Karlla Valladares Álvares
O EIXO TURÍSTICO MARIANA SANTA BÁRBARA: PAISAGENS E LUGARES TURÍSTICOS
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em Geografia – Tratamento da Informação Espacial,
como requisito parcial à obtenção do Título de Mestre.
Área de concentração: Análise Espacial Orientador: Dr. Altino Barbosa Caldeira Co-orientador: Dr. Oswaldo Bueno Amorim Filho
PUC - MG Belo Horizonte 2003
DEDICATÓRIA
Dedico esta tese à minha família, especialmente à Doracy, mãe, amiga e companheira que tanto lutou por seus filhos, acreditando na importância da educação para transformar a vida das pessoas.
AGRADECIMENTOS:
Ao meu irmão, Jacintho Álvares, um especial agradecimento por ter acreditado no meu futuro, auxiliando-me nesta trajetória;
Ao meu grande amor, Ricardo Ghizi, por estar presente em todos os momentos, mesmo nas situações mais difíceis, e pelo carinho e dedicação de sempre;
À minha mãe, Doracy, pelo exemplo de mãe e pela determinação em proporcionar-me a melhor formação cultural possível;
Aos meus amigos, Lúcia, Flávia e Paulo, que tanto me auxiliaram durante este percurso;
Ao meu orientador, Professor Altino Caldeira, por acreditar na minha capacidade e pelo incentivo;
Ao meu co-orientador, Professor Oswaldo Bueno, pelas idéias que tanto me inspiraram e contribuíram para a qualidade deste estudo;
Aos professores e funcionários do Departamento de Geografia - Mestrado em Tratamento da Informação Espacial, especialmente a Tarcísio Bruzzi;
Ao Dartagnan Viana, amigo e funcionário do Laboratório de Cartografia do Departamento de Geografia da Puc – Mg, pelas sugestões e auxílio na elaboração dos mapas, e
À CNPq, à Biblioteca da Puc Minas, às Prefeituras Municipais de Mariana, Catas Altas e de Santa Bárbara, às Casas de Cultura de Catas Altas e Santa Bárbara, que contribuíram para tornar este sonho uma realidade.
RESUMO
Esta dissertação é um estudo de Geografia do Turismo; tem o propósito de investigar o potencial do eixo turístico Mariana – Santa Bárbara, situado na Região Central do Estado de Minas Gerais. Considerando a importância da paisagem como lugar turístico, analisa-a nos seus aspectos urbano, cultural e ambiental, a partir dos quais traça um panorama da situação atual do turismo na região. Em seguida, propõe alternativas de intervenção para maximizar os recursos e as potencialidades do percurso, visando o desenvolvimento local a partir do crescimento da prática do turismo.
ABSTRACT
This thesis is a study in the field of Geography of Tourism. It has the purpose of investigating the perspectives over Mariana – Santa Bárbara’s tourist circuit, located in the Central Region of the State of Minas Gerais. Considering the importance of landscape as tourist places, this research makes an analysis of its urban, cultural and environmental aspects from which arises an overview portrait of tourism in the region. Finally, it suggests intervention strategies that could maximize resources and potentialities as a way of local developing through the activity of tourism.
Karlla Valladares Álvares O eixo turístico Mariana - Santa Bárbara: Paisagens e lugares turísticos
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em Geografia – Tratamento da Informação Espacial, como requisito parcial à obtenção do Título de Mestre.
Belo Horizonte, 08 de julho de 2003.
Banca examinadora constituída pelos professores:
______Dr. Altino Barbosa Caldeira (Orientador) – PUC Minas
______Dr. Oswaldo Bueno Amorim Filho (Co- orientador) – PUC Minas
______Dr. Alexandre M. A. Diniz – PUC Minas
______Dr. Fernando Camargos Lara - UFMG
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ...... 01
1 FUNDAMENTOS TEÓRICO - METODOLÓGICOS...... 12
1.1 O fenômeno do Turismo e a Geografia...... 13 1.2 Geografia e Turismo: Paisagens e “lugares turísticos”...... 25 1.3 O turismo e a (re) organização dos territórios - as dificuldades de se avaliar o espaço turístico...... 31 1.4 Métodos e técnicas...... 44
2 ANTECEDENTES HISTÓRICOS...... 49
2.1. O início do processo de ocupação do território mineiro e a criação da Capitania de Minas Gerais ...... 50 2.1.1. Os caminhos do ouro...... 56 2.2 A formação das cidades no eixo Mariana-Santa Bárbara e a estruturação regional no século XVIII...... 62 2.3 A Evolução do eixo Mariana - Santa Bárbara nos séculos XIX e XX e sua caracterização atual...... 73
3 PERSPECTIVAS PARA UM TURISMO SUSTENTÁVEL 91 NA REGIÁO...... 93 3.1. Perspectivas de turismo no eixo Mariana-Santa Bárbara ...... 3.2 Dificuldades e limitações do Turismo atual no eixo Mariana -Santa Bárbara...... 172 3.3. Perspectivas e propostas para o desenvolvimento do eixo turístico Mariana- Santa Bárbara...... 186
CONSIDERAÇÕES FINAIS...... 192
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...... 196
ANEXO 1: A RPPN do Caraça: Atrativos turísticos e mapeamento turístico...... 202
LISTA DE FIGURAS
01 Localização geográfica dos municípios envolvidos no eixo em estudo ...... 01 02 Parte do Conjunto arquitetônico junto à Igreja Matriz de Catas Altas ...... 03 03 Mariana: Vista da rua Pe. G. Lopes ...... 04 04 Principais rodovias de acesso ao Eixo Mariana-Santa Bárbara ...... 05 05 Vista a partir da torre da Igreja do Rosário em Mariana ...... 06 06 Vista panorâmica do Santuário do Caraça ...... 07 07 Silvicultura no município de Catas Altas ...... 08 08 Reserva do Caraça ...... 08 09 Campo de altitude em Catas Altas ...... 09 10 Planta endêmica encontrada na região do Caraça ...... 09 11 Degradação ambiental no município de Catas Altas ...... 10 12 Rio Caraça ...... 11 13 Carta geográfica da Capitania de Minas Gerais ...... 53 14 Capitania de Minas Gerais nos fins da Era Colonial ...... 55 15 Caminhos do Ouro ...... 57 16 Lavagem de minério de ouro no Pico do Itacolomi ...... 61 17 Núcleos Urbanos do Eixo Turístico Mariana – Santa Bárbara ...... 62 18 Evolução do traçado do Arraial do Carmo (Mariana) ...... 71 19 Rótulo de vinho fabricado em Catas Altas (século XX) ...... 80 20 Quadrilátero ferrífero ...... 81 21 Estação ferroviária de Santa Bárbara (1911) ...... 84 22 Hidrografia de Minas Gerais ...... 93 23 Macrorregiões turísticas de Minas Gerais ...... 96 24 Centro de Artesanato de Santa Bárbara ...... 98 25 Esquema de percurso: Eixo turístico Mariana – Santa Bárbara ...... 100 26 Limites do Município de Mariana ...... 101 27 Início do Eixo Turístico ...... 102 28 Roteiro Mariana – Santa Bárbara ...... 103 29 Vista geral do núcleo histórico de Mariana ...... 104 30 Conjunto habitacional em Mariana ...... 105 31 Condomínio Vila D´El Rey, em Mariana ...... 106 32 Trevo Samarco, Mina da Alegria e Bento Rodrigues ...... 107 33 Início estrada de terra (bifurcação via Camargos) ...... 107 34 Córrego assoreado nas proximidades de Mariana ...... 108 35 Vestígios da presença de auto – fornos de produção de carvão ...... 109 36 Carvoaria Taveira ...... 109 37 Fazenda Gualaxo (município de Mariana) ...... 110 38 Vista do entorno da fazenda Gualaxo ...... 110 39 Ponte sobre o rio Gualaxo ...... 111 40 Vista geral de Bento Rodrigues ...... 111 41 Fazenda Santa Luzia em Bento Rodrigues ...... 112 42 Esquema explicativo do percurso entre Mariana e Bento Rodrigues ...... 113 43 Antiga área de exploração de minério em Mariana ...... 114 44 Vista da Serra de Ouro Preto a partir de uma mina desativada (Mariana) ...... 115 45 Cratera: área de recuperação ambiental da antiga mina D’ El Rey ...... 116 46 Caminho por Camargos: acesso à Fazenda Pedra Branca (município de Mariana) ...... 117 47 Mirante com vista para o vale junto à sede da Fazenda Pedra Branca ...... 117 48 Fazenda Pedra Branca ...... 117 49 Paisagens do percurso ...... 118 50 Acesso e sede da Fazenda da Palha (município de Mariana) ...... 118 51 Bifurcação: acesso à Fazenda Pró-capital ...... 119 52 Visadas do percurso (município de Mariana) ...... 120 53 Acesso a uma fazenda antiga (bifurcação via Camargos) ...... 120 54 Casa de fazenda (remanescente do século XVIII) ...... 121 55 Vista geral do entorno da fazenda ...... 121 56 Igreja Matriz de Nossa Senhora da Conceição de Camargos ...... 122 57 Vista do sítio urbano de Camargos ...... 123 58 Arruamento principal de Camargos ...... 123 59 Sítio nas proximidades de Camargos ...... 124 60 Produção de silvicultura (região de Camargos) ...... 124 61 Sede de uma fazenda produtiva (caminho entre Camargos e Bento Rodrigues) ...... 125 62 Vista geral da fazenda produtiva ...... 125 63 Sítio próximo ao núcleo urbano de Bento Rodrigues ...... 126 64 Ponte sobre o rio Gualaxo ...... 126 65 Vista de Bento Rodrigues a partir da estrada ...... 127 66 Área de preservação (reserva legal próxima à Santa Rita Durão) ...... 127 67 Assoreamento do rio Ouro Fino ...... 128 68 Área de desmatamento (Santa Rita Durão) ...... 128 69 Capela do Rosário em Santa Rita Durão ...... 129 70 Praça da Igreja Matriz de Nossa Senhora de Nazaré ...... 130 71 Vista geral de Santa Rita Durão ...... 130 72 Bifurcação asfalto-trecho de terra (rodovia MG 129) ...... 