Hackers E Rivetheads – O Cyberpunk Como Subcultura Híbrida
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Visões obscuras do underground: Hackers e Rivetheads – O cyberpunk como subcultura híbrida Adriana Amaral∗ Índice personagem “andarilho”, nos diferentes usos da tecnologia e na fusão homem-máquina. 1 Eu quero ser sedado — a atitude punk Baseando-nos na estética do cotidiano e no no cyberpunk 1 conceito de subcultura dos estudos culturais 2 Identificando o DNA da subcultura cy- ingleses, essas subculturas apresentam-se berpunk 5 como formadoras do cyberpunk, a partir do 3 Considerações finais - O cyberpunk elemento punk em seu conceito e possuem como subcultura híbrida 12 como vetor a cultura pop e a comunicação, 4 Referências Bibliográficas 12 sendo a micro-mídia (THORNTON, 1996) a amplificadora de suas idéias, mostrando Resumo uma flexibilização entre as distintas identi- dades e a alternância de influências entre o O artigo apresenta a formação híbrida mainstream e o underground. da subcultura cyberpunk através de duas subculturas juvenis de ordem rebelde e Palavras-chave: cibercultura; cyberpunk; artística: hackers e industrial (rivetheads). estética; subcultura; hackers; industrial. A apropriação dos elementos estéticos do cyberpunk aparece em ambas, em seus O principal elemento em comum entre o estilos de vida, na atitude, na figura do punk e o cyberpunk atende pelo curto nome ∗Mestre em Comunicação Social pelo PPGCOM/ de atitude. É ela que estabelece a ponte entre PUCRS na linha de pesquisa Tecnologias do Imaginá- o punk enquanto um movimento, um estilo rio. Atualmente é Doutoranda em Comunicação So- de vida, uma subcultura e o cyberpunk en- cial pelo mesmo programa, onde está desenvolvendo quanto uma visão de mundo. tese sobre cyberpunk (do qual esse trabalho faz parte) e a obra de Philip K. Dick. É bolsista da CAPES. Fez Estágio de Doutorado (Doutorado Sanduíche) no 1 Eu quero ser sedado — a Boston College, em Boston, Massachussets, Estados Unidos como bolsista do CNPq de setembro de 2004 atitude punk no cyberpunk a fevereiro de 2005. Email: [email protected]. Este trabalho foi apresentado ao NP 08 – Tecnologias McCaffery (1994, p. 287/288) explicita as da Informação e da Comunicação, do V Encontro dos relações entre o punk e o cyberpunk, co- Núcleos de Pesquisa da Intercom. mentando que os últimos se apropriaram de 2 Adriana Amaral “aspectos específicos da iconografia, estética Ainda sobre a atitude punk, McCaffery e ênfases temáticas punks e as incorpora- (1994) observa uma unidade desafiadora ram em sua ficção”. A resistência cyber- ao longo do discurso de diferentes artistas punk1 é caracterizada pelo intenso niilismo punks e que também podem ser encontradas ou por um realismo cínico que deliberada- nos autores cyberpunks. A contestação, a mente escolhe a alienação2 como uma res- inconformidade, o questionamento às auto- posta significativa ao sistema. O conheci- ridades aparece no punk como uma maneira mento adquirido nas ruas e o uso das tecno- de quebrar as barreiras entre arte e a vida co- logias encontrado pelos distintos grupos que tidiana (O’HARA, 1999, p. 32) assim como habitam as metrópoles em decadência apare- na tentativa dos autores cyberpunks de furar cem com clareza no discurso e nas narrati- o constante bloqueio entre o mainstream e o vas cyberpunks, seja pela linguagem ou pelo underground literário. Para O’Hara (1999, p. estilo. A linguagem que, como afirma Heu- 41), o punk é o somatório entre uma forma ser (2003, p. 34) causa um choque estilístico de arte, uma teoria e uma atitude política e por se apropriar dos jargões das subculturas pode ser visto basicamente de três formas: dos anos 60 e ao mesmo tempo dos diálo- a) como uma tendência juvenil (ele salienta gos das novelas de detetives “hard-boileds”. que essa é a visão mais mostrada na mídia); Gibson (1994, p.269) afirma que a maior b) como mudança e rebelião; c) como voz de parte da linguagem utilizada pelas persona- oposição. Heuser (2003) complementa e de- gens dele em Neuromancer,por exemplo, fo- senvolve a equação de O’Hara, dizendo que ram extraídas das conversas de ruas dos mo- o punk é a soma entre uma atitude, uma sub- toqueiros e dos traficantes de Toronto, a par- cultura, um estilo musical e uma moda, co- tir de suas experiências na adolescência no locando como indissociáveis os domínios da final dos anos 60 e início dos 70. política, da estética e da cultura. Para ela, as 1 Para Landon (1987), o cyberpunk funcionou características comuns entre o punk e o cy- como uma espécie de resistência no jogo de forças berpunk são basicamente três que se interli- entre Ficção Científica (underground) e a “literatura gam: 1) a ênfase na destruição, no barulho e séria” (mainstream). na desconstrução; 2) o sentimento anárquico, 2 Para Craig O’Hara, ex-participante da cena punk na fronteira das tendências anti-sociais e de californiana e estudioso do movimento, “a