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Devotas e divinas: reflexões sobre as performances de sacralização das cantoras de MPB no contexto ritual do Círio de Nazaré em Belém, Pará, Amazônia Devotas e divinas: reflexões sobre as Devotas e divinas: reflexões sobre as performances de performances de sacralização das cantoras sacralização das cantoras de MPB no contexto ritual de MPB no contexto ritual do Círio de Nazaré em Belém, do Círio de Nazaré em Belém, Pará, Amazônia Pará, Amazônia

RAFAEL DA SILVA NOLETO

Universidade de São Paulo, São Paulo/SP, Brasil Noleto, R. S.

DEVOTAS E DIVINAS: REFLEXÕES SOBRE AS PERFORMAN- CES DE SACRALIZAÇÃO DAS CANTORAS DE MPB NO CON- TEXTO RITUAL DO CÍRIO DE NAZARÉ EM BELÉM, PARÁ, AMAZÔNIA

Resumo A partir de experiência etnográfica no Círio de Nazaré, este artigo pro- blematiza aquilo que denomino como performances de sacralização das cantoras de Música Popular Brasileira (MPB), as quais foram verificadas, predominantemente, nas homenagens musicais feitas pelas artistas du- rante o ritual de traslado da imagem de Nossa Senhora de Nazaré pelas ruas de Belém. Como parte de uma pesquisa maior, que refletiu acerca do imaginário e da sociabilidade homossexual masculina construídos em torno das cantoras de MPB, este texto traz elementos teóricos e etnográ- ficos que objetivam esclarecer significados subjacentes ao qualificador “divina”, frequentemente utilizado por fãs (sobretudo, homossexuais) para designar suas cantoras favoritas. Palavras-chave: Círio de Nazaré, ritual, música popular brasileira, canto- ras, religiosidade

DEVOUT AND DIVINE: REFLECTIONS ON THE SACRALI- ZATION PROCESS OF MPB FEMALE SINGERS IN THE RITU- AL CONTEXT OF THE CÍRIO DE NAZARÉ IN BELÉM, PARÁ, AMAZONIA

Abstract Drawing from ethnographic experience at the Círio de Nazaré, this ar- ticle discusses what I call MPB (Brazilian Popular Music) performances of holiness by female singers, observed mainly in musical tributes made by these artists during the Our Lady of Nazaré procession along the streets of Belém. As part of a larger inquiry, focused on the homosexual male’s imaginary and sociability built around the MPB female singers, this article bridges theoretical and ethnographic elements to discuss me- anings behind the word “divine”, often used by fans (especially homose- xuals) to call their favorite female singers. Keywords: Círio de Nazaré, ritual, Brazilian popular music, female sin- gers, religiosity.

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DEVOTAS E DIVINAS: REFLEXIONES SOBRE EL PROCESO DE SACRALIZACIÓN DE LAS CANTANTES DE MPB EN EL CON- TEXTO RITUAL DEL CIRIO DE NAZARÉ, EN BELÉM, PARÁ, AMAZONÍA

Resumen A partir de la experiencia etnográfica durante el Cirio de Nazaré, este artículo describe lo que yo llamo performances de sacralización de las cantantes de la Música Popular Brasileña (MPB), que se observan pre- dominantemente en homenajes musicales hechos para estas artistas du- rante la transferencia ritual de la imagen de Nuestra Señora de Nazaré por las calles de Belém. Como parte de un estudio más amplio, que reflexionó acerca del imaginario y la sociabilidad homosexual masculina en torno a las cantantes de MPB, este texto presenta elementos teóricos y etnográficos que tratan de aclarar los significados subyacentes al ca- lificativo “divina”, a menudo utilizado por los fans (especialmente los homosexuales) para designar a sus cantantes favoritas. Palabras clave: Cirio de Nazaré, ritual, música popular brasileña, cantan- tes, religiosidad.

Endereço para correspondência: Av. Prof. Luciano Gualberto, 315, Bu- tantã, São Paulo/SP. CEP: 05.508-010. E-mail: [email protected]

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INTRODUÇÃO lacionado à esfera do religioso, os es- forços empreendidos neste texto estão Durante trabalho de campo (Nole- voltados para uma discussão do Círio to 2012a) com fãs homossexuais de de Nazaré como um acontecimento cantoras da Música Popular Brasileira de caráter comunicativo, isto é, trata-se (MPB), uma das questões que mais de um ritual – situado no âmbito dos estimulou minhas reflexões foi o fato eventos extraordinários ou fora da- de, em muitos casos, estas intérpretes quilo que entendemos como parte do investirem em performances corporais cotidiano – que possui uma natureza e artísticas que possibilitam uma apro- performativa, cuja razão é comunicar ximação muito estreita com o univer- algo a alguém. so religioso, ao qual estas cantoras se Busco entender, portanto, o que a par- declaram vinculadas, o que me permite ticipação das cantoras de MPB, neste pensar em performances que, de certo contexto ritual, pode comunicar. As- modo, sacralizam suas imagens públi- sim, inspiro-me na abordagem propos- cas. Entendo que tais performances, ta por Tambiah (1985), para quem os denominadas aqui como performances rituais possuem uma estrutura pautada de sacralização, reforçam o caráter “di- em convenções, formas, repetições e vino” da imagem pública que, por um ações com enorme potencial perfor- lado, essas cantoras projetam no mer- mático. Neste sentido, considero que cado fonográfico brasileiro e, por ou- o entendimento aqui mobilizado para tro lado, acaba por constituir-se como discutir o Círio de Nazaré está pautado uma representação simbólica que dá na compreensão de que: inteligibilidade ao modo como muitos “o ritual é um sistema cultural de seus fãs as percebem e aos senti- de comunicação simbólica. Ele é mentos que lhe dedicam. constituído de sequências ordena- Dessa maneira, devo advertir o leitor das e padronizadas de palavras e de que meu interesse em produzir uma atos, em geral expressos por múl- reflexão acerca do Círio de Nazaré não tiplos meios. Estas sequências têm está direcionado para uma problema- conteúdo e arranjos caracterizados por graus variados de formalidade tização de questões relativas ao catoli- (convencionalidade), estereotipia cismo popular em si, todavia, meu em- (rigidez), condensação (fusão) e re- penho está situado em construir uma dundância (repetição). A ação ritual interpretação do Círio de Nazaré a nos seus traços constitutivos pode partir de um ponto de vista teórico que ser vista como ‘performativa’ em considera o ritual não como tema de três sentidos; 1) no sentido pelo estudo, mas como uma perspectiva de qual dizer é também fazer alguma compreensão utilizada para construir coisa como um ato convencional; reflexões sobre um dado contexto em 2) no sentido pelo qual os partici- foco1. pantes experimentam intensamente uma performance que utiliza vários Embora esteja tratando de um evento meios de comunicação e 3), final- que, sem dúvida, está diretamente re- mente, no sentido de valores sen-

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do inferidos e criados pelos atores logia entre ser fã e ser devoto. As can- durante a performance” (Peirano toras aqui mencionadas dialogam com 2003:11). o universo religioso, agenciam-no para Espero, assim, estabelecer que utilizo si, vinculando-o às imagens públicas o conceito de ritual como uma chave que projetam no mercado fonográfico teórica para construir uma leitura pos- brasileiro. sível acerca da experiência de campo Se concordarmos que os rituais dra- que tive no Círio de Nazaré, apurando matizam certos dilemas sociais (Turner o olhar para os possíveis significados 2013 [1969]), pretendo compreender atribuíveis à participação de algumas como o Círio de Nazaré, através de sua cantoras de MPB nas homenagens estrutura ritual, coloca em evidência realizadas à Nossa Senhora de Naza- a permeabilidade das noções de “sa- ré. Minha intenção é colocar em pauta grado” e “profano”, mostrando que é como essas cantoras agenciam para si possível (a partir de uma apropriação um diálogo com o universo religioso de um contexto religioso) produzir e ao qual se declaram vinculadas, pro- atribuir, performaticamente, certo grau duzindo performances de sacralização que de sacralidade a quem ou àquilo que é as aproximam do âmbito da devoção e percebido, à primeira vista, como rela- da divindade, constituindo-as, publica- cionado ao domínio do “profano”. mente, como figuras que são, ao mes- mo tempo, devotas e divinas. Vale ressaltar que as noções de “sa- Em outras palavras, este artigo traz al- grado” e “profano” não são tratadas gumas análises de um contexto empí- aqui como ideias estanques. De todo rico observado (e de outros exemplos modo, é necessário utilizá-las, analiti- que mobilizarei ao longo do texto) no camente, apenas para marcar o movi- qual uma performance artística é apre- mento de participação destas cantoras sentada em diálogo com determinado no contexto religioso aqui problemati- universo religioso, abrindo possibilida- zado. Neste caso, o uso dessa dicoto- des de compreensão dos qualificadores mia serve para sinalizar a imbricação “divina”, “deusa” ou “diva” através entre determinado universo religioso dos quais essas artistas são nomeadas e (“sagrado”) e o mercado fonográfico reconhecidas por seus fãs, já que estas (“profano”), tendo em vista que tanto adjetivações são muito comuns em re- essas noções (“sagrado”/“profano”) des de sociabilidade homossexual. quanto esses âmbitos de atuação (“religião”/“mercado”) se interpene- Espero que esteja claro que a ques- tram, dialogam, transformam-se mutu- tão deste texto será compreender, no amente. O uso das categorias, assim di- contexto do Círio de Nazaré, como o empreendimento em uma performan- cotomicamente dispostas, serve apenas ce musical pode produzir uma imagem como parâmetros de análise, mas não pública que dá sentido à ideia da can- como valores absolutos. tora como “deusa” ou como “divina”, Ressalto ainda que estou interessado tornando ainda mais verossímil a ana- em analisar alguns aspectos da carreira

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dessas artistas no intuito de colocar em às camadas sociais médias da cidade pauta as possíveis formas por meio das e com uma característica em comum: quais essas cantoras constroem para eram fãs de cantoras brasileiras. Este si, performaticamente, personagens recorte empírico específico se deu pela públicas que se movem entre duas minha percepção de certas mulheres categorias binariamente elaboradas, de grande destaque social nos campos que designam aspectos de castidade (a da cultura de massa (atrizes, cantoras, “santa”) e de luxúria (a “puta”). Neste modelos, apresentadoras de TV, per- sentido, o contexto religioso aqui co- sonalidades da mídia e webcelebridades) locado consiste em uma ótima opor- ocuparem um amplo espaço nas redes tunidade para analisar, em termos de de sociabilidade homossexual masculi- representações simbólicas, as formas nas, fazendo parte dos assuntos mais pelas quais essas cantoras investem em comentados entre estes sujeitos duran- performances musicais que remetem te suas interações sociais. a sentidos de sacralização de si, afas- Partindo destes pressupostos, bus- tando-se ou aproximando-se oportu- quei ouvir estes sujeitos para tentar namente das noções, simbolicamente captar quais os sentidos embutidos constituídas em seus repertórios e per- em qualificadores frequentemente formances, de “sagrado” e “profano”. utilizados para designar essas canto- Antes de adentrar na problematização ras de MPB como “poderosas”, “di- mais específica proposta por este- ar vinas” e/ou “maravilhosas”, evocan- tigo (um imaginário de sacralidade de do atributos de poder, divindade e si estabelecido por uma performance glamour para defini-las e hierarquizá- musical inserida em um contexto reli- -las em escalas de importância musi- gioso), devo situar o leitor no contex- cal. Como resultado, pude observar, to da pesquisa maior que deu origem em linhas gerais, que estas cantoras ao presente texto, mencionando que o são percebidas por estes homossexu- objetivo dessa investigação mais ampla ais como “poderosas” na medida em consistiu em compreender aspectos que utilizam de partes de seus corpos simbólicos de um imaginário constru- (seios, boca e cabelos, por exemplo) ído por fãs homossexuais masculinos como elementos significantes de uma em torno de suas cantoras favoritas. imagem pública vinculada à ideia de Apesar de estas cantoras possuírem um transgressão (Noleto 2012a, 2012b). público heterogêneo, composto por fãs Por sua vez, esse uso do corpo como de diversas faixas etárias, gêneros, iden- ferramenta imagética facilitaria um tidades sexuais, classes sociais e grupos encontro entre a “marginalidade” de raciais, esta pesquisa – desenvolvida ser (ou ter sido) considerada como inteiramente na cidade de Belém (PA) uma cantora transgressora em deter- – tinha como principais interlocutores minado período histórico e a “margi- homens (entre 27 e 45 anos de idade), nalidade” de ser um homem que tem que se reconhecem como homosse- atribuído a si o “estigma” da homos- xuais, pertencentes, economicamente, sexualidade.

