Teresa Heinz Kerry Multimilionária, Herdeira Do Império Ketchup, Mulher Do Candidato Que Ameaça Derrotar Bush
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www.visaoonline.pt SEMANAL FOTO IRA WYMAN FOTO COM ESTA EDIÇÃO N.º 579 • 8 A 14 ABRIL 2004 • PORTUGAL €2,70 SUPLEMENTO DE 64 PÁGS. GRANDE PERFIL Teresa Heinz Kerry Multimilionária, herdeira do império ketchup, mulher do candidato que ameaça derrotar Bush CASO ALBARRAN Corrupção Ex-jornalista acusado na PGR pode de falsificar documentos ter dez anos 64 MUNDO Nasceu em Moçambique, fruto do amor de um médico de Coimbra por uma beleza da ilha de Malta. Estudou na África do Sul e na Suíça, casou com um milionário americano e herdou uma das maiores fortunas do mundo. Defensora de causas nobres, senhora do seu nariz e politicamente incorrecta, começou por ser uma dor de cabeça para os assessores de imprensa do marido. Mas Teresa Heinz é agora o grande trunfo de John Kerry, candidato democrata FACTOR TERESA A senhora PATRÍCIA FONSECA* te incorrecto, incapaz de dizer outra coi- Kerry, distante da imagem sa além daquilo que realmente pensa submissa das primeiras-damas, uando Teresa Heinz entrou no – um verdadeiro desafio para o batalhão está a ser fundamental na campanha do marido salão nobre do Sport Club Por- de assessores que passou a acompanhá- tuguês, em Newark, impôs-se o la no minuto em que a candidatura do Qsilêncio dos grandes momentos. seu marido à Presidência foi formaliza- Para a comunidade lusa, esta era a opor- da. Até porque é também uma mulher tunidade de conhecer uma das mulheres indomável, segura de si e dona de uma mais ricas e poderosas da América – a cultura rara. Fluente em cinco línguas, portuguesa que poderá ser a futura pri- foi pioneira na defesa do ambiente e dos meira-dama dos Estados Unidos. direitos das mulheres, e é hoje um dos Chegou às duas da tarde, no seu maiores mecenas e filantropos dos Esta- jacto particular, que baptizou de dos Unidos. Esquilo Voador, e partiu an- tes das cinco, rumo a outra Infância feliz em Moçambique angariação de fundos para Maria Teresa Thierstein Simões-Fer- a campanha presidencial reira nasceu a 5 de Outubro de 1939, em do marido, o democrata Lourenço Marques (actual Maputo), John Kerry. Foram apenas fruto do amor de José Simões-Ferreira, três horas de convívio com médico de Coimbra, e Irene Thierstein, os emigrantes portugueses – a mulher de uma beleza rara, oriunda de 11 de Março de 2003 – mas uma família abastada de Malta. chegaram para alimentar noites A imensidão dos espaços, o cheiro da inteiras de acesas discussões... terra ou a liberdade de trepar às árvores até hoje. e comer os seus frutos são algumas das A herdeira do império agro-ali- memórias que assomam quando pro- mentar da Heinz (criadores do fa- nuncia a palavra Moçambique. Aí cres- moso ketchup), começou por con- ceu e estudou até aos 13 anos, tendo por quistar simpatias, ao discursar na lín- companheira de traquinices a irmã Mar- gua de Camões. Mas gelou a audiência garita, dois anos mais nova. quando confessou não sentir qualquer A sua família pertencia à restrita elite afinidade com Portugal. «Nasci em Mo- do país. A avó materna era a única pes- çambique, sou mais africana. Na verda- soa que tinha piscina, em Lourenço de, sinto-me afro-americana», disse, es- Marques e o pai, que chegaria a director boçando um sorriso. A piada não terá si- do Hospital Central, mandou construir do entendida por todos – «afro-america- uma das mais bonitas casas da capital, no», nos EUA, é sinónimo de «negro», e debruçada sobre o mar (hoje residência Teresa é ruiva e sardenta, com uma pele oficial do embaixador da Finlândia). cor de leite. As meninas Simões-Ferreira estuda- Uma das convidadas, que preferiu não ram no selecto Colégio Barroso, gerido ser identificada, contou à VISÃO que por freiras, e, transitoriamente, no Ins- muitas pessoas ficaram «ofendidas» tituto de Portugal. Nos tempos livres, com a sua postura. «Perguntavam: ‘Se tratavam de reproduzir neste ambiente não se sente portuguesa, então porque tropical o que de mais chique havia na está aqui?’ Creio que ela apenas quis di- Europa: aulas de equitação, partidas de zer que não se deve rotular uma pessoa ténis, tardes de chá e, claro, muitas fes- olhando para o seu passaporte. Que se- tas. As mais concorridas eram as do ria melhor ouvi-la, olhá-la nos olhos, e Grémio Civil, uma casa de estilo inglês, perceber como ela é.» situada no centro da cidade, com am- E como é Teresa? Perita em mal-en- plos salões, salas de jogos e jardins des- L FOTOMONTAGEM VISÃO tendidos, mestre na arte do politicamen- lumbrantes. 