Visões obscuras do underground: Hackers e Rivetheads – O como subcultura híbrida

Adriana Amaral∗

Índice personagem “andarilho”, nos diferentes usos da tecnologia e na fusão homem-máquina. 1 Eu quero ser sedado — a atitude punk Baseando-nos na estética do cotidiano e no no cyberpunk 1 conceito de subcultura dos estudos culturais 2 Identificando o DNA da subcultura cy- ingleses, essas subculturas apresentam-se berpunk 5 como formadoras do cyberpunk, a partir do 3 Considerações finais - O cyberpunk elemento punk em seu conceito e possuem como subcultura híbrida 12 como vetor a cultura pop e a comunicação, 4 Referências Bibliográficas 12 sendo a micro-mídia (THORNTON, 1996) a amplificadora de suas idéias, mostrando Resumo uma flexibilização entre as distintas identi- dades e a alternância de influências entre o O artigo apresenta a formação híbrida mainstream e o underground. da subcultura cyberpunk através de duas subculturas juvenis de ordem rebelde e Palavras-chave: cibercultura; cyberpunk; artística: hackers e industrial (rivetheads). estética; subcultura; hackers; industrial. A apropriação dos elementos estéticos do cyberpunk aparece em ambas, em seus O principal elemento em comum entre o estilos de vida, na atitude, na figura do punk e o cyberpunk atende pelo curto nome ∗Mestre em Comunicação Social pelo PPGCOM/ de atitude. É ela que estabelece a ponte entre PUCRS na linha de pesquisa Tecnologias do Imaginá- o punk enquanto um movimento, um estilo rio. Atualmente é Doutoranda em Comunicação So- de vida, uma subcultura e o cyberpunk en- cial pelo mesmo programa, onde está desenvolvendo quanto uma visão de mundo. tese sobre cyberpunk (do qual esse trabalho faz parte) e a obra de Philip K. Dick. É bolsista da CAPES. Fez Estágio de Doutorado (Doutorado Sanduíche) no 1 Eu quero ser sedado — a Boston College, em Boston, Massachussets, Estados Unidos como bolsista do CNPq de setembro de 2004 atitude punk no cyberpunk a fevereiro de 2005. Email: [email protected]. Este trabalho foi apresentado ao NP 08 – Tecnologias McCaffery (1994, p. 287/288) explicita as da Informação e da Comunicação, do V Encontro dos relações entre o punk e o cyberpunk, co- Núcleos de Pesquisa da Intercom. mentando que os últimos se apropriaram de 2 Adriana Amaral

“aspectos específicos da iconografia, estética Ainda sobre a atitude punk, McCaffery e ênfases temáticas punks e as incorpora- (1994) observa uma unidade desafiadora ram em sua ficção”. A resistência cyber- ao longo do discurso de diferentes artistas punk1 é caracterizada pelo intenso niilismo punks e que também podem ser encontradas ou por um realismo cínico que deliberada- nos autores . A contestação, a mente escolhe a alienação2 como uma res- inconformidade, o questionamento às auto- posta significativa ao sistema. O conheci- ridades aparece no punk como uma maneira mento adquirido nas ruas e o uso das tecno- de quebrar as barreiras entre arte e a vida co- logias encontrado pelos distintos grupos que tidiana (O’HARA, 1999, p. 32) assim como habitam as metrópoles em decadência apare- na tentativa dos autores cyberpunks de furar cem com clareza no discurso e nas narrati- o constante bloqueio entre o mainstream e o vas cyberpunks, seja pela linguagem ou pelo underground literário. Para O’Hara (1999, p. estilo. A linguagem que, como afirma Heu- 41), o punk é o somatório entre uma forma ser (2003, p. 34) causa um choque estilístico de arte, uma teoria e uma atitude política e por se apropriar dos jargões das subculturas pode ser visto basicamente de três formas: dos anos 60 e ao mesmo tempo dos diálo- a) como uma tendência juvenil (ele salienta gos das novelas de detetives “hard-boileds”. que essa é a visão mais mostrada na mídia); Gibson (1994, p.269) afirma que a maior b) como mudança e rebelião; c) como voz de parte da linguagem utilizada pelas persona- oposição. Heuser (2003) complementa e de- gens dele em Neuromancer,por exemplo, fo- senvolve a equação de O’Hara, dizendo que ram extraídas das conversas de ruas dos mo- o punk é a soma entre uma atitude, uma sub- toqueiros e dos traficantes de Toronto, a par- cultura, um estilo musical e uma moda, co- tir de suas experiências na adolescência no locando como indissociáveis os domínios da final dos anos 60 e início dos 70. política, da estética e da cultura. Para ela, as 1 Para Landon (1987), o cyberpunk funcionou características comuns entre o punk e o cy- como uma espécie de resistência no jogo de forças berpunk são basicamente três que se interli- entre Ficção Científica (underground) e a “literatura gam: 1) a ênfase na destruição, no barulho e séria” (mainstream). na desconstrução; 2) o sentimento anárquico, 2 Para Craig O’Hara, ex-participante da cena punk na fronteira das tendências anti-sociais e de californiana e estudioso do movimento, “a alienação 3 é uma marca que sempre aparece em um determinado extremismo político; 3) a violência estética grupo a partir da Revolução Industrial e de sua padro- baseada em fragmentos de arte do próprio nização e produção em massa, oprimindo os sujeitos. corpo humano. A questão do corpo humano Quando esse grupo adquire uma autoconsciência de aparece no punk como mutilações corporais sua alienação, normalmente ele passa a rejeitá-la. Re- — muitas vezes de caráter sadomasoquista petidamente, entretanto, um grupo dos alienados re- conhecerá o que está acontecendo com eles mesmos. — através de piercings, tatuagens e modi- Esse reconhecimento pode ser baseado tanto em uma ficações corporais através de cirurgias e di- rejeição ativa da ou pela sociedade mainstream. Esses versos tipos de intervenções. No cyberpunk grupos podem também rejeitar a alienação que eles os personagens possuem implantes metáli- vêem em na sua frente ou podem por vontade própria se alienarem do mainstream”. (O’HARA, 1999, p. 3 Heuser (2003, p. 34) também aponta a raiva 21). como força motriz da atitude punk.

