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ANO 6 Nº 19 2007

Pontal do novos investimentos buscam o desenvolvimento da região HISTÓRIA Franco Montoro: grande impulso à reforma agrária paulista REPORTAGEM Mais de 20 mil títulos de propriedade da terra PERFIL A assentada Terezinha Araújo dá uma preciosa lição de vida ENTREVISTA Luiz Antonio Marrey: é preciso garantir a paz no campo GOVERNO DO ESTADO DE www.sp.gov.br SECRETARIA DA JUSTIÇA E DA DEFESA DA CIDADANIA www.justica.sp.gov.br

FUNDAÇÃO INSTITUTO DE TERRAS DO ESTADO DE SÃO PAULO www.itesp.sp.gov.br

Sede - São Paulo Norte Sudoeste Av. Brigadeiro Luís Antônio, 554, Bela Vista CAPÃO BONITO CEP: 01318-000 Av. Paraná, 114 - Jd. Brasil Rua Quintino Bocaiúva, 661 - Centro Fone (11) 3293-3300 Fone (16) 3337-4159 / 3337-4367 Fone (15) 3542-2908 / 3542 - 6177 e-mail: [email protected] Leste Avenida Raul Furquim, 633 - Centro Praça Monção, 643 - Centro Fone (17) - 3343-9851 / 3343-9547 Fone: (14) 3764-1185 Rua Cristovão Colombo, 727 - Centro Fone (19) 3551-1508 / 3551-1542 Noroeste ITAPEVA Rua João Rios Carneiro, 372 - Jd. Maringá Oeste Rua Doutor Orensy Rodrigues da Silva, 408 - Centro Fone (15) 3521-3864 / 3521-5106 EUCLIDES DA CUNHA Fone (18) 3722-6770 Rua Francisco Frutuoso Evangelista, 1906 - Centro Fone (18) 3283-1119 PROMISSÃO Rua Coronel José Prestes, 113 - Vila Amélia Avenida Bandeirantes, 955 - Centro Fone (15) 3232-0860 / 3232-9742 MARTINÓPOLIS Fone (14) 3541-6527 / 3541-1100 Rua Carolina de Freitas Martins, 51 - Centro Sul Fone (18) 3275-5151 Sudeste ELDORADO TAUBATÉ Av. Marechal Castelo Branco, 150 - Centro Rua Capitão Geraldo, 20 - Centro Fone (13) 3871-1875 Rua Comendador Zenji Hida, 718 - Centro Fone (12) 3629-7770 / 3629-2444 / 3621-2300 Fone (18) 3991-1121 / 3991-1122 PARIQUERA AÇU Av. Joaquim Juca de Goes, 555 - Centro Rua Santo Saletti, 262 Fone (18) 3991-1766 Rua Maria Alves, Centro Fone (13) 3856-1741 /3856-1317 Fone: (12) 3832-4446 PRESIDENTE BERNARDES Rua Fortunato Milhorança, 67 Produção Fone (18) 3262-1196 / 3262-1310 PRESIDENTE EPITÁCIO Rua Florianópolis, 10-34, Santa Rosa Fone (18) 3281-3900

PRESIDENTE PRUDENTE Av. José Bongiovani - 1385 - Jardim Esplanada de alimentos Fone (18) 3908-3700 / 3908-3701 3908-3709 / 3908-3727

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ROSANA em defesa da agricultura familiar Rua dos Carpinteiros, Qd 53-A - lote 5, Rosana Fone (18) 3284-3507 / 3284-3429

TEODORO SAMPAIO Rua Ricardo Fogarolli, 421 e 439 - Vila São Paulo Fone (18) 3282-1046 / 3282-1178 POLÍTICAS DE ASSISTÊNCIA TÉCNICA E EXTENSÃO RURAL EM TODO O ESTADO Assentados, quilombolas e pequenos posseiros É para essas pessoas que trabalha o SÃO MAIS DE DEZ MIL FAMÍLIAS ASSISTIDAS EM TODO O ESTADO editorial entrevista 2 Todos almejam a paz no campo – a começar pelo secretário da Justiça e da Defesa da Cidadania, Luiz Antonio Marrey, perso- direto do campo 5 nalidade da entrevista desta edição. À frente do Itesp, Gustavo Ungaro, que assina artigo na página 9, busca a mesma paz ao reportagem 6 levar adiante a missão de promover a democratização do aces- so à terra. ponto de vista 9 Alterar a estrutura agrária de forma a torná-la mais justa é um esforço que muitos governantes empreenderam, com destaque perfil 10 para Franco Montoro, que inaugura a nova seção História. capa12 Por que, então, os conflitos persistem? A resposta está no arti- go do desembargador José Renato Nalini, no ensaio do acadê- mico Antonio Márcio Buainain, no mergulho sobre a estrutura opinião 19 fundiária do do Paranapanema, símbolo da questão da terra em território paulista. especial 20 A reforma agrária passa pela regularização fundiária, que en- parceria 24 frenta um emaranhado de papéis forjados ao longo de séculos, que exigem ações discriminatórias que somam milhares de pá- ginas e duram décadas. história 26

O resultado compensa. Basta ver o perfil de Terezinha Rosa debate 32 Guimarães de Araújo, que encontrou seu lugar no mundo exata- mente no Pontal. curtas 35 Vera Artaxo Editora anote 36

Governador: José Serra Secretário da Justiça e da Defesa da Cidadania: Luiz Antonio Marrey fale conosco Diretor Executivo do Itesp: Gustavo Ungaro

Diretoria do Itesp: Alexandre Ribeiro Mustafa, Fernando Henrique Eduardo Guarnieri, João Carlos Corsini, Gabriel Veiga, Pedro Fernando Gouveia. Ouvidoria: 0800 77 33 173 [email protected] Fatos da Terra é a revista da Fundação Instituto de Terras do Estado de São Paulo “José Gomes da Silva” - Itesp, vinculada à Secretaria da Justiça e da Defesa da Cidadania do Estado de São Paulo.

Jornalista Responsável: Vera Artaxo - Mtb 10.676 Diagramação e Editoração Eletrônica: Patrícia Leite home page: www.itesp.sp.gov.br

Redação: Telefone: (11) 3293-3300 / 3393 / 3399 E-mail: [email protected] e-mail: [email protected] Ctp, Impressão e Acabamento: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo Tiragem: 5.000 exemplares

É permitida a reprodução dos textos, desde que citada a fonte. entrevista

LUIZ ANTONIO MARREY É preciso garantir a paz no campo O secretário Marrey em visita ao quilombo de Morro Seco, em , ao lado do diretor do Itesp, Gustavo Ungaro.

secretário da Justiça e da Defesa da Cidada Fatos da Terra: Qual será o perfil construção de novos fóruns no in- Paranapanema é ruim para toda a nia, Luiz Antonio Marrey, tem uma idéia fixa da sua gestão na Secretaria da terior do Estado. Em março, região. Ela acaba afugentando in- Ona cabeça: convencer a sociedade que Justiça Justiça e da Defesa da Cidadania? anunciamos a liberação de recur- vestimentos e o progresso. Por isso, é artigo de primeira necessidade. “É fundamental a sos para a construção do Fórum queremos dar mais celeridade na sua importância na manutenção da paz, na garantia Luiz Antonio Marrey - Eu creio de São José do Rio Preto e a re- solução desta questão e garantir dos direitos fundamentais da pessoa humana e na se- que a Secretaria da Justiça vai tomada das obras da nova unida- que os assentamentos existentes e gurança jurídica indispensável ao desenvolvimento ter uma atuação dinâmica na de- de de São José dos Campos. Jus- os novos assentamentos venham ser econômico e social”, defende. O ponto de partida desta fesa dos direitos humanos e tam- tiça é artigo de primeira necessi- bem assistidos. As reuniões foram missão está na ampla revisão do plano estadual de bém procurar, no diálogo institu- dade. É fundamental a sua impor- produtivas, mas nós temos que direitos humanos, que completou 10 anos, e na con- cional com o Poder Judiciário, o tância na manutenção da paz, na construir um consenso no sentido dução da reforma, ampliação e construção de novos Ministério Público, a Defensoria garantia dos direitos fundamen- de que a situação atual de inde- fóruns pelo interior do Estado. “Em março, anunci- Pública, a OAB e o Tribunal de tais da pessoa humana e na segu- finição não pode perdurar. amos a liberação de recursos para a construção do Contas do Estado, propiciar con- rança jurídica indispensável ao de- Fórum de São José do Rio Preto e a retomada das dições, sem ferir as autonomias senvolvimento econômico e soci- Fatos da Terra: Os assentados obras da nova unidade de São José dos Campos”. institucionais, para que o siste- al. A verba alocada pelo governo reivindicam mais assistência no ma de Justiça do Estado tenha nessa área e anunciada pelo go- campo. Do outro lado, os prefei- Outra meta de sua gestão é formular uma alternativa possibilidade de atender à socie- vernador José Serra será superi- tos cobram algumas compensa- para agilizar a regularização fundiária no Estado. O dade com uma prestação rápida or aos últimos cinco orçamentos. ções pelos assentamentos. Como processo já foi deflagrado. Em menos de 100 dias no e segura, e atuar nas diversas Isso é uma prova da importância o Governo do Estado pretende cargo (a entrevista foi concedida em março), o secre- áreas da sua atribuição, inclusi- que se dá à questão. trabalhar e articular essas de- tário estabeleceu um canal de diálogo com prefeitos ve com as entidades vinculadas à mandas? da região do Pontal do Paranapanema, representan- pasta, ou seja, Fundação Casa Fatos da Terra: Em menos de tes da OAB do interior, movimentos sociais e entida- [antiga Febem], Fundação Insti- três meses de governo o Sr. man- Marrey - Primeiro em relação des ruralistas. “Queremos garantir a paz social e isso tuto de Terras do Estado de São teve um diálogo com os prefei- aos assentamentos, o Itesp tem significa paz no campo”, enfatiza, destacando que Paulo (Itesp), Fundação Procon- tos da região do Pontal do trabalhado da melhor forma pos- pretende aprimorar a assistência aos assentados. SP, Instituto de Pesos e Medidas Paranapanema, representantes sível e contará também com a (Ipem) e Instituto de Medicina da OAB do interior, movimentos parceria da Coordenadoria de As- Social e de Criminologia (Imesc). sociais e representantes de enti- sistência Técnica Integral (Cati), Antes de se tornar o 75º secretário da Justiça de São Outra importante iniciativa é a dades ruralistas. Que balanço faz da Secretaria Estadual de Agri- Paulo, Marrey foi procurador-geral de Justiça do Es- revisão do plano estadual de di- dos encontros? cultura e Abastecimento. O Es- tado por três mandatos (1996/1998, 1998/2000 e reitos humanos, que está comple- tado é um só, ainda que tenha es- 2002/2004), membro do Conselho Superior do Mi- tando dez anos. A revisão abran- Marrey – O diálogo que a Secre- pecializações, e os recursos de- nistério Público (1994/1995) e secretário de Negó- ge diversas atividades da vida da taria da Justiça tem mantido com vem ser somados. Há sensibilida- cios Jurídicos da Prefeitura de São Paulo (2005/ sociedade e queremos que essa os diversos atores da região é es- de do Governo do Estado em re- 2006). Também presidiu o Conselho Nacional dos Pro- discussão seja realizada tanto no sencial, uma vez que, em primeiro lação à região do Pontal, que curadores Gerais de Justiça (1997) e foi membro do âmbito do Executivo como com lugar, queremos garantir a paz so- merece uma especial atenção, e Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciá- a própria sociedade. É necessá- cial e isso significa paz no campo. creio que irão se verificar impac- ria (1989). Confira os principais trechos da entrevis- rio ressaltar ainda a prioridade Nós temos convicção que a inde- tos significativos em relação aos ta concedida à equipe da revista Fatos da Terra. que se está dando à reforma e à finição fundiária do Pontal do municípios.

