FACULDADE CÁSPER LÍBERO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO

Ambientes de comunicação e práticas de cidadania no projeto

Um por todos e todos por um! Pela ética e cidadania

Ivone Aparecida Pereira de Mello

São Paulo

2019 IVONE APARECIDA PEREIRA DE MELLO

Ambientes de comunicação e práticas de cidadania no projeto

Um por todos e todos por um! Pela ética e cidadania

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Faculdade Cásper Líbero, na Linha de Pesquisa Processos Midiáticos: Tecnologia, Cidadania e Mercado, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Comunicação.

Orientador: Prof. Dr. José Eugenio de Oliveira Menezes

São Paulo

2019

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Biblioteca Prof. José Geraldo Vieira

Mello, Ivone Aparecida Pereira de

Ambientes de comunicação e práticas de cidadania no projeto: Um por todos e todos por um! Pela ética e cidadania. / Ivone Aparecida Pereira de Mello. -- São Paulo, 2019.

115 f. : il. ; 30 cm.

Dissertação (Mestrado em Comunicação) – Faculdade Cásper Líbero, 2019. Orientador: Prof. Dr. José Eugenio de Oliveira Menezes.

1. Instituto Mauricio de Sousa – Projeto educacional. 2. Controladoria- Geral da União (CGU) – Projeto educacional. 3. Cidadania. 4. Ecologia da comunicação. I. Menezes, José Eugenio de Oliveira. II. Faculdade Cásper Líbero, Mestrado em Comunicação. III. Título. CDD 302.2

Bibliotecária responsável: Daniela Paulino Cruz Bissolato - CRB 8/6728

Ao meu querido “Manolito”: Ivon

Isaías Pereira de Mello (in memorian)

Então você tem tanto amor dentro de você,

que resolve permitir que este amor seja

experimentado. Deus cria seres capacitados

para amarem e serem amados. Dá-lhes inteligência, capacidades e cria um ambiente perfeito para existirem. Não falta nada, tudo

que eles têm a fazer é viver e amar.

Ivon Isaias Pereira de Mello (2016)

Agradecimentos

Ao Prof. Dr. José Eugenio de Oliveira Menezes por me acolher, novamente, por sua generosidade, por acreditar, incentivar e deixar fluir;

Ao Prof. Dr. Antonio Roberto Chiachiri Filho, por semear;

À Fundação Cásper Líbero, por incentivar minha volta aos estudos;

Ao Sr. Mauricio de Sousa;

À Controladoria-Geral da União;

A todos os entrevistados por sua disponibilidade e colaboração, sem os quais este trabalho não seria possível;

Aos professores e alunos das escolas municipais de Cuiabá, MT, que generosamente compartilharam comigo suas experiências;

A todos os funcionários da Pós-Graduação e aos meus companheiros de trabalho na Fundação Cásper Líbero pelo apoio;

À minha família, meu porto seguro.

Ontem um menino que brincava me falou

Hoje é semente do amanhã

Pra não ter medo que este tempo vai passar

Não se desespere e nem pare de sonhar

Nunca se entregue, nasça sempre com as manhãs

Deixe a luz do sol brilhar no sol do seu olhar

Fé na vida, fé no homem, fé no que virá

Nós podemos tudo, nós podemos mais

Vamos lá fazer o que será.

Nunca pare de sonhar (Semente do Amanhã) Gonzaguinha, 1984

MELLO, Ivone Aparecida Pereira de. Ambientes de comunicação e práticas de cidadania no projeto Um por todos e todos por um! Pela ética e cidadania. 2019. 115 f. Dissertação (Mestrado em Comunicação), Faculdade Cásper Líbero, São Paulo, 2018.

RESUMO

A dissertação apresenta, em perspectiva comunicacional, o projeto Um por todos e todos por um! Pela ética e cidadania, desenvolvido em escolas do ensino fundamental de várias regiões brasileiras pela Controladoria-Geral da União – CGU, a partir de parceria com o Instituto Mauricio de Sousa – IMS, com o objetivo de proporcionar às crianças um espaço lúdico de aprendizado do exercício da cidadania e do combate à corrupção nas esferas familiar e pública. Para mapear o processo comunicacional ao redor do projeto foram realizadas pesquisas bibliográficas a respeito do uso de histórias em quadrinhos em contexto escolar, entrevistas com os gestores da CGU e com os criadores das histórias em quadrinhos e de outros subsídios utilizados, com destaque para entrevista com Mauricio de Sousa. O diálogo presencial e as entrevistas realizadas com crianças, docentes e gestores de escolas do município de Cuiabá, permitiram o contato com as dinâmicas, os valores e as perspectivas do projeto. Alguns referenciais teóricos permitiram a compreensão de dinâmicas presentes no ambiente comunicacional gerado no desenvolvimento do projeto Um por todos e todos por um! Pela ética e cidadania, com ênfase para posturas dialógicas das práticas pedagógicas que geram consciência cidadã, estudadas por . Observadas em suas dinâmicas lúdicas (Johan Huizinga), o uso das histórias em quadrinhos, registradas especialmente em pequenas revistas impressas, mostraram: o ambiente comunicacional (Norval Baitello) gerado pelo envolvimento presencial das crianças e professores; o encantamento com os personagens e o senso de pertencimento e de vinculação a uma comunidade (Boris Cyrulnik); as relações entre os processos de comunicação primária face a face, os processos de comunicação secundária com os meios impressos e os processos de comunicação terciária experimentados quando do acesso às informações em redes digitais (Harry Pross). Conclui-se que no desenvolvimento do projeto Um por todos e todos por um! Pela ética e cidadania há indícios de que o mesmo permitiu às crianças envolvidas a participação em um ambiente comunicacional com potencialidades para a prática da comunicação dialógica como exercício da cidadania.

Palavras-chave: Ecologia da Comunicação. Vínculos. Mauricio de Sousa. Um por todos e todos por um! Pela ética e cidadania. Controladoria-Geral da União. Cidadania.

MELLO, Ivone Aparecida Pereira de. Communication environments and citizenship practices in the One for all and all for one! for Ethics and Citizenship project. 2019. 115 f. Master’s Thesis (M.A. in Communication), Faculdade Cásper Líbero, São Paulo, 2018.

ABSTRACT

The master’s thesis presents, through a communicational perspective, the One for all and all for one! for Ethics and Citizenship project, developed in elementary schools in several parts of Brazil by the country’s Comptroller General (CGU), in a partnership with Instituto Mauricio de Sousa (IMS), aimed at providing children with a playful learning space to exercise their citizenship and fight corruption in their family and in the public sphere. In order to map the communication process around the project, bibliographical research was carried out on the use of comics in the school context, as well as interviews with CGU managers and the creators of the comics and other subsidies used, notably Mauricio de Sousa. The face-to- face dialogue and interviews with children, teachers and school administrators of the city of Cuiabá allowed the contact with the dynamics, values and perspectives of the project. Some theoretical references allowed the understanding of the dynamics present in the communicational environment generated by the One for all and all for one! for Ethics and Citizenship project, with emphasis on dialogic stances of the pedagogical practices that generate citizenship awareness, studied by Paulo Freire. Observed in its playful dynamics (Johan Huizinga), the use of comics, registered especially in small printed magazines, showed: the communication environment (Norval Baitello) generated with the engagement of children and teachers; the fascination with the characters, and the sense of belonging and being connected to a community (Boris Cyrulnik); the relationships among the primary face- to-face communication processes, the processes of secondary communication with the print media, and the tertiary communication processes experienced when accessing information in digital networks (Harry Pross). This thesis concludes that the One for all and all for one! for Ethics and Citizenship project shows indications that it has allowed the involved children to participate in a communicational environment with potential for practicing dialogic communication as an exercise of citizenship.