www.bocc.ubi.pt Visões obscuras do underground Hackers e Rivetheads 3 cos, cirurgias de modificação corporal, im- bly afirma que já estava fazendo experimen- plantes de memória, utilizando essa fusão da tos com música eletrônica antes de ler Neu- tecnologia com a carne humana. romancer, entretanto, a leitura fez com que Também alguns dos escritores cyberpunks ele percebesse “um novo mundo sampleado adotaram um visual próprio como o uso de da imaginação”.Uma outra referência à obra óculos escuros e jaquetas de couro pretas. de pode ser encontrada na Tais referências nos remetem aos futuristas canção The Wanderer (O andarilho) do ál- italianos com suas roupas extravagantes e bum Zooropa (de 1993) da banda irlandesa a apologia à técnica e à velocidade. Heb- U2. dige ([1979] 1997) esclarece que “o punk Destaca-se o papel da influência da mú- exemplifica mais claramente os usos subcul- sica, tendo o rock e a música eletrônica (ge- turais desses modos arcaicos. Ele também ralmente a de subgênero industrial) como tenta, através da “perturbação e da defor- fonte de inspiração dos escritores cyber- mação romper e reorganizar o significado” punks e, ao mesmo tempo, os músicos, fa- (HEBDIGE, [1979] 1997, p. 136). zendo citações às obras em uma trama de re- lações entre a cultura pop e a Ficção Cientí- 1.1 Tenha cuidado com os fica, na qual os interstícios apontam para um outro tipo de subjetividade literária, que se mundos atrás de você! — as espalha e influencia outros meios. referências musicais dos escritores cyberpunks e as 1.2 “Uma linda vagabunda” — a referências cyberpunks dos palavra punk, seus diferentes músicos significados e usos Alguns autores cyberpunks como John Shir- De acordo com McCaffery (1994, p. 290), ley, exploram o cenário musical (persona- nos estudos sobre cyberpunk, as característi- gens, estilos, etc) como presença constante cas do “cyber” têm sido identificadas sufici- em suas obras; outros como Bruce Sterling entemente e até superestimadas, enquanto a e o próprio Gibson utilizam citações e são influência do “punk” tem sido subestimada influenciados por artistas como Velvet Un- e por vezes ignorada. No sentido origi- derground, Sex Pistols, e outros. McCaf- nal, mas também coloquial da língua inglesa, fery (1994) afirma que um outro detalhe re- punk é uma pessoa que participa de ativida- levante é que muitos desses autores parti- des ilegais, um vagabundo, um fora da lei. ciparam de bandas de rock como Sterling. De acordo com o Longman Dictionary of Bandas como Meat Puppets (banda de Se- Contemporary English, um dos sentidos de attle que inspirou os músicos do Nirvana) e “punk” é pejorativo: “Jovem rapaz ou ga- Count Zero (de Boston) tiveram seus nomes roto, que especificamente briga e infringe a tirados da obra de Gibson. No documentário lei”. O’Hara (1999, p. 115) revela uma fa- Cyberpunk (Marianne Trench, Estados Uni- ceta pouco explorada do termo punk, uma dos, 1990), Michael Balch, líder da banda de conotação homossexual, essa ligação de cu- canadense Frontline Assem- www.bocc.ubi.pt 4 Adriana Amaral nho sexual originalmente “retorna aos jovens 1.3 Não há futuro para você – garotos dos anos 50 que eram ‘transforma- seria o punk a última dos’ na prisão (recrutados para servir os de- subcultura juvenil? sejos sexuais dos outros prisioneiros) e ro- tulados como punks”.Podemos então perce- De acordo com O’Hara (1999, p. 24), “a ber que a partir dos primeiros usos do termo época e o local de nascimento do movimento punk ele sempre teve a ver com um “estar punk é discutível. Tanto a cena de New York fora da sociedade”, com o desviante, com a do final dos anos sessenta / início dos setenta alteridade. Somente após a “comodificação” ou os punks britânicos de 1975 – 1976 po- do estilo e a apropriação dele pelo próprio dem receber a honra”. Ele enfatiza que o es- sistema ao qual ele pretendia contestar é que tilo musical está mais relacionado à cena no- o punk deixa de ser visto como um movi- vaiorquina, enquanto da Inglaterra veio a ati- mento ideológico e é absorvido pela lógica tude política4 e a aparência, principalmente do mercado e do consumo, embora sua ati- através do visual dos Sex Pistols (através do tude tenha transmigrado para outras subcul- empresário Malcom Mclaren) e da estilista turas como a clubber, a cultura hip-hop, os Vivenne Westwood. O surgimento do movi- hackers, industrial entre