131 73 Ponte sobre o rio Piracicaba (limite entre Mariana e Catas Altas) ...... 132 74 Catas Altas: limites municipais ...... 133 75 Degradação da paisagem em Morro de Água Quente ...... 134 76 Maciço do Caraça, na chegada a Morro de Água Quente ...... 134 77 Construção remanescente do século XVIII, em Morro de Água Quente ...... 135 78 Capela de Santa Quitéria (Morro de Água Quente) ...... 135 79 Vista geral do Núcleo urbano de Catas Altas ...... 135 80 Conjunto arquitetônico junto à Igreja Matriz de Catas Altas ...... 136 81 Capela de Nossa Senhora do Carmo ...... 137 82 Paisagens nas proximidades de Catas Altas ...... 138 83 Vista geral de uma fazenda produtiva (Catas Altas) ...... 139 84 Área de produção de Silvicultura (limites entre Catas Altas e Santa Bárbara) ...... 139 85 Santa Bárbara: limites municipais ...... 140 86 Área de fazenda (Santa Bárbara) ...... 141 87 Sítio nas proximidades de Santa Bárbara ...... 142 88 Pousada Recanto do Vale (Santa Bárbara) ...... 143 89 Trevo do Caraça/ Santa Bárbara ...... 143 90 Vista geral de Santa Bárbara ...... 144 91 Igreja Matriz de Santo Antônio e parte do conjunto arquitetônico junto à mesma ...... 145 92 Acesso à RPPN do Caraça ...... 145 93 Igreja de Santo Amaro (Brumal) ...... 146 94 Entorno junto à Igreja de Santo Amaro (Brumal) ...... 147 95 Capela dedicada a São José, na região de Sumidouro ...... 148 96 Vista panorâmica da Fazenda do Engenho (Caraça) ...... 149 97 Vista geral do Complexo Arquitetônico da RPPN do Caraça ...... 150 98 Paisagens do Caraça ...... 152 99 Trilha de acesso à cachoeira Cascatinha (RPPN do Caraça) ...... 152 100 Acesso a uma área antiga de mineração (Catas Altas) ...... 153 101 Ruínas de um bicame de pedras, em Catas Altas ...... 154 102 Conjunto habitacional (Catas Altas) ...... 155 103 Mina de Pitangui (Catas Altas) ...... 155 104 Camping Lagoa do Guarda Mor (Catas Altas) ...... 156 105 Chegada a Morro de Água Quente ...... 156 106 Mina do Fazendão em Mariana ...... 157 107 Acesso à Estação Fazendão (Mariana) ...... 157 108 Estação Fazendão (Mariana) ...... 158 109 Ferrovia Vitória – Minas ...... 158 110 Degradação da paisagem nas proximidades da Serra do Caraça ...... 159 111 Acesso à Mina da Alegria ...... 160 112 Portaria da CVRD ...... 160 113 Vista geral da Usina da Alegria ...... 160 114 Fazenda da Alegria ...... 161 115 Acesso à Usina da SAMARCO (Mariana) ...... 162 116 Lagoa de Rejeito da SAMARCO (Mariana) ...... 162 117 Ferrovia Vitória – Minas ...... 163 118 Ponte sobre a ferrovia Vitória – Minas (município de Mariana) ...... 164 119 Acesso à Mina de Timbopeba (divisa entre Mariana e Ouro Preto) ...... 164 120 Reservatório de água (vila residencial SAMARCO em Antônio pereira) ...... 165 121 Vista da Mina de Timbopeba ...... 165 122 Vila SAMARCO (divisa entre Ouro Preto e Mariana) ...... 166 123 Serra de Ouro Preto ...... 166 124 Girassóis (Antônio Pereira) ...... 167 125 Rua Direita de Antônio Pereira ...... 168 126 Ruínas de uma igreja (Antônio Pereira) ...... 168 127 Gruta de Nossa Senhora da Conceição da Lapa (Antônio Pereira) ...... 169 128 Pigmentação na Gruta de Nossa Sª da Conceição da Lapa ...... 170 129 Paisagem nas proximidades do núcleo urbano de Mariana ...... 171 130 Trevo Bento Rodrigues/ Áreas mineradas ...... 171 131 Vista parcial do conjunto arquitetônico da Praça da Sé (década de 80)...... 172 132 Vista parcial do conjunto arquitetônico da Praça da Sé (Mariana/ 2002) ...... 173 133 Vista do Morro do Rosário (Mariana – foto antiga) ...... 174 134 Vista do Morro do Rosário (Mariana – foto atual) ...... 175 135 Vista parcial do núcleo histórico de Mariana ...... 176 136 Ribeirão do Carmo em Mariana ...... 176 137 Vista panorâmica da Igreja Matriz de Cata Altas ...... 178 138 Praça Pio XII em Santa Bárbara (década de 40) ...... 179 139 Praça Pio XII em Santa Bárbara (2002) ...... 179 140 Casa Rocha em Santa Bárbara (foto antiga) ...... 180 141 Casa Rocha em Santa Bárbara (foto atual) ...... 180 142 Eixo visual da Praça Matriz até a Capela do Rosário (Santa Bárbara) ...... 180 143 Parte do conjunto arquitetônico da Praça da Matriz (Santa Bárbara) ...... 181 144 Rodoviária de Santa Bárbara ...... 181 145 Vista da antiga rua direita de Antônio Pereira ...... 182
LISTA DE TABELAS
1. O papel do Poder Público e da Comunidade no Desenvolvimento Turístico ...... 40 2. Hierarquia de Minas Gerais (1950) ...... 86 3. Hierarquia Urbana de Minas Gerais (1960) ...... 87 4. Hierarquia das Cidades de Minas Gerais com base na circulação de ônibus intermunicipais (níveis hierárquicos superiores) ...... 89 5. Hierarquia das cidades de porte médio em Minas Gerais ...... 90 6. Ranking do turismo receptivo no mundo ...... 92
ABREVIATURAS
ACISB – Associação comercial, industrial, agrícola e de serviços de Santa Bárbara AMDA – Associação Mineira de Defesa do Ambiente CEDITUR – Centro de Documentação e Informação Turística CENIBRA – Celulose Nipo-brasileira S/A CVRD – Companhia Vale do Rio Doce de Mineração S. A. DESA/ UFMG- Departamento de Engenharia Sanitária da Universidade Federal de Minas Gerais EMATER – Empresa Mineira de Assistência Técnica e Extensão Rural EMBRATUR – Empresa Brasileira de Turismo FJP – Fundação João Pinheiro IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IEPHA – Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional IGA – Instituto de Geografia e Agrimensura OMT – Organização Mundial de Turismo OEA – Organização dos Estados Americanos RPPN – Reserva Particular de Patrimônio Natural SAMARCO – Samitre e Marcona Corporation S. A. SAMITRE – S. A. Mineração Trindade SEBRAE – MG Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas de Minas Gerais SETUR - Secretaria do Estado de Turismo
1 FUNDAMENTOS TEÓRICO - METODOLÓGICOS
O Turismo é uma experiência geográfica na medida em que representa uma relação direta entre o homem e o ambiente. Essa atividade interfere no espaço geográfico, introduzindo elementos voltados ao seu desenvolvimento, gerando formas espaciais7 diversificadas e promovendo uma verdadeira revolução, principalmente nos núcleos receptores8 de turistas. Esta interferência ocorre porque a prática social desta atividade gera a apropriação de objetos já existentes, que incorpora novos espaços e abanda parcial ou totalmente outros. Ao se apropriar destes espaços, sejam eles rurais, naturais ou urbanos, o Turismo impõe a sua lógica de uso, reorganizando-os e gerando fluxos de naturezas diferentes9. Coriolano (1998, p.21), se referindo à experiência geográfica do turismo, descreve:
O turismo é uma atividade que se desenvolve por meio dos elementos dos espaços geográficos. Assim sendo, ao utilizar a natureza como atrativo turístico, os equipamentos urbanos como infra-estrutura do turismo, os territórios de origens de turistas, as comunidades receptoras com sua população residente e as práticas sociais decorrentes deste encontro, o turismo passa a ser objeto do saber geográfico.
A tarefa de avaliar o fenômeno do turismo é necessariamente interdisciplinar. Dentro de uma perspectiva atual, as análises acerca deste fenômeno consideram-no em seus aspectos econômicos, políticos, sociais e culturais. Enquanto prática social, o turismo é muito influenciado pela cultura, e acerca destas questões, Cruz (2001) revela que toda análise consistente sobre a participação desta atividade na produção do espaço geográfico deve considerar suas dimensões global e local, bem como um conjunto de variáveis, entre elas as econômicas, geográficas, sociais, culturais, urbanísticas e ecológicas.
Por outro lado, a Geografia contribui de modo ímpar na compreensão do fenômeno do turismo através da análise e de interpretação das formas geradas a partir desta atividade. No entanto, a grande complexidade deste fenômeno reside na dificuldade em se distinguir as transformações
7 Entende-se por formas espaciais as adaptações do homem ao meio ambiente natural, voltadas ao atendimento das suas necessidades. 8 Pólos de atração de turistas. 9 Exemplos: fluxos de capitais, de informação e de pessoas. 12 sócio-espaciais decorrentes especificamente do turismo daquelas decorrentes de outras práticas sociais, como veremos adiante.
1.1 O fenômeno do turismo e a Geografia
A história nos mostra que nenhum espaço, por mais distante ou inóspito que seja, parece escapar à extensão geográfica do turismo.(Lozato, 1990, p.07)
Esta afirmação de Lozato nos permite constatar que o desejo de conhecer novos ambientes é inerente à condição humana e remonta aos primeiros tempos. Desde a antiguidade, os homens sempre viajaram movidos pela simples curiosidade, por motivos de satisfação de suas necessidades ou pelo intuito de conquistar territórios. Nos relatos de vários viajantes exploradores ficaram os registros dessa busca pelo descobrimento de espaços e civilizações diferentes. As viagens de cunho religioso também datam da Antiguidade. O Egito, há três mil anos antes de Cristo, já era um local de grande afluência de visitantes interessados em conhecer suas pirâmides e seus monumentos.