Keywords: Communicative ecology. Connections. Mauricio de Sousa. Um por todos e todos por um! for Ethics and Citizenship. Comptroller-General of Brazil. Citizenship.

Lista de ilustrações

Figura 1 Revista de Atividades ...... 31

Figura 2 Gibi Sou mais nós ...... 31

Figura 3 Referencial Pedagógico ...... 31

Figura 4 Manual do Professor ...... 31

Figura 5 Gibi ...... 31

Figura 6 Manual do Professor ...... 32

Figura 7 Livro de Passatempos ...... 32

Figura 8 Gibi ...... 32

Figura 9 Gibi ...... 32

Figura 10 Gibi ...... 33

Figura 11 Volante ...... 34

Figura 12 Gibi ...... 34

Figura 13 Logotipo do UPT ...... 37

Figura 14 Capa do Manual do Professor ...... 41

Figura 15 Capa do Caderno do Aluno ...... 42

Figura 16 Capa da Revista Um por todos e todos por um – contendo quatro histórias ...... 43

Figura 17 Capa da Revista O Estatuto da Criança e do Adolescente ...... 43

Figura 18 Capa da Revista de Atividades ...... 44

Figura 19 Quadro Resumo da Abrangência do Programa, fornecido pela CGU ...... 47

Figura 20 Banner do UPT ...... 48

Figura 21 Exercício autoconhecimento ...... 68

Figura 22 Exercício autoestima ...... 69

Figura 23 Somos todos diferentes ...... 70

Figura 24 Culminância ...... 70

Figura 25 Vivência privação da visão ...... 71

Figura 26 Impressões sobre a vivência ...... 71

Figura 27 Entrega diplomas ...... 85

Figura 28 Diploma do aluno ...... 85

Figura 29 Certificado do professor ...... 85

Lista de abreviaturas e siglas

CGU Controladoria-Geral da União

CGM/Cuiabá Controladoria-Geral Município de Cuiabá

CGU/MT Controladoria-Geral da União Estado de Mato Grosso

HQs Histórias em Quadrinhos

IMS Instituto Cultural Mauricio de Sousa

Instituto Instituto Cultural Mauricio de Sousa

MEC Ministério da Educação

MSP Mauricio de Sousa Produções

SENAR Serviço Nacional de Aprendizagem Rural

SME Secretaria Municipal de Educação

TM Turma da Mônica

Turminha Turma da Mônica

UPT Um por todos e todos por um! Pela ética e cidadania

SUMÁRIO

Introdução ...... 14

Capítulo 1: História das contribuições de Mauricio de Sousa ...... 20

1.1. História de Mauricio de Sousa ...... 20 1.2. História da Mauricio de Sousa Produções ...... 23 1.3. História do Instituto Cultural Mauricio de Sousa ...... 27 1.4. História do projeto Um por todos e todos por um! Pela ética e Cidadania ...... 37

Capítulo 2: Ambientes comunicacionais e práticas de cidadania ...... 49

2.1. O projeto como prática de educação e cidadania ...... 49 2.2. O projeto enquanto ambiente comunicacional ...... 55

Capítulo 3: Avaliação do projeto pela CGU–Controladoria Geral da União ...... 73

Considerações finais ...... 81 Referências ...... 87 Apêndices ...... 89 Anexos ...... 103

INTRODUÇÃO

O Brasil é um país de dimensões continentais, com diferentes níveis de desenvolvimento. A desigualdade social, política e econômica ainda é um desafio para todos nós. Por acreditar que a prática da cidadania é um dos caminhos para enfrentar essas desigualdades, cada vez mais nos vemos impelidos a refletir sobre de que forma a comunicação pode contribuir para a sua construção e prática.

Nossa inquietação acerca dessa possível contribuição da comunicação para o aprendizado e exercício da cidadania não é de hoje. Trabalhando há décadas em uma fundação que tem na comunicação sua principal atividade, que além de administrar emissoras de televisão, rádio, jornal eletrônico e agência de notícias, há mais de 70 anos investe na formação de profissionais desta área – comunicadores e pesquisadores, temos nos questionado de que maneira a comunicação poderia contribuir para uma sociedade mais justa.

Essa indagação sobre a efetividade da comunicação para edificação da cidadania se tornou mais presente ao tomarmos conhecimento do projeto Um por todos e todos por um! Pela ética e cidadania. Resultado de uma parceria entre o Instituto Cultural Mauricio de Sousa e a Controladoria-Geral da União, o projeto trabalha essa construção por meio do diálogo e pretende despertar o senso de cidadania não apenas entre as crianças, mas também entre educadores, educandos, família e comunidade. Certamente a formação ética e cidadã não é algo inédito nas escolas, tampouco o é o emprego de personagens infantis como recurso pedagógico, porém, talvez o que o diferencie e fortaleça seja a utilização de personagens da Turma da Mônica, que já integram o imaginário dos envolvidos no processo – crianças, professores, pais e comunidade, com os quais já têm um vínculo e se identificam de diversas maneiras.

Assim, em Um por todos vislumbramos a oportunidade perfeita para desenvolver o estudo sobre a efetividade da comunicação para a construção da cidadania. Pretendemos examinar a dinâmica comunicacional na sua utilização como prática para o desenvolvimento e fortalecimento da cidadania.

14 Dentre os autores que desenvolveram concepções teóricas acerca das histórias em quadrinhos, Waldomiro Vergueiro produziu um vasto material sobre HQs e seus usos, seja como objeto de estudos das teorias da comunicação, seja como suporte pedagógico nos processos de aprendizagem, pontuando, também, a trajetória para sua aceitação:

Ainda que esta atividade tenha sido inicialmente vista com estranheza pela sociedade – a começar por aqueles professores que haviam crescido na época em que os malefícios da leitura de quadrinhos faziam parte do senso comum –, a evolução dos tempos funcionou favoravelmente à linguagem das HQs, evidenciando seus benefícios para o ensino e garantindo sua presença no ambiente escolar formal. Mais recentemente, em muitos países, os próprios órgãos oficiais de educação passaram a reconhecer a importância de se inserir as histórias em quadrinhos no currículo escolar, desenvolvendo orientações específicas para isso. É o que aconteceu no Brasil, por exemplo, onde o emprego das histórias em quadrinhos já é reconhecido pela LBD (Lei de Diretrizes e Bases) e pelos PCN (Parâmetros Curriculares Nacionais) (VERGUEIRO et all, 2007, p. 21).

Álvaro Moya, além de falar sobre as HQs e sua influência, pesquisou, principalmente, a história e o desenvolvimento da indústria quadrinhística brasileira: “Ele foi o pioneiro das histórias em quadrinhos no Brasil. Acreditava no potencial do gênero em expressar emoção, sentimento, e me inspirou nisso”, Waldomiro Vergueiro1.

Liana Gottlieb, em “Mafalda vai à escola”, ao refletir sobre diversos pontos relacionados à educação, entre eles questões pertinentes à educação dialógica, utilizou a história em quadrinho também para mostrar as linguagens verbais e não verbais. Ao falar dos objetivos deste seu trabalho a autora destaca

Desenvolver uma reflexão sobre as HQs, visando mostrar que não se trata de uma “literatura menor”, e que, além de servir como entretenimento, pode ser uma rica fonte de informações, e servir como instrumento muito rico no processo de ensino/aprendizagem, tanto em escolas como em outras instâncias educacionais (GOTTLIEB, 1996, p.16).