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Indo mais além deste argumento, de musical vinculada ao regional – in- minha pesquisa buscou demonstrar vestindo na interpretação de obras liga- como cantoras (especialmente Maria das a uma musicalidade supostamente Bethânia, Fafá de Belém, , amazônica – e, simultaneamente, ao e ), que nacional, tentando se inserir em outras são referências para certos homens ho- redes de produção musical vinculadas mossexuais, construíram suas imagens aos mais diversos gêneros contidos no públicas exatamente pautadas na com- amplo espectro da MPB. Anos mais binação de identidades conflitantes e tarde, Fafá de Belém investiria na cons- contraditórias entre si (Noleto 2012a). trução de uma imagem pública que al- Citando exemplos destas combina- terna concepções conflitantes de luxú- ções entre identidades contraditórias, ria e santidade (problematizadas mais deve-se notar como , adiante). Finalizando os exemplos, Gal que não sendo brasileira nem “negra”, Costa, cuja identidade sexual permane- tornou-se a maior representante do es- ce indefinida publicamente, construiu tereótipo de “brasilidade” presente no sua figura pública como um símbolo imaginário de muitas pessoas ao redor sexual ambíguo, constituindo-se como do mundo. Por outro lado, Elis Regina objeto de desejo sexual de homens e ostentava uma combinação improvável mulheres na década de 1970. entre as imagens de uma mulher casa- Com isto, quero reforçar e clarificar da, mãe de três filhos, cantora famosa meu argumento de que, assim como e viciada em entorpecentes, desconfi- essas cantoras mobilizam identida- gurando noções convencionais acerca des supostamente contraditórias para do exercício da maternidade e do ca- construírem suas imagens públicas em samento no Brasil da década de 1970. um mercado fonográfico disputado, Maria Bethânia, por sua vez, construiu o público homossexual, que as elege para si uma feminilidade performática como “deusas” ou “divas”, também vi- pautada em sua voz grave e em suas vencia uma identidade sexual que rom- feições físicas percebidas, socialmen- pe com a inteligibilidade do gênero e da te, como “masculinas”, colocando em sexualidade nos termos considerados atrito alguns atributos de gênero que o como hegemonicamente legitimados. senso comum entende como “masculi- Em outras palavras, sob o ponto de nos” ou “femininos”. No caso de Da- vista das prescrições da heterossexu- niela Mercury, a contradição reside no alidade, estes sujeitos não “mantêm fato de que é uma mulher socialmente relações de coerência e continuidade percebida como “branca”, mas que se entre sexo, gênero, prática sexual e notabilizou como cantora de uma mu- desejo” (Butler 2010[1990]: 38), as- sicalidade que se reconhece como “ne- sim como suas cantoras prediletas 2 gra” . também constroem, em paralelo, Em relação à Fafá de Belém, pode-se imagens públicas pautadas na contra- notar como sua trajetória é marcada dição de identidades musicais, raciais, pelo desejo de construir uma identida- sexuais e de gênero.

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Assim, viso complexificar o argumen- os bairros da região metropolitana de to mais corriqueiro (e um tanto des- Belém, municípios do interior do Pará, gastado) que explica a afinidade entre diversos outros Estados do Brasil e de certas artistas femininas e grupos de outros países do mundo. Transmiti- fãs homossexuais pelas vias da noção do pelas redes locais de comunicação de camp. De acordo com estes argu- (emissoras de rádio, Tv e websites), o Cí- mentos, a estética camp (Sontag 1987 rio de Nazaré possui repercussão inter- [1964]), supostamente acionada por nacional, causando grande mobilização muitas artistas femininas e pautada no entre os devotos que não comparecem exagero de figurinos, cores e perfor- às procissões por algum motivo de im- mances, seria a explicação mais plausí- possibilidade física, distância geográfi- vel para a identificação entre o público ca ou por terem optado por acompa- homossexual e estas cantoras. Se, por nhar a procissão através dos meios de um lado, esta noção exotiza as cantoras comunicação. como excessivas, por outro lado, essen- O Círio de Nazaré consiste no trans- cializa os homossexuais como exagera- porte da imagem de Nossa Senhora de dos ou fora da norma. Portanto, uma Nazaré, através de grande romaria, da noção talvez problemática. Catedral da Sé até a Basílica Santuário Após esta introdução à pesquisa de de Nazaré, no centro de Belém. Tendo maiores proporções, pretendo trazer como principal acontecimento a pro- ao leitor a questão específica abordada cissão do Círio de Nazaré (realizada no neste artigo: a compreensão do quali- domingo pela manhã), as festividades ficador “divina”, utilizado por meus em homenagem a Nossa Senhora de interlocutores, em muitos casos, para Nazaré são constituídas de várias ro- designar suas cantoras favoritas como marias que ocorrem durante todo o “deusas”. Em busca de respostas, aten- mês de outubro, especialmente na pri- tei para o fato de, anualmente, muitas meira quinzena do mês. Dentre essas cantoras da MPB serem contratadas romarias que integram esse proces- para cantar durante as procissões que so ritual, há a importante romaria da compõem a programação oficial do Cí- trasladação (ou transladação). Trata-se rio de Nazaré. de uma procissão noturna, que reúne Instituído no calendário religioso ofi- cerca de 1,5 milhão de devotos, reali- cial de Belém desde 1793, o Círio de zada no sábado, véspera do Círio de Nazaré é considerado uma das maiores Nazaré, na qual a imagem da santa é festas católicas do mundo, realizado, levada do Colégio Gentil Bittencourt anualmente, no segundo domingo do até a Catedral da Sé, acompanhada por mês de outubro, em forma de procis- um grande número de romeiros que são, nas ruas de Belém (Alves 1980, cantam, rezam e pagam promessas em 2005)3. A procissão é uma manifesta- honra à Nossa Senhora de Nazaré. No ção católica de devoção a Nossa Se- domingo do Círio, a imagem da san- nhora de Nazaré, que reúne cerca de ta é levada para a Basílica de Nazaré, 2 milhões de fiéis advindos de todos percorrendo parte do centro histórico

218 Amazôn., Rev. Antropol. (Online) 7 (1): 210-242, 2015 Devotas e divinas e comercial de Belém, o que constitui, comoção advindos de um determina- propriamente, a procissão do Círio de do público. Por isso, sob o ponto de Nazaré (Alves 1980, 2005). vista de seus fãs, as cantoras parecem De fato, a proximidade de certas can- possuir um vínculo com proprieda- des que, de certa maneira, as tornam toras com este universo religioso pa- 5 recia render uma boa discussão sobre “como uma deusa” . Porém, para que como essas artistas poderiam inserir- a cantora seja percebida como tal, é -se neste ritual (e em outros rituais não necessário um processo performático e contínuo (nem sempre carregado de necessariamente vinculados ao âmbito uma intencionalidade consciente) de da religião) e, assim, imprimir um cará- construção de sua imagem pública – a ter “divino” em suas figuras públicas. partir do aparato midiático da indústria Dessa forma, os argumentos presentes fonográfica (Morelli 2009) – através do neste artigo decorrem de experiência qual essa imagem construída seja per- etnográfica na procissão da trasladação cebida, coletivamente, como possuido- da imagem de Nossa Senhora de Naza- ra de atributos que a divinizam. ré, realizada em outubro de 20124. Pretendi refletir sobre a experiência no Círio de Nazaré, porque um dos “VÓS SOIS O LÍRIO MIMOSO...” fatores aos quais estive atento, duran- te o trabalho de campo, dizia respeito Antes de adentrar na experiência da procissão do traslado de Nossa Se- a uma constante associação, feita por nhora de Nazaré, devo dizer que, meus interlocutores, entre suas canto- durante a pesquisa, o primeiro sinal ras prediletas e um possível status de de uma suposta “divinização” – ou “divindade”. Talvez pareça uma recor- literal “endeusamento” – dessas can- rência trivial ouvir fãs de cantoras que toras problematizadas neste trabalho as denominem como “deusas”, contu- ocorreu quando, certa vez, Tamba- do, creio que, sob essas denominações -tajá6, havia me encontrado e estava que elevam as cantoras ao patamar das com uma pasta na qual colecionava divindades, deve haver conceitos pro- uma grande quantidade de cartazes, fundos que traduzem a experiência so- programas de concertos, reportagens cial de ser fã – alguém que acompanha, jornalísticas, ingressos de shows e sistematicamente, a trajetória profissio- propagandas de espetáculos. Den- nal de uma pessoa considerada como tre esses materiais, observei que ele “ídolo” e que se deixa envolver por es- guardava um abanador com a ima- tímulos emitidos por esse sujeito digno gem de Nossa Senhora de Nazaré es- de “idolatria”. tampada. O objeto era um brinde tra- A capacidade de emocionar, o carisma dicionalmente distribuído durante as e a competência para interpretar algo festividades do Círio de Nazaré, no que é avaliado como “belo” são, nesse qual estava impressa a letra do hino caso, fatores diferenciais que um artista “Vós sois o lírio mimoso” (composi- deve ter para mobilizar sentimentos de ção de Euclides Faria), música canta-