Ignarra (1999) afirma que o turismo de aventuras data de milênios, antes mesmo de Cristo, sendo que uma das motivações para as grandes viagens exploratórias era o fator econômico. Já no Império Romano tornaram-se comuns viagens de visita às termas, registrando-se as primeiras atividades turísticas de lazer. Ainda de acordo com este mesmo autor, os nobres romanos, usando o recurso da troca periódica dos cavalos que puxavam suas carroças, se aventuravam em longas viagens realizadas exclusivamente para visitar grandes templos. Vários outros povos deixaram relatos de suas aventuras pelo mundo. No fim do Império Romano verificou-se um grande decréscimo dessas viagens10, com exceção das cruzadas que, segundo Ignarra (1999), eram grandes expedições organizadas para visitação dos centros religiosos da Europa que buscavam libertar Jerusalém do domínio dos árabes. Posteriormente, as viagens começaram a se tornar mais seguras e tiveram um crescimento após o ano 1000. Lembra esse mesmo autor (1999, p.17):
10 A sociedade passou a se organizar em feudos auto-suficientes: as viagens tornaram-se uma aventura perigosa. 13 Começaram a aparecer as grandes estradas por onde circulavam os comerciantes que transportavam suas mercadorias em animais de carga, carruagens puxadas a cavalo, peregrinos, mendigos, trovadores, monges errantes e estudantes.
Nestas viagens os viajantes de nível social mais elevado eram hospedados nos castelos ou em casas de particulares. Os demais utilizavam desde barracas até hospedarias.
O fim da Idade Média e o advento do capitalismo comercial trouxeram um acréscimo às viagens. A unificação das fronteiras nacionais na Europa nesta época impulsionou as viagens marítimas e conseqüentemente um turismo mais ambicioso. No âmbito interno dos Estados Nacionais europeus, por sua vez, o poder monárquico centralizado permitiu aumentar a segurança nas estradas, que passaram a ser utilizadas com mais freqüência pelo turista incipiente. Datam desta época as extensas vias de circulação de comerciantes disseminadas ao longo do território europeu, que deram origem às atuais auto-estradas. Iniciam-se as feiras de troca de mercadorias nos entroncamentos dessas vias.
Os séculos XV e XVI conheceram as grandes navegações. Estas expedições atravessavam o oceano, levando centenas de pessoas a viajarem durante meses, podendo ser consideradas as precursoras dos grandes cruzeiros marítimos da atualidade. As aventuras que levaram à chegada dos portugueses ao Brasil em busca de um “eldorado” e, posteriormente, o próprio desbravamento do interior à procura de riquezas minerais (caso de Minas Gerais), estão marcadas por uma visão de mundo característica daquele momento, e confirmam a afirmação de Lozato (1990): o hábito de viajar para lugares inóspitos, muitas vezes totalmente desconhecidos, é um fenômeno antigo na história da humanidade, inerente ao ser humano.
É importante ressaltar que a visão e a utilização do espaço geográfico variaram segundo épocas e sociedades. Como observou Lozato (1990), o conceito de turismo sofreu alterações ao longo do tempo, ampliando-se na medida em que a atividade turística se desenvolvia e se diversificava. Uma breve descrição acerca do desenvolvimento da atividade turística interessa-nos aqui no sentido de esclarecer as relações que sempre existiram entre este fenômeno e a Geografia, apontando conceitos importantes como o de paisagem e lugar, que norteiam este trabalho.
14 O espaço geográfico e, dentro dele a paisagem (sua porção visível, numa visão mais ampla), sempre foi a matéria-prima do turismo. Se, inicialmente, este espaço era apenas contemplado, verificou-se a ocorrência de maiores impactos na medida em que a atividade turística foi se desenvolvendo. Em outras palavras, de espaço contemplado a espaço consumido, a valorização da paisagem reflete os vários momentos históricos e as relações entre o espaço e as atividades turísticas.
Lozato (1990, p.9), referindo-se a um período anterior ao desenvolvimento do turismo de massa11, afirma: “Em outros tempos era possível contentar-se em viajar lentamente, admirando a beleza dos lugares e as riquezas artísticas de um modo quase solitário, intimista.” Ferrara (1999, p.19) reforça essa afirmação de Lozato, ao relatar o quanto o romantismo enfatizou a emoção, as sensações e o “mistério poético”. Para o romântico, a paisagem deveria ser contemplada com deleite. Turismo e viagem poderiam ser considerados sinônimos:
A viagem era uma metáfora da liberdade e conquista do espaço fora do domínio familiar privado e do próprio indivíduo como sua legítima extensão. (...) Viajava-se em busca do exótico, do outro.
Nesse mesmo contexto, Urry (1996), comparando o Grand Tour12 clássico com o Grand Tour13 romântico, aponta como o caráter das excursões foi se modificando com o tempo, quando revela que enquanto o Grand Tour clássico baseava-se na observação e no registro de galerias, museus e artefatos culturais, o Grand Tour romântico presenciou a emergência de um “turismo de Paisagem”.
11 O turismo de massa surge no século XX, com o desenvolvimento do Capitalismo, de acordo com John Hurry (1996). 12 As raízes tour y turn procedem do latim, do substantivo tornus (“torno”) ou do verbo tornare (girar, em latim vulgar). De acordo com De la Torre, o sentido seria “viagem circular”. Para alguns autores, entretanto, o vocábulo tour tem origem hebraica, utilizada no hebreu moderno como sinônimo de “viagem de exploração” ou de “reconhecimento”. Para De la Torre, independente da origem da palavra tour, foram tomadas do francês para serem utilizadas em outros idiomas. No século XVIII o termo tour era utilizado para designar as viagens que se empreendiam por diversos motivos e tinham como destino final o ponto de partida. 13 Nas sociedades pré-modernas, as viagens organizadas eram um privilégio das elites. O Grand Tour, estruturado desde o século XVII, atendia aos filhos da aristocracia e da pequena fidalguia. No fim do século XVIII, passou a atender aos filhos da classe média profissional. In: URRY, John. O olhar do turista: Lazer e viagens nas sociedades contemporâneas. São Paulo: Studio Nobel: SESC,1996.
15 Nos fins do século XVIII os impactos relacionados ao turismo já superavam as diversas atividades industriais tradicionais, observou Urry (1996). Na Europa, desenvolveu-se uma infra-estrutura considerável sob a forma de balneários que, inicialmente, não se voltaram para o lazer, e sim para fins de cura. Naquele tempo valorizavam-se as propriedades medicinais da água para tratar certas doenças. O banho de mar, realizado através de simples imersões, era indicado apenas para adultos na solução de problemas de saúde. Não existia a prática da natação, sendo que a praia não era considerada um espaço de lazer.
O século XIX foi marcado pelo crescimento dos balneários. Estes lugares turísticos espalharam-se por grande parte da Europa e, a esta altura, já ofereciam toda uma infra-estrutura direcionada ao lazer, à cultura e à sociabilidade. Este rápido crescimento pode ser explicado por diversos fatores, ligados não somente às transformações da sociedade, mas também à questão espacial. Afinal, os balneários voltados para o mar contavam com imensas áreas de litoral inexploradas. Neste contexto, Urry (1996), ao explorar as transformações sofridas pelo “o olhar do Turista” no decorrer da história, detectou o quanto estes lugares turísticos tiveram um crescimento espetacular na Inglaterra. Segundo este autor, o crescimento verificado se explica, dentre outros fatores, pela rápida urbanização, por uma grande melhoria dos meios de transporte e das estradas, e por um considerável aumento do bem estar econômico de uma grande parcela de sua população industrial. Segundo o próprio Urry (1996, p. 37), “O crescimento de um padrão mais organizado e rotineiro de trabalho levou a tentativas de desenvolver uma correspondente racionalização do lazer.” Deste modo, o trabalho e o lazer passaram a ser mais valorizados em si mesmos.
Esta pesquisa veio a confirmar o quanto a viagem sempre foi socialmente seletiva, ou seja, indicativa de status social. A atividade turística era um privilégio apenas das elites. Isso começou a mudar quando, na segunda metade do século XIX, locomotivas e estradas de ferro deram início ao transporte de massa, permitindo maior acessibilidade à população de baixa renda. Isso trouxe uma maior democratização do deslocamento geográfico, que foi ampliada no século XX com o advento do automóvel e do avião, consolidando-se o crescimento e o desenvolvimento de um turismo de massa, segundo Urry (1996). Desde então, a distinção de status passou a se verificar entre as diferentes classes de viajantes e, neste contexto de popularização do turismo, aqueles que não podiam viajar eram ainda mais discriminados. Para Becker (1999), o grande
16 desenvolvimento do capitalismo no século XIX permitiu que o turismo organizado14 se desenvolvesse. Ampliou-se a escala de acumulação de capital e da tecnologia de transportes possibilitando maiores investimentos em turismo. De fato, a sociedade industrial gerou condições para o desenvolvimento desta atividade, abrindo novas necessidades e novas possibilidades ao homem.
Dentre as novas demandas da sociedade moderna enquadram-se o turismo e o lazer. A viagem15 torna-se uma marca de status, uma necessidade latente, de acordo com o discurso moderno que afirma podermos recuperar a saúde física e mental simplesmente viajando. Luzia Coriolano (1998, p.36-29), referindo-se a essas novas demandas e necessidades do homem moderno, afirmou:
O turismo como antítese do trabalho é também sua afirmação. Antítese porque se trata de não-trabalho, e afirmação porquanto é uma oportunidade de revigoramento da força do trabalhador.
(...) o lazer emerge como uma expressão da sociedade de consumo, que necessita dele para se reproduzir ideológica e materialmente.
De la Torre (1997), ao abordar o processo de desenvolvimento do turismo, propõe três momentos que resumem bem esta questão. O primeiro deles, que vigorou até meados do século XIX, é denominado pelo autor de “turismo incipiente ou elitista”. Sua prática se restringia a uma minoria de pessoas que possuíam mais recursos econômicos. O deslocamento também era mais restrito devido ao incipiente sistema de transporte e rodovias e à escassez de meios de hospedagem, dentre outros dificultadores. O segundo momento, denominado “turismo de transição”, engloba um período de aproximadamente 100 anos que vai da segunda metade do século XIX até a primeira do século XX. Essa fase é precursora ao desenvolvimento do turismo de massa. Pode ser caracterizada pelo desenvolvimento das excursões de caráter comercial, pelo aumento da oferta de estabelecimentos de hospedagem e pela presença de agentes de viagens privados e de
14 Surgem as primeiras companhias e agentes, organizando essa atividade. 15 A democratização da viagem só foi possível com a modernidade que favoreceu os banhos de mar, dificultando a restrição ao seu acesso, pelos grupos dominantes. Amplas distinções de gosto foram estabelecidas entre os vários lugares. Os balneários passaram a ser utilizados também por uma classe trabalhadora ainda em formação. Desde então, as classes sociais dominantes passaram a considerar estes espaços como corporificações do turismo de massa - lugares comuns, a serem desprezados e ridicularizados.