A autora Cicília M.K. Peruzzo, ao longo da produção de sua obra, apontou conceitos pertinentes à comunicação, essenciais na discussão da comunicação na prática da cidadania. Comunicação como um direito de acesso à informação, canal de expressão, como um direito que precisa ser exercido.

1 Folha de S.Paulo. Disponível em: . Acesso em: 02 jun. 2018.

15 Adela Cortina (2005) apresentou algumas dimensões dos conceitos de cidadania e seus reflexos em nossas vidas. Apontou a importância de uma educação sobre os valores para a cidadania, que possibilite ao cidadão se ver como sujeito que participa conscientemente da construção da sociedade, educação que extrapola a esfera formal e que leva à crítica e à reflexão.

O diálogo é, então, um caminho que compromete totalmente a pessoa de todos os que o empreendem porque, enquanto se introduzem nele, deixam de ser meros espectadores, para se converter em protagonistas de uma tarefa compartilhada, que se bifurca em dois ramais: a busca compartilhada do verdadeiro e do justo, e a resolução justa dos conflitos que vão surgindo ao longo da vida (CORTINA, 2005, p. 195).

Julgamos oportuno refletir sobre como a comunicação, por intermédio das histórias em quadrinhos no projeto Um por todos e todos por um! Pela ética e cidadania, contribui na formação para a prática da cidadania. Se a utilização dos personagens de Mauricio de Sousa, por conta de seu aspecto lúdico e pela forma como o projeto foi construído e implantado, facilita o processo comunicacional, desencadeando a apropriação de novos saberes com desdobramentos no cotidiano dos públicos envolvidos, gerando, com sua linguagem característica e acessível, mudanças significativas, criando vínculos e ambientes singulares, possibilitando e ampliando o exercício da cidadania.

A fim de discorrer, sucintamente, sobre a educação para a cidadania proposta no projeto, após analisar o material criado para o Um por todos, todos por um! Pela ética e cidadania, ler vários depoimentos e conversar com seus idealizadores, buscamos compreender as noções acerca do diálogo e a postura dialógica presentes na obra de Paulo Freire, segundo o qual, educar para a cidadania torna-se um processo pedagógico em si mesmo, que vai além de questões das salas de aulas, que se realiza no cotidiano dos sujeitos diante dos desafios da sociedade contemporânea.

Uma educação que possibilitasse ao homem a discussão corajosa de sua problemática. De sua inserção nesta problemática. Que o advertisse dos perigos de seu tempo, para que, consciente deles, ganhasse a força e a coragem de lutar, ao invés de se ser levado e arrastado à perdição de seu próprio “eu”, submetido às prescrições alheias. Educação que o colocasse em constante diálogo com o outro. Que o predispusesse a constantes revisões. À análise crítica de seus ‘achados’ (FREIRE, 1996, p. 98).

Histórias em quadrinhos oferecem entretenimento, jogo, fantasia, uma forma de passar o tempo, mas também podem ser utilizadas com o objetivo de informar, formar e

16 educar. Ao utilizar as histórias em quadrinhos de Mauricio de Sousa neste processo comunicacional, uniu-se o lúdico à aprendizagem para estimular, também, a postura crítica e o debate. Para melhor compreender o lúdico neste processo, levando em conta que os quadrinhos têm uma linguagem peculiar, com um imenso potencial educativo e social, recorremos a Huizinga, autor de Homo Ludens.

Em Harry Pross, Norval Baitello, Malena Contrera e Vicente Romano procuramos conhecer um pouco mais as noções de teoria da mídia, vínculos, capilaridades e ambientes comunicacionais e, então, perceber como estes são construídos e vivenciados em Um por todos, todos por um! Pela ética e cidadania para melhor compreendermos o processo comunicacional ali presente. Neles julgamos encontrar as lentes adequadas que ajudaram a observar as relações entre cidadania e comunicação e a refletir sobre o contexto de uma como prática da outra.

Além disso, para observar na prática como se dá esse processo comunicacional, fomos à Cuiabá, onde tivemos o privilégio de conversar com professores e alunos de algumas escolas nas quais o projeto é aplicado. Devemos ressaltar que, avaliando os resultados apresentados, Cuiabá é considerada pela CGU e pelo Instituto Mauricio de Sousa uma referência nacional. Desde 2014 o projeto vem sendo trabalhado na rede municipal de ensino ininterruptamente, em parceria com a Secretaria Municipal de Educação.

Esperamos que esses autores, além dos citados na bibliografia, ajudem a compreender melhor a relevância do processo comunicacional em Um por todos, todos por um! Pela ética e cidadania para o fortalecimento da prática da cidadania.

Adotamos por metodologia a pesquisa bibliográfica sobre os temas envolvidos, além de pesquisa histórica sobre o Um Por Todos (UPT), sobre o Senhor Mauricio de Sousa, sobre a Mauricio de Sousa Produções (MSP) e o Instituto Cultural Mauricio de Sousa (IMS). Realizamos entrevistas semiestruturadas, caracterizadas, sobretudo, pela conversação e flexibilização, com o senhor Mauricio de Sousa, com gerentes e coordenadores da MSP; com ex-coordenadores e gerentes do IMS e do UPT; diretores e coordenadores da CGU, CGU/MT, CGM/Cuiabá ligados ao projeto. Conversamos, também, com professores da SME, diretores e professores e alunos de escolas públicas de Cuiabá que aplicam o projeto. Trechos desses depoimentos e/ou entrevistas são analisados, quando pertinentes, no corpo do trabalho.

17 Esta dissertação, além da Introdução e das Considerações Finais, está organizada em três capítulos.

No primeiro capítulo, História das contribuições de Mauricio de Sousa, são abordadas a história de Mauricio de Sousa, da Mauricio de Sousa Produções, do Instituto Cultural Mauricio de Sousa e a história do projeto Um por todos e todos por um! Pela ética e cidadania.

Inicialmente é traçada uma biografia de Mauricio de Sousa e, de forma resumida, a história da Mauricio de Sousa Produções.

Vale destacar que sua história e a de sua empresa se confundem, tornando difícil, muitas vezes, dissociá-las. De acordo com informações prestadas por seu assessor de imprensa, José Alberto Lovreto, em e-mail de 12/06/2018.

Mauricio de Sousa trabalha e investe em projetos sociais há algumas décadas, por meio de revistas criadas especialmente para este fim. Seus personagens abordam questões sociais de forma divertida, numa linguagem própria e próxima à da criança.

Pelos variados prêmios recebidos, mundialmente, percebe-se a relevância e alcance de sua obra. Assim, cremos ficar evidente, além de sua trajetória cidadã, sua importância não só para a cultura brasileira, mas mundial.

Na sequência é apresentado o Instituto Mauricio de Sousa, destacando-se alguns de seus muitos projetos abordando temas relevantes, e por vezes complexos, nas áreas de cultura, meio ambiente, cidadania, inclusão social e construção do conhecimento, entre tantos, que demonstram sua atuação por meio do desenvolvimento de projetos e programas de caráter formativo e/ou informativo que “visam o desenvolvimento do ser humano e sua completa integração na sociedade”2. Embora direcionadas a crianças entre 06 e 12 anos, estas ações atingem outras faixas etárias, incluindo adultos que, das mais variadas formas, trabalham com o público infantil.