outros. mento punk acontece justamente em um pe- O movimento cyberpunk também acabou ríodo em que a subcultura do rock havia sido incorporado às tradições da Ficção Científica acolhida pelo mainstream e artistas como que ele criticava. Suas temáticas foram copi- Rolling Stones, Pink Floyd, Led Zeppelin ha- adas e assimiladas por autores mais “comer- viam se transformado em mega-estrelas, o ciais”. O cyberpunk, como outras tendências que causou um afastamento entre os artistas artísticas anteriores teve sua breve fama, mas e a sua audiência. O punk tenta retomar de deixou suas marcas no imaginário da ficção volta a “interatividade” perdida entre as ban- científica tanto quanto no imaginário da cul- das e a audiência, principalmente através de tura pop. Um outro fator importante está na shows em locais menores, como clubs e pubs comunicação entre os membros da subcul- e, tenta quebrar “as barreiras presentes en- tura, pois as suas principais fontes de infor- tre o performer e o espectador” (O’HARA, mação eram os fanzines, feitos em mimeó- 1999, p.33). grafos ou fotocopiados. Também estão presentes no punk uma A subcultura cyberpunk aparece assim no aversão à subcultura que lhe antecede (hip- foco de atuação de distintas forças, tanto in- pies), doses de niilismo, anarquismo e van- ternas (as lutas e sucessões entre os membros guarda, além de um apelo aos elementos de- desdobrando-se em sub-subculturas; assim liberadamente anti-emocionais em favor de como ideológicas versus estéticas) quanto uma sexualidade considerada pelos conser- externas (a luta da subcultura com a cultura vadores como “perversa”, promíscua, rela- dominante, mainstream) e inter-relacionadas cionada com o sadomasoquismo (BRAKE, (as forças e disputas pelo poder entre as dife- 4 Essa atitude política advém do fato de que a rentes subcultras como, por exemplo, o caso Inglaterra estava, naquela época, passando por uma da famosa rivalidade entre mods e rockers grande crise econômica e havia altas taxas de desem- principalmente no ano de 1964). prego juvenil (BRAKE, 1980, p. 81).

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1980, p.85). Essa mistura de inconfor- tras leituras, conforme adverte Frith ([1980] midade, questionamento das autoridades é, 1997). Ele também comenta a idéia de que muitas vezes, confundida com uma fase da essa realidade social exposta pelo punk é na adolescência (O’HARA, 1999, p. 36), des- verdade construída tanto quanto em outras considerando os significados sociais da sub- expressões e manifestações culturais. Justa- cultura como algo que está além de uma ten- mente devido a essas apropriações e leituras dência juvenil, sendo assim incorporada à que deixavam de lado o caráter lúdico e artís- cultura dominante e apresentada pela mídia. tico/estético de vanguarda do punk é que se O autor também observa que o estilo do discute se ele não seria a última subcultura punk é construído a partir de apropriações, (CLARK, 2004). bricolagens, citações e retrofitting5, em uma recusa a estar coerentemente dentro de um 2 Identificando o DNA da determinado conjunto de valores precisa- mente identificáveis. Assim, como a figura subcultura cyberpunk dos aliens, da inteligência artificial, dos an- A partir de agora, analisaremos como o cy- dróides na ficção científica, Hebdige (1979) berpunk transformou-se em uma subcultura, explica que também os punks apresentavam- partindo de um “gueto literário”, através da se como “O Outro” em relação à sociedade, e disseminação de seus conceitos em outros por isso, eram vistos como uma ameaça aos meios. Esse conjunto de imagens e de sons seus valores. Através de seus rituais, gírias e constitui o DNA do cyberpunk enquanto objetos eles brincavam com essa alteridade. subcultura, fazendo com que sua estética seja Por fim, é importante falar sobre o punk e identificável a partir de determinados ele- suas conotações musicais, de feio versus bo- mentos que tendem a se repetir. A subcultura nito; técnica dos três acordes, batida primi- cyberpunk pode ser mais facilmente visuali- tiva versus virtuosismo e complexidade téc- zada através de duas facetas, ou duas de suas nica (FRITH, [1980] 1997 , p. 168). Essas sub-subculturas: a subcultura hacker e a sub- características, associadas à rapidez e à cria- cultura industrial. ção de uma linguagem beirando o dadaísmo, o non-sense e a crítica social em determina- das