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BOLETIM DO LABORATÓRIO DE HIDROBIOLOGIA Vol. 30: 25-32, 2020 Publicado em janeiro 2020 Bol. Lab. Hidrobiol.

VARIAÇÃO MORFOLÓGICA EM DENTES ROSTRAIS DO ESPADARTE EXTINTO Atlanticopristis equatorialis PEREIRA & MEDEIROS, 2008

Lays S. de Oliveira Silva1, Jorge L. S. Nunes2 & Manuel Alfredo Medeiros3

1 Centro de Pesquisa de História Natural e Arqueologia do Maranhão, Rua do Giz 59, Praia Grande, CEP 65010-680, São Luís, MA, Brasil. 2 Universidade Federal do Maranhão, Departamento de Oceanografi a e Limnologia. Avenida dos Portugueses 1966, Cidade Universitária do Bacanga, CEP 65080-805, São Luís, MA, Brasil. 3 Universidade Federal do Maranhão, Departamento de Biologia. Avenida dos Portugueses 1966, Cidade Universitária do Bacanga, CEP 65080-805, São Luís, MA, Brasil.

RESUMO

As raias-espadarte Esclerorhynchidae (Batoidea) fazem parte de um grupo extinto monofi lético que é bem registrado no Cretáceo. Para avaliar a variação morfológica intraespecífi ca de uma espécie do Cretáceo, os dentes rostrais referidos a Atlanticopristis equatorialis Pereira & Medeiros, 2008 foram analisados e seus caracteres morfológicos medidos e comparados. A coroa dos dentes rostrais exibe margens anterior e posterior multidenticuladas (2 a 5 farpas em cada margem). Em algumas amostras, pequenas protuberâncias próximas à base podem ser consideradas dentículos (farpas) vestigiais. Nervuras enameloides (costelas) extensas são vistas nas superfícies dorsal e ventral da coroa; as costelas centralizadas são paralelas e confi nadas à porção mais proximal da coroa, com as periféricas formando ângulos progressivamente maiores em relação ao eixo longitudinal do dente, resultando em uma aparência de leque. Foi observada uma variação de 6 a 13 costelas. A variação observada no pedúnculo é menos útil em relação à taxonomia, uma vez que serve como uma “raiz” para os dentes e muitos padrões diferentes de superfícies rugosas podem ser fi xados por ligamentos. As características da coroa são mais úteis para distinção taxonômica e suas medidas indicam variação intraespecífi ca em A. equatorialis. Palavras-chave: Batoidea, , Formação Alcântara, Cretáceo.

ABSTRACT

Sclerorhynchid sawfi shes (Batoidea) are part of a monophyletic extinct group that is well recorded in the . In order to evaluate the intraspecifi c morphological variation of a Cretaceous , rostral teeth referred to Atlanticopristis equatorialis Pereira & Medeiros, 2008 were analyzed and their morphological characters measured and compared. The crown of the rostral teeth exhibits multibarbed anterior and posterior margins (2 to 5 barbs on each margin). In some specimens tiny protuberances close to the base might be considered as vestigial barbs. Extensive enameloid ribbing are seen on the dorsal and ventral surfaces of the crown; centralized ribs are parallel and confi ned to the more proximal portion of the crown, with peripheral ribs forming progressively wider angles in relation to the longitudinal axis of the tooth, resulting in a fan-like appearance. A variation from 6 to 13 ribs have been observed. The variation seen in the peduncle is the less useful regarding taxonomic importance since it serves as a “root” to the teeth and many diff erent patterns of rugose surfaces are able to be attached by ligaments. The crown features are more useful for taxonomic distinction and its measures indicate intraspecifi c variation in A. equatorialis. Key words: Batoidea, Sclerorhynchidae, Alcântara Formation, Cretaceous.

INTRODUÇÃO comprimento total e viviam em ambientes de água doce ou em ambientes marinhos tropicais de águas Os Sclerorhynchidae formam um diversifi cado rasas (Capetta1980; 1987; Branch & Mosley 1997), grupo monofi lético de elasmobrânquios extintos que embora algumas espécies frequentassem ambientes viveram durante o Cretáceo, entre o Barremiano de mar aberto (Smith et al. 2015). Possuíam (129 m.a) e Maastrichtiano (65 m.a) (Kriwet & um rostrum cartilaginoso hipertrofiado dorso- Kussius 2001; Underwood 2006; Almafitano et ventralmente achatado, contendo inúmeras ampolas al. 2017). Estes elasmobrânquios Batomorphii, de Lorenzini na porção ventral e margeado por em sua maioria, alcançavam cerca de 100 cm de numerosos dentes rostrais (Wueringer et al. 2011).