Fatos da Terra setembro / 2007

2 Divulgação / Secretaria de Justiça Foto: 3 entrevista direto do campo Produtos de assentamentos e quilombos

Fatos da Terra: A Lei 11.600, O Itesp também trabalha na re- Fatos da Terra: A pasta que o Pesquisa e fotos: Dodora Teixeira que dispõe sobre regularização gularização fundiária, seja rural, senhor ocupa carrega no nome a fundiária até 500 hectares, é que é a sua principal finalidade, palavra cidadania. Na sua ges- uma lei, segundo os agentes do seja urbana, em cooperação com tão, como pretende trabalhar a Vem do Sudoeste paulista, da região de Sorocaba, campo, que não pegou. O que os municípios. Quando se faz uma chamada cidadania rural? o café produzido em sistema convencional saiu errado e como reverter essa titulação de uma área, além de nos assentamentos de e Ipanema. situação? gerar condições para que uma fa- Marrey - Eu creio que, em pri- Tel. 15 3232-8939, com Maria Izabel Dorizzotto. mília tenha a segurança da sua meiro lugar, precisamos garantir, Marrey - Nós estudamos essa si- casa, do seu lar, há toda uma ca- por intermédio do Itesp, assistên- tuação e formulamos uma alter- deia produtiva que se desenvolve cia a todos da sua órbita de atua- nativa, o Projeto de Lei 578, en- a partir da propriedade regulari- ção, para que as pessoas tenham viado à Assembléia Legislativa. zada. Portanto, o Itesp tem uma condições de vida digna, possam O que precisa ficar claro é que se função social importante, tem desenvolver aquilo que há de me- nós aguardásemos a decisão final quadros técnicos de excelente lhor em cada um e possam auferir em última instância do Poder Ju- qualidade e deverá continuar os benefícios de uma sociedade diciário esse assunto não teria de- cumprindo o seu papel. democrática, que tem hoje a pos- finição nos próximos dez anos. E sibilidade de grande rapidez de Quilombolas de Mandira, em Cananéia, Vale do Ribeira, creio que a sociedade da região Fatos da Terra: Existe uma tese transmissão de informações, e produzem ostras deliciosas sob o cuidado do manejo não merece as conseqüências des- bastante disseminada na socieda- possibilitar a cada pessoa o seu ecológico e em sistema de cooperativa. sa demora. O governo do Estado de de que o etanol é o futuro. Re- desenvolvimento integral. Cidada- Tel. 13 3851-8339, com Francisco de Sales Coutinho. discutiu o novo Projeto sobre a re- centemente, o senhor esteve em nia significa dar essa assistência gião do Pontal e, para isso, ouviu São José do Rio Preto e vistoriou e levar a todas as pessoas, inde- todos os interessados. De qualquer uma fazenda de cana de açúcar pendentemente de onde viva, no forma, eu espero que nenhum dos que agia em claro desrespeito às campo ou na cidade, o melhor que A bucha vegetal é a matéria-prima de vários atores nesse processo aja com in- leis ambientais. O crescimento o Estado pode oferecer. produtos - como tapetes - processados pelo tenção de não chegar a lugar ne- sustentado é uma das preocupa- assentamento Che Guevara, lote 40, em nhum. É essencial para a popula- ções do governo do Estado? Fatos da Terra: Como o senhor Teodoro Sampaio, no Pontal do Paranapanema. ção que vive nessa região que nós pretende trabalhar a questão dos Destaque para as buchas em vários possamos caminhar para resolver Marrey – A produção de etanol é quilombos em todo o Estado de formatos lúdicos, com poder esfoliante. o problema da indefinição fundiá- uma atividade econômica impor- São Paulo? Tel. 18 3981-6255, com Valentim Messias Degasperi. ria no menor prazo possível. En- tante para a qual o Brasil, em es- quanto isso, vamos continuar em- pecial o Estado de São Paulo, tem Marrey - Nós temos que garan- penhados em agilizar os processos tecnologia e condições de compe- tir a titulação dos quilombos e a de assentamentos. tição. É, sem dúvida, uma ativi- sua regularização, quando eles dade que deve ser prestigiada, mas existirem. E trabalhar para for- Fatos da Terra: Qual a importân- não ao custo da destruição do meio necer alternativas adequadas de cia do Itesp na reforma agrária ambiente. O mundo como um todo sobrevivência a essas comunida- no Estado de São Paulo? está sofrendo conseqüências gra- des, respeitando as leis ambien- ves com o desequilíbrio ambiental. tais. Isso envolve apoiar projetos, Frutas orgânicas, como o limão, estão na pauta Marrey - O Itesp tem uma fun- Um dos problemas mais aponta- não só na área agrícola, mas tam- das famílias de agricultores do assentamento ção muito importante, não só na dos é a questão do aquecimento bém em regiões que permitam de- Tremembé, em Tremembé, no Vale do Paraíba. reforma agrária. Na verdade, a global, que tem causa direta da senvolver projetos na área do tu- Tel. 12 3629-2444, com Benedito Antonio Gomes. reforma agrária é competência prática das queimadas. Portan- rismo, em conjunto com outros constitucional da União. No en- to, nós devemos agir para extir- organismos. O Estado de São As mulheres do assentamento tanto, o Itesp é um instituto de par as queimadas no prazo mais Paulo possui diversas comunida- Reunidas, agrovila Penápolis, cidadania rural que envolve a im- curto possível como método de des quilombolas identificadas, em Promissão, noroeste paulista, plantação de assentamentos em produção e garantir que as prá- sendo que 24 já foram reconhe- organizaram uma agroindústria terras devolutas e provê assistên- ticas rurais sejam feitas com res- cidas. Enfim, é preciso garantir – a Bemacla – que produz cia a esses assentamentos, pro- peito às normas ambientais. O a sobrevivência da cultura e das doce de leite em várias versões. curando gerar condições para sua Governo do Estado não vai abrir pessoas e procurar dar condições Tel. 14 3541-1100, com sobrevivência e desenvolvimento. mão desse respeito à lei. da sua autonomia. Bernadete Silva Callegare.

4 Fatos da Terra setembro / 2007 5 reportagem

MINHA TERRA Realizando sonhos de pequenos posseiros Em todo o país, a demanda por regularização los núcleos de colonização. Ali as ações de especula- fundiária é da ordem de dois terços do total de dores de terras e de madeireiros contribuíram para Mais de 20 mil títulos de propriedade expedidos: imóveis urbanos e rurais, segundo o Instituto de o surgimento de conflitos fundiários. No Pontal do eis a marca do Instituto de Terras de São Paulo Registro Imobiliário do Brasil (Irib). São cerca de Paranapanema os conflitos perduram até hoje. A desde 1995. Este ano, mais de 80% dos imóveis de 4,8 milhões de imóveis rurais brasileiros; mais de região teve o ordenamento territorial assentado em Itapirapuã Paulista foram regularizados (867 títulos) 80% devem se adequar à lei que criou e regula- “grilos”, terrenos cujos títulos de propriedade fo- mentou o Cadastro Nacional de Imóveis Rurais, ram falsificados. e Itapeva também teve sua cota (969 títulos). georreferenciando as escrituras, isto é, elas devem Em , foram 465 títulos e em Mirante discriminar as medidas exatas de cartografia, to- Já no Vale do Paraíba, os problemas fundiários do Paranapanema, 124 . O plano agora é atuar na pografia e agrimensura. decorrem de uma particularidade: grande parte de região Sudoeste e superar novas 5 mil regularizações suas terras está inserida em Unidades de Conserva- em 2007. Conheça o programa Minha Terra. Nas duas principais capitais e maiores concentrações ção Ambiental. Posseiros, muitas vezes ancorados urbanas – São Paulo e – mais de 50% em falsos documentos, costumavam requerer vulto- da população vive em moradias irregulares, como sas indenizações ao Estado em ações judiciais. A Reportagem: Regina Bonomo loteamentos clandestinos, mananciais, áreas à mar- região de Sorocaba, por sua vez, apresenta confli- gem de rios e favelas, segundo dados do Irib, de 2003. tos pelo uso e posse da terra por causa da ação de especuladores imobiliários interessados em sua pro- Estado de São Paulo, o mais desenvolvido do Brasil, respon- A atuação do Itesp, entretanto, está concentrada ximidade com a capital e em seu alto índice de de- de por cerca de um terço da economia nacional; além de uma no Estado de São Paulo, na regularização de áre- senvolvimento industrial. Odas maiores cidades do mundo – São Paulo –, abriga os mu- as urbanas e rurais em parceria com municípios nicípios com as maiores taxas de renda per capita e índices de de baixo IDH, das nas regiões do Vale do Ribeira, Foi para solucionar essas pendências que o Itesp desenvolvimento humano (IDH). Entretanto, padece de pendências Vale do Paraíba, Pontal do Paranapanema e Soro- criou, em 2004, o programa Minha Terra. O obje- fundiárias, ainda esperando regularização. caba. A questão do domínio apresenta diferentes tivo era otimizar os trabalhos, por isso buscamos o origens em cada região. apoio de outras instuições, como a Procuradoria Foi com o olhar para essa demanda que o governador José Serra Geral do Estado, prefeituras, Ministério Público participou, no final de março, da entrega de 969 títulos de proprieda- A ocupação do Vale do Ribeira foi motivada pela Estadual e Secretarias de Estado. A instuição já de a quase três mil moradores das Vilas Nova e Dom Bosco, em Itapeva, procura de metais preciosos e, posteriormente, pe- fazia esse trabalho desde 1995, antes mesmo de se região sudoeste de São Paulo. “É com alegria que venho para essa tornar Fundação (em 1999). Porém, com a insti- solenidade, para anunciar que o problema (da indefinição dominial) tuição do programa, dos 16,5 mil imóveis regula- começou a ser solucionado”, disse Serra. Ele tem razão: o problema rizados no período de 1995 a 2004, quase um ter- ao qual se referiu vem se arrastando por mais de 40 anos. ço (4.633) aconteceu em 2004, englobando 16 muncípios distribuídos nas regiões priorizadas. As famílias cresceram, filhos casaram, netos surgiram e o proble- ma persistia. Essa é a história de muitos que naquele momento recebiam o título que os tornava, enfim, proprietários dos imóveis que ocupavam por décadas. Jamil Rodrigues e sua espo- sa, Maria Carvalho Lopes, fazem parte dessa cena. “Minha mãe foi uma das fundadoras da Vila Dom Bosco. Lá casei e tive meu filho, que hoje tem 40 anos”, conta Jamil, mostrando o título rece- bido. “É uma conquista”, complementa. Outro morador da Vila Dom Bosco, João Pedroso de Pontes, 63 anos, nascido em Itaberaba, na Bahia, acha que após receber a escritura “virá mui- Municípios paulistas ta coisa boa, porque a Prefeitura deve trazer melhorias”. Ele vive beneficiados pelo

Crédito: Acervo Itesp com a esposa, um filho, a nora e o neto Natan. programa Minha Terra. Fonte: Itesp

6 Fatos da Terra setembro / 2007 7 reportagem ponto de vista A função social da terra A regularização fundiária proposta pelo programa Além de priorizar as áreas com conflito e indefi- José Renato Nalini * Minha Terra engloba uma série de trabalhos técni- nição dominial, o Itesp prioriza também os muni- cos e jurídicos, feitos por uma equipe multidisci- cípios com baixo IDH, por acreditar que a regula- plinar do Itesp. As formas de regularização podem rização traz o desenvolvimento local. Perde-se na noite dos tempos a ori- última viagem. Restará aqui. Para zer frente à necessidade imprescin- gem da propriedade. Quando foi os herdeiros se digladiarem, para dível de combater a destruição das ser a expedição de títulos de domínio ou de propri- que os homens se apropriaram do o Estado se apoderar de boa par- florestas. É mais do que urgente a edade, que devem ser registrados pelo morador no Este foi o caso de Itapirapuã Paulista, que no Cen- solo e pretenderam exercer sobre cela, para incitar os ânimos, se- recomposição das matas ciliares. Cartório de Registro de Imóveis; permissões de uso so Demográfico de 2000 detinha o menor IDH do ele posse exclusiva? Qual o primei- mear inimizades, alimentar o flu- A cobertura vegetal destruída e a pequenos posseiros de áreas rurais que ocupam Estado de São Paulo e não tinha nenhum imóvel ro título a legitimar a apropriação xo dos Tribunais. que a lei fixa em pelo menos 1/5 – terras devolutas mas não atendem aos requisitos regularizado. Com o trabalho do Itesp em parceria e a repulsa a quantos outros qui- ou 20% - de cada propriedade ru- para a titulação; e cadastro urbano. com a prefeitura municipal, foi possível regulari- sessem partilhar dessa fruição? Se isso estivesse presente na cons- ral, precisa de mão-de-obra espe- zar mais de 80% dos imóveis, possibilitando aos ciência de tantos possuidores, eles cializada e, mais do que isso, de “A regularização de uma área, seja ela urbana ou ocupantes a segurança jurídica de sua proprieda- Já não se pensa nesses termos após poderiam conferir um destino mais operadores amantes da terra. rural, traz segurança dominial não só ao posseiro, de. Dos 1.053 imóveis ali identificados e cadas- consistente edificação do conceito conseqüente às suas propriedades. mas também à prefeitura, que pode planejar me- trados, já foram expedidos 867 títulos de proprie- de propriedade. Direito de uso, Elas existem para servir às boas É totalmente insano verificar que lhor os investimentos e a extensão dos serviços dade. Com a regularização, os munícipes podem gozo e disposição da coisa. Direito causas. Uma propriedade rural ainda existem propriedades guar- públicos e terá um melhor atrativo para a implan- fazer melhorias em seus imóveis, assim como o que já foi absoluto e que, por im- deve conciliar os interesses do meio dadas como estoque de terra, sem tação de novos investimentos e de novas empre- próprio município poderá obter recursos das esfe- pregnar a cultura ocidental, custa ambiente e de servir como fonte de destinação específica, sem cultivo, sas”, explica Gustavo Ungaro, diretor executivo ras estadual e federal para implantação de a ser relativizado. Seja como for, sustento para os seus moradores. sem preservação em convívio com da Fundação Itesp. melhorias à comunidade. a Constituição do Brasil de 5.X.1988 Não é impossível ajustar os objeti- os sem terra. O país não é uma ilha consagrou a função social da pro- vos da preservação – sem a qual o vulcânica e não padece de insufi- priedade. Reconheceu a validade e mundo abreviará o seu destino – ciência territorial. Ao contrário, há A Fundação Itesp, responsável por planejar e exe- Na região sudoeste, dentro do programa Minha Ter- permanência da mensagem cristã com o da vida digna a ser garanti- espaço para a acomodação digna cutar as políticas públicas agrária e fundiária do ra e por meio de convênios com as prefeituras, o a declarar a injustiça de uma pos- da a todas as pessoas. de todos aqueles que pretendam Estado de São Paulo, tem se empenhado de tal modo Itesp deverá atuar neste ano nos seguintes municí- se irracional. Pois insensato pos- trabalhar com a terra. a contablizar já mais de 20 mil títulos. Desde o iní- pios: Apiaí, Bom Sucesso de Itararé, Buri, Cam- suir por possuir, como se a terra Num país em que a infância e a mo- cio de sua atuação na regularização das pendências pina do Monte Alegre, Capão Bonito, , fosse um capital, à espera de valo- cidade não encontram perspectivas A questão das terras não é jurídi- fundiárias, estabeleceu contatos, muitas vezes re- Itaberá, Itapeva, Itapirapuã Paulista, Itaporanga, rização, quando ela significa a pos- – isso explica, para certos estamen- ca, mas cultural. Enquanto não sultando em parcerias, com aproximadamente 10% Itararé, e Taquarivaí, objetivando a sibilidade de vida digna para tan- tos, a ilusão da droga e o aumento houver assimilação plena de que dos municípios paulistas, dos 654 existentes. regularização fundiária de mais de 5 mil imóveis. tos excluídos. da criminalidade – é urgente mos- função social significa golpe de trar que a terra pode propiciar pra- morte na visão absolutista, egoís- Recai sobre toda propriedade uma zeres indizíveis. A conurbação é um ta, materialista, de proprietários hipoteca social. Se não tivessem fenômeno cruel. Todos aqueles que antigos, não se avançará nesse abandonado a filosofia, os homens deixaram sua origem e tomaram o tema tão superado. Superado por- reconheceriam com maior facilida- rumo da megalópole, atraídos por que, em países do primeiro mun- de a sua finitude. Aceitariam a ver- emprego e sobrevivência facilitada, do, a questão da terra foi resolvi- dade incontornável de que a vida é viram que as periferias não são o da no século XVIII e o Brasil – em frágil e efêmera. Bastam algumas ideal sonhado. Periferia no sentido mais um de seus inúmeros para- décadas – e o que são algumas dé- mais abrangente: periferia econô- doxos – encontra-se a discutir a cadas frente à eternidade – e a mais mica, social, política e de fruição conquista do mercado de etanol em democrática das circunstâncias virá dos bens da vida. todo o globo e não consegue solu- chamar a cada qual. Ninguém está cionar os seus problemas de divi- imune à morte. Essa brevidade da Aqueles que têm o domínio das for- são, de assentamento e de refor- aventura terrena deveria inspirar os ças capazes de mudar a sociedade ma agrária de seu território. seres ditos racionais para que pro- – os poderosos na economia, na po- movessem mais adequado uso de lítica e na mídia – têm condições seus pertences. de acenar com um novo projeto * Desembargador do Órgão Espe- cial do Tribunal de Justiça do Esta- para a população excluída. Criar do de São Paulo. Doutor em Direito Por mais poderoso seja alguém, escolas rurais destinadas a disse- pela USP, é presidente da Acade- por mais eficiente na consecução minar uma cultura de amor à ter- mia Paulista de Letras e ex-presi- de seus objetivos, tudo aquilo que ra é essencial. O Brasil precisa de dente do Tribunal de Alçada Crimi- Fonte: Itesp / * Até junho de 2007 amealhará não o acompanhará na muitos viveiros de mudas para fa- nal do Estado de São Paulo.