letras (McCAFFERY, 1994) são consti- 2.1 Todo poeta é um ladrão — a tutivas do punk e reaparecem no cyberpunk subcultura hacker sob a forma de uma influência que está nas A história da subcultura hacker tem suas ori- entrelinhas dos textos distópicos. gens ao final dos anos 50 no Massachussets Por outro lado, as questões relativas ao en- Institute of Technology — M.I.T. — quando gajamento e à crítica social que aparecem as- os primeiros hackers começaram a surgir nos sociadas ao punk fizeram com que muitos porões obscuros e sujos da universidade — pesquisadores adotassem o movimento por local onde estavam localizados os primei- vínculos ideológicos, desconsiderando ou- ros computadores — guardados a sete chaves 5 Reaproveitamento de elementos de várias épo- pelo departamento de Engenharia (LEVY, cas. 1984). www.bocc.ubi.pt 6 Adriana Amaral

Levy (1984) conta a trajetória dos hackers, fins de roubo de informações (como no caso de Cambridge (nos anos 50) ao Vale do Si- dos crackers). Observa-se o uso da pala- lício (no início dos anos 80), enfatizando a vra cyberpunk como sinônimo de hacker, figura do hacker enquanto um “desajustado” constituindo uma metonímia, que toma uma social, possuidor de uma interminável curio- parte (os hackers do mal) pelo todo (a classe sidade em tentar solucionar problemas técni- hacker); 2) um comportamento lúdico dos cos através de um processo criativo, criando hackers que “tomam os computadores não “um novo estilo de vida, até então apenas como uma simples ferramenta de cálculo, vislumbrada pelos escritores de ficção cien- mas como um media de comunicação” (LE- tífica” (LEVY, 1984, p. 04). Ele também MOS, 2002, p. 233). Esse aspecto mostra lembra que um dos sentidos do verbo hack uma imagem positiva dos hackers, através em inglês é cumprir uma tarefa ou projeto de seus pioneiros bem sucedidos como Steve com prazer. De acordo com o Longman Dic- Wozniak, Richard Stallman, Linus Torvalds tionary of Contemporary English alguns dos e outros. Além disso, ela também está asso- significados da palavra hack são: 1) cortar ciada ao lado divertido da programação; 3) violentamente em pedaços; 2)fazer algo com por fim, podemos associar a idéia de andar a muito sucesso; 3) andar a cavalo a uma ve- cavalo pelas estradas, contida no termo hack, locidade comum pelas estradas ou através do com a figura do andarilho, do outsider, do país. cowboy cibernético que percorre as trilhas da Estabelecendo esse termo como uma rede. metáfora das atividades dos hackers en- Lemos (2002) subdivide os hackers em quanto aqueles que disponibilizam informa- seis sub-subculturas: phreakers (os piratas ções através da microinformática e que pre- de telefone, que começam suas atividades gam a filosofia do compartilhamento, temos nos anos 60, passando rapidamente a ser hac- três analogias possíveis: 1) cortar, partir, kers); crackers (aqueles “que penetram siste- quebrar os códigos binários, seja para o bem mas com intuito de apagar e roubar informa- (achar as falhas de segurança), mas asso- ções, inserir poderosos e destrutivos vírus”); ciado à figura do hacker do “mal”6, com cypherpunks (os que lutam pela manutenção da privacidade na rede difundindo programas 6 De certa forma, essas oposições entre bem e mal são elementos constituintes da genealogia, ainda mais de criptografia); ravers (os estetas da ciber- se pensarmos na primeira dissertação de Nietzsche na cultura, herdeiros da subcultura , utili- sua Genealogia da Moral em que ele fala na ques- zam a tecnologia como forma de expressão tão da valoração moral dos conceitos de bom e mau e artística); zippies (seu nome vem de Zen Ins- bom e ruim. “Originalmente — assim eles decretam pired Pagan Professionals, esse grupo tenta as ações não egoístas foram louvadas e consideradas boas por aqueles aos quais eram feitas, aqueles aos reforçar os laços sociais e comunitários en- quais eram úteis; mais tarde foi esquecida essa ori- tre as pessoas através da tecnologia) e ota- gem do louvor, e as ações não egoístas, pelo simples kus7 (nerds japoneses que se recusam a sair fato de terem sido costumeiramente tidas como boas, foram também sentidas como boas — como se em si 7 Uma boa inserção no tema dos otakus pode ser fossem algo bom”. (NIETZSCHE, §2, p. 18, [1888] conferida no livro do jornalista francês Etienne Bar- 1998). ral, chamado Otaku. Os filhos do virtual. São Paulo: SENAC, 2000.