Ao criar projetos focados nesta faixa etária, o Instituto pretende colaborar na formação de futuros cidadãos, levando conhecimento e informação, a fim de torná-

2 Site do Instituto, em reformulação à época. 18 los indivíduos capazes de atingir seu pleno desenvolvimento3.

Por último é apresentado o objeto de estudo: Um por todos e todos por um! Pela ética e cidadania. O contexto de sua criação, desenvolvimento, objetivos, estratégia, peças que o compõem, número de participantes, período e o projeto em si.

No segundo capítulo, Ambientes comunicacionais e práticas de cidadania, a partir de uma abordagem teórica e prática, busca-se compreender como a prática comunicacional descrita afeta todos os envolvidos, gerando novos conhecimentos e comportamentos, contribuindo para a construção e promoção da cidadania.

Dialogou-se com as perspectivas educacionais de Paulo Freire, entre outros, para abordar como o projeto se apresenta como uma prática de comunicação que desperta a cidadania.

Por meio de interpretações de autores nos campos da teoria da comunicação, entre eles Pross, Baitello, Contrera e Romano, acima citados, e documentos sobre as delimitações aqui descritas, pretende-se trazer referências e promover reflexões sobre a aplicação prática de Um por todos e todos por um! Pela Ética e Cidadania e seus ambientes comunicacionais.

No terceiro capítulo incluímos uma das muitas avaliações feitas pela CGU sobre a aplicação do programa. Apontamos e abordamos depoimentos de professores e alunos sobre suas experiências com o UPT, nas escolas por nós visitadas em Cuiabá.

3 Idem.

19 1. HISTÓRIA DAS CONTRIBUIÇÕES DE MAURICIO DE SOUSA

1.1. Mauricio de Sousa

Em 27 de outubro de 1935 nascia, em Santa Isabel, no interior de São Paulo, Mauricio Araújo de Sousa. Filho do poeta, radialista e barbeiro Antônio Mauricio de Sousa e Petronilha Araújo de Sousa, poetisa, passou parte de sua infância em Mogi das Cruzes e outra parte em São Paulo. Dividiu seus estudos entre as duas cidades, primeiro no externato São Francisco, ao lado da Faculdade de Direito, no centro de São Paulo, depois em Mogi novamente. Na adolescência, chegou a trabalhar em rádio, com seu pai, mas seu grande sonho sempre foi ser desenhista.

Aos 19 anos, mudou-se mais uma vez para São Paulo, a fim de tentar realizar seu sonho. Conseguiu emprego no jornal Folha da Manhã (atual Folha de S.Paulo), não como desenhista e, sim, como repórter policial. Durante cinco anos, ali permaneceu escrevendo reportagens policiais, algo bem diferente do que almejava. Foi quando criou seu primeiro personagem, Bidu, inspirado em seu cachorrinho de infância chamado Cuíca. Bidu, mais tarde, viria a ser o símbolo de seu estúdio.

A partir daí, Mauricio criou diversos personagens, muitos deles inspirados em pessoas reais. Cebolinha e Cascão eram amigos de infância de seu irmão Márcio Araujo. As garotas Mônica, Magali, Marina, Vanda, Valéria e Maria Cebolinha (Mariângela na vida real), são suas filhas. Os filhos também viraram personagens, mas receberam outros nomes. O filho Mauricio (falecido) é Professor Spada/Dr. Spam, Mauro é Nimbus, e Mauricinho é Do Contra. O filho mais novo, Marcelo, virou Marcelinho. A Vó Dita, da Turma do Chico Bento, era mesmo sua avó. Além desses, inspirados em pessoas reais, Mauricio criou muitos outros e hoje sua galeria conta com mais de 400 personagens.

Das tiras para jornais, que eram publicadas em todo o Brasil, passou a criar revistas e a primeira delas – Mônica – foi publicada em 1970. Depois passou a publicar Cebolinha, Chico Bento, Cascão, Magali, Pelezinho e outras, pela Editora Abril. Mauricio começou a ser conhecido inclusive no exterior, com revistas publicadas em países como Alemanha e México.

20 Com as revistas fazendo sucesso, ingressou no licenciamento de produtos. Seus personagens passaram a aparecer em bonecos, jogos, roupas, produtos de higiene e até alimentícios. Também começou a investir em desenho animado. Na década de 1980, criou um estúdio de animação, quando realizou oito longas-metragens. Os filmes ainda hoje fazem parte da memória de adultos e crianças.

Mas quadrinhos, licenciamentos e desenhos animados ainda não eram suficientes para Mauricio. Ele queria ir além e, em 2001, realizou sua primeira exposição de arte: Histórias em Quadrões – Pinturas de Mauricio de Sousa, na qual seus personagens são inseridos em releituras de obras de pintores famosos. Os 49 quadros criados e uma escultura foram expostos na Pinacoteca do Estado de São Paulo, e em diversos museus do País, nas cidades de São Paulo, Rio de Janeiro, Curitiba, Bahia, Brasília, , Goiânia e Recife, com mais de 800 mil visitantes. Em 2014, a exposição foi realizada na Coreia, na The Central Lotte Gallery, em Seul.

Nossos quadros estão visitando os museus da Coreia faz três anos. Precisei brigar com o pessoal de lá para eles me devolverem... As exposições deles são lindas, tenho até pena de tirar de lá, mas agora eu quero mostrar mais um pouquinho aqui e depois ir para outros países (Entrevista à Autora. Apêndice1).

Seus personagens fazem tanto sucesso junto ao público, especialmente as crianças, que em 2007 Mônica foi nomeada Embaixadora do UNICEF, a primeira personagem de histórias infantis a receber esse título. Mauricio de Sousa, na mesma ocasião, foi nomeado Escritor para Crianças do UNICEF. Mônica também é Embaixadora do Turismo Brasileiro, título concedido pelo Ministério do Turismo do Brasil, em 2008.

São vários os títulos, prêmios e homenagens que Mauricio de Sousa recebeu ao longo de sua carreira de sucesso. Podemos destacar o Prêmio Gran Guinigi, pela revista Mônica, no Congresso Internacional de Lucca, Itália, 1971; Troféu Yellow Kid, o “Oscar dos Quadrinhos Mundiais”, no Congresso Internacional de Histórias em Quadrinhos de Lucca, Itália, 1971; Diploma do Ministério da Aeronáutica – Membro Honorário da Força Aérea Brasileira, 1991; Honrado pelo presidente da República com a medalha dos Direitos Humanos, Brasília, 1998; Prêmio de Literatura Infantil da Academia Brasileira de Letras pelo livro A Turma da Mônica, 1999; Medalha e Certificado de Campeão de Saúde das Américas da PAHO (Organização Pan-Americana da Saúde), pela valiosa contribuição para as campanhas de promoção da saúde e para a melhoria da qualidade de vida das populações

21 das Américas, Washington, 2002; Certificado do ISO – Instituto Solidariedade –, como reconhecimento da Empresa Solidária Mauricio de Sousa Produções pela contribuição junto às organizações comunitárias não governamentais, São Paulo, 2002.

O Título de Doutor Honoris Causa lhe foi concedido pela Universidade La Roche, de Pittsburgh – USA, pelos serviços prestados ao público infantil, em 2001. Recebeu, de Sua Santidade o Papa João Paulo II, no Vaticano, a Medalha do Vaticano como Membro do Conselho Administrativo do Centro Cultural Papa João Paulo II, em 2004. Foi o grande homenageado da Escola de Samba Unidos do Peruche, no carnaval de São Paulo em 2007, com o enredo Com Mauricio de Sousa, a Peruche abre alas, abre livros, abre mentes e faz sonhar, 2007. Recebeu ainda, em maio de 2008, a Medalha de Vermeil, concedida pela Academia de Arte, Ciência e Letras da França.

