Karlla Valladares Álvares

O EIXO TURÍSTICO MARIANA SANTA BÁRBARA: PAISAGENS E LUGARES TURÍSTICOS

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em Geografia – Tratamento da Informação Espacial,

como requisito parcial à obtenção do Título de Mestre.

Área de concentração: Análise Espacial Orientador: Dr. Altino Barbosa Caldeira Co-orientador: Dr. Oswaldo Bueno Amorim Filho

PUC - MG 2003

DEDICATÓRIA

Dedico esta tese à minha família, especialmente à Doracy, mãe, amiga e companheira que tanto lutou por seus filhos, acreditando na importância da educação para transformar a vida das pessoas.

AGRADECIMENTOS:

Ao meu irmão, Jacintho Álvares, um especial agradecimento por ter acreditado no meu futuro, auxiliando-me nesta trajetória;

Ao meu grande amor, Ricardo Ghizi, por estar presente em todos os momentos, mesmo nas situações mais difíceis, e pelo carinho e dedicação de sempre;

À minha mãe, Doracy, pelo exemplo de mãe e pela determinação em proporcionar-me a melhor formação cultural possível;

Aos meus amigos, Lúcia, Flávia e Paulo, que tanto me auxiliaram durante este percurso;

Ao meu orientador, Professor Altino Caldeira, por acreditar na minha capacidade e pelo incentivo;

Ao meu co-orientador, Professor Oswaldo Bueno, pelas idéias que tanto me inspiraram e contribuíram para a qualidade deste estudo;

Aos professores e funcionários do Departamento de Geografia - Mestrado em Tratamento da Informação Espacial, especialmente a Tarcísio Bruzzi;

Ao Dartagnan Viana, amigo e funcionário do Laboratório de Cartografia do Departamento de Geografia da Puc – Mg, pelas sugestões e auxílio na elaboração dos mapas, e

À CNPq, à Biblioteca da Puc Minas, às Prefeituras Municipais de Mariana, Catas Altas e de Santa Bárbara, às Casas de Cultura de Catas Altas e Santa Bárbara, que contribuíram para tornar este sonho uma realidade.

RESUMO

Esta dissertação é um estudo de Geografia do Turismo; tem o propósito de investigar o potencial do eixo turístico Mariana – Santa Bárbara, situado na Região Central do Estado de . Considerando a importância da paisagem como lugar turístico, analisa-a nos seus aspectos urbano, cultural e ambiental, a partir dos quais traça um panorama da situação atual do turismo na região. Em seguida, propõe alternativas de intervenção para maximizar os recursos e as potencialidades do percurso, visando o desenvolvimento local a partir do crescimento da prática do turismo.

ABSTRACT

This thesis is a study in the field of Geography of Tourism. It has the purpose of investigating the perspectives over Mariana – Santa Bárbara’s tourist circuit, located in the Central Region of the State of Minas Gerais. Considering the importance of landscape as tourist places, this research makes an analysis of its urban, cultural and environmental aspects from which arises an overview portrait of tourism in the region. Finally, it suggests intervention strategies that could maximize resources and potentialities as a way of local developing through the activity of tourism.

Karlla Valladares Álvares O eixo turístico Mariana - Santa Bárbara: Paisagens e lugares turísticos

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em Geografia – Tratamento da Informação Espacial, como requisito parcial à obtenção do Título de Mestre.

Belo Horizonte, 08 de julho de 2003.

Banca examinadora constituída pelos professores:

______Dr. Altino Barbosa Caldeira (Orientador) – PUC Minas

______Dr. Oswaldo Bueno Amorim Filho (Co- orientador) – PUC Minas

______Dr. Alexandre M. A. Diniz – PUC Minas

______Dr. Fernando Camargos Lara - UFMG

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...... 01

1 FUNDAMENTOS TEÓRICO - METODOLÓGICOS...... 12

1.1 O fenômeno do Turismo e a Geografia...... 13 1.2 Geografia e Turismo: Paisagens e “lugares turísticos”...... 25 1.3 O turismo e a (re) organização dos territórios - as dificuldades de se avaliar o espaço turístico...... 31 1.4 Métodos e técnicas...... 44

2 ANTECEDENTES HISTÓRICOS...... 49

2.1. O início do processo de ocupação do território mineiro e a criação da Capitania de Minas Gerais ...... 50 2.1.1. Os caminhos do ouro...... 56 2.2 A formação das cidades no eixo Mariana-Santa Bárbara e a estruturação regional no século XVIII...... 62 2.3 A Evolução do eixo Mariana - Santa Bárbara nos séculos XIX e XX e sua caracterização atual...... 73

3 PERSPECTIVAS PARA UM TURISMO SUSTENTÁVEL 91 NA REGIÁO...... 93 3.1. Perspectivas de turismo no eixo Mariana-Santa Bárbara ...... 3.2 Dificuldades e limitações do Turismo atual no eixo Mariana -Santa Bárbara...... 172 3.3. Perspectivas e propostas para o desenvolvimento do eixo turístico Mariana- Santa Bárbara...... 186

CONSIDERAÇÕES FINAIS...... 192

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...... 196

ANEXO 1: A RPPN do Caraça: Atrativos turísticos e mapeamento turístico...... 202

LISTA DE FIGURAS

01 Localização geográfica dos municípios envolvidos no eixo em estudo ...... 01 02 Parte do Conjunto arquitetônico junto à Igreja Matriz de Catas Altas ...... 03 03 Mariana: Vista da rua Pe. G. Lopes ...... 04 04 Principais rodovias de acesso ao Eixo Mariana-Santa Bárbara ...... 05 05 Vista a partir da torre da Igreja do Rosário em Mariana ...... 06 06 Vista panorâmica do Santuário do Caraça ...... 07 07 Silvicultura no município de Catas Altas ...... 08 08 Reserva do Caraça ...... 08 09 Campo de altitude em Catas Altas ...... 09 10 Planta endêmica encontrada na região do Caraça ...... 09 11 Degradação ambiental no município de Catas Altas ...... 10 12 Rio Caraça ...... 11 13 Carta geográfica da Capitania de Minas Gerais ...... 53 14 Capitania de Minas Gerais nos fins da Era Colonial ...... 55 15 Caminhos do Ouro ...... 57 16 Lavagem de minério de ouro no Pico do Itacolomi ...... 61 17 Núcleos Urbanos do Eixo Turístico Mariana – Santa Bárbara ...... 62 18 Evolução do traçado do Arraial do Carmo (Mariana) ...... 71 19 Rótulo de vinho fabricado em Catas Altas (século XX) ...... 80 20 Quadrilátero ferrífero ...... 81 21 Estação ferroviária de Santa Bárbara (1911) ...... 84 22 Hidrografia de Minas Gerais ...... 93 23 Macrorregiões turísticas de Minas Gerais ...... 96 24 Centro de Artesanato de Santa Bárbara ...... 98 25 Esquema de percurso: Eixo turístico Mariana – Santa Bárbara ...... 100 26 Limites do Município de Mariana ...... 101 27 Início do Eixo Turístico ...... 102 28 Roteiro Mariana – Santa Bárbara ...... 103 29 Vista geral do núcleo histórico de Mariana ...... 104 30 Conjunto habitacional em Mariana ...... 105 31 Condomínio Vila D´El Rey, em Mariana ...... 106 32 Trevo Samarco, Mina da Alegria e Bento Rodrigues ...... 107 33 Início estrada de terra (bifurcação via Camargos) ...... 107 34 Córrego assoreado nas proximidades de Mariana ...... 108 35 Vestígios da presença de auto – fornos de produção de carvão ...... 109 36 Carvoaria Taveira ...... 109 37 Fazenda Gualaxo (município de Mariana) ...... 110 38 Vista do entorno da fazenda Gualaxo ...... 110 39 Ponte sobre o rio Gualaxo ...... 111 40 Vista geral de Bento Rodrigues ...... 111 41 Fazenda Santa Luzia em Bento Rodrigues ...... 112 42 Esquema explicativo do percurso entre Mariana e Bento Rodrigues ...... 113 43 Antiga área de exploração de minério em Mariana ...... 114 44 Vista da Serra de a partir de uma mina desativada (Mariana) ...... 115 45 Cratera: área de recuperação ambiental da antiga mina D’ El Rey ...... 116 46 Caminho por Camargos: acesso à Fazenda Pedra Branca (município de Mariana) ...... 117 47 Mirante com vista para o vale junto à sede da Fazenda Pedra Branca ...... 117 48 Fazenda Pedra Branca ...... 117 49 Paisagens do percurso ...... 118 50 Acesso e sede da Fazenda da Palha (município de Mariana) ...... 118 51 Bifurcação: acesso à Fazenda Pró-capital ...... 119 52 Visadas do percurso (município de Mariana) ...... 120 53 Acesso a uma fazenda antiga (bifurcação via Camargos) ...... 120 54 Casa de fazenda (remanescente do século XVIII) ...... 121 55 Vista geral do entorno da fazenda ...... 121 56 Igreja Matriz de Nossa Senhora da Conceição de Camargos ...... 122 57 Vista do sítio urbano de Camargos ...... 123 58 Arruamento principal de Camargos ...... 123 59 Sítio nas proximidades de Camargos ...... 124 60 Produção de silvicultura (região de Camargos) ...... 124 61 Sede de uma fazenda produtiva (caminho entre Camargos e Bento Rodrigues) ...... 125 62 Vista geral da fazenda produtiva ...... 125 63 Sítio próximo ao núcleo urbano de Bento Rodrigues ...... 126 64 Ponte sobre o rio Gualaxo ...... 126 65 Vista de Bento Rodrigues a partir da estrada ...... 127 66 Área de preservação (reserva legal próxima à Santa Rita Durão) ...... 127 67 Assoreamento do rio ...... 128 68 Área de desmatamento (Santa Rita Durão) ...... 128 69 Capela do Rosário em Santa Rita Durão ...... 129 70 Praça da Igreja Matriz de Nossa Senhora de Nazaré ...... 130 71 Vista geral de Santa Rita Durão ...... 130 72 Bifurcação asfalto-trecho de terra (rodovia MG 129) ...... 131 73 Ponte sobre o (limite entre Mariana e Catas Altas) ...... 132 74 Catas Altas: limites municipais ...... 133 75 Degradação da paisagem em Morro de Água Quente ...... 134 76 Maciço do Caraça, na chegada a Morro de Água Quente ...... 134 77 Construção remanescente do século XVIII, em Morro de Água Quente ...... 135 78 Capela de Santa Quitéria (Morro de Água Quente) ...... 135 79 Vista geral do Núcleo urbano de Catas Altas ...... 135 80 Conjunto arquitetônico junto à Igreja Matriz de Catas Altas ...... 136 81 Capela de Nossa Senhora do Carmo ...... 137 82 Paisagens nas proximidades de Catas Altas ...... 138 83 Vista geral de uma fazenda produtiva (Catas Altas) ...... 139 84 Área de produção de Silvicultura (limites entre Catas Altas e Santa Bárbara) ...... 139 85 Santa Bárbara: limites municipais ...... 140 86 Área de fazenda (Santa Bárbara) ...... 141 87 Sítio nas proximidades de Santa Bárbara ...... 142 88 Pousada Recanto do Vale (Santa Bárbara) ...... 143 89 Trevo do Caraça/ Santa Bárbara ...... 143 90 Vista geral de Santa Bárbara ...... 144 91 Igreja Matriz de Santo Antônio e parte do conjunto arquitetônico junto à mesma ...... 145 92 Acesso à RPPN do Caraça ...... 145 93 Igreja de Santo Amaro (Brumal) ...... 146 94 Entorno junto à Igreja de Santo Amaro (Brumal) ...... 147 95 Capela dedicada a São José, na região de Sumidouro ...... 148 96 Vista panorâmica da Fazenda do Engenho (Caraça) ...... 149 97 Vista geral do Complexo Arquitetônico da RPPN do Caraça ...... 150 98 Paisagens do Caraça ...... 152 99 Trilha de acesso à cachoeira Cascatinha (RPPN do Caraça) ...... 152 100 Acesso a uma área antiga de mineração (Catas Altas) ...... 153 101 Ruínas de um bicame de pedras, em Catas Altas ...... 154 102 Conjunto habitacional (Catas Altas) ...... 155 103 Mina de (Catas Altas) ...... 155 104 Camping Lagoa do Guarda Mor (Catas Altas) ...... 156 105 Chegada a Morro de Água Quente ...... 156 106 Mina do Fazendão em Mariana ...... 157 107 Acesso à Estação Fazendão (Mariana) ...... 157 108 Estação Fazendão (Mariana) ...... 158 109 Ferrovia Vitória – Minas ...... 158 110 Degradação da paisagem nas proximidades da Serra do Caraça ...... 159 111 Acesso à Mina da Alegria ...... 160 112 Portaria da CVRD ...... 160 113 Vista geral da Usina da Alegria ...... 160 114 Fazenda da Alegria ...... 161 115 Acesso à Usina da SAMARCO (Mariana) ...... 162 116 Lagoa de Rejeito da SAMARCO (Mariana) ...... 162 117 Ferrovia Vitória – Minas ...... 163 118 Ponte sobre a ferrovia Vitória – Minas (município de Mariana) ...... 164 119 Acesso à Mina de Timbopeba (divisa entre Mariana e Ouro Preto) ...... 164 120 Reservatório de água (vila residencial SAMARCO em Antônio pereira) ...... 165 121 Vista da Mina de Timbopeba ...... 165 122 Vila SAMARCO (divisa entre Ouro Preto e Mariana) ...... 166 123 Serra de Ouro Preto ...... 166 124 Girassóis (Antônio Pereira) ...... 167 125 Rua Direita de Antônio Pereira ...... 168 126 Ruínas de uma igreja (Antônio Pereira) ...... 168 127 Gruta de Nossa Senhora da Conceição da Lapa (Antônio Pereira) ...... 169 128 Pigmentação na Gruta de Nossa Sª da Conceição da Lapa ...... 170 129 Paisagem nas proximidades do núcleo urbano de Mariana ...... 171 130 Trevo Bento Rodrigues/ Áreas mineradas ...... 171 131 Vista parcial do conjunto arquitetônico da Praça da Sé (década de 80)...... 172 132 Vista parcial do conjunto arquitetônico da Praça da Sé (Mariana/ 2002) ...... 173 133 Vista do Morro do Rosário (Mariana – foto antiga) ...... 174 134 Vista do Morro do Rosário (Mariana – foto atual) ...... 175 135 Vista parcial do núcleo histórico de Mariana ...... 176 136 Ribeirão do Carmo em Mariana ...... 176 137 Vista panorâmica da Igreja Matriz de Cata Altas ...... 178 138 Praça Pio XII em Santa Bárbara (década de 40) ...... 179 139 Praça Pio XII em Santa Bárbara (2002) ...... 179 140 Casa Rocha em Santa Bárbara (foto antiga) ...... 180 141 Casa Rocha em Santa Bárbara (foto atual) ...... 180 142 Eixo visual da Praça Matriz até a Capela do Rosário (Santa Bárbara) ...... 180 143 Parte do conjunto arquitetônico da Praça da Matriz (Santa Bárbara) ...... 181 144 Rodoviária de Santa Bárbara ...... 181 145 Vista da antiga rua direita de Antônio Pereira ...... 182

LISTA DE TABELAS

1. O papel do Poder Público e da Comunidade no Desenvolvimento Turístico ...... 40 2. Hierarquia de Minas Gerais (1950) ...... 86 3. Hierarquia Urbana de Minas Gerais (1960) ...... 87 4. Hierarquia das Cidades de Minas Gerais com base na circulação de ônibus intermunicipais (níveis hierárquicos superiores) ...... 89 5. Hierarquia das cidades de porte médio em Minas Gerais ...... 90 6. Ranking do turismo receptivo no mundo ...... 92

ABREVIATURAS

ACISB – Associação comercial, industrial, agrícola e de serviços de Santa Bárbara AMDA – Associação Mineira de Defesa do Ambiente CEDITUR – Centro de Documentação e Informação Turística CENIBRA – Celulose Nipo-brasileira S/A CVRD – Companhia Vale do Rio Doce de Mineração S. A. DESA/ UFMG- Departamento de Engenharia Sanitária da Universidade Federal de Minas Gerais EMATER – Empresa Mineira de Assistência Técnica e Extensão Rural EMBRATUR – Empresa Brasileira de Turismo FJP – Fundação João Pinheiro IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IEPHA – Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional IGA – Instituto de Geografia e Agrimensura OMT – Organização Mundial de Turismo OEA – Organização dos Estados Americanos RPPN – Reserva Particular de Patrimônio Natural SAMARCO – Samitre e Marcona Corporation S. A. SAMITRE – S. A. Mineração Trindade SEBRAE – MG Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas de Minas Gerais SETUR - Secretaria do Estado de Turismo

1 FUNDAMENTOS TEÓRICO - METODOLÓGICOS

O Turismo é uma experiência geográfica na medida em que representa uma relação direta entre o homem e o ambiente. Essa atividade interfere no espaço geográfico, introduzindo elementos voltados ao seu desenvolvimento, gerando formas espaciais7 diversificadas e promovendo uma verdadeira revolução, principalmente nos núcleos receptores8 de turistas. Esta interferência ocorre porque a prática social desta atividade gera a apropriação de objetos já existentes, que incorpora novos espaços e abanda parcial ou totalmente outros. Ao se apropriar destes espaços, sejam eles rurais, naturais ou urbanos, o Turismo impõe a sua lógica de uso, reorganizando-os e gerando fluxos de naturezas diferentes9. Coriolano (1998, p.21), se referindo à experiência geográfica do turismo, descreve:

O turismo é uma atividade que se desenvolve por meio dos elementos dos espaços geográficos. Assim sendo, ao utilizar a natureza como atrativo turístico, os equipamentos urbanos como infra-estrutura do turismo, os territórios de origens de turistas, as comunidades receptoras com sua população residente e as práticas sociais decorrentes deste encontro, o turismo passa a ser objeto do saber geográfico.

A tarefa de avaliar o fenômeno do turismo é necessariamente interdisciplinar. Dentro de uma perspectiva atual, as análises acerca deste fenômeno consideram-no em seus aspectos econômicos, políticos, sociais e culturais. Enquanto prática social, o turismo é muito influenciado pela cultura, e acerca destas questões, Cruz (2001) revela que toda análise consistente sobre a participação desta atividade na produção do espaço geográfico deve considerar suas dimensões global e local, bem como um conjunto de variáveis, entre elas as econômicas, geográficas, sociais, culturais, urbanísticas e ecológicas.

Por outro lado, a Geografia contribui de modo ímpar na compreensão do fenômeno do turismo através da análise e de interpretação das formas geradas a partir desta atividade. No entanto, a grande complexidade deste fenômeno reside na dificuldade em se distinguir as transformações

7 Entende-se por formas espaciais as adaptações do homem ao meio ambiente natural, voltadas ao atendimento das suas necessidades. 8 Pólos de atração de turistas. 9 Exemplos: fluxos de capitais, de informação e de pessoas. 12 sócio-espaciais decorrentes especificamente do turismo daquelas decorrentes de outras práticas sociais, como veremos adiante.

1.1 O fenômeno do turismo e a Geografia

A história nos mostra que nenhum espaço, por mais distante ou inóspito que seja, parece escapar à extensão geográfica do turismo.(Lozato, 1990, p.07)

Esta afirmação de Lozato nos permite constatar que o desejo de conhecer novos ambientes é inerente à condição humana e remonta aos primeiros tempos. Desde a antiguidade, os homens sempre viajaram movidos pela simples curiosidade, por motivos de satisfação de suas necessidades ou pelo intuito de conquistar territórios. Nos relatos de vários viajantes exploradores ficaram os registros dessa busca pelo descobrimento de espaços e civilizações diferentes. As viagens de cunho religioso também datam da Antiguidade. O Egito, há três mil anos antes de Cristo, já era um local de grande afluência de visitantes interessados em conhecer suas pirâmides e seus monumentos.

Ignarra (1999) afirma que o turismo de aventuras data de milênios, antes mesmo de Cristo, sendo que uma das motivações para as grandes viagens exploratórias era o fator econômico. Já no Império Romano tornaram-se comuns viagens de visita às termas, registrando-se as primeiras atividades turísticas de lazer. Ainda de acordo com este mesmo autor, os nobres romanos, usando o recurso da troca periódica dos cavalos que puxavam suas carroças, se aventuravam em longas viagens realizadas exclusivamente para visitar grandes templos. Vários outros povos deixaram relatos de suas aventuras pelo mundo. No fim do Império Romano verificou-se um grande decréscimo dessas viagens10, com exceção das cruzadas que, segundo Ignarra (1999), eram grandes expedições organizadas para visitação dos centros religiosos da Europa que buscavam libertar Jerusalém do domínio dos árabes. Posteriormente, as viagens começaram a se tornar mais seguras e tiveram um crescimento após o ano 1000. Lembra esse mesmo autor (1999, p.17):

10 A sociedade passou a se organizar em feudos auto-suficientes: as viagens tornaram-se uma aventura perigosa. 13 Começaram a aparecer as grandes estradas por onde circulavam os comerciantes que transportavam suas mercadorias em animais de carga, carruagens puxadas a cavalo, peregrinos, mendigos, trovadores, monges errantes e estudantes.

Nestas viagens os viajantes de nível social mais elevado eram hospedados nos castelos ou em casas de particulares. Os demais utilizavam desde barracas até hospedarias.

O fim da Idade Média e o advento do capitalismo comercial trouxeram um acréscimo às viagens. A unificação das fronteiras nacionais na Europa nesta época impulsionou as viagens marítimas e conseqüentemente um turismo mais ambicioso. No âmbito interno dos Estados Nacionais europeus, por sua vez, o poder monárquico centralizado permitiu aumentar a segurança nas estradas, que passaram a ser utilizadas com mais freqüência pelo turista incipiente. Datam desta época as extensas vias de circulação de comerciantes disseminadas ao longo do território europeu, que deram origem às atuais auto-estradas. Iniciam-se as feiras de troca de mercadorias nos entroncamentos dessas vias.

Os séculos XV e XVI conheceram as grandes navegações. Estas expedições atravessavam o oceano, levando centenas de pessoas a viajarem durante meses, podendo ser consideradas as precursoras dos grandes cruzeiros marítimos da atualidade. As aventuras que levaram à chegada dos portugueses ao Brasil em busca de um “eldorado” e, posteriormente, o próprio desbravamento do interior à procura de riquezas minerais (caso de Minas Gerais), estão marcadas por uma visão de mundo característica daquele momento, e confirmam a afirmação de Lozato (1990): o hábito de viajar para lugares inóspitos, muitas vezes totalmente desconhecidos, é um fenômeno antigo na história da humanidade, inerente ao ser humano.

É importante ressaltar que a visão e a utilização do espaço geográfico variaram segundo épocas e sociedades. Como observou Lozato (1990), o conceito de turismo sofreu alterações ao longo do tempo, ampliando-se na medida em que a atividade turística se desenvolvia e se diversificava. Uma breve descrição acerca do desenvolvimento da atividade turística interessa-nos aqui no sentido de esclarecer as relações que sempre existiram entre este fenômeno e a Geografia, apontando conceitos importantes como o de paisagem e lugar, que norteiam este trabalho.

14 O espaço geográfico e, dentro dele a paisagem (sua porção visível, numa visão mais ampla), sempre foi a matéria-prima do turismo. Se, inicialmente, este espaço era apenas contemplado, verificou-se a ocorrência de maiores impactos na medida em que a atividade turística foi se desenvolvendo. Em outras palavras, de espaço contemplado a espaço consumido, a valorização da paisagem reflete os vários momentos históricos e as relações entre o espaço e as atividades turísticas.

Lozato (1990, p.9), referindo-se a um período anterior ao desenvolvimento do turismo de massa11, afirma: “Em outros tempos era possível contentar-se em viajar lentamente, admirando a beleza dos lugares e as riquezas artísticas de um modo quase solitário, intimista.” Ferrara (1999, p.19) reforça essa afirmação de Lozato, ao relatar o quanto o romantismo enfatizou a emoção, as sensações e o “mistério poético”. Para o romântico, a paisagem deveria ser contemplada com deleite. Turismo e viagem poderiam ser considerados sinônimos:

A viagem era uma metáfora da liberdade e conquista do espaço fora do domínio familiar privado e do próprio indivíduo como sua legítima extensão. (...) Viajava-se em busca do exótico, do outro.

Nesse mesmo contexto, Urry (1996), comparando o Grand Tour12 clássico com o Grand Tour13 romântico, aponta como o caráter das excursões foi se modificando com o tempo, quando revela que enquanto o Grand Tour clássico baseava-se na observação e no registro de galerias, museus e artefatos culturais, o Grand Tour romântico presenciou a emergência de um “turismo de Paisagem”.

11 O turismo de massa surge no século XX, com o desenvolvimento do Capitalismo, de acordo com John Hurry (1996). 12 As raízes tour y turn procedem do latim, do substantivo tornus (“torno”) ou do verbo tornare (girar, em latim vulgar). De acordo com De la Torre, o sentido seria “viagem circular”. Para alguns autores, entretanto, o vocábulo tour tem origem hebraica, utilizada no hebreu moderno como sinônimo de “viagem de exploração” ou de “reconhecimento”. Para De la Torre, independente da origem da palavra tour, foram tomadas do francês para serem utilizadas em outros idiomas. No século XVIII o termo tour era utilizado para designar as viagens que se empreendiam por diversos motivos e tinham como destino final o ponto de partida. 13 Nas sociedades pré-modernas, as viagens organizadas eram um privilégio das elites. O Grand Tour, estruturado desde o século XVII, atendia aos filhos da aristocracia e da pequena fidalguia. No fim do século XVIII, passou a atender aos filhos da classe média profissional. In: URRY, John. O olhar do turista: Lazer e viagens nas sociedades contemporâneas. São Paulo: Studio Nobel: SESC,1996.

15 Nos fins do século XVIII os impactos relacionados ao turismo já superavam as diversas atividades industriais tradicionais, observou Urry (1996). Na Europa, desenvolveu-se uma infra-estrutura considerável sob a forma de balneários que, inicialmente, não se voltaram para o lazer, e sim para fins de cura. Naquele tempo valorizavam-se as propriedades medicinais da água para tratar certas doenças. O banho de mar, realizado através de simples imersões, era indicado apenas para adultos na solução de problemas de saúde. Não existia a prática da natação, sendo que a praia não era considerada um espaço de lazer.

O século XIX foi marcado pelo crescimento dos balneários. Estes lugares turísticos espalharam-se por grande parte da Europa e, a esta altura, já ofereciam toda uma infra-estrutura direcionada ao lazer, à cultura e à sociabilidade. Este rápido crescimento pode ser explicado por diversos fatores, ligados não somente às transformações da sociedade, mas também à questão espacial. Afinal, os balneários voltados para o mar contavam com imensas áreas de litoral inexploradas. Neste contexto, Urry (1996), ao explorar as transformações sofridas pelo “o olhar do Turista” no decorrer da história, detectou o quanto estes lugares turísticos tiveram um crescimento espetacular na Inglaterra. Segundo este autor, o crescimento verificado se explica, dentre outros fatores, pela rápida urbanização, por uma grande melhoria dos meios de transporte e das estradas, e por um considerável aumento do bem estar econômico de uma grande parcela de sua população industrial. Segundo o próprio Urry (1996, p. 37), “O crescimento de um padrão mais organizado e rotineiro de trabalho levou a tentativas de desenvolver uma correspondente racionalização do lazer.” Deste modo, o trabalho e o lazer passaram a ser mais valorizados em si mesmos.

Esta pesquisa veio a confirmar o quanto a viagem sempre foi socialmente seletiva, ou seja, indicativa de status social. A atividade turística era um privilégio apenas das elites. Isso começou a mudar quando, na segunda metade do século XIX, locomotivas e estradas de ferro deram início ao transporte de massa, permitindo maior acessibilidade à população de baixa renda. Isso trouxe uma maior democratização do deslocamento geográfico, que foi ampliada no século XX com o advento do automóvel e do avião, consolidando-se o crescimento e o desenvolvimento de um turismo de massa, segundo Urry (1996). Desde então, a distinção de status passou a se verificar entre as diferentes classes de viajantes e, neste contexto de popularização do turismo, aqueles que não podiam viajar eram ainda mais discriminados. Para Becker (1999), o grande

16 desenvolvimento do capitalismo no século XIX permitiu que o turismo organizado14 se desenvolvesse. Ampliou-se a escala de acumulação de capital e da tecnologia de transportes possibilitando maiores investimentos em turismo. De fato, a sociedade industrial gerou condições para o desenvolvimento desta atividade, abrindo novas necessidades e novas possibilidades ao homem.

Dentre as novas demandas da sociedade moderna enquadram-se o turismo e o lazer. A viagem15 torna-se uma marca de status, uma necessidade latente, de acordo com o discurso moderno que afirma podermos recuperar a saúde física e mental simplesmente viajando. Luzia Coriolano (1998, p.36-29), referindo-se a essas novas demandas e necessidades do homem moderno, afirmou:

O turismo como antítese do trabalho é também sua afirmação. Antítese porque se trata de não-trabalho, e afirmação porquanto é uma oportunidade de revigoramento da força do trabalhador.

(...) o lazer emerge como uma expressão da sociedade de consumo, que necessita dele para se reproduzir ideológica e materialmente.

De la Torre (1997), ao abordar o processo de desenvolvimento do turismo, propõe três momentos que resumem bem esta questão. O primeiro deles, que vigorou até meados do século XIX, é denominado pelo autor de “turismo incipiente ou elitista”. Sua prática se restringia a uma minoria de pessoas que possuíam mais recursos econômicos. O deslocamento também era mais restrito devido ao incipiente sistema de transporte e rodovias e à escassez de meios de hospedagem, dentre outros dificultadores. O segundo momento, denominado “turismo de transição”, engloba um período de aproximadamente 100 anos que vai da segunda metade do século XIX até a primeira do século XX. Essa fase é precursora ao desenvolvimento do turismo de massa. Pode ser caracterizada pelo desenvolvimento das excursões de caráter comercial, pelo aumento da oferta de estabelecimentos de hospedagem e pela presença de agentes de viagens privados e de

14 Surgem as primeiras companhias e agentes, organizando essa atividade. 15 A democratização da viagem só foi possível com a modernidade que favoreceu os banhos de mar, dificultando a restrição ao seu acesso, pelos grupos dominantes. Amplas distinções de gosto foram estabelecidas entre os vários lugares. Os balneários passaram a ser utilizados também por uma classe trabalhadora ainda em formação. Desde então, as classes sociais dominantes passaram a considerar estes espaços como corporificações do turismo de massa - lugares comuns, a serem desprezados e ridicularizados.

17 instituições oficiais de turismo. Percebe-se também a multiplicação dos acessos, a maior facilidade dos meios de transportes e o início da utilização da publicidade para a promoção de centros turísticos. Em alguns países o trabalhador começa a desfrutar pela primeira vez da possibilidade de viajar. O terceiro momento é designado “turismo em desenvolvimento” ou “turismo de massa”, tendo se iniciado a partir da segunda metade do século XX e prosseguindo até os dias atuais. O turismo está mais acessível, apesar de ainda ser limitado ao número de pessoas que podem viajar. Desenvolveu-se toda uma infra-estrutura voltada para a promoção e viabilização desta atividade. Soma-se a isso as facilidades de deslocamento, dos sistemas de crédito para viagens e a modernização e diversificação de estabelecimentos de hospedagem.

Com a explosão do turismo de massa verificada na segunda metade do século XX, a atividade turística se desenvolveu e se intensificou, promovendo maiores mudanças na paisagem. O espaço geográfico, antes apenas contemplado, passou a ser também remodelado e reestruturado, consumido de um modo descontrolado, o que levou muitas vezes à degradação ambiental.

A explosão desta atividade levou alguns profissionais de diversas áreas a iniciarem estudos sobre turismo, buscando uma maior compreensão deste fenômeno. Os primeiros trabalhos ocorreram antes da Segunda Guerra Mundial. Segundo Mirian Rejowski (1999), datam do início da década de 1870, sendo que muitos deles estavam ligados à Geografia e à Economia. Na Alemanha, os primeiros estudos com enfoque geográfico16 surgem na virada do século XIX para o século XX. No fim dos anos 20, ainda neste país, a Universidade de Berlim criou um Centro de Pesquisas Turísticas cuja produção teórica ficou conhecida como Escola Berlinense. A sua produção teórica, formada por economistas, perdurou até o início da Segunda Guerra Mundial; seus trabalhos refletem a busca de compreensão dos aspectos econômicos do turismo.

Em 1942, os pesquisadores suíços W. Hunziker e K. Krapf destacaram-se pela obra “Grundriss der Allgemeinen Fremdeverkhrslehre” (Fundamentos Gerais do Ensino de Turismo), que passou a ser considerada fundamental para o estudo científico do turismo. Estes estudiosos introduziram as primeiras idéias e os primeiros pensamentos sobre uma “ciência integral do turismo”.

16 “Die Bedeutung dês Fremdenverkehrs” (A importância do turismo), elaborada por Brougier em 1902 e “Der Fremdenverkehr” (o Turismo), elaborada por Stradner em 1905. 18 Nos Estados Unidos e em muitos países do mundo, somente nas décadas de 1960 e 1970 o estudo do turismo começou a aparecer de forma mais freqüente na bibliografia especializada, em áreas como Geografia, Economia, Administração, Sociologia e Antropologia, lembra Rejowski (1999). Em termos de pesquisas científicas, a situação brasileira pode ser retratada nas palavras de Beni (1998, p.97):

(...) observou-se até recentemente marcante ausência de pesquisas científicas e um quase menosprezado conhecimento teórico do fato e do fenômeno turístico, provocando improvisada ação no setor, com evidentes reflexos e conseqüências de minguada presença de sensibilidade do poder público, sobretudo das áreas responsáveis pelo desenvolvimento do Turismo, aliada a uma sensível indiferença para com a Universidade e as áreas de investigação. Esse quadro, porém, vem tendendo a se alterar profundamente em razão do processo de globalização econômico e cultural e do esforço de organizações européias de Turismo em neles (nos países em desenvolvimento) realizar congressos e seminários internacionais.

Na Geografia, essa temática também é recente e ganha importância a partir dos anos 70, quando o turismo de massa se consolida tanto nos países centrais do capitalismo quanto nos periféricos. Esses estudos são realizados sob a denominação de “Geografia do turismo”17, “Geografia turística” ou “Geografia da recreação”.

A “Geografia do Turismo” foi definida por Lozato (1990) como uma nova especialidade dentro da ciência geográfica que aborda cientificamente este fenômeno, retratando a dimensão sócio- espacial da prática desta atividade. Trata das relações entre o espaço e as atividades turísticas, considerando também os demais fatores que intervêm neste processo. Nesse mesmo contexto, Mirian Rejowski (1999, p.19), tendo por base as colocações de Pearce18 em relação ao assunto, escreveu:

(...) A geografia do turismo ocupa-se, essencialmente (mas não exclusivamente) da expressão espacial das relações e dos fenômenos derivados das viagens de curta duração, sendo seis os seus principais tópicos de estudo: padrões de distribuição espacial da oferta; padrões de distribuição espacial da demanda; geografia dos centros de férias; movimentos e fluxos turísticos; impacto do turismo; modelos de desenvolvimento do espaço turístico.

17 O tema “Geografia do turismo” foi introduzido na terminologia científica da atividade por Stradner, pesquisador alemão cuja obra “Der Fremdenverkehr” (O turismo), elaborada em 1905, constitui um dos primeiros estudos com enfoque geográfico na Alemanha.

19 Para Barros (19__), desenvolver um estudo nesta área de Geografia do turismo significa construir interpretações, levantar questões e revelar problemas, traçando perspectivas e cenários para o futuro, tendo em vista as relações e as transformações na paisagem que o desenvolvimento da atividade propicia. Este autor aborda a Geografia do turismo num sentido bastante operacional quando afirma que: Cabe à Geografia do Turismo estudar as relações entre os assentamentos turísticos e o meio ambiente; as formas, as dinâmicas e as diferenciações das paisagens que se criam pela difusão e desenvolvimento da função turística, assim como as representações que se fazem das paisagens turísticas. Além disso, pelo conhecimento disponível na Geografia acerca das regiões e dos lugares, em larga medida esta disciplina pode ser convocada a realizar inventários e identificar áreas ou pontos potenciais para a exploração turística, em frações da superfície terrestre por onde a função turística ainda não se difundiu. (19__, p.7)

Em termos de abordagens de estudo em turismo, Jafari19, citado por Mirian Rejowski (1999), propõe diferentes plataformas que, embora tenham surgido cronologicamente, ainda coexistem e se complementam atualmente. A primeira delas é denominada plataforma de defesa e teve início nas primeiras décadas do século XX. O turismo era visto apenas em seu aspecto positivo. O desenvolvimento dessa abordagem ocorreu após a Segunda Guerra Mundial, quando essa atividade emerge como uma alternativa de reconstrução de economias para muitos países. Mas, já no início dos anos 60, algumas pesquisas e observações de casos nos Estados Unidos e em outros países contestaram a abordagem anterior, passando a incorporar também as questões negativas do turismo, levando em consideração as suas influências econômicas ou não. A partir dos debates sobre os impactos positivos e negativos dessa atividade, chegou-se a uma nova abordagem definida por este autor como plataforma de adaptação, onde começou-se a argumentar que, tipos adaptados ou alternativos de turismo deveriam ter menos impactos do que outros. Conhecidas como turismo nativo, alternativo, rural, de pequena escala ou responsável, essas formas foram adquirindo espaço na conjuntura do turismo. A última plataforma, definida como plataforma de conhecimento científico, surgiu da conclusão de que as três primeiras eram insuficientes para explicar a totalidade deste fenômeno. Nas palavras de Rejowski (1999, p.41-

18 PEARCE, Douglas G. Tourist development. Nova York, Longman Scientific & Techinical, 1989. 19 JAFARI, Jafar. “research and scholarship – The basis of tourism education”. In: Congresso Internacional – Seminário Latinoamericano. Buenos Aires, AMFORT/CIET. Capacitacion turística – Su aporte a los sectores público y privado. Buenos Aires, 1989, pp.48-58. 20 42) “Considera-se que, do estudo do turismo como um todo, de suas funções, estruturas e relações podem resultar construções teóricas e aplicações práticas.”

Alguns estudiosos como Beni (1992, p.15-34) acreditam que a visão sistêmica seja a melhor alternativa para estudar o turismo em toda a sua complexidade, já que permite observar peculiaridades do todo e, ao mesmo tempo, propriedades específicas de suas partes. O turismo é tratado sob o ponto de vista de um sistema aberto, cujas estruturas e funções são dinâmicas. Este sistema está sujeito às influências do meio ambiente e ao mesmo tempo, afeta-o diretamente, num processo contínuo de relações dialéticas de conflito e colaboração.

Mirian Rejowski (1999, p.49), em tese de doutorado sobre turismo e pesquisa científica, buscou delinear um quadro metodológico geral dos estudos turísticos na atualidade, ao compreender o quanto seria importante estabelecer um referencial metodológico para estudos nessa área para o desenvolvimento de trabalhos interdisciplinares:

O pesquisador precisa saber da existência de outros recursos metodológicos além daqueles de sua área acadêmica específica, os quais podem se revelar mais adequados ao estudo e tratamento de determinado tema em turismo. Daí a necessidade de um quadro referencial metodológico da pesquisa em turismo, para o desenvolvimento de trabalhos interdisciplinares.

Através do trabalho desta turismóloga, nota-se que existe uma infinidade de procedimentos metodológicos que variam conforme a disciplina na qual o estudo se desenvolve. A maioria dos estudos elaborados nessa área é descritiva, carecendo de base teórica e conceitual. Existe, no entanto, uma tendência crescente no nível internacional para uma análise elaborada por meio de estudos comparativos; análise ainda incipiente para se determinar uma conclusão. Para essa mesma autora, a transdiciplinaridade20 seria o estado ideal para o desenvolvimento de estudos e pesquisa em uma área interdisciplinar como o turismo. No entanto, essa abordagem transdisciplinar ainda está muito distante de se verificar na prática.