www.bocc.ubi.pt Visões obscuras do underground Hackers e Rivetheads 7 da adolescência colecionam informações das e individualidades, os hackers mantêm uma mais variadas formas). determinada unidade de “gosto” e de ativida- As subculturas não estão fechadas des. Levy (1984, p.19) destaca a importância para inter-relacionamentos, pelo con- dos jogos (sejam eles RPGs ou os primeiros trário, elas interagem, misturando-se e jogos eletrônicos) na formação dos primei- complementando-se; outras vezes, no ros hackers que sempre que criavam um pro- entanto, elas adquirem outros rótulos e grama, criavam primeiramente um jogo. Hi- se situam em campos diferentes e até manen (2001, p. 20) destaca o estilo de vida contraditórios a sua formação original. considerado “excêntrico” e “liberal” adotado Devido à velocidade de transformação e de por muitos hackers, citando os exemplos de mutação das subculturas e do surgimento e Richard Stallman que vai a reuniões de rou- disseminação das tecnologias8 no contexto pão, usa barba e cabelos longos e tem como da cibercultura torna-se bastante complexo hábito exorcizar computadores com proble- estabelecer essas subdivisões, que possuem mas; Sandy Lerner, que costuma cavalgar uma função didática e não classificatória. nua; e Eric Raymond, fã convicto e jogador Assim, a subcultura hacker tem no trabalho de RPG, famoso por andar em sua cidade na- direto com a micro-informática (mesmo que, tal na Pensilvânia trajado ora de senador ro- lidando com ela como uma forma lúdica, mano, ora de cavaleiro10, ora de eremita. como diversão)9, sua faceta mais facilmente Extremamente apreciada por todos aque- identificável, pois muitos hackers trabalham les que tem alguma relação com a subcul- como programadores, analistas de sistemas, tura hacker, a literatura de ficção científica etc. Numa outra ponta, temos as pessoas — além de inspirar e ser por ela inspirada — que utilizam as tecnologias para se expressar ocupa um lugar de destaque nesse contexto artisticamente sob forma de música, artes e existe uma biblioteca exclusivamente dedi- visuais, moda, design, entre outras. Em seu cada a esse gênero dentro do próprio MIT.A Manifesto Hacker, McKenzie Wark (2004) MIT Science Fiction Society11 possui o maior apresenta os hackers como uma classe social acervo de ficção científica dos Estados Uni- abstrata, por produzir abstrações. Em vez da dos e, cumpre também a função de estabele- idéia de rebeldes juvenis e criminosos e da cer os laços sociais entre os membros da sub- idéia de uma subcultura meramente baseada cultura hacker, promovendo encontros sema- nas “obsessões de garagem”, Wark coloca nais de discussão de livros, filmes e outros os hackers como produtores de informação assuntos ligados à FC. e de conhecimento das mais diversas ordens. A partir desses breves exemplos, percebe- Embora distintos em suas subjetividades se na atitude hacker a liberdade, anti- autoritarismo e ironia, presente nas subcultu- 8 O desenvolvimento e a popularização dos celu- lares (SMS, fotos, vídeos, etc), weblogs, fotologs, so- ras desde a contracultura dos anos 60 e mais cial networks, mp3 players, social networks, podcas- explicitamente no movimento punk que, in- tings, etc contribuem para essa rápida conexão entre 10 as subculturas. Novamente observa-se a presença do cavaleiro 9 que vagueia pelas estradas no imaginário cyberpunk. Em relação à questão dos hackers e sua ética de 11 trabalho ver Himanen (2001). O acervo pode ser consultado pelo website http://www.mit.edu/∼mitsfs/. www.bocc.ubi.pt 8 Adriana Amaral

fluenciou tanto os autores cyberpunks como etc). Surgida em torno da música, é ela os cyberpunks “da vida real”. Como des- quem, na maior parte do tempo, dá o tom das creve Heuser (2003, p. 33), “o que o rockeiro sub-subculturas que se derivaram do gótico. punk é para a música punk, o hacker é para E é através dela, que de certa forma, conse- a subcultura tecnológica do underground ci- guimos apontar a relação entre a subcultura bernético”. industrial e o cyberpunk. Desenvolvida no começo da década de 80, 2.2 “Eu uso óculos escuros à a subcultura industrial ganhou mais força nos anos 90 com a disseminação e a po- noite” — a subcultura pularização das tecnologias de comunicação industrial e o cyberpunk (como, por exemplo, a Internet, o baratea- A subcultura industrial é herdeira da sub- mento do custo de produção e gravação de cultura gótica12 da década de 80. Con- música através de samplers, sintetizadores). forme analisada por Hodkinson (2002, p.30) Ela partiu da assemblage das artes obscuras essa subcultura pertencia ao underground, com a tecnologia. Existem divergências se teve seu momento de “moda”, em que vi- ela é uma sub-subcultura nascida a partir do rou parte do mainstream, na metade dos anos gótico ou se ela é uma subcultura particular. 80 (quando deixou de ser apenas inglesa e O ponto de intersecção entre o industrial e o tornou-se mundial) e no início dos anos 90 cyberpunk está justamente nos cruzamentos retornou ao underground. A subcultura gó- entre o analógico e o digital, entre o obscuro tica, de acordo com Hodkinson (2002, p.58) e o excesso de luz, entre a descrença e a es- é por demais multifacetada, com distintas piritualidade, entre o medo e o desejo, entre aparências (neovitorianos, rivetheads, gothic a tecnofobia e a tecnocracia, entre o rock e a lolitas, crustgoths, cybergóticos). No en- música eletrônica. 14 tanto, além da questão do uso de roupas e Com o advento da música eletrônica e, acessórios de cor preta, a conduta (ou se lem- mais especificamente, do surgimento do te- brarmos do punk) é o que os delimita en- chno e de seus subgêneros, a cena gótica aca- quanto tal. Essa conduta indica um apreço bou por absorver esses elementos estéticos, pelas artes obscuras em suas mais variadas misturando o já existente com facetas (arte, literatura, cinema, música13, sintetizadores e baterias eletrônicas. A in- fluência da música industrial está tanto no 12 O termo gótico aplicado ao cenário da década 14 de 80 é atribuído ao jornalista e produtor/ empresá- Assim como Monroe (1999, p. 155), entende-se rio da banda , Tony Wilson, que ao ser eletrônica aqui como música eletrônica contemporâ- questionado pela imprensa a respeito de que tipo de nea não acadêmica . Para um maior entendimento e som a banda fazia, respondeu à BBC de Londres, que compreensão da chamada música industrial, consultar eles faziam um som atmosférico e gótico. A história MONROE, Alexei. Thinking about mutation. Genres de Tony Wilson é contada no filme A festa nunca ter- in 1990s electronica. In: BLAKE, Andrew (ed.). Li- mina (24 hour party people, Michael Winterbottom, ving through pop. New York: Routledge, 1999. Um 2002). fato interessante é que além de pesquisador, Monroe 13 Os estilos são o gothic rock, , é também líder da banda industrial eslovena Laibach. darkwave, ethereal, industrial, EBM, synthpop, future pop, , IDM, electro dark, entre outros.