BOLETIM DO LABORATÓRIO DE HIDROBIOLOGIA, 29:25-32. 2019 26 Silva et al.

O rostrum dos Sclerorhynchidae é semelhante dentículo dérmicos, dentes rostrais e rostrum são às mesmas estruturas presentes nas espécies ainda as estruturas mineralizadas mais encontradas no viventes de raias espadarte (Pristidae) e de tubarões registro fóssil, possuindo uma destacada importância espadartes (Pristiophoridae) (Cappetta 1974, 1980; taxonômica para as formas extintas (Sternes & Wueringer et al. 2009). A presença do rostrum Shimada 2018). Desta forma, os Sclerorhynchidae nestes grupos é caracterizada como uma adaptação são identificados por meio de características convergente para alimentação e defesa (Kriwet diagnósticas da coroa e pedúnculo dos dentes rostrais. 2004). Nos Pristidae atuais é usado para vasculhar A coroa apresenta variações entre os 24 gêneros o fundo lamoso e desalojar possíveis presas, assim descritos. Normalmente é deprimida, coberta por como o utilizam para golpear peixes, aprisionando- substância semelhante a esmalte (enamelóide), com os nos dentículos (Feitosa et al. 2017). O peixe é porção distal geralmente afi ada e frequentemente posteriormente solto através de fricção do rostrum possuindo dentículos (farpas). O pedúnculo apresenta no fundo do mar, o que possibilita a ingestão da presa extremidade proximal côncava e sulcos irregulares (Kirkland & Martínez 2002). nas laterais para a fi xação dos ligamentos nos dentes A similaridade morfológica entre espadartes rostrais, mantendo-os fi rmes na borda do rostrum atuais e extintos propicia inferências em função da (Arambourg 1940). sua morfologia funcional, pois acredita-se que as Três gêneros de Sclerorhynchidae já foram raias espadarte extintas exploravam o mesmo nicho registrados no estado do Maranhão. Todos ecológico que as atuais, utilizando o rostrum para encontrados no Grupo Itapecuru, conjunto geológico alimentação e defesa de forma idêntica (Sternes cretáceo que afl ora ao longo do vale do rio Itapecuru, & Shimada 2018). Outras informações também na Ilha do Maranhão e em Alcântara (Rossetti & indicam o mesmo modo de vida, tais como a Truckenbrodt 1997; Pedrão et al. 1993; Vicalvi & similaridade dos ambientes explorados (Feitosa et Carvalho 2002). Dentes bucais do gênero al. 2017) e as disposições do sistema de ampolas de foram encontrados na região de Coroatá (Fontes et Lorenzini utilizado particularmente em águas turvas al. 2012). Os gêneros Onchopristis e Atlanticopristis (Wueringer et al. 2011; Feitosa et al. 2019; Wosnick foram encontrados na Formação Alcântara (Pereira & et al. 2019). Medeiros 2008; Medeiros et al. 2014), depositada em Por outro lado, as divergências em detalhes ambiente estuarino (Klein & Ferreira 1979; Pedrão morfológicos do rostrum parecem indicar o et al. 1993; Dutra & Malabarba 2001). surgimento desta adaptação, de forma independente, Atlanticopristis equatorialis foi defi nida com pelo menos três vezes em diferentes linhagens base em um pequeno conjunto de dentes rostrais. evolutivas dos elasmobrânquios (Wueringer et al. Depois de defi nidos os epítetos genérico e específi co, 2009). Enquanto os Sclerorhynchidae possuíam em 2008, mais material foi coletado. Este conjunto de dentes fi xados no rostrum por meio de ligamentos de espécimes mais recentemente coletados mostra uma tecido conjuntivo, que permitia substituição constante variação morfológica dos caracteres considerados dos mesmos, os Pristidae possuem dentes inseridos diagnósticos por Pereira & Medeiros (2008). É em alvéolos sem a substituição ao longo da vida. Os importante investigar se esta variação pode ser tubarões espadartes atuais (Pristiophoridae) também interpretada como dentro da amplitude de uma única têm seus dentes rostrais fi xados por ligamentos. Esta espécie ou se poderia indicar mais de uma espécie é considerada uma condição primitiva semelhante dentro do gênero Atlanticopristis. Assim, o presente aos Sclerorhynchidae extintos (ver Slaughter & trabalho tem como objetivo analisar e interpretar Springer 1968; Cappetta 1974, 1980, 1987; Kirkland a variação morfológica de dentes rostrais de A. & Martínez 2002; Gomes et al. 2012). equatorialis Pereira & Medeiros, 2008 provenientes Estudos paleontológicos sobre os da Formação Alcântara (Cretáceo, Cenomaniano), são limitados devido à difi culdade Ilha do Cajual, município de Alcântara, no intuito de de fossilização de estruturas cartilaginosas. defi nir em que nível se enquadraria como elemento Portanto, os registros de exemplares completos são diagnóstico para a taxonomia. excepcionalmente raros (Arambourg 1940). Alguns dos melhores registros fósseis de Sclerorhynchidae MATERIAL E MÉTODOS foram encontrados em rochas depositadas em ambientes marinhos no Líbano e primeiramente Vinte e dois dentes rostrais analisados, inteiros estudados por Smith Woodward, no fi nal do século ou incompletos, foram coletados no afl oramento XIX (Cappetta 1980; 1987). Os dentes bucais, Falésia do Sismito, Ilha do Cajual (2° 28’ 56,31’’S;