17 instituições oficiais de turismo. Percebe-se também a multiplicação dos acessos, a maior facilidade dos meios de transportes e o início da utilização da publicidade para a promoção de centros turísticos. Em alguns países o trabalhador começa a desfrutar pela primeira vez da possibilidade de viajar. O terceiro momento é designado “turismo em desenvolvimento” ou “turismo de massa”, tendo se iniciado a partir da segunda metade do século XX e prosseguindo até os dias atuais. O turismo está mais acessível, apesar de ainda ser limitado ao número de pessoas que podem viajar. Desenvolveu-se toda uma infra-estrutura voltada para a promoção e viabilização desta atividade. Soma-se a isso as facilidades de deslocamento, dos sistemas de crédito para viagens e a modernização e diversificação de estabelecimentos de hospedagem.
Com a explosão do turismo de massa verificada na segunda metade do século XX, a atividade turística se desenvolveu e se intensificou, promovendo maiores mudanças na paisagem. O espaço geográfico, antes apenas contemplado, passou a ser também remodelado e reestruturado, consumido de um modo descontrolado, o que levou muitas vezes à degradação ambiental.
A explosão desta atividade levou alguns profissionais de diversas áreas a iniciarem estudos sobre turismo, buscando uma maior compreensão deste fenômeno. Os primeiros trabalhos ocorreram antes da Segunda Guerra Mundial. Segundo Mirian Rejowski (1999), datam do início da década de 1870, sendo que muitos deles estavam ligados à Geografia e à Economia. Na Alemanha, os primeiros estudos com enfoque geográfico16 surgem na virada do século XIX para o século XX. No fim dos anos 20, ainda neste país, a Universidade de Berlim criou um Centro de Pesquisas Turísticas cuja produção teórica ficou conhecida como Escola Berlinense. A sua produção teórica, formada por economistas, perdurou até o início da Segunda Guerra Mundial; seus trabalhos refletem a busca de compreensão dos aspectos econômicos do turismo.
Em 1942, os pesquisadores suíços W. Hunziker e K. Krapf destacaram-se pela obra “Grundriss der Allgemeinen Fremdeverkhrslehre” (Fundamentos Gerais do Ensino de Turismo), que passou a ser considerada fundamental para o estudo científico do turismo. Estes estudiosos introduziram as primeiras idéias e os primeiros pensamentos sobre uma “ciência integral do turismo”.
16 “Die Bedeutung dês Fremdenverkehrs” (A importância do turismo), elaborada por Brougier em 1902 e “Der Fremdenverkehr” (o Turismo), elaborada por Stradner em 1905. 18 Nos Estados Unidos e em muitos países do mundo, somente nas décadas de 1960 e 1970 o estudo do turismo começou a aparecer de forma mais freqüente na bibliografia especializada, em áreas como Geografia, Economia, Administração, Sociologia e Antropologia, lembra Rejowski (1999). Em termos de pesquisas científicas, a situação brasileira pode ser retratada nas palavras de Beni (1998, p.97):
(...) observou-se até recentemente marcante ausência de pesquisas científicas e um quase menosprezado conhecimento teórico do fato e do fenômeno turístico, provocando improvisada ação no setor, com evidentes reflexos e conseqüências de minguada presença de sensibilidade do poder público, sobretudo das áreas responsáveis pelo desenvolvimento do Turismo, aliada a uma sensível indiferença para com a Universidade e as áreas de investigação. Esse quadro, porém, vem tendendo a se alterar profundamente em razão do processo de globalização econômico e cultural e do esforço de organizações européias de Turismo em neles (nos países em desenvolvimento) realizar congressos e seminários internacionais.
Na Geografia, essa temática também é recente e ganha importância a partir dos anos 70, quando o turismo de massa se consolida tanto nos países centrais do capitalismo quanto nos periféricos. Esses estudos são realizados sob a denominação de “Geografia do turismo”17, “Geografia turística” ou “Geografia da recreação”.
A “Geografia do Turismo” foi definida por Lozato (1990) como uma nova especialidade dentro da ciência geográfica que aborda cientificamente este fenômeno, retratando a dimensão sócio- espacial da prática desta atividade. Trata das relações entre o espaço e as atividades turísticas, considerando também os demais fatores que intervêm neste processo. Nesse mesmo contexto, Mirian Rejowski (1999, p.19), tendo por base as colocações de Pearce18 em relação ao assunto, escreveu:
(...) A geografia do turismo ocupa-se, essencialmente (mas não exclusivamente) da expressão espacial das relações e dos fenômenos derivados das viagens de curta duração, sendo seis os seus principais tópicos de estudo: padrões de distribuição espacial da oferta; padrões de distribuição espacial da demanda; geografia dos centros de férias; movimentos e fluxos turísticos; impacto do turismo; modelos de desenvolvimento do espaço turístico.
17 O tema “Geografia do turismo” foi introduzido na terminologia científica da atividade por Stradner, pesquisador alemão cuja obra “Der Fremdenverkehr” (O turismo), elaborada em 1905, constitui um dos primeiros estudos com enfoque geográfico na Alemanha.
19 Para Barros (19__), desenvolver um estudo nesta área de Geografia do turismo significa construir interpretações, levantar questões e revelar problemas, traçando perspectivas e cenários para o futuro, tendo em vista as relações e as transformações na paisagem que o desenvolvimento da atividade propicia. Este autor aborda a Geografia do turismo num sentido bastante operacional quando afirma que: Cabe à Geografia do Turismo estudar as relações entre os assentamentos turísticos e o meio ambiente; as formas, as dinâmicas e as diferenciações das paisagens que se criam pela difusão e desenvolvimento da função turística, assim como as representações que se fazem das paisagens turísticas. Além disso, pelo conhecimento disponível na Geografia acerca das regiões e dos lugares, em larga medida esta disciplina pode ser convocada a realizar inventários e identificar áreas ou pontos potenciais para a exploração turística, em frações da superfície terrestre por onde a função turística ainda não se difundiu. (19__, p.7)
Em termos de abordagens de estudo em turismo, Jafari19, citado por Mirian Rejowski (1999), propõe diferentes plataformas que, embora tenham surgido cronologicamente, ainda coexistem e se complementam atualmente. A primeira delas é denominada plataforma de defesa e teve início nas primeiras décadas do século XX. O turismo era visto apenas em seu aspecto positivo. O desenvolvimento dessa abordagem ocorreu após a Segunda Guerra Mundial, quando essa atividade emerge como uma alternativa de reconstrução de economias para muitos países. Mas, já no início dos anos 60, algumas pesquisas e observações de casos nos Estados Unidos e em outros países contestaram a abordagem anterior, passando a incorporar também as questões negativas do turismo, levando em consideração as suas influências econômicas ou não. A partir dos debates sobre os impactos positivos e negativos dessa atividade, chegou-se a uma nova abordagem definida por este autor como plataforma de adaptação, onde começou-se a argumentar que, tipos adaptados ou alternativos de turismo deveriam ter menos impactos do que outros. Conhecidas como turismo nativo, alternativo, rural, de pequena escala ou responsável, essas formas foram adquirindo espaço na conjuntura do turismo. A última plataforma, definida como plataforma de conhecimento científico, surgiu da conclusão de que as três primeiras eram insuficientes para explicar a totalidade deste fenômeno. Nas palavras de Rejowski (1999, p.41-
18 PEARCE, Douglas G. Tourist development. Nova York, Longman Scientific & Techinical, 1989. 19 JAFARI, Jafar. “research and scholarship – The basis of tourism education”. In: Congresso Internacional – Seminário Latinoamericano. Buenos Aires, AMFORT/CIET. Capacitacion turística – Su aporte a los sectores público y privado. Buenos Aires, 1989, pp.48-58. 20 42) “Considera-se que, do estudo do turismo como um todo, de suas funções, estruturas e relações podem resultar construções teóricas e aplicações práticas.”
Alguns estudiosos como Beni (1992, p.15-34) acreditam que a visão sistêmica seja a melhor alternativa para estudar o turismo em toda a sua complexidade, já que permite observar peculiaridades do todo e, ao mesmo tempo, propriedades específicas de suas partes. O turismo é tratado sob o ponto de vista de um sistema aberto, cujas estruturas e funções são dinâmicas. Este sistema está sujeito às influências do meio ambiente e ao mesmo tempo, afeta-o diretamente, num processo contínuo de relações dialéticas de conflito e colaboração.
Mirian Rejowski (1999, p.49), em tese de doutorado sobre turismo e pesquisa científica, buscou delinear um quadro metodológico geral dos estudos turísticos na atualidade, ao compreender o quanto seria importante estabelecer um referencial metodológico para estudos nessa área para o desenvolvimento de trabalhos interdisciplinares:
O pesquisador precisa saber da existência de outros recursos metodológicos além daqueles de sua área acadêmica específica, os quais podem se revelar mais adequados ao estudo e tratamento de determinado tema em turismo. Daí a necessidade de um quadro referencial metodológico da pesquisa em turismo, para o desenvolvimento de trabalhos interdisciplinares.
Através do trabalho desta turismóloga, nota-se que existe uma infinidade de procedimentos metodológicos que variam conforme a disciplina na qual o estudo se desenvolve. A maioria dos estudos elaborados nessa área é descritiva, carecendo de base teórica e conceitual. Existe, no entanto, uma tendência crescente no nível internacional para uma análise elaborada por meio de estudos comparativos; análise ainda incipiente para se determinar uma conclusão. Para essa mesma autora, a transdiciplinaridade20 seria o estado ideal para o desenvolvimento de estudos e pesquisa em uma área interdisciplinar como o turismo. No entanto, essa abordagem transdisciplinar ainda está muito distante de se verificar na prática.