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da durante a imensa procissão católi- admirada, que é objeto de veneração” ca pelas ruas de Belém. (Houaiss & Villar 2009: 1044). Diante Tamba-tajá dissertava animadamente, disso, seria possível pensar, a partir da estava empolgado para conversar so- análise das relações estabelecidas entre bre suas maiores paixões: a música e fãs homossexuais e cantoras brasilei- as cantoras brasileiras. Durante algum ras, na construção dessas artistas como tempo, mostrou-me os materiais grá- “deusas”? ficos que colecionava naquela pasta. A relação que procuro estabelecer en- Tive a sensação de que aquele ato era, tre ser fã e “devoto” não é nova. Al- para Tamba-tajá, uma senha de acesso gumas autoras têm mantido interesse a sua intimidade, aos seus sonhos, a em problematizar essa metáfora da sua porção mais nua. Ao me mostrar o devoção para o entendimento das re- abanador com a imagem de Nossa Se- lações estabelecidas entre fãs e artistas. nhora de Nazaré, Tamba-tajá explicou: Coelho (1999, 2011), por exemplo, tem “Pra mim, a Fafá [de Belém] pode- refletido acerca de como a experiência ria estar aqui dentro desse manto! entre fãs e ídolos mobiliza sentimentos Ela [Fafá de Belém] é a minha san- que tangenciam ações denotativas de ta! É porque ela é a rainha da Ama- certa “idolatria”. Teixeira (2007), por zônia, representa o Pará, a alegria sua vez, interessou-se em problemati- do povo do Pará! O Círio de Naza- zar aquilo que denomina como “ido- ré é a cara da Fafá e a Fafá é a cara latria” e “culto” entre fãs de Raul Sei- do Círio! A Fafá é a cara de Belém. xas. Martín (2007) colocou em pauta as Se você conhece a Fafá, você co- nhece Belém!” (Tamba-tajá). práticas de sacralização empreendidas por fãs da cantora argentina Gilda, que aca- A partir deste estímulo, fui conduzi- bam por estabelecer uma tensão entre do a pensar: o que estaria subsumido a condição de ser fã e devoto (aspecto nos termos “diva” e “ídolo”? Acreditei melhor problematizado adiante). que, talvez, uma consulta ao dicionário servisse para encontrar o fio da meada Se, nesses diversos trabalhos socioan- que, supostamente, descortinaria algu- tropológicos sobre o assunto, reco- mas noções acerca do aspecto “divi- nhece-se que há, em certa medida, um no” das cantoras. “Diva” designa uma “culto” às personalidades midiáticas “divindade feminina; deusa; mulher da que apresentam, além de sua arte, um qual alguém fez sua musa inspiradora carisma mobilizador, em que consisti- (...); atriz de teatro e cinema famosa ria esse caráter “sagrado” atribuído, pe- pela beleza e talento; cantora de ópe- los fãs, aos seus artistas favoritos? ra notável ou famosa; prima-dona” De fato, a experiência de ser fã é vivida (Houaiss & Villar 2009: 701). Por sua a partir do encontro com uma coleti- vez, “ídolo” consiste em uma “imagem vidade que compartilha da admiração que representa uma divindade e que por determinado artista. Isso, de certa se adora como se fosse a própria di- forma, remete ao princípio básico de vindade; pessoa ou coisa intensamente religiosidade detectado por Durkheim.

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Embora trabalhe com noções crista- dimensão, em seguida denominada lizadas (e já muito criticadas) de “sa- ‘divina’, considerada ‘separada’ e grado” e “profano”, Durkheim (1983 “outra” com relação ao mundo hu- [1912]), buscando elaborar uma teoria mano” (Galimberti 2003:11). geral da religião, é pioneiro ao nos con- Nesta lógica, parece admissível que vencer de que toda e qualquer forma as cantoras sejam consideradas como de religiosidade possui uma verdade mulheres “sagradas” na medida em que responde a determinadas condi- que manipulam, diretamente, o saber ções da existência humana. O autor específico de trazer a música dentro de enfatiza que a experiência religiosa é, si, de expressá-la a partir do corpo, sem fundamentalmente, social: uma experi- o uso de nenhum artifício ou instru- ência que envolve uma coletividade e mento exterior. Assim, sob o ponto de que só encontra um sentido real quan- vista dos fãs, o canto seria um saber, do é expressa por uma massa de pesso- uma potencialidade que só é dominada as enredada em uma dada organização pelo ídolo, e esse seria o fator diferen- social. Assim, minha pergunta é: seria cial que provoca uma necessidade de possível comparar a experiência coleti- “divinização” e, portanto, de “separa- va de ser “fã” à vivência grupal de uma ção” entre um pólo e outro da relação. espécie de “religiosidade”? De alguma forma, esse argumento que Para compreender as relações entre “sacraliza” os sujeitos que cantam está meus interlocutores e suas cantoras presente no próprio repertório inter- prediletas, empreendo, em primeiro pretado por estas cantoras. lugar, uma busca pelo entendimento Apenas para citar um exemplo, “Minha do significado daquilo que, nesta rela- voz, minha vida” é uma composição- ção fã/ídolo, poderia ser reconhecido -homenagem que fez como da ordem do “sagrado”7. Recor- especialmente para Gal Costa. A com- ro a uma definição mais genérica, par- posição traduz as concepções que o tindo de um argumento elementar – na autor possui acerca da voz e da ativi- condição de ser um recurso heurístico dade de cantar. A letra da canção apre- lançado aqui – para postular uma no- senta versos que afirmam que a voz ção básica de “sagrado”, que consis- é, ao mesmo tempo, um “segredo” e te em um bom ponto de partida para uma “revelação”, como uma “luz es- pensar na construção da cantora como condida” que só é acessível àqueles que “divina”. Assim, trazem a vida na voz, isto é, trazem a “‘sagrado’ é palavra indo-europeia própria música (vida) dentro de si. A que significa ‘separado’. A sacrali- canção exalta a capacidade “incomum” dade, portanto, não é uma condi- de emocionar as pessoas pelo canto, ção espiritual ou moral, mas uma uma característica que, de certa ma- qualidade inerente ao que tem re- neira, torna “divinas” as pessoas que a lação e contato com potências que possuem. o homem, não podendo dominar, percebe como superiores a si mes- Sob essa perspectiva, a experiência mo e, como tais, atribuíveis a uma dos fãs na relação com o ídolo, aliada

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ao próprio repertório mobilizado na eu os encontrasse em casa (eles são carreira dessas artistas, não exclui que vizinhos) para, depois, irmos, a pé, ao a noção simbólica de “sagrado” seja encontro da imagem de Nossa Senho- deslocada do campo estritamente reli- ra de Nazaré, que seria homenageada gioso e passe a integrar outras esferas por Fafá de Belém em uma apresenta- de construção do conhecimento sobre ção musical de louvor durante a pro- a relação entre os homens e certos do- cissão. Entretanto, a artista teria outros mínios simbólicos considerados como convidados que cantariam para a santa: “superiores” ou “transcendentais”. a cantora e o Padre Fá- Se deslocarmos a ideia de “sagrado” bio de Melo. do campo da religião para o campo da Na verdade, Fafá de Belém colocava estética musical, é possível a atribui- em prática um antigo projeto, cultiva- ção simbólica de alguma “sacralidade” do ao longo dos anos, cujo objetivo àquilo que é tido como “belo” ou so- seria dar mais visibilidade nacional e cialmente reconhecido como de eleva- internacional ao ritual católico realiza- do valor artístico. Assim, a associação do em Belém. Este projeto consiste na entre a arte de cantar e o sagrado não é implantação de uma espécie de “cama- de todo descartável, visto que a própria rote” – denominado como “Varanda música é composta por elementos fí- de Nazaré” – no qual Fafá de Belém sicos “imateriais”, reconhecidos como receberia personalidades vinculadas sons, que são, na música cantada, ma- aos poderes públicos, à mídia e ao ce- terializados pelo corpo de quem canta. nário artístico nacional na intenção de E não seria essa uma capacidade que que essas pessoas vivenciassem a expe- pode ser considerada, dependendo riência de estar no Círio de Nazaré, de do ponto de vista de quem a percebe, conhecer a cultura do Estado do Pará como “divina”? e, com isso, divulgar essa grande festa em diversos veículos de comunicação do Brasil e exterior. UMA SANTA PROFANA DA AMA- A presença de personalidades públicas ZÔNIA na “Varanda de Nazaré” atrairia, assim, Para tentar entender o investimento de maior atenção da mídia nacional que, cantoras brasileiras em performances de oportunamente, veicularia notícias re- sacralização de si por meio de uma apro- lativas à permanência dessas persona- ximação com certos universos religio- lidades no ritual religioso. Todo este sos, decidi acompanhar a trasladação projeto empreendido pela cantora para de Nossa Senhora de Nazaré (que seria dar visibilidade ao Círio de Nazaré foi homenageada por diversas cantoras de documentado em reportagem – Ho- repercussão local e nacional) acompa- mobono (2012) – que ilustra as estraté- nhado de dois de meus interlocutores: gias adotadas pela artista com o intuito Tamba-tajá e Pirata. Na noite da trasla- de oferecer a estrutura necessária para dação, marcamos um encontro para às a hospedagem e acomodação de um 19:00 horas. A estratégia era a de que grande número de convidados, estrate-

222 Amazôn., Rev. Antropol. (Online) 7 (1): 210-242, 2015 Devotas e divinas gicamente selecionados para propagar do povo do Pará e por ser considerada, a celebração católica. popularmente, como uma figura públi- Tradicionalmente, a berlinda8 com a ca com grande carisma. Nas palavras imagem de Nossa Senhora de Nazaré de Tamba-tajá, Fafá de Belém seria uma realiza, tanto na procissão do traslado espécie de “santa profana da Amazô- quanto na do Círio de Nazaré, várias nia”. paradas ao longo do trajeto a fim de No entanto, se para mim, a grande ex- que a santa seja homenageada com pectativa era vivenciar uma experiência cânticos interpretados por grupos co- em que a devoção se misturasse a um rais ou cantores (mas, sobretudo, can- show musical na voz de Fafá de Belém, toras) de projeção local ou nacional. para Tamba-tajá e Pirata o interesse es- As paradas são efetivadas em pontos tava em presenciar um inusitado due- estratégicos do percurso, geralmente à to musical entre Fafá de Belém e Elba frente de sedes de instituições financei- Ramalho. O ineditismo desse encon- ras e comerciais que patrocinam as ce- tro, aliado ao fato de ambas as canto- lebrações do Círio de Nazaré e os shows ras manterem forte associação com o dos artistas que homenageiam a santa9. universo da religiosidade católica – em- Zizi Possi, Angela Maria, Leila Pinhei- bora Elba Ramalho esteja também vin- ro e Joanna são alguns dos nomes, vin- culada a outros tipos de crença – seria culados à MPB, que já foram convida- o que nortearia grande parte de nossas das por essas empresas patrocinadoras conversas naquela noite. para prestar homenagens à Virgem de Além de nós três, havia Clara10, que Nazaré. A “Varanda de Nazaré” seria, fora convidada por Tamba-tajá e Pirata portanto, um dos pontos de parada da para nos fazer companhia naquela noi- imagem de Nossa Senhora de Nazaré te. durante a procissão para que pudesse Ainda que não tivesse enfrentado um receber as homenagens de Fafá de Be- trânsito difícil e chegado pontualmente lém e de seus convidados. ao local combinado, não teríamos ob- Havia grande expectativa de minha par- tido sucesso em nossa “romaria” em te quanto à possibilidade de vivenciar, busca de Fafá de Belém, porque meus junto a dois importantes interlocutores interlocutores agendaram um horário de minha pesquisa, uma homenagem incompatível com o momento em que a Nossa Senhora de Nazaré, entoada a imagem de Nossa Senhora de Nazaré pela voz da cantora mais famosa do es- chegaria até a “Varanda de Nazaré” ou, tado do Pará, Fafá de Belém. Eu tinha como Tamba-tajá denominou, a “Va- a intenção de conectar esta experiência randa da Fafá”, para receber as home- ao fato de que, em diversos momen- nagens. Àquele horário, a romaria da tos de convivência comigo, Tamba-tajá trasladação da santa já havia sido inicia- avaliava que Fafá de Belém tinha, para da e, inevitavelmente, Fafá de Belém e ele, certa equivalência a Nossa Senhora Elba Ramalho já teriam cantado para a de Nazaré por ser uma representante Virgem de Nazaré. De fato, perdemos