www.bocc.ubi.pt Visões obscuras do underground Hackers e Rivetheads 9 estilo krautrock15, como no hardcore16 e no mocional das bandas, é o fato de que mui- heavy/thrash metal — em função das guitar- tas das trilhas sonoras de filmes de FC têm ras — quanto nos subgêneros mais pesados utilizado músicas de bandas e artistas do gê- do techno. Ela une a atitude punk rocker nero18. Apesar da subcultura industrial ter DIY17 com a obsessão nerd por computado- suas raízes na Europa (Inglaterra, Alemanha, res e tecnologias (samplers, sintetizadores e Bélgica e países do leste europeu em espe- gravações em computadores caseiros exem- cial), ao longo dos anos 90 com o aumento plificam esse “faça você mesmo”), fundindo do interesse do público pela música eletrô- barulhos de todos os tipos com melodias e nica e toda a sua cultura, era natural que ela batidas eletrônicas. O industrial é o lado se espalhasse por outros locais. Ainda mais mais obscuro da música eletrônica e também devido ao intenso uso da Internet como meio menos visível na maior parte dos estudos do de divulgação. meio acadêmico. A cena industrial norte-americana19 está A subcultura industrial adotou jargões, te- ligada às grandes cidades como New York, máticas e referências à ficção-científica (e ao Los Angeles, Detroit e outras capitais, sendo horror) nas letras, capas de álbuns, e material que os dois pólos mais fortes são Los Angeles gráfico e o visual gótico — roupas pretas; co- e New York20 , onde são encontradas várias turnos e botas; couro, sintético ou não; vi- lojas de roupas, acessórios, nightclubs todos nil e acessórios fetichistas; óculos de solda; voltados a atender os participantes dessa sub- cabelos curtos ao estilo militar ou moicano cultura. punk, ou cabelos longos muitas vezes com A busca pelos locais relacionados à cena dreadlocks (que funcionam como extensões deu-se em primeira instância pelos veículos ao cabelo natural); e, muitas vezes, acessó- de comunicação com a programação, como o rios de computadores antigos como placas- 18 As bandas mais citadas são Nine Inch Nails mãe, chips, etc pendurados nas roupas, sem (do produtor ), Rammstein, contar um certo niilismo afirmativo e deca- e Atari Teenage Riot. A banda britânica de techno- dénce fin de siécle. punk The Prodigy (www.theprodigy.com) é con- Uma outra ligação possível entre a sub- siderada pela maioria dos envolvidos na subcul- cultura industrial e o cyberpunk, além das tura cyberpunk/ industrial/goth como aquela que melhor representa o espírito cyberpunk por utili- temáticas de oposição entre humano e não- zar colagens, samplers e ironia em um som vio- humano que aparecem em muitas letras e lento e dançante ao mesmo tempo. Essas infor- na própria estética visual do material pro- mações podem ser vistas no website do The cyber- punk Project – Information Database, disponível em 15 Krautrock é a etiqueta que a imprensa musical . britânica deu às bandas de rock alemãs como Can, 19 Esse brevíssimo exercício de etnografia foi pos- Kraftwerk, Einstürzende Neubauten entre outras. A sibilitado pelo estágio de doutorado em Boston de se- característica do krautrock é misturar barulho e expe- tembro de 2004 a fevereiro de 2005. O presente traba- rimentalismo vanguardista ao rock melódico. lho foi realizado com apoio do CNPq, uma entidade 16 Hardcore é a terminologia utilizada pelos norte- do Governo Brasileiro voltada ao Desenvolvimento americanos para tratar do mais pesado e Científico e Tecnológico. rápido (O’HARA, 1999). 20 Essas informações foram obtidas através de con- 17 Do It Yourself (Faça Você Mesmo). versas informais com freqüentadores da cena. www.bocc.ubi.pt 10 Adriana Amaral jornal Boston Phoenix21 , websites na Inter- gião da Nova Inglaterra é o Manray Night- net22 e, acima de tudo, o boca a boca e a troca club26, localizado em Cambridge. O clube de informações presenciais. Em toda região data do final dos anos 80 e início dos anos da Nova Inglaterra, a cultura industrial pos- 90, tendo sempre se mantido fiel ao under- sui uma cena bastante organizada em termos ground. Percebe-se que a cena é composta de divulgação. Essa divulgação é feita basi- por jovens adultos (21 aos 30 anos). Há de camente através de listas de e-mails entre os se considerar que, devido às leis locais, a participantes23 e boca a boca24, flyers, flypos- maior parte das festas são vedadas a meno- ters, divulgação em fóruns na web, chamadas res de 18 anos e de 21 anos. Exceções em em programas de estações de rádios “alterna- relação à idade podem ser abertas em shows, tivas”, fanzines, weblogs e mensagens SMS quando os menores podem entrar, mas não entre