20 A transdisciplinaridade envolve um grupo de especialistas do mais alto nível, trabalhando em conjunto, com elevado espírito de equipe interdisciplinar, sem impor suas próprias idéias. 21 Assim sendo, as análises mais conhecidas na área de turismo partem da visão econômica, destacando a capacidade desta atividade em produzir divisas. Faltam também estudos que considerem os aspectos geográficos, tendo em vista que o turismo é uma atividade respaldada nas relações sociais e que tem no espaço geográfico seu principal objeto de consumo, como lembrou Cruz (2001). Esta situação reflete o fato do turismo ser um fenômeno de estudo recente e de ser objeto de estudo de muitas ciências, envolvendo uma diversidade de aspectos. A maioria dos conceitos de turismo está ligada à metodologia funcionalista e estruturalista, mas é importante ressaltar que definir função e estrutura não totaliza a explicação deste fenômeno, por sua complexidade.
A Organização Mundial de Turismo (OMT) 21 (1963) adota uma conceituação simplificada, ao definir turismo como um conjunto de relações e serviços resultantes de mudança temporal e voluntária da residência, não motivados por negócios ou por razões profissionais. Diante das confusões de conceitos existentes, assim especifica:
• O tempo fora do domicílio deve ser superior a 24 h (ou seja, deverá haver pernoite) e no máximo de 90 dias. • As viagens devem ser realizadas sem interesses econômicos, sem execução de trabalho remunerado nos lugares visitados. • A finalidade das viagens deve ser de recreação, lazer.
É bom lembrar que esta definição simplificada, incapaz de englobar a magnitude desse fenômeno, é utilizada como padrão para o conceito de turismo nos vários países membros dessa organização mundial. Esta definição oficial desconsidera, aparentemente, a forma como o
21 A OMT, principal organização internacional no campo do turismo, é sediada em Madri, na Espanha. Objetiva promover e desenvolver o turismo, de modo a fomentar a paz, a compreensão entre os países, o desenvolvimento econômico e o comércio internacional. Esta organização nasceu da transformação de uma entidade não- governamental, regida pelo direito suíço (União Internacional dos Organismos Oficiais de Turismo), em organização intergovernamental. Seu Estatuto foi aprovado em 1974. A OMT é formada pelos “Estados-membros” (fundadores ou ingressados posteriormente) e pelos “membros filiados”, relacionados com o objetivo da organização (territórios não-autônomos, entidades internacionais, intergovernamentais ou não - governamentais, entidades e associações comerciais). In: SEITENFUS, Ricardo Antônio Silva. Manual das Organizações Internacionais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000. p. 187-188.
22 visitante se apropria do lugar visitado e as relações de troca que se estabelecem a partir da ocorrência deste fenômeno.
Desde os primeiros estudos elaborados sobre o assunto (já mencionados neste trabalho), vários autores procuraram conceituar turismo. Em 1911 Scharattenhofen22, citado por De la Torre (1997, p.14), propõe uma definição para este tema ligada à economia, quando afirma:
O turismo é um conceito que abrange todos os processos, especialmente os econômicos, que se manifestam na afluência, permanência e regresso do turista, dentro ou fora de um determinado município, estado ou país. (tradução nossa)
Na década de 40 alguns autores evoluíram a conceituação proposta pela escola berlinense. Dentre eles os pesquisadores suíços W. Hunziker e K. Krapf, lançando a conhecida definição universal, assim revelada nas palavras de Rejowski (1999, p.16):
(...) O turismo é o conjunto de relações e fenômenos resultantes do deslocamento e da permanência de pessoas em localidades diferentes daquelas nas quais residem ou trabalham, contanto que tais deslocamentos e permanências não sejam motivados por uma atividade lucrativa principal, permanente ou temporária.
Estes pesquisadores procuraram retratar a essência total do assunto através de uma definição holística, onde se reconhece que o turismo abarca muitos aspectos que se centralizam no principal: o turista.
Para a Organização dos Estados Americanos (OEA), o turista é considerado um migrante:
Turismo é um movimento migratório até o limite máximo de noventa dias, seja internacional ou nacional, sem propósito de nova permanência e sem exercício de uma atividade remunerada, com objetivo: prazer, comercial, industrial, cultural, artístico ou científico. (RABAHY, 1980, pág.11)
Fuster (1985, p.27) traz uma definição centrada nas circunstâncias que condicionam o turismo, admitindo suas vantagens e desvantagens, quando afirma que o turismo é “(...) um conjunto de organizações privadas ou públicas que surgem para fomentar a infra-estrutura e a expansão do
22 Herman Von Schullern zu S., Turismo y economía nacional, 1911. 23 núcleo, as campanhas de propaganda, com efeitos negativos ou positivos nas populações receptoras.” Considerando as abordagens propostas por Jafari, esse conceito poderia se enquadrar na plataforma de adaptação, que surgiu a partir dos anos 60 e que aborda os aspectos positivos e negativos dessa atividade.
Como observou De la Torre (1997), quando os interesses se voltam para o controle e a estatística, o turismo é tratado como simples movimento migratório. Para outros profissionais e instituições, o turismo pode ser visto como uma indústria, e os lugares turísticos são analisados como um produto sujeito à oferta e à demanda, dentro de um “mercado turístico”. Há ainda estudiosos que abordam o turismo num sentido mercantilista, definindo-o como uma mera sucessão de transações econômicas e comerciais. De la Torre (1997, p.16) traz uma compreensão mais abrangente deste fenômeno, que inclui não só os turistas como também as relações sociais, culturais e econômicas que decorrem deste movimento:
o turismo é um fenômeno social que consiste no deslocamento voluntário e temporário de indivíduos ou grupos de pessoas que fundamentalmente por motivos de recreação, descanso, cultura ou saúde, saem do seu local de residência habitual para outro, no qual não exercem nenhuma atividade lucrativa nem remunerada, gerando múltiplas inter relações de importância social, econômica e cultural.(tradução nossa)
Molina e Abitia (1991, p.9) atentam para a complexidade do fenômeno turístico, quando afirmam: O turismo é resultado de uma cultura universal, porém, também transcende das culturas locais nas quais se manifesta. Esta dualidade estrutural do turismo constitui o fundamento para qualquer planejamento que pretenda promover um autêntico processo de desenvolvimento, seja da atividade em si mesma, das empresas ou das comunidades locais que se relacionam de maneira direta ou indireta com esta atividade. O planejamento integral deve reconhecer esta complexidade do turismo, processá-la e instrumentalizá-la para promover mudanças que atuem como alavancas do desenvolvimento. (tradução nossa)
É bom lembrar que qualquer definição de conceito é sempre carregada de ideologia. De algum modo, exprime uma forma particular de se ver o mundo por parte do criador destes conceitos. Como demonstramos acima, as definições são, em geral, parciais, analisando o turismo com um enfoque limitado. Falta-lhes uma visão mais geográfica. Alguns elementos podem ser identificados nas mais diversas noções de turismo propostas: o objeto do turismo (o elemento
24 concreto que se traduz em equipamento receptivo e serviços para a satisfação das necessidades do turista), o sujeito do turismo (o homem: elemento subjetivo), a temporalidade (a viagem e a permanência por um determinado tempo), a permanência fora do domicílio (elemento bastante vinculado à viagem) e o ato de se deslocar (a viagem em si: elemento implícito na noção de turismo).
Mário Beni (1998) acredita que a variedade de conceitos existentes reflete, dentre outros aspectos, o fato do turismo estar ligado a quase todos os setores da atividade social humana. Estes conceitos são válidos, apesar de suas limitações. No campo da geografia, conceitos importantes como região, paisagem, lugar, cidade, função, fluxo etc estão no cerne da atividade turística. Deste modo, é importante conhecer a região, os lugares e as cidades, para ampliarmos as possibilidades de aproveitamento do potencial turístico, lembra Coriolano (1998). Nicolás (1996, p.49) reforça a importância de se conhecer a geografia dos lugares quando afirma:
(...) o turismo cria, transforma e inclusive valoriza diferencialmente espaços que poderiam não ter “valor” no contexto da lógica de produção: de repente uma área de pastagem pode se transformar em área de camping ou a casa semi-arruinada do avô falecido, em casa de hóspedes. Toda a questão do patrimônio “turistificado” pode ser analisada dentro dessa vertente. (tradução nossa)
Considerando as questões acima, este trabalho se propõe a contribuir para o conhecimento da região de estudo, procurando valorizar o potencial de lugares para o turismo sejam eles naturais ou adaptados, como no caso dos núcleos urbanos históricos de Mariana, Catas Altas e Santa Bárbara e do RPPN do Caraça. Os núcleos históricos são vistos aqui como uma possibilidade de diversificação da oferta turística e como possíveis irradiadores da cultura local, como veremos no capítulo 3.
1.2 Geografia e Turismo: paisagens e “lugares turísticos”
Para que a atividade turística se desenvolva é necessária a existência de áreas emissoras (de dispersão), áreas de deslocamento (acessos) e áreas receptoras (de atração). O ato de se deslocar e permanecer por determinado tempo em outro local desencadeia uma série de ações que resultam
25 na atividade turística. O desenvolvimento da atividade dá origem aos pólos turísticos, aqui entendidos como núcleos emissores e receptores de turistas. A concepção de pólo está presente nos planejamentos e políticas de desenvolvimento. De acordo com Coriolano (1998), esta concepção teve origem nos “pólos de crescimento e de desenvolvimento” de Perroux23, muito utilizado pela Geografia européia e, ainda atualmente, pela Geografia e pelo Turismo. Na Geografia, pólos são áreas emissoras de fluxos, sejam eles de serviços, de capital, de população, ou de mensagens, ou seja, são geradores de uma dinâmica espacial.