8 Fatos da Terra setembro / 2007 9 perfil

uando cansei de trabalhar para os outros, bezerros. Hoje tenho 12 cabeças, seis pequenas e decidi entrar nessa reforma agrária. Fiquei seis grandes. As vacas dão leite, mas só dá pra Qna beira de estrada, em barraca, um ano, tirar uns 10 litros por dia. depois nós mudamos para aqui. No primeiro sor- Fora esses problemas de falta de condição para teio de lotes, fui premiada. Estamos levando a produzir direito, a gente vai levando a vida. Os téc- vida assim, na enxada. Acabei com a criação de nicos do Itesp vêm aqui, orientam sobre a época de galinha porque não tinha milho. Não saio de den- plantação. Mas nem sempre a gente tem condições tro de casa, fazendo meus bicos. Estive doente, de plantar, não tem dinheiro. A situação é difícil quase vendi o lote, mas como já sofri muito e não Lições aprendidas para nós, assentados, mas a vida aqui é melhor do ia achar lugar melhor, fiquei. Voltei a trabalhar que na cidade. Não troco isso aqui pela cidade de devagarinho, medicada. A idade chegando, vou jeito nenhum, porque aqui é meu, mas se a gente passar para os filhos tomarem conta. Nossa casi- tivesse mais ajuda do governo para produzir seria com a enxada nha é a de Marabá, onde morei por sete anos; melhor. A vida aqui é boa, tranqüila. desmontamos e trouxemos para cá. Quando acordo e vejo tudo isso aqui, essa terrinha Logo, se Deus quiser, vai melhorar, e se o governo que é minha, me dá uma felicidade! Aqui eu tenho tiver dó de nós e mandar algum dinheirinho para de tudo, fome a gente não passa porque eu tenho quem paga suas dívidas e tem o nome limpo. Não saúde, graças a Deus, para plantar o que comer. A posso pagar um tratorista, um braçal para ajudar. gente tem abóbora, couve, milho, mandioca, la- Senão, eu tenho que continuar no sofrimento, na Terezinha Rosa Guimarães de Araújo, 56, nascida em Caculé, ranja, limão, abacaxi, mamão, tenho várias ervas enxada. Eu tenho garra, sabe? Tenho garra! Eu – hortelã, manjericão, poejo, cânfora. Tem gali- na Bahia, veio com a mãe e dois irmãos para a não sei ficar parada. Não fico na cama até as 7 nha, coelho, tem as vaquinhas. Nossa Senhora! Na região do Pontal aos 6 anos de idade. horas de jeito nenhum! Pode estar chovendo, eu cidade a gente tem que comprar tudo, e aqui não, Viviam de plantar capim em terra arrendada, a menina não tenho paciência de ficar parada. Acostumei na a gente pode plantar e colher! na enxada desde sempre. lida de roça. Meu marido está sempre internado Alguns anos depois, a mãe rumou para o Norte com com problema de coluna, então eu toco o lote pra- um filho e Terezinha ficou, com uma irmã. ticamente sozinha. Virou doméstica, em Venceslau, onde viveu por 40 anos. Quando a gente veio para aqui, saiu uma parcela Aos 18, casou com Senevau, com quem teve de dois mil reais, aí eu tombei um alqueire de ter- 10 filhos, e foi trabalhar na roça – além de fazer ra. Plantei um pouco de feijão, mas não deu nada, faxina e lavar roupa pra fora, criar porco e galinha no quintal, deu um sol forte e nós perdemos o feijão, que esta- fazer colcha de retalho e tapete para vender. va bonito que só vendo! Só tirei sete sacos... e ven- Encontrou seu lugar no mundo junto a 66 moradores no pequeno di. Também plantei um alqueire de milho, mas não assentamento Santa Rita, implantado oficialmente em 1977, em . estava dando preço... e troquei por um casal de Veja o depoimento dela.

Sou uma pessoa de muita fé. Graças a Deus, tenho fé! Se a gente trabalhar sem fé em Deus, a gente merece até castigo, porque se a gente trabalha é porque tem saúde e saúde é o mais importante. Sou católica, mas a igreja aqui está abandonada, nem vem padre. Sinto falta. Fotos: Dodora Teixeira Às vezes, converso sozinha com Deus. Depoimento original para o livro “Vozes da Terra”, parceria Itesp/ USP. parceria Terra”, da “Vozes o livro para original Depoimento

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Fotos: Daniel Guimarães

Em junho, o Governo do Estado lançou um importante conjunto de investimentos para a região do Pontal do Paranapanema e propôs a regularização das terras ocupadas com mais de 500 hectares no extremo oeste paulista. Recursos da ordem de R$ 160 milhões e a solução fundiária para cerca de 200 fazendas que ocupam área próxima de 300 mil hectares são vitais à região, marcada pela grilagem de terras públicas.

Edição: Vera Artaxo Em dois momentos, o governador José Serra no Pontal do Paranapanema: mais desenvolvimento para a região. Solução à vista para o Pontal

conjunto de ações – anúncio dos investimen- mentes e filhotes de pequenos animais. Os quase deve aplicar R$ 24 milhões nos próximos dois minho colabora com quase R$ 20 milhões entre os tos feito por José Serra no município de Ál- R$ 2 milhões para o programa de regularização anos, beneficiando 16 cidades, num total de 376 investimentos em transportes. Ovares Machado a 15 de junho, no mesmo dia fundiária beneficiarão cerca de três mil imóveis mil moradores. Os recursos permitirão a constru- em que o governador assinou o projeto de lei para rurais e urbanos. Há, ainda, atividades de ção de sistemas de abastecimento de água e tra- O projeto de lei encaminhado à Assembléia regularização de posse em áreas de terras devolutas capacitação e formação de assentados e técnicos. tamento de esgoto. Legislativa do Estado de São Paulo exigiu diver- – visa incrementar o desenvolvimento econômico dos sas reuniões com os atores da região nos primeiros 32 municípios do Pontal do Paranapanema, benefi- “Participamos ativamente da nova etapa de desen- Na saúde, foi a verba para o Programa seis meses de governo e resulta de amplo estudo ciando direta ou indiretamente uma população su- volvimento do Pontal, contribuindo com melhorias Dose Certa – distribuição gratuita de medicamen- envolvendo secretarias do executivo paulista, es- perior a 500 mil habitantes. nos assentamentos e fazendo parcerias com as pre- tos –, passando para R$ 680 mil mensais. Outros pecialistas e representantes de entidades da região. feituras para ações de regularização fundiária”, atesta R$ 211 mil mensais se destinam à ampliação do “Queremos ver o Pontal se desenvolver, oferecer mais Gustavo Ungaro, diretor executivo do órgão vincula- número de equipes do Programa da Saúde da Fa- A regularização das áreas devolutas estaduais até emprego, educação e saúde”, disse o governador, do à Secretaria da Justiça e da Defesa da Cidadania. mília. E a região também ganhará 15 novas am- 100 hectares está contemplada na Lei nº 3.962/ que convocou seis secretarias estaduais para elabo- Empenhado na promoção do desenvolvimento das fa- bulâncias. No campo da educação, reformas e 1957, regulamentada pelo Decreto nº 28.389/ rar o plano. Fazem parte dessa força-tarefa as se- mílias de pequenos produtores rurais, Ungaro lem- ampliações de escolas, cobertura de quadras, com- 1988. Quanto às áreas não superiores a 500 hec- cretarias de Agricultura e Abastecimento, Sanea- bra que, dos 168 assentamentos assistidos pelo Itesp, putadores para 126 salas de professores e cons- tares, foi editada a Lei nº 11.600/ 2003, regula- mento e Energia, Saúde, Educação, Justiça e Defe- 103 estão na região do Pontal, englobando 5.513 trução de 14 brinquedotecas equipadas com tele- mentada pelo Decreto nº 48.539/ 2004. sa da Cidadania e Transportes – esta concentra R$ famílias, em 13 municípios. Mirante do Paranapa- visor e DVD player exigem R$ 7,7 milhões. 100 milhões do total anunciado, sobretudo para a nema e Pirapozinho acabam de receber 589 novos Pelo novo projeto, para a regularização das terras melhoria das estradas vicinais que cortam a região. títulos. “A regularização de uma área traz segurança Projetos de implantação da gestão do agronegócio, ocupadas com mais de 500 hectares, os fazendei- dominial ao posseiro e ao Poder Público, que pode convênios com associações de produtores rurais, ros deverão devolver parte das áreas ocupadas ao O Itesp previu investimentos que ultrapassam R$ planejar melhor os investimentos e a extensão dos capacitação de agricultores, doação de 140 mil mu- Estado. Parte delas poderá ser regularizada e ou- 5,2 milhões. São mais de R$ 3 milhões para o serviços aos cidadãos, propiciando novas condições das para recuperação de mata ciliar, entre outros tra parte arrecadada para a implantação de as- programa de infra-estrutura nos assentamentos – para o desenvolvimento”, afirma. itens, são aplicações na área de agricultura, para sentamentos de trabalhadores rurais, nos termos perfuração de poços artesianos, abertura de estra- a qual foram reservados R$ 2,6 milhões. previstos na Lei nº 4.957/ 1985. das, construção de redes de distribuição de água, Várias frentes de ação contribuem para otimizar construção de galpões comunitários, pontes, con- os avanços na área legal. A Sabesp (Companhia Para o devido escoamento da produção, o progra- Isso vai permitir resolver o problema fundiário, da servação e preparo de solo entregas de mudas, se- de Saneamento Básico do Estado de São Paulo) ma de recuperação de estradas rurais Melhor Ca- titulação e, por dar mais sustentabilidade ao cres-