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44° 28’ 09,57’’O), estado do Maranhão, Litoral valores de medidas morfométricas de exemplares Amazônico Brasileiro (Figura 1). Os exemplares que exibiam grande parte das medidas avaliadas (16 foram coletados pelo método de peneiramento exemplares). Porém, foi considerado apenas sete de sedimentos e métodos tradicionais de retirada dos 13 caracteres mensurados (LB, EB, LS, ES, CP, de fósseis diretamente da rocha matriz com IC e ICD). Inicialmente, os dados morfométricos ferramentas manuais. Os exemplares foram tombados foram submetidos ao fator de correção em função e armazenados na coleção de vertebrados do Centro do tamanho, aplicando o método Burnaby para de Pesquisa em História Natural e Arqueologia do evitar os efeitos alométricos dos dentes rostrais Maranhão (CPHNAMA). Posteriormente, realizou- (Klingenberg, 2016). Em seguida, a Análise de se a documentação fotográfi ca sob ampliação em Componentes Principais (ACP) foi aplicada ao lupa Zeiss Axio Scope e medição dos caracteres conjunto de dados com o intuito de determinar os por meio de um paquímetro Messen 150 x 6mm, caracteres morfológicos que descrevem as principais a fi m de descrever a variação presente na amostra. variações na amostra por meio do Software PAST Devido ao fato de grande parte dos dentes rostrais (Paleontological Statistics, versão 3.18) (Hammer estarem incompletos, a medição de caracteres como et al., 2001). o comprimento total do dente, número de farpas na borda anterior e posterior e número de estrias na face RESULTADOS 1 e 2 não puderam ser mensurados em sua totalidade em alguns exemplares. Todos os dentes rostrais apresentam coroa Com base no trabalho de Pereira & Medeiros e pedúnculos esmaltados e deprimidos, típicos da (2008) 13 caracteres foram mensurados: comprimento família Sclerorhynchidae. Dentículos estão presentes total do dente (CT), comprimento da coroa (CC), na margem anterior e posterior e estrias em ambas as número de farpas na borda anterior (FA), número faces, estendendo-se do limite superior do pedúnculo de farpas na borda posterior (FP), número de até a coroa nos exemplares mais bem preservados. estriais na face 1 (EF1), número de estriais na face Tais caracteres são considerados diagnósticos para 2 (EF2), largura ântero-posterior basal do pedúnculo Atlanticopristis equatorialis Pereira & Medeiros (LB), espessura dorso-ventral basal do pedúnculo 2008. (EB), largura anteroposterior do pedúnculo - limite O maior dente rostral completo da espécie superior (LS), espessura dorso-ventral do pedúnculo possui 21 mm de comprimento, 4 farpas na margem - limite superior (ES) e comprimento do pedúnculo anterior, 4 na margem posterior, com 8 e 9 estrias (CP). Também foram considerados os índices de nas faces dorsal e ventral. Exibe contorno basal constrição (IC), resultado da diferença entre LB e retangular, LB 6,4 mm e EB com 3,6 mm (exemplar LS; índice de compressão do pedúnculo (ICP) e o 24). O menor exemplar completo, VT 1088-8 (Figura resultado da diferença entre EB e ES. A análise de 2) apresenta 7,3 mm de comprimento, 2 farpas na dados iniciou com a organização da matriz com os margem anterior, 4 na margem posterior com 6

Figura 1. a) Ilha do Cajual, Maranhão, Litoral Amazônico Brasileiro e posição da Falésia do Sismito (estrela). Exemplos dos dentes rostrais estudados; da esquerda para direita: VT 1172-19, VT 1331, VT 1088-8. Escalas = 1cm. Desenho: Tainá Constância de França.