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esse acontecimento e, por consequên- mais diversas espécies. Procurávamos cia, eu também havia perdido a vonta- um local mais tranquilo para acompa- de de prosseguir com minha participa- nharmos a passagem da santa e, por ção na romaria. Contudo, mesmo não isso, saímos de onde estávamos para concretizando meu objetivo principal, realizar um trajeto em que revezáva- acreditei ser possível aproveitar aquela mos o caminho entre a Av. Presidente noite, acompanhando parte da trasla- Vargas (por onde a procissão passaria) dação da santa e, quem sabe, assistin- e a Av. Primeiro de Março (rua para- do à apresentação de outra importante lela à Presidente Vargas e com menos cantora em homenagem a Nossa Se- trânsito de pessoas). No trajeto, fomos nhora de Nazaré. abordados por um homem que nos O trajeto da trasladação é inverso ao disse: “A Fafá está ali dentro do Banco 12 do Círio de Nazaré. Se, no traslado do País , ensaiando para cantar daqui a noturno, a imagem peregrina da santa pouco!”. sai do Colégio Gentil Bittencourt (que Não conhecíamos aquele homem e es- fica bem próximo à Basílica de Naza- tranhamos o fato de ele, sem motivação ré) em direção à Catedral da Sé (situ- aparente, nos avisar que Fafá de Belém ada no bairro da Cidade Velha, centro cantaria naquele local. Sabíamos que a histórico de Belém), na procissão do possibilidade de Fafá de Belém cantar Círio de Nazaré, a imagem faz o per- na sacada do Banco do País era remota, curso contrário, saindo da Catedral em visto que a cantora realiza apenas uma direção à Basílica. Então, Tamba-Tajá, homenagem à santa ao longo de cada Pirata, Clara e eu saímos em direção à procissão do Círio ou Trasladação, o Praça da República, percorrendo a pé, que tornaria improvável uma segunda a rua Arcipreste Manoel Teodoro em homenagem na mesma noite. Porém, o direção à confluência entre as avenidas aviso dado pelo homem desconhecido Presidente Vargas, Nazaré e Serzedelo foi suficiente para que nos mantivés- Corrêa, por onde a imagem da santa semos nas imediações do palco onde passaria. Fafá de Belém cantaria. Tamba-tajá não Ao chegarmos, conversávamos e ob- acreditara plenamente naquele aviso. servávamos as pessoas. Lamentávamos Ainda assim, ficamos próximos ao pal- o fato de termos perdido a apresenta- co, armado na sacada do Banco do País, ção de Fafá de Belém. Uma multidão aguardando a apresentação musical. começava a se formar perto de nós e Pouco antes da “santa passar”, Tamba- isso significava que a imagem da santa -tajá ainda comentou: já se aproximava do local em que es- távamos. Ouvíamos cânticos religiosos “Tamba-Tajá: A gente tem que ficar de sendo interpretados por cantores locais lado [em relação ao palco e à rua], pra e víamos vendedores ambulantes co- poder olhar pra santa e pra Fafá [de mercializando fitas de Nossa Senhora Belém]... de Nazaré, brindes católicos, brinque- RAFAEL: É um olho na santa e outro dos de miriti11 e artigos religiosos das na cantora [concordei]”.

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Finalmente, a berlinda com a imagem uma cantora com a qual tenho relativa de Nossa Senhora de Nazaré se apro- proximidade – a artista escolhida para ximava de nós. O fluxo de pessoas em cantar em homenagem à santa. Assim, nossa volta se intensificou, fogos de ar- pude refletir sobre aquilo que pretendo tifício eram disparados, cascatas de lu- denominar como performances de sacrali- zes caíam das fachadas dos prédios de zação das cantoras, isto é, o investimen- empresas patrocinadoras do Círio de to em estratégias que visam produzir Nazaré. Foi neste momento que sur- uma imagem pública sacralizada para giu, na sacada do Banco do País, a can- estas artistas, matizando seus corpos tora que renderia uma homenagem a e suas performances corporais com os Nossa Senhora de Nazaré. A intérpre- aspectos mais desejáveis de uma de- te estava toda vestida em roupa branca, terminada religiosidade, a fim de que composta por uma calça e uma blusa esses elementos visuais possam impac- feitas em tecido leve, aparentava usar tar, positivamente, a plateia para a qual um xale por cima da roupa, seus cabe- estas intérpretes se dirigem. los eram loiros e cacheados em aspecto Para o entendimento de como as per- quase angelical. formances de sacralização das cantoras Não era Fafá de Belém nem outra can- operam na construção de suas imagens tora com grande projeção nacional, era públicas, será necessário esmiuçar al- uma artista cujo trabalho possui abran- gumas características visuais e perfor- gência local. Todos nós estranhamos o máticas de Lucélia Ribeiro, observadas fato de que o Banco do País não havia por mim ao longo de alguns anos de investido no financiamento da vinda convivência com ela nos bastidores de uma atração de destaque no cenário de festivais de música, shows e eventos nacional – como sempre fez no decor- musicais, das mais diversas espécies, rer de alguns anos –, mas, ainda assim, na cena cultural de Belém. Conforme reconhecíamos que a cantora local es- dito, Lucélia Ribeiro é uma cantora colhida era uma artista com os méritos vinculada ao âmbito musical do choro vocais e o prestígio musical adequados e do . Tradicionalmente, as rodas para homenagear a Virgem de Nazaré. de choro e de samba estão permeadas 13 A cantora era Lucélia Ribeiro , uma por uma sociabilidade que mobiliza a intérprete paraense ligada ao universo dança, a exibição do corpo e a ingestão musical do choro e do samba, embora de bebidas alcoólicas como a cerveja e cante obras vinculadas a outros gêne- a cachaça. Lucélia Ribeiro é uma das ros musicais. vozes mais atuantes no movimento Se, por um lado, a ausência de Fafá de musical de choro e samba em Belém, Belém (ou de uma cantora nacional- querida entre os “chorões” (autode- mente famosa) havia frustrado nossas nominação dos músicos que tocam expectativas, por outro, tive melho- choro) e compositores de , é res condições de analisar o fenômeno reconhecida como uma excelente can- que ocorria diante dos meus olhos, tora, com ótima desenvoltura rítmica, justamente, por ser Lucélia Ribeiro – boa dicção e extensão vocal, afinação

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precisa e ótimo relacionamento com os de um conjunto de estratégias que a músicos que a acompanham nos shows desvinculam de uma imagem secula- que realiza pela cidade. rizada de mulher, despindo-a de todos Além dos aspectos musicais, diz-se, os elementos “poluidores” que ativam nos bastidores, que é uma mulher mui- o potencial erótico de seu corpo e co- to sedutora, tendo mantido relaciona- lorindo suas vestimentas com matizes mentos afetivossexuais com músicos, “neutras” que exprimam pureza, cas- regentes de orquestra, poetas e com- tidade, integridade, espiritualidade e positores. Há também um boato – que moralidade. corre no meio musical de Belém – de Ao vestir-se completamente de branco, que Lucélia Ribeiro é uma artista bas- cachear os seus cabelos de modo ange- tante competitiva, sobretudo em re- lical e cobrir todo o seu corpo com um lação à disputa de espaço com outras figurino largo, sem decotes e feito em cantoras que atuam no mercado local. tecido leve, Lucélia Ribeiro materiali- Em seus shows, Lucélia Ribeiro apre- zou, em seu corpo, elementos visuais e senta-se, constantemente, com roupas corporais desejáveis – sob o ponto de de cor preta, decotadas nos seios, ca- vista católico – para colocar-se diante belos alvoroçados, pulseiras nos braços da Virgem de Nazaré como uma “de- e unhas pintadas com esmaltes de cor vota” digna de ser reconhecida como escura. Antes de suas apresentações, porta-voz das preces daquela multidão não é raro que ingira bebidas alcoóli- de romeiros. Assim, avaliando a perfor- cas, especialmente whisky. mance de Lucélia Ribeiro durante a pro- Por um lado, no processo de constru- cissão do traslado da santa, sugiro que ção da imagem com a qual se apresenta houve um movimento de destituição para seu público habitual em Belém, de uma imagem profana e incorpora- Lucélia Ribeiro utiliza aspectos visuais ção de uma imagem sacralizada para si. que a definiriam como uma cantora Devo mencionar que essas performances “poderosa” (Noleto 2012a, 2012b), de sacralização não se limitam às roupas isto é, uma artista que mobiliza uma trajadas pelas cantoras em suas respec- corporalidade produtora de certa tivas apresentações em contextos vin- marginalidade que define seus “pode- culados à religião, pois, tratam-se de res e perigos” (Douglas 1991[1966]) a performances mais amplas, que englo- partir do uso que faz de seu próprio bam toda a produção visual do espetá- corpo como elemento constitutivo da culo performático. Neste caso, durante imagem de uma mulher sexualizada, a apresentação de Lucélia Ribeiro, uma que desequilibra um sistema desejável cascata de luz e uma chuva de papel de conjugalidade e família. Por outro metalizado caíram sobre o público que lado, para homenagear Nossa Senhora estava próximo ao palco. O som dos de Nazaré, esta mesma cantora precisa fogos de artifício, a voz da multidão a investir em um processo de sacraliza- cantar, a imagem da santa dentro da ção de sua própria imagem. Isto signi- berlinda e as luzes que se desenhavam fica que, neste processo, há a adoção no céu, resultado do estouro dos fo-