No contexto de um lugar turístico, a paisagem exerce um papel fundamental na sua constituição e no direcionamento de seus fluxos. De acordo com Yazigi (2001), existem duas tendências quando se aborda a questão da paisagem. Na primeira, a paisagem é tratada como um ponto de partida que, como testemunho, remete-nos à questão social e a sua dinâmica. Na segunda, ela é o objeto em si mesma, como esfera de interação entre vários fatores de transformação. Para alguns autores a paisagem é o domínio do visível, constituindo-se de linha, textura, escala, complexidade, cor, volume, sons e cheiro. Para outros como Yazigi (2001), a paisagem não existe em si mesma e, sim, em relação ao homem e a sua forma de percebê-la. Este mesmo autor atenta para a multiplicidade de formas e de tempos presentes na paisagem, a serem considerados no planejamento:
Geomorfologia, vegetação, sistema hidrográfico, arquitetura, publicidade e outras entidades paisagísticas possuem tempo e dinâmica próprios. Equivale entender que, na perspectiva do planejamento, cada item requer estratégia diferenciada para intervenção, com técnicas, tempos e políticas adequados. (2001, p. 34)
Fu Tuan (1980) afirma que no uso moderno, as palavras natureza, paisagem e cenário compartilham de um núcleo comum de significados. Paisagem e cenários são muitas vezes utilizadas por sinônimo: ambas implicam natureza. O conceito de natureza, no uso popular, foi perdendo as dimensões de altura e profundidade e ganhando qualidades menos pretensiosas como “beleza natural”. Nesse sentido contemporâneo, natureza evoca imagens semelhantes às de campo, paisagem e cenário. Ainda de acordo com esse autor, a palavra paisagem perdeu seu significado inicial, quando se referia ao mundo real, absorvendo outro, ligado ao mundo da arte
23 PERROUX, François. Consideraciones en torno a la noción de polo de crecimiento. Cuadernos de la Sociedad Venezolana de Planificación. Madri, julho 1963, vol. 2. 26 ou do faz-de-conta. Paisagem passou a significar panorama, pano de fundo, cenário, representação artística.
Para Bertrand (1988, p. 462), a paisagem é “uma porção do espaço que resulta da combinação dinâmica, portanto instável, de elementos físicos, biológicos, antrópicos, que reagem dialeticamente uns sobre os outros, fazendo um conjunto único e indissociável em perpétua evolução.”
Como observou Coriolano (1998, p.116), o turismo necessita desses dois conceitos de paisagem:
Para o turista, a paisagem é o cenário. (...) Mas para o planejamento da atividade turística, a paisagem deve ser tomada no sentido de Bertrand, ou seja, o ambiente com todos os seus processos implicando a necessidade de conservação e adequação de usos.
Posteriormente, Carlos Augusto de Figueiredo Monteiro, citado por Yazigi (2001, p.35), traz uma conceituação interessante, condizente com o espírito deste estudo:
A paisagem é uma entidade delimitada segundo um nível de resolução do pesquisador, a partir dos objetivos centrais de análise, de qualquer modo sempre resultando da integração dinâmica, portanto instável, dos elementos de suporte, forma e cobertura (físicos, biológicos e antrópicos) e que expressa em partes delimitáveis mas individualizadas, através das relações entre elas que organizam um todo complexo (sistema). Um verdadeiro conjunto solidário e único em perpétua evolução.
Os fatores geográficos exercem um papel fundamental e às vezes determinante na atração de um lugar turístico. O espaço é matéria-prima, objeto de consumo. Mas o que define então um lugar, uma paisagem ou um atrativo como turísticos? Define-se por “lugar turístico” um local já apropriado pela prática social desta atividade, ou um local de grande potencial para o seu desenvolvimento. Não há turismo sem lugares. O lugar não só serve de suporte como também de base conceitual para a compreensão deste fenômeno. O lugar possui materialidade, concretude, e é nele que se viabilizam as possibilidades do turismo. Como observou Carlos (1996, p. 26), “uma vez que cada sujeito se situa num espaço, o lugar permite pensar o viver, o habitar, o trabalho, o lazer enquanto situações vividas, revelando, no nível do cotidiano os conflitos modernos.” Para essa mesma autora (1999, p.28),
27 O lugar é produto das relações humanas, entre homem e natureza, tecido por relações sociais que se realizam no plano do vivido, o que garante a construção de uma rede de significados e sentidos que são tecidos pela história e cultura civilizadora produzindo a identidade. Aí o homem se reconhece porque aí vive. O sujeito pertence ao lugar como este a ele, pois a produção do lugar se liga indissociavelmente à produção da vida.
A paisagem possui atributos simbólicos e a ação humana constitui-se num grande marco através das adaptações que efetua no espaço, visando o atendimento de suas necessidades. Para Yazigi (2001), a paisagem só existe em relação ao homem e a sua forma de concebê-la. Essas adaptações, muitas vezes, deixam cicatrizes eternas. Na área de estudo, ao observarmos as irregularidades das montanhas e serras, o traçado dos núcleos históricos com suas igrejas pontuando a paisagem em pontos elevados, a textura dos campos, do cerrado e das matas, e as cores desses ambientes, estamos estabelecendo uma apreciação estética da paisagem. É fato que nestes núcleos históricos nota-se a multiplicidade de formas e de tempos que nem sempre convivem em harmonia. A degradação do patrimônio revela um tempo em que este foi desprezado para dar lugar às novas adaptações, dentro de padrões da modernidade, num total descaso com as referências simbólicas do passado. Uma atitude que não cabe atualmente, principalmente se considerarmos a possibilidade de transformação destes núcleos em pólos turísticos.
As paisagens, quando voltadas para o turismo, constituem as paisagens turísticas que são, antes de tudo, uma criação cultural, como afirma Luchiari (1998), não existindo a priori como um dado na natureza. Nesse mesmo contexto, Cruz (2001) ressalta que as paisagens mais valorizadas atualmente pelo turismo nem sempre o foram no passado e, possivelmente, não serão as mesmas no futuro. O que é atrativo para um determinado grupo pode não ser para outro, num dado momento histórico.
No eixo Mariana - Santa Bárbara, a presença de vários lugares turísticos e de núcleos urbanos históricos, dentre eles a RPPN do Caraça, é responsável por um fluxo (ainda incipiente) de turistas internacionais, regionais e nacionais. Entende-se que o primeiro passo para o enriquecimento da atividade turística da região de estudo é a valorização de sua memória e de sua cultura local. Compreende-se também que estes “lugares” têm como principal elemento o turista, e não podem ser pensados em si mesmos fora do seu contexto cultural. Como observou Gallero 28 (1996), sem o turista é impossível conceber o turismo, já que este fenômeno se sustenta na diversidade dos lugares, das culturas ou das expressões da vida humana. Não é possível conceber o turista sem um objetivo de encontro com ambientes e modos de viver diferentes do seu cotidiano.
O ato de se deslocar geograficamente implica em travar contato com culturas diferenciadas. O turismo é um fenômeno cultural complexo, na medida em que promove a interação entre uma diversidade de experiências, línguas e culturas. Sabemos que a natureza e os recursos naturais interferem na formação cultural de um povo ― na construção de sua simbologia, do seu imaginário e de seus valores. Em Minas, as montanhas, os rios e as matas são também atributos simbólicos, elementos presentes no imaginário do seu povo, que se refletem no jeito mineiro de ser e de ver o mundo que o cerca.
O turismo, ao interferir na paisagem, o faz também na cultura local. Os choques e os conflitos são inevitáveis, mas devem ser vistos não somente no seu aspecto negativo, como também no inovador, já que as culturas são dinâmicas. É nesse espírito que este trabalho se enquadra, colocando a cultura local como o cerne do produto turístico e valorizando as trocas estabelecidas entre as comunidades e os visitantes; parte do pressuposto de o que o estilo de vida, os usos, os costumes, o folclore e a arte local devem ser valorizados e transmitidos aos visitantes, podendo inclusive ser transformados. Por outro lado, espera-se que as exigências que surgem dessa relação possam enriquecer a oferta turística, ou seja, os elementos que somados conformam o produto turístico.
Os atrativos turísticos, como os lugares e as paisagens turísticas, são produtos culturais. Deste modo, atrativo hoje pode não ser futuramente, já que a cultura varia no tempo e no espaço. Barros (19__, p.17) retrata bem esta questão quando afirma:
Paisagens antes pouco lembradas, ou vistas pontualmente como simples fontes de matérias primas minerais ou vegetais, recebem novos significados e valorizações pelos negócios turísticos ou pela cultura ambiental e de pesquisa. É o que acontece com ecossistemas como as florestas tropicais, as savanas e caatingas, as montanhas...
29 No caso do eixo turístico em estudo, núcleos urbanos e seus arredores, antes valorizados pela mineração, agora começam a ser valorizados como locais propícios ao descanso e lazer. A montanha é, atualmente, associada a diversos aspectos, dentre eles, ao contato com a natureza e com o ar puro, ao turismo e lazer com tranqüilidade, à prática de esportes, de ecoturismo, a local de descanso e introspecção.
O turismo vem sofrendo transformações relacionadas às mudanças do mundo contemporâneo, verificadas a partir do fim do século XX e início do século XXI. No contexto dessas transformações tem-se, de um lado, a revolução tecnológico-científica e, de outro, a crise ambiental, de acordo com Becker (1999). Esta nova fase revela a passagem para um novo modo de produção, calcado em novas tecnologias e na inovação contínua de produtos e processos. Nessa passagem, a velocidade é um elemento importante e pode atingir os territórios em todas as escalas geográficas.
Outro elemento importante no contexto desse novo modo de produção (relacionado também à crise ambiental) é a mudança de significado da natureza, que passou a ser vista como reserva de valores; de capital. É o caso da biodiversidade (fonte para a ciência e tecnologia) e da valorização da natureza pelo turismo como produto a ser consumido para viabilizar essa atividade. No caso específico do turismo, essa valorização da natureza gera um novo mercado, ainda em fase de expansão: o ecoturismo. Esta nova modalidade de turismo volta-se às pessoas que desejam um retorno à natureza e que não se submetem ao marketing ou ao turismo de massa. O crescimento do ecoturismo se explica pelo aumento da importância dos valores ligados às questões ambientais, verificadas a partir de 1970, e pelo fato deste produto ser relativamente novo no mercado, lembra Cruz (2001).
Verifica-se também que a principal atração turística de um lugar vem sendo, cada vez mais, a qualidade de vida de sua população, afirma (Coriolano, 1998). A infra-estrutura por si só não é suficiente: as condições ambientais, políticas, sociais e culturais de seus habitantes são fundamentais para um turismo de qualidade. Portanto, planejar o turismo de modo a melhorar a qualidade de vida da população, manter a memória coletiva ou individual e a preservar a identidade cultural destes lugares torna-se um grande desafio para os profissionais envolvidos.