amigos. Para Thornton (1996, p. 140), podem consumir bebidas alcoólicas. O Man- essas micro-mídias são muitas vezes roman- ray possui um dress code27 bastante rígido, tizadas por serem consideradas como ele- sendo que apenas nos sábados ele não existe. mentos de resistência, mas é preciso não es- Nas noites de quarta e sexta (dedicadas ao quecer de que elas são também negócio que público gótico/industrial28) o dress code é envolve lucros e prejuízos25, embora man- vestir-se de preto, seguindo a linha gótica, tendo a atitude do underground. Voltando ao industrial ou fetichista. De acordo com o cenário industrial ele é bastante abrangente website da casa, é possível vestir PVC, bor- indo de shows ao vivo às festas, saraus li- racha, couro, vinil, estilo glam (glam rock), terários, sessões de filmes e programas de drag (drag queen), cyber-erótico e formal. rádio. Por ser fruto da mistura entre club- A casa proíbe a entrada de pessoas vestidas bers/ravers e rockers, de certa forma, é no com tênis ou jeans azul por ser considerado club que a cultura industrial tem sua sobre- algo por demais mainstream. Piercings e ta- vida amplificada. Em geral é no club que as tuagens, e uma preocupação com o corpo são pessoas da cena transitam e se conhecem. comuns entre os freqüentadores, embora a O principal club dedicado à cena na re- ênfase seja sempre em uma certa distinção e alteridade, em relação aos padrões mains- 21 O semanário gratuito bostoniense encontra-se disponível gratuitamente nas estações de metrô e tem tream.O club possui 03 ambientes: 02 pis- sua versão online em http://www.bostonphoenix.com. tas e 01 lounge. Nas noites uma das pistas 22 Um bom exemplo local é o site Angel Industrial é dedicada a sons mais pesados eletrônicos disponível em http://angeldustrial.com/v5/ como industrial, power noise, EBM, IDM, 23 É prática comum das casas noturnas deixarem dark trance, entre outros e a outra pista é um cadastro a ser preenchido pelo freqüentador. 24 De acordo com Thornton (1996, p.138), o boca dedicada ao gothic rock, ao synth pop , fu- a boca é considerado a mídia de consumo do under- ture pop e new wave. Quando acontecem os ground, porém ele sempre vem acompanhado de lei- 26www.manrayclub.com turas de revistas ou fanzines, visitas a websites com 27 as agendas dos eventos e observação dos flyers. Dress Code é o código de vestimenta, isso quer 25 dizer, como você deve vestir-se para entrar no local. Uma prática comum é a dos descontos em lo- 28 jas de roupas, CDs e acessórios quando o consumidor No club não há uma distinção explícita entre am- cita o nome de determinada festa na loja em que está bas. comprando.

www.bocc.ubi.pt Visões obscuras do underground Hackers e Rivetheads 11 shows29, a segunda pista é utilizada. A deco- bandas do estilo industrial, EBM, synth pop, ração é com temas obscuros (velas, cortinas gothic rock, como VNV Nation, Velvet Acid de veludo bordôs e vermelhas, candelabros) Christ, Bella Morte, Funker Vogt, entre ou- e as telas de TV passam trechos de filmes de tros. Um elemento interessante é o clima de horror clássicos como Nosferatu e O gabi- revival da década de 80 que se faz presente nete do Dr. Calligari, ou mesmo filmes de no club, seja através das músicas, seja atra- ficção científica antigos como O dia em que vés das roupas de alguns freqüentadores, o a terra parou.O lounge possui cadeiras e que aponta para uma outra característica pró- poltronas em estilo vitoriano e edwardiano, pria da cena novaiorquina, a de cosplay32 , ou exibindo alguma exposição de obras de ar- seja, muitos participantes da cena são fãs de tistas locais (ilustrações, pinturas, etc) com séries ou filmes de ficção científica, fantasia, uma temática e/ou estilo relacionado ao gó- horror e mesmo de músicos e vão fantasiados tico/industrial. Um detalhe observado foi o ao club. Personagens como cavaleiros me- uso camisetas de filmes, séries, livros ou au- dievais, heróis de histórias em quadrinhos, tores de Ficção Científica como Star Wars, vampiros da mitologia de Anne Rice, clones Star Trek, Neuromancer e William Gibson. de Bryan Ferry, David Byrne e Boy George A maior parte dos shows misturavam ele- podem ser facilmente encontrados no club. mentos cênicos à música, além de samplers, Conversando com os freqüentadores da cena bateria eletrônica e sintetizadores. (nas duas cidades), percebe-se que a grande O mesmo tipo de ambiente compõe a cena maioria tem empregos ligados ou à informá- de New York City, mais especificamente no tica ou a algo mais artístico como designers, club Albion/Batcave30. Ele também conta a música ou as artes plásticas. A ficção ci- com