226 Amazôn., Rev. Antropol. (Online) 7 (1): 210-242, 2015 Devotas e divinas gos, constituíam-se como elementos santa. Provavelmente isso justifique a que potencializavam a performance de sa- divisão das atenções dos romeiros en- cralização da cantora que homenageava tre a berlinda e o palco, pois era visível a Virgem de Nazaré. o fato de que as câmeras fotográficas e Apesar de todo o ritual estar centra- os telefones celulares – que fotografa- lizado na figura de Nossa Senhora de vam ou gravavam cenas do ritual cató- Nazaré, em certa medida, a cantora e lico – dirigiam-se ora para a santa ora a santa dividiam as atenções do públi- para a cantora, em um claro reconhe- co naquele momento. Não afirmo que cimento de que a artista possuía um a cantora (seja ela qual for) adquire a status privilegiado naqueles instantes da mesma importância da santa durante a procissão. procissão, já que afirmar algo de tal na- Entre uma canção e outra, Lucélia Ri- tureza seria leviano; contudo, conside- beiro dizia, em voz de comando: “Viva ro que é interessante pensar, guardadas a Nossa Senhora de Nazaré!”. Os fi- as devidas proporções, em como, por éis respondiam efusivamente: “Viva!”. certos momentos, a cantora é colocada A resposta, em coro, dos devotos não em relativa equivalência à santa, na me- era apenas um ato de fé direcionado a dida em que é elevada – através de sua Nossa Senhora de Nazaré, era também subida ao palco – à altura da berlinda um ato de reconhecimento da “autori- que carrega a imagem sagrada. E, mes- dade” de quem conduzia aquele gesto: mo que o palco esteja posicionado em a cantora que estava em cima do palco altitude mais baixa ou mais alta em re- e no mesmo plano espacial da berlinda. lação à berlinda, a cantora e a santa pa- recem ocupar o mesmo plano espacial, A posição de “autoridade” ocupada pois ambas estão acima da multidão. pela figura da cantora durante o tras- lado da santa é um sinal de seu poder Em geral, a imagem da santa para em simbólico diante da massa de devotos. frente do palco onde se localiza a can- Se a música pode ser considerada como tora que a homenageia. Neste momen- um sistema simbólico e se “os sistemas to, estabelece-se uma conexão visual simbólicos, como instrumentos de entre a santa e a cantora, como se am- conhecimento e de comunicação, só bas estivessem dialogando entre si. As- podem exercer um poder estruturante sim, a cantora não se restringe em ser porque são estruturados” (Bourdieu apenas uma devota. De certa forma, 2007 [1989]:9), é possível realmente ela se constitui como uma espécie de inferir que, neste caso específico -vi “santa” de menor importância dentro venciado no Círio de Nazaré, estamos de uma hierarquia celestial, um alguém que está “abaixo” de Nossa Senhora, lidando com um grande ritual, em que mas “acima” dos devotos. A cantora um conjunto complexo de relações de permanece posicionada em patamar poder – e de poderes simbólicos – é superior em relação aos demais fiéis. É trazido à baila. ela quem detém a voz que, de fato, é Note-se que o entendimento aqui uti- amplificada para chegar aos ouvidos da lizado considera que o “poder simbó-

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lico” é, nos termos de Bourdieu (2007 “Ave Maria” (composição de Vicente [1989]), uma força capaz de construir Paiva e Jayme Redondo), notabilizada, significados pelas vias da enunciação; é nos anos 1950, pela cantora Dalva de um poder transformador da visão de Oliveira15. Sabe-se que Fafá de Belém mundo, da ação sobre o mundo e do construiu sua imagem no cenário da mundo em si; é também uma performan- Música Popular Brasileira como uma ce discursiva14. No que tange os aspec- cantora cuja principal característica de tos performativos, “a eficácia do -dis suas performances musicais (além dos curso performativo que pretende fazer próprios aspectos sonoros de sua in- sobrevir o que ele enuncia no próprio terpretação vocal) é a mobilização da acto de o enunciar é proporcional à sensualidade de seu corpo e a manipu- autoridade daquele que o enuncia” lação de atributos físicos que vinculam (Bourdieu 2007[1989]:116). Daí a in- a abundância da massa corpórea a um terpretação de que a cantora, quando suposto elevado potencial erótico. recebe a resposta em coro dos fiéis, Entretanto, cantar para o Papa João tem reconhecida a sua “autoridade”, Paulo II demandaria um desligamen- pois criou ou modificou uma realidade, to, ao menos transitório, da imagem com base em um discurso que foi re- sexualizada que Fafá de Belém alimen- produzido e vivenciado pelos devotos tou ao longo de seus anos de carrei- durante a procissão. ra. Assim, no dia da apresentação ao Nestes termos, também é possível de- líder religioso no Estádio do Maracanã preender que as canções cantadas por (), Fafá de Belém porta- Lucélia Ribeiro na procissão possui- va um terço de madeira16 nas mãos e riam uma “eficácia simbólica” (Lévi- trajava um discreto vestido, levemente -Strauss 2012[1958]:287), isto é, uma dourado, que cobria todo o corpo e propriedade essencial que mobiliza era complementado por uma grinalda uma estrutura mitológica e induz a que estava presa aos seus cabelos. A uma transformação interior – simboli- apresentação da cantora causou grande zada pela “cura” de todos os males por comoção popular, pois, ao quebrar o meio de uma catarse coletiva, mediada protocolo da cerimônia e dirigir-se ao pela música e pelas orações dos romei- Papa João Paulo II para cumprimentá- ros. -lo e receber sua bênção, Fafá de Be- lém realizou o sonho de muitos dos fiéis católicos: chegar ao líder religioso SANTA E PUTA: UMA DICOTOMIA mais carismático de toda a história da PROBLEMÁTICA, MAS AINDA ÚTIL Igreja Católica. O investimento nesse tipo de perfor- Considerando que a performance da ar- mance de sacralização foi vivenciado, anos tista provocou uma catarse em mi- atrás, em 1997, por Fafá de Belém, lhões de brasileiros que assistiram à quando foi escolhida para cantar para cerimônia pela transmissão televisiva, o Papa João Paulo II durante a sua vi- Fafá de Belém vinculou, de forma in- sita ao Brasil. A canção escolhida foi contestável, o seu nome à fé católica.

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Em entrevista concedida a Jô Soares17, “pureza” e “pecado” ou de “recato” a intérprete confessou que, antes des- e “luxúria”. Utilizo a categoria “puta” se episódio, embora fosse católica, não – em oposição à “santa” – porque foi tinha experiência de cantar em even- coletada em trabalho de campo, dita no tos de cunho religioso. Dessa forma, discurso de meu interlocutor, Atrevido. além do espaço que já conquistara no Dessa forma, o uso dos termos “santa” mercado fonográfico da MPB, Fafá de e “puta” é eficiente apenas do ponto Belém ganhou certa notoriedade no de vista da análise antropológica, não mercado fonográfico religioso. Na en- representando, em hipótese alguma, o trevista em questão, Jô Soares exibiu o que essas cantoras são em suas vidas álbum que a cantora estava divulgando pessoais ou profissionais. Vejamos a na época. Neste trabalho, havia a can- narrativa de Atrevido: ção que fora interpretada na cerimônia “Tu sabes por que ela [Fafá de Be- em que Fafá de Belém cantou para o lém] cantou pro Papa [João Pau- Papa João Paulo II. lo II]? Tem uma história que me Há uma versão – obviamente não ofi- contaram, não sei se é verdade... A primeira cantora que se pensou cial – do processo de escolha da artista para cantar pra ele [Papa João Paulo que cantaria para o Papa João Paulo II] foi a Gal Costa18. Só que a Gal II, em 1997. Em conversa com outro Costa queria só cantar e não queria interlocutor desta pesquisa (que não participar do evento. E também ela esteve comigo na romaria da traslada- [Gal Costa] era ligada à umbanda19. ção descrita nestas páginas), Atrevido, Era não, é! Como eu estou te falan- tive oportunidade de ouvir o relato de do, [isso] são fofocas. Não estou uma fofoca que, no mínimo, deve con- afirmando nada! E [pela ligação tribuir para adensar esta discussão. A com a umbanda] ela [Gal Costa] fofoca contada por Atrevido – que fez foi vetada. A segunda cantora a ser questão de ressaltar a impossibilidade pensada foi a Joanna, que, inclusive, hoje canta músicas católicas. Só que da constatação da verossimilhança dos aí questionaram o seguinte: se você fatos narrados – insere neste debate, está fazendo um evento que fala de apenas como categorias analíticas, a di- família, por que é que vão colocar cotomia (e os significados a ela atribu- uma lésbica20 para cantar? A outra íveis) da “santa” e da “puta”. Ressalto [Gal Costa] também era lésbica21 que a mobilização das categorias “san- e da umbanda, né? Aí, a terceira ta” e “puta” não diz respeito a nenhum pessoa [escolhida para cantar para juízo de valor direcionado às cantoras o Papa] foi a Fafá [de Belém]. Aí, presentes neste trabalho. ela [Fafá de Belém] foi questionada [sobre esse assunto] uma vez e dis- Dito de outro modo, não pretendo se, em off22, pra uma pessoa que me afirmar que essas artistas possam ser contou essa fofoca aqui em Belém: classificadas como “santas” ou como ‘Pois é, não escolheram a macum- “putas”, no entanto, essas categorias beira da Bahia nem a outra que é são usadas, porque exprimem, resu- morta de sapatão e escolheram a midamente, as noções dicotômicas de puta do Pará!’ E [Fafá de Belém]

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deu uma gargalhada! (risos)” (Atre- comparação nem de medida, seu vido). poder provindo da virtude. Como Embora seja apenas uma fofoca, é sig- puta, ela reprime e susta seu poder reprodutivo (pois a mãe-puta é uma nificativo o fato de que a imagem pú- ofensa e uma contradição), tornan- blica de Fafá de Belém esteja associada do-se, por outro lado, um centro de – no imaginário popular – ao erotismo, poder comparativo e controlador à luxúria, ao pecado ou à “contamina- da sexualidade masculina. Assim, ção” (Douglas 1991[1966]), nesta nar- como virgem-Mãe a mulher aben- rativa concedida por Atrevido. Sendo çoa e honra o seu lar. E como puta ou não verdadeira, esta revelação rati- ela confere masculinidade aos ho- fica a necessidade de uma performance mens. Num caso, a mulher coloca de sacralização que alteraria, ao menos os poderes reprodutivos acima dos temporariamente, a imagem da artista favores (e prazeres) sexuais (é a Vir- em questão, a fim de que ela estivesse gem-Mãe); noutro coloca sua sexu- alidade acima da reprodução (é a desprovida de todos os elementos que prostituta). (...) A Virgem- Mãe fica erotizassem a sua figura pública. Dessa em casa, no local sagrado e seguro forma, para estar diante do Papa João onde os homens têm o controle das Paulo II, Fafá de Belém deveria reves- entradas e saídas. Mas a puta fica na tir-se de uma aura virginal e purificada, ‘rua’, nas ‘casas de tolerância’, em aproximando-se da imagem de “santa” locais onde o código da rua invade e eliminando quaisquer aspectos que, e penetra o local de moradia” (Da- possivelmente, associassem-na à ima- Matta 1997a: 146). gem de “puta”. A análise estrutural de DaMatta No que tange a essas categorias de (1997a) não corresponde às múltiplas análise presentes nas representações possibilidades de exercício de identi- sociais, a “santa” e a “puta”, DaMatta dades femininas propriamente ditas (1997a) considera que: no contexto brasileiro. Essa análise diz “a mulher tem – no Brasil e no mais sobre um imaginário historica- mundo mediterrâneo – uma posi- mente construído (e estruturalmente ção ambígua, com duas figuras pa- analisado) em relação à figura da mu- radigmáticas lhe servindo de guia. lher no Brasil. Entretanto, sabe-se que A da Virgem-Mãe, isto é, da mulher há mulheres que exercem livremente a que tem a sexualidade controlada sua sexualidade, sem vinculá-la a obje- pelo homem à serviço da sociedade tivos reprodutivos, mas que, nem por e é mãe permanecendo virgem. E isso, são prostitutas. Do mesmo modo, a da mulher como puta. A mulher há mulheres que mantêm uma vida se- que não é controlada pelos ho- xual não pautada em relacionamentos mens. Ao contrário, é controladora heterossexuais e que, por isso, não se e centro de uma rede de homens de encaixariam na estrutura proposta por todos os tipos, pois quem é a puta DaMatta (1997a). senão aquela que põe todos os ho- mens em relação? Como Virgem- Porém, se a dicotomia entre a “santa” -Maria, a mulher não tem senso de e a “puta” engessa as múltiplas possi-