alienação 3 é uma marca que sempre aparece em um determinado extremismo político; 3) a violência estética grupo a partir da Revolução Industrial e de sua padro- baseada em fragmentos de arte do próprio nização e produção em massa, oprimindo os sujeitos. corpo humano. A questão do corpo humano Quando esse grupo adquire uma autoconsciência de aparece no punk como mutilações corporais sua alienação, normalmente ele passa a rejeitá-la. Re- — muitas vezes de caráter sadomasoquista petidamente, entretanto, um grupo dos alienados re- conhecerá o que está acontecendo com eles mesmos. — através de piercings, tatuagens e modi- Esse reconhecimento pode ser baseado tanto em uma ficações corporais através de cirurgias e di- rejeição ativa da ou pela sociedade mainstream. Esses versos tipos de intervenções. No cyberpunk grupos podem também rejeitar a alienação que eles os personagens possuem implantes metáli- vêem em na sua frente ou podem por vontade própria se alienarem do mainstream”. (O’HARA, 1999, p. 3 Heuser (2003, p. 34) também aponta a raiva 21). como força motriz da atitude punk. www.bocc.ubi.pt Visões obscuras do underground Hackers e Rivetheads 3 cos, cirurgias de modificação corporal, im- bly afirma que já estava fazendo experimen- plantes de memória, utilizando essa fusão da tos com música eletrônica antes de ler Neu- tecnologia com a carne humana. romancer, entretanto, a leitura fez com que Também alguns dos escritores cyberpunks ele percebesse “um novo mundo sampleado adotaram um visual próprio como o uso de da imaginação”.Uma outra referência à obra óculos escuros e jaquetas de couro pretas. de William Gibson pode ser encontrada na Tais referências nos remetem aos futuristas canção The Wanderer (O andarilho) do ál- italianos com suas roupas extravagantes e bum Zooropa (de 1993) da banda irlandesa a apologia à técnica e à velocidade. Heb- U2. dige ([1979] 1997) esclarece que “o punk Destaca-se o papel da influência da mú- exemplifica mais claramente os usos subcul- sica, tendo o rock e a música eletrônica (ge- turais desses modos arcaicos. Ele também ralmente a de subgênero industrial) como tenta, através da “perturbação e da defor- fonte de inspiração dos escritores cyber- mação romper e reorganizar o significado” punks e, ao mesmo tempo, os músicos, fa- (HEBDIGE, [1979] 1997, p. 136). zendo citações às obras em uma trama de re- lações entre a cultura pop e a Ficção Cientí- 1.1 Tenha cuidado com os fica, na qual os interstícios apontam para um outro tipo de subjetividade literária, que se mundos atrás de você! — as espalha e influencia outros meios. referências musicais dos escritores cyberpunks e as 1.2 “Uma linda vagabunda” — a referências cyberpunks dos palavra punk, seus diferentes músicos significados e usos Alguns autores cyberpunks como John Shir- De acordo com McCaffery (1994, p. 290), ley, exploram o cenário musical (persona- nos estudos sobre cyberpunk, as característi- gens, estilos, etc) como presença constante cas do “cyber” têm sido identificadas sufici- em suas obras; outros como Bruce Sterling entemente e até superestimadas, enquanto a e o próprio Gibson utilizam citações e são influência do “punk” tem sido subestimada influenciados por artistas como Velvet Un- e por vezes ignorada. No sentido origi- derground, Sex Pistols, e outros. McCaf- nal, mas também coloquial da língua inglesa, fery (1994) afirma que um outro detalhe re- punk é uma pessoa que participa de ativida- levante é que muitos desses autores parti- des ilegais, um vagabundo, um fora da lei. ciparam de bandas de rock como Sterling. De acordo com o Longman Dictionary of Bandas como Meat Puppets (banda de Se- Contemporary English, um dos sentidos de attle que inspirou os músicos do Nirvana) e “punk” é pejorativo: “Jovem rapaz ou ga- Count Zero (de Boston) tiveram seus nomes roto, que especificamente briga e infringe a tirados da obra de Gibson. No documentário lei”. O’Hara (1999, p. 115) revela uma fa- Cyberpunk (Marianne Trench, Estados Uni- ceta pouco explorada do termo punk, uma dos, 1990), Michael Balch, líder da banda de conotação homossexual, essa ligação de cu- industrial rock canadense Frontline Assem- www.bocc.ubi.pt 4 Adriana Amaral nho sexual originalmente “retorna aos jovens 1.3 Não há futuro para você – garotos dos anos 50 que eram ‘transforma- seria o punk a última dos’ na prisão (recrutados para servir os de- subcultura juvenil? sejos sexuais dos outros prisioneiros) e ro- tulados como punks”.Podemos então perce- De acordo com O’Hara (1999, p. 24), “a ber que a partir dos primeiros usos do termo época e o local de nascimento do movimento punk ele sempre teve a ver com um “estar punk é discutível. Tanto a cena de New York fora da sociedade”, com o desviante, com a do final dos anos sessenta / início dos setenta alteridade. Somente após a “comodificação” ou os punks britânicos de 1975 – 1976 po- do estilo e a apropriação dele pelo próprio dem receber a honra”.