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cimento, estimula investimentos na agricultura e, ficando um cenário árido fruto dos danos causados reivindicatórias com pedido de tutela antecipa- para declarar devoluta toda a área que compõe o portanto, a geração de trabalho e renda. Ou seja, é pelo desmatamento agressivo da ocupação preda- da, com o apoio do Instituto Nacional de Coloni- 15º Perímetro de Presidente Wenceslau, exceto em vital para a pacificação social da região do Pontal. tória, no ínício do século XX. zação e Reforma Agrária (Incra), o que possibi- relação a áreas anteriormente acordadas. O pro- litou a arrecadação de áreas para os assenta- cesso, ainda em andamento, já inspirou outros tan- Grilos marcam os documentos do Pontal Outras marcas da história fundiária da região: ín- mentos realizados. tos que deverão permitir arrecadação de terras para dios Caiuá e Caigangues foram expulsos de suas fins de reforma agrária. Grandes dimensões de terras com documentação terras pelos invasores em busca de riquezas e pos- O Incra atua em parceria, repassando recursos para falsificada – pretensamente antiga, submetida por seiros foram caçados. Atualmente, pequenos pos- o pagamento de indenizações na arrecadação das A definição de terras devolutas, ainda aceita hoje, décadas à ação dos grilos estrategicamente colo- seiros, bóias-frias, arrendatários menores, meeiros áreas devolutas. Por convênio com validade até fala em sesmarias: foi estabelecida pela coloniza- cados entre papéis forjados em gavetas hermetica- e empregados rurais organizam-se em movimen- dezembro, está prevista a liberação de R$ 28 mi- ção portuguesa com a pioneira Lei de Terras (n.º mente fechadas – caracterizam parte das áreas do tos sociais e lutam pela posse e uso da terra. lhões, dos quais R$ 21,6 milhões já foram repas- 601, de 1850), que se refere a terras desocupadas. Pontal do Paranapanema. sados ao Itesp. Segundo a Constituição Federal vigente, de 1988, Conhecido nacionalmente pelos conflitos fundiários, são terras devolutas da União as indispensáveis à Incapazes de legitimar essas escrituras, portado- o Pontal tem, portanto, características que o dis- O Estado percebeu a necessidade de regulamen- defesa das fronteiras, das fortificações e constru- res de registros paroquiais iniciaram um longo pro- tingue das demais regiões de atuação dos movi- tar suas concessões de terras, restringindo-lhes o ções militares, das vias federais de comunicação e à cesso de especulação imobiliária. Eram feitos pelo mentos de luta pela reforma agrária. tamanho, o que melhorou o caos então reinante. preservação ambiental, definidas em lei. vigário de cada paróquia. Foi exigência do gover- Ainda assim, com a ocupação desordenada, amon- no, na tentativa de criar estatísticas de terras pú- A análise da história e da legislação que disciplina toaram-se títulos sobre títulos em muitos recan- De maneira geral, as terras devolutas estaduais são blicas e privadas. Porém, sem valor de título a questão da discriminação de terras devolutas, sua tos do solo pátrio. definidas pelo critério da exclusão, ou seja, estão dominial, nem de cadastro de terras, os registros arrecadação e destinação, o registro público de ter- situadas nos respectivos territórios, sem que cons- dos vigários trazem um problema adicional: as in- ras e o reflexo direto destes na efetiva realização Nas últimas décadas, o governo do Estado tem ques- tituam reserva federal, próprios estaduais ou bens formações eram cobradas por letra, o que acabou da reforma agrária no Estado de São Paulo mos- tionado judicialmente a titularidade de grande par- municipais e nem pertençam a particulares por le- estabelecendo descrições absolutamente suscintas. tra como é essencial, no Pontal do Paranapanema, te das terras do extremo oeste paulista. Com ori- gítimo direito titular. Quanto às municipais, dei- a regularização fundiária. gem nos chamados grilos, essas áreas foram consi- xaram de existir com a Constituição Federal de De todo modo, para coibir a exploração predató- deradas devolutas, ou seja, públicas. A Justiça vem 1967 e a Lei n.º 6383, de 1976, se refere apenas ria, visando à conservação da flora e da fauna, Um país com vastíssimo território, como o Brasil, concedendo ganho de causa ao Estado na maioria a devolutas estaduais. foram criadas as reservas florestais do Morro do nascido sob a égide da monarquia portuguesa, não das ações discriminatórias, aceitando que essas ter- Diabo – hoje Parque Estadual, um dos últimos ves- teria condições de amoldar títulos de transferência ras são mesmo devolutas – bens do Estado, exceto O estigma das terras devolutas que recai ainda so- tígios de Mata Atlântica no Estado de São Paulo – dominial, como as sesmarias, criadas em Portu- as que são bens da União. A Constituição também bre o Estado de São Paulo tem constituído um en- da Lagoa São Paulo e do Porto Primavera, que gal: os sesmeiros eram nomeados pelo próprio rei. estabelece que a destinação das terras públicas e trave para o desenvolvimento social e econômico sobrevivem bravamente. O sistema foi abolido em 1822 e então acabou devolutas deve ser compatibilizada com a política sobre tudo na região do Pontal do Paranapanema. vigorando o princípio da ocupação efetiva do solo agrícola e com o plano nacional de reforma agrá- Situado na fronteira com o Mato Grosso do Sul e o – ou seja, posse sem título. ria. Os ocupantes das áreas julgadas devolutas só Urge uma vigorosa intervenção na estrutura Paraná, o Pontal tem extensão de 1,2 milhão de têm direito à indenização das benfeitorias, já que a fundiária, seja para arrecadar as terras públicas hectares divididos por 30 municípios, apresentan- O espírito latifundiário, a partir da extinção das terra não lhes pertence, mas sim ao Estado. devolutas que se encontrarem indevidamente nas do um dos menores índices de desenvolvimento, sesmarias, impregnou-se na cultura brasileira. No mãos de particulares, seja para transferi-las àque- baixa concentração demográfica e inexpressivo início cultivando apenas as terras para sua sobrevi- Como o Estado vem impetrando ações no Pontal les que legalmente fazem jus, seja para repartilhar crescimento industrial e comercial. vência, os posseiros passaram a ampliar seus terri- desde a década de 30, hoje há 46 discriminatórias áreas que não cumprem a função social imposta tórios, fazendo demarcações até onde bem enten- em andamento. Uma delas, processo 068, datado como condicionante do direito de propriedade, pela A efetiva povoação da região deu-se com a implan- dessem, sem qualquer controle governamental. de 1972, sobre o 15° Perímetro de Presidente Constituição Federal de 1988. tação da Estrada de Ferro Sorocabana. A mono- Wenceslau, comarca de Mirante do Paranapanema, cultura cafeeira foi substituída, em 1940, pela O estigma das terras devolutas soma quase 8.500 páginas e contabiliza perto de O projeto que está tramitando na Assembléia produção de algodão. Hoje planta-se milho, além uma centena de réus. Legislativa Paulista, é bom repetir, já é um grande de algodão. Também a pecuária se desenvolveu – Preocupado com os graves conflitos fundiários avanço para sair da inércia e solucionar o proble- predominam na região grandes fazendas de gado ali existentes, o governo do Estado tem se empe- Há mais de dez anos, em dezembro de 1996, o juiz ma fundiário do Estado de São Paulo. Aliás, o se- de corte. Os grandes arrendatários, que contrata- nhado em intervir na malha fundiária da região Vito José Guglielmi, hoje no Tribunal de Justiça, cretário Luiz Antonio Marrey empreendeu um de- vam pequenos posseiros como mão-de-obra, não para democratizar o acesso à terra. Empreen- numa decisão histórica, deu sentença favorável ao bate, em setembro, ouvindo os setores da socieda- tiveram qualquer preocupação ambiental, intensi- deu também um plano que inclui propor ações Estado: julgou procedente a ação discriminatória de local. O objetivo é um só: a paz no campo.

14 Fatos da Terra setembro / 2007 15 capa Instrumentos em prol da regularização fundiária

A regularização fundiária, a rigor, não é um instituto to geodésico e demarcação das terras devolutas e só gerando grandes problemas fundiários sobretudo na jurídico, mas uma política pública que tem por então começa o processo de registro das terras devo- região oeste do Estado, no Pontal. escopo legalizar a posse e a propriedade do solo. lutas, com a instauração de processo de legitimação de posse ou arrecadação de áreas para implantação Ali, apenas as terras do 13º Perímetro de Mirante de Projetos de Assentamento pelo Itesp. do Paranapanema e do 20º Perímetro de Santo Anastácio tiveram ações discriminatórias julgadas Francisco de Sales Vieira de Carvalho * Com foco na região do Pontal, analisemos a legisla- e reconhecidas como particulares. As demais foram ção estadual pertinente a procedimentos para a dis- julgadas devolutas há décadas – ou nem foram do- Nas últimas décadas, no Estado de São Paulo hou- rais sem terra (em São Paulo, de acordo com a Lei criminação de terras devolutas e regularização cumentadas. Então, o Estado não aceitou os títulos ve clara preocupação com a problemática fundiária. Estadual 4.957, de 1985). É preciso identificar as fundiária: é evidente o problema surgido com a ado- falsos, mas tampouco coibiu a prática abusiva rei- A própria Constituição do Estado de São Paulo ga- terras devolutas para que possam ser destinadas. ção da discriminatória judicial – e não administra- nante ou cuidou das terras que lhe pertenciam. rante a identificação prévia de áreas e ajuizamento tiva – morosa e de elevado custo financeiro e social. de ações discriminatórias, visando a separar as ter- O processo judicial da ação discriminatória é da Grande parte de seu território é composto por ter- ras devolutas das particulares, e a mantutenção de competência da Justiça Federal, quando o autor Embora pioneiro na tarefa da discriminação de ter- ras devolutas ou ainda não discriminadas – cadastro atualizado de seus recursos fundiários. O for a União, e das varas da Fazenda Pública, quan- ras, com farta legislação, São Paulo patina no as- provávelmente, devolutas. Grandes latifúndios es- Programa Estadual de Direitos Humanos também do o autor for o Estado. No caso da União (Decre- sunto, pois imprimiu, também de forma pioneira, o tão nas mãos de poucas pessoas, que geram pouco tem compromisso expresso com a questão. to-Lei n.º 9.760, de 1946), o reconhecimento das caráter judicial à discriminatória; as ações discrimi- emprego. O contraste entre latifundiários impro- posses legítimas é garantido, desde que não seja natórias, na sua grande maioria datadas da década dutivos ou com baixíssima produtividade e os tra- A regularização fundiária do solo brasileiro é, ain- caracterizado latifúndio e dependendo do efetivo de 40, foram homologadas apenas na década de 90, balhadores em desamparo é muito grande. da hoje, uma necessidade premente, sob pena de não aproveitamento e morada do possuidor. A discri- se poder, com bom senso e espírito de justiça, con- minação das terras devolutas no Estado de São cluir-se qualquer projeto de reforma agrária, uma Paulo é disciplinada pelo Decreto n. 14.916, de vez que não se reforma o que não existe. 1945, em consonância com a legislação federal Situação jurídica das terras do Pontal do Paranapanema ulterior (Lei n. 6.383/1976). Sem regularidade fundiária não há como implemen- tar um programa de reforma agrária capaz de re- É a Procuradoria Geral do Estado (PGE), que atua solver a situação daqueles que, sem acesso à terra, na identificação e arrecadação das terras devolutas querem nela trabalhar, sonhando em jogar a se- estaduais para dar-lhes o fim legalmente previsto - mente que lhes proporcionará o progresso social e o que inclui entregá-las a particulares, legitimando econômico. a posse de ocupantes que preencham os requisitos legais e fiscalizar o uso dessas terras públicas, no Uma modalidade jurídica que só existe no Brasil – tocante aos assentamentos fundiários agrícolas. O a ação discriminatória que define o domínio da terra trabalho é feito em parceria com o Itesp. – é um instrumento importante para avançar na questão. Ou seja, as ações discriminatórias são pro- A importância da ação discriminatória postas pelo Estado com o objetivo de identificar o Fonte: Itesp que são terras públicas e o que são terras particu- O procedimento discriminatório é extenso. Num pri- lares. Já as reivindicatórias são ajuizadas, para meiro momento, envolve, além da instauração do reaver a terra pública indevidamente em posse de processo, memorial descritivo, edital para apresen- um particular. tação de documentos, autuação dos documentos, de- clarações dos interessados, vistorias, diligência. Cabe ao Estado arrecadar as terras públicas ocupa- das irregularmente e destiná-las, como manda a Após o pronunciamento dos interessados, e conse- Constituição, ao assentamento de trabalhadores ru- qüente julgamento, entra-se na fase do levantamen-

