor a sua opinião em público. A partir da década de 1920, as mulheres conquistaram uma participação social mais ativa, pois eram vistas como consumidoras, já que muitas já haviam conseguido trabalho remunerado e tinham maior acesso à educação. Nesta mesma época, movimentos civis começaram a ser formados com o objetivo de proporcionar mais espaço para elas que, mesmo trabalhando, ainda tinham que estar em papel de submissão. 1 Artigo apresentado no LASA 2018 - XXXVI International Congress of the Latin American Studies Association, 2018, Barcelona. LASA2018 CONGRESS PAPERS. Barcelona: Latina American Studies Association, 2018. v. 1. p. 1-17. 2 Na sociedade patriarcal, citada por Weber, o poder estava centrado nos homens. Entendemos, assim, que a análise do autor refere-se às sociedades na qual sua estrutura estava baseada na dominação de homens sobre mulheres. Compreendemos também que o conceito, cunhado antes da criação do advento do Estado, não é capaz de abarcar toda a complexidade envolvida na sociedade capitalista atual, desta forma, sendo utilizada em nosso artigo como aporte histórico. Os novos papéis femininos puderam ser assimilados nas relações patriarcais, desde que fossem racionalizados como uma extensão, para a esfera pública, das capacidades inatas das mulheres e, pois, não emancipassem as mulheres da dependência mental, emocional ou econômica com relação aos homens (e, portanto, da subordinação a eles). Na verdade, esses novos papéis, criando uma ilusão de mudança, mascaravam – e com isso ajudavam a perpetuar – a dominação masculina. (BESSE, 1995, p. 223). Os discursos sobre quais práticas são ideais para cada sexo, muitas das vezes aliados às capacidades chamadas de inatas, fazem parte da produção de verdades. Em História da Sexualidade (1988), Foucault já traçou que esta história é uma invenção social, já que definir um papel para a sexualidade pode fazer com que ela seja usada como instrumento de utilidade para manter os padrões sociais e controlar a própria sociedade. Desta forma, os discursos têm o papel de instaurar saberes e, no caso da mulher, impõe o papel que ela deve ocupar socialmente, contribuindo para a sua identidade. Cada grupo social segue as suas regras que estão ligadas a uma estrutura socialmente criada para disciplinar ou, como aponta Foucault, são criados micropoderes para disciplinar. A preocupação do autor nunca foi definir o que são os poderes, mas sim analisar como os poderes são operados em sua estrutura. Para ele, o homem (devemos entender que esta palavra está sendo utilizada no sentido de ser humano e não com a semântica de gênero) é o centro das transmissões de poder. Gestos, desejos, discursos são os primeiros efeitos de poder e as ideologias são instrumentos reais de formação e de acumulação do saber. O poder tem que fazer circular um saber. Já para Norbert Elias (2006), a necessidade de um comportamento regulado e autocontrolado é comum a todos os grupos sociais. A diferenciação se dá nos modelos que imprimem diferentes tipos de regulação do comportamento, nos tipos de coação externa e nas condições de autocoação. Isto faz parte de um processo de individualização, ou seja, o sujeito é, desta forma, educado para fazer parte do seu grupo, a partir dos comportamentos internalizados, em um processo que passa através de gerações. Desta forma, fazendo análise da sociedade brasileira, podemos concluir que o saber instituído para mulher em ser ela a dotada de habilidade para cuidar da família transmite um micropoder instituído, no qual ela internaliza este papel, muitas das vezes sem se dar conta de que este lhe foi atribuído. Ou seja, sua individualidade também é construída. Distinção de gênero na prática do futebol Mulheres são ensinadas desde cedo que rosa é a cor mais bonita. Seus brinquedos incluem kits domésticos e bebês, enquanto homens ganham carrinhos, bolas de futebol e uniformes de clubes. Ou seja, há um processo de diferenciação do que faz parte de cada universo e isto começa antes mesmo do indivíduo vir ao mundo. Sendo assim, meninas são incentivadas a brincarem de forma distinta dos meninos, como explica Daolio (1997), ao brincar com determinados brinquedos de acordo com o gênero, ou seja, se forem meninas, brincam de boneca, caso contrário, jogam bola, brincam de carrinho. Desta forma, existe uma construção social desde a infância que o futebol é esporte para homens. Esta construção social durante muito tempo teve o apoio de teorias biológicas de formação do corpo feminino. Em 1941, é promulgado o decreto-lei n. 3.199, que até o ano de 1975 estabeleceu as bases de Organização dos Desportos em todo o país. O artigo 54 faz referências à prática do esporte pelas mulheres. Preceitua que: “[...] Às mulheres não se permitirá a prática dos esportes incompatíveis com as condições de sua natureza, devendo para este efeito, o Conselho Nacional dos Desportos (CND)3 baixar as necessárias instruções às entidades desportivas do país [...]”. Ainda em 1941, o general Newton Cavalcanti apresentou ao CND algumas instruções que julgava necessárias para a regulamentação da prática dos esportes pelas mulheres. E assim, com a justificativa de que alguns esportes eram violentos, as mulheres ficaram proibidas de praticar de forma profissional lutas, futebol, rugby, water-polo e pólo. Em 1965, um outro parecer da CND deu instruções às entidades desportivas sobre a prática de esportes pelas mulheres, ratificando a proibição não apenas do futebol, mas também do futebol de salão e de praia. Além da ideia de que estes esportes eram violentos e a mulher frágil para executar tais atividades físicas, havia receio da masculinização do corpo, da redução de sua fertilidade – nesta época a mulher tinha como uma de suas funções sociais ser capaz de 3 O CND foi criado pelo decreto-lei n. 3.199 e extinto na Constituição de 1988. procriar. Sendo assim, podemos destacar que, na prática, a mulher não era aceita em um ambiente constituído como socialmente masculino, apesar de que neste mesmo ambiente havia a indicação de que elas deveriam realizar alguma atividade física leve, para manterem a boa forma, já que ter uma boa aparência poderia ajudá-las a conseguir um bom casamento ou mantê-lo.