230 Amazôn., Rev. Antropol. (Online) 7 (1): 210-242, 2015 Devotas e divinas bilidades vislumbradas para o exercício foco de todas as práticas de tabu e de identidades sexuais femininas, ela é de ritual” (Leach 1983a: 62). relevante quando se pretende avaliar o Para o autor, os seres mediadores en- lugar de controle da sexualidade femi- tre dois universos binariamente opos- nina por parte dos homens. Àquelas tos que, geralmente, são criados pelos mulheres que não se adaptam a este mitos devem, necessariamente, estar lugar controlável – representado pelo ligados à condição de ambiguidade ambiente da “casa” – é dada a punição (pertencem a dois mundos simulta- de serem consideradas como “putas”, neamente), ao sacrifício (purificam-se relegando-as ao espaço da desordem, a partir da morte de algo) ou ainda simbolizado pelo ambiente da “rua” a qualquer característica que denote (DaMatta, 1997b). anomalia sob qualquer aspecto (Lea- As contribuições de DaMatta (1997a, ch 1983a:62). Ao interpretar os textos 1997b) ecoam muito das problemati- bíblicos como uma narrativa mítica e, zações propostas por Leach (1983a, em consequência disso, desenvolver 1983b)23 e são úteis para dar prosse- um raciocínio relativo às personagens guimento às reflexões que faço acerca mediadoras nos discursos mitológicos, Leach (1983b) afirma que: deste processo de sacralização das can- toras, interpretado a partir do trabalho “na teologia do Cristianismo, não é de campo que fiz durante as celebra- suficiente que Jesus enquanto me- diador seja ambiguamente humano ções do Círio de Nazaré e da análise da e divino ao mesmo tempo, Maria escolha da cantora Fafá de Belém para tem também de funcionar como cantar para o Papa João Paulo II, em mediadora e precisa, portanto, ter 1997. Leach (1983a) considera que características anômalas quando “em qualquer sistema mítico, considerada como ser humano. E o encontraremos uma sequên- que poderia haver de mais anômalo cia persistente de discrimina- do que um ser humano sem pecado ções binárias do tipo humano/ e uma mãe que é virgem?” (Leach sobre-humano, mortal/imortal, 1983b:128 - grifo do autor) masculino/feminino, legítimo/ Diante disso, encontro possibilidades ilegítimo, bom/mau... seguidas analíticas de interpretação do campo de uma mediação para cada par que se abriu a minha volta. Conside- de categorias assim distinguidas. rando que a procissão do Círio de A ‘mediação’ (nesse sentido) é Nazaré pode ser identificada como sempre alcançada com a intro- uma saudação a um ser espiritual, tido dução de uma terceira categoria, que é ‘anormal’ ou ‘anômala’ em pelos católicos como uma espécie de termos de categorias ‘racionais’ “Grande-Mãe”, cuja característica que comuns. Por isso os mitos estão a diviniza é a possibilidade de ser, ao cheios de monstros fabulosos, mesmo tempo, mãe e virgem, este ri- deuses encarnados, mães virgens. tual católico exprime a relevância da Esse meio-termo anormal, não devoção pela grande mediadora entre natural, sagrado, é tipicamente o os homens e Deus.

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A própria literatura produzida sobre o do em Leach (1983a, 1983b), creio que Círio de Nazaré tem problematizado a ambiguidade sustentada pela cantora que essa prática devocional está sendo reside no fato de ser uma pecadora que cada vez mais pulverizada em fluxos é legitimada, publicamente, para elevar de rituais difusos, que se constituem à santa, em forma de música, as preces como “uma constelação de Círios co- daqueles devotos. Porém, a legitimação memorados pela Amazônia brasilei- da cantora não se dá sem que antes ra, e fora dela” (Lopes 2011:171). De ocorra uma performance de sacralização de acordo com este argumento, Lopes sua própria imagem pública, através da (2011) visa destacar uma profusão de qual ela se submeta a uma “purifica- romarias e outras práticas religiosas ção” redentora, que a dispa de todos que marcam o período pré e pós-Círio, os aspectos visuais que materializam o dentro ou fora de Belém, expandindo- desejo carnal, a ambição, a competitivi- -se para outras regiões que ultrapassam dade, a vaidade ou qualquer outro sen- os limites da Amazônia. Sendo assim, timento “terreno”. A mesma lógica é esses “rituais difusos” mencionados necessária para que uma cantora possa pelo autor teriam um caráter de “for- intervir – e provocar uma catarse cole- mação inclusiva”. tiva – como mediadora entre um pú- Dessa maneira, “o Círio, como co- blico católico e um dos grandes líderes munhão de atores e na diversidade religiosos da Igreja (Papa João Paulo das identidades amazônicas, atualiza- II). Isto é, a performance de sacralização da ria o mito da ‘grande-mãe’” (Lopes artista é igualmente requerida. 2011:172). De acordo com o autor, Voltando ao diálogo entre meu traba- “se essa grande comunidade é for- lho de campo e os postulados de Le- mada no contexto do ritual – o ach (1983a, 1983b), DaMatta (1997a, Círio de Nazaré, em Belém – (...) 1997b) e Lopes (2011), pode-se inferir os agenciamentos estratégicos de que, no Círio de Nazaré, o encontro tornar difuso esse ritual complexo configuram uma formação inclusi- entre a imagem de uma santa e uma va (...) que aglutina a diversidade de cantora que a homenageia seria, na identidades amazônicas sob o man- verdade, um encontro simbólico en- to da identidade católica que reves- tre a “Grande-Virgem” e a “Grande- te os ciclos devocionais da Virgem -Puta”: duas importantes mediadoras de Nazaré, na figura de uma ‘Mãe entre Deus e os homens e, consequen- Amazônica’” (Lopes 2011:172). temente (no caso da cantora), entre os Todavia, se Nossa Senhora de Nazaré homens e a “esposa” de Deus, mãe de pode ser considerada como uma figura seu filho Jesus. Se a “santa” (tradicio- mediadora – e, por isso, na perspectiva nalmente relacionada ao ambiente da de Leach (1983a, 1983b), “anômala” “casa”, simbolizado pelo espaço da – entre os homens e Deus, o ritual do Igreja) sai às “ruas” (espaço da desor- Círio de Nazaré acaba por criar outra dem e do pecado), inversamente, cria- personagem que faz a mediação entre -se um espaço sacralizado (uma espé- os devotos e a santa: a cantora. Basea- cie de “casa”) e elevado – a sacada das

232 Amazôn., Rev. Antropol. (Online) 7 (1): 210-242, 2015 Devotas e divinas instituições financeiras patrocinadoras Outro exemplo de como as categorias do Círio de Nazaré onde as cantoras “santa” e “puta” são mobilizadas, diz fazem suas apresentações durante as respeito a uma polêmica envolvendo a procissões – para que a “puta” tenha o cantora brasileira Sandy (que se notabi- encontro com a “santa” 24. lizou por ter começado a cantar ainda Vê-se que aquilo que denomino como na infância e por declarar, publicamen- te, que era virgem, mesmo estando na performances de sacralização das cantoras faixa etária de transição da adolescên- seria, de acordo com Victor Turner cia para a maioridade legal no Brasil). (2013 [1969]), o momento de destrui- Sandy, uma cantora associada ao seu ção da liminaridade25 do artista devido aspecto virginal, teria dado uma entre- a um rito de passagem (Van Gennep vista em que disse ser “possível sentir 1978 [1909]) no qual a personagem prazer anal”. A cantora afirmou que pecadora (a cantora) abandona antigos sua resposta foi descontextualizada usos e insere-se em um ritual coletivo, pelo jornalista que a entrevistou. Ver- elevando-se simbolicamente ao pata- dade ou não, o que interessa é a reper- mar das divindades, buscando e adqui- cussão que esta entrevista da cantora rindo determinada legitimidade para causou no imaginário popular. Avalio representar uma população que clama que a entrevista de Sandy (publicada pelo poder divino. em agosto de 2011 na revista Playboy) Investindo na exploração dessa dico- fazia parte da estratégia de marketing tomia analítica (“santa” e “puta”), é que visava uma mudança de imagem da interessante notar como, no campo da cantora para que a artista se adequasse, música, há diversas aproximações que de maneira mais eficiente, à campanha certas cantoras fazem com relação a publicitária que estrelava em nome da essas duas figuras morais paradigmáti- cerveja “Devassa”. cas. Citando um exemplo, a composi- Internacionalmente, é importante des- ção “Vaca Profana” (Caetano Veloso) tacar como a cantora e compositora possui versos que dizem: “escrevo, mobilizou essas categorias assim, minhas palavras na voz de uma simbólicas da “santa” e da “puta”, mulher sagrada. Vaca profana, põe teus interpretando a composição “Like a cornos pra fora e acima da manada...”. Virgin” (Billy Steinberg/ Tom Kelly), De acordo com o compositor (Veloso na qual afirma ser “como uma virgem 2003), a obra foi feita, em mensagens tocada pela primeira vez” após ter en- enigmáticas, para falar da persona públi- contrado um grande amor. Madonna ca de Gal Costa, cantora fortemente ainda protagonizou um videoclip para associada ao erotismo (Noleto 2014). a canção “Like a Prayer” (Madonna/ É significativo o fato de que, em 1985, Patrick Leonard), em que aparece den- quando já havia lançado o álbum “Pro- tro de uma igreja católica e sugere ter fana” (que traz a música em questão), relacionamento afetivossexual com um Gal Costa posou nua para uma revista santo (“negro”) católico. Há muitas masculina. outras menções à castidade e ao peca-