16 Fatos da Terra setembro / 2007 17 capa opinião Desenvolvimento e cidadania

Gustavo Ungaro *

O Pontal do Paranapanema, re- mudas e sementes, calcário, kits Governo de Franco Montoro, gião situada no extremo oeste do para irrigação por gotejamento principalmente por meio da Lei O desemprego torna-se cada vez maior, com a cres- A ação reivindicatória, ajuizada pela Procurado- Estado de São Paulo, tema cen- e pastejo rotacionado, melhoria 4.957/85, avançou no período de cente mecanização nas operações de colheita, em- ria Geral do Estado, revelou-se instrumento apto tral da presente edição da revis- de solos, reformas e construções Mario Covas, que editou o Decre- bora a construção das hidrelétricas nos rios para a regularização fundiária, pois, por meio dela, ta Fatos da Terra, é foco priori- de equipamentos comunitários, to 42.041/97, e teve uma nova Paranapanema e Paraná tenha mantido inúmeros terras devolutas ocupadas irregularmente terão tário da atuação da Fundação conservação de estradas, perfu- possibilidade aberta pela Lei trabalhadores na região. destinação econômica e social: assentamento de Itesp que, por meio da Regional ração de poços e novas redes de 11.600/03, ao tempo de Geraldo trabalhadores rurais sem-terra ou com terras in- de Presidente Prudente, conta distribuição de água. Alckmin, tudo resultando no Desde o início de 1995, enormes acampamentos suficientes para subsistência. No Pontal, essas áreas com 176 servidores em 10 escri- aproveitamento atual de 100 mil surgem à beira das rodovias. O noticiário vive re- arrecadadas atendem a esses trabalhadores. Para tórios, realiza investimentos na São 5,3 milhões de reais do or- hectares de terras devolutas como gistrando: os trabalhadores rurais sem-terra inva- a propositura da ação reivindicatória, a Procura- produção e fornece assistência çamento da Fundação Itesp que assentamentos rurais. dem fazendas improdutivas ou de baixa produtivi- doria Geral do Estado conta com o Itesp, que pro- técnica a 103 assentamentos si- possibilitarão tais ações, inte- dade, na sua maioria julgadas devolutas. videncia os documentos que comprovam a nature- tuados em 13 municípios, além grantes do Plano de Investimen- Mas falta muito, ainda, para a za da origem das terras, além de realizar os traba- de desenvolver trabalhos de re- tos Estaduais no Pontal do Para- solução definitiva, e por isso é Nesse mesmo ano, o Governo do Estado propôs um lhos técnicos necessários. gularização fundiária em parce- napanema, anunciado pelo Go- bem vinda a iniciativa do atual plano de ação para o Pontal, com os seguintes ob- ria com sete prefeituras. vernador José Serra durante re- mandatário maior paulista, que jetivos: reintrodução de formas mais eficientes e Um estudo do Itesp levantou e analisou, em outubro cente visita à região, em junho. remeteu à Assembléia Legislativa sustentáveis de produção agropecuária, por meio de 2003, os processos de ações discriminatórias ajui- Serão expedidos, até dezembro, Projeto de Lei que estipula a ar- de assentamentos; reinserção do Pontal como re- zadas em cada uma das regiões do Estado; muitos mais de 3 mil títulos de proprie- Contudo, há um problema histó- recadação de novas áreas, ou o gião de importância econômica, por meio de regu- estão sem andamento por falta de demarcação das dade, para regularizar a situa- rico que não pode ser olvidado – pagamento ao Fundo de Desen- larização fundiária e dinamização por ser merca- terras (execução da sentença); outros aguardam ma- ção de pequenos posseiros em a grave e complexa questão volvimento do Pontal do Parana- do local e regional. nifestação das partes e decisão judicial. áreas urbanas e rurais, a fim de fundiária, calcada na inseguran- panema, como modo de viabilizar assegurar a conquista formal da ça dominial sobre vastas áreas, a regularização de grandes fra- Objetiva também recuperação ambiental, recompo- Precisamos lutar pela efetividade da discrimi- própria residência familiar, caracterizadas como terras devo- ções territoriais. sição florestal de áreas de preservação permanente, natória administrativa e o desembaraço judicial há viabilizando a captação de finan- lutas estaduais mas utilizadas por distensão social, gerando clima propício a um novo inúmeros recursos dos latifundiários. Com a mo- ciamentos e contribuindo para o particulares que delas se consi- A recente proposta é resultante ciclo de desenvolvimento na região e promovendo rosidade da via judicial, todos perdem: o poder ordenamento territorial. deram donos, situação que se re- de estudos, reuniões e discussões convivência harmoniosa das terras regularizadas. público, que investe recursos financeiros; o Esta- flete na tramitação, a consumir coordenadas pelo Secretário da do, que não consegue viabilizar seus projetos agrá- A partir do ano de 2007, novas décadas, de dezenas de ações ju- Justiça e da Defesa da Cidada- A eficiência da ação reinvindicatória rios e fundiários e tem sua arrecadação prejudica- famílias poderão ter acesso à ter- diciais, propostas pela Procura- nia, Luiz Antonio Marrey, que da; o contribuinte; os trabalhadores rurais. ra para dela extrair seu sustento doria Geral do Estado a partir contou com a colaboração da O Plano previa três fases: Arrecadação de Áreas e participar do desenvolvimento de levantamentos muitas vezes Fundação Itesp. Devolutas e Assentamento, com diversas ações; Apesar da sensibilidade de alguns governantes, dos econômico regional, em áreas pú- fornecidos pela Fundação Itesp. Acordo nas Áreas Não Discriminadas (Decreto n.º legisladores e de entidades civis, a morosidade ju- blicas que já estão submetidas a Renova-se, portanto, a esperan- 42.041/1997), em que o latifundiário faz acordo diciária persiste, dificultando projetos agrários e licenciamento ambiental e em ou- Completa o quadro de instabilida- ça em novos horizontes que se re- com o Estado cedendo parte da área para ter o fundiários do governo estadual. A indefinição so- tras que se encontram em proces- de a mobilização dos trabalhado- velam possíveis, rumo à socieda- restante regularizado em seu nome; Edição de Lei bre a propriedade da terra exige, por parte do go- so de arrecadação. res rurais sem terra, organizados de justa, fraterna e solidária de Terras propõe ampla discussão com agentes so- verno, ação que aponte definitivamente para a re- em movimentos sociais e sindicais, apregoada pela Constituição e ciais e políticos sobre o tema. gularização fundiária em nosso Estado. É preciso As mais de 5,5 mil famílias as- a despertar a atenção da opinião sonhada também pelos brasilei- rever a legislação federal e estadual para o surgi- sentadas, por sua vez, terão no- pública para a demanda pela de- ros do Oeste Paulista. Sobre a questão do acordo (indenização) regulado mento de um projeto de lei. vos incentivos para a ampliação mocratização do acesso à terra. pelo decreto citado, pleiteou-se 30% da área de e diversificação da produção e o cada imóvel – que foi concedida, na maioria dos * Graduado em Engenharia de Agrimensura pela Uni- aumento da renda, através de Assim, o desenvolvimento pleno * Diretor Executivo da Fundação casos, pela via jurídica. Instalaram-se assentamen- versidade Federal do Piauí, com mestrado em Engenha- cursos de capacitação, participa- da região passa pelo cabal equa- Itesp. Mestre em Direito pela USP, tos provisórios. Após exaustiva negociação, houve ria Civil pela Universidade Federal de Santa Catarina, é ção em eventos e feiras, distri- cionamento da querela fundiária, é membro da Comissão de Justiça Analista de Desenvolvimento Agrário do Itesp. acordo entre o Estado e os ocupantes. buição de filhotes de animais, cujo enfrentamento iniciou-se no e Paz de São Paulo.

18 Fatos da Terra setembro / 2007 19 especial

A difícil reforma agrária

A reforma agrária é movida pelo conflito, Ilustração: Didiu já que envolve mudanças na propriedade privada. Nos últimos anos foram assentadas um milhão de famílias, numa abrangente redistribuição de terra, sem qualquer ruptura institucional. Mas o conflito persiste: questão agrária foi superada nos países desenvolvidos nos séculos XIX e XX e talvez a receita utilizada não se aplique ao século XXI. Combustível não apenas da reforma agrária, o conflito alimenta o próprio conflito, num círculo vicioso que, para ser quebrado, talvez exija algum tipo de ruptura. O conflito impede o planejamento participativo do setor público e desperdiça escassos recursos públicos, um luxo que o Brasil não pode continuar suportando.

Antônio Márcio Buainain * do em dosagem baixa. Para outros, o problema nas o ritmo, mas também a localização, o modelo e não está na dose, mas no próprio remédio, que não os resultados, infelizmente precários, da reforma ma rápida análise da economia política da redistribuição de propriedade da terra feita por um é o mais adequado para enfrentar a questão agrá- agrária. O Estado transformou-se em bombeiro agrá- reforma agrária mostra que ela é movida país em tempo de paz e sem ruptura institucional. ria — superada nos países desenvolvidos nos sécu- rio, correndo sempre atrás de incêndios, mas sem Upelo conflito. Foi a pressão dos movimen- los XIX e XX — em pleno século XXI. qualquer possibilidade de planejar ações que pode- tos de trabalhadores sem terra e a intensidade dos Apesar do esforço, o conflito não parece dar sinais riam inclusive evitar o fogo dos conflitos. conflitos — agrários com todas as conseqüências de arrefecimento. Ao contrário, à exceção do cur- Nossa hipótese é que o conflito A política agrária tornou-se refém em termos de violência e mortes — que transfor- to período 1999-2002, que registrou queda, o nú- tem sido o combustível, não ape- Os assentamentos têm sido im- dos conflitos, e a principal viti- mou a prioridade de papel e os discursos vazios mero de conflitos tem crescido junto com a expan- nas da reforma agrária, mas do plantados em terras escolhidas ma foi a própria reforma agrária, sobre a má distribuição de terras e a pobreza rural são dos assentamentos e a ampliação de benefícios próprio conflito, e que a respos- pelo movimento social — não na qual hoje a quantidade vale em orçamento e ações em uma área que envolve de um conjunto de políticas públicas. ta do governo — moldada pelo necessariamente as mais ade- mais do que a qualidade mudanças compulsórias em uma das instituições conflito, pelas restrições insti- quadas e em conformidade pilares das democracias contemporâneas: a pro- A simples constatação de que o remédio não está tucionais e pela sua (in)capacidade operacional — com a legislação; as terras são distribuídas para priedade privada. produzindo o efeito esperado — seja em termos de vem contribuindo para alimentar o conflito, criando os integrantes dos movimentos — e não necessari- redução de conflitos, seja em termos de redução um círculo vicioso que vai ficando cada vez mais amente para as famílias mais qualificadas. Como resposta, desde 1993 os governos assenta- da pobreza — seria suficiente para pelo menos sus- difícil interromper sem produzir algum tipo de rup- ram em torno de 1 milhão de famílias em terras citar dúvidas sobre a validade da prescrição. Para tura. Vejamos cada um destes elementos. Os projetos são implantados em escala incompatí- desapropriadas ou adquiridas para fins de reforma uns, a pequena eficácia se deve à timidez da dose e vel com a disponibilidade de recursos necessários agrária. Ainda que para muitos esse número seja não ao remédio; seria como um antibiótico que não O conflito, em particular as ocupações ou ameaças para viabilizar os assentamentos — o que explica o tímido, trata-se da mais abrangente operação de tem força para combater a infecção por ser aplica- de ocupações de terras, vem determinando não ape- chamado passivo da reforma agrária. Os minifún-

20 Fatos da Terra setembro / 2007 21 especial

dios, verdadeira fábrica de pobreza rural, são recri- mos ocupantes; o abuso do trabalho dos mais fra- ral atribui esta função aos Estados da Federação, te confirmados pela Justiça. O acordo é sem dúvi- ados nos projetos de assentamentos para permitir a cos e desorganizados; a exploração predatória e e o processo é caro e lento. O instrumento é a ação da a melhor opção para ganhar tempo, mas exige acomodação de um maior número de famílias e des- criminosa dos recursos florestais, a invasão de re- discriminatória, que exige a identificação da ca- recursos para o Estado pagar as indenizações de- ta forma alcançar as metas irrealistas acertadas com servas ambientais e indígenas. deia dominial da área em questão a partir de 1850, vidas e cobrir o custo da desistência do litígio. a liderança dos movimentos. data da publicação da Lei de Terras. Enfrenta-se Outro, a cautela no trato do problema agrário, que todo tipo de problema: registros falsos, certidões Tanto no caso da desapropriação como da aquisi- O fato é que o conflito impede o planejamento se degenerou, em muitos casos, para uma situação ilegíveis, documentos perdidos, cartórios incendi- ção de terras devolutas e ilegitimamente ocupadas participativo da ação do setor público, e produz de aberta ilegalidade. As ocupações são hoje “qua- ados etc., situação que permite incontáveis contes- por terceiros — ainda que de boa fé — ilustram as um uso ineficiente e ineficaz de recursos públicos se” permitidas e até mesmo alimentadas pelo po- tações em cada etapa do processo, perícias técni- dificuldades enfrentadas pelo Estado para respon- escassos, um luxo que um país como o Brasil, su- der público; os mandados judiciais de desocupação cas e outras artimanhas processualísticas para pro- der aos conflitos com assentamentos. E aqui não focado por tanta necessidade e demanda legítima, de propriedades não são respeitados em tempo; os longar no tempo a situação de indefinição. se mencionou todos os demais aspectos igualmente não pode continuar suportando. pedidos de intervenção ignorados. A incapacidade relevantes, desde o financeiro até a capacitação revelada pelo Estado para fazer respeitar as insti- A experiência do Estado de São Paulo ilustra a dos assentados para competir de forma sustentá- Apesar dos discursos sobre a importância da “qua- tuições democráticas contribui para estimular no- dificuldade envolvida no litígio judicial relaciona- vel no ambiente da economia contemporânea. lidade da reforma agrária”, o vos conflitos que se manifestam do a ações discriminatórias. A que de fato vem importando, tanto na aceleração das ocupa- análise do processo de aquisi- Para dar fim à exclusão e à po- Para concluir, é preciso indicar para ambos os lados, é o núme- O conflito é inerente à desa- ções de terras como pela ação ção de terras devolutas de 31 a fragilidade dos mecanismos de breza no campo, seria preciso ro de famílias assentadas, e não propriação, pois contrapõe ilegal de proprietários e grileiros. assentamentos no Pontal de gestão de conflitos agrários à as condições do assentamento. interesses; e a aquisição de Paranapanema revela que 18 negociação, entre governos e disposição do Estado brasileiro. Cada nova família assentada é terras devolutas, por meio É preciso considerar a inade- ações foram iniciadas no ano movimentos sociais, um pacto Ao que tudo indica não interes- um troféu usado pelos governos de ações, é demorada quação do marco legal, institu- de 1972. Destas, 7 foram con- viável para a reforma agrária sa ao movimento social negoci- para comprovar seu compromis- cional para lidar com os confli- cluídas em 1997, ou seja, o Es- ar, para valer, um pacto viável so com a prioridade. tos agrários. A desapropriação tado só pode tomar posse da área 25 anos após o para a reforma agrária; na lógica do pagamento de propriedades improdutivas, principal meio de início da ação. Os demais processos foram encer- da herança histórica de exclusão e pobreza, só cabe É também um troféu usado pelos movimentos para aquisição de terras para fins de reforma agrária, rados, também mediante acordo entre o Estado e ao Estado aceitar as reivindicações, independente arregimentar novos sem terra, atraí-los para a cau- é, por sua própria natureza, um processo confli- os ocupantes, em 1998, 1999, 2000 e 2002. das restrições institucionais, fiscais e operacionais sa, e funciona como estímulo para aqueles que já tivo, pois contrapõe interesses e direitos dos pro- que enfrenta. estão engajados, na fila de espera por um lote; uma prietários privados aos interesses e direitos de gru- Na ausência de acordo, uma vez concluída a ação dis- promessa de que mais dia menos dia a hora deles pos sociais. crimina-tória que identifica a área como devoluta e De outra parte, o negociadores do Estado têm pouco vai chegar, e que o importante é manter-se firme e transfere sua propriedade para o Estado, é necessário a oferecer no processo de negociação com os movi- cerrar fileiras com o movimento. O processo “legal” de desapropriação contempla impetrar uma ação reivindicatória pela qual o Estado mentos, em especial no tempo e condições exigidas. várias etapas: seleção da propriedade, inspeção pelo reivindica a posse de sua propriedade ocupada por ter- E por isto oferecem cestas de alimentos, permissão Outro aspecto relevante é que a situação de confli- Incra, notificação do proprietário, elaboração do lau- ceiro. O processo também é demorado, pois envolve para desrespeitar a lei e poder aos líderes para distri- to é enfrentada por um Estado Democrático fraco, do técnico que determina se a propriedade é ou não avaliação de benfeitorias incorporadas ao imóvel pelo buir as terras arrecadadas entre seus seguidores. O emergindo de um regime autoritário, e que em mui- improdutiva, contestação pelo proprietário, perícia ocupante anterior (desde que ocupante de boa fé). resultado não poderia ser outro: cada vez um número tos campos ainda não aprendeu a exercer a autori- judicial, preparação do decreto presidencial de de- maior de sem terras exigindo seus direitos. E como o dade, seja pelo medo de parecer ou de ser autoritá- sapropriação, ação de emissão de posse, laudo de A análise de 42 assentamentos na Zona do Pontal Estado não tem poder de árbitro, cabe ao conflito rio, seja pela falta de instrumentos adequados para avaliação do valor da propriedade, depósito da in- que envolveram ações reivindicatórias confirma a fazer valer os direitos, de um lado ou do outro. exercê-la de forma justa e equilibrada. Essa debi- denização, emissão dos títulos da dívida agrária e lentidão do procedimento judicial. A ação referen- lidade do Estado Democrático tem dois lados. ... tudo correndo bem, imissão da posse em favor do te às terras do assentamento Santa, no Mirante de Incra. Mesmo após a aprovação da Lei Complemen- Paranapanema, foi impetrada em 1995, e prolon- Um diz respeito à mais antiga e inegável fonte de tar no. 77-93 que define o Rito Sumário para a gou-se até 2002, quando foi concluída por acordo. * Bacharel em Direito e Economia. Em Economia, é pós-graduado no Birkbeck College, Universidade de Lon- conflito e violência no campo: é a incapacidade de desapropriação, o processo pode levar anos. Outras quatro ações tiveram início em 1994, e só dres e doutor pelo Instituto de Economia da Unicamp. É assegurar o respeito às leis agrárias, o que favore- foram encerradas a partir de 1996, quando o Es- professor do Departamente de História e Política Econô- ce a ocupação ilegal de terras pelos fazendeiros; a A arrecadação de áreas devolutas pelo estado é tado, enfrentando o agravamento dos conflitos de mica do Instituto de Economia da Unicamp e pesquisador grilagem e a aquisição fraudulenta — não rara- outro meio de aquisição de terras para assenta- terras, decidiu reorientar sua estratégia do litígio do Núcleo de Economia Agricola e Ambiental (NEA) do mente violenta — de terras; a expulsão de legíti- mentos de reforma agrária. A Constituição Fede- judicial para acordos entre as partes, posteriormen- mesmo Instituto.