Mauricio de Sousa ocupa a cadeira nº 24 da Academia Paulista de Letras, desde 2010; em abril de 2011, ganhou o Prêmio Pulcinella, no Festival Cartoons on the Bay, em Rapallo, na Itália, pelo conjunto de sua obra no mercado de animação. Ainda em 2011, o livro Turma da Mônica em Contos Clássicos de Andersen, Grimm e Perrault, publicado em Hong Kong, ganhou o Prêmio Bin Xing de Literatura Infantil da China.

Somente no Brasil, entre os anos de 2011 e 2014, foram vendidos mais de três milhões e meio de livros de Mauricio de Sousa, que também é vencedor de diversos troféus HQ Mix, o “Oscar” dos quadrinhos brasileiros.

Em Amadora, Portugal, foi construído um parque com seus personagens, para homenageá-lo. Em 2013, recebeu a honraria Ordem do Sol Nascente, Raios de Ouro com Roseta, concedida pelo Imperador do Japão. Mauricio ganhou também o IX Prêmio África- Brasil 2014, por sua contribuição para a valorização da cultura africana e por criar personagens afrodescendentes como Jeremias, Ronaldinho Gaúcho e Pelezinho. Neste mesmo ano, o criador da Turma da Mônica recebeu o título de Mestre Mundial do Brasil, pelo World Master Committee, na Coreia do Sul.

Ao fazer 80 anos, em 2015, Mauricio recebeu muitos prêmios, homenagens e retomou negócios. A Câmara Brasileira do livro, na Bienal do Rio de Janeiro, o agraciou com o Prêmio Especial Jabuti de Literatura; o Parque da Mônica foi reaberto; vários livros e

22 revistas especiais foram lançados, relembrando os primeiros anos de sua carreira, como as primeiras historinhas da revista Zás-Trás e revista Bidu, de 1960, e até uma empresa aérea, a Avianca, produziu uma tematização externa e interna de um avião de linha com os personagens da Turma da Mônica. A 58ª edição do Prêmio da Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA) concedeu-lhe Prêmio Especial, escolhido pelo júri, como personalidade do ano, pela importância da sua obra. Ele também foi tema, nesse mesmo ano, de uma grande exposição no Gyeonggi Museum of Modern Art, na cidade de Gyeonggi-do, na Coreia do Sul. A mostra reuniu pinturas, esculturas, tiras, tabloides, histórias, roteiros e outras peças originais com personagens da Turma da Mônica.

Em janeiro de 2016, Mauricio de Sousa recebeu a Medalha 25 de Janeiro, da Prefeitura de São Paulo, pela contribuição do seu trabalho para o entretenimento, educação e cultura da cidade e do país. Ainda em janeiro, foi homenageado pelo então governador do Estado de São Paulo, Geraldo Alckmin, com a Medalha Mário de Andrade. Também foi indicado, numa pesquisa realizada pelo Ibope para o Instituto Pró-Livro, como o quarto escritor mais admirado do Brasil, ficando atrás de Monteiro Lobato, Machado de Assis e Paulo Coelho.

Mauricio de Sousa é o mais famoso e premiado autor brasileiro de quadrinhos. Esse reconhecimento, como se pode observar pelos títulos e homenagens acima descritos, se estende a diversas áreas, dentro e fora do Brasil.

1.2. A Mauricio de Sousa Produções

A história da empresa mistura-se a de seu criador. Assim, é preciso retomar a trajetória do próprio Mauricio de Sousa para entender o sucesso de seu trabalho.

Mauricio começou a desenhar quando ainda era pequeno. Sua brincadeira favorita era preencher páginas e páginas de seus cadernos escolares, com desenhos e rabiscos. Já nesta época, criou um personagem ao qual deu o nome de Picolé, um super- herói com traços muito parecidos com os do Horácio de seus quadrinhos atuais.

Desde a tenra infância, mesmo sem ainda saber ler, era fascinado com as histórias em quadrinhos. Ficava imaginando o que estaria escrito nos balões e isso o impulsionou a

23 aprender a ler, com a ajuda de sua mãe. Ficava deslumbrado ao ler os quadrinhos publicados no Globo Juvenil e, depois, no Gibi, publicação considerada por muitos como a primeira revista de história em quadrinhos genuinamente brasileira. As aventuras dos quadrinhos fizeram nascer o sonho de um dia ser cartunista.

Nessas publicações, que me acompanharam durante toda a infância e pré- adolescência, fui buscar as bases para criar, anos depois, toda a minha galeria de personagens (SOUSA, 2000, p. 32).

Seu primeiro personagem, Bidu, lhe abriu as portas para o caminho do sucesso. Nesse início de carreira, produzia as histórias em seu pequeno estúdio, em Mogi das Cruzes (SP), onde morava com seus pais. Eram tiras para jornais e, como era praticamente impossível produzir histórias inéditas para vários periódicos, criou um sistema de redistribuição do material. Mas não era fácil. As tiras eram montadas em clichês, um material pesado e difícil de transportar. Era preciso entregá-los, um a um, em cada jornal que as publicaria. Mauricio montou, então, uma estratégia: faria a entrega em um raio de 100 quilômetros de Mogi. A razão dessa estratégia, segundo ele mesmo afirma, era econômica:

Porque a venda tinha que ser direta e eu não tinha dinheiro para pegar um ônibus que seguisse a mais de 100 quilômetros de Mogi (SOUSA, 1999, p. 12).

Viajava para Santos, Jundiaí, Taubaté e outras cidades próximas e ainda precisava criar mais e mais histórias, se quisesse sobreviver de quadrinhos.

Foram surgindo novos personagens, alguns deles inspirados em pessoas que existem realmente, como já citamos anteriormente. O trabalho foi aumentando e tornou- se necessário, então, contratar os primeiros artistas para ajudá-lo na produção. Foi essa equipe que, durante os dez primeiros anos, o ajudou a tornar os personagens conhecidos em todo o país.

Hoje, Mauricio conta com diversos produtos editoriais e uma grande equipe para desenvolver todo esse trabalho. São roteiristas, desenhistas, arte-finalistas, coloristas, revisores e designers que atuam em sua empresa. Mauricio

montou uma bem-sucedida empresa, com mais de 300 funcionários, envolvendo seus personagens em projetos que vão muito além das páginas das revistas em quadrinhos, sendo utilizados na comercialização dos mais diversos produtos, desde brinquedos até produtos alimentícios, como também em desenhos animados, filmes, peças teatrais e parques temáticos (VERGUEIRO, 2017, p. 71).

24 Ele ainda desenha, escreve histórias, cria personagens, e todas as revistas recebem a sua orientação e supervisão pessoal.

Em 1986, Mauricio saiu da Editora Abril e levou as revistas da Turma da Mônica para a Editora Globo, onde permaneceu até 2006. Atualmente, a editora responsável por suas publicações é a multinacional Panini.

Um de seus mais recentes sucessos é a revista Turma da Mônica Jovem, na qual os personagens estão com cerca de 15 anos de idade.

Segundo dados da época do lançamento, a revista chegou a vender 1 milhão de exemplares, índice que havia décadas uma revista em quadrinhos não atingia no País (VERGUEIRO, 2017, p. 79).