30 Compreende-se que a atividade turística bem planejada, ao transformar o ambiente (natural ou adaptado pelo homem), pode contribuir para a produção de “lugares”, espaços dotados de significados, intimamente ligados ao contexto cultural onde se inserem. O turismo possibilita também a valorização e recuperação de áreas degradadas, incorporando-as como “lugares turísticos”. No entanto, vale ressaltar que projetos arquitetônicos e planejamentos urbanos e turísticos podem resultar em ambientes que, às vezes, afetam de modo imprevisível as respostas de moradores e usuários, como lembra Amorim (1996). Podem gerar uma reação de “topofobia”: sentimento de isolamento, instabilidade emocional e ausência de familiaridade. Por outro lado, podem provocar um sentimento de afeição e de familiaridade pelo lugar, lembra este mesmo autor. Portanto, o ambiente suscita respostas positivas ou negativas, fato que interfere na conduta e no desempenho cotidiano.
No caso do nosso objeto de estudo, além de algumas interferências negativas na paisagem dos núcleos urbanos, verificadas através das adaptações humanas ao ambiente, encontram-se áreas desativadas de mineração em estado degradado. Caso a inserção do turismo desconsidere a cultura local, esta atividade promoverá a descaracterização da paisagem, produzindo verdadeiros “não-lugares” ― espaços desprovidos de qualidade e desvinculados da cultura local, de acordo com Carlos (1999). Estes “não-lugares” se constituem numa espécie de clonagem. São espaços icônicos, sem identidade própria, existindo somente na aparência. Por outro lado, o desenvolvimento do turismo nesta região poderá viabilizar a revitalização de lugares, transformando-os em atrativos turísticos, e poderá atuar, também, como importante mediador na recuperação de áreas degradadas.
1.3 O Turismo e a (re)organização dos territórios: as dificuldades de se avaliar o espaço turístico
De acordo com Rodrigues (1997), o espaço turístico tem como elementos básicos a oferta turística, a demanda, os serviços turísticos, a infra-estrutura básica, os transportes, o poder de decisão e de informação e o sistema de promoção e de comercialização.
31 A oferta turística constitui-se num conjunto de elementos que juntos conformam o produto turístico. São eles os atrativos e os serviços turísticos (serviços públicos e de infra-estrutura básica). Os atrativos estão ligados às motivações de viagem dos turistas e a avaliação que estes fazem de seus elementos. De acordo com a metodologia de hierarquização desenvolvida pelo Instituto Brasileiro de Turismo (EMBRATUR), os atrativos são divididos em naturais e culturais, possuindo características relevantes como, por exemplo, a localização, o meio de acesso, o tempo necessário para conhecê-los e os equipamentos e serviços disponíveis no local24. No eixo turístico Mariana - Santa Bárbara, existem estudos de avaliação dos atrativos de todos os municípios envolvidos elaborados dentro dessa metodologia da EMBRATUR por alunos do curso de Turismo do Centro Universitário Newton Paiva. Estes relatórios são atualizados a cada ano pelo seu Centro de Documentação e Informação Turística (CEDITUR). O Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas de Minas Gerais (SEBRAE-MG) vem desenvolvendo estudos de oferta turística, em parceria com o Unicentro Newton Paiva (através do CEDITUR) em vários municípios mineiros, dentre eles Mariana e Catas Altas. As categorias escolhidas para o desenvolvimento destes estudos foram os restaurantes, os meios de hospedagem, as agências de viagem e turismo e as empresas de transporte. Estes relatórios têm seu mérito, no sentido de disponibilizarem um banco de dados para o setor turístico, tão escasso não só em Minas Gerais, como em todo o Brasil.
Estes estudos abrangem, dentre outras questões, pesquisas que contabilizam o número de turistas formais, traçando o seu perfil (faixa etária, estado civil, motivação etc.). No entanto, nem todos os dados gerados condizem com a realidade. Considere neste caso os turistas que visitam o lugar e fazem uso de hospedagem informal. Estes não são considerados no quesito acima. Em Catas Altas, por exemplo, vários moradores disponibilizam suas residências para receber o forasteiro. Acessando-se o site www.descubraminas.com.br, visualiza-se uma lista de endereços residenciais à disposição do turista.
Outra questão a ser apontada sobre estes estudos refere-se à avaliação do potencial turístico dos lugares analisados. Neste quesito, a demanda turística é dimensionada através da percepção dos
24 Mais detalhes sobre essa metodologia da EMBRATUR podem ser encontrados em BENI, Mario Carlos. Análise Estrutural do Turismo. 32 empresários (no caso, os donos de restaurantes, de pousadas e hotéis), por isso deixam a desejar nesse sentido. Seria interessante que se trabalhasse também com a percepção dos moradores e do poder público local, para que se traçasse um perfil mais concreto não só da oferta, como também da demanda.
A demanda turística segmenta-se em demanda efetiva e demanda potencial. A primeira se refere à que já utiliza um determinado produto turístico. A segunda é aquela que tem condições para consumir um determinado produto turístico mas não o faz por alguma razão. Na região em estudo a demanda efetiva para hotelaria, por exemplo, ainda é pequena, tendo em vista o fato dessa atividade estar em fase incipiente de desenvolvimento. Considerando os atrativos existentes, existe uma demanda potencial enorme. Faltam, sim, uma política turística mais eficaz e uma maior divulgação dos produtos turísticos da região.
A mensuração da demanda turística é um processo difícil, reflexo da complexidade própria do produto turístico, como observou Ignarra (1999). Um desses processos de mensuração é contabilizar o número de visitantes nos portões de entrada das destinações turísticas: aeroportos, rodoviárias, estações ferroviárias e rodovias de acesso. Mas isso funciona em caso de termos um único portão de entrada. Outro processo bastante utilizado é o que contabiliza visitantes nos meios de hospedagem. Metodologia que possui problemas, como já vimos anteriormente.
Os serviços turísticos são fundamentais para que o turista possa desfrutar dos atrativos, lembra Ignarra (1999). Dele fazem parte os meios de hospedagem, os serviços de alimentação e agenciamento turísticos, os transportes turísticos, a alocação de veículos e embarcações, as empresas organizadoras de eventos, os espaços de eventos, os serviços de entretenimento e de informações turísticas. Como veremos no capítulo 3, em linhas gerais a área de estudo carece muito desses serviços turísticos, principalmente se considerarmos o percurso em si.
Os serviços urbanos de apoio ao turismo são aqueles que atendem à população residente de um destino turístico e que podem ser utilizados também por turistas. Neles se enquadram os serviços bancários, de saúde, transporte, de segurança, de comércio de conveniência, dentre outros. Na área de estudo, Mariana e Santa Bárbara são dotadas de serviços urbanos de apoio ao turismo
33 mais desenvolvidos do que Catas Altas. Essa última localidade, recém emancipada, utiliza os serviços de apoio básicos de Santa Bárbara, pela proximidade e por serem mais evoluídos. Santa Bárbara funciona como um centro comercial que atende a cidades próximas.
A infra-estrutura básica abrange vias de acesso, saneamento básico, rede de energia elétrica, comunicações, sinalização turística, iluminação pública etc. Enfim, envolve elementos essenciais à qualidade de vida da população residente, beneficiando também os empreendimentos turísticos.
O espaço turístico não pode ser definido por fronteiras totalmente fechadas, tendo em vista que ao menos um dos seus elementos básicos, a demanda, é exterior. A grande dificuldade em se definir este espaço está em captar o peso ou a força que esta atividade exerce na produção do espaço geográfico. Atualmente, existem núcleos concebidos artificialmente e que ignoram completamente o contexto do lugar onde se inserem (Rodrigues, 1997). Estes núcleos constituem uma espécie de turismo sem território e não contribuem para o desenvolvimento local. Os resorts, modelos de alojamentos produzidos pelo turismo global, são iguais em todo o mundo. Geralmente, buscam-se áreas exóticas ou autenticamente naturais para as suas construções. Nestes alojamentos as pessoas desfrutam de ambientes familiares onde até a alimentação é padronizada.
O turismo introduz no espaço elementos voltados ao desenvolvimento de sua atividade. Mas a sua prática social apropria-se de objetos já existentes conferindo-lhes novos significados, e incorpora novos espaços, abandonando parcial ou totalmente outros. Ao se apropriar destes espaços, sejam eles rurais, naturais ou urbanos, o turismo impõe a sua lógica de uso. Promove a reorganização destes locais e gera diferentes fluxos, dentre eles os de capital, de informação e de pessoas (Cruz, 2001). Os equipamentos e a infra-estrutura, fundamentais à atividade turística, não são exclusivos desta. Daí a dificuldade de se distinguir as transformações sócio-espaciais decorrentes especificamente do turismo daquelas decorrentes de outras práticas sociais. É importante notar que as lógicas que movem a apropriação desses espaços pelos residentes e pelos turistas são diferentes. Conseqüentemente, existem conflitos nos lugares apropriados pelo turismo. A complexidade do planejamento reside na busca de conciliação de interesses de uma população que busca o prazer num lugar onde outras pessoas vivem e trabalham, lembra
34 Rodrigues (1996). Três porções do espaço geográfico sofrem transformações diretas do turismo: os pólos emissores, os espaços de deslocamento de fluxos e os núcleos receptores de turistas. Os agentes responsáveis pela transformação do território para fins turísticos são o turista, o mercado e os planejadores e promotores territoriais (Cruz, 2001). Atualmente, o mercado tem como principal agente a iniciativa privada, podendo fomentar o turismo onde jamais existiria25.
A maior parte dos fluxos turísticos mundiais está ligada ao turismo de massa e envolve as cidades, explorando suas potencialidades. Os núcleos urbanos são importantes enquanto pólos emissores e receptores de turistas. Dotados de infra-estrutura, constituem-se em locais privilegiados de decisões e de planejamento. Nos últimos anos, com o crescimento do turismo de massa e das indústrias ligadas ao lazer, as cidades têm sua importância econômica reforçada por serem centros de compras, de cultura e de turismo. Mas sua valorização ultrapassa o âmbito econômico, envolvendo outros aspectos, dentre eles a centralidade no que se refere às redes de transporte, a proeminência dos núcleos urbanos no espaço cognitivo e as questões culturais. Para Cruz (2001), as cidades são lugares importantes para as pessoas enquanto obras de arte das sociedades humanas.