22 Fatos da Terra setembro / 2007 23 A caminho do reconhecimento social A era digital chega Por meio do Programa de Formação e Capacitação Gênero e Liderança, comunidade feminina conquista direitos como agente produtiva no campo aos assentamentos Reportagem: Nara Godoy O desenvolvimento das populações assentadas depende pesar de executar intensamente o trabalho O conceito utilizado segue uma concepção dialógica do acesso a direitos sociais como o conhecimento: o domínio agropecuário, a mulher não participa das para o processo de formação. Por exemplo, no caso Adecisões sobre o destino do dinheiro ganho das quilombolas, respeitando seu conhecimento e de novas ferramentas, como a informática, entra em pauta. com a comercialização dos produtos. Para reverter suas características próprias, em liguagem acessí- Reportagem: Nara Godoy esse quadro e propiciar condições para que a mu- vel e diferenciada, próxima à realidade das mulhe- tecnologia da informação é mais um recur O potencial da informática aplicado à agricultura lher do campo possa buscar a garantia de seus di- res. As oficinas são dinâmicas, com recursos visu- so de que o Itesp lança mão para promover poderá garantir aumento da produtividade e gerar reitos na sociedade e na própria família, como le- ais e conteúdo fácil de reproduzir. O ponto de parti- Aa cidadania em seu universo e possibilitar ganhos tecnológicos que permitirão aos assenta- gítima agente produtiva, o Itesp instituiu um pro- da é a vivência do cotidiano e as discussões e ativi- novos horizontes aos jovens assentados. Em parce- dos maior competitividade, além contextualizar a grama específico. dades já realizadas sobre os vários temas são con- ria com a organização não-governamental CDI (Co- produção mais tecnificada. Os jovens do campo po- sideradas a cada nova etapa. mitê de Democratização da Informática) e as as- derão, em síntese, se igualar aos da cidade, em Em parceria com o Ministério de Desenvolvimento sociações das comunidades assentadas, o Itesp de- matéria de capacitação, ganhando condições de dis- Agrário (MDA), a Caixa econômica Federal e o Pro- As três etapas restantes vão tratar de elaboração senvolve um programa para proporcionar capaci- putar as mesmas oportunidades. grama de Fortalecimento da Agricultura Familiar participativa em pequenos projetos, entre outros as- tação profissional e desenvolvimento social pelo (Pronaf), foram viabilizados recursos para a reali- suntos. As atividades deverão oferecer subsídios meio digital. O projeto possibilitou a criação de O programa teve início em 2004 nos assentamen- zação do Programa de Formação e Capacitação para que os participantes possam, de forma autô- seis Escolas de Informática e Cidadania (EIC’s). tos Haroldina, no município de Mirante do em Gênero e Liderança, voltado exclusivamente noma, formular e encaminhar seus próprios proje- Paranapanema; Santa Zélia e Ribeirão Bonito, em para a comunidade feminina de assentamentos e tos, bem como buscar parcerias e financiadores, O CDI adaptou sua metodologia e construiu uma Teodoro Sampaio; Gleba XV de Novembro, em de quilombos. reforçando a capacidade de organização para a especial para o ensino da informática para os as- Rosana; Tucano, em Euclides da Cunha; e Bom permanência e o crescimento nos assentamentos. sentados, aparelhando salas de aula com compu- Pastor, em único dos locais que per- As atividades estão sendo desenvolvidas desde 2006, tadores e material didático. “É importante tra- mite acesso à internet. Cada escola está atenden- no Vale do Ribeira e no Pontal de Paranapanema; a Em alguns assentamentos, as mulheres poderão zer esse novo viés, o da tecnologia, aos assenta- do, em média, 60 alunos, que compartilham 10 região de Presidente Prudente foi incluída este ano. desenvolver trabalhos de planejamento e gestão mentos. Isso faz com que o jovem fique atento às computadores, duas impressoras e dois scanners. O projeto envolve duas diretorias – de Formação e produtiva. “São noções básicas de planejamento necessidades do local”, enfatiza Fátima Oliveira, de Políticas de Desenvolvimento – e é coordenado e gerenciamento das atividades agropecuárias ou coordenadora pedagógica do CDl. Para ela, o pro- Cada instituição tem sua atribuição definida no ter- por Marta Maria Beserra Silveira, analista de de- não da propriedade rural, visando o aumento da jeto, além de gerar oportunidades para o jovem mo de cooperação técnica. Ao CDI cabe formar os senvolvimento agrário e de Formação. “A previsão é produtividade e melhorando as chances de inser- assentado, “mexe com a imagem de que só exis- coordenadores e educadores de cada EIC, empre- de que até o final de 2007, possamos concluir, no ção nos mercados locais e regionais”, acrescenta tem recursos na cidade”. gando uma proposta pedagógica construída com total, 176 atividades e 1.416 horas/aulas, com a Marta. A última atividade será um base em sua ampla atuação na área de inclusão participação de 2.915 mulheres”, afirma Marta. seminário elaborado como uma Conhecimentos técnicos podem permitir o me- digital. O Itesp disponibiliza transporte e estadia retrospectiva do programa, aber- lhor aproveitamento das inúmeras informações aos formadores e espaço para a instalação das es- Trabalho evolui em módulos to para debates e sugestões – o disponíveis no mundo atual, e o domínio de no- colas – constituídas em parceria com as prefeitu- As atividades se desenvolvem em nove etapas, com que garante a permanente vas ferramentas de comunicação pode facilitar ras. A comunidade arca com a manutenção dos oficinas diferentes e consecutivas. Políticas públicas melhoria do trabalho. a sistematização da prática cotidiana. O desen- equipamentos e remuneração dos monitores. e conselhos municipais também são abordados no volvimento integral das populações assentadas trabalho executado por grupos técnicos tanto da sede depende da capacidade de garantir o acesso aos Ainda se busca parceiros para a compra dos com- quanto do campo ao final da série. No ano passado, diversos direitos sociais, como a educação. O putadores e materiais didáticos. Além disso, em foram realizadas seis etapas do programa, centradas jovem assentado carrega consigo uma bagagem muitos locais falta acesso à conexão de internet, o no desenvolvimento da sensibilização da equipe dos diversificada, com inúmeras questões peculiares que ampliaria imensamente os conhecimentos dos grupos técnicos de campo e a motivação da comuni- e situações específicas, daí sua eleição prioritária alunos. Estamos nos mobilizando para atingir esse dade. Paralelamente, aconteceram oficinas de gêne- para participação no projeto. objetivo”, revela Fátima. ro e auto-estima e ainda de formação de liderança.

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André Franco Montoro, amigo do homem do campo

A luta pelo acesso à terra vem marcando a história paulista há décadas. O entendimento desse processo é crucial para a formulação de novas políticas capazes de criar condições de trabalho, geração de renda e, sobretudo, o desenvolvimento pleno da cidadania no campo. O conhecimento das políticas públicas voltadas para a questão da terra é essencial não só para a compreensão da nossa realidade, mas também para a elaboração de projetos planejados para vencer os desafios atuais. No início dessa história, um nome se destaca: o do governador André Franco Montoro.

Carlos Alberto Feliciano *

Franco Montoro avançou vigorosamente nas questões relativas à terra.

Aqui, entrega títulos para Araraquara. AcervoFoto: Itesp

ma das primeiras discussões governa A inspiração foi a necessidade de superação do A partir daí, criou-se uma comissão para estudar a tos sociais no campo e uma possível expansão do mentais envolvendo a redistribuição de sudesenvolvimento, num momento histórico pau- melhor utilização das terras do estado. Entre os jo- comunismo no território paulista. Uterras e alteração da estrutura agrária no tado por dois fatores importantes: primeiro, o con- vens recém formados que participaram, José Gomes Estado de São Paulo se deu pela Lei de Revisão texto geopolítico mundial – no auge da Guerra Fria; da Silva, patrono da Fundação Instituto de Terras do Como era de se esperar, houve uma gigantesca opo- Agrária, aprovada na década de 60 pelo Governo segundo, a forte ação dos movimentos sociais no Estado de São Paulo. Foi essa comissão que elabo- sição de setores conservadores à lei de 1959. Sur- Carvalho Pinto. A Lei nº 5994, de 30 de dezem- campo – como as Ligas Camponesas. rou a proposta de Lei de Revisão Agrária, aprovada giu uma emenda à Constituição de 1946, transfe- bro de 1960, teve uma repercussão nacional e se em 30 de dezembro de 1960. Grande parte da equi- rindo o recurso do Imposto Territorial Rural da tornou parâmetro para a criação do Estatuto da Em 1959, eleito governador de São Paulo, Carva- pe que elaborou a lei foi depois convidada pelo gover- esfera estadual para a gestão municipal, o que Terra, em 1964. lho Pinto montou um grupo para a elaboração de no federal para estruturar o Estatuto da Terra. inviabilizou a execução da lei. Mesmo assim, o es- um Plano de Ação Governamental, inclusive no âm- tado de São Paulo conseguiu adquirir cinco áreas Trata-se de um dos projetos de reforma agrária bito do campo – responsabilidade do Secretário da A titulação – não uma Lei de Reforma Agrária – para a implantação dos projetos. mais antigos do estado de São Paulo; deveriam ser Agricultura, José Bonifácio Coutinho Nogueira. O demonstrou a estratégia de adotar uma postura assentadas de 500 a 1000 famílias de agriculto- Plano de Ação privilegiou investimento em três se- mais ligada à idéia de desenvolvimento do que de Apenas duas delas concretizadas no governo Car- res sem terra por ano, em terra pública ou privada tores: Infraestrutura (42% dos recursos), Melhorias transformação social. Afinal, a discussão da re- valho Pinto: as fazendas Santa Helena, em Marília, subutilizada, arrecadada por recolhimento do Im- das Condições do Homem no Campo (31%) e Ex- forma agrária apareceu nessa época justamente e , em , que ganharam infraes- posto Territorial Rural. pansão Agrícola e Industrialização (27%). como uma forma de conter as ações dos movimen- trutura com casas, galpões, cooperativas, escola e

