Vinil Virtual – Uma Análise Da Mistura Entre Raízes E Antenas No Trabalho De Daniela Mercury

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Vinil Virtual – Uma Análise Da Mistura Entre Raízes E Antenas No Trabalho De Daniela Mercury VINIL VIRTUAL – UMA ANÁLISE DA MISTURA ENTRE RAÍZES E ANTENAS NO TRABALHO DE DANIELA MERCURY Paulo Victor Santos Goetze Nunes1 Ivia Iracema Duarte Alves2 Resumo: Pretende-se, aqui, analisar o disco “Vinil Virtual”, de Daniela Mercury,de 2015. Como ela mesma define no encarte do CD, trata-se de um disco-manifesto, com letras de sua autoria, pela paz, pelo amor e contra todo tipo de violência, preconceito e sofrimento. A capa do disco é uma recriação da icônica capa da revista Rolling Stone americana veiculada em janeiro de 1981, na qual John Lennon está nú abraçado a Yoko Ono. Repetindo o gesto, Daniela Mercury aparece nua abraçada à sua esposa Malu Verçosa. Em uma entrevista concedida na época do lançamento, a artista diz: “Fui convidada diversas vezes para posar nua e nunca quis. Agora, uso meu corpo, minha nudez, para fazer um manifesto pacifista e político na luta contra a homofobia”. Sob uma perspectiva feminista, este trabalho analisa as letras identificando signos e elementos que a cantora/autora utiliza para denunciar os vários tipos de violência e enaltecer o ser mulher, ser negra/o, ser homossexual. Na primeira canção, intitulada “A Rainha do Axé (Rainha Má)”, Mercury desconstrói a ideia das princesas configuradas pela Disney que são tomadas como parâmetros da concepção de amor para as mulheres e modelo do que se espera das meninas. Daniela Mercury é uma cantora que se revelou no Carnaval e foi por muitos anos a única que teve seu próprio conjunto, formado de banda e de um grupo de bailarinos/as. Ela chamou atenção por ser oriunda de uma classe média, e além de cantar músicas de vários compositores, ter sido a primeira a cantar as músicas afro-baianas dos grupos negros que eram alijados do cortejo principal do Carnaval. Palavras-chave: Música. Autoria Feminina. Arte. Cultura. mulheres compositoras. Este trabalho faz parte da dissertação do mestrado em curso intitulada “Eu Sou o Primeiro Que Canta, Eu Sou o Carnaval – pioneirismo e protagonismo de Daniela Mercury enquanto mulher no Carnaval de Salvador/BA sob uma perspectiva feminista. A escolha deste tema se deu a partir do olhar que a cantora me despertou durante um show no Coliseu, em Lisboa, no qual ela questionava o fato de que, mesmo as cantoras reconhecidas como intérpretes, frequentemente não tem as canções de autoria delas atribuídas a elas. Sob uma perspectiva feminista, este artigo analisa música por música identificando signos e apresentando elementos que Daniela utiliza em suas letras para denunciar os vários tipos de violência e enaltecer o ser mulher, ser negra/o, ser homossexual. Procuro fazer uma breve análise da carreira de Daniela Mercury enquanto artista baiana e, mais especificamente, do disco intitulado Vinil Virtual 1Mestrando de Pós-Graduação Em Estudos Interdisciplinares Sobre Mulheres, Gênero e Feminismo (PPGNEIM/ UFBA – Salvador (Bahia). 2Pesquisadora do NEIM (Núcleo de Estudos Interdisciplinares Sobre a Mulher) – Salvador (Bahia) 1 Seminário Internacional Fazendo Gênero 11& 13thWomen’s Worlds Congress(Anais Eletrônicos), Florianópolis, 2017,ISSN 2179-510X (2005), primeiro totalmente autoral. Neste disco, veremos mais à frente, como Mercury funde raízes e antenas, apontando para o futuro sem perder o passado de vista. A historiadora e cantora baiana Marilda Santana em sua tese, transformada em livro intitulado As Donas do Canto: o sucesso das estrelas-intérpretes no Carnaval de Salvador, já apontava para essa fusão na carreira de Daniela mesmo antes do referido álbum, porém, segundo ela, essa mescla aparece de forma mais sutil anteriormente. O diálogo entre tradição/modernidade se configura em sua trajetória de maneira não muito presente, mas não menos significativas em canções já citadas como O Canto da Cidade. Ao modular sua voz nesta canção, Daniela se coloca também como baiana, mestiça, buscando afirmar uma Bahia não só étnica (no sentido do diferencial ou diferenciado) como também sincrética, sintética. Busca na batida do samba reggae sua identidade musical em diálogo com o eletrônico, num hibridismo cujo nascedouro já se configurou no samba, inclusive na Bossa Nova, que tanto é influenciada pelo jazz como influencia o jazz. Assim, Daniela reconfigura posi (a) ções, abrindo espaço para o mundo a partir do lugar que ela ocupa na Bahia e no Brasil. A carreira desta artista aponta em sua multiplicidade para uma Bahia conectada na tradição e na contemporaneidade... (SANTANA, 2009, p. 268) Foi Nelson Motta, em seu livro Noites Tropicais: solos, improvisos e memórias musicais (2000), quem melhor classificou a chegada de Daniela Mercury no cenário musical brasileiro. Após um show histórico no vão livre do MASP – Museu de Arte de São Paulo – o jornalista, compositor, escritor, roteirista, produtor musical, teatrólogo e letrista brasileiro escreveu assim na última página do referido livro: Aliviado, abri o coração em um