Em cidades históricas, como é o caso dos núcleos urbanos presentes neste estudo, o acervo histórico – arquitetônico pode representar uma diversificação da oferta turística. O turismo tende a exercer um papel muito importante na proteção deste patrimônio, constituindo-se assim numa das alternativas viáveis para núcleos urbanos preservados. Pode promover, inclusive, a revitalização deste acervo e maior valorização por parte de moradores e turistas, lembra Cruz (2001). Essa valorização do patrimônio já se verifica em Catas Altas e Mariana, cidades que, apesar de explorarem mal suas potencialidades, se encontram mais engajadas na questão do desenvolvimento turístico quando comparadas a Santa Bárbara. Diversas ações envolvendo parcerias entre o poder público, a iniciativa privada e a população comprovam esta afirmação, como veremos adiante, no capítulo 3. No que tange ao patrimônio, Yazigi (2001, p.165) observa a importância de se enfatizar a questão da sua destruição como fator negativo para as
25 Os Centers parks europeus retratam bem esse tipo de “turismo sem território” uma das novas modalidades do turismo global. São espaços icônicos, sem identidade com o lugar onde se insere.
35 comunidades, entendendo-o não só por produções do passado, mas também pelo que hoje se faz de melhor e que poderá ser consagrado como tal para gerações presentes e futuras. Ele afirma:
Nossa história foi tal que, de fato, bem pouco sobrou como expressões da cultura arquitetônica e urbanística. E hoje, pelo menos, não é pelo passado consumado que se pode iniciar a reconstrução de identidades. Os fatos pululam. Acordar para o turismo requer um fino trabalho de reconstrução e é por isto que vejo,nesta atividade, um belo pretexto de melhoria do próprio cotidiano. Só por isto o turismo já se justifica: como instrumento positivo da construção da cidadania e como seu direito ao entorno- marca registrada do final do segundo milênio.
O impacto do turismo sobre os ambientes urbanos está intimamente ligado a três questões básicas identificadas por Cruz (2001):
• Implantação de infra-estrutura para viabilizar o desenvolvimento da atividade; • Apropriação de estruturas existentes; e • Fluxo de pessoas, gerado pelo turismo.
No eixo em estudo, o turismo ainda não provoca grandes impactos nos ambientes urbanos e tampouco oferece maiores conflitos, já que essa atividade está em fase de implementação. Sabe- se da importância da preservação desses núcleos históricos para o desenvolvimento turístico local, mas não em lidar com essa informação para transformá-la em uma realidade. A população possui dificuldades de interpretar o patrimônio histórico-arquitetônico e de compreender os riscos e oportunidades reais do turismo.
Torna-se necessário esclarecer que o fato do turismo provocar transformações nos lugares não é, a princípio, bom ou ruim. É importante que haja um planejamento estratégico para que o desenvolvimento dessa atividade se verifique de modo positivo, considerando questões econômicas, ambientais e sócio-culturais. Uma infra-estrutura mal planejada ou projetos inadequados aos lugares em cidades ou em áreas naturais levam a impactos ambientais negativos, comprometendo a qualidade da paisagem. No contexto do turismo, o processo de planejamento deve ser integrado e contextualizado. Neste sentido, a participação dos próprios moradores é muito importante e, como observaram Molina e Abtia (1999, p. 11-12):
36 Seguramente se pode afirmar que o planejamento continua sendo e será a estratégia e um instrumento valioso na orientação do sistema turístico... O que efetivamente está mudando é o modo de planejar, de modo que o planejamento centralizado tem dado lugar a um planejamento mais participativo, que reconhece as capacidades e interesses locais e regionais e as realidades dos grupos humanos e econômicos que atuam em suas respectivas áreas. (tradução nossa)
O planejamento estratégico voltado para o turismo compreende várias etapas que vão do diagnóstico, prognóstico, estabelecimento de objetivos e de metas, à definição dos meios de se atingir objetivos, implantação e revisão. Primeiramente, examina-se a demanda existente, a oferta de atrativos, de serviços urbanos de apoio ao turismo e de infra-estrutura básica. Esse exame pode ser feito em termos de capacidade de carga, definida por Ignara (1999) como volume de turista que uma localidade é capaz de suportar sem que haja impactos negativos irreversíveis. Nessa fase de diagnóstico deve-se avaliar a qualidade de seus componentes, mensurando suas potencialidades em termos de atração turística. Por outro lado, é importante analisarmos a demanda existente para os produtos que a destinação pode oferecer. De acordo com Ignarra (1999), ainda faz parte dessa primeira etapa a análise quantitativa e qualitativa dos recursos humanos disponíveis para o turismo.
Num segundo momento, passa-se à fase do prognóstico, que compreende a elaboração de cenários futuros. Uma opção é a elaboração de projeções de crescimento da demanda quando do incremento da oferta turística. Qual será a situação do turismo em uma localidade onde haja um conjunto de leis que regule seu crescimento, controlando-o? Pode-se escolher a hipótese que melhor se encaixe aos objetivos locais. Ao se definir o cenário, estabelece-se os objetivos a serem alcançados. Ao se estipular um prazo para que os mesmos sejam alcançados, determinam-se as metas.
O próximo passo no planejamento é definir os meios de se alcançar os objetivos. Em outras palavras, estabelecer estratégias ou diretrizes que deverão ser gerenciadas no curto, médio e longo prazos. A etapa de implantação envolve a presença de um órgão centralizador capaz de coordenar as diversas ações. A última fase consiste na avaliação de seus resultados. Etapa importantíssima, já que permite estabelecer correções no plano, visando atingir os objetivos determinados. Para Ignarra (1999), o planejamento deve ser uma ação permanente de projetar,
37 implantar, medir, (re) projetar, reimplantar, medir novamente. Em outras palavras, todas essas etapas se relacionam de forma dialética e dinâmica.
Percebe-se hoje que a proteção do ambiente e o sucesso da atividade turística caminham juntos. O turismo deve ser planejado e gerido de modo a aumentar a qualidade de vida dos residentes e a proteger os ambientes locais, nos seus aspectos naturais e culturais; deve estar inserido no contexto do turismo regional, nacional e até internacional, através de políticas, planos e programas de desenvolvimento. Mas é preciso compreender que se de um lado o turismo internacional gera a entrada de divisas estrangeiras e outros benefícios, de outro, decisões tomadas por companhias e associações ligadas ao turismo internacional podem afetar as comunidades locais. Daí a importância de se planejar e gerir esta atividade dentro dos conceitos de sustentabilidade ecológica, sócio-cultural e econômica. Isso nos remete à questão do “Desenvolvimento Sustentável”, um processo que visa o desenvolvimento sem degradação ou esgotamento dos recursos, permitindo a sua utilização pelas gerações futuras.
A sustentabilidade turística tem sido muito questionada, talvez pelo fato desta atividade ser conduzida, geralmente, dentro dos moldes da globalização, desconsiderando questões relacionadas ao meio ambiente. A prática deste turismo “insustentável” tem provocando grandes impactos sócio-econômicos e ambientais nas comunidades receptoras. Considerar o turismo como atividade não geradora de impactos seria ingenuidade. Por outro lado, existe uma tendência, atualmente, de se buscar a sustentabilidade em seus diversos aspectos (pelo menos em discurso) que viabilize o desenvolvimento do turismo com bases locais, num resgate ao sentido de “lugar”. Reação ao desenvolvimento do turismo tradicional ou mero discurso ideológico?
De acordo com a Organização Mundial de Turismo (OMT), o turismo sustentável tem como aspectos vitais a sustentabilidade ambiental, social, cultural e econômica. A sustentabilidade do ambiente permite um desenvolvimento compatível com a manutenção dos processos ecológicos essenciais, bem como da diversidade e dos recursos biológicos. A sustentabilidade social e cultural assegura a compatibilidade entre o desenvolvimento e a cultura, a manutenção dos valores morais do povo que por ele é afetado, mantendo e fortalecendo a identidade da comunidade. A sustentabilidade econômica assegura a eficácia econômica no processo de
38 desenvolvimento. Os recursos são geridos de modo que possam suportar futuras gerações. Diretamente ligado ao conceito de turismo sustentável, encontra-se o de capacidade de carga turística que, de acordo com Ruschmann (2000) é o número máximo de visitantes que uma área é capaz de suportar sem que ocorram grandes impactos no meio físico e sócio-cultural, que poderiam levar a uma situação de conflito e de entraves ao desenvolvimento de um turismo de qualidade. A questão que se coloca é como mensurar essa capacidade de carga. A tarefa é difícil já que não existe um padrão fixo para sua determinação. O Brasil carece de uma metodologia própria e de maior definição de critérios neste aspecto.
Para o desenvolvimento de um turismo de qualidade, mais próximo da tão sonhada sustentabilidade, o poder público exerce um papel fundamental nas questões de planejamento e gestão, devendo apoiar-se no compromisso de fazer da sua prática uma possibilidade de melhoria da qualidade de vida dos cidadãos. Nesse processo, torna-se necessário incentivar a participação da população e estabelecer parcerias com a iniciativa privada, buscando viabilizar alternativas de um desenvolvimento ambientalmente correto e apoiado na conservação das bases naturais e culturais locais. O turismo sob este enfoque tende a proporcionar diversos benefícios como novos negócios e empregos, novas tecnologias, melhorias nos padrões de utilização de áreas, e maior consciência na proteção ambiental e cultural. A comunidade precisa oferecer aos visitantes não só instalações e serviços, mas desenvolvimento de atrações e de interação cultural (ver tabela 1, p.40).
Um aspecto importante, resgatado por Ignarra (1999), é o bom atendimento ao turista, podendo ser considerado um dos principais fatores de avaliação do produto turístico. Em outras palavras, a capacitação dos recursos humanos é fundamental e a sua incapacidade explica o fato de algumas localidades com enorme potencial turístico não conseguirem se aprimorar. Nas palavras de Ignarra (1999, p.59): O turismo depende de uma infinidade de serviços especializados, que por sua vez dependem de uma infinidade de profissionais com as mais variadas especializações. Assim, para o desenvolvimento do turismo são necessários guias, recepcionistas, atendentes, camareiras, garçons, cozinheiros, maitres, operadores de equipamentos audiovisuais, organizadores de eventos, montadores de feiras, operadores de equipamentos de recreação, recreacionistas, motoristas, etc. Estes são apenas alguns exemplos das especializações profissionais necessárias para o desenvolvimento turístico.
39 TABELA 1 O Papel do Poder Público e da Comunidade no Planejamento Turístico
O GOVERNO PODE: Estabelecer políticas, promover a conservação definir áreas e padrões de incentivos da natureza e a preservação localidades da cultura local protegidas