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do na obra de Madonna, no entanto, poderes da sexualidade e com a pos- satisfaço-me com esses dois exemplos. sibilidade de interferência na realidade É válido ressaltar ainda a ambiguidade através dos encantamentos. De todo contida entre o nome da cantora (“Ma- modo, exceto pela diferença entre as donna”), ligado à virgem Maria, e suas religiões católica/cristãs e afro-brasi- performances altamente erotizadas ao leiras, este não deixa de ser um inves- longo da carreira como artista. timento em performances de sacralização da imagem pública dessas cantoras, tornando-as porta-vozes (mediadoras) CONSIDERAÇÕES FINAIS de uma dada religiosidade, revestindo- -as dos aspectos necessários para que Ainda que a religiosidade católica e elas sejam reconhecidas como repre- apareça como cenário das performan- sentantes legítimas de uma forma de ces descritas nesta análise, considero manifestação religiosa. que as performances de sacralização das cantoras atingem outros cenários reli- A performance de sacralização permite que giosos. Tal constatação está pautada no a cantora – que não é uma sacerdotisa fato de que cantoras como Gal Cos- – se constitua como “devota” e como ta, Maria Bethânia, Daniela Mercury “deusa” simultaneamente, possibilitan- e Clara Nunes (fortemente ligadas ao do, implícita e simbolicamente, uma universo afro-religioso) também inves- mediação entre o natural e o sobrena- tiram em performances de sacralização de tural, entre as limitações da condição suas imagens, usando de elementos humana e os poderes espirituais mobi- visuais do candomblé e da umbanda. lizados para a resolução de problemas. Nestas performances de sacralização, as Pretendo ressaltar ainda que esta pro- cantoras apropriam-se de vestimentas blematização, a qual me propus (a de e adereços relativos aos cultos afro- encontrar aproximações entre os uni- -brasileiros, aliando-os a um repertório versos musicais e religiosos a partir da que evoca aspectos da mitologia dessas relação de fãs com suas cantoras predi- 26 religiões . letas), já foi abordada, de maneira com- Além de contribuir para a quebra de pletamente distinta, por Eloísa Martín alguns dos estigmas que sempre esti- (2007). Esta autora analisou a relação veram atrelados a essas religiões (Fry muito próxima de um caráter devocio- 1982), tais cantoras forjam uma iden- nal entre fãs argentinos e a cantora Gil- tidade musical para si, vinculando-se a da (falecida em um acidente de carro elementos que objetivam a produção e “cultuada” tanto no cemitério onde de um pertencimento a uma cultura está enterrada quanto no local exato nacional “negra”, historicamente mar- de sua morte). Martín (2007: 48) consi- ginalizada. Ao contrário de um ideal de dera que este caso é muito peculiar do pureza e virtude cristã, essas cantoras ponto de vista analítico, pois permite revestem-se de uma suposta capaci- ir além da simples metáfora religiosa dade de lidar com elementos mágicos, utilizada, na maior parte da bibliografia com as forças da natureza, com os socioantropológica, para descrever as

234 Amazôn., Rev. Antropol. (Online) 7 (1): 210-242, 2015 Devotas e divinas relações estabelecidas entre fãs e ído- sobre como determinadas cantoras los. brasileiras dialogam com suas religio- Sendo assim, assinalo que há uma im- sidades na produção de elementos que portante diferença entre o que a au- contribuem para a construção de suas tora analisou e esta minha proposta. imagens públicas, reforçando, por con- Em sua pesquisa, Martín (2007) estava sequência, uma imagem sacralizada de si e ratificando seus de “deusas” diante de um caso em que a cantora ha- status no imaginário de seus fãs. Tais perfor- via falecido e seus fãs a tinham como mances de sacralização acabam por elevar um ser desencarnado e capaz de operar essas artistas à condição de mediadoras certos milagres, rejeitando classificá-la entre seus fãs – que, em certa medida, como santa e preferindo crer que, as- se confundem com “devotos” – e uma sim como outros mortos, Gilda pode- dada religiosidade, seja ela católica ou ria prestar auxílio aos vivos. No caso não. Assim, a performance musical se de minha pesquisa, o status de divin- constitui como o meio pelo qual há o dade é performaticamente construído, intercâmbio de informações e a troca forjado pública e midiaticamente pelas de afeto responsáveis pela imbricação próprias artistas, bem como reforçado entre os universos sonoros e religiosos por seus fãs, a partir da aproximação das cantoras e seus fãs. que certas cantoras brasileiras possuem com universos religiosos muito especí- Se estas artistas são representadas por ficos. seus fãs como figuras de poder (ou “poderosas”), creio que a experiência A diferença primordial consiste em etnográfica no Círio de Nazaré contri- que Martín (2007) fala em práticas de buiu para que eu percebesse mais pro- sacralização, referindo-se a práticas reais fundamente, e dentro de um contexto de fãs que se relacionam de forma de- ritual, o papel de mediação que estas vocional com sua cantora favorita. No artistas desempenham na vida de seus meu caso, falo em performances de sacrali- fãs. No caso do ritual religioso do Círio zação, porque estou referindo-me a re- de Nazaré aqui analisado, vê-se que as cursos imagéticos e performáticos uti- cantoras tornam-se mediadoras entre lizados para sacralizar, simbolicamente, um conjunto de devotos e uma divin- a imagem de alguma artista, sem neces- dade, constituindo-se também como sariamente implicar em práticas devo- seres imbuídos de certo caráter “divi- cionais tidas como “reais” por parte de no”, portanto, seres ambíguos. seus fãs. Embora próximas, estas duas Diante disso, devo concordar que os perspectivas diferem entre si, sem obri- atributos de “poder” e “divindade” rei- gatoriamente serem divergentes. vindicados para estas artistas por seus No que diz respeito à experiência etno- fãs se devem ao fato de os rituais nos gráfica durante a procissão do traslado mostrarem que “o poder manifesta-se de Nossa Senhora de Nazaré, con- na interface de categorias separáveis” sidero que foi relevante para que eu (Leach 2000 [1981]:36), ou seja, o po- pudesse esboçar algumas conclusões der ou a posição de autoridade é, em

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geral, ostentado pelos seres que estão legiado de análise. Ritual passa a ser abor- identificados com as zonas interme- dagem, ferramenta, e não tema ou objeto diárias contidas entre duas categorias de estudo” (Peirano 2006: 04). classificatórias distintas. Assim, as 2 Sobre esses aspectos raciais embutidos cantoras, investindo em performances de na obra e performance de Daniela Mercury, sacralização de suas imagens públicas, si- ver Sovik (2009). É necessário também tuam-se na condição liminar de serem destacar que Marilda Santanna (2009) de- percebidas por seus fãs como, simulta- senvolveu pesquisa sobre a construção de neamente, devotas e divinas. trajetórias bem sucedidas na indústria do axé music, especialmente no que diz respei- to às cantoras de “axé” tais como Daniela AGRADECIMENTOS Mercury, e Ivete San- galo. Apesar de não aprofundar a discussão Esse artigo é resultado de pesquisa sobre questões raciais, a autora analisa os desenvolvida sob orientação da Prof.ª discursos de Daniela Mercury em relação Dr.ª Cristina Donza Cancela, no Pro- ao diálogo que estabeleceu com musicali- grama de Pós-Graduação em Antro- dades “negras”. Ao analisar um discurso pologia da Universidade Federal do em que Daniela Mercury, por ser baiana Pará (PPGA/UFPA) durante os anos e se identificar com as musicalidades “ne- gras” de Salvador, afirma ser tão “negra” de 2011 e 2012. Agradeço a Jacqueli- quanto os próprios “negros”, Santanna ne Moraes Teixeira pela leitura atenta (2009) avalia que “a legitimidade do dis- da versão final deste texto antes de sua curso étnico em Daniela [Mercury] passa publicação definitiva e pelas sugestões pelo vetor da localidade – o lugar de onde generosas para com este trabalho. se é. Por outro lado, sabemos que a traje- tória da música afro brasileira/baiana, não só de cunho carnavalesco, como também NOTAS as perseguições sofridas pelos batuques, pode representar uma trajetória histórico/ 1 Busco inspiração nas reflexões de Ma- social/cultural da presença das tradições riza Peirano (2006). Dedicada ao estudo africanas percebidas nos blocos afros con- dos rituais como ferramentas teóricas de temporâneos, bem como na axé music e compreensão de diversos contextos empí- suas derivações. Este conflito, no entanto, ricos, a autora vem construindo um campo além de étnico e social, se configura antes de reflexão, muito inspirado em Tambiah de tudo como estético, cultural” (Santanna (1985), cujo “propósito de longo alcance 2009:272). Note-se que Santanna (2009) tem sido o de transformar o ritual – esse fala em termos “étnicos” e não propria- assunto tradicional, clássico, conhecido mente “raciais”, ligados à “cor” da pele. – de tema empírico em teoria analítica. Ritual deixa de ser um objeto, um tópico de estu- 3 Neste texto, pretendo concentrar-me em do, um tipo de comportamento, para trans- um aspecto muito específico e pouco pro- formar-se em abordagem teórica” (Peira- blematizado na literatura sobre o Círio de no 2006:02). Nesta perspectiva, “afastada Nazaré: a participação de cantoras e can- a idéia de ritual como ‘objeto’ empírico, tores da MPB nas homenagens rendidas a teoria antropológica desenvolvida para o a Nossa Senhora de Nazaré. Sendo assim, ritual adquire o papel de instrumento privi- não pretendo deter-me em outros aspectos

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que já foram tão bem discutidos e coloca- autor considera que tais personalidades dos em pauta por etnografias anteriores. públicas – os artistas – são pessoas que Indico, portanto, para uma maior compre- desenvolvem em torno de si a possibilida- ensão do Círio de Nazaré em seus aspectos de de culto por parte de outrem (os fãs), mais gerais, a leitura do trabalho de Isido- como se, em torno delas, fosse desenvol- ro Alves (1980), obra fundamental para o vido uma espécie de “embrião” que daria entendimento deste ritual católico. Anos origem a uma “religiosidade”. Assim, es- mais tarde, este autor publicaria artigo no trelas de cinema poderiam ser comparadas qual sistematiza de forma mais concisa a “deuses”, contudo, “a estrela responde a alguns argumentos já apontados em seu uma necessidade afetiva ou mítica que não livro (Alves 2005). Dessa forma, entendo é criada pelo star system” (Morin 1989:74). que devo oferecer ao leitor um texto que Porém, ao mesmo tempo em que defende tematize um aspecto ainda não abordado a ideia de que a necessidade afetiva ou mí- plenamente pelos estudos até aqui produ- tica do fã não é criada pelo star system, Mo- zidos, indicando, quando necessário, a lei- rin (1989) acredita em que é o próprio star tura de trabalhos anteriores que o ajudem a system quem fornece “as formas, o suporte compreender outros aspectos já discutidos e o afrodisíaco” necessários para materiali- nestas etnografias. Outras análises mais zar essa necessidade na vida dos fãs (Morin específicas acerca do Círio de Nazaré po- 1989: 74). dem ser conferidas nos trabalhos de Rita 6 Os nomes que usarei para fazer referência Amaral (1998), Regina Alves (2002), Vanda aos meus interlocutores são fictícios e dire- Pantoja (2006), Antônio Maurício Costa tamente relacionados às carreiras e reper- (2006) e Vanda Pantoja e Heraldo Maués tórios de suas artistas favoritas. A maioria (2008). Há também o website oficial do Cí- dos nomes fictícios presentes na pesquisa rio de Nazaré: terlocutores. Aqui, aparecem os interlocu- 4 Segundo dicionários, há duas grafias tores Tamba-tajá e Atrevido (32 e 35 anos corretas: “trasladação” ou “transladação”. respectivamente, fãs de Fafá de Belém) e A diretoria do Círio de Nazaré, a mídia Pirata (35 anos, fã de Maria Bethânia). paraense e os próprios devotos preferem 7 Sabe-se que os trabalhos mais contempo- a grafia “trasladação”. Utilizo esta grafia râneos do campo da religião já superaram porque representa o uso corrente da pala- a necessidade teórica de definição daquilo vra no contexto empírico observado. Con- que é “sagrado”, pois consideram que a tudo, creio que o termo “translado” (tam- atribuição de sacralidade não deve ser uma bém correto), por trazer o prefixo “trans”, definição a priori, mas deve advir sempre exprime com mais exatidão o caráter de da experiência dos sujeitos com aquilo que transporte, transferência e transposição da reconhecem como religião. Entretanto, imagem de Nossa Senhora de Nazaré. considero que para este meu propósito, 5 Morin (1989) reflete sobre como o star entender a construção da cantora como system – sistema industrial de produção cul- “deusa” (que não tem a pretensão de ser tural – produz estrelas de cinema que, ten- um debate situado no campo teórico da re- do um aparato midiático, tornam-se “mi- ligião), talvez seja necessário uma definição tos” contemporâneos (pessoas, de certa mínima, quase enciclopédica, sobre aquilo maneira, sacralizadas por um investimento que poderia ser, em um determinado senso na fabricação de sua imagem pública). O comum, reconhecido como “sagrado”.