BOLETIM DO LABORATÓRIO DE HIDROBIOLOGIA, 30:27-32. 2020 28 Silva et al. estrias em uma das faces e 7 na outra, contorno basal centrais que são mantidas quase paralelas, criando um elipsoidal, LB 2,6 mm e EB com 1,4 mm. Portanto, a padrão em leque. O comprimento das estrias centrais quantidade máxima de farpas inequívocas, facilmente e laterais pode variar, como visto em VT 1172-19 e distinguíveis, é de quatro na margem anterior e cinco VT 1088-1 (Figura 3a, b, respectivamente). na margem posterior. Em alguns espécimes, pequenas Observou-se diferença evidente quanto à protuberâncias próximas da base são consideradas constrição no limite superior do pedúnculo (IC), como farpas vestigiais. possuindo variação entre 0.7 (VT 1088-8) (Figura O padrão de ocorrência das estrias é 3c) e 3.8 mm (exemplar 14) (Figura 3d). No que correspondente com a descrição realizada por Pereira se refere ao contorno basal do pedúnculo, também & Medeiros (2008), pois, de acordo com os autores, foi observada variação. Em alguns espécimes, o as estriais originam-se na base da coroa, formando contorno apresenta forma retangular (exemplar 23) ângulos progressivamente maiores em relação ao (Figura 3e) e em outros, elipsoidal (VT 1088-5) eixo longitudinal do dente, exceto as estrias mais (Figura 3f), ou sub-retangular (exemplar 26) (Figura

Figura 2. Da esquerda para direita: 1088-5, 1088-8, 1331, 1172-19, 1172-21, exemplares 24 e 25, 1088-1, 1088-4, 1088-9, exemplar 22, 1172-18, exemplares 12, 14, 23 e 26. Escala = 1 cm.

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Figura 3. Variação morfológica em dentes rostrais de A. equatorialis. a) 1172-19 e b) 1088-1, variação relacionada à quantidade e ao comprimento das estrias; c 1088-8 e d) exemplar 14, variação relacionada à constrição no limite superior do pedúnculo; e) exemplar 23, f) 1088-5 e g) exemplar 26, variação relacionada à forma do pedúnculo em vista basal.

3g); os dois últimos tipos também reportados por Pedúnculo (ICD) foram os caracteres que apresentaram Pereira & Medeiros (2008). as maiores cargas de variação total na Análise de A Análise de Componentes Principais mostrou Componentes Principais. Essa variação pode estar que os dois primeiros eixos acumularam 92,41% relacionada aos diversos padrões de superfície do da variância explicada (Eixo 1 = 57,09%; Eixo 2 pedúnculo que podem ser fi xados diretamente no = 35,32%) e formou quatro agrupamentos, um por rostrum, uma vez que nos sclerorhynchídeos, os quadrante (Tabela 1; Figura 4). dentes eram inseridos por ligamentos. Os caracteres O Índice de Compressão Dorso-Ventral do da coroa variaram mais discretamente e dentro Pedúnculo (ICD) foi a maior medida do primeiro do que pode seguramente ser interpretado como eixo, sendo a única que apresentou valor negativo. intraespecífi co, visto que o nível de variação destes Por outro lado, no segundo eixo as medidas Índice caracteres está dentro de limites esperados. Trata- de Constrição da Base do Pedúnculo (IC) e Largura se claramente de mudanças que se acentuam ou se Ântero-Posterior da Base do Pedúnculo (LB) foram atenuam gradativamente, sem intervalos bruscos as únicas medidas positivas, sendo a primeira com maior valor no eixo (Tabela 1). Tabela 1- Cargas dos atributos morfológicos sobre os As variáveis morfológicas IC e LB descreveram dois primeiros componentes principais, com indicação o grupo formado pelo Exemplar 14 e Exemplar 25; das variáveis mais importantes (*) e que explicam a as medidas CP, EB, ES e LS agruparam os dentes distribuição dos dentes rostrais (Veja texto para defi nição 1088-4, 1088-5 e 1172-18; a medida ICD agrupou o das siglas). Exemplar 22, Exemplar 23, 1088-1, 1088-8 e 1172- CP 1 CP 2 19; por fi m, as cargas negativas de CP, EB, ES e LS agruparam os demais dentes rostrais (Figura 4). L B 0,1993 0,1767 EB 0,0972 -0,1249 DISCUSSÃO LS 0,3315 -0,3051 A sutil variação de caracteres da coroa pode estar relacionada com a posição dos dentes ao ES 0,442 -0,131 longo do rostrum ou à alometria ontogenética (ver CP 0,1869 -0,1879 Schaeff er, 1963; Slaughter & Springer, 1968; Sternes & Shimada, 2018). Em Sclerorhynchidae há registros IC 0,01303 0,8752* tanto de variação de tamanho dentro de uma espécie, quanto de certa uniformidade em um único espécime ICD -0,7813* -0,2044 (ver Welten et al., 2015). Autovalores 0,0345 0,0151 O Índice de Constrição da Base do Pedúnculo (IC) e o Índice de Compressão Dorso-Ventral do Var. explicada 57,09% 35,32%