65 AP OS HOMENS DA SUA VIDA Com John Heinz III, primeiro marido, no final de uma campanha para o Senado, em 1975. O pai dos seus três filhos (John, André e Christopher) morreu num acidente de avião, em 1991 L UMA PORTUGUESA À CASA BRANCA como «cidadã de segunda», só por ter foi marcado e anunciado com pompa nascido numa colónia. Os pais decidi- para o ano seguinte, quando ambos ter- Nessas tardes quentes dos anos 50, ram, então, enviá-la para a África do minavam os estudos. Teresa apaziguava a sede num café on- Sul, onde viria a licenciar-se em Línguas Esses dias felizes de Teresa marca- de um jovem chamado Malangatana e Literaturas Românicas, na Universida- ram, também, o início de uma série de servia à mesa. O conceituado pintor re- de de Witwatersrand, em Joanesburgo. acontecimentos trágicos, decisivos na corda-a hoje como «Teresinha», e des- Só no início dos anos 60 ganhou co- definição da sua personalidade – nessa creve-a como «uma menina muito sor- ragem para regressar à Europa, a fim de Primavera morreu a sua irmã num aci- ridente e amável com todos». A lem- estudar na Suíça através de um progra- dente de automóvel, em Portugal. Com brança é semelhante à de Rui Quadros, ma das Missões Luteranas, no qual par- os pais em Moçambique, Teresa teve de um dos seus poucos amigos de infância ticipavam os filhos dos mais notáveis se deslocar a Lisboa, para reconhecer o que ainda vivem em Moçambique: colonos. Na Escola de Tradutores-Intér- corpo e tratar das formalidades para a «Quando a conheci, ainda pequena, já pretes da Universidade de Genebra foi trasladação. era uma miúda que se destacava por ser companheira do actual secretário-geral No ano seguinte, ainda trabalhou al- muito simpática, bonita e esperta», afir- das Nações Unidas, Koffi Annan, e, em guns meses como intérprete nas Nações ma. Um outro amigo dos tempos de es- 1965, quando estava no 4.º ano do cur- Unidas, em Nova Iorque, mas acabou cola, que preferiu manter o anonimato, so, apaixonou-se por um jovem ameri- por desistir da carreira a favor do casa- olha para as notícias dos jornais com al- cano, finalista de Yale, que chegara à ci- mento – até porque o casal passou a guma perplexidade. «É incrível, mas ela dade para fazer um mestrado em Gestão morar em Pittsburgh. Para a cerimónia, com 11 ou 12 anos já era assim: autori- de Fortunas. Teresa só nunca pensou realizada numa capela erguida pela fa- tária e muito segura do que queria», diz, que ele fosse exercer em causa própria – mília Heinz, o jacto particular do noivo sorrindo. afinal, John Heinz III tinha-lhe dito ape- recolheu convidados em várias partes À beira de completar 14 anos, trocou nas que os pais faziam sopas. do mundo, incluindo Portugal e Mo- Moçambique por Lisboa, onde ingres- çambique. As revistas da altura enche- sou num colégio interno. Mas o Portu- Primeiros desafios ram-se de fotografias da boda do único gal tacanho e retrógrado de então en- O namoro rapidamente se transfor- herdeiro do império do ketchup, elo- cheu-a de revolta e a experiência durou mou em noivado, pretexto para uma fes- giando as toiletes dos convidados e a apenas alguns meses. Teresa era incapaz ta de arromba, com convidados oriun- beleza da noiva. de viver rodeada de gente que a tratava dos de vários continentes. O casamento Nove meses e um dia mais tarde, nas- 66 VISÃO 8 de Abril de 2004 MUNDO AP EM TRABALHO Angariando fundos, em 2001. As Fundações Heinz, que dirige, distribuem mais de 200 mil euros por dia, apoiando projectos em áreas tão diversas como o Ambiente, as Artes ou a Saúde AP/ELISE AMENDOLA ceu o primeiro filho do feliz casal. Como EM CAMPANHA manda a tradição, recebeu o nome do Teresa Heinz pai (John). Em 1969 nasceu André e, (que passou quatro anos depois, Christopher. a assinar Kerry, a contragosto), Em 1971, o milionário foi desafiado só recentemente para concorrer ao Senado pelo Partido aceitou a ideia Republicano, em substituição de um de- de que o marido sistente de última hora, e Teresa apoiou- poderá ser -o, incondicionalmente. Havia, no en- Presidente dos EUA tanto, que fazer campanha por todo o Estado de Massachussets, em menos de dez dias. Se a tarefa já soava a loucura, depressa recebeu a classificação de «missão impossível», quando John par- tiu uma perna. Foi então que Teresa mostrou – talvez pela primeira vez –, que era uma ar- L VISÃO 8 de Abril de 2004 MUNDO L UMA PORTUGUESA À CASA BRANCA considerou a hipótese de regressar a nizações independentes. E muitas des- Moçambique. Além disso, o país de que sas organizações foram criadas pela pró- ma política a ter em conta. Sozinha, e terá saudades já não existe. «Seria inca- pria Teresa Heinz – casos da WISE, que sem qualquer apoio do partido, fez co- paz de enfrentar tanta destruição… pre- defende o direito das domésticas à refor- mícios e defendeu convictamente as firo ficar com as minhas memórias», ma, ou da HOPE, que luta pelo acesso a promessas do marido… e algumas das confessou, recentemente.