O Particular E O Cultural Nas Cartas De Casais Monteiro E Ribeiro Couto

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O Particular E O Cultural Nas Cartas De Casais Monteiro E Ribeiro Couto Revista do Instituto de Estudos Brasileiros ISSN: 0020-3874 ISSN: 2316-901X Instituto de Estudos Brasileiros Para além das fronteiras: o particular e o cultural nas cartas de Casais Monteiro e Ribeiro Couto Abreu, Mirhiane Mendes de Para além das fronteiras: o particular e o cultural nas cartas de Casais Monteiro e Ribeiro Couto Revista do Instituto de Estudos Brasileiros, núm. 67, 2017 Instituto de Estudos Brasileiros Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=405652965011 PDF gerado a partir de XML Redalyc JATS4R Sem fins lucrativos acadêmica projeto, desenvolvido no âmbito da iniciativa acesso aberto Para além das fronteiras: o particular e o cultural nas cartas de Casais Monteiro e Ribeiro Couto Beyond the frontiers: the particular and the cultural in the letters of Casais Monteiro and Ribeiro Couto Mirhiane Mendes de Abreu Universidade Federal de São Paulo, Brazil Mirhiane Mendes de Abreu. Para além das fronteiras: o particular e o cultural nas cartas de Casais Monteiro e Ribeiro Couto Revista do Instituto de Estudos Brasileiros, núm. 67, 2017 Instituto de Estudos Brasileiros Adolfo Casais Monteiro (1898-1963) e Rui Ribeiro Couto DOI: 10.11606/ (1908-1972) corresponderam-se por décadas. O acesso a esse diálogo está issn.2316-901X.v0i67p222-228 hoje disponível graças à organização de Rui Moreira Leite, que percorreu diversos arquivos pessoais para oferecer ao público a sustentação de uma profícua amizade, registrada em 125 documentos produzidos entre 22 de junho de 1931 e 30 de maio de 1962. A esse conjunto, anexou ainda dois documentos de Ribeiro Couto (um ofício encaminhado ao Serviço de Cooperação Internacional do Itamaraty e uma carta passiva de Múcio Leão), uma entrevista de Casais Monteiro à revista portuguesa Árvore, um discurso não proferido de Cecília Meireles por ocasião de conturbada premiação pela Academia Brasileira de Letras e reproduções fac-similares de várias imagens de livros com dedicatórias de um ao outro e também a terceiros. Trazida a lume pela Editora da Unesp em 2016, essa correspondência coloca o leitor diante do processo formativo de dois intelectuais, um português e um brasileiro, e dos temas inerentes ao cenário cultural transatlântico. PDF gerado a partir de XML Redalyc JATS4R Sem fins lucrativos acadêmica projeto, desenvolvido no âmbito da iniciativa acesso aberto Mirhiane Mendes de Abreu. Para além das onteiras: o particular e o cultural nas cartas de Casais Monteiro e Ribeiro Couto ABREU, Mirhiane Mendes de. Para além das fronteiras: o particular e o cultural nas cartas de Casais Monteiro e Ribeiro Couto. Revista do Instituto de Estudos Brasileiros, Brasil, n. 67, p. 222-228, ago. 2017. Na primeira metade do século XX, as chamadas políticas luso- brasileiras de estreitamento de laços se concretizaram em programas, acordos e tratados, os quais almejavam avizinhar econômica e culturalmente os dois países. Quando vista pela correspondência pessoal de intelectuais - isto é, afastada do âmbito institucional e protocolar -, essa proximidade é uma experiência singularizada, mas acaba por produzir efeitos na esfera pública. Firmado na troca de cartas, o vínculo afetivo entre Casais Monteiro e Ribeiro Couto caracteriza-se com este balanço: movimenta-se do pessoal ao público com consequências culturais marcantes para os dois lados. Isso pode ser percebido retrospectivamente a partir de um exemplo concreto. Em 1972, o Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo (IEB/ USP) publicou postumamente o livro Figuras e problemas da literatura brasileira contemporânea, de autoria de Casais Monteiro1. Assíduo leitor da nossa literatura, mais do que seu mero promotor cultural, o escritor português constituiu-se crítico das letras brasileiras e investiu nessa atividade um exercício intelectual cujo processo foi pouco a pouco estabelecido pelo diálogo estreito com Ribeiro Couto, conforme lemos na dedicatória do livro citado: À memória de Ribeiro Couto - porque das suas mãos, antes ainda de nos conhecermos, veio a oferta dos livros de Manuel Bandeira e de Carlos Drummond de Andrade, que, com os seus, foram o ponto de partida do interesse que desde então, mais de vinte anos antes de vir para o Brasil, sempre teve para mim a literatura deste país. Mas sobretudo porque o homem cordial por excelência que foi Ribeiro Couto desvendou para mim uma realidade, foi o ponto de partida duma experiência humana que tornou profético aquele verso que não posso lembrar sem emoção, quando, no poema Correspondência de Família, me dizia:/ “Com que amor pisarás um dia a terra da nova Nação.”