Nos últimos anos, Mauricio expandiu seu universo para diversos públicos, com projetos como as Graphics MSP, nas quais autores convidados reinterpretam seus clássicos personagens em seus próprios estilos.

Mônica Toy também se destaca nas produções de Mauricio de Sousa, com animações sem diálogos e bem-humoradas, para cativar os mais diversos públicos. São mais de 10 milhões de visualizações dos vídeos da série no canal oficial da Turma da Mônica no YouTube – www.youtube.com/turmadamonicatv. Entre os países com maior número de visualizações estão Rússia, México, EUA e Bulgária.

Mauricio foi o pioneiro na montagem de estúdios de animação e som no Brasil e realizou desenhos animados exibidos com sucesso na TV e no cinema, que foram posteriormente lançados em vídeo e DVD no Brasil e no exterior. Diversos longas-metragens foram produzidos pela Mauricio de Sousa Produções com direção e supervisão do autor: As Aventuras da Turma da Mônica (1982); A Princesa e o Robô (1983); As Novas Aventuras da Turma da Mônica (1986); Bicho Papão e Outras Histórias (1986); Mônica e a Sereia do Rio (1987); A Estrelinha Mágica (1988); Chico Bento em Oia a Onça (1990); O Natal de Todos Nós (1992); Cine Gibi – O Filme (2004); Cine Gibi 2 (2005); Turma da Mônica em Uma Aventura no Tempo (2007); Cine Gibi 3 (2008); Cine Gibi 4 (2009); Cine Gibi 5 (2010); Se Liga na Turma da Mônica (2012); Cine Gibi 6 (2013); Cine Gibi 7 (2014); Cine Gibi 8 (2015).

25 Mauricio tem desenhos animados exibidos em diversos horários no canal fechado de TV Cartoon Network desde 2008. De 2010 a 2013, a Turma da Mônica foi exibida na TV Globo, aos sábados. Em 2017, as animações começaram a ser exibidas no canal de TV aberto – TV Cultura.

Hoje, segundo Lovreto, em release enviado por e-mail,

entre quadrinhos e tiras de jornais, suas criações chegam a cerca de 30 países. Entre as revistas de histórias em quadrinhos mais vendidas do país, dez são de Mauricio de Sousa – atualmente, suas revistas respondem por 86% das vendas do mercado brasileiro. O autor já alcançou o extraordinário número de 1 bilhão de revistas publicadas. Não à toa, é considerado o maior formador de leitores do Brasil. Às revistas em quadrinhos, se juntam centenas de livros ilustrados, revistas de atividades, álbuns de figurinhas, livros tridimensionais e até livros em braile, além de produtos licenciados.

Ainda de acordo com Lovreto,

o licenciamento de produtos conta com mais de 150 contratos em 13 diferentes setores da economia, com grandes empresas que geram quase 3000 itens com os personagens de Mauricio de Sousa, em diversas categorias: jogos e brinquedos; roupas, calçados e acessórios; decoração; higiene pessoal; material escolar e papelaria; alimentação; vídeos e DVDs; revistas e livros. Muitos desses produtos foram exportados para cerca de 90 países nesses anos todos. Em lugares como Indonésia, China, Portugal e Japão, Mauricio de Sousa foi premiado por sua produção e intercâmbio com esses países. A marca é líder em licenciamento no Brasil.

Em 1993, Mauricio de Sousa resolveu investir em uma nova aposta e criou um parque temático, na Capital de São Paulo, o Parque da Mônica, com dezenas de brinquedos, shows e equipamentos reunidos em torno do universo de seus personagens. Após visitar parques temáticos em diversos países, Mauricio se encantou com um parque em Nova York:

Aquilo era o máximo! Na maioria dos parques, as crianças se sentavam nos brinquedos e as máquinas faziam o resto. Mas ali, não. A energia das crianças é que dava vida e movimentava o parque, como todas as brincadeiras de antigamente. Aquele era o espírito, o resgate do quintal perdido! (COLOMBINI, 2017, p. 225).

Criou, então, o Parque da Mônica, baseado nessa experiência, com brinquedos que exigiam da criança sua participação direta. Este primeiro parque encerrou suas atividades em 2010, após 17 anos de sua inauguração. Em julho de 2015, foi reaberto, em novo endereço, também em São Paulo.

A Mauricio de Sousa ao Vivo, um dos segmentos dos Estúdios Mauricio de Sousa, promove participações ao vivo com a Turma da Mônica, por meio de shows, peças teatrais e

26 espaços interativos, feiras, escolas e convenções. Os temas dos shows musicais são diversificados, abordando desde drogas, economia de energia, preservação da natureza à falta de água, desenvolvidos com o auxílio de pedagogos, e já foram vistos por mais de 5 milhões de pessoas.

Na internet, o site da Turma da Mônica foi sete vezes vencedor do prêmio Ibest como o melhor site infantil brasileiro. Com mais de 15 mil páginas, o site é visitado por crianças de todo o mundo, com mais de 30 milhões de páginas acessadas por mês.

Foi um longo caminho para chegar até aqui. Mas seus personagens são conhecidos até no exterior e fazem a alegria e diversão de milhares de crianças. Em tudo, Mauricio não perde de vista a sua mensagem universal de alegria e otimismo. Uma mensagem cheia de carinho e amor, pois é dirigida ao público mais exigente do mundo: a criança.

Ideias mudam o mundo – poucos chavões são tão verdadeiros e inspiradores. Não mudei o mundo nenhuma vez. Mas, à minha maneira, acho que o melhorei um pouquinho ao gerar bons momentos, diversão e entretenimento para milhões de brasileirinhos (COLOMBINI, 2017, quarta capa).

1.3. Instituto Mauricio de Sousa4

Mauricio de Sousa criou uma turma de personagens que passaram a fazer parte do imaginário das crianças brasileiras por décadas e décadas. São quase 60 anos de um fenômeno que vem passando de uma geração a outra, com os personagens mantendo suas características principais. Poucas mudanças aconteceram nesse período, embora as aventuras da Turma da Mônica acompanhem a evolução dos tempos. A Turminha conservou sua essência e as histórias com linguagem simples e direta, sempre carregadas de humor, criam identificação e empatia com esse público.

É preciso reconhecer que, no que diz respeito às histórias em quadrinhos infantis, Mauricio de Sousa é, sem dúvida, o maior sucesso brasileiro. Ao redor de seu personagem Mônica, o hoje veterano autor organizou um grupo de crianças com características universais, a já mencionada Turma da Mônica, sendo extremamente bem-sucedido em atrair e manter o interesse de crianças brasileiras durante várias décadas (VERGUEIRO, 2017, p. 71).

O foco principal das histórias em quadrinhos de Mauricio de Sousa é o

4 Informações obtidas em conversas, sites, relatórios. 27 entretenimento, contudo, conceitos sobre cidadania, inclusão e valores são presentes em suas revistas há décadas, sempre de forma leve e divertida. Mas há também gibis denominados pela Mauricio de Sousa Produções – MSP como Projetos Especiais, em que são abordados temas específicos. As revistas especiais focalizam assuntos como saúde, higiene, vacinação, proteção ao meio ambiente, e são distribuídas em todos os países das Américas.

Em parceria com empresas ou órgãos governamentais, foram publicadas, por exemplo, Prazer, sou a água (1972); A Cidadania (1983); O orelhão (1988) e Planeta vida (1991); Ecologia Urbana (1996); Educação no trânsito não tem idade (1996) entre outras, distribuídas de forma gratuita a milhares de crianças em todo o país.