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centro comunitário. Em Jaú (Pouso Alegre), o pro- de Revisão Agrária. Com José Gomes da Silva como jeto não vingou. Em Meridiano (Jacilândia), de- Secretário da Agricultura, foram criados mecanis- morou décadas, como em Itapeva (fazenda Pirituba, mos essenciais para o processo, com destaque para hoje dividida em seis áreas), com a resistência dos o IAF, Instituto de Assuntos Fundiários, embrião camponeses em ocupar as terras. A Fazenda do Itesp. Desse modo, foi realizado um inventário Pirituba, aliás, foi um espaço marcado por confli- dos imóveis rurais do Estado. tos, tanto que nessa região se configurou uma das origens do Movimento dos Trabalhadores Rurais Paralelamente, criou-se o aparato jurídico. A Lei Sem Terra (MST) no Estado de São Paulo. nº 4.925/1985, sobre alienação de terras públicas a rurícolas que as ocupem e as explorem, se desti- Depois dessa experiência com Carvalho Pinto, José nava a regularizar e titular todo agricultor que es- Gomes da Silva, agrônomo e fazendeiro que levou tivesse cultivando há mais de três anos em lote in- a bandeira da reforma agrária até as últimas con- ferior a três módulos rurais (tamanho de uma área seqüências, mergulhou profundamente no estudo necessária para reprodução de uma família), vi- da questão. Após o golpe de 1964, coordenou uma sando assim amenizar os conflitos existentes pela proposta a partir da qual surgiu a Lei 4.504/64: o posse, principalmente no Vale do Ribeira e no Estatuto da Terra, ainda em vigor. Mas como a lei Pontal do Paranapanema. Já a Lei 4.957/85 dis- não saiu do papel na época do regime militar, ele pôs sobre planos públicos de valorização e apro- procurou o caminho da sociedade civil – foi criada veitamento dos recursos fundiários do Estado, pro- a ABRA, Associação Brasileira de Reforma Agrá- piciando uma política de assentamentos rurais. ria, que manteve acesa a chama da reforma agrá- ria até o processo de redemocratização do Brasil, Assim, havia as condições necessárias que permi- nos anos 80. tiriam ao governo desenvolver sua política fundiária baseada em duas diretrizes principais: o assenta- A política fundiária de Montoro mento de trabalhadores rurais; e o processo de re- Atento ao novo contexto político, o governador gularização fundiária. André Franco Montoro soube identificar o poten- cial dos movimentos sociais no campo. A herança O governo iniciou a regularização de posse da ter- era pesada: limitadas possibilidades de interven- ra de cerca de 500 famílias, beneficiadas por anti- ção do governo estadual na reformulação da es- gos projetos de colonização em áreas do Vale do trutura fundiária; legislação agrária estadual Ribeira, do litoral e do interior do Estado. Com a desatualizada; falta de estrutura administrativa e ação da SUDELPA (Superintendência de Desen- instrumentos operacionais para qualquer interven- volvimento do Litoral Paulista), foram favorecidas ção no campo fundiário. ainda 5.500 famílias no Vale do Ribeira – 1.295 atendidas por agilização nas ações discrimina- No entanto, Montoro tinha a consciência de que o tórias, demarcação das terras devolutas, identifi- governo democrático de São Paulo deveria dar o cação de posse e titulação dos posseiros. exemplo na questão da Reforma Agrária, com a uti- lização das terras ociosas, ou indevidamente apro- A política de assentamentos rurais estava orien- veitadas, para o assentamento de trabalhadores ru- tada para promover a efetiva exploração agrope- rais. Após anos de repressão política, foi o primeiro cuária ou florestal de terras ociosas, sub-apro- governo estadual que, atendendo aos anseios dos veitadas ou aproveitadas inadequadamente (so- movimentos sociais, implantou 21 projetos de as- mente imóveis rurais de propriedade ou adminis- sentamentos rurais no estado de São Paulo. Cenas do Projeto de Assentamento Para isso foi necessário atualizar a legislação agrá- na Fazenda Pirituba, em Itapeva, em 1983,

Fotos: AcervoFotos: Itesp ria estadual, que não sofria alterações desde a Lei hoje referência nacional de organização. AcervoFotos: Itesp

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Hoje, o cenário na região é bem diferente: os assentados dispõem de recursos para o êxito da agricultura familiar.

campo paulista, principalmente o MST. Hoje, são mento dos trabalhadores sem-terra e os posseiros. referências nacionais na forma de organização, pro- Enfim, um governo de reabertura, baseado em li- dução e desenvolvimento. Apesar do projeto de berdade, justiça e cidadania. reassentamento Lagoa São Paulo (devido à cons- trução da barragem Sérgio Motta) ter iniciado em 1979, na gestão Paulo Egídio, o governo Montoro Metodologia exemplar retomou o projeto – então coordenado pela CESP (Cia. Energética de São Paulo) – numa área de 2.834 As experiências e metodologias adotadas hectares, onde foram reassentadas 218 famílias. pelo IAF, precursor do Itesp, subordinado ao SEAF, se tornaram referências tanto A lista de projetos de assentamento (incluindo reas- para outros estados como para o próprio Fotos: AcervoFotos: Itesp sentamento) na gestão do Governo Franco Montoro governo federal, que na época elaborava o abarca vários municípios: Presidente Epitácio, Ara- primeiro Plano Nacional de Reforma Agrá- Com missa celebrada pelo Padre Maurício, depois bispo de , deu-se início ao assentamento da Gleba XV, em 1984. ras, , Promissão, Castilho, Sumaré Rosana, ria, com a participação de Jose Gomes da Itapeva, Itaberá, , Casa Branca, Silva – presidente do Incra no governo José tração do estado). O grande objetivo: criar oportu- luta pela posse da terra e outras 2.900 em acampa- Araraquara, Andradina, Porto Feliz. Sarney e introdutor, em 1990, do conceito nidade de trabalho e de progresso social e econô- mento rurais. Para acompanhar esses conflitos, prin- de segurança alimentar. mico de trabalhadores rurais sem terra ou com ter- cipalmente no Vale do Ribeira e no litoral, foi cria- Em e , num total de 239 ras insuficientes para a garantia da subsistência. do, por meio da SUDELPA, o Grupo da Terra. hectares e 466 famílias envolvidas em projeto su- A metodologia para a implantação dos as- É patente a mudança de postura com relação às pervisionado pela CESP, houve, ainda, implanta- sentamentos deveria ser desenvolvida ao lon- lutas sociais organizadas pelos movimentos no cam- No final do governo Montoro, foram implantados ção de roças familiares em lotes econômicos – em go de quatro anos de experiência no campo po, pois o governo passou a atuar mais como um 21 assentamentos rurais em mais de 37 mil hecta- média, de 0,51 hectare por família – de terras ex- e englobava: elaboração do projeto de as- mediador dos conflitos. “A importância da ação do res de terras públicas, somando 2.214 famílias de ploradas por desempregados ou sub-empregados sentamento; seleção dos assentados; admi- Estado está não apenas no fato dos assentamentos trabalhadores sem terra. De acordo com a SEAF, nas periferias das cidades onde os trabalhadores nistração da implantação da infraestrutura; se realizarem em terras públicas utilizadas inade- produziram, até a safra de 1985/1986, em 20 mil não residiam na área. Isso mostra como o governo e organização da produção durante o perí- quadamente, mas em dar solução a problemas pú- hectares arrecadados, mais de 25 mil toneladas de estadual buscava compreender o surgimento de no- odo aproximado de 5 anos, considerado de blicos, agindo como elemento organizador, media- arroz, feijão, mandioca, milho, algodão, amendo- vos personagens, enfrentando novos desafios na amadurecimento. Essa metodologia estava dor e incentivador, permitindo que estes assentamen- im, mamona, sorgo e soja, além de hortigranjeiros implantação de políticas públicas visando o bem baseada no objetivo básico do assentamen- tos resultem em benefícios sociais e econômicos para e pequenos animais de pequeno porte. estar da população rural. to, para o governo do Estado: a produção toda a população”, reza um documento da época. de alimentos com justiça social. Os projetos de assentamento (PA) rurais mais anti- Conduzido por Franco Montoro num momento de Na época havia, segundo dados da SEAF (Secreta- gos do Estado de São Paulo – a Lagoa São Paulo, abertura política, o governo do estado de São Pau- ria Executiva de Assuntos Fundiários), aproxima- em Presidente Epitácio; a Gleba XV, em Rosana; o lo reabriu novas frentes na elaboração de referên- damente 100 pontos de conflitos pela posse da ter- PA Sumaré, os PAs Pirituba II, nas áreas I, II e cias sobre a legislação agrária brasileira e, sobre- *Ouvidor da Fundação Fundação Instituto de Terras do ra e também acampamentos rurais no território III, municípios de Itapeva e Itaberá – foram cená- tudo, abriu a possibilidade de diálogo para as di- Estado de São Paulo, mestre e doutorando em Geogra- fia Humana pela USP. paulista. Calcula-se em torno de 1.700 famílias em rio da luta e formação dos movimentos sociais no versas frentes de lutas sociais – entre elas, o movi-

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Pela educação do campo

A III Jornada de Estudos em Assentamentos Rurais, realizada por iniciativa da Feagri - Faculdade de Engenharia Agrícola da Unicamp, reuniu especialistas durante três dias em Campinas, São Paulo, em junho. Entre eles, vários nomes da Fundação Itesp. Aqui, o foco está nos três trabalhos apresentados na área da educação do campo.

m sua terceira edição, a Jornada, que contou do geógrafo Fábio Nogueira; ao discutir Assentamen- com parceria com a L’École des Hautes Etudes tos Rurais e Soberania Alimentar, apresentou um estu- Eem Sciences Sociales, de Paris, é reconhecida do importante sobre o impacto da produção de alimen-

como um espaço relevante para reflexões sobre a rea- tos para o autoconsumo, discutindo a segurança ali- Dodora Teixeira Foto: lidade dos assentamentos rurais. As conferências abor- mentar das famílias assentadas. daram temas emergentes do momento atual, como a expansão da cultura canavieira no Estado de São Pau- Da realidade de 2004 às experiênciais atuais engloba a ação educativa de caráter libertador, envol- Já a terceira opção, pedagogia da problematização, lo, as estratégias de políticas públicas de segurança vendo o agricultor como protagonista do processo – o considera que, em um mundo de mudanças rápidas, o alimentar e a questão de gênero e cultura, que discute Marcia Regina de Andrade e Maria Clara Di Piero educador surge como aprendiz, numa postura capaz de importante não são os conhecimentos ou idéias nem os os papéis diferenciados de homens e mulheres na dinâ- analisaram o perfil das escolas dos assentamentos construir um novo conhecimento. comportamentos corretos e fáceis que se espera, mas mica da reforma agrária brasileira. paulistas, apresentando um exame preliminar dos da- sim o aumento da capacidade do aluno, que age e parti- dos da Pesquisa Nacional de Educação na Reforma A política de extensão rural do Itesp é centrada na cipa da transformação social, em detectar os problemas Acadêmicos renomados de todo o Brasil, além do pes- Agrária, de 2004: havia escolas em apenas 30% dos participação para preparar, capacitar e adaptar tra- reais e buscar soluções originais e criativas. O grande quisador Jacques Chonchol, da Unviersidad Arcis, do assentamentos, reflexo das políticas que privilegiam o balhadores rurais para a exploração racional e econô- mérito dessa pedagogia está no fato de que o aluno usa Chile, e representantes das principais instituições pú- transporte para escolas urbanas, e essas escolas dispu- mica da terra e evolui no processo de ensino-aprendi- a realidade para aprender com ela, ao mesmo tempo em blicas responsáveis por política agrária e fundiária, nham de poucos recursos – naturalmente, a cultura zagem para uma formulação de desenvolvimento sus- que se prepara para transformá-la. insistem na necessidade de articulações das políticas urbana como referência dominante. Um quadro que tentável e incorporação da questão agroecológica. A públicas para o desenvolvimento pleno e sustentável precisa mudar. prática extensionista, naturalmente, exige a formação A demanda pela criação de um curso técnico de agricul- deste importante segmento social do campo – os agri- de profissionais com enfoque baseado em processos tura partiu dos filhos de assentados e comunidades vizi- cultores familiares dos assentamentos rurais. E está mudando, como mostra o tema escolhido por Fran- educativos – um dos grandes focos do Itesp. nhas da Fazenda Pirituba, localizada entre os municípi- cisco Feitosa Alves Sobrinho e Maria Angela Fagnani, a os de Itaberá e Itapeva, no sudoeste paulista. Os jovens A intensa participação do Itesp no seminário expressa ETAF - Escola Técnica de Agricultura Familiar . Trata- Ensino, nesse contexto, engloba as experiências neces- queriam um curso técnico diferente. Foi criado o curso o compromisso dos profissionais da entidade com os se de um espaço alternativo de prática extensionista sárias para que se produzam as modificações deseja- “Habilitação Técnica em Agricultura Familiar”, em três agricultores assentados, no sentido de buscar alterna- educativa, de acordo com a ótica de Paulo Freire, consi- das; e aprendizagem implica numa modificação perma- módulos: processamento de produtos agropecuários, pro- tivas para a sustentabilidade econômica, social e cul- derando os aspectos da nova política nacional de ATER – nente do homem. Os autores examinam três opções pe- dução vegetal e produção animal. Na formatação está tural dessas famílias: seus trabalhos sintetizam resul- Assistência Técnica e Extensão Rural. dagógicas, sem descartar nenhuma delas. incluída a questão agroecológica e da extensão rural já tados de pesquisas e relatos de experiências que refle- que estes jovens poderão ter um papel importante junto tem o esforço pelo desenvolvimento sustentável junto A proposta de habilitação técnica em agricultura fami- A primeira, pedagogia de transmissão, parte da premis- às comunidades para o diagnóstico e encaminhamento às comunidades dos assentamentos rurais. liar em desenvolvimento pelo Itesp e pelo Centro Paula sa de que o aluno, uma “página em branco”, tem como de soluções para os seus problemas. Assim, não se trata Souza – a partir dos assentamentos da Fazenda Pirituba objetivos receber informações; gera passividade no alu- apenas de capacitação técnica. Abordando as áreas temáticas de Educação do Campo – é uma nova forma de extensão rural e assistência téc- no e falta de problematização da realidade. A segunda, e Estratégias e Alternativas de Produção e de Geração nica. O projeto encerra, ao mesmo tempo, um grande pedagogia do condicionamento, enfatiza os resultados Como criar oportunidade de formação profissional que de Renda os profissionais que compõem os quadros do desafio e um leque de oportunidades para o desenvolvi- comportamentais em detrimento de idéias e conhecimen- seja reconhecido técnica e socialmente e ao mesmo Itesp contribuiram com experiências concretas. Outra mento sustentável a partir do trabalho de extensão ru- tos; além da falta de problematização, gera tendência tempo esteja ligado à realidade local? Como estabele- presença marcante, dessa vez em mesa redonda, foi a ral. A palavra “extensão”, aqui como em Paulo Freire, ao individualismo e competitividade. cer uma nova forma de atuação de extensão rural que