20 A transdisciplinaridade envolve um grupo de especialistas do mais alto nível, trabalhando em conjunto, com elevado espírito de equipe interdisciplinar, sem impor suas próprias idéias. 21 Assim sendo, as análises mais conhecidas na área de turismo partem da visão econômica, destacando a capacidade desta atividade em produzir divisas. Faltam também estudos que considerem os aspectos geográficos, tendo em vista que o turismo é uma atividade respaldada nas relações sociais e que tem no espaço geográfico seu principal objeto de consumo, como lembrou Cruz (2001). Esta situação reflete o fato do turismo ser um fenômeno de estudo recente e de ser objeto de estudo de muitas ciências, envolvendo uma diversidade de aspectos. A maioria dos conceitos de turismo está ligada à metodologia funcionalista e estruturalista, mas é importante ressaltar que definir função e estrutura não totaliza a explicação deste fenômeno, por sua complexidade.

A Organização Mundial de Turismo (OMT) 21 (1963) adota uma conceituação simplificada, ao definir turismo como um conjunto de relações e serviços resultantes de mudança temporal e voluntária da residência, não motivados por negócios ou por razões profissionais. Diante das confusões de conceitos existentes, assim especifica:

• O tempo fora do domicílio deve ser superior a 24 h (ou seja, deverá haver pernoite) e no máximo de 90 dias. • As viagens devem ser realizadas sem interesses econômicos, sem execução de trabalho remunerado nos lugares visitados. • A finalidade das viagens deve ser de recreação, lazer.

É bom lembrar que esta definição simplificada, incapaz de englobar a magnitude desse fenômeno, é utilizada como padrão para o conceito de turismo nos vários países membros dessa organização mundial. Esta definição oficial desconsidera, aparentemente, a forma como o

21 A OMT, principal organização internacional no campo do turismo, é sediada em Madri, na Espanha. Objetiva promover e desenvolver o turismo, de modo a fomentar a paz, a compreensão entre os países, o desenvolvimento econômico e o comércio internacional. Esta organização nasceu da transformação de uma entidade não- governamental, regida pelo direito suíço (União Internacional dos Organismos Oficiais de Turismo), em organização intergovernamental. Seu Estatuto foi aprovado em 1974. A OMT é formada pelos “Estados-membros” (fundadores ou ingressados posteriormente) e pelos “membros filiados”, relacionados com o objetivo da organização (territórios não-autônomos, entidades internacionais, intergovernamentais ou não - governamentais, entidades e associações comerciais). In: SEITENFUS, Ricardo Antônio Silva. Manual das Organizações Internacionais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000. p. 187-188.

22 visitante se apropria do lugar visitado e as relações de troca que se estabelecem a partir da ocorrência deste fenômeno.

Desde os primeiros estudos elaborados sobre o assunto (já mencionados neste trabalho), vários autores procuraram conceituar turismo. Em 1911 Scharattenhofen22, citado por De la Torre (1997, p.14), propõe uma definição para este tema ligada à economia, quando afirma:

O turismo é um conceito que abrange todos os processos, especialmente os econômicos, que se manifestam na afluência, permanência e regresso do turista, dentro ou fora de um determinado município, estado ou país. (tradução nossa)

Na década de 40 alguns autores evoluíram a conceituação proposta pela escola berlinense. Dentre eles os pesquisadores suíços W. Hunziker e K. Krapf, lançando a conhecida definição universal, assim revelada nas palavras de Rejowski (1999, p.16):

(...) O turismo é o conjunto de relações e fenômenos resultantes do deslocamento e da permanência de pessoas em localidades diferentes daquelas nas quais residem ou trabalham, contanto que tais deslocamentos e permanências não sejam motivados por uma atividade lucrativa principal, permanente ou temporária.

Estes pesquisadores procuraram retratar a essência total do assunto através de uma definição holística, onde se reconhece que o turismo abarca muitos aspectos que se centralizam no principal: o turista.

Para a Organização dos Estados Americanos (OEA), o turista é considerado um migrante:

Turismo é um movimento migratório até o limite máximo de noventa dias, seja internacional ou nacional, sem propósito de nova permanência e sem exercício de uma atividade remunerada, com objetivo: prazer, comercial, industrial, cultural, artístico ou científico. (RABAHY, 1980, pág.11)

Fuster (1985, p.27) traz uma definição centrada nas circunstâncias que condicionam o turismo, admitindo suas vantagens e desvantagens, quando afirma que o turismo é “(...) um conjunto de organizações privadas ou públicas que surgem para fomentar a infra-estrutura e a expansão do

22 Herman Von Schullern zu S., Turismo y economía nacional, 1911. 23 núcleo, as campanhas de propaganda, com efeitos negativos ou positivos nas populações receptoras.” Considerando as abordagens propostas por Jafari, esse conceito poderia se enquadrar na plataforma de adaptação, que surgiu a partir dos anos 60 e que aborda os aspectos positivos e negativos dessa atividade.

Como observou De la Torre (1997), quando os interesses se voltam para o controle e a estatística, o turismo é tratado como simples movimento migratório. Para outros profissionais e instituições, o turismo pode ser visto como uma indústria, e os lugares turísticos são analisados como um produto sujeito à oferta e à demanda, dentro de um “mercado turístico”. Há ainda estudiosos que abordam o turismo num sentido mercantilista, definindo-o como uma mera sucessão de transações econômicas e comerciais. De la Torre (1997, p.16) traz uma compreensão mais abrangente deste fenômeno, que inclui não só os turistas como também as relações sociais, culturais e econômicas que decorrem deste movimento:

o turismo é um fenômeno social que consiste no deslocamento voluntário e temporário de indivíduos ou grupos de pessoas que fundamentalmente por motivos de recreação, descanso, cultura ou saúde, saem do seu local de residência habitual para outro, no qual não exercem nenhuma atividade lucrativa nem remunerada, gerando múltiplas inter relações de importância social, econômica e cultural.(tradução nossa)

Molina e Abitia (1991, p.9) atentam para a complexidade do fenômeno turístico, quando afirmam: O turismo é resultado de uma cultura universal, porém, também transcende das culturas locais nas quais se manifesta. Esta dualidade estrutural do turismo constitui o fundamento para qualquer planejamento que pretenda promover um autêntico processo de desenvolvimento, seja da atividade em si mesma, das empresas ou das comunidades locais que se relacionam de maneira direta ou indireta com esta atividade. O planejamento integral deve reconhecer esta complexidade do turismo, processá-la e instrumentalizá-la para promover mudanças que atuem como alavancas do desenvolvimento. (tradução nossa)

É bom lembrar que qualquer definição de conceito é sempre carregada de ideologia. De algum modo, exprime uma forma particular de se ver o mundo por parte do criador destes conceitos. Como demonstramos acima, as definições são, em geral, parciais, analisando o turismo com um enfoque limitado. Falta-lhes uma visão mais geográfica. Alguns elementos podem ser identificados nas mais diversas noções de turismo propostas: o objeto do turismo (o elemento

24 concreto que se traduz em equipamento receptivo e serviços para a satisfação das necessidades do turista), o sujeito do turismo (o homem: elemento subjetivo), a temporalidade (a viagem e a permanência por um determinado tempo), a permanência fora do domicílio (elemento bastante vinculado à viagem) e o ato de se deslocar (a viagem em si: elemento implícito na noção de turismo).

Mário Beni (1998) acredita que a variedade de conceitos existentes reflete, dentre outros aspectos, o fato do turismo estar ligado a quase todos os setores da atividade social humana. Estes conceitos são válidos, apesar de suas limitações. No campo da geografia, conceitos importantes como região, paisagem, lugar, cidade, função, fluxo etc estão no cerne da atividade turística. Deste modo, é importante conhecer a região, os lugares e as cidades, para ampliarmos as possibilidades de aproveitamento do potencial turístico, lembra Coriolano (1998). Nicolás (1996, p.49) reforça a importância de se conhecer a geografia dos lugares quando afirma:

(...) o turismo cria, transforma e inclusive valoriza diferencialmente espaços que poderiam não ter “valor” no contexto da lógica de produção: de repente uma área de pastagem pode se transformar em área de camping ou a casa semi-arruinada do avô falecido, em casa de hóspedes. Toda a questão do patrimônio “turistificado” pode ser analisada dentro dessa vertente. (tradução nossa)

Considerando as questões acima, este trabalho se propõe a contribuir para o conhecimento da região de estudo, procurando valorizar o potencial de lugares para o turismo sejam eles naturais ou adaptados, como no caso dos núcleos urbanos históricos de Mariana, Catas Altas e Santa Bárbara e do RPPN do Caraça. Os núcleos históricos são vistos aqui como uma possibilidade de diversificação da oferta turística e como possíveis irradiadores da cultura local, como veremos no capítulo 3.

1.2 Geografia e Turismo: paisagens e “lugares turísticos”

Para que a atividade turística se desenvolva é necessária a existência de áreas emissoras (de dispersão), áreas de deslocamento (acessos) e áreas receptoras (de atração). O ato de se deslocar e permanecer por determinado tempo em outro local desencadeia uma série de ações que resultam

25 na atividade turística. O desenvolvimento da atividade dá origem aos pólos turísticos, aqui entendidos como núcleos emissores e receptores de turistas. A concepção de pólo está presente nos planejamentos e políticas de desenvolvimento. De acordo com Coriolano (1998), esta concepção teve origem nos “pólos de crescimento e de desenvolvimento” de Perroux23, muito utilizado pela Geografia européia e, ainda atualmente, pela Geografia e pelo Turismo. Na Geografia, pólos são áreas emissoras de fluxos, sejam eles de serviços, de capital, de população, ou de mensagens, ou seja, são geradores de uma dinâmica espacial.

No contexto de um lugar turístico, a paisagem exerce um papel fundamental na sua constituição e no direcionamento de seus fluxos. De acordo com Yazigi (2001), existem duas tendências quando se aborda a questão da paisagem. Na primeira, a paisagem é tratada como um ponto de partida que, como testemunho, remete-nos à questão social e a sua dinâmica. Na segunda, ela é o objeto em si mesma, como esfera de interação entre vários fatores de transformação. Para alguns autores a paisagem é o domínio do visível, constituindo-se de linha, textura, escala, complexidade, cor, volume, sons e cheiro. Para outros como Yazigi (2001), a paisagem não existe em si mesma e, sim, em relação ao homem e a sua forma de percebê-la. Este mesmo autor atenta para a multiplicidade de formas e de tempos presentes na paisagem, a serem considerados no planejamento:

Geomorfologia, vegetação, sistema hidrográfico, arquitetura, publicidade e outras entidades paisagísticas possuem tempo e dinâmica próprios. Equivale entender que, na perspectiva do planejamento, cada item requer estratégia diferenciada para intervenção, com técnicas, tempos e políticas adequados. (2001, p. 34)

Fu Tuan (1980) afirma que no uso moderno, as palavras natureza, paisagem e cenário compartilham de um núcleo comum de significados. Paisagem e cenários são muitas vezes utilizadas por sinônimo: ambas implicam natureza. O conceito de natureza, no uso popular, foi perdendo as dimensões de altura e profundidade e ganhando qualidades menos pretensiosas como “beleza natural”. Nesse sentido contemporâneo, natureza evoca imagens semelhantes às de campo, paisagem e cenário. Ainda de acordo com esse autor, a palavra paisagem perdeu seu significado inicial, quando se referia ao mundo real, absorvendo outro, ligado ao mundo da arte

23 PERROUX, François. Consideraciones en torno a la noción de polo de crecimiento. Cuadernos de la Sociedad Venezolana de Planificación. Madri, julho 1963, vol. 2. 26 ou do faz-de-conta. Paisagem passou a significar panorama, pano de fundo, cenário, representação artística.

Para Bertrand (1988, p. 462), a paisagem é “uma porção do espaço que resulta da combinação dinâmica, portanto instável, de elementos físicos, biológicos, antrópicos, que reagem dialeticamente uns sobre os outros, fazendo um conjunto único e indissociável em perpétua evolução.”

Como observou Coriolano (1998, p.116), o turismo necessita desses dois conceitos de paisagem:

Para o turista, a paisagem é o cenário. (...) Mas para o planejamento da atividade turística, a paisagem deve ser tomada no sentido de Bertrand, ou seja, o ambiente com todos os seus processos implicando a necessidade de conservação e adequação de usos.

Posteriormente, Carlos Augusto de Figueiredo Monteiro, citado por Yazigi (2001, p.35), traz uma conceituação interessante, condizente com o espírito deste estudo:

A paisagem é uma entidade delimitada segundo um nível de resolução do pesquisador, a partir dos objetivos centrais de análise, de qualquer modo sempre resultando da integração dinâmica, portanto instável, dos elementos de suporte, forma e cobertura (físicos, biológicos e antrópicos) e que expressa em partes delimitáveis mas individualizadas, através das relações entre elas que organizam um todo complexo (sistema). Um verdadeiro conjunto solidário e único em perpétua evolução.

Os fatores geográficos exercem um papel fundamental e às vezes determinante na atração de um lugar turístico. O espaço é matéria-prima, objeto de consumo. Mas o que define então um lugar, uma paisagem ou um atrativo como turísticos? Define-se por “lugar turístico” um local já apropriado pela prática social desta atividade, ou um local de grande potencial para o seu desenvolvimento. Não há turismo sem lugares. O lugar não só serve de suporte como também de base conceitual para a compreensão deste fenômeno. O lugar possui materialidade, concretude, e é nele que se viabilizam as possibilidades do turismo. Como observou Carlos (1996, p. 26), “uma vez que cada sujeito se situa num espaço, o lugar permite pensar o viver, o habitar, o trabalho, o lazer enquanto situações vividas, revelando, no nível do cotidiano os conflitos modernos.” Para essa mesma autora (1999, p.28),

27 O lugar é produto das relações humanas, entre homem e natureza, tecido por relações sociais que se realizam no plano do vivido, o que garante a construção de uma rede de significados e sentidos que são tecidos pela história e cultura civilizadora produzindo a identidade. Aí o homem se reconhece porque aí vive. O sujeito pertence ao lugar como este a ele, pois a produção do lugar se liga indissociavelmente à produção da vida.

A paisagem possui atributos simbólicos e a ação humana constitui-se num grande marco através das adaptações que efetua no espaço, visando o atendimento de suas necessidades. Para Yazigi (2001), a paisagem só existe em relação ao homem e a sua forma de concebê-la. Essas adaptações, muitas vezes, deixam cicatrizes eternas. Na área de estudo, ao observarmos as irregularidades das montanhas e serras, o traçado dos núcleos históricos com suas igrejas pontuando a paisagem em pontos elevados, a textura dos campos, do cerrado e das matas, e as cores desses ambientes, estamos estabelecendo uma apreciação estética da paisagem. É fato que nestes núcleos históricos nota-se a multiplicidade de formas e de tempos que nem sempre convivem em harmonia. A degradação do patrimônio revela um tempo em que este foi desprezado para dar lugar às novas adaptações, dentro de padrões da modernidade, num total descaso com as referências simbólicas do passado. Uma atitude que não cabe atualmente, principalmente se considerarmos a possibilidade de transformação destes núcleos em pólos turísticos.

As paisagens, quando voltadas para o turismo, constituem as paisagens turísticas que são, antes de tudo, uma criação cultural, como afirma Luchiari (1998), não existindo a priori como um dado na natureza. Nesse mesmo contexto, Cruz (2001) ressalta que as paisagens mais valorizadas atualmente pelo turismo nem sempre o foram no passado e, possivelmente, não serão as mesmas no futuro. O que é atrativo para um determinado grupo pode não ser para outro, num dado momento histórico.

No eixo Mariana - Santa Bárbara, a presença de vários lugares turísticos e de núcleos urbanos históricos, dentre eles a RPPN do Caraça, é responsável por um fluxo (ainda incipiente) de turistas internacionais, regionais e nacionais. Entende-se que o primeiro passo para o enriquecimento da atividade turística da região de estudo é a valorização de sua memória e de sua cultura local. Compreende-se também que estes “lugares” têm como principal elemento o turista, e não podem ser pensados em si mesmos fora do seu contexto cultural. Como observou Gallero 28 (1996), sem o turista é impossível conceber o turismo, já que este fenômeno se sustenta na diversidade dos lugares, das culturas ou das expressões da vida humana. Não é possível conceber o turista sem um objetivo de encontro com ambientes e modos de viver diferentes do seu cotidiano.

O ato de se deslocar geograficamente implica em travar contato com culturas diferenciadas. O turismo é um fenômeno cultural complexo, na medida em que promove a interação entre uma diversidade de experiências, línguas e culturas. Sabemos que a natureza e os recursos naturais interferem na formação cultural de um povo ― na construção de sua simbologia, do seu imaginário e de seus valores. Em Minas, as montanhas, os rios e as matas são também atributos simbólicos, elementos presentes no imaginário do seu povo, que se refletem no jeito mineiro de ser e de ver o mundo que o cerca.

O turismo, ao interferir na paisagem, o faz também na cultura local. Os choques e os conflitos são inevitáveis, mas devem ser vistos não somente no seu aspecto negativo, como também no inovador, já que as culturas são dinâmicas. É nesse espírito que este trabalho se enquadra, colocando a cultura local como o cerne do produto turístico e valorizando as trocas estabelecidas entre as comunidades e os visitantes; parte do pressuposto de o que o estilo de vida, os usos, os costumes, o folclore e a arte local devem ser valorizados e transmitidos aos visitantes, podendo inclusive ser transformados. Por outro lado, espera-se que as exigências que surgem dessa relação possam enriquecer a oferta turística, ou seja, os elementos que somados conformam o produto turístico.

Os atrativos turísticos, como os lugares e as paisagens turísticas, são produtos culturais. Deste modo, atrativo hoje pode não ser futuramente, já que a cultura varia no tempo e no espaço. Barros (19__, p.17) retrata bem esta questão quando afirma:

Paisagens antes pouco lembradas, ou vistas pontualmente como simples fontes de matérias primas minerais ou vegetais, recebem novos significados e valorizações pelos negócios turísticos ou pela cultura ambiental e de pesquisa. É o que acontece com ecossistemas como as florestas tropicais, as savanas e caatingas, as montanhas...

29 No caso do eixo turístico em estudo, núcleos urbanos e seus arredores, antes valorizados pela mineração, agora começam a ser valorizados como locais propícios ao descanso e lazer. A montanha é, atualmente, associada a diversos aspectos, dentre eles, ao contato com a natureza e com o ar puro, ao turismo e lazer com tranqüilidade, à prática de esportes, de ecoturismo, a local de descanso e introspecção.

O turismo vem sofrendo transformações relacionadas às mudanças do mundo contemporâneo, verificadas a partir do fim do século XX e início do século XXI. No contexto dessas transformações tem-se, de um lado, a revolução tecnológico-científica e, de outro, a crise ambiental, de acordo com Becker (1999). Esta nova fase revela a passagem para um novo modo de produção, calcado em novas tecnologias e na inovação contínua de produtos e processos. Nessa passagem, a velocidade é um elemento importante e pode atingir os territórios em todas as escalas geográficas.

Outro elemento importante no contexto desse novo modo de produção (relacionado também à crise ambiental) é a mudança de significado da natureza, que passou a ser vista como reserva de valores; de capital. É o caso da biodiversidade (fonte para a ciência e tecnologia) e da valorização da natureza pelo turismo como produto a ser consumido para viabilizar essa atividade. No caso específico do turismo, essa valorização da natureza gera um novo mercado, ainda em fase de expansão: o ecoturismo. Esta nova modalidade de turismo volta-se às pessoas que desejam um retorno à natureza e que não se submetem ao marketing ou ao turismo de massa. O crescimento do ecoturismo se explica pelo aumento da importância dos valores ligados às questões ambientais, verificadas a partir de 1970, e pelo fato deste produto ser relativamente novo no mercado, lembra Cruz (2001).

Verifica-se também que a principal atração turística de um lugar vem sendo, cada vez mais, a qualidade de vida de sua população, afirma (Coriolano, 1998). A infra-estrutura por si só não é suficiente: as condições ambientais, políticas, sociais e culturais de seus habitantes são fundamentais para um turismo de qualidade. Portanto, planejar o turismo de modo a melhorar a qualidade de vida da população, manter a memória coletiva ou individual e a preservar a identidade cultural destes lugares torna-se um grande desafio para os profissionais envolvidos.

30 Compreende-se que a atividade turística bem planejada, ao transformar o ambiente (natural ou adaptado pelo homem), pode contribuir para a produção de “lugares”, espaços dotados de significados, intimamente ligados ao contexto cultural onde se inserem. O turismo possibilita também a valorização e recuperação de áreas degradadas, incorporando-as como “lugares turísticos”. No entanto, vale ressaltar que projetos arquitetônicos e planejamentos urbanos e turísticos podem resultar em ambientes que, às vezes, afetam de modo imprevisível as respostas de moradores e usuários, como lembra Amorim (1996). Podem gerar uma reação de “topofobia”: sentimento de isolamento, instabilidade emocional e ausência de familiaridade. Por outro lado, podem provocar um sentimento de afeição e de familiaridade pelo lugar, lembra este mesmo autor. Portanto, o ambiente suscita respostas positivas ou negativas, fato que interfere na conduta e no desempenho cotidiano.

No caso do nosso objeto de estudo, além de algumas interferências negativas na paisagem dos núcleos urbanos, verificadas através das adaptações humanas ao ambiente, encontram-se áreas desativadas de mineração em estado degradado. Caso a inserção do turismo desconsidere a cultura local, esta atividade promoverá a descaracterização da paisagem, produzindo verdadeiros “não-lugares” ― espaços desprovidos de qualidade e desvinculados da cultura local, de acordo com Carlos (1999). Estes “não-lugares” se constituem numa espécie de clonagem. São espaços icônicos, sem identidade própria, existindo somente na aparência. Por outro lado, o desenvolvimento do turismo nesta região poderá viabilizar a revitalização de lugares, transformando-os em atrativos turísticos, e poderá atuar, também, como importante mediador na recuperação de áreas degradadas.

1.3 O Turismo e a (re)organização dos territórios: as dificuldades de se avaliar o espaço turístico

De acordo com Rodrigues (1997), o espaço turístico tem como elementos básicos a oferta turística, a demanda, os serviços turísticos, a infra-estrutura básica, os transportes, o poder de decisão e de informação e o sistema de promoção e de comercialização.

31 A oferta turística constitui-se num conjunto de elementos que juntos conformam o produto turístico. São eles os atrativos e os serviços turísticos (serviços públicos e de infra-estrutura básica). Os atrativos estão ligados às motivações de viagem dos turistas e a avaliação que estes fazem de seus elementos. De acordo com a metodologia de hierarquização desenvolvida pelo Instituto Brasileiro de Turismo (EMBRATUR), os atrativos são divididos em naturais e culturais, possuindo características relevantes como, por exemplo, a localização, o meio de acesso, o tempo necessário para conhecê-los e os equipamentos e serviços disponíveis no local24. No eixo turístico Mariana - Santa Bárbara, existem estudos de avaliação dos atrativos de todos os municípios envolvidos elaborados dentro dessa metodologia da EMBRATUR por alunos do curso de Turismo do Centro Universitário Newton Paiva. Estes relatórios são atualizados a cada ano pelo seu Centro de Documentação e Informação Turística (CEDITUR). O Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas de Minas Gerais (SEBRAE-MG) vem desenvolvendo estudos de oferta turística, em parceria com o Unicentro Newton Paiva (através do CEDITUR) em vários municípios mineiros, dentre eles Mariana e Catas Altas. As categorias escolhidas para o desenvolvimento destes estudos foram os restaurantes, os meios de hospedagem, as agências de viagem e turismo e as empresas de transporte. Estes relatórios têm seu mérito, no sentido de disponibilizarem um banco de dados para o setor turístico, tão escasso não só em Minas Gerais, como em todo o Brasil.

Estes estudos abrangem, dentre outras questões, pesquisas que contabilizam o número de turistas formais, traçando o seu perfil (faixa etária, estado civil, motivação etc.). No entanto, nem todos os dados gerados condizem com a realidade. Considere neste caso os turistas que visitam o lugar e fazem uso de hospedagem informal. Estes não são considerados no quesito acima. Em Catas Altas, por exemplo, vários moradores disponibilizam suas residências para receber o forasteiro. Acessando-se o site www.descubraminas.com.br, visualiza-se uma lista de endereços residenciais à disposição do turista.

Outra questão a ser apontada sobre estes estudos refere-se à avaliação do potencial turístico dos lugares analisados. Neste quesito, a demanda turística é dimensionada através da percepção dos

24 Mais detalhes sobre essa metodologia da EMBRATUR podem ser encontrados em BENI, Mario Carlos. Análise Estrutural do Turismo. 32 empresários (no caso, os donos de restaurantes, de pousadas e hotéis), por isso deixam a desejar nesse sentido. Seria interessante que se trabalhasse também com a percepção dos moradores e do poder público local, para que se traçasse um perfil mais concreto não só da oferta, como também da demanda.

A demanda turística segmenta-se em demanda efetiva e demanda potencial. A primeira se refere à que já utiliza um determinado produto turístico. A segunda é aquela que tem condições para consumir um determinado produto turístico mas não o faz por alguma razão. Na região em estudo a demanda efetiva para hotelaria, por exemplo, ainda é pequena, tendo em vista o fato dessa atividade estar em fase incipiente de desenvolvimento. Considerando os atrativos existentes, existe uma demanda potencial enorme. Faltam, sim, uma política turística mais eficaz e uma maior divulgação dos produtos turísticos da região.

A mensuração da demanda turística é um processo difícil, reflexo da complexidade própria do produto turístico, como observou Ignarra (1999). Um desses processos de mensuração é contabilizar o número de visitantes nos portões de entrada das destinações turísticas: aeroportos, rodoviárias, estações ferroviárias e rodovias de acesso. Mas isso funciona em caso de termos um único portão de entrada. Outro processo bastante utilizado é o que contabiliza visitantes nos meios de hospedagem. Metodologia que possui problemas, como já vimos anteriormente.

Os serviços turísticos são fundamentais para que o turista possa desfrutar dos atrativos, lembra Ignarra (1999). Dele fazem parte os meios de hospedagem, os serviços de alimentação e agenciamento turísticos, os transportes turísticos, a alocação de veículos e embarcações, as empresas organizadoras de eventos, os espaços de eventos, os serviços de entretenimento e de informações turísticas. Como veremos no capítulo 3, em linhas gerais a área de estudo carece muito desses serviços turísticos, principalmente se considerarmos o percurso em si.

Os serviços urbanos de apoio ao turismo são aqueles que atendem à população residente de um destino turístico e que podem ser utilizados também por turistas. Neles se enquadram os serviços bancários, de saúde, transporte, de segurança, de comércio de conveniência, dentre outros. Na área de estudo, Mariana e Santa Bárbara são dotadas de serviços urbanos de apoio ao turismo

33 mais desenvolvidos do que Catas Altas. Essa última localidade, recém emancipada, utiliza os serviços de apoio básicos de Santa Bárbara, pela proximidade e por serem mais evoluídos. Santa Bárbara funciona como um centro comercial que atende a cidades próximas.

A infra-estrutura básica abrange vias de acesso, saneamento básico, rede de energia elétrica, comunicações, sinalização turística, iluminação pública etc. Enfim, envolve elementos essenciais à qualidade de vida da população residente, beneficiando também os empreendimentos turísticos.

O espaço turístico não pode ser definido por fronteiras totalmente fechadas, tendo em vista que ao menos um dos seus elementos básicos, a demanda, é exterior. A grande dificuldade em se definir este espaço está em captar o peso ou a força que esta atividade exerce na produção do espaço geográfico. Atualmente, existem núcleos concebidos artificialmente e que ignoram completamente o contexto do lugar onde se inserem (Rodrigues, 1997). Estes núcleos constituem uma espécie de turismo sem território e não contribuem para o desenvolvimento local. Os resorts, modelos de alojamentos produzidos pelo turismo global, são iguais em todo o mundo. Geralmente, buscam-se áreas exóticas ou autenticamente naturais para as suas construções. Nestes alojamentos as pessoas desfrutam de ambientes familiares onde até a alimentação é padronizada.

O turismo introduz no espaço elementos voltados ao desenvolvimento de sua atividade. Mas a sua prática social apropria-se de objetos já existentes conferindo-lhes novos significados, e incorpora novos espaços, abandonando parcial ou totalmente outros. Ao se apropriar destes espaços, sejam eles rurais, naturais ou urbanos, o turismo impõe a sua lógica de uso. Promove a reorganização destes locais e gera diferentes fluxos, dentre eles os de capital, de informação e de pessoas (Cruz, 2001). Os equipamentos e a infra-estrutura, fundamentais à atividade turística, não são exclusivos desta. Daí a dificuldade de se distinguir as transformações sócio-espaciais decorrentes especificamente do turismo daquelas decorrentes de outras práticas sociais. É importante notar que as lógicas que movem a apropriação desses espaços pelos residentes e pelos turistas são diferentes. Conseqüentemente, existem conflitos nos lugares apropriados pelo turismo. A complexidade do planejamento reside na busca de conciliação de interesses de uma população que busca o prazer num lugar onde outras pessoas vivem e trabalham, lembra

34 Rodrigues (1996). Três porções do espaço geográfico sofrem transformações diretas do turismo: os pólos emissores, os espaços de deslocamento de fluxos e os núcleos receptores de turistas. Os agentes responsáveis pela transformação do território para fins turísticos são o turista, o mercado e os planejadores e promotores territoriais (Cruz, 2001). Atualmente, o mercado tem como principal agente a iniciativa privada, podendo fomentar o turismo onde jamais existiria25.

A maior parte dos fluxos turísticos mundiais está ligada ao turismo de massa e envolve as cidades, explorando suas potencialidades. Os núcleos urbanos são importantes enquanto pólos emissores e receptores de turistas. Dotados de infra-estrutura, constituem-se em locais privilegiados de decisões e de planejamento. Nos últimos anos, com o crescimento do turismo de massa e das indústrias ligadas ao lazer, as cidades têm sua importância econômica reforçada por serem centros de compras, de cultura e de turismo. Mas sua valorização ultrapassa o âmbito econômico, envolvendo outros aspectos, dentre eles a centralidade no que se refere às redes de transporte, a proeminência dos núcleos urbanos no espaço cognitivo e as questões culturais. Para Cruz (2001), as cidades são lugares importantes para as pessoas enquanto obras de arte das sociedades humanas.

Em cidades históricas, como é o caso dos núcleos urbanos presentes neste estudo, o acervo histórico – arquitetônico pode representar uma diversificação da oferta turística. O turismo tende a exercer um papel muito importante na proteção deste patrimônio, constituindo-se assim numa das alternativas viáveis para núcleos urbanos preservados. Pode promover, inclusive, a revitalização deste acervo e maior valorização por parte de moradores e turistas, lembra Cruz (2001). Essa valorização do patrimônio já se verifica em Catas Altas e Mariana, cidades que, apesar de explorarem mal suas potencialidades, se encontram mais engajadas na questão do desenvolvimento turístico quando comparadas a Santa Bárbara. Diversas ações envolvendo parcerias entre o poder público, a iniciativa privada e a população comprovam esta afirmação, como veremos adiante, no capítulo 3. No que tange ao patrimônio, Yazigi (2001, p.165) observa a importância de se enfatizar a questão da sua destruição como fator negativo para as

25 Os Centers parks europeus retratam bem esse tipo de “turismo sem território”  uma das novas modalidades do turismo global. São espaços icônicos, sem identidade com o lugar onde se insere.

35 comunidades, entendendo-o não só por produções do passado, mas também pelo que hoje se faz de melhor e que poderá ser consagrado como tal para gerações presentes e futuras. Ele afirma:

Nossa história foi tal que, de fato, bem pouco sobrou como expressões da cultura arquitetônica e urbanística. E hoje, pelo menos, não é pelo passado consumado que se pode iniciar a reconstrução de identidades. Os fatos pululam. Acordar para o turismo requer um fino trabalho de reconstrução e é por isto que vejo,nesta atividade, um belo pretexto de melhoria do próprio cotidiano. Só por isto o turismo já se justifica: como instrumento positivo da construção da cidadania e como seu direito ao entorno- marca registrada do final do segundo milênio.

O impacto do turismo sobre os ambientes urbanos está intimamente ligado a três questões básicas identificadas por Cruz (2001):

• Implantação de infra-estrutura para viabilizar o desenvolvimento da atividade; • Apropriação de estruturas existentes; e • Fluxo de pessoas, gerado pelo turismo.

No eixo em estudo, o turismo ainda não provoca grandes impactos nos ambientes urbanos e tampouco oferece maiores conflitos, já que essa atividade está em fase de implementação. Sabe- se da importância da preservação desses núcleos históricos para o desenvolvimento turístico local, mas não em lidar com essa informação para transformá-la em uma realidade. A população possui dificuldades de interpretar o patrimônio histórico-arquitetônico e de compreender os riscos e oportunidades reais do turismo.

Torna-se necessário esclarecer que o fato do turismo provocar transformações nos lugares não é, a princípio, bom ou ruim. É importante que haja um planejamento estratégico para que o desenvolvimento dessa atividade se verifique de modo positivo, considerando questões econômicas, ambientais e sócio-culturais. Uma infra-estrutura mal planejada ou projetos inadequados aos lugares  em cidades ou em áreas naturais  levam a impactos ambientais negativos, comprometendo a qualidade da paisagem. No contexto do turismo, o processo de planejamento deve ser integrado e contextualizado. Neste sentido, a participação dos próprios moradores é muito importante e, como observaram Molina e Abtia (1999, p. 11-12):

36 Seguramente se pode afirmar que o planejamento continua sendo e será a estratégia e um instrumento valioso na orientação do sistema turístico... O que efetivamente está mudando é o modo de planejar, de modo que o planejamento centralizado tem dado lugar a um planejamento mais participativo, que reconhece as capacidades e interesses locais e regionais e as realidades dos grupos humanos e econômicos que atuam em suas respectivas áreas. (tradução nossa)

O planejamento estratégico voltado para o turismo compreende várias etapas que vão do diagnóstico, prognóstico, estabelecimento de objetivos e de metas, à definição dos meios de se atingir objetivos, implantação e revisão. Primeiramente, examina-se a demanda existente, a oferta de atrativos, de serviços urbanos de apoio ao turismo e de infra-estrutura básica. Esse exame pode ser feito em termos de capacidade de carga, definida por Ignara (1999) como volume de turista que uma localidade é capaz de suportar sem que haja impactos negativos irreversíveis. Nessa fase de diagnóstico deve-se avaliar a qualidade de seus componentes, mensurando suas potencialidades em termos de atração turística. Por outro lado, é importante analisarmos a demanda existente para os produtos que a destinação pode oferecer. De acordo com Ignarra (1999), ainda faz parte dessa primeira etapa a análise quantitativa e qualitativa dos recursos humanos disponíveis para o turismo.

Num segundo momento, passa-se à fase do prognóstico, que compreende a elaboração de cenários futuros. Uma opção é a elaboração de projeções de crescimento da demanda quando do incremento da oferta turística. Qual será a situação do turismo em uma localidade onde haja um conjunto de leis que regule seu crescimento, controlando-o? Pode-se escolher a hipótese que melhor se encaixe aos objetivos locais. Ao se definir o cenário, estabelece-se os objetivos a serem alcançados. Ao se estipular um prazo para que os mesmos sejam alcançados, determinam-se as metas.

O próximo passo no planejamento é definir os meios de se alcançar os objetivos. Em outras palavras, estabelecer estratégias ou diretrizes que deverão ser gerenciadas no curto, médio e longo prazos. A etapa de implantação envolve a presença de um órgão centralizador capaz de coordenar as diversas ações. A última fase consiste na avaliação de seus resultados. Etapa importantíssima, já que permite estabelecer correções no plano, visando atingir os objetivos determinados. Para Ignarra (1999), o planejamento deve ser uma ação permanente de projetar,

37 implantar, medir, (re) projetar, reimplantar, medir novamente. Em outras palavras, todas essas etapas se relacionam de forma dialética e dinâmica.

Percebe-se hoje que a proteção do ambiente e o sucesso da atividade turística caminham juntos. O turismo deve ser planejado e gerido de modo a aumentar a qualidade de vida dos residentes e a proteger os ambientes locais, nos seus aspectos naturais e culturais; deve estar inserido no contexto do turismo regional, nacional e até internacional, através de políticas, planos e programas de desenvolvimento. Mas é preciso compreender que se de um lado o turismo internacional gera a entrada de divisas estrangeiras e outros benefícios, de outro, decisões tomadas por companhias e associações ligadas ao turismo internacional podem afetar as comunidades locais. Daí a importância de se planejar e gerir esta atividade dentro dos conceitos de sustentabilidade ecológica, sócio-cultural e econômica. Isso nos remete à questão do “Desenvolvimento Sustentável”, um processo que visa o desenvolvimento sem degradação ou esgotamento dos recursos, permitindo a sua utilização pelas gerações futuras.

A sustentabilidade turística tem sido muito questionada, talvez pelo fato desta atividade ser conduzida, geralmente, dentro dos moldes da globalização, desconsiderando questões relacionadas ao meio ambiente. A prática deste turismo “insustentável” tem provocando grandes impactos sócio-econômicos e ambientais nas comunidades receptoras. Considerar o turismo como atividade não geradora de impactos seria ingenuidade. Por outro lado, existe uma tendência, atualmente, de se buscar a sustentabilidade em seus diversos aspectos (pelo menos em discurso) que viabilize o desenvolvimento do turismo com bases locais, num resgate ao sentido de “lugar”. Reação ao desenvolvimento do turismo tradicional ou mero discurso ideológico?

De acordo com a Organização Mundial de Turismo (OMT), o turismo sustentável tem como aspectos vitais a sustentabilidade ambiental, social, cultural e econômica. A sustentabilidade do ambiente permite um desenvolvimento compatível com a manutenção dos processos ecológicos essenciais, bem como da diversidade e dos recursos biológicos. A sustentabilidade social e cultural assegura a compatibilidade entre o desenvolvimento e a cultura, a manutenção dos valores morais do povo que por ele é afetado, mantendo e fortalecendo a identidade da comunidade. A sustentabilidade econômica assegura a eficácia econômica no processo de

38 desenvolvimento. Os recursos são geridos de modo que possam suportar futuras gerações. Diretamente ligado ao conceito de turismo sustentável, encontra-se o de capacidade de carga turística que, de acordo com Ruschmann (2000) é o número máximo de visitantes que uma área é capaz de suportar sem que ocorram grandes impactos no meio físico e sócio-cultural, que poderiam levar a uma situação de conflito e de entraves ao desenvolvimento de um turismo de qualidade. A questão que se coloca é como mensurar essa capacidade de carga. A tarefa é difícil já que não existe um padrão fixo para sua determinação. O Brasil carece de uma metodologia própria e de maior definição de critérios neste aspecto.

Para o desenvolvimento de um turismo de qualidade, mais próximo da tão sonhada sustentabilidade, o poder público exerce um papel fundamental nas questões de planejamento e gestão, devendo apoiar-se no compromisso de fazer da sua prática uma possibilidade de melhoria da qualidade de vida dos cidadãos. Nesse processo, torna-se necessário incentivar a participação da população e estabelecer parcerias com a iniciativa privada, buscando viabilizar alternativas de um desenvolvimento ambientalmente correto e apoiado na conservação das bases naturais e culturais locais. O turismo sob este enfoque tende a proporcionar diversos benefícios como novos negócios e empregos, novas tecnologias, melhorias nos padrões de utilização de áreas, e maior consciência na proteção ambiental e cultural. A comunidade precisa oferecer aos visitantes não só instalações e serviços, mas desenvolvimento de atrações e de interação cultural (ver tabela 1, p.40).

Um aspecto importante, resgatado por Ignarra (1999), é o bom atendimento ao turista, podendo ser considerado um dos principais fatores de avaliação do produto turístico. Em outras palavras, a capacitação dos recursos humanos é fundamental e a sua incapacidade explica o fato de algumas localidades com enorme potencial turístico não conseguirem se aprimorar. Nas palavras de Ignarra (1999, p.59): O turismo depende de uma infinidade de serviços especializados, que por sua vez dependem de uma infinidade de profissionais com as mais variadas especializações. Assim, para o desenvolvimento do turismo são necessários guias, recepcionistas, atendentes, camareiras, garçons, cozinheiros, maitres, operadores de equipamentos audiovisuais, organizadores de eventos, montadores de feiras, operadores de equipamentos de recreação, recreacionistas, motoristas, etc. Estes são apenas alguns exemplos das especializações profissionais necessárias para o desenvolvimento turístico.

