A Indústria Vinícola Como Local De Memória E Ressignificação Para a História Da Imigração Italiana Em Andradas RICARDO LUIZ DE SOUZA*
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Memória e história econômica: a indústria vinícola como local de memória e ressignificação para a História da imigração italiana em Andradas RICARDO LUIZ DE SOUZA* RESUMO O presente trabalho tem como objetivo escamotear parte da História que concerne à introdução e desenvolvimento da vitivinicultura em Andradas-MG, entre o final do século XIX e começo do século XX. Tal estudo também se designa a desvelar os agentes perpetuadores de tal indústria no município, já que Andradas tornou-se o maior centro produtor de vinhos em Minas Gerais no decorrer do século passado. Nisso, avaliou-se como tal atividade econômica é permeada de várias memórias, nas quais carregam alto valor simbólico no desenvolvimento da imigração italiana da cidade, já que esses grupos de imigrantes italianos foram os principais expoentes dessa atividade econômica no município. Palavras-chave: vitivinicultura; memória; imigração. *Especialista em Mídias na Educação pela UFSJ, Graduado em História pela UFRRJ e Historiador da Prefeitura Municipal de Andradas. Introdução A imigração italiana para o Brasil sempre foi uma temática de grande investigação histórica, pois o caráter dinâmico que tal imigração causou nas localidades em que foi introduzida alterou profundamente a economia, culinária, politica, sociedade, educação e até o esporte. Existe assim, nesse ínterim, uma bibliografia extensa sobre a imigração italiana no Brasil. Contudo, ainda faltam pesquisas históricas que possam melhor contextualizar as transformações sociais, econômicas, políticas e culturais que esse acréscimo demográfico trouxe ao Sul do Estado de Minas Gerais. Nesse sentido, o objetivo deste artigo é analisar a imigração italiana para o município de Andradas. Além dessa premissa, objetivou-se estabelecer uma relação entre esse fluxo imigratório e a sua relação com o desenvolvimento da vitivinicultura na localidade, visto que tal atividade foi uma das industrias mais efetivas e importantes para o município em questão. Esse trabalho também se designou em estabelecer os agentes perpetuadores dessa atividade econômica na passagem do século XIX para o século XX. Sendo assim, o presente trabalho está da seguinte forma estruturado: em um primeiro momento, tratou-se de estabelecer a introdução e o desenvolvimento da vitivinicultura em Andradas, assim como seus principais agentes perpetuadores. Em outro momento do artigo, discorremos sobre a introdução e o estabelecimento dos imigrantes italianos no município de Andradas, assim como a sua importância para o desenvolvimento da indústria do vinho, já que a mesma chegou a ser uma das mais importantes no munícipio, no decorrer do século XX. A introdução da vitivinicultura em Andradas Em meados do século XIX, a uva já era amplamente plantada e difundida em alguns municípios paulistas, tais como Jundiaí e São Roque. Nessas localidades, o cultivo e a produção já seguiam um certo vulto, devido principalmente a proximidade dessas localidades com a cidade de São Paulo, capital que crescia de forma exponencial a partir do último quartel do século XIX. Nessa mesma época, a vitivinicultura já estava presente em diversas localidades de Minas Gerais, mas foi no Sul do Estado de Minas, bem encrostado ao pé da extensa Serra da Mantiqueira, que os mais variados parreirais melhor se desenvolvem. Assim, os parreirais desenvolveram-se satisfatoriamente nos “municípios de Baependi, Campanha, Caldas e Caracol1” (INGLES DE SOUSA, 1996: 39). Em 29 de fevereiro de 1888, por mediação do Cel. José Francisco de Oliveira2, foram plantadas vinte variedades de parreiras provenientes da França, por mediação da empresa Elach Freres & Cia, de São Paulo. Entre estas, cerca 487 pés da variedade Jacques foram plantados. O Cel. Oliveira realiza alguns experimentos com essas cultivares em suas propriedades, e percebendo que seus experimentos logram êxito, logo começa a produzir vinhos3. José Francisco de Oliveira era um grande fazendeiro da Vila do Caracol, possuindo grandes lotes de terras e plantel de escravos, sendo bastante plausível a hipótese que os primeiros cultivadores da uva na região sejam seus escravos. Esse proprietário também era o único em toda a Vila do Caracol que possuía maquinário a vapor em sua propriedade (VEIGA, 1874: 40). No relatório realizado pela revista do Arquivo Público Mineiro, no ano de 1900, na página 100, o Coronel José Francisco de Oliveira é descrito como o maior produtor de uvas e vinhos da região: Ha diversas fabricas de assucar e aguardente, bem como duas machinas de beneficiar café. Ha tambem duas de vinho, cuja produção orça por 80 pipas atualmente. Na principal delas, de propriedade do Cel. José Francisco de Oliveira são cultivadas as mais distictas e nobres variedades da videira americana, taes como: a Cyntheana, a Rulander, a Jacques (Lenver) A Herbomont e a Norton´s Virginea: cujos excelllentes produtos conquistam neste e no visinho Estado de São Paulo a mais notável e merecida fama, alcançando preços fabulosos em relação aos produtos das outras fabricas da comarca de Caldas, onde esta indústria largamente se desenvolve, sob os mais promissores auspícios. 