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8 A berlinda é uma redoma de vidro, den- Foucault (1988 [1976]), que fala de um po- tro da qual a imagem peregrina de Nossa der que é pulverizado em diversas fontes Senhora de Nazaré é transportada durante de agência; Bourdieu, que concebe o poder as procissões que ocorrem no período do de forma um pouco mais polarizada (en- Círio de Nazaré. Para saber mais sobre a tre dominantes e dominados), visto que berlinda (Alves 1980, 2005). seria monopolizado por uma classe do- 9 O trajeto percorrido pela imagem da minante que subjuga uma classe suposta- santa no centro comercial de Belém, as mente dominada. Esta não é a concepção paradas estratégicas em frente à sede das de poder com a qual trabalho. Contudo, empresas patrocinadoras e o financiamen- neste momento, faço uso apenas da con- to da apresentação de artistas de grande cepção de “poder simbólico”, elaborada renome nacional para homenagear a Nos- por Bourdieu (2007 [1989]), pelo fato de estar lidando com a performática matéria sa Senhora de Nazaré conferem ao Círio simbólica da música e não com a matéria de Nazaré um caráter comercial, além do concreta das relações sociais historicamen- incontestável propósito religioso do ritual te construídas. Portanto, utilizo o conceito católico. Sobre este aspecto, indico a leitura de “poder simbólico” apenas para avaliar, do trabalho de Pantoja (2006), que avalia simbolicamente, uma performance e não esta relação entre a fé e os interesses co- o peso social, político e econômico das merciais no contexto do Círio de Nazaré. ações. É importante notar que o conceito 10 Nome fictício. de “poder simbólico” de Bourdieu (2007 11 Brinquedos feitos com talos de uma pal- [1989]) encontra, de certa maneira, refle- meira popularmente conhecida como mi- xos no conceito de “eficácia simbólica” de ritizeiro ou, em outras regiões, buritizeiro. Lévi-Strauss (2012 [1958]). Esses brinquedos são vendidos durante o 15 É interessante notar como, apesar dos mês de outubro, quando ocorrem as ce- escândalos amorosos e conflitos conjugais lebrações do Círio de Nazaré, e possuem que viveu ao lado do compositor Herivelto formatos diversos: cobras, barcos, pássa- Martins, Dalva de Oliveira reunia em sua ros, peixes, casais apaixonados. voz a leveza interpretativa e a extensão vo- 12 Nome fictício dado a uma das -impor cal necessária (por conseguir alcançar notas tantes instituições financeiras que contrata muito agudas) para representar um ideal de cantores de projeção local e nacional para “feminilidade” e “pureza” desejáveis para render homenagens à santa. a voz de uma mulher que canta uma com-

13 posição dedicada à mãe de Jesus. Assim, se Nome fictício. A escolha do nome fictí- a leveza da voz de Dalva de Oliveira era cio se deve ao fato de que, por ter desen- frequentemente utilizada para representar volvido trabalhos como cantor em Belém, as desilusões amorosas de uma mulher en- possuo relativa proximidade com esta can- ganada pelos homens, essa voz leve e agu- tora. Assim, minha intenção é preservar da também servia para representar a pure- sua identidade para melhor problematizar za de uma mulher casta, com voz sublime alguns aspectos relativos a sua vida pessoal e angelical, capaz de alcançar notas altas, e profissional que serão úteis nesta análise que funcionavam como uma metáfora de de cunho antropológico. que essa voz poderia alcançar o mundo ce- 14 Vale ressaltar que, como pesquisador, lestial. Também é famosa a gravação que mantenho-me afinado às concepções de Dalva de Oliveira fez para “Ave Maria no “poder” postuladas por autores como Morro” (). A letra desta

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obra utiliza a metáfora do sacrifício para 23 Leach (1983a, 1983b) reflete sobre mitos obtenção da elevação espiritual, pois, ao a partir da análise do texto bíblico contido afirmar que “quem mora lá no morro já em Gênesis – abordado sob uma compre- vive pertinho do céu”, a música exalta a re- ensão mitológica – e da inusitada conexão compensa espiritual a ser desfrutada após estrutural existente entre as mitologias re- uma vida social marginalizada, vivida num ligiosas pautadas na ideia do “nascimento morro de alguma favela do Rio de Janeiro virgem” e a suposta ignorância da pater- sob condições precárias, em um “barracão nidade fisiológica nas ilhas Trobriand. Não de zinco, sem telhado, sem pintura”. adentrarei na discussão da importância dos argumentos de Leach para a construção 16 Objeto religioso católico, utilizado para da teoria antropológica. Ao invés disso, marcar a quantidade de ave-marias e pais- reterei apenas os conceitos que o autor de- -nossos rezados durante um ciclo de ora- senvolve acerca do que é mito e de como ções correspondente a um terço (1/3) das os mitos geram oposições binárias (vida/ 150 ave-marias rezadas no Rosário. morte; céu/terra; masculino/feminino 17 Assistir ao vídeo: . Acesso para servirem como “pontes” entre dois em 17 de julho de 2014. universos aparentemente desconectados. 18 Não foram encontradas informações ofi- Em outro trabalho (Noleto 2012c), pro- ciais sobre o processo de escolha de uma blematizei algumas correspondências teó- artista para cantar para o Papa João Paulo ricas entre Leach e DaMatta, baseando-me, II. principalmente, na leitura de “Sistemas políticos da Alta Birmânia” (Leach 1996 19 A religião professada, publicamente, por [1954]), “Repensando a antropologia” (Le- Gal Costa é o candomblé. Percebe-se que ach 2001 [1961]), “Carnavais, malandros as informações dadas por Atrevido não são e heróis” (DaMatta 1997a) e “A casa & a precisas. rua” (DaMatta 1997b). 20 Não foram encontrados registros de 24 “Puta” e “Santa” são terminologias uti- que a cantora Joanna tenha assumido uma lizadas aqui, simbolicamente, apenas como identidade lésbica em algum momento de categoria analítica, note-se bem. sua carreira. 25 Turner (2013 [1969]:123) considera que 21 Não há registros de que Gal Costa tenha “os profetas e os artistas tendem a ser pes- assumido, publicamente, uma identidade soas liminares ou marginais, ‘fronteiriços’ lésbica. Contudo, há especulações quanto que se esforçam com veemente sinceri- sua orientação sexual. Em 2008, a canto- dade por libertar-se dos clichês ligados às ra e compositora Marina Lima afirmou ter incumbências da posição social e à repre- mantido relações sexuais com Gal Costa. sentação de papéis, e entrar em relações Ler notícia em: . Acesso músicas que evocam a mitologia do can- em 17 de julho de 2014. domblé. Com relação à Maria Bethânia, 22 Significa dizer em segredo, de forma não Passos (2008) desenvolveu pesquisa na oficial, como em uma confissão. qual se ocupou da investigação de como a

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imagem pública de Maria Bethânia foi sen- Religião e sociedade 27(2): 85-113. Disponível do construída na mídia a partir da mitolo- em http://www.scielo.br/pdf/rs/v27n2/ gia de Iansã. No caso de Daniela Mercury, v27n2a05.pdf é importante ressaltar que, embora possua Bourdieu, P. 2007[1989]. O poder simbólico. inúmeras interpretações e composições Rio de Janeiro: Bertrand Brasil. relacionadas à mitologia dos orixás, vale destacar sua interpretação para a canção Butler, J. 2010[1990]. Problemas de gênero: fe- “Doce Esperança” (Roberto Mendes/ J. minismo e subversão da identidade. Rio de Janei- Velloso) em que há uma clara evocação da ro: Civilização Brasileira. mitologia de Oxum. Sobre Clara Nunes, Coelho, M. C. 1999. A experiência da fama. ver artigo de Bakke (2007) em que abor- Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas. da como os valores de uma determinada religião podem ser vivenciados fora dos ______. 2011. O dilema do fã: a experiên- locais de culto a partir de sua incorporação cia emocional da idolatria, in A vida como na produção de um determinado artista. um filme: fama e celebridade no século XXI. Or- Para isso, a autora parte do pressuposto ganizado por E. C. Torres, & J. P. Zúquete, de que a MPB foi um campo privilegiado pp. 199-216. Lisboa: Texto. de disseminação de preceitos religiosos do Costa, A. M. 2006. A festa dentro da festa: candomblé e da umbanda, dando destaque recorrências do modelo festivo do circuito à atuação de Clara Nunes como uma das bregueiro no Círio de Nazaré em Belém do principais divulgadoras das afrorreligiões, Pará. Campos 7(2): 83-100. Disponível em fora dos locais de culto, a partir da análise http://ojs.c3sl.ufpr.br/ojs2/index.php/ de seus materiais fonográficos e iconográ- campos/article/view/7441/5338 DaMat- ficos. ta, R. 1997a. Carnavais, malandros e heróis: para uma sociologia do dilema brasileiro. Rio de Janeiro: Rocco. REFERÊNCIAS ______. 1997b. A casa & a rua: espaço, cida- Alves, I. 1980. O carnaval devoto: um estudo dania, mulher e morte no Brasil. Rio de Janeiro: sobre a festa de Nazaré, em Belém. Petrópolis: Rocco. Vozes. Douglas, M. 1991 [1966]. Pureza e Perigo. _____. 2005. A festiva devoção do Círio de Lisboa: Edições 70. Nazaré. Estudos Avançados 54(19): 315-332. Disponível em http://www.scielo.br/pdf/ Durkheim, E. 1983 [1912]. As formas ea/v19n54/16.pdf elementares da vida religiosa, in Émile Durkheim. Organizado por J. A. Gianotti, Alves, R. 2002. Círio de Nazaré: da taba mara- pp. 203-245. São Paulo: Abril Cultural. joara à aldeia global. Dissertação de Mestra- do, Universidade Federal da Bahia, Univer- Foucault, M. 1988[1976]. História da sexu- sidade Federal do Pará, Brasil. alidade I: a vontade de saber. Rio de Janeiro: Edições Graal. Amaral, R. 1998. Festa à brasileira: significados do festejar no país que não é sério. Tese de Dou- Fry, Peter. 1982. Pra inglês ver. Rio de Janei- torado, Universidade de São Paulo, Brasil. ro: Zahar Editores. Bakke, R. 2007. Tem orixá no samba: Cla- Homobono, E. 2012. Varanda de Nazaré: ra Nunes e a presença do candomblé e da espaço para celebrar a fé e a amizade. Diá- umbanda na Música Popular Brasileira. rio do Pará 14 de outubro: 44-45.

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Recebido em 19/07/2014. Aprovado em 21/10/2014.

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