39 TABELA 1 O Papel do Poder Público e da Comunidade no Planejamento Turístico

O GOVERNO PODE: Estabelecer políticas, promover a conservação definir áreas e padrões de incentivos da natureza e a preservação localidades da cultura local protegidas

Visitantes TURISMO Experiências Culturais Moedas SUSTENTÁVEL Recreativas e Educativas Estrangeiras Maior satisfação do Usuário Produtos mais diversificados

O turismo pode beneficiar a A comunidade pode comunidade com: providenciar: Intercâmbio cultural Intercâmbio cultural Ingresso de renda Serviços para visitantes Transferência de tecnologia Produtos locais Educação ambiental Melhor utilização de terrenos Melhor infra-estrutura Geração de empregos Desenvolvimento de novos investimentos na localidade

FONTE: OMT. Desenvolvimento Sustentável: Manual para Organizadores Locais

O turismo é um dos fenômenos mais relevantes do mundo contemporâneo e precisa ser entendido no contexto do processo de globalização. A globalização é um fenômeno mundial da atualidade e assenta-se sob o domínio da informação e da tecnologia. Não se pretende aqui discorrer sobre este processo, pois fugiríamos ao escopo deste trabalho. Mas não se pode deixar de mencionar que os efeitos da globalização promoveram um maior dinamismo nas atividades econômicas locais. Essas comunidades passaram a intervir em seu próprio crescimento e a lutar por melhor distribuição de renda e riqueza. Tais fatos refletem uma reação a este fenômeno, que muitas vezes ignora aspectos da cultura local, uniformizando usos, produtos de consumo, modas, tecnologias e

40 aspirações de setores importantes da sociedade. Logo, torna-se importante manter identidades específicas que garantam às pessoas a referência de lugar, na visão de Coriolano (1998).

Outra questão ligada a este assunto é que, em muitos lugares, o fluxo de pessoas em função da atração por trabalho e das facilidades de transporte faz com que estes locais não pertençam mais exclusivamente àqueles que, de geração em geração, mantiveram-se fiéis a seu espaço. Este processo deve ser visto não só no contexto do desenvolvimento turístico26, mas sobretudo, como um reflexo do mundo globalizado. Yazigi (2001, p.16) retrata este fenômeno da nomadização dos homens que buscam trabalho fora de seu lugar de origem: “(...) são muitas as pessoas que passam a integrar o lugar, trazendo suas culturas de origem, se é que ainda as têm diferenciadas”. Este mesmo autor ressalta que, num mundo globalizado, praticamente não existem comunidades isoladas na terra. A personalidade (conjunto de traços identitários) dos lugares encena múltiplas identidades dos movimentos de migrantes, fluxo de objetos e informações. Deste modo, a personalidade de um determinado local passa a pertencer não só aos “primitivos” habitantes, como também aos forasteiros agregados. É o caso de muitos lugares ao longo do litoral brasileiro, que foram “invadidos” por trabalhadores de diversas regiões do Brasil e por pessoas em busca de descanso ou de lazer. As cidades mineiras do ciclo do ouro também comprovam esta tendência. Após a estagnação de seus núcleos urbanos, passaram por uma nova fase: a extração do ferro. Em Mariana, a identidade de seu núcleo histórico pouco diz aos novos moradores que ali vivem. De acordo com Fonseca (1995), que elaborou uma interessante dissertação de mestrado onde estudou a gênese e a transformação da paisagem cultural de Mariana, grande parte da população atual deste município é proveniente de outros lugares. Trata- se de pessoas que vieram em busca de trabalho, com a chegada da SAMARCO, em 1977, e com o início das instalações da Companhia Vale do Rio Doce (CVRD) em 1979, como será visto mais detalhadamente no capítulo 2. Verificou-se, naquele momento, um considerável crescimento demográfico, estritamente urbano e decorrente de fluxos populacionais vindos de outros municípios. Funcionários das mineradoras e seus familiares, e sobretudo, um grande número de pessoas que migraram na esperança de obterem trabalho, além de uma mão-de-obra pouco especializada que, após a finalização de seu trabalho na instalação das empresas, acabou

26 O turismo gera um fluxo intenso de pessoas em busca de trabalho, muitas vezes temporário. Estas pessoas não têm uma forte ligação com aquele lugar e nem sempre se apropriam deste espaço. 41 permanecendo na cidade. Estas pessoas não possuem vínculos com a tradição do lugar e, além disso, apresentam um baixo nível sócio-cultural, tendo mais dificuldade em perceber o valor dos espaços históricos. Estas pessoas são influenciadas facilmente pelos valores da modernidade, tão divulgados pela mídia e defendidos pelos poderes políticos locais, lembra Fonseca (1995). Pensando o turismo como fenômeno de expansão, além do forasteiro que buscará este local para lazer e descanso, haverá a presença de trabalhadores fixos e temporários, voltados à prestação de serviços turísticos. Diante disso, como tratar a questão do multiculturalismo? Que referenciais responderiam melhor a identificação? Sabe-se que a ausência da identidade paisagística empobrece a comunidade. Compreende-se também que é incômodo viver sem referencial.

Para Yazigi (2001), o que não se pode permitir é a produção de uma cultura material niveladora de lugares, com a repetição da mesma situação em diversos pontos. As preocupações devem centralizar-se, primordialmente, em quem vive no lugar e, em seguida no turismo. Trata-se de uma força que já não podemos mais ignorar na construção de lugares. A identidade, ainda que colocada de outra forma, atualmente, continua fundamental, mas cabe lembrar, nas palavras de Yazigi (2001, p.19), que:

(...) a reconstrução do lugar entra no difícil dilema de escolher entre cair na mesmice da globalização ou de buscar um caminho condizente com o diálogo, com raízes territoriais e culturais. Em séculos anteriores não se insistia demais, pelo menos textualmente, com os rumos da identidade espacial: simplesmente se repetiam os padrões de arquitetura e urbanismo como modos de vida. Hoje, a globalização pode, paradoxalmente, ser uma ocasião de reconstrução da identidade, justamente como forma de defesa.

Para alguns autores, a globalização provocou efeitos perversos sobre o turismo na medida em que generalizou as formas de realização desta atividade e unificou a utilização do tempo livre. Por outro lado, a eliminação de fronteiras abriu novos caminhos, novas possibilidades ao desenvolvimento desta atividade, facilitando a circulação de idéias, produtos, capitais, know-how etc. Neste contexto, o turismo local ganha importância, constituindo-se numa das alternativas mais adequadas para sair da crise. Esta opção exige antes de tudo o desenvolvimento local. Valoriza-se aqui um novo modelo de desenvolvimento elaborado a partir de uma pequena escala territorial e voltado ao atendimento das demandas sociais do lugar. Para Coriolano (1998), é importante que os lugares passem por um processo de estruturação de sua base física e econômica

42 e que sua população passe por um processo educativo, para conviver com o turismo e dele se beneficiar. O turismo possibilita uma participação que pode conduzir ao desenvolvimento de comunidades em contraposição ao desenvolvimento globalizado. Pode reanimar economias fracas e criar uma estrutura ideal para elevar o nível e a qualidade de vida dos lugares, dependendo de como a atividade se desenvolve. Caso sua inserção desconsidere os aspectos da cultura e da paisagem, o turismo estará contribuindo para acelerar a economia globalizada, já que a cultura dos visitantes tende a se impor, desagregando a cultura local. Por outro lado, caso exista coesão interna na comunidade, o contato com o turista possibilitará uma troca entre as diversas culturas, levando a um enriquecimento e fortalecimento culturais.

Atualmente essa atividade tem sido conduzida pela economia, mas é preciso compreendê-la num universo mais amplo, considerando outras dimensões como a política, a ecológica e a cultural. Vale ressaltar que o incentivo ao desenvolvimento turístico não significa torná-lo uma atividade única na região, mas fortalecer as atividades já existentes, viabilizando assim a sua auto- sustentação.

Como vimos através do exposto acima, o turismo é uma experiência geográfica na medida em que representa uma relação direta do homem com ambiente. Pode gerar formas espaciais diversificadas, promovendo uma revolução no núcleo receptor, na medida em que altera sua organização sócio-espacial. Cabe à Geografia contribuir para a análise e a interpretação dessas formas, buscando compreender a sua estruturação e os processos sociais que as engendram. Ao investigar os lugares, os transportes, as populações, a natureza e as comunicações, a ciência geográfica estará contribuindo para uma maior compreensão deste fenômeno.

1.4 Métodos e Técnicas

O presente trabalho é um estudo de caráter exploratório e descritivo, que envolveu, além de muita leitura e pesquisa de campo, a utilização de técnicas simples de manipulação de imagens do Sistema de Informação Geográfica. Entende-se como uma obra aberta já que a inter –

43 multidisciplinaridade27 inerente ao turismo não pressupõe a análise unilateral de um único pesquisador.

Definido o eixo de estudo, partiu-se para o primeiro trabalho de campo, visando um contato inicial com a região a ser analisada. Essa percepção inicial foi muito importante, na medida em que estimulou a investigação dos aspectos sócio-culturais que levaram àquelas formas urbanas, deixando um legado cultural riquíssimo, inclusive na arquitetura.

Iniciou-se a etapa de coleta de dados e de revisão bibliográfica, como suporte teórico para este estudo exploratório. O trabalho foi favorecido por um número razoável de obras de historiadores, as quais facilitaram a compreensão dos antecedentes históricos de Minas Gerais. O levantamento das fontes históricas foi realizado em várias instituições como o Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), o Instituto de Geografia e Agrimensura (IGA), a Fundação João Pinheiro (FJP), as Casas de Cultura de Santa Bárbara e Catas Altas, a Cúria de Mariana, o Arquivo Público Mineiro, a biblioteca do Caraça e a Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado de Minas Gerais (EMATER – MG). Em algumas instituições os documentos manuscritos relativos a Minas Gerais não se encontravam devidamente organizados e classificados. Diante disso, optou-se por trabalhar com fontes secundárias, ou seja, relatos de historiadores e escritores que, em alguns casos, compilaram e comentaram dados provenientes de fontes primárias28. Alguns dos documentos transcritos neste trabalho foram retirados das obras destes historiadores.

27 As tendências atuais na área do ensino e da pesquisa podem ser restringidas a três conceitos básicos: pluridisciplinaridade (ou multidisciplinaridade), interdisciplinaridade e transdisciplinaridade. No primeiro caso, apenas o objeto principal de pesquisa é o mesmo. Cada uma das disciplinas utiliza seus prórprios conceitos e métodos. Os resultados obtidos podem ser interpretados apenas no nível de cada disciplina em separado. Já na interdisciplinaridade, um pesquisador examina um determinado problema simultaneamente sob diferentes prismas para considerar aspectos diferentes ao mesmo tempo. Neste processo torna-se necessário que os vários pesquisadores utilizem amostras iguais ou similares e conduzam a investigação na mesma localidade, ou em localidades selecionadas de acordo com o mesmo critério. A pesquisa transdisciplinar “envolveria um grupo de especialistas do mais alto nível, trabalhando em conjunto com elevado espírito de equipe interdisciplinar, sem impor suas próprias idéias. Seria o estado ideal para o desenvolvimento de estudos e pesquisas em uma área interdisciplinar como o turismo.” (REJOWSKI, 1999, pág. 22). 28 Fontes históricas primárias são documentos, dentre eles mapas, gravuras e textos manuscritos, produzidos na mesma época do fato ou do fenômeno em estudo.

44 Se por um lado a literatura sobre a história de Minas Gerais e do Brasil facilitou este estudo, por outro, grande parte da literatura brasileira na área de turismo mostrou-se inadequada, faltando-lhe a dimensão comparativa, entre países e entre o turismo e outros setores da economia. Notou-se também que muitos estudos são baseados em uma única disciplina, principalmente a economia, enquanto o turismo deveria estar relacionado a estudos multidisciplinares. Falta-lhes também rigor metodológico, o que reflete a carência de pesquisas científicas e de pesquisadores, bem como a falta de estímulos ao desenvolvimento teórico do fenômeno do turismo no Brasil. Esta questão pode ser retratada nas palavras de Rejowski (1999, p.111):

A comunidade científica brasileira ainda não conseguiu se organizar em termos de associações, eventos realmente científicos de qualidade e trabalhos conjuntos de pesquisa, embora várias tentativas tenham começado e perecido nesses últimos 20 anos. Se falta força para que essa comunidade se imponha, falta também maturidade do pesquisador e comunicação científica entre os pares e entre as instituições.

Tomando por base o panorama internacional, é bom lembrar que apesar do turismo ser uma prática antiga, é área recente de estudo, cujo progresso se deu principalmente a partir da Segunda Guerra Mundial. Esta evolução foi notável considerando o curto prazo de sua ocorrência. A literatura sobre o Turismo, originária de países desenvolvidos como França, Inglaterra e Espanha, contribuiu para uma melhor compreensão deste fenômeno no mundo, contribuindo para fortalecer a base teórica desta pesquisa.

Após a aquisição de conhecimento teórico sobre a região e tendo verificado os estudos na área de turismo já elaborados anteriormente, partiu-se para a etapa final. Iniciou-se um processo de intensas pesquisas de campo para se avaliar o potencial turístico de todo o percurso entre Mariana e Santa Bárbara, incluindo também a RPPN do Caraça. Em toda a extensão do percurso (e na RPPN do Caraça) foram levantados atrativos turísticos naturais e culturais, bem como a infra- estrutura existente. Para a coleta de dados utilizou-se o Global Positioning System (GPS) e uma câmara fotográfica digital, ambos cedidos pelo Departamento do Mestrado em Tratamento da Informação Espacial da Puc - Minas. Optou-se por não delimitar a região de trabalho através de um polígono, já que a definição de suas fronteiras exigiria um minucioso estudo geográfico acerca de zonas polarizadas, o que fugiria ao escopo da dissertação. Deste modo, as intervenções

45 humanas no espaço geográfico e os atrativos turísticos foram mapeados pontualmente, na medida em que estabeleciam ligação direta com o percurso.

A etapa final compreendeu a avaliação do potencial e das perspectivas do turismo da região e envolveu algumas proposições acerca das alternativas de desenvolvimento com bases locais, numa perspectiva mais próxima do ideal de sustentabilidade, considerando a relação entre turismo e meio ambiente. É importante ressaltar que não houve a intenção de constituir um plano de desenvolvimento turístico para a região. Este estudo trata-se de um trabalho de investigação científica que visou delinear algumas alternativas, de modo a facilitar a elaboração de diretrizes turísticas futuras.

Quanto às fontes fotográficas, deve-se ressaltar a importância dos acervos particulares e das próprias prefeituras locais na elaboração desta dissertação de mestrado. No entanto, a maioria delas não se encontrava datada, fato que dificultou a identificação de seus períodos. Às fotos atuais elaboradas em meio digital durante os trabalhos de campo somam-se os registros cedidos por projetos interdisciplinares em execução na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais29. Quanto às fontes cartográficas, foram reproduzidas as seguintes plantas:

• Carta Cartográfica da Capitania de Minas Gerais. Fonte: Coleção Mineiriana.

• Evolução do Traçado de Mariana. Fonte: dissertação de Mestrado Mariana: Gênese e Transformação de uma Paisagem Cultural. 1995. 200f. Dissertação elaborada no Instituto de Geociências da UFMG.

Os demais mapas foram elaborados em ambiente MapInfo e Autocad Map, a partir de outras fontes como livros de historiadores e bancos de dados disponibilizados pelo Instituto GEOMINAS, pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), e pelo laboratório de Cartografia do Departamento de Geografia da Puc Minas.

29 “Projeto Mapeamento Histórico e Paisagístico de Mariana” e “Projeto Atlas Digital de Minas Gerais”. 46 O mapa “Caminhos do Ouro” envolveu em sua edição a base digital do GEOMINAS30 e um mapa analógico elaborado por Roberto Cohrane Simonsen, em seu livro História Econômica do Brasil. Após a captura da imagem analógica com os antigos caminhos de mineração desenhados por Simonsen, partiu-se para o registro da imagem raster gerada. Utilizou-se o software MapInfo no georeferenciamento e na vetorização das informações de interesse. Primeiramente, verificou-se o processo de registro da imagem raster, escolhendo-se uma projeção igual a da base analógica adquirida e estabelecendo-se vários pontos de controle. Alguns ajustes foram necessários para corrigir distorções. Posteriormente, partiu-se para a edição de feições, estabelecendo-se um layer específico para cada objeto desenhado. O software se mostrou adequado ao processo de vetorização das entidades, propiciando rapidez. O processo de elaboração do mapa “Capitania de Minas Gerais nos fins da Era Colonial: Divisão Administrativa e Hidrografia” foi semelhante ao do mapa descrito acima, porém, utilizando-se uma base analógica fornecida por Carrato, em seu livro Igrejas, Iluminismo e Escolas Mineiras Coloniais.

O mapa “Macroregiões Turísticas de Minas Gerais” foi elaborado em ambiente MapInfo, a partir de uma base analógica retirada do site www.turismo.minasgerais.gov.br. Primeiramente, se scanerizou a imagem para posterior registro e edição das entidades do mapa.

A elaboração do mapa turístico da RPPN do Caraça (ver anexo1) envolveu uma base digital fornecida pelo Laboratório de Cartografia do Departamento de Geografia da PUC Minas. Esta base foi elaborada por este laboratório em ambiente Autocad Map (formato DXF), a partir de duas Cartas Geográficas do IBGE (Acuruí e Catas Altas; escala 1/ 50.000). Verificou-se a necessidade de algumas correções de edição. Sobre esta base foram inseridos os atrativos turísticos naturais e culturais, bem como a infra - estrutura existente na RPPN (dados adquiridos em trabalho de campo com um GPS), através do comando “Point”.

Alguns mapas foram elaborados em ambiente MapInfo, utilizando-se unicamente o banco de dados do GEOMINAS. A escolha deste software se verificou pela facilidade de mapeamento

30 Executou-se o dowload dos arquivos Mgmun, MG e MG sede mun, através do site www.geominas.mg.gov.br. Os arquivos foram abertos em ambiente MapInfo, onde foi gerada uma nova área de trabalho e organizada uma janela de layout para a produção de saídas. 47 propiciada. As bases digitais já estavam georeferenciadas e vetorizadas, o que facilitou a geração dos seguintes mapas temáticos:

Municípios envolvidos no Eixo Turístico Mariana-Santa Bárbara/ Minas Gerais Quadrilátero Ferrífero Mariana: Limites Municipais Catas Altas: Limites Municipais Santa Bárbara: Limites Municipais

Os mapas “Principais rodovias de acesso ao Eixo Mariana — Santa Bárbara”, “Núcleos Urbanos do Eixo Turístico Mariana — Santa Bárbara”, “Roteiro Mariana – Santa Bárbara” e “Hidrografia de Minas Gerais” envolveram a utilização dos softwares MapInfo e Autocad Map, sendo que seus dados foram retirados de fontes diversas, como IBGE e GEOMINAS.

48 2 ANTECEDENTES HISTÓRICOS

Para se compreender a complexidade da sociedade mineira é preciso considerar as peculiaridades de seu universo. Pela primeira vez uma sociedade tipicamente urbana, permeada pela dinâmica e pela convivência de referenciais diversos irá se consolidar no Brasil. Marcada pela diversificação econômica e pela presença de constantes conflitos, Minas Gerais se revela ímpar.

A economia do ouro trouxe consigo mudanças na paisagem do Brasil-colônia, fazendo surgir, em pouquíssimos anos, vilas e arraiais onde antes existia apenas mata fechada. Enquanto a economia do engenho de açúcar era latifundiária, não contribuindo para o surgimento de cidades, a economia do ouro foi urbana por excelência, segundo Simonsen (1978). O sistema de colonização adotado pelos portugueses reflete as aglomerações existentes nos primeiros tempos.

Os povoados foram surgindo em função da presença de ouro, assentados em locais impróprios pelo micro clima, pela topografia e pelas péssimas condições do solo para fins de agricultura. Estes povoados se desenvolviam pelo artesanato e se consolidavam pelo comércio. Como resultado desse processo, a paisagem mineira revelou-se repleta de vários núcleos compactos que, aos poucos, foram se agrupando e originando as cidades mineiras, como veremos adiante.

As transformações ocorridas com a descoberta do ouro no atual território de Minas Gerais promoveram a mudança do centro econômico do nordeste para o centro-sul do país, e deram origem às primeiras sociedades tipicamente urbanas do interior do Brasil. Esses núcleos urbanos, típicos do período colonial, se constituem numa alternativa de oferta turística, na medida em que guardam um rico acervo histórico, cultural e artístico, muito valorizado em nossa sociedade contemporânea, como vimos no capítulo 1.

49 2.1 O início do processo de ocupação do território mineiro e a criação da Capitania de Minas Gerais

As expedições realizadas com o incentivo da Metrópole, desde 1501, na tentativa de descobrir riquezas minerais na colônia haviam sido infrutíferas. No século XVII, a crença na existência do “Sabarabuçu” (montanhas de prata) e do “Sertão das Esmeraldas” motivou várias expedições que, se não obtiveram o resultado esperado, muito contribuíram para o conhecimento geográfico de Minas Gerais.

Quando, em 1640, D. João IV assumiu o trono português, encontrou o reino em situação econômico-financeira bastante desfavorável. Tal fato, somado à perda de muitas colônias do Oriente e ao declínio do preço do açúcar no mercado europeu, contribuiu para agravar ainda mais a crise. Segundo Reis Filho (1968), Portugal inicia, então, uma política urbanizadora mais agressiva, atuando de forma mais incisiva no processo de ocupação do nosso território31. Seria importante, naquele momento, buscar outras fontes mais lucrativas de renda32. Nesse contexto, as autoridades portuguesas decidiram aumentar os incentivos às expedições de pesquisas minerais que, de acordo com (1948) , estavam se realizando por conta dos habitantes da colônia.

As primeiras descobertas ocorreram somente no final do século XVII, quando paulistas, realizando expedições de caráter exploratório, encontraram ouro na região situada entre Bahia e São Paulo. Suas expedições ficaram conhecidas como bandeiras, e eles, como bandeirantes. Estes achados deram início ao processo de urbanização em Minas Gerais, Goiás e no Mato Grosso. A Metrópole dirigiu suas esperanças de descobertas para os sertanistas da região de São Paulo que já estavam habituados à aventura, seja em busca de riquezas minerais ou de índios para escravizar (Simonsen, 1978).

A fase inicial da história de Minas Gerais é marcada pela presença maciça de paulistas, os quais objetivavam aprisionar índios e descobrir riquezas. Estes aventureiros, com suas

31Essa valorização pode ser percebida nas medidas tomadas pela Coroa em 1642, visando uma intensa centralização econômica e administrativa. Cria-se o Conselho Ultramarino, através do qual a Coroa exercia o direito de resguardar as atividades comerciais de maior vulto aos portugueses de nascimento e de aumentar as atribuições do Governo Geral. Inicia-se o processo de extinção do regime de donatarias (concluído no século XVIII) com a incorporação de algumas Capitanias ao patrimônio real, de acordo com Reis Filho (1968).

50 entradas, se organizavam em grupos armados. Nas palavras de Rocha (f.80) “entravam nos mais serrados e nunca penetrados sertões, alimentando-se de caça, peixe e mel silvestre que encontravam (...)”. Em 1696, estabeleceu-se o primeiro acampamento às margens do Ribeiro do Carmo33. A partir de então, grupos de imigrantes vieram aos milhares, do Norte, do Leste e do Sul. Ao final da primeira década do século XVIII vários núcleos de ocupação já haviam surgido no território das Minas.

Inicialmente, os acampamentos se instalaram ao longo dos rios, dos quais se extraía o ouro. A dimensão do território mineiro era desconhecida naquela época, mas aos poucos, esta região foi se incluindo no mapa físico do Brasil–colônia. Entre 1704 e 1706 uma nova estrada, ligando Minas ao Rio de Janeiro, foi aberta para facilitar as viagens e o transporte.

A ocupação do território mineiro ocorreu de um modo diferenciado à das regiões litorâneas. De acordo com Sylvio de Vasconcellos (1981), no litoral a terra era doada em largas extensões como um favor real. Os povoados lusitanos e brasileiros eram edificados em sítios convenientes, previamente escolhidos em função das necessidades. Nas Minas Gerais, os povoados se erguiam em locais desfavoráveis, determinados espontaneamente pela mineração. A Coroa limitou-se a ordená-los como pôde, mas as dificuldades eram muitas, já que essa ocupação nem sempre implicava na posse efetiva e permanente da terra. Como afirma Sylvio de Vasconcelos (1981, p. 28):

Tudo é fruto da iniciativa do povo. A começar pelos caminhos que vão furando, aqui e ali, os túneis de saída, no rastro das boiadas, nas pegadas dos indígenas ou servindo-se dos marcos deixados pelas bandeiras. Com dois objetivos: a obtenção de alimentos e a fuga ao fisco. O resto se resolve intramuros, à sombra das montanhas.

O início da ocupação do território mineiro desencadeou uma série de conflitos entre a sociedade e o Estado, potencializados pela ausência do poder estatal. Esta situação era inevitável, já que o poder estava fragmentado nas mãos de régulos e faltava disciplina e lei. No Brasil atlântico, as rebeldias eram ocasionais e, geralmente, exprimiam a revolta da massa oprimida contra a aristocracia dos grandes proprietários. Nas Minas, elas eram contínuas, persistiam ao longo dos tempos, e expressavam a revolta de toda uma população contra o poder real. A primeira rebelião obrigou Fernão Dias Paes a condenar um filho à morte, lembra

32 Naquele momento a Coroa Portuguesa passava a contar com a descoberta de um “Eldorado” que lhe proporcionasse riquezas.

51 Diogo de Vasconcelos (1948). Em outra rebelião, ocorrida em 1709, paulistas e forasteiros34 se engalfinharam. Num primeiro momento, os paulistas detinham o domínio destes espaços, mas o conflito conhecido como Guerra dos Emboabas, ocorrido em 1709, possibilitou a abertura da região a todos. Silveira (1994) revela que por detrás da Guerra dos Emboabas, embates entre paulistas, baianos e portugueses, colocava-se o problema do controle do território e do papel adequado do Estado na ordem social que se formava. Esse problema perdurou ao longo do século XVIII e, de acordo com este mesmo autor, o modo como foi arranjado no cotidiano mudou com o passar do tempo. O Estado português foi gradualmente se estabelecendo e ocupando oficialmente estes espaços.

Após o término da Guerra dos Emboabas, Portugal, visando assegurar seus interesses nesta região, decide dar-lhe uma organização legalmente estabelecida e eficaz. O primeiro passo foi a criação da Capitania de São Paulo e Minas do Ouro, em 171035. No entanto, o clima de revolta era tão intenso que, em 1711, Manuel Nunes Viana, um rico comerciante e detentor de e fazendas, enfrentou o governador da Capitania de São Paulo e Minas, Antônio de Albuquerque, impedindo a sua entrada na região e elegendo-se governador eleito pelo povo, pela primeira vez na América. As revoltas continuaram e, em 1714, Portugal decidiu dividir o extenso território da capitania em comarcas com sede nas principais vilas, visando facilitar a sua administração. Entre todos os povos que compunham as capitanias no Brasil, os mineiros eram os menos submissos. Diogo de Vasconcelos (1948) descreveu as revoltas ocorridas em Minas na época do Brasil-colônia revelando que da primeira rebelião, passando pela Inconfidência Mineira, às demais ocorridas posteriormente, o fato é que os mineiros não se sujeitaram à obediência e à submissão ao seu soberano. As constantes rebeliões demonstram o estado de espírito local e a aspiração de liberdade. Nas palavras de D. Pedro de Almeida (conde de Assumar), em um de seus discursos:36

(...) a terra parece que evapora tumultos; a água exala motins; o ouro toca desaforos; destilam liberdades os ares; vomitam insolências as nuvens; influem desordens os astros; o clima é tumba da paz e berço da rebelião; a natureza anda inquieta consigo e, amotinada lá por dentro, é como no inferno.

33 Ribeirão ao longo do qual se desenvolveu inicialmente a atual cidade de Mariana. 34 De acordo com Diogo de Vasconcelos (1948) eram considerados forasteiros os reinóis (nascidos em Portugal ou nas ilhas) e os baianos (nascidos na Bahia ou me outra capitania do norte do Brasil). Os paulistas eram chamados de “emboabas”, por zombaria. Esta palavra significava “pintos calçudos”. Já os indígenas denominavam Mbuãb as aves que possuíam penas nos pés. O M do princípio das palavras tinha função de “Em”. 35 Entre 1710 e 1719 a região das Minas vinculou-se à Capitania de São Paulo. 36 Discursos. 52 Em 1720, tivemos a criação da Capitania de Minas Gerais. A abertura de um caminho novo estabeleceu uma ligação mais rápida desta capitania com o Rio de Janeiro. Isto refletiu uma mudança de postura da Coroa em relação à insubmissa Minas, diante das constantes revoltas.

A nova capitania tinha como limites, ao Norte, as capitanias da Bahia e Pernambuco, ao Sul, as capitanias do Rio de Janeiro e São Paulo, a Leste a Capitania do Espírito Santo e, a Oeste, a de Goiás (ver figura 13).

Figura 13: Carta Geográfica da Capitania de Minas Gerais. Fonte: Coleção Mineiriana

No que tange à questão do relevo, a base principal está na Serra da Mantiqueira, que se prolonga para o Norte em dois braços que emolduram o São Francisco. Um destes braços tende-se para o Leste e deita-se às margens do rio Jequitinhonha37. Outro, inclina-se para

37 Na altura de Araçuaí. 53 Oeste, alcançando Paracatu. Para Sylvio de Vasconcellos (1981), são eles que definem a penetração, e não os vales que os separam.

O clima na Capitania era ameno e caracterizava-se por chuvas periódicas nas montanhas, reservadas ao verão. Existiam duas estações definidas: a estação das águas (de outubro a março) e a estação da seca (de abril a setembro). Até meados ou fim de maio, o clima era mais quente, seguido de um breve inverno quente e seco, de aproximadamente dois meses. Em anos ordinários a menor temperatura, no inverno, era de 14 graus Ceusius e a maior, de 27, com amplitude térmica de 13 graus.

As Minas localizavam-se na América Meridional38, ocupando uma posição estratégica praticamente no centro geográfico do Brasil. O desenvolvimento da economia do ouro promoveu, nessa região, o primeiro adensamento demográfico considerável da colônia, observou Simonsen (1978). A Capitania de Minas dividia-se em quatro comarcas (com quatro Ouvidorias e quatro Casas de Fundição do Ouro39), a saber:

• Comarca do Rio das Mortes , com sede em vila de São João Del Rei; • Comarca de Vila Rica (capital de toda a capitania e sede da comarca de Vila Rica); • Comarca do Sabará, sediada pela Vila Real do Sabará; e • Comarca do Frio, cuja sede era a Vila do Príncipe.

A serra da Mantiqueira cobre a maior parte do território mineiro, como afirma José Vieira Couto (1994, p. 53), um intelectual da época a serviço da Coroa:

(...) pelo menos três partes da Capitania de Minas Gerais estava situada sobre um largo costado de uma imensa serra que, levantando-se primeiramente em São Paulo, corre depois de sul a norte lançando seus grandes esgalhos a uma e outra parte, ora baixando-se, ora elevando-se mais(...).

As comarcas do Rio das Mortes, de Vila Rica e do Sabará ocupavam a parte mais fértil desta serra. Montanhas menos íngremes e cobertas de matos e campos ofereciam um solo propício ao cultivo. Os veios, ricos em metais, também eram propícios à mineração. Na opinião deste

38 entre 328º e 336º de longitude, e entre 13ºe 23º 17’ de latitude, de acordo com Rocha (1995). 39 Por ordem régia de 11 de março de 1719, ordenou-se a construção das casas de fundição, “onde todo o ouro seria fundido e reduzido a barras devidamente marcadas e feita a dedução do imposto.” (Torres, 1961, p. 329) A primeira casa de fundição foi construída em Vila Rica, em 1721. Somente em fevereiro de 1730, a Coroa estabeleceu que se fizessem, às custas da fazenda real, tantas casas quanto fossem necessárias. 54 estudioso, nesta região o número de mineiros e agricultores era equilibrado. Já na Comarca do Serro Frio o terreno era menos fértil. Saindo da Comarca do Sabará em direção à do Serro, o viajante poderia notar essa mudança de terreno. De uma terra vermelha, pesada e fértil, chegava-se a um chão arenoso e coberto de pedregulho. O terreno em parte era seco e todo conglutinado de pedras. O ar tornava-se mais frio, o clima era diferente, com maior presença de ventos, e as matas, eram menos espessas.

Os núcleos urbanos do eixo Mariana − Santa Bárbara pertenciam à Comarca de Sabará (Santa Bárbara, Brumal, Catas Altas e Morro de Água Quente) e à de Vila Rica (Mariana, Bento Rodrigues Santa Rita Durão, Camargos e Antônio Pereira). Nos fins da era colonial, Minas adquiriu a configuração dos limites atuais e as comarcas estavam distribuídas de acordo com a figura 14, abaixo:

Capitania de Minas Gerais nos Fins da Era Colonial

Hidrografia e Divisão Administrativa

Comarca de

Serro do Frio a h n o Paracatu do Príncipe h in ∗ it u q o e c J s . i c R R n . a r d a F s o V ã e S l . h a R s Arraial do Tejuco Vila do Prfncipe Comarca do Comarca de Rio das Velhas R . a Paracatu P ab a ic r c a ira o P p . e Sabará R b Santa Bárbara R. a Gr an Caraça de Catas Altas Mariana Vila Rica Comarca de São João D'el Rey Ouro Preto R. das Mortes Comarca do Santuário do Caraça 0 100 200 Rio das Mortes Sede de Bispado Sede de Comarca Quilômetros Vilas Distritos Limites entre Comarcas (traçado aproximado) Fonte: Carrato, José Vieira. Igreja, Iluminismo e Escolas Mineiras Coloniais: Notas sobre a Cultura da decadência mineira setecentista. 1968. Hidrografia de MG www. geominas.mg.gov.br Elaboração: Karlla Valladares Álvares

Figura 14: Capitania de Minas Gerais nos fins da Era Colonial. Hidrografia e Divisão Administrativa

55

2.1.1 Os caminhos do ouro

Embora situada no centro geográfico do Brasil daquele tempo, a região das Minas nasceu isolada. Não fazia parte de prolongamento de povoações próximas das quais se pudesse beneficiar. A terra era imensa e vazia, e os burros de tropas, através de picadas precárias, iam definindo os caminhos que se desfaziam com as chuvas a cada ano, conforme observa Sylvio de Vasconcellos (1981). Esse isolamento persistiu por conveniência da Coroa, mesmo quando da implantação da agricultura de subsistência a que se dedicou, na medida em que a produção aurífera foi decaindo. As Minas se distanciavam do Rio de Janeiro cerca de 700 quilômetros através de estradas tortuosas. A comunicação era mais precária ainda, em relação a Salvador e São Paulo, cujas distâncias também se ampliavam. Aos caminhos repletos de obstáculos naturais somavam-se as determinações reais. A Coroa tomava medidas que dificultavam e até mesmo impediam a circulação de pessoas e mercadorias, impondo barreiras em pontos estratégicos. Sylvio de Vasconcellos (1981, p. 23) descreve a situação desses caminhos:

Ao norte os caminhos se limitam a antigas trilhas, definidas pelos rebanhos de passo lerdo fugidos das secas à procura de invernadas. Ao sul, se atêm as picadas bandeirantes de pouco trânsito. À precariedade dessas rotas juntam-se ainda os obstáculos crescentes que lhes impõem os interesses reais, para prevenir contrabandos. O caminho mais usual é aquele que se dirige diretamente ao mar, a leste, ainda assim precaríssimo, só trafegável a pé ou a cavalo, preferentemente nos períodos de seca (...)

As barreiras geográficas também contribuíram para dificultar as comunicações. A partir de Parati, ou da Baía de Guanabara, era preciso vencer os alcantilados da Serra do Mar e da Canastra, transpor rios caudalosos e se aventurar nas matas tenebrosas, para se chegar às cumeadas das Minas.

Ainda segundo este autor havia três roteiros em 1719. O primeiro deles, a partir de Parati, passava pela Serra de Muriquipiacaba até Borda do Campo. O segundo percurso, partia de Santos, por São Paulo, em direção a Taubaté e se unia ao primeiro, em Guaratinguetá. O terceiro iniciava-se em Araçuaí, pelo Paraíba, Paraibuna, até a Borda do Campo. Estes três caminhos oficiais colocavam Minas em contato com as Capitanias da Bahia, de São Paulo e do Rio de Janeiro. O caminho que partia de São Paulo atingia o porto de Guaypacaré (hoje Lorena), transpunha a cordilheira e seguia em direção ao Rio das Velhas, constituindo-se em porta de entrada para a região do eixo Mariana-Santa Bárbara, atingindo as minas de Ouro

56 Preto, Santa Bárbara, Mariana, Ribeirão do Carmo e Serro do Frio. Este percurso, conhecido como Caminho Velho, foi também a primeira rota traçada pelos bandeirantes que exploraram a região. O caminho baiano oferecia maiores facilidades geográficas: partia do Recôncavo, atingia o rio São Francisco subindo por ele até alcançar o seu afluente (o Rio das Velhas), e a partir daquele ponto seguia para diferentes áreas de mineração. Roberto Simonsen (1978) elaborou, em 1937, um mapa indicativo desses antigos caminhos de Mineração (ver figura 15).

Caminhos do Ouro

Bahia ∗ Χ

Goiás

Χ Grão Mogol

Goiás Χ Arassuay

Diamantina

Estrella do Sul

Sabará

Belo Horizonte Caeté

Vila Rica Χ

S. João D'El Rey ) Capital do Estado São Paulo ) Núcleos urbanos Caminhos antigos (Tratado aproximado) Rodovias atuais

Limite estadual Lorena Χ

0 100 200 Χ Região diamantífera

Quilômetros Rio de Janeiro Χ Região aurífera Parati São Paulo Fonte: SIMONSEN, Roberto Cochrane. História Econômica do Brasil (1500/1820). 6ªëd. São Paulo: Nacional, 1969. / www.geominas.mg.gov.br Elaboração: Karlla Valladares Álvares

FIGURA 15: Caminhos do Ouro

57 Já o roteiro seguido pelos viajantes que percorreram a região das Minas ao longo do século XIX seguiu os divisores de águas das várias bacias hidrográficas. De um lado, a bacia do Rio Doce, de outro, a bacia do São Francisco. Ao Norte a bacia do e, ao Sul, a do Paraíba.