O sucesso dessas campanhas, aliado ao desejo de Mauricio de participar de forma mais efetiva da execução de projetos sociais, deu origem ao Instituto Cultural Mauricio de Sousa, fundado em 1997. O Instituto desenvolve, sempre com os personagens de Mauricio5, projetos nas áreas da cultura, meio ambiente, inclusão social, cidadania e construção do conhecimento, utilizando-se de histórias em quadrinhos, desenhos animados, peças de teatro, vídeos, entre outros.

Esses projetos, de acordo com Evelyn Cardia6,

têm caráter informativo e formativo e privilegiam a ética, a paz, a cidadania, os direitos humanos, a democracia e outros valores universais. Sua implantação é feita primordialmente em escolas, mas são também difundidos entre a população.

Ainda segundo Cardia, o Instituto Mauricio de Sousa tem como missão

o desenvolvimento humano, a diminuição dos níveis de exclusão e desigualdade social e a criação de condições e oportunidades para que as futuras gerações possam desenvolver plenamente seu potencial como pessoas e cidadãos.

A coordenadora de projetos do IMS no período de 2008 a 2016 afirma também que o Instituto tem como um de seus objetivos “modificar hábitos e levar conhecimento a diversas camadas da população” e que, por meio de seus projetos e com a colaboração de parcerias com outras entidades, “promove ações de caráter social”.

5 Disponível em: < http://pt-br.monica.wikia.com/wiki/Instituto_Cultural_Mauricio_de_Sousa>. Acesso em: 15 jan. 2019 6 CARDIA, Evelyn Marcondes. Em conversas mantidas nos meses de abril e maio de 2018, em São Paulo. 28 O Instituto já produziu campanhas para a OPAS – Organização Pan-Americana da Saúde, WHO – World Health Organization, UNESCO, UNICEF, Associação Americana do Coração e os Ministérios da Saúde, Educação, Agricultura e Transportes, com mais de 70 milhões de revistas institucionais distribuídas gratuitamente. Produziu, também, uma série de revistas em quadrinhos para campanhas vinculadas à PAHO – Pan American Health Organization, o escritório regional para as Américas da Organização Mundial da Saúde, em Washington7.

Com o intuito de esclarecer melhor como se dá a utilização dos personagens pelo Instituto Mauricio de Sousa, conversamos com Ana Betina França Rugna Lopes8, Coordenadora Pedagógica da Mauricio de Sousa Produções e também Diretora de Projetos da Instituição no período de 2001 a 2012. Atualmente presta consultoria aos diversos projetos da MSP e do IMS.

Em seu relato, a psicóloga e pedagoga afirma que são “quase seis gerações de magia e encanto”. Os personagens de Mauricio de Sousa estão presentes nos lares há mais de seis décadas; pais e filhos cresceram com a turminha “dentro de casa”. Frisa ainda que

As crianças assimilam conceitos e comportamentos de nossos personagens, pois eles são meninos e meninas comuns, que se divertem, acertam, erram, brigam, brincam, trabalham em equipe ou viajam em seu mundo imaginário.

Ainda segundo Rugna, a Turma da Mônica agrega valores, pois

mesmo com edições voltadas apenas para o entretenimento, aos poucos, de forma implícita e natural, as histórias interferem e influenciam na formação das crianças. Na diversão, simplicidade e constância, a criança, sem perceber, retém valores, criando hábitos e, muitas vezes, mudando atitudes.

É possível concluir que é por este motivo que, já há algum tempo, as escolas públicas e particulares utilizam-se dos personagens de Mauricio de Sousa dentro das salas de aula. Muitas escolas usam as histórias em quadrinhos para trabalhar conteúdos de Português, História, Estudos Sociais, Ciências e, também, o exercício da leitura e alfabetização.

Para Betina Rugna, as histórias em quadrinhos são um meio eficaz de exercitar a cidadania, pois

7 Biografia fornecida por sua assessoria de imprensa. 8 LOPES, Ana Betina França Rugna. Em conversas mantidas entre fevereiro e dezembro de 2018, em São Paulo. 29 além de integrar as várias disciplinas, as revistas possibilitam aos alunos discutir com seus professores atitudes de respeito, justiça, solidariedade, responsabilidade e conscientização sobre seu mundo e sua vivência, com sucessos e fracassos naturais ao processo de desenvolvimento. Centenas de adultos alegam ter ‘aprendido a ler’ com Turma da Mônica.

O aprendizado, quando realizado dessa forma, é espontâneo, já que o conhecimento se dá no dia a dia, nas brincadeiras e na simples vivência e observação do mundo que nos cerca.

O Instituto trabalha seus projetos com o conceito lúdico na educação: “os recursos utilizados seguem a mesma linha das peças do entretenimento, com linguagem simples, ritmo dinâmico, musicalidade, humor, traço simples e personagens variados”, afirma Betina Rugna. O Instituto Mauricio de Sousa, além de contar com a força dos personagens, adota uma metodologia que sempre convida a criança a participar, a se integrar e a atuar como o mais importante agente de uma ação. As crianças não só compreendem os conceitos, mas também os incorporam e passam a agir como modificadores de comportamento de pais, amigos e parentes.

A seguir, alguns exemplos de projetos desenvolvidos pelo Instituto Mauricio de Sousa, em parceria com empresas ou órgãos governamentais, iniciando-se por projetos voltados às escolas.

Projeto Consumo Consciente – SOU MAIS NÓS – Parceiros: Banco do Brasil / Akatu

O uso consciente da água, da energia e as formas de lidar com o lixo são os temas abordados.

30

Figura 1 Revista de Atividades Figura 2 Gibi Sou mais nós Figura 3 Referencial Pedagógico

Projeto de Preservação da Escola – uma referência de ética e cidadania – Parceiros: Ministério da Educação e Universidade Braz Cubas – UBC

O objetivo do projeto era conscientizar os alunos, professores e funcionários sobre a importância da limpeza, do zelo pela escola, da conservação de equipamentos e de todo o mobiliário escolar.

Figura 4 Manual do Professor Figura 5 Gibi

Projeto Agentes Mirins de combate ao desperdício de energia elétrica – Parceiro: CPFL – Companhia Paulista de Força e Luz – Premiado com o Top Social da ADVB - Associação dos Dirigentes de Vendas e Marketing do Brasil, em Dezembro de 2001

As crianças aprendem a reconhecer as fontes de energia, sua transmissão, as causas de sua escassez e o combate ao seu desperdício. Realizam experiências com material lúdico e

31 recreativo da Turma da Mônica.

Figura 6 Manual do Professor Figura 7 Livro de Passatempos Figura 8 Gibi

O Instituto Mauricio de Sousa também desenvolve projetos na área de inclusão, saúde e qualidade de vida, conforme demonstrado abaixo.

Projeto Viva as Diferenças! – Parceiro: Instituto MetaSocial

Foi criada uma revista com o propósito de esclarecer a população sobre a Síndrome de Down, reforçando o conceito de que Ser Diferente é Normal.

Figura 9 Gibi

32 Projeto Autismo – Um amiguinho diferente – Parceiros: Universidade de Harvard /

AMA – Associação de Amigos do Autista

Em 2001, o Instituto foi convidado pela Universidade de Harvard para desenvolver um projeto com o objetivo de alertar a população sobre os sintomas do autismo. O Instituto produziu uma revista em quadrinhos e seis vinhetas de desenho animado (www.ama.org.br).