três ambientes: main floor (pista prin- entífica, a fantasia e o horror são os gêne- cipal), the tower (a torre) e the bunker (o ros favoritos de literatura e de cinema. Nesse bunker, no porão). Ao contrário do Manray sentido, é possível estabelecer uma conexão Club não há dress code, todavia, a maioria a respeito da audiência, ou seja, do público das pessoas estava vestida dentro do estilo que o movimento cyberpunk atingiu. goth/industrial, seja ele neovitoriano, gothic lolita, cybergothic, rivethead31, etc. Além Não é difícil de encontrar o leitor ideal do de festas, também acontecem shows com as cyberpunk: hackers de computador, mistura- dores de mídia, técnicos de estações de rá- 29 Os shows assistidos foram Faith and the Muse dio e TV, jovens profissionais móveis, free- (gothic rock e synth pop) com abertura de Mono Ch- lancers, que não se importam onde eles tra- rome e da banda local Amber Spyglass (08.09.2004); Icon of Coil (industrial/technodark) e Cruxshadows 32 O cosplay é um hábito dos otakus japoneses que (gothic rock/synthpop) em 15.09.2004 e You Shriek freqüentam as convenções de anime, manga e J-Rock (synth pop) em 24.11.2004. Os preços são acessíveis (rock japonês) fantasiados como seus personagens fa- para o padrão local, 15 U$. As noites em que não há voritos. Essa mania tem ganhado adeptos ao redor show vai para U$ 10. do mundo e está diretamente ligada ás convenções 30www.albionnyc.com de FC ao redor do mundo, principalmente de filmes 31 Rivethead (numa tradução livre seria Cabeça de como Matrix, Senhor dos Anéis e Star Wars. Fotos Rebite) é como são chamados os adeptos do estilo in- de pessoas em cosplay podem ser vistas no website dustrial nos EUA. http://www.cosplay.com. www.bocc.ubi.pt 12 Adriana Amaral

balham, seja em Tóquio, Londres, Düssel- Eu creio que a moda está mais interes- dorf ou Los Angeles — eles só querem ter sante, pois está começando a incorporar suas máquinas, querem fazer parte de uma tecnologia usável – não exatamente im- rede global (PUKALLUS e SUVIN, 1991, p. plantes, mas na pele, casacos com fones 257). de ouvido. (...) O foco agora está tam- bém na moda e no estilo, especialmente Suvin e Pukallus (1991) comentam sobre quando você considera os produtos iPod o futuro de influência oriental (japonês em e a estética Mac. Eu creio que as pessoas especial) na obra de Gibson e Sterling e de estão mais criativas em encontrar novos como essa “extrapolação simulada” pode ser usos para as suas máquinas e bugigan- vista nas ruas. O estilo gothic lolita, por gas, algo que é mais notório na fusão en- exemplo, pode ser considerado como uma tre telefones celulares, sistemas GPS, fo- influência nipônica, uma vez que surgiu a tografia digital, agendas e mensagens de partir das meninas japonesas que se ves- texto33. tem como garotinhas (estudantes com micro- saias, meias sete-oitavos, sapatos bonecas, Observamos que o estilo da subcultura cy- maquiagem e cabelos presos em rabos de ca- berpunk é uma espécie de colisão, retrofit- valo) personagens de mangá ou ídolos ado- ting e hibridização, um crossover entre as lescentes japoneses, adoradas pelos otakus. subculturas que lhe antecederam. Mais uma Em complemento a isso, Sterling (1990, p. vez percebe-se o entrecruzamento de forças e 217) comenta sobre a inter-relação que há de valores que geraram um fenômeno que ul- entre as pessoas interessadas em tecnologia trapassou as barreiras literárias e atingiu a vi- e o underground pop. “Em Tóquio eles tra- sibilidade do social e que, ao mesmo tempo, tam o cyberpunk como cultura pop em vez equilibra-se entre o underground e o mains- de um fenômeno de gênero”, afirma o autor. tream, entre as ruas e a imaginação dos auto- res de ficção-científica. 3 Considerações finais - O cyberpunk como subcultura 4 Referências Bibliográficas híbrida BARRAL, Etienne. Otaku. Os filhos do vir- Estamos em um momento onde as subcultu- tual. São Paulo: SENAC, 2000. ras estão cada vez mais subdivididas e multi- BRAKE, Mike. The sociology of youth cul- facetadas. Procuramos mapear as origens da ture and youth subcultures. London: subcultura cyberpunk e seu desdobramento Routledge, 1980. em subculturas hacker e industrial. Assim, podemos traçar algumas conexões entre a CLARK, Dylan. The death and life of punk, imagem literária/visual dos cyberpunks e o the last subculture. In: MUGGLETON, que se vê nas ruas, principalmente em seus David, WEINZIERL, Rupert (ed.) The aspectos estéticos na relação entre moda e 33 tecnologia. HEUSER, Sabine. Depoimento concedido à au- tora em entrevista via email em janeiro de 2005.

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