De acordo com a história oficial, as primeiras descobertas de ouro nas Minas ocorreram às margens do rio das Velhas, num local conhecido como Sabará-buçu40 onde, ainda nos fins do século XVII, se formou o arraial de Sabará. A partir daí, verificou-se o início do processo de ocupação do território mineiro. o ouro em um determinado lugar, toda uma população aventureira e ambiciosa se deslocava para a região. As explorações prosseguiram penetrando nos rios das Velhas, Santa Bárbara, Piracicaba, Ribeirão do Carmo e seus afluentes.41 A história oficialmente aceita revela que a fundação da primeira vila mineira ocorreu às margens do Ribeirão do Carmo, dando origem a atual Mariana. Mas alguns historiadores descordam desta versão. De acordo com Antonil (1976), Ouro Preto teria sido fundada dois anos antes de Mariana, seguida logo após por Santa Bárbara. Esta situação nos remete a uma questão: se, por um lado, as bandeiras oficiais encarregadas pela Coroa Portuguesa de promover os descobrimentos promoveram a fundação de vários núcleos urbanos em Minas, por outro, aventureiros diversos partiam às suas custas, como descobridores particulares. Neste caso, os lugares fundados recebiam os nomes destes descobridores42, contrariando a tradição portuguesa, de nomear lugares através de figuras religiosas. A história oficial considera as fundações reais como critério. Essa discussão tem pouca relevância se comparada à necessidade de compreender como se deu o processo de ocupação do território das Minas Gerais. Sabe-se que as notícias sobre novas descobertas se espalhavam rapidamente, fato que, aliado à crise na produção do açúcar,43 contribuiu para que em pouco tempo se estabelecessem, aqui, aventureiros procedentes de várias regiões do país e da metrópole. Considerando a historiografia oficial, ao longo do caminho novo, aberto

40 “Os indígenas, fingindo que os rios grandes eram pais dos pequenos e seus afluentes, chamavam o Rio das Velhas, que era da Barra para baixo, pai (çuba) e da Barra para cima, çubará (pai partido). E assim chamavam çubará-buçu ao braço maior (pai partido grande)”. VASCONCELOS, D. de. História antiga das Minas Gerais. Belo Horizonte, Itatiaia, 1974. p. 81. 41 Fundação João Pinheiro. Circuito de Santa Bárbara. Roteiro Turístico. 42 Em Catas Altas, na zona rural, um local recebeu o nome de Borba. Teria Borba Gato passado por lá? Os apelidos como Manuel do Borba, Mariana do Borba, Joaquim do Borba, estavam ligados ao fato de morarem nesse local, e não ao sobrenome, como se poderia imaginar num primeiro instante. (SOUZA, 1998) 43 As primeiras descobertas se deram num momento em que a economia do açúcar sofria concorrência de novas zonas fornecedoras de produtos tropicais ao mercado europeu. A situação era de pobreza e estagnação das lavouras, o que levou muitos aventureiros a se voltarem para o território mineiro. Nas Minas encontrariam também uma maior possibilidade de mobilidade social, praticamente inexistente no “Brasil Atlântico”. 58 inicialmente pelo bandeirante Garcia Pais, foram surgindo diversos povoados. Em torno das Vilas do Carmo e de Vila Rica, cresciam novos arraiais nas direções Leste e Oeste. Uns seguiam os afluentes do Rio Doce e, outros, os do Rio das Velhas. Assim nasceram as povoações de Camargos, Inficionado (atual Santa Rita Durão), Bonfim do Antônio Pereira e Catas Altas do Mato Dentro (ao pé da serra do Caraça).

Estabelecidos os roteiros dos caminhos que levavam às Minas, estes se tornaram pontilhados por roças, estalagens e pastos que amparavam os viajantes. Vários núcleos urbanos foram igualmente surgindo em torno desses ranchos, sendo que muitos núcleos se desenvolveram economicamente mais em função do comércio de tropas do que propriamente da mineração do ouro. No caso das cidades do eixo em estudo, suas formações e seus desenvolvimentos iniciais se devem às atividades da mineração do ouro.

Assim se configurava a sociedade mineira: onde as catas se mostravam mais promissoras, iam-se erigindo arraiais, a princípio em caráter temporário. Tal situação deu origem a povoados longelíneos, já que a ocupação se realizava de forma linear, geralmente ao longo de uma só estrada que vinha de Parati ou da Baía de Guanabara, e seguia quase em linha reta para o Norte, paralela ao mar, até o Jequitinhonha. Mariana e Diamantina são exceções, nesse sentido, talvez pelo fato da Coroa ter interferido com mais êxito nestes lugares. É importante ressaltar que, mesmo assim, essas cidades não se divorciaram de todo da tradição local.

No território ocupado pelas minas, três segmentos bem diferenciados se faziam notar. Um ao

Sul, tendo como núcleos São José e São João D’el Rei. Este núcleo se estendia desde a fronteira Sul da Capitania até . Outro núcleo, ao Centro, compreendia a área definida por Lafaiete, Mariana, Santa Bárbara, , Sabará e . O terceiro núcleo, ao Norte, abrangia Conceição, Serro e Diamantina. Esses três segmentos se interpenetravam e se diferenciavam ao mesmo tempo, inclusive na arquitetura. Sylvio de Vasconcellos (1981, p.28) retrata essas diferenças:

A sulina, dos campos, (...) serve-se de beiradas em telhas sobrepostas, do moledo na alvenaria dos muros(...) e dos estucados enriquecedores de cunhais e cornijas, recebidos do litoral mais próximo. Já o centro despreza essas soluções, para apegar-se aos partidos plásticos decorrentes das estruturas autônomas afloradas e cobertas de telhados galbados, cujas pontas se reviram para o alto, eco de chinesices longínquas que aqui se repetem. Ao norte, o comportamento das construções distancia-se da severidade rotineira do centro para adquirir uma feminilidade típica, menos barroca no vulto, mais rococó nos detalhes e quase

59 neoclássica na trama. Pinturas delicadas imitam e substituem os estucados inexistentes; a taipa de pilão, que não encontra guarida nas outras concentrações, aqui se difunde; os balcões cobertos enchem de sombra as fachadas de largura exígua e o ouro das talhas se recobre de desenhos sutis, sugerindo o buril.

É interessante ressaltar que até a chegada das rodovias modernas, os caminhos preferenciais para as Minas seguiram as cumeadas das serras. Não acompanhavam os vales, como se poderia supor, a princípio, já que neles o ouro era abundante.

Existiam inúmeros rios navegáveis: Rio Doce, Rio Paraibuna, Rio das Mortes e Rio São Francisco. No entanto, foram desprezados. Essa situação é peculiar nas Minas, já que todas as demais regiões colonizadas no Brasil balizavam as águas, aproveitando-se de baías, enseadas, deltas e correntes fluviais. Nas palavras de Sylvio de Vasconcellos (1981, p.24),

Nas Minas nenhum rio navegável condiciona o povoamento. Raras são as concentrações humanas de beira d’água, como Mariana ou Sabará. Mesmo estas, como também Santa Luzia ou Santa Bárbara, cedo se afastam dos cursos fluviais, em estranha tendência pelas cumeadas que lhes ficam próximas. É que o ouro se esconde na montanha, e é a montanha que fixa o homem (...)

A afirmação deste autor nos remete aos múltiplos processos de exploração do ouro naquela época. Primeiramente, explorou-se o ouro de aluvião, através de vários instrumentos, especialmente da bateia, quando se retirava o metal ainda no leito dos rios. Outro processo, o das catas, também utilizava a bateia, explorando cascalhos nos terraços fluviais, nos depósitos correspondentes ao fundo de antigos leitos dos rios. O terceiro processo foi o das grupiaras, através do qual os cascalhos depositados nas encostas de morros com presença de filões auríferos eram retirados com a utilização de água e da bateia. Este método era o mais difícil, exigindo uma técnica mais apurada e um período maior de dedicação, observou Simonsen (1978). Rugendas, um dos viajantes estrangeiros que percorreu a região das minas no século XIX, deixou registros de gravuras que revelam aspectos típicos da paisagem mineira, como o trabalho de lavagem do ouro (ver figura 16, p.61). De fato o ouro de aluvião, pela sua facilidade de extração e pelo rápido esgotamento verificado, não contribuiu para a fixação do homem à terra. A história nos mostra a presença de construções de caráter bastante provisórios, nos primeiros tempos. Acabado o ouro, os aventureiros partiam para outros lugares e reiniciavam o processo exploratório. Num segundo momento, quando do esgotamento desse ouro de aluvião, os mineradores tiveram que optar pelas grupiaras, que exigiam mais tempo de trabalho e uma técnica mais apurada.

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FIGURA 16: Lavagem de minério de ouro no Pico do Itacolomi. Fonte: RUGENDAS, João Maurício. Viagem pitoresca através do Brasil. Belo Horizonte: Itatiaia, 1979. p. 181.

Isso incentivou a fixação dos aventureiros. A montanha, e não o rio, fixa o homem, inversamente do que se poderia imaginar a princípio. Tal fato, somado ao problema das enchentes nos vales de rios, explica porque nas cidades de Mariana e Santa Bárbara, erigidas respectivamente ao longo dos ribeirões do Carmo e de Santa Bárbara, os assentamentos logo se afastaram do leito e foram subindo as encostas. É importante ressaltar que, na história das Minas Gerais, o processo de exploração do ouro condicionou o povoamento.

61 2.2 A formação das cidades do eixo Mariana—Santa Bárbara e a estruturação regional no século XVIII

Os núcleos urbanos do objeto de estudo podem ser visualizados na figura 17, abaixo.

Núcleos Urbanos do Eixo Turístico Mariana-Santa Bárbara Minas Gerais

1 ∗ 38 BR

9 6 2 3 1 4

G G

M M BR Belo 0 40 BR 262 Horizonte Santa Bárbara Brumal

Santa Bárbara Catas Altas Catas Altas Caraça Morro de Água Quente MG 3 26 M Santa Rita Durão G 1 2 9 Bento Rodrigues BR 35 Camargos 6 Antônio Pereira Mariana M Mariana G 262

RPPN do Caraça 0 10 20 Rodovias Quilômetros Limites Municipais Fonte: www.geominas.mg.gov.br, www.ibge.com.br Sedes Municipais Elaboração: Karlla Valladares Álvares Distritos

FIGURA 17

Como já mencionamos, anteriormente, a formação das vilas do Eixo Mariana―Santa Bárbara se deve às primeiras descobertas de ouro na região e se enquadra na tradição portuguesa de fundação de cidades. De acordo com esta tradição, as bandeiras oficiais encarregadas pela Coroa de promover os descobrimentos deveriam fundar cidades e edificar Igrejas. Descoberto

62 o ouro num determinado local, erigia-se o cruzeiro num ponto elevado e uma rústica, símbolos da sacralização e do domínio da posse de um território antes considerado profano. A Igreja foi, desde o início, um elemento polarizador, tanto em termos sociais quanto em termos espaciais. Naquele tempo era comum nomear a geografia dos lugares associando-a a uma figura religiosa. Esse aspecto é bastante curioso e revela a importância do papel da Igreja na formação da cultura mineira desde os primeiros tempos de sua existência. Dados da Fundação João Pinheiro (1989, p.22) sobre a região de Santa Bárbara44 revelam a importância da Igreja nesse sentido:

(...) Já nas primeiras bandeiras que exploraram seu território (região de Santa Bárbara) era constante a presença de clérigos. No momento em que era evidenciada a presença de ouro em um determinado local, iniciava-se o processo de ocupação da área e exploração das lavras e uma das primeiras providências tomadas pelos povoados era a construção de uma capela. Localizada, geralmente, em lugar estratégico, ou seja, à beira dos caminhos, a capela funcionava como ponto de atração das populações dispersas, que, construindo suas moradias em torno do santuário, formaram os primeiros núcleos urbanos.

De fato, a formação da cultura mineira não pode ser compreendida sem se considerar o papel da Igreja. As organizações social e política estavam intimamente ligadas à implementação e organização da Igreja Católica. Esta se subordinava à Coroa pelo regime de Padroado. Através do regime das conhecenças, a Igreja auxiliava o governo na cobrança de impostos e fiscalização do pagamento dos dízimos45. O rei controlava a fundação de novas dioceses e freguesias46 (paróquias), a nomeação e indicação de novos bispos etc. Diogo de Vasconcelos (1948) revela que os papéis e o patrimônio da Igreja e da Coroa se confundiam ao afirmar que a Igreja se governava deixando ver, a cada momento, a intervenção do rei. Para o autor, a Coroa de Portugal serviu-se da riqueza da Ordem de Cristo para financiar suas expedições fora do continente europeu, já que não dispunha de recursos suficientes47. Diante disso, as terras descobertas ficaram pertencendo a essa Ordem, e ao seu Padroado ficavam subordinadas todas as igrejas que fossem erigidas nos países submetidos à soberania do rei (Grão Mestre da Ordem). Como a Coroa Portuguesa, temendo extravios, impediu o estabelecimento de ordens religiosas em Minas, a população resolveu se organizar em irmandades religiosas. A capela representou o congraçamento dos habitantes locais. Nos

44 A região à qual a Fundação se refere engloba Catas Altas, Santa Bárbara, Sabará, Santa Luzia, Caeté, Barão de Cocais, Itabira e e respectivos distritos, que formam atualmente o Circuito de Santa Bárbara. 45 Os assuntos da Igreja eram administrados através da “Mesa de Consciência”, uma espécie de secretaria ou ministério do governo, mantida pelo Império. 46 Para ter direito à freguesia, com vigário colado, o povoado deveria ter um status jurídico de arraial, vila ou distrito.

63 primeiros tempos, na época em que a administração colonial não havia efetivado sua presença na região e a sociedade ainda não se encontrava estruturada, a atuação da Igreja através das irmandades foi da maior importância. A Fundação João Pinheiro (1979) aponta que estas eram as únicas autoridades capazes de frear os abusos cometidos pela população constituída de aventureiros ávidos por riqueza fácil. Tais organizações religiosas tiveram um papel social importantíssimo, exercendo funções que iam desde a construção de obras religiosas à promoção de festas e à proteção de membros necessitados48. O desenvolvimento do arraial era seguido da criação da paróquia. Com a criação de várias paróquias, uma delas se transformava em Matriz e, geralmente, sofria uma ampliação, ganhando maior porte na sua estrutura arquitetônica. Santa Bárbara, Mariana e Catas Altas tiveram suas matrizes erigidas ainda no século XVIII, tendo sido Mariana elevada à condição de cidade em 1745, para constituir-se em sede de um bispado.

Outra questão ligada ao início do processo de ocupação do território mineiro foi o problema da fome que atingiu os povoados logo nos primeiros anos de sua formação. Este problema está ligado a duas questões: à política inicial de colonização portuguesa de usufruir o máximo de riqueza da colônia, não se preocupando em propiciar-lhe melhorias, e à migração do litoral para o interior, verificada nos primeiros anos de descoberta, de acordo com Diogo de Vasconcelos (1948). Inicialmente, a vida em Minas girava em torno do ouro e, na primeira metade do século XVIII, praticamente não havia organização agrícola e pecuária. Verificou-se uma ou outra fazenda situada nas imediações das catas, mas a produção local era tão pequena que não atendia às necessidades de consumo. De fato, a migração do litoral para o interior desestruturou a economia. Diogo de Vasconcellos (1948, pág.13) relata claramente a situação de abandono em que se encontravam as lavouras de cana de açúcar, em meados de 1701:

Como sucede sempre nos países em que surgem mananciais preciosos e abundantes, as populações se agitam, as indústrias normais se desaparelham, enfim, tudo se subverte; assim no Brasil o fenômeno subiu de ponto, e no repente de um ano. As províncias litorâneas ficaram desertas, e as lavouras abandonada49.

47 A Coroa de Portugal dava a essas expedições um caráter de propagação da fé católica. 48 A proteção aos seus membros fazia das irmandades verdadeiras sociedades de auxílio mútuo, reunindo homens de igual categoria e resolvendo questões de seus interesses nas salas de suas igrejas que funcionavam como uma espécie de clube social. Estas reuniões permitiram que a população mineira setessentista entrasse em contato com novas idéias dentre elas, as francesas, nos fins do século XVIII e inicio do século XIX. 49 Os índios estavam sendo utilizados para o trabalho nas Minas. Esta situação era tão crítica que a própria Câmara de São Paulo, de onde partiram os descobrimentos, logo se sentiu prejudicada e solicitou ao rei que mandasse parar o trabalho nas Minas. O resultado imediato foi a proibição da entrada de mais pessoas nesta região, através de carta régia de 7 de fevereiro de 1701. Outra carta, editada em 9 de dezembro de 1701 pela 64 Sylvio de Vasconcellos (1981) considerou que, de um modo geral, os engenhos existentes na região das Minas praticamente limitavam-se à produção de melaço e da cachaça do que propriamente à de açúcar. O preço deste produto alcançava níveis relativamente mais elevados do que artigos de mesa e de vestiários vindos da Europa. A produção de milho e de mandioca constituía-se de pequenos roçados. A carência de produtos alimentícios era aguda e permanente e os comerciantes e atravessadores eram os que mais lucravam diante essa situação. As contradições locais começaram a definir-se já nos primeiros anos da história das Minas Gerais. O ouro suscitava riqueza mas, os mineradores continuavam pobres. Nas palavras deste último autor (1981, p. 19),

o homem se afunda nos vales profundos, os pés mergulhados nas águas frias dos ribeiros ou das enxurradas, agarra-se às encostas abruptas, perfurando as minas, atrás dos veeiros. Contudo é um povo urbano por excelência. Terra e ouro; cidade e pobreza.

Se nos primeiros tempos da mineração não houve espaço para o desenvolvimento agrícola na região, aos poucos, percebe-se o florescimento não só dessa como de outras atividades50. Buarque de Holanda (1995) afirma que após meio século de exploração aurífera, fazia-se sentir o aparecimento de novas atividades produtivas, muitas vezes mais rendosas do que a das próprias jazidas, uma vez que atraiam, por vias diferentes, o produto destas. Tão logo os caminhos do ouro foram abertos, começaram a transitar por eles os tropeiros51, os comboieiros52, os boiadores e outros agentes do comércio abastecedor da região das Minas, geralmente formados por reinóis, cristãos novos e ciganos.

No contexto da formação da sociedade e da cultura mineira a diversificação econômica foi tão importante quanto o papel da Igreja na medida em que contribuiu para a complexidade do universo mineiro. Descrições de algumas propriedades rurais da época comprovam essa diversificação econômica e a grandeza de um mercado local, com o desenvolvimento de algumas atividades que absorveram parte da mão-de-obra livre e escrava. Por outro lado,

Coroa, ordenava a proibição do comércio nos caminhos que conduziam a Bahia, visando evitar contrabandos freqüentes. 50 A mineração conviveu com outras atividades como o comércio, a agricultura e os ofícios, servindo de suporte para desenvolvimento dessas atividades. 51 Figura muito popular, comprava gêneros de toda espécie nos centros abastecedores e os levava para o interior, ganhando grandes porcentagens sobre as vendas. Em pouco tempo adquiria fortuna e prestígio social, ghegando a ingressar na carreira política. Adquiriu um papel social de portador de notícias, representando, deste modo, um elo entre o grande e o pequeno núcleo urbano. 52 Traficantes de escravos, não conquistaram um lugar “simpático” na sociedade mineira do século XVIII. Fornecendo mercadoria cara, utilizaram largamente o sistema de crédito. 65 algumas dessas ocupações tenderam a uma concentração de riqueza nas mãos de poucos homens brancos. Mas é importante observar que o mercado adquiriu importância na estrutura social a partir do momento em que permitiu também que grupos “menos legítimos”53 se integrassem, como descreveu Silveira (1994).

Os povoados do eixo Mariana - Santa Bárbara surgiram em torno das jazidas, obedecendo à localização geográfica de ricos depósitos aluvionais. A prosperidade destes era medida pelo potencial aurífero de cada um. Em pouco tempo estes povoados se destacaram e, juntamente com vários outros como Sabará, Caeté, Ouro Preto, foram responsáveis pelo elevado índice demográfico da região central durante o século XVIII54, marcado por um período inicial de prosperidade dos povoados mineiros e pelo florescimento de núcleos tipicamente urbanos, dotados de intensa vida social. Nestes centros, instalaram-se autoridades régias e locais, mineradores, negociantes, fazendeiros, a elite local e seus escravos, que exerciam trabalhos diversos além da mineração. Profissionais ligados a atividades urbanas como mestres de obras, pedreiros, artífices e carpinteiros eram ali encontrados. Os brancos mais ricos, embora interessados na mineração e na agricultura das zonas circunvizinhas, mantinham uma casa na vila, foco de atividades e de cultura. Em meados do século XVIII a organização da sociedade já estava estruturada. Muitas famílias ricas passaram a enviar seus filhos para universidades européias, formando uma elite letrada que se reunia de forma regular e informal para conversar. Essa elite assimilou o espírito do século, as idéias e os ideais do Velho Mundo, expressando-os em seu estilo de vida burguês e nas suas manifestações artísticas. Tais manifestações, claro, sofreram adaptações conforme as peculiaridades locais.

Neste momento, as vilas mineiras alcançaram um representativo desenvolvimento arquitetônico, que se deve principalmente à organização da sociedade em irmandades religiosas. Assim descreve a Fundação João Pinheiro (1979, p.21): “Sob o patrocínio das Irmandades, uma brilhante geração de artesãos, arquitetos e pintores locais surgiram e embelezavam as vilas do ouro com elegantes igrejas barrocas, esculturas e obras de arte admiráveis.”

53 Como os pardos e as pretas forras das vendas, de acordo com Silveira (1994). 54 Marco Antônio Tavares Coelho revela que, em poucos anos, deslocou-se para as Minas uma população estimada de 500 mil pessoas. Excluindo-se os índios, a população do Brasil, no início do século XVII não seria talvez superior a 300.000 habitantes, de acordo com Simonsen (1978, p. 271). 66 A queda na produção aurífera se verificou principalmente após a segunda metade do século XVIII55, contribuindo para que uma sociedade eminentemente urbana sofresse profundas transformações. A situação era de decadência, já que muitos se endividavam ao não conseguir pagar os tributos devidos. Silveira (1994), em sua dissertação de mestrado, afirma que os mineiros, descapitalizados, tocavam suas lavras em condições precárias, sem uma técnica eficaz. Os comerciantes (sujos e contrabandistas) projetavam-se para a fidalguia. A corrupção ambiciosa infectava a província e bloqueava o espírito público. Além disso, a inércia e o total desapego pelo trabalho impediam o desenvolvimento. Os escravos e o ferro importado foram se encarecendo. O volume de extração de ouro decrescia, o comércio externo diminuía e o endividamento aumentava. A atividade agrícola esbarrava sempre no problema de transporte, e a indústria, num primeiro momento, era proibida por legislação régia.

De fato, a escassez da produção mineral nestas últimas décadas do século XVIII contribuiu para a pobreza e para uma mudança na geografia mineira. Soma-se a isso a transferência da capital da colônia para o Rio de Janeiro, em 1763. A população passou a se afastar do núcleo central e a ocupar áreas vazias, desenvolvendo atividades de subsistência. Houve deslocamento de recursos econômicos para o sul da Capitania na medida em que avançavam as atividades agro-pastoris voltadas para o mercado do Rio de Janeiro. Verificou-se, também, um direcionamento para a auto-suficiência nos núcleos urbanos existentes após a queda da produção aurífera. Isso explica como a região mineradora e, mais especificamente, a região do eixo Mariana - Santa Bárbara, sobreviveu e em certos casos até floresceu após o período áureo da mineração do ouro.

Diante da decadência, seria mais racional que o Estado português mudasse de postura para garantir seus ganhos. A difusão dos ideais iluministas56 (baseados na razão para a busca da compreensão da realidade) e do movimento conhecido como “Ilustração” (de caráter mais reformista) influenciaram Portugal. Assim, inicia-se nos fins do século XVIII uma política de maior centralização do poder monárquico, num esforço de compreensão da realidade da colônia com base na razão e na utilidade. De acordo com Furtado (1994), como resultado

55 Furtado, se referindo a esse momento, coloca o ano de 1763 como o marco da crise nas Minas, já que pela última vez, a quota de 110 arrobas anuais foi completada. Se, de um lado, a Coroa era afetada e demonstrava sua insatisfação com a queda na arrecadação, de outro, os colonos denunciavam a pobreza a que se submetiam com a escassez do metal. In: Furtado, Junia Ferreira. Memória sobre a a Capitania de Minas Gerais. Seu território, clima e produções metálicas. (Coleção Mineiriana).

67 desta política, herdamos as descrições minuciosas do Reino e do Brasil: suas condições naturais, econômicas, climáticas, geográficas e sociais, entre outras. Os intelectuais a serviço da Coroa elaboraram um diagnóstico da Capitania de Minas, com descrições de suas riquezas minerais e alternativas para o seu desenvolvimento. Estes estudos revelam o atraso do processo de mineração no Brasil. É o que demonstra José Vieira Couto57, ao detectar a falta de instrução do mineiro, até então ignorante, e a ausência da atuação do Estado português. Este, na opinião de Couto, deveria prover a estrutura básica necessária, viabilizando alternativas para por fim à crise.

Os acontecimentos que marcaram o início deste processo de mudanças de relações da Coroa com a colônia se verificaram, principalmente, a partir do início do século XIX, como veremos adiante. Antes, porém, contextualizaremos a área de estudo no universo acima descrito, buscando demonstrar a formação e a configuração dos núcleos urbanos em questão, ao longo do século XVIII.

A formação dos núcleos urbanos presentes no eixo Mariana ― Santa Bárbara data dos fins do século XVIII e início do XIX. A fundação da Vila do Ribeirão do Carmo (atual Mariana) é considerada o marco inicial do povoamento de Minas Gerais. De acordo com a história oficialmente aceita, essa vila foi fundada em 16 de julho de 1696, quando os paulistas Miguel Garcia e o Coronel Salvador Furtado de Mendonça descobriram ouro em um rio, o qual batizaram de Ribeirão de Nossa Senhora do Carmo. Diogo de Vasconcelos (1948) afirma que o coronel Furtado e sua comitiva logo se apossaram deste ribeirão, repartindo as primeiras lavras e erguendo cabanas, dando início ao primeiro núcleo de ocupação58. Edificou-se a primeira capela, dedicada à Nossa Senhora do Carmo (atual capela de Santo Antônio). Mas, de acordo com este autor, a fome interrompeu por alguns anos a ocupação desta área, levando os moradores a abandonarem a vila por duas vezes: entre 1697 e 1698 e, posteriormente, entre 1701 e 1702. Estes teriam se dirigido para locais de fácil acesso das tropas de mascates ou para lugares onde as condições naturais fossem mais propícias à agricultura de subsistência e

56 O Iluminismo passou a se difundir a partir da segunda metade do século XVIII e constituiu-se num movimento intelectual de grande alcance, que tinha como princípio básico o uso da razão para a compreensão da natureza e da sociedade. 57 José Vieira Couto era iluminista, naturalista, mineralogista e médico formado em matemática e filosofia em Coimbra. Couto era filho de portugueses, nascido no Tejuco. Em 1799, foi designado por D. Maria I, entre outros brasileiros, para “dar uma exata relação dos metais desta comarca e dos interesses régios que dos mesmos se poderiam esperar” (COUTO, 1799, f.2). 58 Este núcleo recebeu o nome de Mata Cavalos pelo fato do terreno ser muito mole e alagadiço. Nele, alguns dos primeiro animais que serviram nas Minas teriam desaparecido. 68 à caça, dando origem ao processo de formação de novos povoados. Essa situação confirma nossa afirmação anterior sobre o surgimento dos diversos povoados ao longo das rotas mineiras, voltados a atividades complementares à da mineração.

Na segunda deserção do arraial do Carmo, permaneceram Francisco Fernandes (que havia obtido uma sesmaria na margem esquerda do Ribeirão) e Manuel da Cunha (que possuía uma cabana e minerais próximas à foz do córrego dos Lavapés59). Posteriormente, o português Antônio Pereira Machado, um dos primeiros desbravadores da região, descendo pelo córrego do Canela, chegou até o Ribeirão do Carmo. Após ter fundado dois arraiais (Bonfim do Mato Dentro e Antônio Pereira), foi obrigado a abandoná-los devido à necessidade de subsistência. Chegando ao Ribeirão do Carmo, Pereira encontrou resquícios do extinto povoado e adquiriu casas, datas minerais e terras de que havia se apossado Manoel da Cunha. Ali fixou residência e, em 1703, erigiu uma ermida dedicada à Nossa Senhora da Conceição, onde está localizada hoje a catedral da Sé, de Mariana. Logo se prontificou a procurar o ouro que seus antecessores não tinham sabido encontrar. Antônio era português e possuía referências de como ocorriam as minas da Nova Espanha. Seus achados repercutiram por toda a região, atraindo antigos moradores (que reocuparam suas casas) e forasteiros (que invadiram as terras de Antônio Pereira), originando uma nova era na história do Ribeirão do Carmo. Pereira, ao perceber que suas terras tinham sido invadidas e que nada poderia fazer para lutar contra a multidão de invasores, concedeu a muitos trabalharem nas Minas e permissão para nelas se fixarem60. Em torno da Ermida da Conceição61 nasceu outro povoado, que passou a ser denominado Arraial de Baixo, para se distinguir do Arraial de Cima ou Mata Cavalos (arraial velho).

Segundo Diogo de Vasconcelos (1948), a fundação de Santa Bárbara data de 1704, quando o bandeirante Antônio da Silva Bueno, desbravando a região, deparou-se com grande quantidade ouro. Logo, ergueu-se o arraial ao qual deram o nome de Santo Antônio do Ribeiro de Santa Bárbara. Como havia ocorrido em Mariana e nos demais povoados mineiros,

59depois, denominado córrego do Secretário e, hoje, denominado córrego do Seminário. 60 Isto exemplifica as parcelas de terras que ficaram conhecidas por patrimônios: “porções de terras cedidas por um senhor ou por vários vizinhos, para servir de moradia ou meio de subsistência a quem desejasse morar de forma gregária e voltada para certas atividades ou que tivesse, no fundo, outro tipo de relacionamento de trabalho ou de troca com os doadores.” Murillo Marx (1989), citado por Fonseca em sua dissertação de mestrado, na página 35. 61A capela da Conceição desempenhou um papel fundamental de polarização que se intensificou com as posteriores promoções às categorias de Matriz da Vila do Carmo e, quase meio século depois, catedral da Cidade de Mariana.

69 estas descobertas atraíram uma população aventureira e ambiciosa, que rapidamente se deslocou para a região. No caso de Santa Bárbara, forasteiros chegavam do nordeste, emigrados da área açucareira. O arraial prosperou e logo foram construídas a matriz de Santo Antônio de Santa Bárbara, a igreja das Mercês e as capelas do Rosário e do Bonfim, ao mesmo tempo em que se tomaram providências oficiais visando a integração da nova comunidade às administrações civil e eclesiástica.62 Através do alvará de 16 de fevereiro de 1724, a freguesia de Santa Bárbara passa a ser colativa, após a nomeação do seu primeiro vigário. Do ponto de vista da administração judiciária, o arraial ficava subordinado à comarca de Caeté63; do ponto de vista da administração eclesiástica, pertencia à arquidiocese de Mariana.

A formação de Catas Altas - distrito pertencente a Santa Bárbara durante todo o Século XVIII, XIX e parte do século XX64- também tem suas origens ligadas ao grande fluxo de povoamento das Minas Gerais, ocorrido no fim do século XVII e início do século XVIII. Não existe um consenso entre os historiadores a respeito da data de sua fundação e do seu fundador65. Inaugurada em 1703, de acordo com a história oficial, desde o início o lugar atraiu inúmeras famílias e reinóis, que vieram seduzidos pelo ouro. Seguindo a tradição, o novo arraial foi dedicado à Nossa Senhora da Conceição de Catas Altas do Mato Dentro. Aos poucos o povo foi se organizando em Irmandades da Igreja Católica66. A grande quantidade de ouro ali encontrada possibilitou rápido, porém efêmero, crescimento da localidade.

O traçado inicial dos núcleos urbanos do eixo Mariana - Santa Bárbara revela a configuração mineira daquela época e pode ser caracterizada nas palavras de Sylvio de Vasconcellos (1981, p.50) como “longínqua, de meia encosta ou de cumeada, segmento de linha que é a estrada, voltada

62 In: Atlas dos Monumentos Históricos e artísticos de Minas Gerais. Circuito de Santa Bárbara. V.2 Fundação João Pinheiro. 63 Essa situação permaneceu até 1889, quando da emanciapação. 64 Catas Altas foi elevada à categoria de município em 1996. 65 De acordo com Augusto de Lima Júnior, a descoberta do ouro em Catas Altas ocorreu um ano antes da descoberta de Ouro Preto (que foi em 1696) e 3 anos antes da descoberta do Ribeirão do Carmo, contrariando a história oficial. A Fundação João Pinheiro coloca o ano de 1703 como a data de fundação de Catas Altas, esplanando não estar estabelecido com precisão qual ou quais os fundadores daquele núcleo minerador. O historiador José Evangelista de Souza aponta o ano de 1703 como da fundação e alega que sua denominação foi dada pelo paulista Manoel Dias, que ali também havia descoberto ouro em morros mais altos, depois de atravessar mato adentro. 66 Era comum que a população se organizasse em associações religiosas, tornando possível a manutenção da vida religiosa. Em Catas Altas tínhamos: Irmandade de São Miguel e Almas, Irmandade do Santíssimo, Irmandade de Nossa Sª da Conceição, Irmandade do Rosário dos Pretos, Irmandade de São Gonçalo do Amarante, Irmandade Confraria do Terço. 70 para dentro. Seu crescimento se dava por prolongamento de suas extremidades ou por paralelismo à rua – tronco”. De fato, o desenvolvimento deste traçado refletiu o tipo de assentamento estabelecido, o parcelamento do solo e as funções exercidas por aqueles povoados, cada qual com suas peculiaridades. A figura 18 mostra o traçado de Mariana nos períodos de 1696 - 1702 e de 1702 -1800.

FIGURA 18: Arraial do Carmo Fonte: Dissertação de Mestrado - Mariana: Gênese e transformação de uma paisagem cultural. 1995. 200f. Dissertação (Mestrado em Geografia) – Instituto de Geociências da Universidade Federal de Minas Gerais (IGCUFMG).

71 O traçado inicial obedeceu à configuração característica do século XVIII. A partir de 1745, Mariana foi promovida à condição de cidade, com todas as prerrogativas para abrigar uma sede de um bispado. Isso possibilitou maior interferência do Estado português no seu espaço urbano, ocasionando reflexos no seu traçado.

Mariana, Catas Altas e Santa Bárbara vivenciaram esta fase inicial de riquezas e posterior decadência ainda no século XVIII. Mariana foi marcada por uma certa vida institucional com a criação de um Bispado em 174567. No intuito de torná-la apta a abrigar a sede de um bispado, a vila foi alçada à condição de cidade, denominada rainha Mariana D’Áustria. Nas palavras de Caldeira (2000, p.4), “todos os esforços para esta transformação foram promovidos, com o objetivo de incentivar a mineração que já começava a mostrar sinais de enfraquecimento.” Inaugurou-se um seminário em 1750 durante o episcopado de D. Frei Manuel da Cruz. Pode-se afirmar que a criação deste bispado insere-se no contexto político de aprimoramento do controle do poder oficial por parte da metrópole na sua colônia. A função de administração eclesiástica adquirida neste século refletiu-se no espaço urbano de Mariana que, comparado aos demais traçados das cidades da região, diferenciou-se pela existência de planejamentos urbanísticos68. Neste sentido, Fonseca (1995, p. 87) revela que Mariana era:

(...) uma cidade especial: como centro religioso das Minas, deveria ter uma imagem que refletisse a nova ordem moral que se desejava impor: deveria ter uma aparência digna do nome da rainha- regular, ordenada, bastante diferente do arraial decadente e castigado pelas inundações do Ribeirão do Carmo.

De fato a Coroa e a Igreja puderam exercer um maior controle sobre o crescimento deste povoado, interferindo na medida em que encontraram necessidade para tal69.

Em Catas Altas, o aglomerado urbano foi se formando em torno da mineração. Sua importância cresceu na medida em que esta atividade passou a figurar entre as mais ricas. O ouro era encontrado em abundância, por exemplo, nas minas da Boa Vista, Pitangui, Bananal, , Pary e Morro de Água Quente. Diante disso, medidas administrativas foram tomadas pela Coroa visando garantir o seu imposto. A criação da freguesia de Catas Altas

67 A vinda do primeiro bispo, D. Frei Manuel da Cruz, se concretizou em 1748. 68 O plano Alpoim foi o primeiro, implantado em 1745. 69 Maiores informações sobre a gênese e a evolução de Mariana podem ser encontrados em: FONSECA, Cláudia Damasceno. Mariana: Gênese e transformação de uma paisagem cultural. 1995. 200f. Dissertação (Mestrado em Geografia) – Instituto de Geociências da Universidade Federal de Minas Gerais. 72 data de 16 de novembro de 1718, seguida poucos anos mais tarde pela declaração de colativa, através do alvará real de 12 de fevereiro de 1724. Para Souza (1998), desde então o clero e o povo sentiram necessidade de uma matriz que correspondesse à riqueza do ouro produzido e à dignidade de uma freguesia da Igreja Católica. Na primeira metade do século XVIII, o arraial atinge seu esplendor com o início em 1729 da construção do monumento de uma igreja barroca. Mas esta não foi finalizada após quatro anos de construção, diante das dificuldades70. Pedia-se o auxílio da Coroa para finalizar a obra da igreja Matriz, que foi retomada em 1738, mas somente concluída em 1828.

Santa Bárbara também se desenvolveu em função da presença de ouro e, após a queda da produção aurífera, os que ali permaneceram encontraram alternativas nas atividades de subsistência, como a criação de gado e a cultura dos frutos do campo. De acordo com a Fundação João Pinheiro (1979), sua localização, no meio dos caminhos que demandavam o nordeste da Província, a beneficiou propiciando que se transformasse num centro abastecedor da região.

2.3 A evolução do eixo Mariana—Santa Bárbara nos séculos XIX e XX e sua caracterização atual

O início do século XIX foi marcado por dois acontecimentos ligados ao processo de mudanças de relações da Coroa com a colônia: a vinda da família real para o Brasil, em 1808, e a criação de um tratado comercial, em 1810. Este tratado perdurou até 1827 e propiciou, além da abertura dos portos, a extinção da lei que proibia o manufaturamento na colônia. De acordo com historiadores, esta lei trouxe muitos benefícios e contribuiu para a miscigenação do povo brasileiro71. Inicialmente verificou-se a chegada de ingleses (aliados políticos e comercialmente ligados a Portugal). Posteriormente, com a vinda de imigrantes de outros continentes, a miscigenação acentuou-se ainda mais no Brasil.

O processo de ruralização nos núcleos urbanos era evidente. Ao longo do século XIX, esta ruralização modificou a paisagem mineira, refletindo o problema da falta de recursos técnicos

70 Tais dificuldades são resumidas em 1734 pelo Provedor da Fazenda Real de Minas, como “falta de ouro”. 71 Até então predominavam quase que exclusivamente os índios, brancos portugueses e negros africanos, já que Portugal restringia a emigração de outros povos europeus. 73 e financeiros do minerador para dar continuidade ao trabalho nas lavras, num momento em que o ouro de aluvião, de fácil extração, havia se exaurido. Algumas faisqueiras, operando com baixa produtividade, ainda permaneciam pontuando a paisagem mineira.

A economia da área central da província de Minas era formada basicamente pelo que Roberto Martins (1980) denominou de unidades agrícolas diversificadas internamente (fazendas, sítios e roças) e que produziam para o auto consumo e para abastecimento de mercados locais. Martins (1980, p.38) caracteriza essa economia regional por isolamento de mercados externos, pela diversificação interna e pela auto-suficiência. “A pauta de importações consistia, quase exclusivamente, de sal, manufaturas européias, algumas matérias-primas, alimentos de luxo como vinhos, azeitonas, azeite, vinagre etc., e, naturalmente, escravos.”

Em linhas gerais, até a metade do século XIX as atividades industriais que predominaram foram as manufaturas de caráter doméstico, as indústrias de beneficiamento da produção agropecuária (açúcar, confecção de tecidos grosseiros e artefatos de couro) e as indústrias de transformação de matérias-primas, abundantes nessa região (fabricação de cerâmica e materiais de ferro). Após o declínio do ouro houve incremento dessas atividades como alternativa econômica e também como resposta à queda na capacidade de importação. Aos poucos foram se desenvolvendo as indústrias têxteis e siderúrgicas, favorecidas por farta matéria-prima disponível. Muitas fazendas passaram a fabricar suas próprias ferramentas agrícolas. As indústrias, por sua vez, possuíam técnicas rudimentares de produção, operando com baixa produtividade; supria um mercado local e utilizava metade da mão-de-obra escrava.

As análises de Martins sobre as Minas do século XIX e o relato dos viajantes que percorreram a região no início do século XX nos levam a afirmar que a área de estudo não mais poderia ser caracterizada como área de economia mineradora. Os reflexos dessa mudança de função foram sentidos na paisagem urbana. Os centros mineradores encontravam-se parcialmente desertos e a população tinha se dispersado pela zona rural, dedicando-se, principalmente, à agricultura e à pecuária. Além de relatar esse movimento de ruralização regional e o predomínio das atividades agropecuárias, os viajantes estrangeiros contribuíram com descrições dos aspectos da cultura mineira, da paisagem natural e construída, revelando uma riqueza de detalhes. John Emanuel Pohl (1976, p.381), referindo-se ao arraial de Santa Bárbara, relata:

74 Antigamente, quando a extração era ainda considerável, esse arraial florescia e era animado por intenso movimento comercial. Hoje, a exploração do ouro é pouco importante e os moradores vivem mais da criação de gado e da cultura dos frutos da terra.