/ Ao amigo inesquecível, a homenagem deste livro é pobre testemunho duma gratidão que as minhas palavras não sabem exprimir2. Uma visão de causa e efeito se enuncia nessa dedicatória e sublinha o papel relevante da amizade entre eles quer para a vida em geral, quer para as atividades críticas em particular de Casais Monteiro, as quais ganharam terreno fértil no âmbito privado da correspondência. O diálogo epistolar entre os dois significou um mecanismo de experimentação cultural e crítico-literária, anunciada desde a primeira carta da série que se encontra no volume, com declarações do seguinte teor: “a sua poesia foi para mim uma revelação imensa” (p. 30); “a sua poesia está tão próxima de mim, e não tanto de minha poesia, mas duma maneira de ser [...]” (p. 30); ou ainda “encontro afinidade consigo” (p. 31). Ao lado dessas declarações, o missivista analisa o “aspecto descritivo” dos poemas do amigo e conclui: “O Ribeiro Couto descreve como eu quereria descrever” (p. 31). Salta aos olhos na leitura que se segue o entusiasmo do então jovem português com o diálogo concedido pelo já diplomata e poeta Ribeiro Couto. Tal entusiasmo dá lugar ainda a dois outros interesses: a literatura brasileira PDF gerado a partir de XML Redalyc JATS4R Sem fins lucrativos acadêmica projeto, desenvolvido no âmbito da iniciativa acesso aberto Revista do Instituto de Estudos Brasileiros, núm. 67, 2017, Instituto de Estudos Brasileiros contemporânea e a revista presença, cujas páginas, oscilando entre o provincianismo e o cosmopolitismo, estampavam obras e estudos de autores de diversos lugares do mundo, incluindo o Brasil3. Além da presença, inúmeros periódicos são mencionados nesse diálogo epistolar, a saber: Atlântida, Boletim de Ariel, Lanterna Verde, Le Journal des Poètes, Mundo Literário, Portucale, Revista de Portugal, Seara Nova, para citarmos apenas os mais referidos. Como se sabe, a produção de periódicos propiciou formulações estéticas no contexto de efervescência cultural dos anos de 1920 no Brasil, em Portugal e no mundo e se tornou prática contínua nos anos subsequentes. As revistas sistematizavam o que se compreendia como procedimento artístico, arregimentavam colaboradores afinados com o ideário proposto e tornavam disponíveis produções artísticas. Ainda que esses dispositivos fossem desiguais (tanto por acabamento formal, quanto por divergência de concepções estéticas e culturais), a adesão às diretrizes programáticas de um grupo se fazia sentir pelos editoriais esboçados muitas vezes aos moldes de manifestos. Entre Casais Monteiro e Ribeiro Couto, os periódicos da ocasião, mesclados a quaisquer outros assuntos, foram o tema mais assíduo de apreciação, fosse pelo aspecto gráfico, fosse por força de eventuais colaborações, fosse até por circunstâncias financeiras, notadamente no que dizia respeito à revista presença. Diante disso, cabe uma observação: na primeira metade do século XX, cartas e revistas exerciam função seminal e pronunciavam-se igualmente como atividades culturais agregadoras. O exame de periódicos modernistas nos expõe um gênero multiforme, capaz de abrigar poemas, contos, fragmentos de romances e peças teatrais, ensaios, imagens, notícias, propagandas e outros. Essa também é a feição da correspondência e muito particularmente da correspondência que temos em mãos, a de Ribeiro Couto e Casais Monteiro. Os correspondentes, mergulhados nessa pluralidade discursiva, viviam sob o signo de uma modernidade (ainda que periférica) e exprimiam os modos como foram construídos e dissolvidos os pares opositivos nacional/estrangeiro e centro/periferia, elementos com os quais se urdiu o tecido da modernidade nos dois países. Quanto ao gênero, revistas e cartas aproximam-se pelo caráter multiforme. E afastam-se por uma particularidade: aquelas são públicas; estas, pessoais. No entanto, mesmo essa pessoalidade se traduz, em alguns casos, em caráter gregário, o que ocorre quando determinado exemplar adquire a feição de carta circular4, destinando-se a uma pequena e selecionada pluralidade de leitores. Assim, Casais Monteiro alude à admiração estética que, como ele próprio, Ribeiro Couto nutria por Jules Supervielle e Léon-Paul. E sabia disso porque “o Gaspar Simões leu- me algumas de suas cartas” (p. 30). Salta aos olhos, na continuidade dessa declaração, que o registro epistolar desenha também a formação intelectual e poética de cada um deles no que esse processo possui de individual e de partilha. É o que registra Ribeiro Couto numa carta: Releio (uma vez ainda) tudo o que me diz a propósito da sua formação. Da sua revelação poética. Todos estes nomes que v. cita, José Régio (que grande poeta!), Mário de Sá-Carneiro, Fernando Pessoa - dois mestres admiráveis, e que pena que o primeiro se tenha acabado tão tristemente! - são familiares à minha alma graças ao PDF gerado a partir de XML Redalyc JATS4R Sem fins lucrativos acadêmica projeto, desenvolvido no âmbito da iniciativa acesso aberto Mirhiane Mendes de Abreu. Para além das onteiras: o particular e o cultural nas cartas de Casais Monteiro e Ribeiro Couto João Gaspar Simões. (Mário de Sá-Carneiro, estou à espera da publicação das obras completas, anunciadas pela presença). Porém, dos três é o que conheço menos. O Fernando Pessoa, de quem Jules Supervielle me falava há dias com tanta admiração, é um dos casos europeus mais notáveis. Tenho lido na presença tudo que, sob quatro assinaturas diversas, ele publicou ali” (p. 36). Contemporaneidade: eis o que interessava a cada um dos missivistas. De um lado, consideravam as respectivas produções literárias; de outro, debatiam sobre os escritores identificados sob o signo da modernidade.
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