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Fernanda Pannunzio

Mapeamento da Serra do Mar sirva como paradigma do desenvolvimento sustentá- torno e na cidade, demorando duas horas por dia para Até março de 2008 será possível saber em que ponto chegou a ocupação vel, com base nos princípios da agroecologia? Como percorrer 100 quilômetros para ir e vir. Se o ensino é realizar um trabalho de extensão rural com as novas conectado à realidade é outra questão... humana em cerca de 340 mil hectares de áreas protegidas da Serra do Mar, gerações dentro dos assentamentos e contornar as li- no Estado de São Paulo. Equipes da Fundação Instituto de Terras do Estado mitações do Estado? O projeto ETAF – Escola Técnica Mas o Itesp promove justamente assistência técnica e de São Paulo (Itesp) estão em campo, fazendo o levantamento das áreas ocu- de Agricultura Familiar, que visa incialmente à habili- extensão rural com enfoque na metodologia do plane- padas e o cadastramento dos moradores. Contratado pelo Instituto Florestal, tação técnica em Agricultura Familiar, pensar em dar jamento participativo e a construção de conhecimen- o Itesp também fez um levantamento completo sobre as ocupações humanas essas respostas. to. Daí a pesquisa entre as mulheres para buscar um nos limites do Parque Estadual de , entregue no início do ano. modelo de educação coerente com o desenvolvimento Trabalhos como esses demandam a mobilização de pelo menos 50 profissio- A criação das ETAFs pressupõe um trabalho anterior local sustentável do Timboré, onde há 200 famílias, nais, técnicos especializados. Em Jacupiranga, foram feitos laudos de identi- de mobilização e sensibilização da comunidade que se numa população aproximada de 800 pessoas. Afinal, ficação fundiária das áreas ocupadas com a coordenada geográfica de cada edificação, fotografia das prepara para ela, ajudando a definir a sua formatação. para que a educação se realize como instrumento de principais benfeitorias e mapa em escala contendo limites de municípios e dos perímetros (discrimina- Por esta razão é um mecanismo de que se irá fugir do participação democrática, de luta pela justiça social e curso agrícola oferecido de forma tradicional, passivo. emancipação humana, é necessário que se produzam dos, em discriminação ou pendentes de ajuizamento da ação discriminatória). Por outro lado, é uma oportunidade para os técnicos na escola subjetividades adequadas, voltadas para a praticarem uma extensão educativa, que fuja dos limi- independência, a autonomia, de modo a criar indivídu- tes que a ação estatal possa apresentar em seus cami- os auto-referenciados, cujo autoconhecimento habilita nhos e descaminhos. A ETAF será um território para o o indivíduo a se autogovernar. Vale do Ribeira em pauta os menores Índices de Desenvol- Estaduais de Terras (Anoter) – debate e a reflexão dos problemas da comunidade, ten- vimento Humano (IDH) – um dos no Comitê Nacional de Assistên- do como referência a pedagogia da problematização. A Educação deve ser considerada em seus vários pris- Para superar a precariedade his- critérios de escolha para aplica- cia Técnica e Extensão Rural, do Essa escola pode exercer um papel de mediadora entre mas, compreendendo os modos de instrução não-for- tórica do registro de imóveis em ção do programa no estado. Conselho Nacional de Desen- os agricultores e as políticas públicas nas diferentes mais que se adquire no lar, na comunidade e não pode todo o Brasil, o governo federal volvimento Rural Sustentável esferas do poder executivo. O técnico professor e aluno ser tratada independente das condições histórico-so- promulgou a Lei 10.267, em Os recursos são do Banco Intera- (CONDRAF). Em setembro, o di- agricultor estarão levantando as necessidades de in- ciais de um grupo social, mas antes de tudo, deve vestimentos sociais face às realidades locais. refletir o próprio modo de vida de uma classe social 2001, que torna obrigatórios mericano de Desenvolvimento retor executivo, Gustavo Unga- que se vai adquirindo no processo da aprendizagem memorial descritivo e planta (BID). O acordo com SRA/MDA ro, foi confirmado pela plenária A fixação do jovem no campo em que o saber se efetiva no pensar e fazer para supe- georreferenciada – obtida por irá beneficiar diretamente os da Anoter como membro titular ração do obedecer. meio de aparelhos de Sistema de agricultores familiares brasilei- do Comitê. A importância da mulher nas decisões sobre a educação Posicionamento Global (GPS) e ros, garantindo acesso às princi- desejável para o campo é inegável. O trabalho apresen- A luta das mulheres trabalhadoras rurais se estendeu além criou o Programa de Cadastro de pais políticas públicas, como cré- Na reunião, Ungaro falou sobre tado por Rosilva Brito Rodrigues na Jornada da Feagri da posse comunitária da Terra: para uma melhor quali- Terras e Regularização Fundiá- dito e seguro agrícola. O emprés- o seminário de Assistência Téc- está centrado nas lutas e conquistas do grupo de mulhe- dade de vida e por uma educação do campo voltada para ria, projeto da Secretaria de timo prevê o repasse ao progra- nica e Extensão Rural (Ater), res do assentamento Timboré, localizado entre os muni- o desenvolvimento sustentável em que se leve em conta à Reordenamento Agrário do Mi- ma de US$ 10,8 milhões pelo que envolveu 200 profissionais cípios de Andradina e Castilho, na região Noroeste do educação ambiental incorporando aspectos vinculados à nistério do Desenvolvimento BID e a contrapartida do Gover- do Itesp, em , juntamente Estado de São Paulo, com 3.393 hectares divididos em saúde, economia e ao desenvolvimento social humano. 176 lotes de Agricultura Familiar. Procura detectar a Elas querem que a educação valorize as raízes dos alunos Agrário (SRA/ MDA), para cons- no Federal de US$ 7,2 milhões, com representantes de outros influência dessas mulheres para a construção de uma e ajude a fixar o jovem no campo. tituir um Cadastro Nacional de totalizando US$ 18 milhões. Os órgãos públicos, universidades, educação do e no campo, na perspectiva do desenvolvi- Imóveis Rurais georreferenciado. recursos são destinados à execu- prefeituras e movimentos soci- mento sustentável. O exame do modelo educativo rei- Mais: elas querem uma escola onde seus filhos possam ção do programa em 83 municí- ais, com múltiplo objetivo: aper- vindicado pelas mulheres encerra a perspectiva da im- se sentir felizes. Uma escola capaz de ensinar a produ- O Itesp está participando do pro- pios de 5 estados: Bahia, Ceará, feiçoamento da política pública plantação ali de um Projeto Político Pedagógico e exi- zir sem agredir o ambiente, de promover a inclusão so- grama, que pretende garantir a Maranhão, e São desenvolvida no Estado de São giu analisar o pensar feminino sobre a luta por uma cial, de estimular a participação de seus filhos no desen- melhoria da segurança jurídica Paulo, com previsão de amplia- Paulo, aprimoramento técnico educação de qualidade no campo. volvimento do país. O resultado das entrevistas demons- e o saneamento do Sistema de ção, em uma segunda etapa, para da equipe, promoção da cidada- trou a necessidade de um projeto educativo de qualida- Registro Público – isso possibili- todo o país. nia e da qualidade de vida no Milhões de brasileiros e brasileiras trabalham e vivem de específico para o campo, efetivo na superação do tará a regularização fundiária campo. A política paulista de direta e indiretamente do campo, onde há grande índice modelo agrícola excludente. O modelo de educação a de anafalbetismo. No Timboré, 51,5% das crianças de que as mulheres do Projeto Timboré aspiram está das posses dos agricultores fami- Extensão rural em foco Ater está relacionada à vida de 4 a 6 anos e 50,5% das que estão entre 7 a 10 anos consubstanciado na Educação para um futuro sustentá- liares passíveis de legitimação. A 50 mil pessoas diretamente freqüentam a escola do assentamento; entre 11 a 14 vel e de fixação das famílias ao campo, política e peda- região de abrangência em São O Itesp representa os 26 órgãos atendidas pelo Itesp. A idéia é anos, o índice fica em 29,8%; entre 15 a 17 anos, cai gogicamente vinculado à cultura, às causas sociais e Paulo será o Vale do Ribeira, estaduais de terra – ou seja, a promover a cidadania e melhor para 17,9%. Em todas as faixas, restante estuda no en- humanas dos sujeitos do campo. onde se localizam as cidades com Associação Nacional dos Órgãos qualidade de vida no campo.

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Regina Bonomo

Novo boletim eletrônico Mapa precioso Com o intuito de promover melhoria na produção e produtividade dos assentamentos paulistas, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), em parceria com a Faculdade de Ciências Agronômicas da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e a Funda- ção de Estudos e Pesquisas Agrícolas e Florestais (Fepaf) lançou o atlas Mapa de Fertilidade dos Solos de Assentamentos Rurais do Estado de São Paulo. Foram coletadas amostras do solo em 55 as- sentamentos de 38 municípios. Cada família assentada receberá um resumo com os dados da fertilidade do solo de seu lote, com a reco- Para receber o Itesp online to- mendação dos cultivos mais apropriados. Afinal, o programa foi das as semanas, cadastre-se no implementado para desenvolvimento e capacitação no uso de técni- site www.itesp.sp.gov.br. cas para correção do solo.

Novos Quilombos Agricultura familiar Investimento recorde O Itesp está trabalhando para o A exemplo do que ocorreu na O governo federal anunciou inves- reconhecimento de mais três co- Agrishow, grande mostra reali- timento recorde de R$ 12 bilhões munidades de quilombos em São zada em Ribeirão Preto, o Itesp para o Plano Safra da Agricul- Paulo: Fazenda, em Ubatuba; sempre expõe produtos de seus tura Familiar de 2006/07, des- Poça, entre Jacupiranga e Eldo- assentamentos e quilombos em tinado ao crédito de financiamen- rado; e Ribeirão Grande/ Terra feiras de agricultura. A partici- to a agricultores familiares e as- Seca, em Jacupiranga. Os rela- pação na Agrifam – Feira da sentados da reforma agrária. O tórios antropológicos que com- Agricultura Familiar e do Traba- valor é 20% maior do que o libe- provam a existência da comuni- lhador Rural, no início de agos- rado para a safra anterior e man- dade já estão prontos. As etapas to, anima os produtores das re- tém o crescimento verificado des- seguintes são o georeferen- giões próximas a , como de 2003/04. Técnicos do Itesp ciamento e a pesquisa de docu- Promissão, onde está o maior começam a escrever os projetos mentos das áreas inseridas no assentamento do Estado, Reuni- de obtenção de crédito do Pro- quilombo. Finalizado o relatório das. O evento será no Instituto grama Nacional de Fortaleci- técnico científico, o Estado pode Técnico e Educacional para Tra- mento da Agricultura Familiar reconhecer a comunidade, que balhadores Rurais do Estado de (Pronaf) para as mais de 10 mil passa a receber assistência do São Paulo, com espaço garanti- famílias assentadas no Estado. O Itesp e a ter o direito à titulação do para os produtores rurais governo federal vai avaliar os da área que ocupa. atendidos pelo Itesp. projetos a partir de julho. cartas Sou estudante universitário e pen- âmbito estadual, arrecadando ter- as rurais e urbanas, subsidia ações so em desenvolver um tema refe- ras públicas para projetos de assen- judiciais, fornece kits de irrigação, rente no meu Trabalho de Conclu- tamentos, promovendo assistência promove o reflorestamento, implan- são de Curso. Para começar a pen- técnica e melhorando as condições ta hortas, promove cursos de capaci- sar no assunto, queria saber: como de produção, viabilizando o reco- tação, elabora publicações especia- foi criado e o que faz o Itesp? nhecimento e a titulação das comu- lizadas, constrói equipamentos co- Renan Lima, Presidente Prudente nidades quilombolas, mediando con- munitários e presta serviços de en- flitos no campo. O Itesp dá assis- genharia. Você pode conhecer um Renan, você pode navegar no nosso tência técnica a mais de 10 mil fa- assentamento na sua região para site para se inteirar melhor: acesse mílias em 168 assentamentos, abre definir os caminhos do seu tema. www.itesp.sp.gov.br. Em resumo, estradas, perfura poços, distribui Tente conhecer o Pé de Galinha, no cabe ao Itesp planejar e executar calcáreo, adubo, sementes e mudas, Pontal do Paranapanema; contate as políticas agrária e fundiária no entrega títulos de domínio em áre- nosso escritório na sua cidade.

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