Auguste Saint Hilaire (1976), referindo-se a Santa Bárbara em 1817, registrou o desabafo de um proprietário de várias residências que afirmava não encontrar pessoas dispostas a ocupá- las “nem de graça”.

Ao que tudo indica, a situação de decadência e a mudança de funções nas cidades revelaram- se generalizadas. Burton (1976, p.269) registra Inficionado72, Catas Altas e Morro de Água Quente73 através de impressões detalhadas sobre a fisionomia destes lugares. Inficionado era para ele “Uma rua mal calçada”,”um trecho mal calçado de estrada”. Existiam duas capelas além da igreja Matriz, mas não havia padre. Um chafariz seco pontuava o largo desta matriz. As atividades principais eram “a colocação de ferraduras e a venda de milho”, que eram vendidos por preços elevados aos ocasionais viajantes. Os habitantes mostravam uma mistura de raças e “os aleijados e mendigos eram mais numerosos que de costume.” Morro de Água Quente encontrava-se bastante decadente com a paralização do trabalho na mina do Bananal. Tinha 68 casas, “à razoável distância uma da outra”, segundo este viajante. Sobre Catas Altas, Burton (1976, p.265) soube relatar a tristeza que se abateu sobre o povoado naquele tempo:

(...) depois que as minas acabaram, tornou-se muito pobre, e seus habitantes ganham a vida plantando milho e criando gado. Essas simples e inocentes ocupações geórgicas e bucólicas, deviam torna-los felizes; mostram-se, porém, tão abatidos como Meliboeus e Corydon, e, como suas vidas vazias não merecem muito serem vividas, vivem muito e custam a morrer. A única rua, além da matriz de Nossa Senhora da Conceição, tem três capelas, Rosário, Santa Quitéria e Bonfim. A colunária matriz, que dá frente para uma praça em subida, bem cuidada, é abundantemente pintada; mesmo a balustrada em torno da torre é uma ilusão destinada a não iludir.

Em relação ao povoado de Camargos, este mesmo autor revela que a população plantava e criava gado, e que a pequena exploração de ouro, verificada no início do século XIX, outrora havia sido abundante. Ali também se exportava o ferro e se plantava o chá, que ficou famoso.

72 De acordo com esse mesmo autor, Inficionado recebeu esse nome por causa de qualidade do ouro, a princípio excelente, e que logo começou a apresentar defeito. 73 De acordo com Burton, a origem de Água Quente estaria ligada à existência de uma fonte termal, que foi soterrada por um desabamento ou ao aparecimento de água quente uma vez na mina. 75 O arraial de Bento Rodrigues, registrado por Bunbury (1981, p.69), encontrava-se também em estado lastimável, sendo caracterizado por este viajante como um “miserável agrupamento de choupanas, situado em terreno baixo e um tanto pantanoso, cercado de colinas lindamente matizadas de bosques, pastagens e rochedos, acima dos quais se eleva a Serra do Caraça com seus ásperos penhascos cinzentos.”

Bunbury (1981, p.70) descreve ainda os objetos característicos da paisagem daquele tempo e a falta de ocupação das pessoas:

(...) uma grande e brilhante igreja, caiada de branco, que muitas vezes se torna visível a uma grande distância; pequenas casas de barro, mal construídas e de pobre aparência; negras e mulatas feias, muito insuficientemente vestidas, lavando roupa no riacho; e uma abundância de desocupados(...)

O relato deste viajante, que percorreu a região de estudo entre 1833 e 1835, retrata uma questão interessante no contexto da paisagem mineira, já mencionada anteriormente, ou seja a importância da Igreja, enquanto centro polarizador, refletida na paisagem. Sua construção era sólida, localizada em local de destaque e muito bem acabada, contrastando com as casas de civis.

Curiosamente, os viajantes não relatam a decadência em Mariana e em Ouro Preto. Burundy (1981) chega a fazer uma comparação entre a primeira, capital eclesiástica de Minas, e a segunda, capital para fins militares e políticos, revelando como as diferentes funções se refletem na forma urbana. Este viajante descreve o cenário de Ouro Preto como “pitoresco” e “notável”, porém de aspecto bastante “severo”, quando comparada a Mariana: cidade episcopal, consideravelmente menor que a primeira74, mas de aparência muito mais alegre e agradável. O cenário de Mariana, na visão deste viajante, é de um aspecto aberto e risonho, em vez da severa mas pitoresca austeridade que caracteriza a outra (Ouro Preto). É bom lembrar que, devido ao seu caráter de centro religioso e ao prestígio do seminário como instituição educativa, Mariana manteve posição de destaque entre as cidades mineiras. Essa situação perdurou por todo o século XIX (como veremos ainda neste capítulo), alcançando também as primeiras décadas do século XX.

74 De acordo com este viajante, a população de Ouro Preto era de 8.200 habitantes naquele tempo. Na sua percepção, Mariana parecia ocupar muito menos espaço, apesar de dizerem que sua população era apenas de 1.200 habitantes menos do que a de Ouro Preto. 76 Ouro Preto desenvolveu-se a partir de dois núcleos fundados por membros da bandeira de Antônio Dias de Oliveira, em 1698: os povoados de Ouro Preto e Antônio Dias. Estes povoados se expandiram até se unirem, sendo elevados à categoria de vila em 1711, com o nome de Vila Rica. Após a independência, Vila Rica foi elevada à categoria de cidade, sendo nomeada como capital da Província de Minas75. De fato, Ouro Preto exerceu uma importante função de administração política e militar no contexto de Minas Gerais. Esta condição se manteve durante quase todo o século XIX, quando da transferência da capital para Belo Horizonte em 1897. As intervenções do Estado português se refletiram de um modo peculiar em seu espaço urbano e em sua arquitetura.

Pode-se traçar a evolução do eixo Mariana – Santa Bárbara a partir do século XIX através das diferentes funções exercidas por essas cidades, no contexto histórico das Minas Gerais. Da fase do ouro até a fase atual, que caminha para o desenvolvimento do turismo, houve um processo de ruralização ao longo do século XIX, seguido de uma fase de renovação da atividade mineradora através do ciclo do ferro, ao longo do século XX. Interessa-nos relatar, primeiramente a chegada dos ingleses, que deu início a uma profunda modificação no setor mineralógico e está ligada ao contexto histórico da região em estudo.

A história nos mostra que estas famílias inglesas começaram a chegar nesta região das Minas após a independência do Brasil76. Diversas companhias inglesas estabeleceram-se na região do quadrilátero ferrífero. Na área de estudo, a mais importante delas foi a Imperial Brazilian Mining Company que iniciou suas operações em 182677, na mina de Gongo Soco, localizada entre Nossa Senhora do Bonsucesso de Caeté e o arraial de São João do Presídio do Morro Grande (terras pertencentes, na época, a Vila Nova da Rainha de Caeté - atual Santa Bárbara). Segundo Diogo de Vasconcelos (1948), a mina pertencia ao então Comendador e Capitão-mor José Alves da Cunha (Barão de Catas Altas) e foi vendida para os ingleses. Lá se construiu uma vila para abrigar os trabalhadores da mina, sendo que na contratação de ingleses, priorizavam-se os casais com filhos em condições de trabalho. Inicialmente, quando de sua venda, contava com 40 empregados. Mas, de acordo com Burton (1976), após a venda para a companhia inglesa, esta mina passou a empregar, inicialmente, 180 ingleses e 600

75 Neste momento Vila Rica passou a se chamar Ouro Preto. O nome se deve ao fato das pepitas de ouro terem um aspecto de grãos escuros, encontrados em grande abundância no leito do riacho do Tripuí (arredores da cidade). 76 Dentre elas, os EMERYS e os HOSKENS, famílias tradicionais em Catas Altas, hoje. 77 De acordo com a Fundação João Pinheiro. De acordo com Richard Burton, o início se verificou em 1824. 77 trabalhadores livres e escravos negros. Burton (1976, p.183) a descreve como “uma aldeia inglesa nos trópicos, com sua igreja e capelão consagrados pelo bispo de Londres (...)”. Esta mina se expandiu nas filiais de Boa Vista, Bananal (ou Água Quente), Socorro, Campestre, Cata Preta e Inficionado, concorrendo para um certo bem estar de uma região, num raio de trinta léguas. Posteriormente, após 1859, surgiram na área de estudo outras companhias como a London and Brazilian Gold Mining Company em Passagem, nas proximidades de Mariana, e a Santa Bárbara Company, em Santa Bárbara.

Em termos econômicos, as companhias inglesas que se estabeleceram na região, durante o século XIX não trouxeram alterações significativas. Tudo indica que os benefícios foram tão efêmeros quanto a permanência destes estrangeiros. Os esforços governamentais não foram suficientes para impedir a decadência do setor mineralógico e, com exceção de faiscagem, a exploração do ouro havia praticamente cessado.

Richard Burton (1976, p.186) chega a culpar os ingleses pelo fracasso das minas de ouro, quando relata que

Nas minas, como nas estradas de ferro, a causa do fracasso, repito, está, não nos brasileiros, mas em nós (ingleses). Tem havido o mais grosseiro exagero, tanto na Inglaterra, como no exterior. Os interesses particulares prevaleceram sobre os públicos; em certos casos notórios, foi organizado um verdadeiro sistema de rapina; planos irrealizáveis foram lançados ao mercado; reles especuladores ficaram ricos; a economia foi de todo negligenciada e o dinheiro foi enterrado, como se esperasse que cresceria. O mais lamentável resultado de tudo isso foi a falsa convicção, na Europa, de que a semente do capital não pode ser semeada lucrativamente no Brasil, quando não há pais em que, se devidamente cultivada, possa dar melhor colheita.

Se por um lado a presença inglesa não contribuiu para o desenvolvimento econômico da região, por outro, deixou uma influência que pode ser sentida na língua e nos costumes. Isto se evidenciou principalmente em Catas Altas e em Mariana, onde ainda encontramos descendentes dessas famílias tradicionais inglesas.

Em Mariana, a mina da Passagem, adquirida pela The Ouro Preto Gold Minas of Brazil Ltda. em 1883, tornava-se a mais importante do país já nos primeiros anos da República. Antes dela a Saint John Del Rey Mining Company, em Morro Velho (região de ) chegou a gerar 83% de todo o ouro produzido em Minas Gerais, até o seu desmoronamento em 1886.

78 Também em Mariana poderíamos encontrar cerca de 14 pequenas fábricas de ferro, das 97 existentes. Fonseca (1995, p.133), lembra que “se o declínio da extração do ouro não significou estagnação do município como um todo, pelo menos em sua sede ele ocasionou, inegavelmente, um ‘congelamento’ de sua paisagem e de suas estruturas coloniais.” A principal atividade era a agropecuária. Ainda de acordo com essa autora, a bem sucedida exploração da mina de Passagem só provocou reflexo sobre a conformação de Mariana nas primeiras décadas do século XX.

No caso de Santa Bárbara que, devido à sua localização privilegiada acabou se tornando um centro abastecedor para a região78, somente em 1861 tivemos a chegada de empresários ingleses que criaram a Santa Bárbara Mining Company, objetivando reativar a exploração do ouro. Adquiriram a fazenda conhecida como Mina de Ouro de Pari ou veio de Pari, no então distrito de Piracicaba, a seis milhas da sede municipal79. Mas, de acordo com Richard Burton (1976), apesar das esperanças locais, o esforço foi em vão e a mineração não prosperou. O processo de ruralização de Santa Bárbara era evidente, quando da sua transformação em sede de Comarca, em 1878. Registrava-se uma população de 47 mil habitantes, 10 por cento dos quais localizados na sede municipal. Deste total, pouco mais de 6 por cento (7.610) era constituído por trabalhadores escravos registrados80.

Em Catas Altas, distrito de Santa Bárbara naquele tempo, a população também se dispersou para a zona rural, visando a garantia de sua subsistência. Destaca-se a atuação educadora do então Vigário, Monsenhor Mendes, que incentivou a produção da uva, orientando os plantadores com técnicas adequadas ao plantio. A atividade vinícola, iniciada em 1840, teve o seu apogeu no início do século XX, atingindo cerca de 40 mil litros por ano, uma das maiores da região (ver figura 19, p.80).

O século XX trouxe a modernidade, introduzindo novos gostos, hábitos e estilos de vida. Intensifica-se o processo de industrialização e de modernização cujo marco inicial foi o golpe

78 Santa Bárbara em pouco tempo foi transformada em vila, desligando-se de Caeté. Isso ocorreu através da Lei Provincial nº 134, de 16 de março de 1839. Transformou-se em cidade em 6 de junho de 1858. O quadro sombrio descrito pelos viajantes que durante este mesmo século, foi se alterando na medida em que novas atividades econômicas floresceram. Em Santa Bárbara e Catas Altas, desenvolveu-se a tecelagem, decorrente da lavoura algodoeira, e a siderurgia, em razão da abundância de minério nesta área.

79 Fundação João Pinheiro, 1989. (Circuito de Santa Bárbara).

79 militar de 1964. Paralelamente ao processo de industrialização surgiam os grandes centros urbanos, núcleos irradiadores de novas idéias e valores. Desenvolveram-se também os meios de comunicação de massa que, aos poucos, introduziram novos valores e necessidades ao homem. Isto influenciou nas interferências mais recentes sobre os espaços das cidades mineiras. Nessa época o estado autoritário desenvolveu uma política cultural própria, objetivando estabelecer uma identidade autenticamente brasileira, de acordo com a Fundação João Pinheiro (1979).

Figura 19: Rótulo vinho fabricado em Catas Altas no início do século XX Fonte: Secretaria de Cultura de Catas Altas

Uma análise mais aprofundada dessas transformações ocorridas com a modernidade fugiria ao escopo deste trabalho. Mas é importante ressaltar que houve uma série de políticas públicas que atraíram várias empresas de grande porte para a região do quadrilátero ferrífero. Parte do município de Mariana (porção oeste, abrangendo o núcleo urbano), de Catas Altas e Santa Bárbara se inscrevem neste quadrilátero (ver fig. 20, p.81).

80 Dados da fundação João Pinheiro 80 Quadrilátero Ferrífero Minas Gerais ∗

Santa Bárbara Belo Horizonte 20º

Mariana

Legenda: 0 150 300

Quilômetros Santa Bárbara

º 4

4 Catas Altas

Fonte: www.geominas.mg.gov.br Mariana Elaboração: Karlla Valladares Álvares Limites municipais Quadrilátero ferrífero

FIGURA 20: Quadrilátero Ferrífero Elaboração: Karlla Valladares Álvares

Somente a partir da metade do século XX surge uma indústria mais desenvolvida, favorecida por vários fatores como o crescimento demográfico da região, a extinção do tráfego de escravos (disponibilizando capitais) e facilidade de aquisição de bens primários. É importante ressaltar que com as novas técnicas a produtividade cresceu mais continuou restrita ao mercado consumidor local ou intra-regional e dependia de matéria-prima local. Esta indústria sobreviveu até meados do século XX81.

Mariana ainda permaneceu ligada principalmente às atividades agropecuárias até a década de 60, apesar da topografia inadequada e da má qualidade dos solos. Mas os meados desta

81 Nesta época, o processo de concentração industrial nos grandes centros urbanos alterou a dispersão espacial até então bastante característica da indústria mineira e da região em estudo. A melhoria nos meios de transporte e o avanço da indústria tornaram inviáveis estes pequenos estabelecimentos industriais. 81 década contaram com o desenvolvimento do setor terciário: havia numerosas oficinas de ferreiros, seleiros, alfaiates, sapateiros etc. que garantiam a sobrevivência da cidade. Em 1937 foi promulgado um decreto-lei organizando a proteção do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional82 e tombando o conjunto arquitetônico e urbanístico da cidade.83 Somente no fim da década de 60 as mudanças políticas, econômicas e culturais ocorridas no Brasil se fizeram sentir, também, na paisagem e na sociedade de Mariana. Fonseca (1995), ao analisar o desenvolvimento de Mariana, retrata a questão da importância da localização deste município em relação à nova capital Belo Horizonte e dos centros industriais siderúrgicos e metalúrgicos. Outro fator que contribuiu foi a presença da estrada de ferro tanto nesta localidade quanto em Santa Bárbara. Na década de 70 abriu-se a rodovia MG-262 ligando Ouro Preto à , facilitando ainda mais o transporte de minério, lembra esta autora. No caso de Mariana, a primeira empresa a se instalar foi a S.A. Mineração Trindade - SAMITRI, em 1967. Iniciou suas atividades dois anos depois, mas desde o início já atraia grande número de pessoas, provocando alterações no ritmo calmo da cidade. Nas palavras de Fonseca (1995, p.169):

O ribeirão (do Carmo) passava a representar um limite concreto entre “duas Marianas” bem distintas: na margem direita, a cidade histórica, que deveria ser preservada- sobretudo seus monumentos religiosos- e na margem esquerda, a cidade nova, aberta à expansão e ao progresso, sem qualquer restrição, o que, segundo um pensamento generalizado, que persiste até hoje, em nada afetava o núcleo histórico.

A SAMARCO foi a segunda empresa a se instalar em Mariana, em 1977, e provocou um afluxo ainda maior de pessoas ao município, de acordo com Fischer84, citado por Fonseca (1995, p.171). Em 1979 a Companhia Vale do Rio Doce (CVRD) iniciou suas instalações, dando início à produção em 1983.

Pesquisas revelam que a maior parte dos operários que trabalharam nas obras de instalação dessas empresas acabou permanecendo em Mariana após o término das mesmas. Dados da Fundação João Pinheiro (1979) indicam um considerável aumento populacional na sede85 e

82 Maiores detalhes sobre a atuação deste órgão podem ser vistos em Fonseca, Claudia Damasceno -Mariana: Gênese e transformação de uma paisagem cultural. 1995. 200f. Dissertação (Mestrado em Geografia) – Instituto de Geociências da Universidade Federal de Minas Gerais (IGCUFMG). 83 Primeiramente SPHAN. Serviço de Patrimônio Histórico, Artístico e Nacional. 84 FISCHER, Mônica. Mariana: Os dilemas da preservação histórica num contexto social adverso. Belo Horizonte: Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal de Minas Gerais, 1993. 216p. (Dissertação de Mestrado em Sociologia Urbana). 85 De 7.720 habitantes em 1970 para 12.853 em 1980. 82 em nível municipal. Este crescimento demográfico pode ser caracterizado pelo seu caráter urbano e decorrente de fluxos populacionais oriundos de outros municípios. Além destes funcionários, vieram os familiares e uma grande parcela de pessoas que se mudaram na expectativa de conseguir trabalho. De acordo com Fischer86, citado por Fonseca (1995, p.171), o crescimento populacional do município de Mariana tem sido superior ao do Estado. Outro aspecto a ser considerado é que houve uma mudança radical na participação dos diversos setores da economia. Em 1970, a atividade agropecuária envolvia 45,70 por cento da população economicamente ativa e 23,55 por cento desta destinava-se a atividades industriais.

A paisagem de Catas Altas sofreu grandes alterações a partir da década de 60, quando a mineração do ferro passou a atrair mão-de-obra anteriormente voltada às plantações de uva. Segundo a Fundação João Pinheiro (1979, p.90):

O velho arraial minerador, parado no tempo, perplexo com a agitação do desenvolvimento industrial e testemunho de faustos antigos, teimava em não sucumbir. Nos anos 60 um sopro de dinamismo econômico revitaliza em parte a vida local, com o incremento da mineração de ferro, por iniciativa da Companhia Vale do Rio Doce, permitindo afinal a convivência do passado colonial com os nossos dias.

Paralelamente, os projetos de reflorestamento foram substituindo os vinhais. Atualmente, as atividades econômicas são a mineração, a agropecuária, a silvicultura, o turismo e o artesanato. Dentre estas a mais expressiva e predominante é a silvicultura, ocupando 23 porcento da área total do município.87 A agricultura é de natureza familiar, destacando-se a cultura do milho, além da produção de feijão, arroz, café, cana-de-açúcar, mandioca e uva. A pecuária se restringe a uma pequena produção leiteira. A produção de vinho constitui-se numa atividade bem artesanal e destinada ao consumo doméstico. A uva foi substituída por frutas como jabuticaba e laranja. Atualmente, visando a preservação de atividades tradicionais que são de interesse para o turismo, a prefeitura tenta resgatar a produção de vinho, incentivando os moradores a plantarem a uva. A cachaça e a farinha de mandioca, artigos muito famosos, têm deixado de ser produzidas e constituem-se em interessantes produtos a serem consumidos pelo turista. Segundo dados da Fundação João Pinheiro (1979), de 1960 a 1970, a população cresceu a uma taxa anual de 10,33 por cento. Tal fato se deve ao elevado índice de

86 FISCHER, Mônica. Mariana: Os dilemas da preservação histórica num contexto social adverso. Belo Horizonte: Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal de Minas Gerais, 1993. 216p. (Dissertação de Mestrado em Sociologia Urbana). 87 Dados da Celulose Nipo-Brasileira S/A- CENIBRA, proprietária destas terras. 83 migrantes na região. Essas transformações sócio-econômicas acabaram afetando o centro histórico de Catas Altas, que se encontra invadido por novas construções. Temos a presença de conjuntos habitacionais na entrada da cidade, o que dá ao município um aspecto bem diferente do original88. Esses migrantes trazem novos valores e padrões culturais. Para eles, o centro histórico pouco interessa. Já, para o turista, representa algo pitoresco e de grande valia, neste momento de valorização do turismo cultural pela sociedade. Um trabalho elaborado pela EMATER (2001) caracterizou os principais ecossistemas de Catas Altas com base para o desenvolvimento sustentável, revelando:

Se por um lado o município apresenta limitações para o cultivo de alimentos em grande escala, por outro lado os patrimönios natural e histórico abrem perspectivas para o desenvolvimento do turismo de interesse ambiental, histórico e cultural, que atraem pessoas de todo o país, constituindo-se num público consumidor que valoriza a produção artesanal emergente no município, e sinaliza que o desenvolvimento deste setor é imprescindível no Plano de Desenvolvimento do Município.

Santa Bárbara vivenciava uma fase de grande dinamismo, com a renovação de suas atividades econômicas, quando da chegada do século XX. O município era composto por onze distritos, um dos maiores de Minas Gerais. A fábrica de tecidos São Domingos , paralisada durante muito tempo, havia sido reativada. A indústria de laticínios Boa Esperança89 modernizava-se, chegando a produzir 200 quilos de manteiga diariamente, segundo dados da Fundação João Pinheiro (1979). Além disso, o então distrito de Catas Altas atingia um excelente patamar na produção de vinhos, no inicio deste século, e a farinha produzida neste local era considerada a melhor do estado. Além da produção de milho e feijão (disseminada por toda a área do município), produzia-se a cana-de-açúcar e o chá. Soma-se a isso a inauguração da estrada de ferro Central do Brasil90 (ver figura 21, p.85), consolidando o processo de mudança das funções e no estilo de vida das pessoas.

O período era propício aos negócios e de intensa vida política, retratada em dois jornais da época: A vida e A Pátria. A posse do Conselheiro Affonso Pena, como quarto presidente da República (período de 1906 a 1910) também representou um momento importante para os grupos dominantes locais.

88 Aliás estes conjuntos habitacionais também estão presentes em Mariana. 89 Localizada no distrito de Cocais. 90 A estrada de ferro Central do Brasil foi inaugurada em primeiro de agosto de 1911. 84

FIGURA 21: Inauguração da Estação Ferroviária de Santa Bárbara em 1911. FONTE: Secretaria de Cultura de Santa Bárbara

A vocação para a produção de subsistência já estava consolidada e uma nova função ganhava importância: a de centro atacadista. Mas as transformações trazidas com a modernidade só passaram a alterar a vida do município após 1950. O censo demográfico deste mesmo ano acusava que dos seus 19.022 habitantes, cerca de 2.660 pessoas (19,6 por cento) dedicava-se à atividade de agricultura, pecuária e silvicultura. Deste total, 8,45 por cento da população ativa trabalhava com minério de ferro, que teve sua importância crescente a partir deste período.

A atual posição hierárquica das cidades do eixo turístico em estudo pode ser compreendida através dos trabalhos desenvolvidos a partir do final de 1960. Nesta época, as cidades de Minas Gerais passaram a despertar forte interesse, tanto nos órgãos públicos ligados direta ou indiretamente ao planejamento urbano-regional quanto na Academia. Segundo Amorim (2002), os reflexos disso podem ser sentidos nos diversos estudos realizados a partir da década de setenta, visando compreender a evolução e a configuração atual dos sistemas e subsistemas urbanos de Minas Gerais. Estas pesquisas são interessantes, na medida em que revelam características importantes sobre a rede urbana do Estado e a hierarquia de seus núcleos urbanos. Não faz parte do escopo desse trabalho tratar essa questão com

85 profundidade mas, não se pode deixar de mencionar a atual conformação da rede urbana de Minas e a situação da área de estudo neste contexto.

Um dos estudos mais pioneiros desenvolvidos no âmbito estadual foi o de Yves Leloup, em sua tipologia genética para as cidades de Minas Gerais. Leloup identificou quatro categorias genéticas: cidades coloniais, cidades agrícolas, company towns e cidades-cogumelos. Na classificação deste estudioso, as cidades do eixo Mariana - Santa Bárbara se enquadram na categoria “cidades coloniais”, ou seja: cidades “remanescentes do período colonial em que predominou, econômica e culturalmente, o ciclo do ouro e dos diamantes”, lembra Amorim (2002, p.190). A quase totalidade dessas cidades está localizada na região central do território mineiro. De acordo com este mesmo autor estas cidades, “não podendo reciclar-se como centros de regiões agrícolas, voltaram-se para outras funções: religiosa, administrativa, universitária e, a partir dos meados do século XX, turística.” Nesta pesquisa, Leloup utilizou critérios geosocioeconômicos e elaborou várias hierarquias urbanas setoriais, que resultaram em duas hierarquias sintéticas: uma para 1950 e outra para 1960 (ver tabela 2 p. 86 e tabela 3, p. 87). Este estudo também incluiu as metrópoles nacionais de São Paulo e do Rio de Janeiro, com seus espaços polarizados em Minas.

Tabela 2

HIERARQUIA URBANA DE MINAS GERAIS – 1950

1. Capitais Regionais Belo Horizonte e 2. Grandes Centros Regionais Uberlândia e 3. Centros Regionais , Teófilo Otoni, Governador Valadares, , , Ponte Nova, Barbacena, São João Del Rei, Itajubá e Poços de Caldas 4. Centros Intermediários , Patos, Diamantina, Araxá, Passos, , Lavras, Ubá, Leopoldina, Muriaé, Manhuaçú, , Três Corações e . 5. Centros Industriais , , , Divinópolis, Nova Lima, Ouro Preto, , Santos Dumont, , Além Paraíba 6. As demais cidades são Centros Locais

FONTE: Leloup, 1970 In: Minas Gerais do Século XXI, BDMG, 2002, V. 2.

86 Tabela 3

HIERARQUIA URBANA DE MINAS GERAIS – 1960

1. Metrópole Regional Belo Horizonte 2. Grandes Centros Regionais Juiz de Fora, Governador Valadares, Uberlândia e Uberaba 3. Centros Regionais Montes Claros, Teófilo Otoni, Araguari, , Ituiutaba, Ponte Nova, Barbacena, Poços de Caldas e Varginha 4. Centros Regionais Industriais Divinópoles, Barbacena e Itajubá 5. Centros Intermediários de Diamantina, Araxá, São Sebastião do Paraíso, Passos, Guaxupé, Serviços Alfenas, Pouso Alegre, Formiga, Lavras, Oliveira, São Lourenço, Ubá, Muiaé, , Manhuaçu e Caratinga. 6. Centros Intermediários Curvelo, Sete Lagoas, , Conselheiro Lafaiete, São Industriais João Del Rei e Leopoldina 7. Pequenas cidades Industriais , Itabira, João Monlevade, Caeté, Nova Lima, Pará de Minas, , , Ouro Preto, Santos Dumont, São João , Além Paraíba, Cataguases e Itaúna. 8. As demais cidades são Centros Locais

FONTE: Leloup, 1970 In: Minas Gerais do Século XXI, BDMG, 2002, V. 2.

É interessante observar, de acordo com a hierarquia estabelecida para 1950, que Ouro Preto é caracterizada como centro industrial, enquanto Catas Altas, Mariana e Santa Bárbara são consideradas como centros locais. Na hierarquização de 1960, Ouro Preto se enquadra na categoria de pequenas cidades industriais. Belo Horizonte já é considerada uma metrópole regional nesta década. Amorim (2002), com base no estudo elaborado por Leloup, revela que em 1950 a hierarquia da rede urbana de Minas Gerais começava a alcançar patamares de estruturação e organicidade mais elevados. De fato, podemos notar, através da hierarquização de Leloup, que já existe uma maior complexidade e diversificação na classificação de 1960, o que nos remete às transformações verificadas nas geografias econômica e urbana de Minas Gerais. Neste contexto, Amorim (2002, p. 194) destaca que:

os fatores econômicos, o desenvolvimento dos demais sistemas e subsistemas urbanos de outros estados da Região Sudeste do Brasil, a criação de Brasília e, talvez acima de tudo isso, uma ampliação e uma modernização sem precedentes da rede rodoviária de Minas estão, entre outros motivos, na base dessas transformações das redes urbanas mineiras.

87 Belo Horizonte influenciou diretamente a nossa área de estudo, pela sua maior proximidade com esta metrópole. Mas é bom lembrar que os níveis de interação e conexão dos subsistemas urbanos mineiros permaneciam ainda relativamente baixos, naquele tempo. Aliás, Belo Horizonte, na visão de Leloup, foi um caso excepcional de explosão urbana. Em 1900, sua população era de 8.000 habitantes, envoluindo para 177 mil habitantes em 1940, e para 642.912, em 1960. Em 1967, sua população já superava um milhão de habitantes.

Um outro estudo elaborado pelo IGA, em 1980, avaliou a hierarquia urbana de Minas Gerais vigente na década de 70, analisando-a através do fluxo de ônibus intermunicipais91. Através deste trabalho pode-se ter uma idéia da evolução das redes urbanas do Estado. Constatou-se, com base nestes critérios, que metrópoles como Belo Horizonte, São Paulo, Rio de Janeiro e Vitória (em menor proporção), exercem influências sobre áreas maiores ou menores do nosso território. Essa influência, lembra Amorim (2000), tem muitas vezes um aspecto difuso e de baixa intensidade- fato que não chega a inibir a formação e consolidação de zonas polarizadas por centros regionais e intermediários mineiros. Por outro lado, a excessiva proximidade em relação a uma grande cidade, por exemplo, exerce um efeito inibidor sobre a formação e a manutenção de subsistemas urbanos menores.

Através da tabela 4 (p. 89), visualiza-se que as cidades do eixo Mariana - Santa Bárbara ainda se encontram num patamar inferior ao da hierarquia estabelecida com base no critério de circulação de ônibus intermunicipais. Ouro Preto já se enquadra em nível hierárquico superior, se comparada com as cidades do eixo em estudo. No entanto, é interessante ressaltar que estas abordagens estavam ligadas a uma preocupação com os grandes aglomerados urbanos, em voga naquele tempo.

91 o fluxo de ônibus foi escolhido por ser o meio de transporte terrestre mais utilizado nas conexões intermunicipais brasileiras, de um modo geral e de Minas Gerais, em particular. Maiores detalhes sobre este trabalho podem ser vistos em INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS APLICADAS (Coordenação de AMORIM FILHO, O. B.): A Hierarquia Urbana de Minas Gerais analisada através da Circulação de ônibus Intermunicipais. Belo Horizonte, IGA/ SECT, 1980, 60p. 88 Tabela 4 HIERARQUIA DAS CIDADES DE MINAS GERAIS COM BASE NA CIRCULAÇÃO DE ÖNIBUS INTERMUNICIPAIS (NÍVEIS HIERÁRQUICOS SUPERIORES) 1. Metrópole Regional Belo Horizonte 2. Centro Regional Juiz de Fora (2ª ordem A) 3. Centros Regionais Barbacena, Divinópolis, Governador Valadares, Itajubá, Montes Claros, (2ª ordem B) Poços de Caldas, Muriaé, Uberaba, Uberlândia, Varginha 4. Centros Sub-regionais Caratinga, Cataguases, Conselheiro Lafaiete, Formiga, João Monlevade, (3ª ordem) Passos, Patos de Minas, Ponte Nova, Pouso Alegre, São João Del Rei, São Lourenço, Sete Lagoas, Teófilo Otoni, Ubá. 5. Centros Sub-regionais Alfenas, Almenara, Araguari, Araxá, Bom Despacho, Carangola, Curvelo, (3ª ordem B) , , Ituiutaba, Lavras, Manhuaçu, Nanuque, Ouro Fino, Ouro Preto, Paracatu, Pará de Minas, Patrocínio, Viçosa (conurbação)

FONTE: Leloup, 1970 In: Minas Gerais do Século XXI, BDMG, 2002, V. 2.

Amorim (2000) ressalta que uma outra abordagem surge no decorrer de 1970 e na primeira metade dos oitenta, na busca de uma melhor compreensão de um grupo de cidades pertencentes aos níveis intermediários das hierarquias e redes urbanas. Amorim Filho, Bueno e ABREU coordenaram um estudo de grande relevância em 1982, que abrangeu cerca de 102 cidades, com base no tamanho demográfico e nas áreas de influência92 (cidades mineiras acima de 10 mil habitantes, excluídas as pertencentes à Região Metropolitana de Belo Horizonte). Esta classificação pode ser visualizada na tabela 5 (p. 90), onde as cidades de Santa Bárbara e Mariana são retratadas como “centros emergentes”: centros situados no limiar inferior das cidades médias. Trata-se, nas palavras de Amorim (2002, p. 197-198):

(...) daquele conjunto de cidades que se encontram na faixa, ou limiar, que faz a transição entre as pequenas cidades e aquelas consideradas médias. (...) São cidades que, do ponto de vista demográfico, não chegam a 50000 habitantes urbanos. (...) Apresentam uma economia em fase de estruturação inicial, isto é, os setores comercial, de serviços e industrial começam apenas a organizar-se, no sentido de poderem atender não somente as populações da própria cidade ou do próprio município. (...) Mas, o que caracteriza realmente os centros emergentes são suas ligações profundas e sua dependência em relação ao mundo rural que os envolve. Para esses espaços rurais, os centros emergentes representam a primeira válvula de abertura em relação ao mundo exterior.

92 Maiores detalhes podem ser encontrados em AMORIM FILHO, O. B., BUENO M.E.T e ABREU J. F.: Cidades de Porte Médio e o Programa de Ações Sócio-Educativo-Culturais para as Populações Carentes do Meio Urbano em Minas Gerais. Boletim de Geografia Teorética, Rio Claro- SP, AGETEO, 12 (23-34), 1982, 33-46. 89 Tabela 5 HIERARQUIA DAS CIDADES DE PORTE MÉDIO EM MINAS GERAIS Nível 1 Grande centro regional: Juiz de Fora Nível 2 Cidades Médias de Nível Superior: Uberlândia, Uberaba, Barbacena, Varginha, Poços de Caldas, Itajubá, Pouso Alegre, Governador Valadares, Sete Lagoas, Montes Claros, Divinópolis, São Lourenço e Caxambu. Nível 3 Cidades Médias propriamente ditas: Teófilo Otoni, Patos de Minas, Ituiutaba, Caratinga, Araguari, Passos, São João Del Rei, Formiga, Curvelo, Diamantina, Ubá, Araxá, Machado, Viçosa, Carangola, Itabira, Ponte Nova, Lavras, Alfenas, São Sebastião do Paraíso, Oliveira, Conselheiro Lafaiete, Três Corações, Itaúna, Leopoldina, Ouro Preto, Ouro Fino, Santa Rita do Sapucaí, Guaxupé, João Monlevade, Além Paraíba, Coronel Fabriciano, Pará de Minas, Cataguases, Ipatinga, Congonhas, Santos Dumont, Visconde do Rio Branco, Boa Esperança, Muriaé, São João Nepomuceno, , Nanuque. Nível 4 Centros Emergentes: Patrocínio, Bom Despacho, Pirapora, Timóteo, Frutal, , Manhuaçu, Sacramento, , Três Pontas, Arcos, Dores do Indaiá, São Gonçalo do Sapucaí, Itabirito, Nova Era, Bambuí, Janaúba, , Carmo do Paranaíba, Pium-í, Abaeté, Ibiá, , Mantena, Corinto, , São Gotardo, Santa Bárbara, , , , Paracatu, Unaí, João Pinheiro, Iambacuri, Aimorés, Carlos Chagas, Januária, Bocaiúva, , Araçuaí, Almenara, Salinas, Jequitinhonha, Mariana. FONTE: Amorim Filho, Bueno e Abreu, 1982. In: Minas Gerais do Século XXI, BDMG, 2002, V. 2.

Dentro dessa nova abordagem destaca-se a importância de se analisar também os níveis intermediários e chegar ao nível dos centros emergentes, fatores de dinamismo e de transformação no conjunto da rede urbana, lembra Amorim (2002).

É importante ressaltar que, no caso de Mariana e de Santa Bárbara, se verifica uma tendência para elevação de seu nível hierárquico. Esta situação pôde ser constatada através de estudos mais recentes, como por exemplo, o estudo produzido no âmbito do Programa de Pós- Graduação em Geografia da Puc Minas - Tratamento da Informação Espacial93. Nessa classificação, Ouro Preto já é considerada cidade média propriamente dita. Catas Altas tornou-se município recentemente, em 1996, se encontrando num patamar bem inferior.

93 Este estudo, concluído em 1999, considerou dois níveis de cidades Médias: as cidades médias propriamente ditas e os centros urbanos emergentes com maior vocação para se tornarem tecnópoles, futuramente. Maiores informações podem ser visualizadas em AMORIM FILHO, O. B. e ABREU, J. F. Ciudades intermédias y Tecnópoles potenciales em MG- Brasil. Tiempo y Espacio, n.8, 9.10, p. 23-32. Chillán, Universidad del Bío-Bío, 2000. 90 3 Perspectivas para o Turismo Sustentável na Região

O turismo, na atualidade, tem sido incentivado e tem ocupado um lugar de destaque na política geoeconômica de países, estados e municípios, o que demonstra uma acentuada valorização mundial desta atividade. Vista como uma das alternativas mais viáveis para a captação de recursos, é capaz de gerar riqueza, porém, nem sempre a distribui localmente. Por outro lado, o turismo é um possível veículo de melhoria da qualidade de vida das populações. Isso depende da forma com que essa atividade é implementada no contexto do lugar e do nível de participação da sociedade envolvida, como vimos no capítulo 2.

Para termos uma idéia dessa valorização, tomemos os dados da Organização Mundial de Turismo, que revelam que em 1996 essa atividade movimentou mundialmente cerca de 3,6 trilhões de dólares, gerou 255 milhões de empregos e contribuiu com 10 por cento do PIB mundial. No Brasil, esta atividade mobilizou, neste mesmo ano, cerca de 45 bilhões de dólares, 6 milhões de empregos e 7,8 por cento de seu Produto Interno Bruto (PIB). No ranking do “turismo receptivo” mundial em 1995 (ver tabela 6, p. 92), a França, a Espanha e os Estados Unidos lideram com um número expressivo de turistas. Entre os países menos desenvolvidos destacam-se a Argentina e o Uruguai, na América do Sul, com 4,1 e 2,1 milhões de turistas respectivamente. O Brasil, em 1995, ocupava o 42º lugar no ranking do turismo receptivo. Esta posição subiu para 34º em 2002 e reflete os esforços do país em obter um melhor posicionamento no mercado turístico internacional. Estamos caminhando para uma maior valorização dessa atividade e a tendência é de crescimento para o século XXI.

Minas Gerais possui uma diversidade de atrativos culturais, históricos e ambientais, mas não explora devidamente este potencial turístico, principalmente pela falta de preparo e de capacitação das populações detentoras destes valiosos acervos. Esse fato se verifica nas comunidades envolvidas neste estudo, como veremos neste capítulo, demonstrando ser necessário que os lugares passem por um processo de estruturação de sua base física e econômica, e sua população, por um processo educativo, para se beneficiar da presença desta atividade. Diante da nova política de turismo em Minas, que será tratada com maiores detalhes neste capítulo, espera-

91 se que esta atividade possa se desenvolver de um modo mais sistematizado, contribuindo para o progresso local.