artigo furibundo de meia página, publicado ao mesmo tempo em O Globo e na Folha de S. Paulo, denunciando a pobreza rítmica, melódica, harmônica e poética da onda sertaneja e saudando a chegada do samba-reggae da baiana Daniela Mercury, como uma Iansã vingadora, uma guerreira de espada na mão e pernas de fora, abrindo uma clareira de luz e alegria no meio das trevas colloridas3. (MOTTA, 2000, p. 453) Antes, porém, de chegar ao projeto “Som do Meio Dia”, para artistas iniciantes, em São Paulo, Daniela trilhou um caminho em Salvador. Ela foi backing vocal do cantor e compositor Gerônimo, autor de “É d’Oxum”, e de Gilberto Gil. Em 1987 ingressou, também como backing, na Banda Eva que tinha Ricardo Chaves como vocalista. Em um importante evento em 1988, Chaves não pôde se apresentar e o empresário da banda, desesperado, procurou às pressas um novo cantor para substituí- lo. Foi nesse episódio que Daniela Mercury se ofereceu para cantar liderando a banda, o que, na época era incomum. Segundo entrevistas da cantora, os empresários não queriam que as mulheres cantassem, pois consideravam suas vozes estridentes para o som dos trios elétricos e, por isso, as 3 O termo “colloridas” se refere ao período histórico-político do Impeachment do ex-presidente da república Fernando Collor de Mello, em 1992. 2 Seminário Internacional Fazendo Gênero 11& 13thWomen’s Worlds Congress(Anais Eletrônicos), Florianópolis, 2017,ISSN 2179-510X guitarras “cantavam” mais do que as mulheres. Sarajane e Margareth Menezes já haviam aparecido no final da década de 80, porém, sem chamar muita atenção. Sarajane participou muito dos programas do Chacrinha e Margareth, apesar da gravação vitoriosa da canção “Faraó” (1987), de autoria de Luciano Gomes, oriunda do Bloco Afro Muzenza, não alcançou sucesso na Bahia e fez carreira fora do Brasil antes de estourar no país. Nos anos de 1989 a 1990, Daniela Mercury foi vocalista da Banda Companhia Clic fazendo sucesso no interior da Bahia no nordeste. Em 1991, gravou seu primeiro disco solo,através da gravadora Eldorado, de Wesley Rangel4. Foi um disco sem título, apresentando seu nome e trazendo já o que seria um dos grandes sucessos de sua carreira, a canção “Suingue da Cor” (1991), também de autoria de Luciano Gomes, compositor do Bloco Muzenza. Na gravação fica bem evidente os tambores do Olodum, que entraram em estúdio a convite da intérprete já deixando evidente a sua principal influência que iria nortear sua vida artística: a música afro. Algo aqui já chamava a atenção. Daniela Mercury é uma cantora que se revelou no Carnaval da Bahia desde 1986 e foi por muito anos uma das principais cantoras a ter seu próprio conjunto formado de banda e de um grupo de bailarinas/os. Ela causou espanto na sociedade por ser oriunda de uma família de classe média, e, além de cantar musicas de vários compositores, ter sido a primeira a cantar música afro-baiana dos vários grupos negros, que eram alijados do cortejo principal do Carnaval. O primeiro disco teve canções de Herbert Vianna e Gilberto Gil, mas a música principal escolhida como carro-chefe foi gerada no berço africano da Bahia. O Brasil vivia num “marasmo sertanejo” (MOTTA, 2003) e, com a inovação proposta, Daniela foi convidada para o famoso show no vão livre do MASP na avenida mais conhecida do Brasil, a Avenida Paulista. Com quarenta minutos de show, a Secretária de Cultura do Estado entrou no palco e informou que Daniela deveria encerrar o show naquele momento. Eram esperadas 2 mil pessoas e estavam 20 mil no local. “A avenida ficou parada, as obras estavam balançando... não deu outra, no dia seguinte as manchetes acusavam: “Cantora baiana pára São Paulo: Ritmo contagiante de Daniela Mercury faz estrutura do MASP tremer” – disse a artista em entrevista disponível nos “extras” do DVD comemorativo pelos 15 anos do lançamento de “O Canto da Cidade”. Com o êxito deste show, a cantora foi convidada a gravar seu primeiro disco em gravadora multinacional, a Sony 4 Wesley Rangel é considerado pelos artistas da Axé Music como o padrinho do gênero. Em inúmeras entrevistas, ele é citado como financiador, apoiador e incentivador na música feita na Bahia. Tinha um estúdio próprio, WR, e muitas vezes abriu as portas para artistas iniciantes que hoje são grandes expoentes do estilo. 3 Seminário Internacional Fazendo Gênero 11& 13thWomen’s Worlds Congress(Anais Eletrônicos), Florianópolis, 2017,ISSN 2179-510X Music, e então, em agosto de 1992 foi lançado o grande standard da carreira de Daniela, “O Canto da Cidade”. Pela qualidade da gravação com que “O Canto da Cidade” chegou na produtora da artista, o staff não identificou aquela música como uma canção boa. Tote Gira, compositor, concedeu parceria para que Daniela pudesse fazer intervenções na letra existente e criasse novas frases para que a música ganhasse aspectos nacionais e menos regionais. A música foi produzida por Liminha, produtor musical festejado nacionalmente, que esteve em Salvador para conhecer o novo estilo musical que estava surgindo e deixá-lo mais popular para tocar nas rádios.
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