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Figura 4. Análise de Componentes Principais aplicada aos dentes rostrais e aos caracteres morfológicos com seus respectivos escores. Largura ântero-posterior basal do pedúnculo (LB), espessura dorso-ventral basal do pedúnculo (EB), largura ântero-posterior do pedúnculo- limite superior (LS), espessura dorso-ventral do pedúnculo - limite superior (ES), comprimento do pedúnculo (CP). Também foram considerados os índices de constrição (IC) e Índice de compressão do pedúnculo (ICP). entre elas, o que normalmente acontece em variação (ver McNulty & Slaughter, 1962; Keyes, 1977; intraespecífi ca, intrapopulacional, ontogenética, ou Capetta, 1987; Pereira & Medeiros, 2008). Os mesmo variação de posição ao longo do rostrum (ver dentes rostrais de A. equatorialis apresentam uma Schaeff er, 1963; Slaughter & Springer, 1968; Sternes morfologia ímpar, com farpas nas duas margens e & Shimada, 2018). ornamentação exclusiva. Com base na variação observada de caracteres e A associação dos dentes rostrais de A. com as informações da literatura, todos os espécimes equatorialis a fósseis de formas continentais como aqui amostrados e analisados podem ser seguramente peixes dulcícolas (e.g. , Lepidotes, atribuídos à espécie Atlanticopristis equatorialis peixes pulmonados ceratodontídeos), crocodilos, Pereira & Medeiros, 2008. Este estudo pode ser dinossauros e pterossauros, indica claramente que se útil em futuras comparações de dentes rostrais tratava de um elasmobrânquio capaz de frequentar pertencentes ao gênero Atlanticopristis. Exemplares águas doces, dentro do domínio estuarino registrado que venham a ser coletados no nordeste do Brasil pela Formação Alcântara (Medeiros et al., 2014; e que apresentem variação dentro do espectro Klein & Ferreira, 1979; Pedrão et al., 1993), mas aqui documentado devem ser considerados como possivelmente frequentando águas costeiras em parte pertencentes a A. equatorialis. do seu ciclo de vida (Pereira & Medeiros, 2008). Considerando-se a taxonomia baseada em Entretanto, não é possível saber com certeza se seu dentes rostrais, o gênero Onchopristis é o táxon ciclo de vida consistia em diferentes padrões de morfologicamente mais proximamente relacionado a uso de habitat, como acontece com os Pristis atuais Atlanticopristis. Entretanto, os padrões morfológicos (Feitosa et al., 2017), ou em função de plasticidade entre os dois gêneros são facilmente distinguíveis fi siológica, como atualmente observado em tubarões