Tabela 06

RANKING DO TURISMO RECEPTIVO NO MUNDO

POSIÇÃO PAÍS MILHÕES DE TURISTAS

1º França 60 2º Espanha 44,8 3º Estados Unidos 43,8 20º Tailândia 6,9 26º Irlanda 4,2 29º Bulgária 4,1 31º Argentina 4,1 33º Coréia do Sul 3,7 41º Uruguai 2,1 42º Brasil 2

FONTE: OMT, 1995.

92 3.1 PERSPECTIVAS DE TURISMO NO EIXO MARIANA - SANTA BÁRBARA

Como já mencionamos na apresentação deste trabalho, a área em estudo compreende o percurso rodoviário entre Mariana e Santa Bárbara, podendo ser realizado por estrada completamente asfaltada (via áreas mineradas, pela MG129), ou por estrada de terra municipal rumo a Santa Rita Durão (via Camargos - Bento Rodrigues ou via Bento Rodrigues- Santa Rita Durão) até se atingir o trecho asfaltado da MG 129, na divisa entre os municípios de Mariana e Catas Altas. Localiza-se próximo a Ouro Preto e engloba a RPPN94 do Caraça, dois destinos turísticos mineiros consagrados. O percurso atravessa os municípios de Mariana, Catas Altas e Santa Bárbara, praticamente no divisor de águas entre as bacias dos Rios São Francisco e Doce, como mostra a figura 22.

Hidrografia de Minas Gerais

São Francisco Pardo ∗ Jequitinhonha

Buranhém Jucuruçu Tanhém

Paranaíba Mucuri São Mateus

Doce

Tabapoana

Grande

Paraíba 0 150 300 do Sul Quilômetros Tietê Rios Limites entre as Bacias Hidrográficas FONTE: www.geominas.mg.gov.br, www.ibge.com.br Limite Estadual ELABORAÇÃO: Karlla Valladares Álvares Eixo Turístico Mariana - Santa Bárbara

Figura 22: Hidrografia de Minas Gerais

94 Reserva Particular de Patrimônio Natural. 93 O viajante desfruta de uma visão privilegiada numa região marcada por montanhas, vales, rios e cachoeiras. A vegetação varia entre mata fechada (apresentando remanescentes de floresta tropical), áreas de pastagens e de culturas, cerrado e campos rupestres (em áreas de grandes altitudes). É comum a presença de grandes áreas de reflorestamento voltadas para o suporte à atividade de mineração. A intervenção humana também se faz notar através de adaptações no espaço geográfico destinadas às necessidades básicas de moradia e alimentação e à extração de minério de ferro. Os assentamentos humanos caracterizam-se por sua configuração orgânica, típica das aglomerações que deram origem ao povoamento de Minas Gerais e guardam um patrimônio histórico e arquitetônico bastante expressivo.

A atividade turística no eixo Mariana - Santa Bárbara não se encontra consolidada. Existe um grande potencial latente principalmente no que tange ao ecoturismo95 e ao turismo cultural,96 refletido na beleza natural e nos núcleos históricos que pontuam este eixo. O turismo ainda não ocorre de um modo sistematizado, contribuindo para o desenvolvimento local, mas já existe uma conscientização por parte dos poderes públicos e de empreendedores locais, dos benefícios que esta atividade pode gerar.

Em linhas gerais, detecta-se a precariedade da infra-estrutura básica, voltada para o turista, bem como a ausência de um planejamento estratégico, capaz de buscar soluções de curto, médio e longo prazos e atrair investidores. Soma-se a isso a ausência de integração entre os municípios deste eixo que, dentro da nova política de turismo em implementação em Minas, poderia se viabilizar através da atuação de um elemento gestor que, juntamente com uma comissão, buscasse alternativas para fortalecer o turismo naquela região.

Esta nova política de turismo foi implementada a partir de 1999 com a criação da Secretaria de Estado de Turismo (SETUR)97. Num primeiro momento, este órgão buscou definir a sua área de

95 Ecoturismo é definido por Cruz como uma modalidade alternativa de turismo onde o recurso natural é o principal objeto de consumo. Também é conhecido como turismo de natureza e engloba diversas práticas esportivas como o rafting, o rapel, o tracking, etc. CRUZ, Rita de Cássia Ariza da. Introdução à Geografia do Turismo. São Paulo: Rocca, 2001. 96O Turismo cultural compreende uma modalidade de turismo onde o recurso cultural, no caso o patrimônio histórico, é o principal objeto de consumo. 97 A Secretaria de Estado do Turismo foi criada através da Lei nº 13.341, de 23 de outubro de 1999, que definiu sua área de competência e sua estrutura, bem como os mecanismos de articulação com a sociedade. Objetiva planejar, 94 abrangência que, pelas intervenções anteriores, restringia-se às cidades históricas e às estâncias hidrominerais. Detectou-se a necessidade de renovação dos produtos turísticos de Minas e de criação de novas ofertas, adequando-as às exigências do visitante. Existe uma preocupação em criar ações ligadas à infra-estrutura viária e hoteleira, ao saneamento básico, à preservação ambiental e à qualificação profissional, sem as quais a atividade, em si, ficaria prejudicada. Dentro desta nova proposta para o turismo, o Estado de Minas Gerais ficou dividido em sete macroregiões turísticas98 que contemplam os seguintes circuitos turísticos: dos Diamantes, das Grutas, do Ouro, da Serra do Cipó, da Serra do Itambé e do Lago do Cajurú.

O eixo Mariana - Santa Bárbara localiza-se na macrorregião turística central (ver figura 23, p.95) e integra o circuito do Ouro, que envolve as cidades de Barão de Cocais, , , Caeté, Catas Altas, Congonhas, Itabira, Itabirito, Mariana, Nova Lima, Ouro Branco, Ouro Preto, , , Sabará, Santa Bárbara, Santa Luzia e São Gonçalo do Rio Abaixo.

Compreende-se que, para que se evidencie a necessária integração regional entre os municípios desse circuito, vias de acesso compatíveis são imprescindíveis à complementaridade entre os atrativos, meios de transporte, equipamentos e serviços, e ao fortalecimento da cadeia produtiva do setor turístico99. No entanto, algumas modalidades alternativas de turismo precisam ser agenciadas com um certo cuidado, no que se refere à questão dos acessos. Há casos em que as restrições são mais adequadas para uma correta fruição de determinado atrativo.

coordenar, fomentar, promover, divulgar e fiscalizar a atividade turística do estado, valorizando e otimizando a utilização dos recursos naturais e histórico-culturais, de forma preservacionista, visando a melhoria da qualidade de vida das comunidades e a geração de renda local. Cabe à secretaria também propor uma política estadual do turismo e elaborar o Plano Mineiro de Turismo, bem como outros planos, programas e projetos estaduais relacionados ao exercício da atividade turística. In: [email protected] 98 A Macrorregião I prevê os circuitos turísticos das Grutas, das Serras do Itambé e do Cipó, do Diamante, do Ouro e do Lago de Três Marias. Na Macrorregião II estão previstos o Circuito Caminhos do Cerrado/ Entre Rios e Lagos. Na Macrorregião III estão previstos os circuitos das Terras Altas da Mantiqueira, Nascentes das Gerais, Ecolago- Lago de Camargos, Lago de Furnas, Circuito das Malhas, Terra das Águas e do Vinho. A Macrorregião IV engloba os circuitos do Caparaó, Ibitipoca, Serra do Brigadeiro e Trilha dos . A Macrorregião V envolve o Circuito Caminhos do Norte, enquanto a Macrorregião VI reúne os circuitos Mata Atlântica de Minas e Pedras preciosas. A macrorregião VII envolve os circuitos do Vale do Peruaçu, , Rio São Francisco e da Cachaça. In: www.turismo.mg.gov.br 99 A cadeia produtiva do turismo engloba 6 itens básicos: atrativos, transportes, hospedagem, alimentação, serviços e serviços turísticos e comercialização. 95 Macrorregiões Turísticas de Minas Gerais ∗

0 150 300 Quilômetros Limites entre Macrorregiões Turísticas FONTE: www.turismo.minasgerais.gov.br Limites Estaduais Elaboração: Karlla Valladares Álvares

Figura 23

Considerando-se os municípios envolvidos no eixo em estudo, pode-se notar algumas dificuldades, nesse sentido, principalmente em relação à RPPN do Caraça, cuja integração com o eixo turístico proposto ainda é precária.

Quanto aos atrativos existentes, os naturais incluem montanhas, cursos d’água e matas a serem exploradas em atividades de Ecoturismo, como será revelado a seguir, através da descrição do percurso. Os atrativos culturais incluem, além das construções remanescentes do século XVIII, a culinária, o artesanato e as festas típicas locais. Se por um lado existe um imenso potencial latente no eixo Mariana - Santa Bárbara, verificado pela diversidade de atrativos, por outro se evidenciam as limitações e dificuldades para que o turismo aconteça. Compreende-se que esta 96 atividade exige uma infra-estrutura básica para se desenvolver, já que introduz no espaço objetos voltados para o seu atendimento mas também se apropria de espaços existentes. Portanto, a presença de atrativos não é suficiente para promover o seu desenvolvimento. Trata-se, por enquanto, de uma região com potencial significativo que, se devidamente conduzido, proporcionará o surgimento de um turismo sustentável, de modo a melhorar a qualidade de vida da população.

A culinária é tipicamente mineira, com as peculiaridades que a caracterizam: pratos ricos em sabor e repletos de histórias próprias. Histórias bem brasileiras, que remontam à época dos escravos, do ciclo do ouro e das pedras preciosas. A preparação desses pratos em ambientes modestos e com poucos recursos acabou por despertar um espírito criativo, seja nas misturas dos ingredientes, seja nos seus temperos, dando lugar a uma cozinha típica, muito rica e bem variada nesta região100. Os pratos típicos são baseados em produtos de fundo de quintal, como o porco, a galinha, o quiabo, a couve e o fubá, estando intimamente ligados à cultura do povo que a introduziu, através das cozinheiras das grandes fazendas. Atualmente é consenso o fato da culinária ser um recurso importante para exploração turística, promovendo a valorização de aspectos característicos da cultura local e a sua divulgação.

O artesanato é outro setor importante para o turismo. Na região de estudo, é muito rico mas pouco explorado em termos de comercialização, alcançando um mercado estritamente local. Em todos os municípios são confeccionados produtos a base de cerâmica, pintura e tecelagem. Em Catas Altas, as técnicas são passadas de uma geração para outra através de uma oficina-escola. Em Santa Bárbara tem-se um centro de artesanato que funciona na antiga residência de Afonso Pena (ver figura 24, p.98), onde o turista pode conhecer e adquirir os trabalhos desenvolvidos pelos moradores. O incremento do turismo conduzirá ao desenvolvimento deste setor da economia local, contribuindo para a geração de renda e emprego e promovendo a valorização cultural.

100 O "feijão tropeiro", por exemplo, era feito por homens encarregados de transportar o ouro desde as minas até a capital do país . Nas paradas feitas durante a viagem, eles preparavam este prato duma maneira bem simples.

97

Figura 24: Centro de Artesanato de Santa Bárbara (a construção pertenceu ao ex. presidente Afonso Pena). Fonte: trabalho de campo realizado em 2001.

As festas típicas estão intimamente ligadas a religiosidade característica da região das minas, fato que muito contribuiu para a permanência de um importante acervo arquitetônico religioso até os dias atuais. De um modo geral, são comemorados os dias santos através de eventos que incluem encenações, pregações, shows, leilões, levantamento de mastros e celebração de missas junto às paróquias. Festas como a da “Quadrilha”, realizada no mês de junho, incluem shows, encenações de quadrilha e casamento na roça, eleição da rainha caipira e a tradicional montagem de barracas de comidas e bebidas típicas. Nos municípios de Mariana, Catas Altas e de Santa Bárbara são inúmeras as festas que ocorrem de janeiro a dezembro. Em Catas Altas101 destaca-se a “Festa do

101 Festa de São Sebastião (janeiro), festa do vinho, de São José do Trabalhador e do Mês de Maria em maio, Festas junina, Corpus Christi, Cavalgada e Rodeio em junho, festas de São Joao Temporão e da Garota Taipa, em agosto, & de setembro, festa do Senhor do Bonfim, em setembro, Carnaval temporão e festa de Nossa Senhora Aparecida em outrubro... 98 Vinho”, realizada no mês de maio, e a “Festa da Cavalgada e Rodeio”, em Junho. Em Santa Bárbara, a “Festa de Santo Antônio” ocorre no dia 13 de junho, sendo uma das mais tradicionais. A “Festa da Cavalhada”, realizada no distrito de Brumal junto ao adro da Igreja Matriz de Santo Amaro (ver figura 94, p.147), é semelhante à “Festa da Cavalgada” de Catas Altas e reúne eqüinos para concursos de marcha e trote, em provas de habilidade. O evento atrai muitos devotos, romeiros, turistas e visitantes, barraqueiros com comidas típicas e artesanatos, envolvendo shows, procissões, novenas e espetáculo pirotécnico. Outro interessante evento, a “Feira Multisetorial do Comércio”, é promovido pela ACISB (Associação Comercial, Industrial, Agropecuária e de Serviços) de Santa Bárbara. Nele se divulgam produtos produzidos na região, visando estimular o comércio local e propiciando ao público a aquisição de produtos a preços promocionais. Ainda neste município, ocorre a “Festa de Exposição Agropecuária e Torneio Leiteiro”, realizada na segunda semana de julho. A festa inclui diversas atrações entre rodeios, parque de diversões, palestras, artesanato, barracas com comidas típicas e shows com artistas consagrados. Além das festas tradicionais já mencionadas acima, o Jeep Cross In Door é outro evento, realizado na segunda semana de maio, reunindo interessados de várias regiões do Estado de Minas Gerais para competição. Anualmente, a praça Pio XII em Santa Bárbara torna-se palco do “Encontro de Carros Antigos”, que atrai muitos curiosos para ver raridades automobilísticas das décadas de 20 a 50, além de motos Halley Davyson.

Para que o leitor compreenda a dimensão do potencial turístico da região, apresentaremos o roteiro de estudo. O percurso inicia-se a partir de Mariana, mais especificamente do entroncamento entre a MG 262 e a MG129. O viajante possui três opções: partindo de Mariana, seguir por uma estrada de terra até Bento Rodrigues, passando pelo povoado de Camargos e áreas de fazendas rumo à Santa Rita Durão onde se alcança a MG 129 (estrada asfaltada) nas proximidades de Morro de Água Quente, seguindo-se em direção a Santa Bárbara; partindo de Mariana, tomar a bifurcação Mariana-Bento Rodrigues, passando por uma fazenda abandonada (Fazenda Gualaxo) até atingir o povoado de Bento Rodrigues, seguir para Santa Rita Durão através da via principal; partindo de Mariana, tomar a bifurcação à esquerda, seguindo por uma estrada asfaltada via áreas mineradas, sempre pela MG 129. A figura 25 (p. 100) esclarece isto. Enquanto as duas primeiras opções revelam cenários dos tempos da mineração do ouro, a opção via áreas mineradas remete a uma fase mais recente de intervenção humana sobre o espaço

99 geográfico, através da instalação de grandes companhias mineradoras, voltadas para a extração de minério de ferro.

Eixo Turístico Mariana-Santa Bárbara: Esquema de Percurso

Santa Bárbara m ∗ Brumal 4 k 1

3

k

m

m k Catas Altas 9

4

k

m CaCarCaarçaaraçaça m Morro de Água Quente

k

1

6 ,

6 4

k m

Santa Rita Durão

m

m k k 6 Bento Rodrigues 1 2 6 8 , , 7 6 m 2 k k m 8

km Camargos 4,6 6

, Antônio Pereira 3 5 m

2 k k k

m m 4 1

5 3 km k m 0 10 20 Legenda: Mariana RPPN do Caraça Quilômetros Bifurcação via Camargos /Bento Rodrigues Fonte: www.geominas.mg.gov.br Percurso via Bento Rodrigues Elaboração: Karlla Valladares Álvares Bifurcação via Áreas Mineradas

Figura 25: Fonte: www.geominas.mg.gov.br Elaboração: Karlla Valladares Álvares

O trecho volta a ser único a partir de uma ponte sobre o Rio Piracicaba, na divisa entre os municípios de Mariana e Catas Altas. A partir daí, o viajante seguirá por estrada asfaltada até Santa Bárbara. Para melhor compreensão do leitor, faremos a rota Mariana - Bento Rodrigues via eixo central e reiniciaremos a rota Mariana - Bento Rodrigues via Camargos, por uma bifurcação

100 da desta via, como mostra a figura 25 (p. 100). Posteriormente, seguiremos até Santa Bárbara, passando pelos núcleos urbanos de Santa Rita Durão, Morro de Água Quente e Catas Altas. De Santa Bárbara seguiremos pela BR 262 até o trevo de acesso à RPPN do Caraça. O retorno será realizado via áreas mineradas, por estrada estadual (MG 129). Assim, teremos percorrido e mapeado todo o eixo turístico. A escolha dos sentidos dos itinerários baseou-se nas condições geográficas da região que melhor propiciam a fruição da paisagem. O roteiro completo pode ser visualizado através da figura 28 (p. 103).

O trajeto inicia-se no Município de Mariana, a 110 km de Belo Horizonte. Este município limita- se com os de Santa Bárbara, Alvinópoles, , , Diogo de Vasconcellos e Piranga (ver figura 26, abaixo), e sua área é de 1198 quilômetros quadrados.

Mariana Limites Municipais

∗ 20º º 43

Catas Altas Alvinópolis

Barra Longa

Ouro Preto Mariana Acaiaca

Diogo de Vasconcelos

Piranga

01020 Sede Município de Mariana Quilômetros Limites municipais Municípios limítrofes FONTE: www.geominas.mg.gov.br elaboração: Karlla Valladares Álvares

Figura 26: Limites do Município de Mariana

101

Dos 46.710 habitantes, 38.679 se concentram na área urbana e 8.031 na área rural102. Do ponto de vista físico, Mariana localiza-se na vertente oriental da Serra do Espinhaço, sendo que a sua rede de drenagem pertence à bacia do Rio Doce. Seu núcleo histórico foi implantado numa pequena porção de terreno, de declividade mais suave entre as colinas circundantes.

A figura 27 revela o início do percurso, que se verifica no entroncamento entre a MG 262 e a MG 129. A região situa-se num vale aberto, nas proximidades do núcleo antigo de Mariana. A paisagem é marcada pela mistura de estilos, do Barroco ao Moderno.

Figura 27: Entroncamento entre as rodovias MG 262 e Mg 129. Ao fundo, vista da área urbana de Mariana. Fonte: trabalho de campo realizado em 2002

102 Dados senso de 2000. 102 Roteiro Mariana - Santa Bárbara Santa Bárbara Brumal Euc. Pousada Sumidouro Ζ Pastagens Fazendas e Sítios ∗ Ζ Ζ Faz. Quebra Tr∆evo Ossos Barra da Janaina Fazenda do Engenho Ruína Cerrado Ι M G

1 2 Conj. Hab. ho 9 in

Eucalipto P o d

a Catas Altas ç rra a

r Mina de a Pitangui Lagoa do Guarda Mor Se Α Santuário do Caraça oC Α ad r r e Morro de Água Quente S Serra do C Mina araça Fazendão Estação Α Fazendão Campo Paisagem marcante ☺  Ponte Rio Piracicaba Α 1 Acesso Fazenda Trevo Mina da Alegria Eucalipto da Alegria Santa Rita Durão Eucalipto S d e a rr Ponte sobre a ferrovia Barragem Santarém s a A C lm ru a z s

S e Faz. Santa r Bento Rodrigues r Cerrado a Campo Luzia

d pastagens o Mina de Sítio Ζ B Timbopeba S a Fazenda e t r a Α Faz. da cachoeira r t Corte a a  d l Eucalipto Camargos Fazenda o Ζ Gualaxo G Lagoa Samarco Carvoeira a Faz. Antiga m Vila Samarco b quadra Ζ Símbolos o Paisagem Antônio Pereira Gruta ☺ Faz. Pró-capital exuberante Símbolos: S Ζ e Ι r Faz. da Palha Conj. Habitacional ra Área rec. d Fazenda o Faz. Pedra Branca O ambiental ∃ Condomínio Residencial ur ☺ Mirante Santuário o ☺ P Mina Paisagem marcante Ι Ruína re Α Pastagem to desativada ∃ Ζ Condomínio Vila Del Rey ☺ Mirante Paisagem exuberante < Carvoeira Conj. Habitacional Α Mina Cerrado Gruta Nª Sª da Conceição 0 3 6 Mariana ∗ Trevo 262  Ponte Quilômetros MG Ferrovia Quadra Silvicultura Fonte: www.ibge.gov.br, Laboratório de Cartografia/ Departamento de Geografia da Puc-Mg RPPN do Caraça Elaboração: Karlla Valladares Álvares Pastagens e campos

Figura 28: Roteiro Mariana - Santa Bárbara 103 Mariana se apresenta a Oeste de quem segue rumo a Santa Bárbara, que dista 74 quilômetros da mesma. Cidade historicamente importante no processo de formação da cultura das Minas Gerais, Mariana localiza-se em uma região muito montanhosa, mais especificamente na zona metalúrgica. Situa-se bem próxima ao núcleo urbano de Ouro Preto, atualmente um pólo turístico consagrado no Estado. A maior parte deste núcleo se concentra entre os córregos do Catete e do Seminário, e ainda guarda um importante acervo histórico e cultural dos tempos de opulência das minas de ouro. Uma cidade com vida, aberta às novas tendências propícias ao seu desenvolvimento e que vê no turismo uma alternativa a mais não só em termos econômicos, como em termos de valorização de seu patrimônio histórico, artístico e cultural. A configuração urbana orgânica do núcleo histórico reflete o sítio urbano sobre o qual a cidade se desenvolveu e suas funções (ver figura 29). Seu traçado, comparado aos demais núcleos da região, apresenta peculiaridades próprias de um arraial que logo se transformou em cidade para exercer a função de sede de um Bispado. A ocupação recente já reflete aspectos da modernidade, onde se evidenciam tentativas de um traçado mais reticulado, dentro das limitações que a própria topografia do lugar oferece. Essa ocupação mais recente caracteriza-se por uma certa desordenação, reflexo da alta explosão demográfica ocorrida ao longo do século XX, com o advento da mineração do ferro.

Figura 29: Vista geral do núcleo histórico de Mariana a partir da Igreja de São Pedro dos Clérigos. Fonte: trabalho de Campo realizado em 2003

Descendo por este emaranhado de morros, onde se destaca o pico do Itacolomi, o viajante passa por uma ponte sobre o Ribeirão do Carmo, rio importante no contexto do povoamento desta região, como vimos no capítulo 2. Um conjunto habitacional a Oeste, a cerca de 2,8 quilômetros do ponto inicial, revela um novo tempo marcado pela presença das companhias mineradoras, a partir da segunda metade do século XX (ver figura 30, p.105).

104

Figura 30: Conjunto habitacional junto à MG 129. Traços da ocupação recente em Mariana Fonte: trabalho de campo realizado em 2001

A Oeste define-se uma área de expansão industrial onde se evidencia o condomínio Vila Del Rey, como mostra a figura 31 (p.106), que fica a 5 quilômetros do ponto inicial. O acesso se dá através de uma bifurcação em estrada asfaltada. O condomínio se recosta sobre uma colina de declividade mais suave, num vale de onde se avista a área do núcleo antigo, com suas igrejas pontuando a paisagem e ladeadas por montanhas que formam uma combinação harmoniosa. Deste condomínio também se visualiza uma área de mineração desativada (junto ao vale) e a Serra de Ouro Preto.

105

Figura 31: Condomínio Vila Del Rey em Mariana, visto a partir da MG 129. Fonte: trabalho de campo realizado em 2002

O próximo marco deste percurso expressa uma área degradada pela exploração de minério. Uma mina desativada pode ser vista a leste de quem segue para Santa Bárbara, juntamente com um lago de rejeito, indicando que essa atividade foi intensa em um outro tempo. A área pertence à CVRD103 e se encontra em vias de recuperação ambiental. Logo adiante, uma estrada municipal dá acesso ao núcleo urbano de Camargos e se estende até Bento Rodrigues, quando alcança novamente o eixo central do percurso, rumo a Santa Rita Durão. Seguiremos em frente, num primeiro momento, até o trevo SAMARCO /Fazenda da Alegria/Bento Rodrigues. A bifurcação existente pode ser vista através da figura 32 (p.107) e possibilita o acesso a uma estrada asfaltada (trecho da Mg 129, via áreas mineradas). Seguiremos pela estrada de terra até Bento Rodrigues, passando pela fazenda Gualaxo.

103 Companhia Vale do Rio Doce. 106

Figura 32: Trevo Samarco / Mina da Alegria / Bento Rodrigues no município de Mariana Fonte: Trabalho de campo realizado em 2003

A paisagem se revela exuberante, com cores e cheiros agradáveis. Um maciço se apresenta imponente aos olhos do viajante, com suas texturas e cores. O silêncio é quebrado pela presença de um curso d’água, que provoca uma sensação de bem estar. O caminho é tortuoso e, em alguns trechos, ruim. As chuvas freqüentes nesta região montanhosa impedem que a estrada permaneça em boas condições de uso. No entanto, apesar de alguns pontos críticos, o itinerário é transitável em toda a sua extensão, sendo bastante utilizado pela população local. As figuras 33(p.107) e 34 (p.108) mostram o início do trecho de terra que se estende até a divisa entre os municípios de Mariana e Catas Altas.

Figura 33: Início de trecho não asfaltado e que se estende até Santa Rita Durão, no município de Mariana. Fonte: Trabalho de campo realizado em 2003

107

Figura 34: Córrego ladeando a estrada , nas proximidades de Mariana. Fonte: Trabalho de campo realizado em 2003

Nota-se através da figura 34, e ao longo de todo o percurso, que os rios encontram-se assoreados. Seria interessante a elaboração de um estudo de análise de impacto ambiental, visando a recuperação dessas bacias e de áreas degradadas. Caberia às mineradoras a responsabilidade neste sentido.

Em algumas encostas encontram-se vestígios de uma cobertura vegetal bastante densa e, em meio a essa vegetação típica de cerrado, o viajante se depara com uma imensa área destinada a silvicultura. Neste trecho, a intervenção do homem sobre a paisagem evidencia-se pela fumaça dos fornos (ver figura 35, p.109) e pelas plantações de eucalipto.

108

Figura 35: No meio da mata, a fumaça gerada pelos fornos de produção de carvão. Município de Mariana Fonte: trabalho de campo realizado em 2003

A carvoaria “Taveira” pode ser vista a Leste de quem percorre o eixo no sentido Mariana - Santa Bárbara. Esta carvoeira pertence à Cia. Agro- Santa Bárbara e dá suporte à atividade de mineração. A figura 36 revela a intensa produção do carvão vegetal.

Figura 36: Carvoaria Taveira, no município de Mariana. Fonte: trabalho de campo realizado em 2003

109 O próximo marco deste itinerário é a fazenda Gualaxo (figura 37). Neste ponto os vestígios da degradação se verificam através do patrimônio cultural. Antigas áreas de fazenda, com suas construções abandonadas, revelam o total descaso em relação aos bens culturais. De acordo com um morador de Bento Rodrigues, localidade mais próxima desta fazenda, existem outras sedes de fazendas pertencentes às companhias mineradoras, em total estado de abandono. Poderiam ser revitalizadas, aproveitadas como pontos turísticos ou de infra-estrutura para a atividade ao longo deste eixo.

Figura 37: Fazenda Gualaxo, em Mariana. Testemunho da degradação do patrimônio cultural. Um dos pontos marcantes do percurso Fonte: trabalho de campo realizado em 2002

O cenário a partir deste ponto é encantador. Verifica-se a presença de um curso d’água e de uma vegetação mais densa, que se soma às montanhas que emolduram esta paisagem, tornando-a bucólica e rústica. A região era palco de atividades de tropeiros que por ali passavam em direção a Mariana e a Bento Rodrigues (ver figura 38). Atualmente o entorno é utilizado para a produção da silvicultura.

Figura 38: Vista da Mg 129 a partir da varanda da fazenda Gualaxo, em Mariana. Fonte: trabalho de campo realizado em 2003

110 A estrada corta o Rio Gualaxo por uma ponte de madeira (ver figura 39) nas proximidades da fazenda abandonada, sendo que o percurso é feito por trecho de terra até Bento Rodrigues, um pequeno vilarejo pertencente à Mariana e que se apresenta singelo e silencioso ao viajante.

Figura 39: Ponte sobre o Rio Gualaxo Fonte: trabalho de campo realizado em 2003

Bento Rodrigues é o próximo núcleo urbano e dista cerca de 22,5 quilômetros de Mariana. Pode ser visto a Leste, como mostra a figura 40. O vilarejo se assenta a aproximadamente 700 metros de altitude, num vale aberto e protegido entre montanhas, tendo como pano de fundo a Serra Cruz das Almas.

Figura 40: Vista Geral de Bento Rodrigues, no município de Mariana. Fonte: trabalho de campo realizado em 2003

111 O traçado é orgânico, revelando uma ocupação determinada pelo sítio e pela atividade de mineração que deu origem a este assentamento. A arborização intensa nos remete aos quintais típicos do interior de Minas. Bento Rodrigues possui algumas dezenas de casas e sua infra- estrutura é insuficiente para suprir a demanda de seus moradores, que dependem de Mariana para o atendimento das suas necessidades básicas de alimentação, saúde e vestuário. Sua localização entre montanhas (de difícil acesso), somada à enorme distância de um grande centro, contribuíram para a estagnação deste núcleo urbano. O processo de ruralização do povoado se evidenciou quando da fase de decadência do ouro. Hoje, a maior parte dos habitantes não pertence à região, não tendo vínculo com o patrimônio histórico cultural. Trabalham em atividades de mineração para a SAMARCO e CVRD. Logo na chegada visualiza-se a fazenda Santa Luzia (figura 41), propriedade produtiva que poderia ser aproveitada para o turismo rural104.

Figura 41: Fazenda Santa Luzia em Bento Rodrigues; município de Mariana. Fonte: trabalho de campo realizado em 2001

104 O turismo rural utiliza-se de propriedades rurais produtivas para se materializar. Estas propriedades vêem o turismo como uma alternativa de diversificação e, não como única forma de desenvolvimento. 112 O passeio poderia ser agradável, mas a falta de infra-estrutura em todos os sentidos assusta o viajante que se aventura por este caminho, que se torna ainda mais desgastante a partir de Bento Rodrigues. Não há muitas opções de hospedagem e alimentação ao longo do eixo em estudo. O leitor perceberá que as poucas opções existentes, voltadas para o atendimento ao turista, são restritas aos núcleos urbanos de Mariana, Catas Altas e Santa Bárbara e ao complexo da RPPN do Caraça. Considerando-se a quantidade de atrativos e as distâncias entre os centros, esta infra- estrutura torna-se insignificante, principalmente se pensarmos que o incremento do turismo nestes lugares geraria um fluxo intenso de pessoas e de informação.

O percurso de Mariana até Bento Rodrigues também pode ser feito via Camargos, por estrada de terra municipal. Antes de darmos continuidade ao eixo turístico, voltaremos a Mariana e reiniciaremos o percurso na primeira bifurcação, como apontam as setas da figura 42, abaixo.

Trecho do Eixo Turístico Mariana - Santa Bárbara Esquema de percurso

Santa Rita Durão ∗

m

k 6 Bento Rodrigues 1

6 , 7 k m m k 8

0 Camargos 0 0

6

, 0

5

k 0

m

0 m Antônio k 4 Pereira 0 1 0 0 0 3 k m 5 k m

0 4.5 9 Mariana Quilômetros Bifurcação via Camargos FONTE: www.igbe.com.br percurso via Mariana- Elaboração: Karlla Valladares Álvares Bento Rodrigues

Figura 42: Esquema de percurso do Eixo Turístico Mariana - Santa Bárbara

113 Neste trecho também não existe qualquer infra-estrutura de apoio que possa ser aproveitada para o turismo. A bifurcação dista cinco quilômetros do ponto inicial e leva até Bento Rodrigues passando por uma região também montanhosa e de grande potencial para o turismo pela sua beleza natural. Nele encontra-se uma série de fazendas produtivas, algumas das quais guardam registros da era colonial através de suas sedes remanescentes do século XVIII. A vegetação é mais diversifica e exuberante, se comparada com o trecho anteriormente descrito, devido à presença de matas densas, de áreas de agricultura familiar e de pastagens.

O primeiro marco dista um quilômetro desta bifurcação e revela um passado de intensa exploração mineral. A mina desativada105, bem como o entorno próximo, pertencem à Companhia Vale do Rio Doce. Visualiza-se uma lagoa de rejeito em frente à mesma, atraindo a atenção do viajante que por ali passa (ver figuras 43, p. 114 e 44, p. 115).

Figura 43: Antiga área de exploração de minério em Mariana. Fonte: Trabalho de campo realizado em 2003

105 Mina avistada à direita na MG 129, já mencionada anteriormente. 114

MG 129

Figura 44: Vista do trecho da MG 129, no município de Mariana, a partir da mina desativada. Ao fundo a Serra do Ouro Preto se destaca por sua imponência. Fonte: Trabalho de campo realizado em 2003

A estrada se encontra em péssimas condições neste trecho e a paisagem natural é marcada, inicialmente, por crateras de antigas áreas de mineração em fase de recuperação ambiental, como mostra a figura 45 (p.116). O uso intenso para mineração provocou estas marcas profundas. A CVRD mantém a área isolada e já iniciou o processo de recuperação há algum tempo, mas as marcas são ainda notáveis.

115

Figura 45: Cratera – área de recuperação ambiental da antiga mina D’el Rey, em Mariana. Fonte: trabalho de campo realizado em 2003

O percurso por Camargos proporciona o acesso a várias fazendas, algumas delas dos tempos do ciclo do Ouro. A paisagem natural torna-se muito exuberante, com mostram as figuras 46, 47 e 48 (p.117), proporcionando visadas interessantes ao viajante. Este marco (ver localização no Roteiro da página 103 deste estudo) pode ser considerado um mirante a ser aproveitado para fins turísticos. As figuras revelam a vista do mirante e a bifurcação que dá acesso à fazenda Pedra Branca. Esta fazenda é produtiva e tem potencial para o turismo rural. A estrada se encontra no topo de uma montanha, de onde se visualiza toda a área da fazenda. Há presença de mata de cerrado, de pastagens, de culturas voltadas para subsistência e de criação de animais como cavalos, porcos e galinhas. A serra do Gambo se destaca no conjunto, com seus contornos sinuosos, emoldurando a paisagem natural.

116

Figura 46:caminho por Camargos (à esquerda) e acesso à Fazenda Pedra Branca (à direita). Município de Mariana. Fonte: trabalho de campo realizado em 2003.

Figura 47: Vista do sítio da Fazenda Pedra Branca a partir do mirante. Município de Mariana. Fonte: trabalho de campo realizado em 2003

Figura 48: Sede da Fazenda Pedra Branca em Mariana, no sopé de uma colina. À direita, solo preparado para o cultivo de milho. Ao fundo, mata tropical. Fonte: trabalho de campo realizado em 2003

117 O viajante continua rumo a Camargos e logo encontra um acesso à outra fazenda, a cerca de 4,7 quilômetros da anterior. A paisagem torna-se mais exuberante, neste trecho, como se pode observar através da figura 49. A figura 50 mostra o acesso e a sede da fazenda Palha.

Figura 49: Paisagem do percurso rumo à Camargos; município de Mariana. Fonte: trabalho de campo realizado em 2003

Figura 50: Município de Mariana. À esquerda, acesso à fazenda da Palha; à direita, sede da fazenda. Fonte: trabalho de campo realizado em 2003

A sede desta fazenda data do século XVIII e, de acordo com os próprios moradores, possuía 22 cômodos. Todavia, um desabamento de parte da construção eliminou a varanda e alguns quartos. Vários membros da família trabalham para empresas mineradoras nas proximidades de Mariana durante a semana e, nos finais de semana, cuidam das plantações na fazenda. Cultivam-se milho, feijão, banana e mamão para fins de subsistência. A sede encontra-se em péssimo estado de

118 conservação mas, se revitalizada, seria interessante como atrativo ao turista. Aliás, deveria ser tombada pelo patrimônio histórico, pois remete a uma época em que se extraía ouro em abundância. Naquele tempo a família era bastante rica e influente, conta uma das moradoras com orgulho. Hoje a situação é de extrema pobreza, considerando-se a precária condição de moradia. Por outro lado, o cultivo de frutas e cereais propicia a fartura, em termos de alimentação.

O percurso prossegue rumo a Camargos, que dista 5,6 quilômetros desta fazenda. Como já foi mencionado anteriormente, este trecho de estrada serve a várias fazendas. O próximo marco constitui-se numa bifurcação que permite o acesso a duas fazendas, uma delas denominada Pro Capital, que fica a 7,8 quilômetros de distância deste eixo de estrada (ver figura 51). O acesso é restrito, impedido por porteiras com trancas.

Figura 51: Bifurcação fazenda pró-capital, no município de Mariana. Fonte: trabalho de campo realizado em 2003

Rumo a outra fazenda, nas proximidades do ponto anterior, a paisagem natural se revela exuberante, como demonstra a figura 52 (p.120). O viajante observa a presença de vales a Leste, pertencentes à bacia do rio Doce. As características mais marcantes neste trecho são as inúmeras montanhas e a vegetação que alterna trechos mais densos, junto ao sopé de uma serra, com trechos de pastagens ou áreas de produção de silvicultura.

119

Figura 52: Visadas do percurso rumo ao vilarejo de Camargos, em Mariana. Fonte: trabalho de campo realizado em 2003

É importante ressaltar que, nesta parte da estrada, também não há infra-estrutura de apoio. O viajante é obrigado a seguir em frente, sem pausa para o descanso ou para se alimentar. A presença humana pode ser sentida através das fazendas, todas produtivas.

Antes de chegar a Camargos o aventureiro encontra uma outra fazenda, cuja sede se assenta num vale de declividade suave, entre colinas circundantes, a uma altitude de aproximadamente 800 metros. Nota-se a presença de pastagens, plantações de café, criação de gado e galinhas (figuras 53, p.120, 54 e 55, p.121).

Figura 53: Bifurcação de acesso a uma fazenda antiga, no município de Mariana. Fonte: trabalho de campo realizado em 2003

120

Figura 54: Sede de uma fazenda remanescente do século XVIII Fonte: trabalho de campo realizado em 2003

Figura 55: Vista geral do sítio geográfico sobre o qual se assenta a sede de uma fazenda; município de Mariana. Fonte: trabalho de campo realizado em 2003

121 Camargos é o próximo núcleo urbano e dista cerca de 19 quilômetros de Mariana, a partir do ponto inicial da MG 129. O povoado de Camargos é o menor dentre os encontrados na área de estudo e pertence ao município de Mariana. Como ocorreu em Bento Rodrigues, aqui a distância da sede do município ou de um outro núcleo maior, somada à precariedade do acesso, contribuíram para a estagnação deste núcleo, que apresenta característica de área rural através de sua arquitetura. O pequeno aglomerado de casas se ergue ao longo deste eixo de estrada, nos arredores da Igreja de Nossa Senhora da Conceição de Camargos que, majestosamente, se assenta no topo de uma colina (ver figura 56), a cerca de 800 metros de altitude.

Figura 56: Igreja Matriz de Nossa Senhora da Conceição de Camargos, no município de Mariana. Fonte: trabalho de campo realizado em 2003

122 De seu largo podemos visualizar todo o vilarejo. A tipologia das construções é muito simples, algumas delas já descaracterizadas (ver figuras 57 e 58). Os seixos rolados ainda podem ser encontrados em alguns pontos, revelando detalhes de pavimentação originais da fase inicial deste assentamento.

