Bernardo Ferreira ENTRE KRATOS E ETHOS: ÉTICA, POLÍTICA E HISTÓRIA EM FRIEDRICH MEINECKE* Bernardo Ferreira é professor do Departamento de Ciência Política do Instituto de Ciências Sociais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (ICS-UERJ). Rio de Janeiro, RJ. Brasil. E -mail: <
[email protected]> http://dx.doi.org/10.1590/ 0102-225282/100 Historicismo: kratos e ethos Nós estávamos abalados, havíamos descoberto os abismos 225 da vida histórica onde no máximo percebíamos pequenas encostas. Sem dúvida, caso possuíssemos o olhar de Cassandra de um Jacob Burckhardt, teríamos podido por conta própria discernir tais abismos. Em algumas ocasiões, despertava em nós esse tipo de pressentimento, mas a “segurança” em que vivíamos no começo do século moderava o nosso julgamento sobre as catástrofes do passado. Assim, em face dos terremotos e das reviravoltas ocorridas no presente, o voo das pombas atemorizadas se dispersa na confusão e procura quer este caminho, quer aquele outro até então desconhecido para melhor compreender a história e o seu vínculo com o presente – * Em memória do meu querido amigo Ricardo Benzaquen de Araújo, que soube como poucos fazer de uma noção que tanto lhe interessava, a Bildung, um generoso ofício de vida, cultivado no estudo, no ensino e nas relações pessoais. Lua Nova, São Paulo, 100: 225-282, 2017 Entre kratos e ethos: ética, política e história em Friedrich Meinecke talvez também para escapar à pressão, a partir de agora mais forte, que ambos exercem sobre nós (Meinecke apud Stolleis, 1994, p. 13)1. Publicado em 1924, Die Idee der Staatsräson in der neueren Geschichte (“A ideia de razão de Estado na história moder- na”), do historiador alemão Friedrich Meinecke, é um texto marcado por um forte sentido de ruptura.