1 Através de Lei provincial do dia 1° de setembro de 1888, a Freguesia de São Sebastião de Jaguary é elevada a Vila de Caracol, sendo instalada no dia 22 de fevereiro de 1890 (data oficial do aniversário da cidade). O nome Caracol parece ter sido influenciado pela serra que cerca a cidade, de mesmo nome. No ano de 1892, inicia-se o trabalho da Câmara Municipal na Vila do Caracol. Já no ano de 1918, instala-se o Termo Judiciário na Vila. Em 1925, a Vila é elevada à condição de cidade. Porém, em 20 de setembro de 1928, por inciativa de um membro da Câmara Municipal, o nome da cidade é alterado: de Caracol passa a se chamar Andradas, em homenagem ao então Governador do Estado de Minas Gerais, Antônio Carlos Ribeiro de Andrada, descendente direto dos históricos Andradas (para muitos autores, os patriarcas da Independência). 2 Os vinhos produzidos pelo Cel. Francisco José de Oliveira foram destaque em concurso, alcançando elevada qualidade. Tal concurso foi realizado na então capital de Minas Gerais, a cidade de Ouro Preto. Jornal Correio de Poços. Número 90, 26 de junho de 1891. Acessado em memórioa.bn 3 O pioneirismo do Cel. José Francisco de Oliveira, proprietário da Fazenda Pirapetinga na Vila do Caracol, também é citado na Revista Industrial de Minas Geraes, que destaca que o vitinicultor resolveu praticar “novos ensaios de aclimatação e cultura, e comprou de uma casa importadora, a Loja do Japão -, na cidade de São Paulo, em agosto de 1890, grande quantidade de mudas enraizadas de videiras de diferentes casas, que passam por productoras de bom vinho”. OLIVEIRA, Francisco de Paula. Revista Industrial de Minas Geraes. MEDRADO, Alcides (Editor). Ouro Preto: Imprensa Oficial de Minas Gerais, ano I, n. 4, 15 de janeiro de 1894: 15. A primazia na produção de vinhos na região pelo Coronel Oliveira também pode ser verificada na tese de Carlos Rovaron. Neste trabalho, o historiador Rovaron analisou diversos contratos de compra e venda de imóveis rurais na região de Caldas- MG, feitos durante o decorrer do séc. XIX. Todavia, em um desses documentos, Rovaron localiza uma certa propriedade da região que pertence ao Cel. José Francisco de Oliveira; porém, nas entrelinhas do contrato analisado, podemos perceber algumas informações e características sobre a propriedade. Em 1891, José Francisco de Oliveira vendia a Manoel Augusto de Oliveira a Chácara Perapetinga, nos subúrbios da Vila Caracol, contendo: máquina a vapor de beneficiar café, uma casa com pastos contíguos e anexos, partes de terras de culturas com fábrica de vinho e vinhedos formados, mais uma olaria. (ROVARON, 2015: 97). Quadro 01: Munícipios mineiros e sua produção vinícola em 1911 Municípios Produção/Litros Ouro Fino 79.500 Caracol 49.500 Caldas 48.700 Campanha 37.000 Santa Bárbara 20.740 São Domingos do Prata 14.000 São João del Rey 9.060 Pouso Alegre 8.000 Fonte: adaptado de JACOOB, Rodholfo. Minas Gerais no XX° Século. Gomes, Irmão & C. Rio de Janeiro, 1911: 42. De acordo com Silva (1996), as videiras e a produção de vinho desenvolvem-se lentamente a partir do pioneirismo do Cel. Oliveira, espalhando-se para quintais de outros produtores vizinhos ao Coronel. Em 1911, a antiga Vila do Caracol já desponta como a segunda maior produtora de vinho do Estado de Minas Gerais, com a produção de 49.500 litros de vinho. A cidade vizinha de Ouro Fino, encabeça a lista dos maiores produtores do Estado, com mais de 79.000 litros de vinhos produzidos em 1911 (JACOOB, 1911: 42). Quadro 02: Números da produção Caracolense de uva em 1900 e 1901. Vinhedos 8 Números de cepas em produção 16.700 Número de cepas que ainda não produziram 32.500 Número total de cepas 49.200 Superfície dos vinhedos m² 460.000 Fonte: adaptado de JACOOB, Rodholfo. Minas Gerais no XX° Século. Gomes, Irmão & C. Rio de Janeiro, 1911: 42. Por meio da tabela acima é possível perceber que a produção de uvas na Vila de Caracol se encontrava em crescimento, pois o número de cepas que ainda não produzem é o dobro das que produzem, o que nos lança a hipótese de uma total adaptação das plantas ao clima, solo, altitude e pluviosidade. Não obstante, tal crescimento no número de parreirais pode estar ligado à fixação dos primeiros grupos imigrantes em pequenas propriedades e a adaptação ao plantio da parreira, além de consequentemente, uma expansão no consumo do vinho na região. Em 1913, nas suas páginas 108 e 109, o questionário sobre as condições da agricultura de 176 municípios no Estado de Minas Gerais, publicação que era ligada ao Serviço de inspeção e defesa agrícola de Minas Gerais e financiada pelo Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio, disserta que a cal e o sulfato de cobre são os produtos mais usados contra as doenças nas videiras do município de Caracol.