Figura 57: Vista do sítio urbano de Camargos a partir da Igreja Matriz; município de Mariana. Fonte: trabalho de campo realizado em 2003

Figura 58: arruamento principal de Camargos Fonte: trabalho de campo/2003

123 Entre Camargos e Bento Rodrigues o viajante ainda encontra três sítios, o primeiro deles nas proximidades de uma cachoeira, como demonstra a figura 59. A sede se assenta no sopé de uma colina suave, a cerca de 750 metros de altitude. A Oeste, a cobertura vegetal ao longo do percurso é logo substituída por eucalipto, como mostra a figura 60.

Figura 59: Sítio nas proximidades de Camargos; município de Mariana. Fonte: trabalho de campo realizado em 2003

Figura 60: Produção de Silvicultura nas proximidades de um sítio; município de Mariana. Fonte: trabalho de campo realizado em 2003

124 No segundo sítio, cujo acesso se verifica através de uma bifurcação a Leste (ver figuras 61 e 62), a sede nos remete a uma construção característica dos fins do século XVIII ou início do século XIX. A construção se assenta sob a encosta de uma colina. Nota-se eliminação da cobertura vegetal para o plantio do milho e a criação de cavalos.

Figura 61: Sede de uma fazenda produtiva, nas proximidades do vilarejo de Bento Rodrigues, em Mariana. Fonte: trabalho de campo realizado em 2003

Figura 62: Vista geral da fazenda nas proximidades de Bento Rodrigues; município de Mariana. Fonte: trabalho de campo realizado em 2003

125 A sede do terceiro sítio assenta-se sobre uma colina suave entre montanhas, como se pode observar através da figura 63. O acesso se verifica a Leste do percurso.

Figura 63: Sítio nas proximidades de Bento Rodrigues; município de Mariana. Fonte: trabalho de campo realizado em 2003

Rumo a Bento Rodrigues, o percurso cruza o Rio Gualaxo. Uma ponte de madeira (figura 64) permite o acesso ao próximo núcleo urbano. Neste ponto destaca-se uma vegetação típica de campo de altitude.

Figura 64: Ponte sobre o rio Gualaxo, no município de Mariana. Fonte: trabalho de campo realizado em 2003

126 O solo aparenta maior acidez, sendo comum a presença de pedras. O viajante desce por um vale aberto e bastante arborizado (ver figura 65). Na chegada ao povoado, logo se depara com uma grande área de pastagem pertencente à fazenda Santa Luzia.

Figura 65: Vista de Bento Rodrigues a partir da estrada. Fonte: trabalho de campo 2002

A partir de Bento Rodrigues, núcleo urbano já mencionado anteriormente, o percurso volta a ser único até a divisa entre os municípios de Mariana e Catas Altas. Segue-se o roteiro em direção ao próximo núcleo urbano: Santa Rita Durão. O viajante passa por uma área de reserva florestal onde se destacam, ao longe, duas construções remanescentes do século XVIII. A fazenda Ouro Fino pertence à CVRD e apresenta vestígios de degradação ambiental, através de erosões profundas nas encostas de montanhas e do assoreamento do Rio Ouro Fino, como demonstrado nas figuras 66, abaixo, e 67 (p.128).

Figura 66: Área de preservação ambiental nas proximidades de Bento Rodrigues. A Oeste, Fazenda Ouro Fino, remanescente do período barroco. Fonte: trabalho de campo realizado em 2003

127

Figura 67: Assoreamento do Rio Ouro Fino; município de Mariana. Fonte: trabalho de campo realizado em 2003

Rumo a Santa Rita Durão, numa grande área de reflorestamento, verifica-se o corte de eucalipto para a produção de celulose (ver figura 68). Antigamente, uma grande área próxima a este núcleo urbano era dedicada à plantação da uva para a produção do vinho.

Figura 68: Área de reflorestamento (corte de eucalipto) nas proximidades de Santa Rita Durão, em Mariana. Fonte: trabalho de campo realizado em 2002

128 A chegada a Santa Rita Durão106 é marcada pela presença da capela do Rosário, num ponto elevado de onde se visualiza boa parte do povoado (ver figura 69). O vilarejo se assenta a cerca de 800 metros de altitude.

Figura 69: Capela do Rosário em Santa Rita Durão; município de Mariana. Fonte: trabalho de campo realizado em 2003

Destaca-se, a Oeste, a serra do Caraça, que se configura como pano de fundo acompanhando o viajante até Catas Altas. Tanto em Santa Rita Durão quanto em Bento Rodrigues, tem-se a sensação de estagnação de seus núcleos urbanos, mas em Santa Rita ainda pode-se sentir uma certa movimentação de moradores, a maioria ligada ao trabalho de Mineração. O lugar constitui local de passagem para outras áreas mineradoras. Evidencia-se um pequeno comércio local, junto à praça da Igreja Matriz de Nossa Senhora de Nazaré, cuja igreja se ergue majestosa, contrastando com a maioria das casas deste lugar (ver figura 70, p.130). As pessoas observam, curiosas, a presença do forasteiro.

106 A denominação atual data de 1895, em homenagem ao poeta Frei José de Santa Rita Durão, ali nascido. 129

Figura 70: Praça da Igreja Matriz de Nossa Senhora de Nazaré em Santa Rita Durão. Fonte: trabalho de campo realizado em 2003

Edificações residenciais com portas geminadas no térreo revelam um tipo de moradia meio urbana, meio rural. Observa-se uma mistura de sistemas construtivos tradicionais e contemporâneos. Antigos muros de pedra à vista ainda se evidenciam. Como em Camargos e Bento Rodrigues, o traçado urbano é orgânico, típico do início da colonização do território das Minas Gerais, e o asfalto substituiu o seixo rolado em alguns pontos. O centro mais antigo ainda conserva os grandes quintais com árvores frutíferas. O adensamento é pequeno e o uso é predominantemente residencial, além do comercial e de serviços, que se concentram nas proximidades da praça da Igreja Matriz. A periferia é marcada por um tipo de ocupação distinta da original, o que descaracteriza o núcleo histórico. De acordo com dados do IBGE e da Fundação João Pinheiro (1979), este núcleo urbano (antigo Inficionado) conta com cerca de 1.700 habitantes, a maioria de migrantes atraídos pelos serviços ligados à mineração. O número de estabelecimentos comerciais é pequeno e os serviços básicos como saúde, por exemplo, são precários.

Nota-se neste centro histórico valores urbanísticos e arquitetônicos oriundos do século XVIII e que ainda predominam na conformação física do conjunto. O acervo edificado é volumetricamente pequeno, considerando-se as descaracterizações e os arruinamentos ocorridos. A figura 71 revela uma visão geral deste núcleo a partir de um antigo cemitério. Em primeiro plano, o telhado da igreja Matriz.

Figura 71: Vista geral de Santa Rita Durão a partir do cemitério; município de Mariana. Fonte: trabalho de campo realizado em 2003 130 Segundo dados da Fundação João Pinheiro (1979), cerca de 95 por cento das terras que circundam este povoado pertencem às companhias mineradoras e suas subsidiárias de reflorestamento.

Seguindo rumo ao próximo núcleo urbano é possível visualizar o Rio Piracicaba, em alguns pontos da estrada, assim como uma imensa área de reflorestamento. Chega-se à bifurcação de acesso à rodovia estadual MG 129. A ausência de sinalização pode confundir o viajante menos habituado com a região, como mostra a figura 72.

Figura 72: Bifurcação entre a estrada de terra e a rodovia estadual MG 129; limite entre os municípios de Mariana e Catas Altas. Fonte: trabalho de campo realizado em 2003

Uma ponte sobre este rio divide os municípios de Mariana e de Catas Altas. O trecho configura- se num carrefour. Deste trevo, uma estrada completamente asfaltada leva até Mariana, passando pela divisa entre este município e o de Ouro Preto, via áreas mineradas (figura 73, p.132). Seguiremos a Norte, rumo à Santa Bárbara e voltaremos via áreas mineradas.

131

Figura 73: Ponte sobre o Rio Piracicaba, na divisa de Mariana e Catas Altas. Fonte: trabalho de campo realizado em 2003

O viajante entra agora no município de Catas Altas, cuja extensão territorial é de 240,27 quilômetros quadrados . O município localiza-se na bacia do Rio Piracicaba, da qual os rios Caraça e Maquiné são sub-bacias afluentes. Outro curso d’água importante é o córrego da Bocaina.

De acordo com dados do IBGE (censo de 2000), a população total é de 4.239 habitantes, sendo que 2.969 se concentram na área urbana.

Este município limita-se, ao Norte e a Oeste, com Santa Bárbara, ao Sul, com Mariana e, a Leste, com Alvinópolis como pode ser observado através da figura 74 (p.133).

132 Catas Altas Limites Municipais ∗

20º

º

3 4 Rio Piracicaba santa Bárbara

Catas Altas Alvinópolis

Mariana

0 15 30 Quilômetros Limites municipais de Catas Altas Sede do Município de Catas Altas Municípios limítrofes FONTE: www.geminas.mg.gov.br Elaboração: Karlla Valladares Álvares

Figura 74: Localização do Município de Catas Altas no Estado de Minas Gerais

O relevo é caracterizado por rochas de quartzito na porção do quadrilátero ferrífero, gnaisse e granito indiferenciados nos planaltos dissecados. Topos arredondados, vertentes côncava- convexa e vales côncavos e encaixados. O clima é tropical de altitude, com temperatura média de 18 graus Ceusius nos meses mais frios e 22 nos meses mais quentes. Quanto à vegetação, no sopé, temos a presença de mata fechada de encosta, remanescentes de floresta tropical e, no topo, os campos rupestres.

A localidade de Morro de Água Quente é o primeiro núcleo urbano pertencente a este município. Seu acesso se verifica a Oeste de quem segue rumo a Catas Altas. A sede dista cerca de 10,61 quilômetros de Santa Rita Durão. Na chegada, o viajante é surpreendido pela exuberância e imponência do maciço do Caraça e pela degradação provocada por atividades de mineração (ver figuras 75 e 76, p.134).

133

Figura 75: Cenas de degradação em Morro de Água Quente; município de Catas Altas. Fonte: trabalho de campo realizado em 2003

Figura 76: O maciço do Caraça na chegada a Morro de Água Quente; município de Catas Altas. Fonte: Trabalho de campo realizado em 2001 134 O povoado surgiu no sopé desta serra e seu traçado orgânico é típico das primeiras aglomerações das Gerais. O nome originou-se das fontes termais que existiam nas suas proximidades, de acordo com o viajante Saint Hilaire (1887). Estas fontes foram destruídas por escavações realizadas com o intuito de se encontrar ouro. Atualmente a localidade possui duzentas casas e, aproximadamente, 700 habitantes. Destacam-se construções antigas de aparência meio urbana, meio rural, e a capelinha de Santa Quitéria, que se ergue num platô e silenciosamente se volta para a serra do Caraça (ver figuras 77 e 78).

Figuras 77 e 78: Paisagens de Morro de Água Quente. À direita, a capela de Santa Quitéria. À esquerda, uma construção remanescente do século XVIII, junto à praça da capelinha. Fonte: trabalho de campo realizado em 2003

Nas proximidades deste povoado encontra-se a sede do município de Catas Altas. O núcleo urbano de Catas Altas assenta-se no sopé de um imenso maciço, num sítio privilegiado por sua beleza natural (ver figura 79), a cerca de 730 metros de altitude.

Figura 79: Visão geral do Núcleo urbano de Catas Altas a partir da Capela do Rosário. Fonte: trabalho de campo realizado em 2003

135 O traçado do núcleo antigo, como nos demais núcleos urbanos da região em estudo, é orgânico. Nota-se descaracterização da paisagem cultural através de assentamentos mais recentes e de intervenções físicas em construções de valor arquitetônico, remanescentes do século XVIII. O acervo arquitetônico é despojado e simples, sendo que as construções civis de interesse concentram-se principalmente na Praça Monsenhor Mendes (ver figura 80), na rua do Rosário e na Rua Direita. A Igreja Matriz de Nossa Senhora da Conceição se destaca como um dos mais importantes templos mineiros.

Figura 80: Parte do conjunto histórico-arquitetônico junto à praça da Igreja Matriz, em Catas Altas. Fonte: Projeto Atlas Digital de Minas Gerais

O núcleo urbano de Catas Altas conserva atrativos interessantes em sua paisagem cultural, apesar das descaracterizações sofridas. O cenário composto pela Serra do Caraça e pelo aglomerado urbano é único. Nota-se um certo zelo pelo patrimônio histórico e arquitetônico, assim como em Mariana. Esta preocupação é recente e está intimamente ligada à atual administração pública, que tem somado esforços para recuperar a imagem do antigo núcleo. O conjunto arquitetônico da

136 praça passou por um processo de agenciamento paisagístico, iniciado em 1997, através de um projeto realizado em parceria entre a atual administração municipal, o IEPHA107 e o IPHAN108. Este projeto recebeu o prêmio “Rodrigo Melo e Franco” em 2002 na categoria Patrimônio Histórico, e serve de modelo para outras cidades detentoras de patrimônio histórico, artístico e cultural.

A composição entre paisagem natural e paisagem cultural faz de Catas Altas um lugar mágico. A figura 81 retrata a capela de Nossa Senhora do Carmo109, cujo adro é pavimentado em pedras com surpreendente solução arquitetônica. Protegida pelo maciço do Caraça, a igreja se assenta sobre o topo de uma colina.

Figura 81: Capela de Nossa Senhora do Carmo em Catas Altas. Fonte: trabalho de campo realizado em 2002

107 Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico. 108 Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. 109 Conhecida também como Capela de Santa Quitéria. 137 A harmonia de conjunto é quebrada apenas pelo poste de iluminação, revelando uma certa ausência de cuidados em intervenções mais recentes sobre o espaço urbano.

O percurso continua rumo a Santa Bárbara, que dista 14 quilômetros de Catas Altas, por estrada asfaltada. O viajante observa que este trecho de estrada passa por uma região mais plana, e pela primeira vez em todo o percurso, o horizonte se abre em direção ao infinito quebrado por suaves colinas circundantes.

Existe um projeto de se transformar este trecho da MG 129 em uma Estrada Parque. A idéia é interessante e envolve a criação de ciclovia e pista de Cooper junto à rodovia, bem como a plantação de árvores ao longo desta estrada.

Até o próximo núcleo urbano, nota-se a presença de fazendas e sítios ladeando a estrada nos dois sentidos. A Oeste, visualiza-se o imponente maciço do Caraça (ver figura 82).

Figura 82: Paisagem nas proximidades da cidade de Catas Altas. Ao fundo, o maciço do Caraça. Fonte: trabalho de campo realizado em 2003

138 O cenário mescla áreas de campos, pastagens e sedes de fazendas, a Oeste, com uma grande área de reserva florestal , de campos e sítios a Leste. A composição entre estes elementos e a Serra do Caraça é perfeita, como se nota através da figura 83. Esta fazenda é produtiva e, assim como anteriores, constitui uma alternativa a ser explorada para o turismo rural.

Figura 83: Vista geral de uma fazenda produtiva, no município de Catas Altas. Fonte: trabalho de campo realizado em 2003

A presença de uma área voltada para a produção da silvicultura confirma uma tendência geral, também verificada no município de Catas Altas. Esta área (ver figura 84) localiza-se a cerca de 8 quilômetros da sede de Catas Altas e pertence à Celulose Nipo-Brasileira S/A (CENIBRA), detentora de 23 por cento do total da área municipal.

Figura 84: Área de produção de silvicultura no município de Catas Altas. Terras da e de Santa Bárbara. Fonte: Trabalho de campo realizado em 2003 139 O viajante entra no município de Santa Bárbara, limitado ao Norte por São Gonçalo do Rio Abaixo, Barão de Cocais, a Leste por Rio Piracicaba, ao Sul por Catas Altas, Mariana e Ouro Preto e a Oeste por Caeté, Rio Acima e Itabirito. A figura 85 retrata esta situação.

Santa Bárbara Limites Municipais

∗ 20º Barão de Cocais º 43 São Gonçalo do Rio Abaixo Caeté Santa Bárbara Rio Piracicaba

Rio Acima Catas Altas

Itabirito Mariana

Ouro Preto

03060 Limites municipais de Santa Bárbara Quilômetros Sede Município de Santa Bárbara FONTE: www.geominas.mg.gov.br Municípios limítrofes Elaboração: Karlla Valladares Álvares

Figura 85

A área municipal é de 859 quilômetros quadrados e sua sede dista cerca de 105 quilômetros de Belo Horizonte. Segundo dados do IBGE (senso de 2000), a população urbana é de 21.294 habitantes e a rural, de 2.886 habitantes totalizando 24.180. Três rodovias estaduais servem a Santa Bárbara: MG 434, MG 129 e MG 326.

140 O clima é agradável, sem invernos rigorosos ou verões causticantes, já que o efeito da tropicalidade é amenizado pela altitude.

Antes de chegar a Santa Bárbara, o viajante se depara com sítios e fazendas, como podemos observar através das figuras 86 (p. 141) e 87 (p.142). Sítios como o da figura 87 podem ser aproveitados para fins turísticos e já são utilizados informalmente como meios de hospedagem, de acordo com os próprios moradores que afirmam receber amigos e familiares nos finais de semana e feriados prolongados.

Figura 86: Área de Fazenda em Santa Bárbara; acesso a Oeste, pela MG 129. Fonte: trabalho de campo realizado em 2003

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Figura 87: Sítio nas proximidades de Santa Bárbara. Fonte: trabalho de campo realizado em 2003

Alguns sítios como o da figura 88 (p.143) já estão se transformando em pousadas, ao longo da MG 129 e nas proximidades do núcleo urbano de Santa Bárbara. A pousada Recanto do Vale oferece ao turista algumas possibilidades de lazer como passeios a cavalo e banhos de piscina. A sede se assenta sob um sítio de topografia suave, em meio a árvores frutíferas e campos. O lugar é agradável e tranqüilo.

Com o desenvolvimento do turismo na região, o fluxo de pessoas aumentaria consideravelmente, tornando-se necessário ampliar e diversificar a cadeia produtiva do turismo ao longo de todo o percurso e nos próprios núcleos urbanos envolvidos.

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Figura 88: Sede de um sítio transformada em pousada; acesso a Oeste, pela MG 129. Fonte: trabalho de campo realizado em 2003

O acesso à sede de Santa Bárbara se verifica a 13 quilômetros de Catas Altas, através do trevo Caraça - Santa Bárbara (figura 89). O viajante tem a opção de fazer uma visita ao seu núcleo histórico e permanecer na cidade, que possui oito pousadas e oferece alguns serviços de apoio, dentre eles o bancário, o de saúde e o de alimentação.

Figura 89: Trevo Caraça - Santa Bárbara, no município de Santa Bárbara Fonte: trabalho de campo realizado em 2002

143 A cidade de Santa Bárbara se assenta sob um sítio de topografia montanhosa, menos acidentada do que a de Mariana e de Catas Altas, a cerca de 732 metros de altitude (ver figura 90). O traçado do antigo núcleo se desenvolveu ao longo do Ribeiro de Santa Bárbara para depois atingir as encostas dos morros.

Figura 90: Vista geral do núcleo urbano de Santa Bárbara a partir da BR 262. Fonte: trabalho de campo realizado em 2001

A ocupação mais recente revela um maior adensamento, sendo que algumas intervenções prejudicam em muito a paisagem cultural, como veremos no item 3.2 deste capítulo. Verifica-se também a presença mais intensa de comércios e serviços junto a este núcleo antigo, quando comparado a Catas Altas e Mariana. Como em Mariana, o fluxo de automóveis e pessoas é maior mas, em Santa Bárbara, o comércio é mais estruturado e reflete sua posição privilegiada, aspecto já mencionado no capítulo 2.

Entre as sedes municipais envolvidas neste estudo, Santa Bárbara sofreu maiores descaracterizações em seu núcleo histórico. No entanto, ainda conserva importantes registros da cultura barroca, dentre eles a Matriz de Santo Antônio, a sede da Prefeitura Municipal e o Hotel

144 Quadrado (ver figura 91), a Casa de Cultura (antiga sede dos correios e telégrafos), a Casa de Afonso Pena (ver figura 24, p. 98), e as capelas de São Francisco, Rosário, do Senhor do Bonfim e de Nossa Senhora das Mercês.

Figura 91: Igreja Matriz de Santo Antônio, em Santa Bárbara e parte do conjunto arquitetônico junto à mesma Destaque para o Hotel Quadrado - excelente opção de estadia para o turista Fonte: trabalho de campo realizado em 2001

Seguindo pela BR 262 no sentido Caraça, o viajante se depara com uma grande área destinada à plantação do eucalipto, dentro do município de Santa Bárbara. O acesso ao parque se evidencia por um trevo a quatro quilômetros do trevo anterior, como mostra a figura 92.

Figura 92: Acesso à RPPN do Caraça e a Brumal, a partir da BR 262. Fonte: Trabalho de campo realizado em 2002

145 Este trevo também propicia o acesso a dois povoados pertencentes a Santa Bárbara: Brumal e Sumidouro. Brumal se assenta num vale mais aberto, ladeando este trecho de estrada, a Leste. O povoado é muito pequeno e as edificações civis possuem uma tipologia simples. Destaca-se a arquitetura religiosa, remanescente do período barroco. A Igreja Matriz de Santo Amaro se ergue imponente numa esplanada, contrastando com as demais edificações civis e sendo ladeada de um imenso largo onde temos a presença de uma fonte. Uma capelinha pode ser apreciada logo na entrada deste núcleo, já bastante descaracterizado em sua paisagem cultural. As figuras 93 e 94 (p. 147) retratam Brumal.

Figura 93: Igreja de Santo Amaro, em Brumal; município de Santa Bárbara. Fonte: trabalho de campo realizado em 2003

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Figura 94: Entorno junto à Igreja de Santo Amaro, em Brumal. Edificações singelas de civis contrastam com a edificação religiosa. Esta esplanada é muito utilizada para a realização de festas tradicionais, ligadas à Igreja. Fonte: trabalho de campo realizado em 2003

Antes de chegar à reserva do Caraça, o viajante observa uma bifurcação que possibilita o acesso à Pousada das Flores de Minas. O percurso atravessa o povoado de Sumidouro, pertencente ao município de Santa Bárbara. Também neste ponto observam-se alguns sítios. O lugar não se apresenta como atrativo turístico em si, considerando-se o cenário degradado. Somente uma pequena capela, ladeando este trecho de estrada, chama a atenção do viajante pelo seu estado de abandono, como se pode notar através da figura 95 (p. 148). Entretanto, o contato com as pessoas do lugar revela a simplicidade e religiosidade de uma comunidade bastante solidária, típica do interior de Minas Gerais. Para o desenvolvimento do turismo com bases locais deve-se considerar a inserção de pequenas comunidades (como as de Brumal e Sumidouro) no processo

147 de planejamento e gestão. Antes , porém, seria preciso educar, informar essas pessoas sobre os riscos e oportunidades , viabilizando uma participação ativa.

Figura 95: Capela em péssimo estado de conservação, na região de Sumidouro. Fonte: trabalho de campo/2003

A estrada, neste trecho, encontra-se em excelente estado de conservação. Nas proximidades da RPPN110 a paisagem natural torna-se mais exuberante. Em um determinado momento o viajante se depara com uma construção pertencente aos padres Lazaristas, remanescente do século XVIII. A composição entre a mata, as montanhas, a sede desta fazenda, o cheiro do mato e o céu não escapam a uma apreciação estética. O lugar é conhecido como Fazenda do Engenho e seu acesso se verifica logo após a entrada da RPPN do Caraça. No início do século XX este local era utilizado como casa de férias pelos estudantes que ali permaneciam neste período. Hoje funciona

110 Reserva Particular de Patrimônio Natural. 148 como retiro, de acordo com um guia turístico do parque. Não obstante, tem potencial para se transformar em Fazenda - Hotel. Nesta fazenda se produz leite, queijo e verduras para apoio à lanchonete e ao restaurante existentes dentro da RPPN (ver figura 96).

Figura 96: Vista panorâmica da Fazenda do Engenho na área da RPPN do Caraça; município de Santa Bárbara. Fonte: trabalho de campo realizado em 2003

Chega-se a RPPN do Caraça, que dista 12 quilômetros da BR 262. O viajante se encanta com a harmonia de conjunto entre a paisagem natural e a paisagem construída. Cenas como a da figura 97 (p.150) confirmam o quanto é notória a relevância deste patrimônio para o Estado e para a humanidade, tendo em vistas a riqueza biológica, arquitetônica e histórica verificadas.

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Figura 97: Vista Geral do Complexo arquitetönico da RPPN do Caraça e entorno. Destaque para a torre da Igreja Neogótica (a primeira a ser construída no Brasil) e para a beleza natural. Fonte: trabalho de campo realizado em 2002

No contexto histórico das Minas Gerais, o Caraça exerceu um papel importantíssimo, constituindo um pólo de educação e cultura, atraindo até estrangeiros à região. Seu Santuário, construído pelo Irmão Lourenço entre 1774 e 1789, é bastante significativo, testemunhando o período colonial111.

111 Este padre chegou à região por volta de 1774, quando adquirindo uma sesmaria de terras, resolveu construir um local dedicado à Nossa Senhora Mãe dos Homens, para abrigar missionários. Obteve a licença junto ao Bispado de Mariana em 1774, onde iniciou sua jornada missionária. Veio a falecer em 1819, aos 95 anos, de acordo com o livro de Óbitos de Catas Altas. Doou aquelas terras à Coroa, deixando registrada uma imensa vontade de transformar o lugar num centro de educação e de formação de missionários111. Sete meses após a sua morte, missionários enviados 150 O colégio chegou a abrigar cerca de trezentos alunos em seu período áureo112. Constituía um centro não só de irradiação espiritual como também cultural, tendo sido palco de muitos simpósios científicos e de seminários culturais. Mas por ocasião da “Revolução de Minas” de 1842, viu suas portas fechadas, ficando em estado de quase abandono por doze anos. Reaberto em 1930, teria que fechar suas portas logo em seguida devido às dificuldades113. Em 28 de maio de 1968, quando ocorreu a tragédia do incêndio finalizando a atividade educacional, o colégio contava com cerca de cem alunos.

Atualmente o complexo do Caraça representa um importante pólo para o turismo regional, nacional e internacional, mas o seu potencial e a sua infra-estrutura são ainda sub utilizados. Destaca-se por seu imenso potencial para o turismo cultural e de natureza, tendo em vistas a sua importância enquanto mola propulsora para o turismo nesta região do eixo.

O turista pode desfrutar de passeios a cachoeiras (ver figuras 98 e 99, p.152) através de trilhas bem sinalizadas e constantemente limpas. Pode optar por hospedar-se em apartamentos individuais ou por alugar uma casa, levando seus familiares e amigos. A RPPN oferece serviços de lanchonete, restaurante e de guia turístico. Com o auxílio de um guia, os mais ávidos por aventura têm a opção de conhecer os picos e regiões mais distantes como os campos de altitude, que possibilitam uma visão panorâmica do lugar e revelam vestígios de uma mata tropical .

Maiores detalhes sobre sua infra-estrutura e sobre seus atrativos naturais e culturais podem ser visualizados no anexo 1, através de um mapa detalhado da RPPN e do levantamento fotográfico da área.

pelo Estado Português abriram as Missões em Minas e fundaram o Colégio Caraça. O Santuário sofreu algumas alterações ao longo de sua existência, como a substituição da capela original, de estilo barroco, por uma capela neogótica (a primeira do Brasil). 112 Por ocasião da visita imperial em 1881, havia 300 alunos internos, 50 seminaristas maiores e 250 colegiais. Alguns afirmam que houve época com até 400 alunos. ZICO, José Tobias. Caraça: sua Igreja e outras construções. Belo Horizonte: FUMARC/UCMG, 1983. 150p. 113 Dentre as inúmeras dificuldades, a financeira, a questão da concorrência com a criação de novos e numerosos colégios nas grandes cidades, sobretudo sob a orientação de congregações religiosas que chegavam ao Brasil. O número de alunos foi reduzido. 151

Figura 98: Paisagens do Caraça: Vista da serra a partir da cachoeira da Cascatona Fonte: trabalho de campo realizado em 2002

Figura 99: Trilha de acesso à Cachoeira Cascatinha, na RPPN do Caraça. Ao fundo, Serra do Caraça. Fonte: Trabalho de campo realizado em 2003

152 A RPPN do Caraça encontra-se no ponto final deste trecho definido como eixo turístico. Até o presente momento, revelou-se ao leitor uma parte deste percurso que engloba antigas áreas de mineração do ouro. No entanto, a trajetória ainda não foi concluída. Um trecho via áreas mineradas, entre os povoados de Morro de Água Quente e Antônio Pereira (ver roteiro completo especificado na p. 99) revela uma nova fase na região, iniciada no século XX e caracterizada por intensa atividade de mineração do ferro, com tecnologia avançada e a presença de empresas de grande porte como SAMARCO e CVRD.

O viajante seguirá rumo a Catas Altas, pela MG 129, agora acompanhado pelo maciço do Caraça à sua direita. Passará pelas já mencionadas áreas de pastagens, sítios, fazendas e de reflorestamento, até chegar a este núcleo urbano. Nas proximidades de Catas Altas visualiza-se uma bifurcação que dá acesso a um local conhecido como Barra da Janaina. Uma placa improvisada indica a localidade, como mostra a figura 100.

Figura 100: Acesso à antiga área de mineração em Catas Altas. Fonte: trabalho de campo realizado em 2002

153 A partir deste trevo alcança-se a Fazenda Quebra - Ossos, em cuja área se encontram as ruínas de um bicame de pedras construído no século XVIII, para lavagem de ouro (ver figura 101).

Figura 101: Ruínas de um bicame construído no século XVIII na Fazenda Quebra – Ossos, em Catas Altas. Fonte: Casa de Cultura de Catas Altas

Logo em frente, o viajante avista um conjunto habitacional que se assenta sob um sítio de topografia pouco acidentada, sendo protegido pelo maciço do Caraça que se destaca na paisagem (ver figura 102, p.155). Aliás, este trecho da MG 129 é caracterizado por sua beleza natural, sendo pontuado por intervenções humanas de maiores dimensões, como veremos ao longo deste percurso.

154 Figura 102: Conjunto habitacional visto da MG 129, indicando a chegada a Catas Altas. Fonte: trabalho de campo realizado em 2003

Entre Catas Altas e Morro de Água Quente, a Serra do Caraça encontra-se bastante recortada, fruto da atividade de mineração. O cenário é marcante e mescla beleza natural com degradação ambiental. O viajante pode visualizar a mina de Pitangui, pertencente à CVRD. As crateras são notáveis, como mostra a figura 103 abaixo.

Figura 103: Intenso trabalho de mineração junto à serra, na mina de Pitangui. Fonte: trabalho de campo realizado em 2002

155 Adiante, uma bifurcação pela MG 326 permite o acesso a uma área de camping, junto a uma lagoa. Conhecida como “lagoa do Guarda Mor”, faz parte da história de Catas Altas e pertencia ao Guarda-Mor Innocêncio Vieira da Silva, filho de português Domingos Vieira da Silva e de Rosa Maria Barbosa, antigos proprietários das minas de ouro do Bananal, Boa Vista e Pitangui. No entorno imediato nota-se a substituição de vegetação natural para atividade de silvicultura (ver figura 104).

Figura 104: Camping Lagoa do Guarda Mor, no município de Catas Altas. Fonte: trabalho de campo realizado em 2001

Novamente se verifica o acesso a Morro de Água Quente, no município de Catas Altas (ver figura 105). Logo adiante, nas proximidades da ponte sobre o rio Piracicaba, o viajante pode optar por seguir em frente por estrada asfaltada, ou retornar em estrada de terra, rumo a Santa Rita Durão. Seguiremos por estrada asfaltada até Mariana, passando pelas áreas mineradas.

Figura 105: Chegada a Morro de Água Quente; município de Catas Altas. Fonte: trabalho de campo realizado em 2002

156 O próximo marco é a mina do Fazendão, de propriedade da CVRD. A mina dista um quilômetro do trevo acima, e seu acesso se verifica a partir da MG 129 (ver figura 106).

Figura 106: Mina do Fazendão; município de Mariana. Fonte: Trabalho de campo realizado em 2003

Uma bifurcação a cerca de 1,2 quilômetros da mina possibilita o acesso à Estação Fazendão (ver figura 107) de propriedade da CVRD.

Figura 107: Acesso à Estação Fazendão, em Mariana Fonte: trabalho de campo realizado em 2003

157 Destacam-se, pela sua imponência, o maciço do Caraça e os recortes deixados pela atividade de mineração na paisagem. Os trabalhos de mineração são intensos neste trecho de estrada. Esta Estação Fazendão (ver figura 108) dá suporte às atividades mineradoras, possibilitando o escoamento da produção através da estrada de ferro Vitória - Minas.

Figura 108: Estação Fazendão; município de Mariana Fonte: trabalho de campo realizado em 2003

No sopé da serra, a linha do trem se configura como um marco na paisagem, como mostra a figura 109, acompanhando o viajante durante cerca de doze quilômetros de percurso.

Figura 109: Escoamento Minério através da ferrovia Vitória-Minas em Mariana. Fonte: trabalho de campo realizado em 2002

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O viajante passa por uma reserva de eucalipto (proximidades de Santa Rita Durão) e observa, à sua direita, as marcas da atividade de mineração. Nota-se a presença de minério de ferro e um intenso processo de exploração, verificado desde a segunda metade do século XX até os dias atuais. A figura 110 revela as deformações na paisagem provocadas por esse processo, em áreas próximas à Serra do Caraça.

Figura 110: Vestígios da atividade de mineração nas proximidades da Serra do Caraça. Município de Mariana. Fonte: trabalho de campo realizado em 2003.

A linha de trem pode ser visualizada paralelamente à estrada durante um bom trecho até o próximo marco: o acesso à Mina da Alegria. Esta bifurcação também possibilita o acesso à Fazenda da Alegria, que se encontra em plena área de mineração e fica a 22 quilômetros de

159 Antônio Pereira, povoado pertencente a Ouro Preto. A antiga usina da Companhia SAMITRE (ver figuras 111, 112 e 113) pertence, atualmente, à CVRD, detentora de grande parte dessas terras.

Figura 111: Acesso Mina da Alegria Fonte: Trabalho de campo 2002

Figuras 112 e 113: Portaria da Mina da Alegria (à esquerda) e vista geral da Usina (à direita). Fonte: Trabalho de campo realizado em 2003

160 Em plena área de mineração destaca-se a Fazenda da Alegria (ver figura 114), importante exemplar do patrimônio cultural, remanescente do século XVIII. A fazenda foi totalmente restaurada e se encontra em bom estado de conservação. O lugar tem potencial para ser explorado turisticamente. Caberia à companhia disponibilizar esta área para uso turístico. Atualmente, a CVRD permite visitas à mina e a esta fazenda, desde que previamente marcadas. A fazenda é utilizada como pousada para os diretores da Companhia. Mas seu uso poderia ser intensificado com a criação de um museu ligado à mineração, acompanhado de um restaurante, por exemplo.

Figura 114: Fazenda da Alegria Fonte: www.descrubaminas.com.br

Seguindo em frente, o viajante chega à área da SAMARCO, cujo acesso se verifica a partir desta estrada (ver figura 115, p.162).

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Figura 115: Acesso à Usina da Samarco no município de Mariana. Fonte: trabalho de campo realizado em 2002

Aqui se inicia uma imensa barragem de rejeitos conhecida como Barragem de Santarém. Este mar de lama de minério revela-se tão exótico em meio à paisagem que até poderia servir de atrativo turístico. Através da figura 116 o leitor pode compreender melhor a dimensão desta lagoa de rejeitos.

Figura 116: Lagoa de Rejeitos da Companhia SAMARCO; município de Mariana.7Fonte: trabalho de campo realizado em 2000

162 Infelizmente, a atividade de mineração, por mais que se enquadre dentro das normas ambientais, provoca uma degradação irreversível na paisagem natural.

Neste trecho da MG 129, a atividade de silvicultura também está presente em grandes extensões. A figura 117 revela a presença desta atividade nas proximidades da barragem Santarém e permite visualizar a ferrovia Vitória - Minas, momentos antes de seu cruzamento com esta rodovia estadual.

Figura 117: Ferrovia Vitória - Minas em primeiro plano; ao fundo, a presença de atividade de silvicultura. Fonte: trabalho de campo realizado em 2003

O viajante atravessa a ferrovia Vitória - Minas por uma ponte, a cerca de 17 quilômetros do núcleo urbano de Antônio Pereira (ver figura 118, p.164). A barragem de Santarém ainda pode ser visualizada por alguns quilômetros.

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Figura 118: Ponte sobre a ferrovia Vitória - Minas, no município de Mariana. Fonte: trabalho de campo realizado em 2003

O próximo marco é o trevo da Mina de Timbopeba. Esta mina dista 13.5 quilômetros do eixo principal e pertence à CVRD, atualmente. Neste trecho a paisagem se revela exuberante, pela presença de uma lagoa e por um imenso maciço, como podemos perceber através das figuras 119 abaixo, e 120 (p.165). A água deste reservatório é utilizada pela vila conhecida como Residencial SAMARCO, nas proximidades deste trecho.

Figura 119: Acesso à Mina de Timbopeba na divisa entre Ouro Preto e Mariana. Fonte: trabalho de campo realizado em 2003

164 Figura 120: Reservatório nas proximidades da Vila Residencial SAMARCO. Divisa entre Mariana e Ouro Preto. Fonte: trabalho de campo realizado em 2003

A Mina de Timbopeba (ver figura 121) se encontra em intensa atividade, possibilitando emprego aos moradores de núcleos urbanos próximos, como Santa Rita Durão, Bento Rodrigues, Antônio Pereira e Mariana.

Figura 121: Vista da Mina de Timbopeba, a partir da MG 129. Divisa entre Mariana e Ouro Preto. Fonte: trabalho de campo realizado em 2003 165 Nas proximidades desta mina encontra-se a Vila conhecida como Residencial SAMARCO, construída pela empresa SAMARCO, quando do início de suas atividades exploratórias na região. A vila se encontra a um quilômetro do povoado de Antônio Pereira, podendo ser visualizada da MG 129. A figura 122 revela esta vila, que se assenta sob um sítio de topografia suave, envolto por colinas, a cerca de 800 metros de altitude.

Figura 122: Vista da Vila Residencial SAMARCO a partir da MG 129. Divisa entre Mariana e Ouro Preto. Fonte: trabalho de campo realizado em 2002

A paisagem neste ponto é marcada pela presença da Serra do Ouro Preto, que acompanha o viajante até o núcleo urbano de Mariana, possibilitando visadas interessantes como a da figura 123 abaixo.

Figura 123: Reservatório a sudoeste da Vila SAMARCO. Ao fundo, a Serra de Ouro Preto. Fonte: trabalho de campo realizado em 2002

166 Na chegada a Antônio Pereira o viajante é surpreendido pela presença de uma plantação de girassóis. A composição entre a Serra do Ouro Preto, ao fundo, e esta plantação promove uma sensação de bem estar. Pela primeira vez em todo o percurso do eixo turístico Mariana – Santa Bárbara tem-se a presença de flores ao longo da estrada (ver figura 124).

Figura 124: Girassóis. Vilarejo de Antônio Pereira. Fonte: trabalho de campo realizado em 2003

O pequeno assentamento de Antônio Pereira teve sua formação ligada ao processo de mineração do ouro. A figura 125 (p. 168) mostra uma visão geral deste povoado. Destes tempos de opulência nas minas, restaram poucas construções remanescentes e sua visualização a partir da estrada, não permite ao viajante caracterizar este núcleo urbano como um núcleo antigo. No entanto, percorrendo o lugar, o forasteiro observa que ainda restam uma ruína onde se encontra um cemitério, junto a uma pequena praça e uma Capelinha dedicada à Nossa Senhora das Mercedes, ladeada por construções que em nada dialogam com a mesma, bem como algumas edificações civis que mesclam sistemas construtivos contemporâneos e antigos, caracterizadas por seus traços singelos. As figuras 125 e 126 da página 168 se referem a este núcleo.