BOLETIM DO LABORATÓRIO DE HIDROBIOLOGIA, 30:30-32. 2020 Variação de dentes rostrais em A. Equatorialis 31 da espécie Carcharhinus leucas (Feitosa et al., 2016). Peixes do Albiano-Cenomaniano do Grupo Itapecuru As duas condições são perfeitamente aceitáveis, no Estado do Maranhão, Brasil. In: Rossetti, D.F; pois estes padrões são registrados para as espécies Góes, A. M. & Truckenbrodt, W. (eds.) O Cretáceo viventes em ambientes atuais (e.g. estuários de rios na Bacia de São Luís-Grajaú, 191-208. com intensa sedimentação, águas turvas, ambientes FEITOSA, L.M.; LESSA, R.P.T.; MARTINS, A.P.B.; de transição). Aparentemente, as formas viventes BARBIERI, R. & NUNES, J.L.S. 2019. Daggernose apresentam relações ambientais similares ao contexto Shark: An Elusive Species from Northern South pré-histórico dos Sclerorhynchidae no estado do America. Fisheries, 44: 144-147. Maranhão. FEITOSA, L.M.; MARTINS, A.P.B. & NUNES, J. L. S. 2017. Sawfi sh (Pristidae) records along the Eastern AGRADECIMENTOS Amazon coast. Endanger. Species Res, 34:229-234. Este trabalho foi possível graças ao apoio FEITOSA, L.M.; MARTINS, A.P.B. & Nunes, do Centro de Pesquisa em História Natural e J.L.S. 2016. New record of Carcharhinus leucas Arqueologia do Maranhão (CPHNAMA), (Valenciennes, 1839) in an equatorial river system. Laboratório de Entomologia e Vetores, (LEV), Mar. Biodivers. Rec, 9: 1-4. Laboratório de Estudos sobre as abelhas, (LEA) e Universidade Federal do Maranhão, (UFMA), pela FONTES, N. A.; MORAES, H. M. S. & COSTA, disponibilização dos laboratórios e equipamentos S. A F. 2012. Ocorrência de Ischyrhiza (Batoide: Sclerorhynchidae) para o grupo Itapecuru, Cretáceo utilizados para análise dos exemplares. Suporte (Albiano) do estado do Maranhão, Brasil. Brazilian fi nanceiro: Coordenação de Aperfeiçoamento de Geographical Journal: geosciences and humanities Pessoal de Nível Superior (CAPES), Fundação de research medium, v. 3, n. 1. Amparo à Pesquisa e ao Desenvolvimento Científi co e Tecnológico do Maranhão (FAPEMA). GOMES, U.L; SILVA, R.F.L. & SILVA, H.M.A. 2012. Elasmobranchii paleozoicos e mesozoicos na REFERÊNCIAS relação Brasil-África. In: Gallo, V.; Silva, H.M.A.; Brito, P.M. & Figueiredo, F.J. (eds.) Paleontologia de AMALFITANO, J.; GIUSBERTI, L.; DALLA vertebrados: relações entre América do Sul e África, VECCHIA; F.M. & KRIWET, J. 2017. First Interciência, 21-61. skeletal remains of the giant sawfi sh Onchosaurus HAMMER, Ø., HARPER, D.A.T., RYAN, P.D. 2001. (Neoselachii, Sclerorhynchiformes) from the Upper PAST: Paleontological statistics software package Cretaceous of northeastern Italy. Cretac. Res, for education and data analysis. Palaeontologia 69 :124–135. Electronica 4(1): 9pp. ARAMBOURG, C. 1940. Le groupe des KEYES, I.W. 1977. Records of the northern Ganopristinés. B Soc Geol Fr, 10:127-147. hemisphere Cretaceous sawfi sh Onchopristis BRANCH, J.R. & MOSLEY, J.L. 1997. The (Order Batoidea) from New Zealand. New Zeal J oldest sclerorhynchid (: Geol Geop, 20:263-272. Sclerorhynchidae) from the Lower Cretaceous of KIRKLAND, J.I. & MARTÍNEZ, M.C. 2002. Texas. Tex. j. sci, 49:199-206. : a unique sawfi sh paradigm from the CAPPETTA, H. 1974. Sclerorhynchidae nov fam, Difunta Group, Coahuila, Mexico. Rev Mex Cienc pristidae and pristiophoridae-example of parallelism Geol, 19:16-24. among selacians. C R Hebd Seances Acad Sci, 278 : KLINGENBERG, C. P. 2016. Size, shape, and form: 225-228. concepts of allometry in geometric morphometrics. CAPPETTA, H. 1980. Les sélaciens du Crétacé Development Genes and Evolution, 226(3), 113–137. supérieur du Liban. I: Requins. Palaeontogr Abt A, doi:10.1007/s00427-016-0539-2 68, 69-148. KLEIN V.C. & FERREIRA C.S. 1979. Paleontologia CAPPETTA, H. 1987. Chondrichthyes II: mesozoic e Estratigrafi a de uma fácies estuarina da Formação and cenozoic elasmobranchii. In: Cappetta, H. Itapecuru, Estado do Maranhão. An. Acad. Bras. Handbook of Paleontology, G. Fischer Verlag, 146- Ciênc, 51: 523-533. 157. KRIWET, J. & KUSSIUS, K. 2001. Paleobiology DUTRA, M.F.A & MALABARBA, M.C.S.L. 2001. and paleobiogeography of sclerorhynchid sawfi shes

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