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Figura 125: Rua direita de Antônio Pereira. Ao fundo, Serra do Caraça. Fonte: trabalho de campo realizado em 2003

Figura 126: Ruínas de uma Igreja no centro histórico do distrito de Antônio Pereira. Fonte: trabalho de campo realizado em 2003

168 Destaca-se a gruta de Nossa Senhora da Conceição da Lapa, localizada num ponto elevado, de onde se avista todo o núcleo urbano de Antônio Pereira. A gruta abriga uma pequena capelinha, dedicada à Nossa Senhora (ver figura 127). Segundo a lenda da região, um artesão teria esculpido uma santa, deixando-a na gruta. Posteriormente, a santa teria sido levada para o povoado de Antônio Pereira, de onde desapareceu ressurgindo, misteriosamente, no local de origem. Em homenagem à Nossa Senhora da Conceição da Lapa, foi erguida uma capelinha no interior da gruta.

Figura 127: Gruta de Nossa Senhora da Conceição da Lapa em Antônio Pereira. Fonte: trabalho de campo realizado em 2003

Recentemente, a capela chamou a atenção da mídia devido ao aparecimento de uma pigmentação na rocha, na forma de uma santa (fig.128, p.170). Este desenho teria surgido repentinamente, atraindo fiéis ao lugar.

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Figura 128: Detalhe de pigmentação na gruta de N. S. da Conceição da Lapa, em Antônio Pereira. Fonte: trabalho de campo realizado em 2003

Esta gruta recebe visitações de turistas e possui uma certa infra-estrutura de apoio, que poderia se expandir para atender a um fluxo mais intenso de pessoas, caso o turismo se intensifique como atividade na região. Nas proximidades da gruta, em meio a crateras que nos remetem à atividade de mineração, nota-se uma quadra de futebol.

Dando continuidade ao percurso, o viajante segue rumo a Mariana. A cerca de 10 quilômetros deste núcleo urbano pode-se avistar a Serra de Ouro Preto, juntamente com este assentamento. Uma composição interessante aos olhos do viajante que se aventura por este caminho, como se pode observar através da figura 129 da página 171.

170 Figura 129: Paisagem nas proximidades do núcleo urbano de Mariana. Ao Fundo, Serra de Ouro Preto. Fonte: trabalho de campo realizado em 2002

Chega-se ao trevo da figura 130, já mencionado anteriormente e que permite o acesso às áreas mineradas (via asfalto) ou a Bento Rodrigues (por estrada de terra). O trevo se encontra em uma área industrial de Mariana. O viajante corta novamente o seu núcleo urbano, passando pelo condomínio Vila D’El Rey e pelo conjunto habitacional, rumo a MG 262, ponto de chegada (ver roteiro completo na página 103).

Figura 130: Trevo Bento Rodrigues/Áreas Mineradas, no município de Mariana. Fonte: trabalho de campo realizado em 2002

171 3.2. Dificuldades e limitações do turismo atual no eixo Mariana- Santa Bárbara

Dentre as dificuldades e limitações para o desenvolvimento turístico no eixo Mariana – Santa Bárbara evidenciam-se questões ligadas à preservação do acervo histórico-arquitetônico e da paisagem cultural de antigos núcleos históricos. A descaracterização ocorrida ao longo dos anos prejudica a imagem desses lugares, desvalorizando-os enquanto possíveis pólos de atração turística.

Mariana é o município que apresenta o maior número de bens tombados, considerando-se todos os distritos e o seu núcleo urbano principal. As descaracterizações da paisagem cultural se verificam através de ocupações inadequadas de morros, da má utilização de espaços públicos, do assoreamento do ribeirão do Carmo e dos arruinamentos de construções relevantes, como as que integram o conjunto da Praça da Sé. A área da praça é utilizada, atualmente, como estacionamento, fato que a desvaloriza, descaracterizando uma parte importante deste centro histórico. Soma-se a isto a presença de dois casarios antigos em estágio avançado de arruinamento. As figuras 131 (p.172) e 132 (p.173) retratam parte do conjunto arquitetônico da Praça da Sé na década de 80 e no ano 2002, respectivamente.

Figura 131: Vista parcial do complexo arquitetônico da Praça da Sé (Mariana), na década de 80. Fonte: arquivo IPHAN

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Figura 132: Vista parcial do complexo arquitetônico da Praça da Sé, Mariana, em 2002. Fonte: trabalho de campo/ Projeto Mapeamento do Acervo Histórico e paisagístico de Mariana-2002

173 A descaracterização da paisagem também pode ser exemplificada através do Morro do Rosário, cuja ocupação descontrolada prejudica em muito a paisagem cultural de Mariana. As figuras 133 (p.174) e 134 (p.175) retratam o morro do Rosário no início do século XX e na atualidade, revelando a necessidade de intervenção de modo a impedir maiores descaracterizações da paisagem cultural. Esta ocupação desenfreada reflete o crescimento desordenado da cidade, cuja população urbana cresceu consideravelmente a partir da segunda metade do século XX, como vimos no capítulo 2. Forasteiros, atraídos pela possibilidade de trabalho com a presença das mineradoras, acabaram se fixando no local.

Figura 133: Vista do Morro do Rosário em Mariana - foto anterior ao processo de ocupação das encostas. Fonte: Arquivo IPHAN / sem data

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Figura 134: Vista geral de parte do centro histórico de Mariana. Ao fundo o morro do Rosário nos arredores da igreja do Rosário. Fonte: Projeto Mapeamento do acervo histórico e paisagístico de Mariana / 2002

Algumas intervenções no espaço urbano de Mariana têm se verificado sem muitos cuidados em relação ao seu núcleo antigo, como revela a figura 135 (p.176). Nota-se que a inserção inadequada de um ginásio poliesportivo fere a imagem do antigo núcleo, concorrendo com as Igrejas do Carmo e de São Francisco, um dos mais belos cartões postais da cidade.

As agressões à paisagem do centro histórico também se verificam através de placas, letreiros e de alterações físicas nas fachadas de edificações de valor histórico-arquitetônico (figura 136, p. 176). Aos problemas relatados acima, soma-se o assoreamento da bacia do Ribeirão do Carmo, curso d’água importante no processo de ocupação e formação da cidade.

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Figura 135: Vista parcial do núcleo histórico de Mariana. Destaque, além das Igrejas do Carmo (à esquerda) e de São Francisco (à direita), para o ginásio que não dialoga com o seu entorno. Fonte: Projeto Mapeamento Histórico e Paisagístico de Mariana / 2003

Figura 136: Ribeirão do Carmo, em Mariana. Ao fundo, a “ponte de tábuas” e à direita, descaracterização de fachadas através de placas, letreiros e intervenções físicas. Fonte: Projeto Mapeamento Histórico e Paisagístico de Mariana / 2003.

176 Os distritos de Camargos, Santa Rita Durão e Bento Rodrigues, pertencentes a este município, também apresentam desagregação de seus centros históricos, fruto do desenvolvimento contemporâneo. Nestes distritos, geralmente as construções de caráter religioso, tombadas pelo IPHAN ou pelo IEPHA encontram-se em bom estado de conservação, contrastando com a maioria das edificações civis, em ruínas ou descaracterizadas. A situação dos distritos pode ser exemplificada através de Santa Rita Durão, cujo acervo edificado tornou-se volumetricamente pequeno, se considerarmos os arruinamentos e as descaracterizações existentes. Mas diante das peculiaridades artísticas, paisagísticas e arquitetônicas que o definem, é muito importante. Na rua Santa Rita, principal eixo viário deste povoado, situam-se praticamente todas essas edificações de relevância. A matriz de Nossa Senhora de Nazaré (ver figura 70, p. 130), a capela do Rosário, as edificações residenciais com portas geminadas no térreo (definindo um tipo de moradia meio urbana, meio rural), a casa de rótulas do IPHAN, somadas aos muros de pedra à vista (no fechamento dos lotes da área urbana) e a serra do Caraça definem um cenário de intensa beleza.

É importante ressaltar que, em Mariana, existem dois projetos em elaboração, relacionados à questão da preservação de seu acervo arquitetônico e paisagístico. O primeiro deles trata-se da elaboração de um Plano Diretor que visa, dentre outros aspectos, proteger o núcleo histórico de tais descaracterizações e controlar o crescimento no município, através de leis de uso e ocupação de solo adequadas. O plano diretor é um passo importante, principalmente agora em que as cidades se voltam para o turismo. O segundo projeto trata-se do Mapeamento do Acervo Histórico e Paisagístico de Mariana, que não se resume a um simples mapeamento, como a princípio pode parecer. Pelo contrário, este projeto elabora um diagnóstico, onde aponta aspectos da ocupação que contribuíram para a perda da qualidade da imagem do centro histórico de Mariana e propõe alternativas de agenciamento paisagístico na área deste núcleo e entorno imediato. Projetos como estes nos levam a acreditar que, apesar das dificuldades e limitações existentes, existe uma vontade política que, somada ao apoio da população, de centros universitários e da iniciativa privada, poderá se transformar em realidade.

No município de Catas Altas a sede manteve em bom estado de conservação o conjunto da praça da Igreja Matriz, que data do século XVIII. No entanto, o seu centro histórico também sofreu

177 bastante intervenção, que pode ser percebida quanto mais nos distanciamos desta praça. Atualmente, uma torre de celular concorre com a torre da Igreja Matriz, destacando-se na paisagem e alterando significativamente o contexto urbano onde se insere, como mostra a figura 137.

Figura 137: Visão panorâmica da Igreja Matriz de Catas Altas. Fonte: Projeto Atlas Digital / 2002

A Praça Monsenhor Mendes (praça da Igreja Matriz) é utilizada como rodoviária, já que não existe um terminal de ônibus na cidade.

As descaracterizações físicas na paisagem cultural de Catas Altas também se estendem aos seus distritos. Em Morro de Água Quente, por exemplo, verifica-se uma mistura entre elementos contemporâneos e antigos junto ao núcleo urbano, que ainda conserva importantes registros dos tempos do ouro através de uma capela e de algumas edificações civis, como vimos no item 3.1. Em Santa Bárbara, o turista poderá se deleitar com as graciosas edificações junto a Praça da Igreja Matriz e da Igreja do Rosário, que ainda conservam importantes registros da história da cidade e se encontram em bom estado de conservação. No entanto, as descaracterizações físicas 178 junto ao núcleo histórico foram notáveis. A praça Pio XII, importante centro comercial de Santa Bárbara, encontra-se desfigurada, como demonstram as figuras 138 e 139 (da década de quarenta e da atualidade, respectivamente). Uma construção do início do século XX, a Casa Rocha (ver figuras 140 e 141 da página 180), ainda permanece. Naquele tempo, quando santa Bárbara funcionava como uma espécie de porto seco distribuindo mercadorias para os povoados próximos, o carregamento era feito em lombo de burro, a partir deste centro comercial.

Figura 138: Praça Pio XII em Santa Bárbara, provavelmente da década de 40. Fonte: Casa de Cultura de Santa Bárbara

Figura 139: Praça Pio XII em 2002- retrato da descaracterização do núcleo histórico de Santa Bárbara. O talude existente ao longo da rua direita foi eliminado para viabilizar o seu alargamento. As construções ao longo desta rua encontram-se descaracterizadas. Fonte: trabalho de campo realizado em 2001

179 As construções históricas nas proximidades da praça do comércio se encontram desvalorizadas pelo excesso de placas e letreiros, que transformam a paisagem do núcleo histórico num verdadeiro caos.

Figura 140: A Casa Rocha no passado (Santa Bárbara) Figura 141: Casa Rocha em 2002 (Santa Bárbara) Fonte: Casa de Cultura de Santa Bárbara Fonte: trabalho de campo realizado em 2001

O conjunto arquitetônico da praça da Matriz encontra-se revitalizado, mas também sofreu perdas irreparáveis como se pode observar através das figuras 142 (p.180) e 143 (p.181). Atualmente a arborização impede a visualização da Capela do Rosário que, no passado, integrava-se a esta praça através de um eixo visual fortíssimo.

Figura 142: Eixo visual da Praça da Matriz até a Capela do Rosário, em Santa Bárbara. Fonte: Casa de Cultura de Santa Bárbara.

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Figura 143: Parte do conjunto arquitetônico da Praça da Matriz, em Santa Bárbara. Fonte: trabalho de campo realizado em 2001.

O excesso de ônibus inter e intra municipais transitando pelo núcleo histórico de Santa Bárbara114 também contribui para o caos. A rodoviária (ver figura 144) foi construída muito próxima deste e não dialoga com o entorno.

Figura 144: Rodoviária de Santa Bárbara nas proximidades do centro histórico Fonte: trabalho de campo realizado em 2001

114 Todos os ônibus obrigatoriamente passam pelo centro histórico, tumultuando-o e podendo provocar futuros problemas nas estruturas de edificações civis e religiosas. 181 Em Antônio Pereira, povoado pertencente a Ouro Preto, a descaracterização é semelhante à verificada nos demais distritos envolvidos neste estudo. O lugar ainda guarda vestígios dos tempos da opulência do ouro, como podemos notar através da figura 145.

Figura 145: Vista da antiga Rua Direita de Antônio pereira. Fonte: trabalho de campo elaborado em 2003.

A pesquisa junto aos núcleos urbanos revelou que as dificuldades e limitações do atual turismo na região não se restringem aos problemas de descaracterização do patrimônio ambiental urbano. Envolve também questões como a deficiência de infra-estrutura básica e turística, a necessidade de educação ambiental, o marketing incorreto, as dificuldades de interpretação do patrimônio e a necessidade de qualificação profissional- importantes para a potencialização da oferta e da demanda turísticas.

182 A infra-estrutura de comércio e de serviços oferecidos aos turistas, atualmente, se restringe aos núcleos urbanos de Catas Altas, Mariana e Santa Bárbara. A maioria dos hotéis, pousadas e restaurantes, entretanto, não está preparada para receber um turista exigente. Entre os problemas mais comuns estão a falta de qualificação da mão-de-obra e a baixa disposição dos empresários locais para a realização de investimentos turísticos115. Soma-se a isso uma baixa utilização de serviços de consultoria especializada, o que prejudica o desenvolvimento de um suporte mais adequado, voltado para fins turísticos.

Os municípios de Mariana e de Santa Bárbara possuem melhor infra-estrutura básica e turística, considerando as categorias de hospedagem, restaurantes, estabelecimentos comerciais, bancários e de saúde. Catas Altas, que conseguiu emancipar-se recentemente, não possui comércio consolidado, em termos de diversidade, dependendo de serviços básicos de cidades vizinhas, como Santa Bárbara. Serviços bancários e de alimentação, já estão sendo implantados. Por outro lado, a atual administração deste município vem desenvolvendo parcerias junto à iniciativa privada e a órgãos públicos como a AMDA, o IPHAN e o IEPHA. Isso demonstra uma visão por parte do poder público local de que o turismo constitui uma excelente saída para maior projeção de seu município nos cenários Estadual, Nacional e Internacional. Como resultados dessas parcerias já se pode sentir melhorias na qualidade de vida da população, através de projetos como o aterro sanitário, construído em parceria entre a Prefeitura Municipal e o Departamento de Engenharia Sanitária (DESA) da Universidade Federal de Minas Gerais. Projetos de elaboração de uma rede de esgoto para a cidade já estão sendo viabilizados através de outras parcerias. A qualidade de vida da população local é um dos pontos que atraem o turista, como já vimos. A situação de Catas Altas demonstra o que já foi mencionado anteriormente: o sistema de parceria é uma saída eficaz que permite a realização de obras e planejamentos estratégicos para esses municípios.

Os serviços de informação turística também deixam a desejar nos núcleos urbanos, sendo mais eficientes na RPPN do Caraça (apesar da precariedade deste). A divulgação tem se realizado de maneira equivocada, segundo empresários locais. Soma-se a isso a ausência de incentivo do

115 Vide Estudo da Oferta Turística para os municípios de Catas Altas e Mariana, realizado em parceria entre o SEBRAE e o Unicentro Newton de Paiva. 183 poder público, com exceção de Catas Altas. Essa divulgação inadequada, a falta de incentivos por parte do poder público e a incipiente infra-estrutura, são responsáveis pela baixa demanda turística verificada nestes lugares.

O papel do poder público é muito importante para a tomada de decisões no planejamento e na gestão do turismo, como já foi mencionado no capítulo 1. Por outro lado, se pensarmos num turismo com base local, dentro dos moldes da sustentabilidade, é necessário que haja também um envolvimento da população e a participação da iniciativa privada, para viabilizar o desenvolvimento dessa atividade. Em Mariana e Catas Altas, essa articulação entre instituições públicas e privadas acontece, mas os empresários locais as consideram equivocadas. Em Santa Bárbara não existe uma vontade política, por parte do poder público atual, no sentido de promover o seu produto turístico.

Outro grande problema verificado na pesquisa foi em relação ao marketing que se tem realizado atualmente, levando a uma imagem equivocada dos lugares. Se por um lado, esta divulgação atrai o turista através de uma situação ou cenário irreal, por outro, o leva a não mais voltar diante do sentimento de frustração em relação ao produto encontrado. No contexto da atividade turística, a importância de uma divulgação adequada pode ser retratada através de Coriolano (1998, p.11): “A qualidade da imagem de um lugar turístico precisa ser respaldada por uma realidade local que ofereça condições viáveis para potencializar a oferta com máxima confiabilidade.”

No caso das cidades do eixo, a divulgação do produto turístico já acontece, sendo mais eficaz em Catas Altas e Mariana, quando comparadas à de Santa Bárbara, porém, merece melhor direcionamento. O Caraça possui uma infra-estrutura mais consolidada para o eco-turismo, mas também carece de uma melhor divulgação do seu produto. A RPPN do Caraça possui inúmeros atrativos que nos permitem classificá-lo como a mola propulsora do turismo na região do eixo, principalmente para os municípios aos quais pertence. Seu potencial não se resume ao turismo de natureza ou ao turismo cultural, englobando outras opções como o turismo religioso, de eventos e turismo “científico”. Constitui-se também num centro de grande potencial para desenvolvimento de pesquisas científicas, mantendo uma tradição que remonta ao século XIX, quando vários pesquisadores estrangeiros, dentre eles Richard Burton, Burundy e Saint Hilaire, vinham com o

184 intuito de coletar amostras de sua flora e fauna. Aqui o seu potencial também tem sido sub utilizado. Poderia estar atuando como um importante centro de lazer e turismo para a região, possibilitando uma diversificação da oferta turística para os municípios de Catas Altas e Santa Bárbara, mas isso não se verifica.

A RPPN do Caraça ocupa uma área de 11.233 hectares e conta com uma certa infra-estrutura para receber turistas: quatro opções de alojamento, lanchonete, restaurante e estacionamento. Como atrativos, além de suas belezas naturais temos um museu, uma igreja neogótica (a primeira do Brasil) que compõe o seu complexo arquitetônico, importante patrimônio cultural. O acesso é bem sinalizado, verificando-se por estrada asfaltada, em ótimo estado de conservação. Os atrativos naturais e culturais, bem como a infra-estrutura existente, podem ser visualizados no anexo 1 deste trabalho. Atualmente, o Caraça recebe cerca de 40 mil turistas por ano, de acordo com dados da atual administração, dos quais 20% são estrangeiros. De acordo com os registros de hóspedes, os visitantes mais comuns vêm de outras cidades mineiras, de Belo Horizonte, de estados como São Paulo e até do exterior. Entretanto, o seu potencial não é devidamente trabalhado. Falta uma divulgação adequada e uma gestão que o considere não só como um “produto turístico” regional ou nacional, mas também como uma possibilidade de desenvolvimento local.

A capacitação profissional, no Caraça, também poderia ser melhorada através de cursos, dinâmicas e treinamento com profissionais ligados ao turismo. Notou-se que seus funcionários possuem enorme afeição pelo seu ambiente de trabalho. No entanto, não estão preparados para receber o turista. Serviços oferecidos como o de guia turístico e de atendimento (lanchonete, restaurante e informações) precisam ser potencializados. O estabelecimento de parcerias com universidades seria uma boa opção.

Outro ponto observado foi a falta de integração dos núcleos urbanos de Catas Altas e Santa Bárbara com a RPPN. Após a emancipação de Catas Altas116, a reserva ficou dividida entre esses dois municípios, fato que constitui um problema para as atuais administrações públicas que não conseguem se entender quanto à melhor forma de gerir este precioso pólo turístico.

116 Ocorrida em 1996. 185 Curiosamente, o acesso entre eles é dificultado pela inexistência de um sistema eficiente de transporte. Em relação a Catas Altas, esse contato ainda é mais precário devido às barreiras geográficas, já que seu núcleo urbano se encontra no sopé da Serra do Caraça e dá as costas para a reserva. Não existe um trabalho de educação ambiental junto às escolas (muito menos voltada para o turismo), o que revela o descaso em relação a este precioso patrimônio.

3.3. Perspectivas e propostas para o desenvolvimento do Eixo Turístico Mariana - Santa Bárbara.

As perspectivas para o desenvolvimento turístico ao longo do eixo Mariana - Santa Bárbara são positivas. Deve-se registrar não só o número de atrativos, mas a conscientização, ainda que incipiente, da população, dos poderes públicos e de empresários locais. O turismo ganha importância como alternativa de desenvolvimento sustentável para a região. No entanto, torna-se fundamental neste processo uma educação voltada para o turismo e meio ambiente, e um maior suporte de profissionais e órgãos competentes ligados à atividade. A educação voltada para a valorização da cultura local, do patrimônio histórico, artístico e cultural merece atenção especial e muito pode contribuir para valorizar os lugares não só como produtos turísticos, mas também como espaços dotados de identidade cultural.

O primeiro passo seria estabelecer um planejamento estratégico, traçando metas a curto, médio e longo prazos. As decisões devem ser tomadas com a participação da comunidade, numa escala local, buscando atender às demandas de cada lugar. Neste contexto, torna-se necessário um planejamento dentro dos moldes da sustentabilidade econômica, ambiental e cultural. Entre os aspectos fundamentais deste planejamento estaria a elaboração de um plano diretor para estes municípios, já que o turismo se apropria de objetos e lugares, podendo promover, dentre outras coisas, o desenvolvimento acelerado de formas urbanas que, se não controladas por lei, podem prejudicar a imagem do patrimônio ambiental urbano. Mariana já está elaborando este plano, através de uma equipe multidisciplinar. Em Catas Altas, esta questão também está sendo tratada com o apoio da Fundação João Pinheiro.

186 As áreas rurais – propícias ao ecoturismo e turismo rural – poderiam estar mais integradas a estes núcleos urbanos, através de diretrizes previstas no planejamento turístico. Isto possibilitaria a participação ativa de pequenos agricultores no contexto de desenvolvimento desta nova atividade.

No planejamento deverão estar previstos as diversas modalidades turísticas a serem desenvolvidas, bem como uma pesquisa minuciosa de capacidade de carga e do perfil da demanda. Um estudo de previsão de impacto ambiental, abrangendo toda a área destes municípios, seria um instrumento adequado para uma correta implantação da atividade turística na região. Dentre outros aspectos, torna-se importante mensurar a capacidade de carga, considerando os fatores sócio-econômicos e ambientais. Cálculo complicado (como já vimos no capítulo 1), no entanto, estimativa necessária para que se possa mitigar impactos ambientais futuros. Em unidades de conservação como a RPPN do Caraça, o plano de manejo, elaborado por equipe multidisciplinar, é uma estratégia importante para viabilizar ações corretas sobre esta área protegida legalmente.

O turismo é pensado aqui como um possível veículo de melhoria da qualidade de vida das populações, dependendo da forma com que essa atividade se insere no contexto do lugar e do nível de participação da sociedade envolvida. Para o desenvolvimento de um turismo de qualidade, o poder público exerce um papel fundamental nas questões de planejamento e gestão, devendo apoiar-se no compromisso de fazer da prática desta atividade uma possibilidade de melhoria da qualidade de vida dos moradores. Nesse processo, deve-se incentivar a participação da população e estabelecer parcerias com a iniciativa privada e com universidades, buscando viabilizar alternativas de desenvolvimento.

É importante ressaltar que o incentivo ao desenvolvimento turístico não significa torná-lo uma atividade única na região, mas fortalecer as atividades existentes, viabilizando a sua sustentação. Esta atividade é vista aqui não somente em sua dimensão econômica, como também cultural, ambiental e política.

187 Diante das análises realizadas em campo e das colocações acerca do turismo e de sua íntima ligação com a Geografia, proponho a criação de um roteiro turístico temático, partindo de Mariana até Santa Bárbara (incluindo a RPPN do Caraça). Este roteiro faria parte de um contexto maior, compreendido pelos municípios de Mariana, Catas Altas e Santa Bárbara, aqui entendidos como um circuito turístico respaldado por elementos da cultura, da história e da natureza, passíveis de atrair e seduzir turistas. Este circuito seria uma espécie de organização social juridicamente constituída, coordenada por um gestor, dentro dos moldes da nova política de planejamento turístico do Estado. A sua gestão se voltaria para a implementação e o desenvolvimento de atividades afins e seria amparada por empresas públicas e privadas. Cada município teria o seu representante ativo neste processo onde todos os municípios estariam se associando para somar os atrativos, equipamentos e serviços turísticos com objetivos comuns: enriquecer a oferta turística, ampliar as opções de visita e satisfazer as expectativas do visitante. Como resposta, se teria o aumento do fluxo e da permanência de turistas na região, além da geração de trabalho, renda e melhoria da qualidade de vida da população local. Este circuito estaria integrado ao contexto do Circuito do Ouro, através de ações e políticas interativas. Esta inserção é importante para o estabelecimento de redes organizacionais no turismo.

Torna-se necessário estabelecer um produto propulsor, que possibilite a geração de fluxos ao longo deste percurso, dinamizando a atividade turística na região. Compreende-se também que outros atrativos e estruturas de apoio surgirão, em função da valorização de certos lugares. Como já foi mencionado anteriormente neste estudo de geografia do turismo, para o desenvolvimento da atividade são necessárias áreas receptoras de turista, áreas emissoras e acessos. O turismo se apropria do espaço geográfico, organizando e reorganizando a paisagem para este fim. O roteiro turístico proposto (ver figura 28 da página 103) possibilita o acesso a partir da rodovia MG 129 e de bifurcações existentes e pretende se caracterizar como um pólo receptor, atraindo turistas de diversas regiões.

Como o eixo Mariana — Santa Bárbara revela importantes momentos da história de Minas, desde sua formação no século XVIII até os dias atuais, este roteiro turístico poderia ser explorado a partir de um turismo temático. Os temas são uma forma de se contar a história deste tempo, para que o turista compreenda aspectos que fazem parte de uma determinada cultura, num dado

188 período histórico, através do legado deixado por gerações passadas. Diversos temas seriam pertinentes, dentre eles o tropeirismo, a exploração do ouro, a exploração do minério de ferro e a formação dos núcleos urbanos mineiros.

Nos núcleos urbanos117 deverão ser reforçadas as infra-estruturas de apoio turístico, ou seja, a cadeia produtiva do turismo. Medidas simples junto a órgãos competentes poderão auxiliar, neste sentido, promovendo cursos aos empresários e futuros investidores e possibilitando treinamento e educação voltados para o turismo, extensivos à população local. O modelo de parcerias tem se mostrado adequado à viabilização deste processo. Além de reforçar esta cadeia produtiva nos núcleos urbanos, faz-se necessário estender esta infra-estrutura de apoio ao longo do percurso às áreas rurais, diante das distâncias a serem percorridas e da escassez de apoio verificada.

Fazendas produtivas como a fazenda Pedra Branca, da Palha, Santa Luzia, dentre as muitas encontradas na bifurcação que leva a Camargos (ver roteiro turístico na p.103) e ao longo da MG 129 entre Catas Altas e Santa Bárbara seriam aproveitadas para o turismo rural, beneficiando os proprietários interessados.

A fazenda Gualaxo (ver figura 37, pág 110) constitui uma boa opção para ser transformada em um museu, tendo como tema o tropeirismo e a mineração do ouro. Um restaurante de comida típica mineira serviria de apoio a este núcleo, que se encontra a uma certa distância de Mariana e de Bento Rodrigues. É claro que essa alternativa deve ser pensada num contexto maior de planejamento.

Pontos estratégicos do percurso poderiam ser utilizados como mirantes, possibilitando ao turista uma maior apreciação estética da paisagem.

As áreas degradadas e passíveis de recuperação seriam agenciadas para minimizar os efeitos perversos da atividade mineradora sobre as mesmas. As próprias empresas se responsabilizariam pela recuperação destes trechos, que envolvem grandes áreas e cursos d’água ao longo do

117 Incluem-se aqui os núcleos urbanos de Mariana, Catas Altas, Santa Bárbara, Santa Rita Durão, Antônio Pereira, Bento Rodrigues, Camargos e Morro de Água Quente. 189 percurso. Em alguns casos, como o da antiga mineração Del Rey nas proximidades de Mariana, caberia a CVRD desenvolver um projeto de ocupação eco inteligente, com vistas à geração de renda e emprego, dentro dos moldes de uma atividade de mineração sustentável. Esta área poderia ser aproveitada para lazer e até mesmo para centros permanentes de feiras industriais ou de produtos. Outra opção seria que a empresa a cedesse para a criação de centros de estudo e escolas de educação ambiental. Isso atrairia um fluxo intenso de informação e pessoas ao município de Mariana.

O percurso através da MG-129 (via áreas mineradas) seria explorado com o tema da mineração do ferro. A lagoa de rejeitos (barragem Santarém) da SAMARCO seria considerada um atrativo, na medida em que reflete o contexto econômico de toda esta região do eixo e se configura como um elemento exótico na paisagem. O turista se sente atraído pelo exótico e pelo que, de algum modo, se diferencia do seu cotidiano. Neste sentido, este mar de lama apresenta-se como um fato curioso aos olhos do viajante. Todavia, este olhar não poderia permanecer fixo. Seria preciso questionar a existência deste enorme mar de lama. Caberia às mineradoras abrir as portas de suas minas ao turista, buscando mostrar as vantagens e desvantagens que a atividade de mineração oferece para a região na qual se insere. Seria uma oportunidade para divulgar as políticas existentes para recuperação de áreas degradadas. Na área da mina da Alegria, por exemplo, a Fazenda da Alegria poderia se tornar um complexo turístico englobando museu da mineração, áreas de restaurante e lanchonete. Daquele ponto partiriam grupos em direção às várias minas existentes, onde os turistas entenderiam todo o processo de produção de cada empresa.

É importante que exista uma integração entre estes pontos turísticos do eixo, no sentido de reforçar o seu potencial e de informar ao turista sobre as diversas modalidades de turismo existentes, para que ele possa melhor usufruir o passeio. Guias poderiam ser treinados para trabalhar nestes pontos, orientando-o a conhecer toda a região e informando sobre a história do lugar. Outro aspecto interessante seria integrar a organização de eventos. Festas tradicionais, como a da “Cavalgada”, poderiam se realizar de um núcleo urbano a outro e não em cada núcleo urbano separadamente, como acontece hoje. O calendário de festas seria organizado de modo a não prejudicar município algum, viabilizando a diversidade de opções. As tradicionais festas

190 religiosas ainda seriam vivenciadas nos vários núcleos urbanos, cada qual com suas peculiaridades.

É também indispensável a existência, no conjunto de municípios que integram este circuito turístico, de pelo menos uma cidade com infra-estrutura necessária para acolher os turistas, e estes, a partir dela, poderem se deslocar para outros pontos de visitação do circuito. Considerando o eixo turístico Mariana – Santa Bárbara como um circuito, Mariana é a cidade mais indicada, não por abrigar uma infra-estrutura adequada, mas por ser o núcleo urbano mais consolidado.

A questão dos acessos deve ser vista com cautela. A integração entre os atrativos, em determinados pontos, pode ou não ser interessante. Em alguns casos, facilitar o acesso prejudicaria a fruição de certos atrativos. No caso da RPPN do Caraça, cuja serra acompanha grandes extensões do percurso, torna-se necessária uma maior integração desta unidade de conservação com os diversos núcleos deste roteiro. A solução seria implementar linhas de ônibus ou outros meios de transporte que, partindo de diversos pontos deste eixo, alcançassem a RPPN. Deste modo, pessoas da região poderiam usufruir uma alternativa de lazer e turismo a mais. Uma opção interessante para os aventureiros ávidos por adrenalina seria resgatar um antigo percurso utilizado nos fins do século XVIII por viajantes estrangeiros que percorreram a região. A partir do distrito de Morro de Água Quente, o turista subiria a serra do Caraça acompanhado por um guia, contornando-a até atingir o Santuário do Caraça. Um caminho tortuoso e difícil, mas de rara beleza. No entanto, seria preciso controlar o número de pessoas a cada trajetória, visando mitigar os impactos ambientais junto à RPPN.

Outra questão importante, relacionada aos assentamentos da região seria intervir na paisagem dos núcleos urbanos buscando resgatar soluções tradicionais e minimizar as descaracterizações existentes. Muros de pedra à vista (hoje substituídos por concreto em alguns pontos), antigos calçamentos de ruas em seixos rolados (hoje asfaltados) e demais descaracterizações de elementos arquitetônicos em edificações tombadas pelo patrimônio deveriam ser resgatados por uma equipe de profissionais qualificada para tal.

191 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

As cidades e povoados do eixo Mariana - Santa Bárbara guardam registros históricos, artísticos e arquitetônicos importantes, que nos remetem às formações urbanas brasileiras do período colonial. O turismo tem se servido desses núcleos históricos, principalmente agora, num momento em que a valorização da cultura local, do patrimônio e da natureza para fins turísticos constitui-se numa tendência.

Mesmo considerando as descaracterizações existentes, fica claro neste estudo que estes núcleos apresentam-se como uma alternativa viável de exploração de turismo. É necessário, no entanto, considerar os aspectos culturais, ambientais e econômicos, tornando possível a rentabilidade que poderá ser revertida em benefício do patrimônio artístico e paisagístico. Para identificar os atrativos turísticos ao longo do eixo, valemo- nos essencialmente da percepção da paisagem natural e cultural. Com base nestas questões ligadas ao turismo e sua relação com o espaço geográfico, explorou-se a paisagem como lugar turístico, vista como um importante produto a ser explorado de um modo sustentável, considerando aspectos que garantam às pessoas referências de lugar. Espera-se ter demonstrado, desta forma, que o turismo sustentável poderá contribuir para a valorização da paisagem cultural, permitindo a estagnação verificada em certos núcleos urbanos seja revertida, e contribuindo para a melhoria da qualidade de vida da população local.

Notou-se que os componentes da paisagem natural também são bastante significativos e, nesse sentido, o percurso se configura como potencial expressivo para a implementação de roteiros turísticos, através de suas paisagens exuberantes.

Esse estudo objetivou, sobretudo, avaliar os potenciais e as dificuldades existentes para o desenvolvimento de atividades turísticas no trecho em questão. Buscando compreender a paisagem cultural dos lugares, partiu-se para a investigação dos antecedentes históricos que revelaram aspectos importantes a respeito destes núcleos urbanos do ciclo do ouro, dentre estes, as peculiaridades nas gêneses de suas estruturas materiais. Embrenhou-se

192 nos relatos de historiadores como Salomão e Diogo de Vasconcelos, Sérgio Buarque de Holanda e dos arquitetos Silvio de Vasconcellos e Nestor Goulart Reis Filho para se relatar a formação urbana das Minas Gerais. Os estudos realizados pela Fundação João Pinheiro também foram importantes norteadores neste processo.

Após as análises realizadas no eixo em questão pode-se considerar, então, que:

Existe potencial para o turismo cultural, turismo de aventuras, “científico”, religioso e de eventos, turismo eco-rural e turismo rural;

As fazendas abandonadas podem ser aproveitadas como infra-estrutura de apoio (museus, restaurantes, pousadas);

As fazendas produtivas podem ser aproveitadas para o turismo rural;

Os núcleos urbanos existentes precisarão passar por um processo de agenciamento paisagístico e por uma reestruturação de sua infra-estrutura básica para viabilizar essa atividade, já que se constituem numa alternativa viável.

É muito importante que haja apoio técnico de órgãos e instituições responsáveis pela preservação do patrimônio e do meio ambiente para assegurar as tomadas de decisões por parte de empresários e do poder público, e para orientar a população;

Uma educação ambiental voltada para a valorização do turismo torna-se fundamental, permitindo uma maior conscientização da população e de empresários locais acerca das possibilidades de seus municípios;

O planejamento estratégico voltado para o turismo seria a primeira iniciativa a ser tomada. Este planejamento deverá ter como atores a iniciativa privada, o poder público e a população local. Através deste instrumento, pode-se chegar ao perfil do turista desejado, às modalidades de turismo a serem implementadas e, a partir

193 disso, propor metas e soluções a curto, médio e longo prazos, bem como direcionar as proposições para os Planos Diretores destes municípios. O estudo de impacto ambiental (EIA/RIMA) deve ser previsto neste plano.

É importante esclarecer à população destes lugares da importância de se assegurar a integridade do acervo cultural ainda existente e de se preservar o ambiente. Campanhas educativas devem ser criadas com este objetivo de despertar nos habitantes sentimentos de afeição aos seus monumentos e aos seus espaços públicos. A educação ambiental e voltada para o turismo pode ser trabalhada nas escolas de primeiro e segundo graus.

Vale ressaltar que as sugestões de atrativos turísticos, ações e infra-estrutura aqui destacados não fazem sentido se pensados isoladamente. A integração entre os diversos agentes promotores, e a estruturação dos atrativos e da infra-estrutura fazem parte do processo de planejamento estratégico. Este estudo não teve a pretensão de se configurar em um planejamento turístico para a região.

Os parâmetros aqui sugeridos não se encerram como verdades absolutas, mas como possibilidades sempre abertas. Afinal, o turismo, apesar de ser uma prática antiga, é uma área recente de estudo, carecendo de pesquisas científicas e de uma base conceitual mais sólida. Também não se tem a pretensão de haver esgotado o assunto. Várias questões importantes, dentre elas, a da percepção dos próprios moradores acerca do seu patrimônio e do desenvolvimento dessa atividade não foram trabalhadas mas, seriam informações valiosas para enriquecer nossas análises. No entanto, por uma série de limitações que incluem a complexidade dos estudos de percepção e a diversidade de núcleos aqui presentes, as avaliações sobre os lugares foram elaboradas a partir da vivência destes espaços e com base em dados estatísticos existentes, dentre eles os estudos recentes de oferta e demanda turísticas, elaborados pelo SEBRAE e pela universidade Newton de Paiva.

194 Os levantamentos dos atrativos turísticos em todos os pontos do eixo foram feitos através de trabalho de campo. Apesar disso, não se pretende esgotar essa questão dos atrativos a partir dos levantamentos realizados ao longo do eixo. Delimitamos uma certa área para viabilizar este estudo exploratório mas, por outro lado, torna-se necessário explicitar que alguns desses atrativos devem ser tomados como norteadores iniciais e referências para a consolidação de outros atrativos no futuro, quando for implantado um planejamento estratégico, visualizado nesta proposta.

Tendo apontado questões importantes ligadas ao planejamento estratégico dentro dos moldes do desenvolvimento sustentável, espera-se ter contribuído com elementos norteadores para diagnósticos turísticos futuros, bem como para uma discussão sobre a viabilidade da preservação das paisagens culturais e naturais, e de sua importância na atualidade.

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201

ANEXO 1- A RPPN DO CARAÇA

ATRATIVOS TURÍSTICOS

MAPEAMENTO TURÍSTICO

202

ANEXO1 – PAISAGENS DO CARAÇA- ATRATIVOS E INFRA –ESTRUTURA

Fotos elaboradas em trabalho de campo realizado em 2002.

Santuário Caraça/ Acesso ao Museu Vista geral do Santuário do Caraça

PRIMEIRA IGREJA NEOGÓTICA LARGO DA IGREJA DO BRASIL

Área do Museu Interior Igreja neogótica

Trilhas ecológicas Paisagens do Caraça

Cascatinha Cachoeira Campos de Fora

Prainha- Ribeirão do Caraça

Capelinha próxima à Cascatona Cachoeira “Cascatona”

Tanque pequeno (lago artificial) Cachoeira Campos de Fora

Área para churrasqueira

Casa dos Guias- pousada para pesquisadores Casa da Ponte

Casa da Ponte Casa de Hóspedes

Casa de máquinas- antiga hidrelétrica Tanque grande (antiga hidrelétrica)

Trilha ecológica rumo à Cascatona Paisagem Cristas de Itabirito

viticultura