Figura 10 Gibi

Projeto Dengue – Parceiro: Fundo das Nações Unidas para a Infância – UNICEF

O objetivo do projeto é esclarecer a população sobre as formas de transmissão da doença, seus sintomas e, principalmente, sobre as formas de combate ao mosquito. O Instituto cedeu os direitos autorais de uma vinheta institucional produzida em desenho animado – Cuidados com a dengue – para o Fundo das Nações Unidas Para a Infância – UNICEF, que foi veiculada em diversas emissoras de televisão.

Projeto Câncer Infantojuvenil – Sintomas e Sinais de Alerta - Parceiro: CECAN – Centro de Convivência e Apoio ao Paciente com Câncer

Seu objetivo é conscientizar e sensibilizar pais, familiares, alunos, professores e profissionais da educação, saúde e público em geral sobre a importância do diagnóstico precoce. O projeto contou ainda com o apoio do IPC–Instituto Paulista de Cancerologia

33

Figura 11 Volante

Projeto Informativo / Revista – Turma da Mônica “Viva a Terra”

Reedição de revista e desenho animado sobre microbacias hidrográficas, mostrando os cuidados necessários para preservá-las.

Figura 12 Gibi

Projeto Cidadania – Clube do Voluntário Mirim – Comunidade Solidária - Criação do site do Clube do Voluntário Mirim

Neste site, as crianças podem compreender o que é ser voluntário, como tornar- se

34 um deles e também trocar experiências com outras crianças que participam do clube.

Projeto Informativo / Revista – Turma da Mônica – “O Estatuto da Criança e do Adolescente” – Parceiros: Fundação Instituto de Administração – FIA e Centro de Empreendedorismo Social e Administração em Terceiro Setor – CEATS.

Revista em quadrinhos criada em parceria com o Ministério da Educação, que difunde de forma clara e objetiva os principais pontos da Lei 8.069/90. Disponível para leitura nos sites do CEATS: http://www.promenino.org.br/servicos/biblioteca/gibi- turma-da- monica-em-o-estatuto-da-crianca-e-do-adolescente e do Instituto http://www.institutomauriciodesousa.com.br/eca.pdf

Projeto Amizade sem fronteiras – Parceiros: Itaipu-Binacional

Site com informações e atividades lúdicas voltadas às crianças dos países membros do MERCOSUL, nos idiomas português, espanhol e guarani, com acesso à cultura, modos de vida, curiosidades, política, economia e peculiaridades destas Nações.

Projeto Dodói – Parceiro: Associação Brasileira de Linfomas e Leucemia – ABRALE

Tem como objetivo promover o bem-estar de crianças hospitalizadas com câncer, prepará-las emocionalmente para o tratamento, promover a integração com a equipe de enfermagem e o corpo médico e, principalmente, com o ambiente hospitalar, assim como o fortalecimento dos familiares para as diversas fases do tratamento.

Projeto Turminha das Águas – Parceiro: Associação Global de Desenvolvimento Sustentado – AGDS

Transmite às crianças das cidades ribeirinhas informações sobre as questões ambientais da Bacia Hidrográfica do Alto Tietê e visa transformá-las em agentes difusores de conhecimento para a preservação dos recursos hídricos.

35 Projeto Esporte é para todos – Parceiro: Associação Desportiva para Deficientes – ADD

O Instituto e a ADD têm parceria, desde 2005, para a promoção de atividades de integração e inclusão entre crianças com ou sem deficiência. O material esclarece dúvidas e incentiva a prática de atividades físicas como um meio de integração, educação, socialização e respeito às diferenças individuais.

Projeto Faça (a sua) parte – Parceiro: Tribunal de Contas do Estado de São Paulo – TCESP

Faça (a sua) Parte! é uma parceria do Instituto com o TCESP – Tribunal de Contas do Estado de São para orientar a população e buscar a sua ajuda para que Estado e Sociedade possam contribuir para o bom e transparente uso dos recursos públicos.

Realizar Sonhos é um bom negócio! Natal das crianças carentes – Parceiro: Instituto de Educação Ambiental, Preservação, Conservacionismo e Promoção Social – Patriamada

O Instituto Mauricio de Sousa contribui anualmente para a realização da festa de Natal das crianças carentes de Juquitiba-SP, com a doação de brinquedos, revistas e apresentações da Turma da Mônica.

36 1.4. Um por todos e todos por um! Pela ética e cidadania.

Figura 13 Logotipo

Para sabermos como se deu a elaboração do projeto, conversamos com os principais responsáveis por sua criação e implantação. Do Ministério da Transparência e Controladoria- Geral da União – CGU, falamos com Fábio Félix Cunha da Silva9, Gerente de Fomento ao Fortalecimento da Gestão e Controle Social, então Coordenador do Projeto. Por e-mail, tivemos a colaboração do Dr. Adenisio Alvaro Oliveira de Souza10, atual Coordenador-Geral de Cooperação Federativa e Controle Social. Entre os protagonistas do Instituto Mauricio de Sousa – IMS foram realizadas entrevistas semiestruturadas com Betina Rugna, Diretora do Instituto no período de 2001 a 2012, e Evelyn Marcondes Cardia, Coordenadora de Projetos, de 2008 a 2016. Falamos, também, com Mauricio de Sousa, criador da Turma da Mônica11.

A CGU12 é um órgão do Governo Federal responsável por ações que visem à defesa do patrimônio público e melhoria da transparência na administração pública. Para tanto, utiliza-se de ações de auditoria, correição, ouvidoria, prevenção e combate à corrupção. De acordo com Fábio Félix, desde sua criação, a CGU sempre teve a preocupação em interagir com a sociedade, criando programas com a temática da corrupção, seu combate e prevenção. Entretanto, “era preciso abandonar a linguagem formal e técnica, para que fosse mais acessível ao cidadão. Também era preciso chegar ao ambiente escolar”.

Ainda segundo Félix, na busca por ideias e projetos que pudessem auxiliar nessa tarefa, o então secretário de Prevenção da Corrupção e Informações Estratégicas da Controladoria-Geral da União (CGU), Mário Vinícius Claussen Spinelli (atual ouvidor da Petrobras) apresentou o gibi produzido pelo Instituto Mauricio de Sousa: Turma da Mônica

9 SILVA, Fábio Félix Cunha. Conversa com a autora em Cuiabá, MT, 28/11/2018 10 SOUZA, Adenísio Álvaro Oliveira, DF. Conversas com a autora por telefone em outubro e novembro de 2018; e- mail de 23/10/2018. Apêndice 2 11 SOUSA, Mauricio. Entrevista concedida à autora em 19/12/2018 (Apêndice 1) 12 CONTROLADORIA GERAL DA UNIÃO. Disponível em: . Acesso em: 10 jun.2018 37 em O Estatuto da Criança e do Adolescente, que, em sua opinião, levava ao conhecimento das crianças seus direitos e deveres de forma clara, simples e, portanto, de fácil assimilação.

O fato de a personagem Mônica ser embaixadora do UNICEF e “extremamente conhecida das crianças, se mostrou um atrativo a mais” para se utilizar os personagens de Mauricio de Sousa em um projeto que facilitasse a introdução de conceitos complicados e de difícil compreensão como a prevenção e o combate à corrupção, de acordo com Adenisio de Souza.

Assim, em meados de 2008, a CGU entrou em contato com o Instituto para que fosse criado um gibi com o tema combate à corrupção. Em reunião realizada com representantes da Controladoria, Betina Rugna apresentou um projeto sobre a preservação do rio São Francisco realizado pelo IMS, no qual eram trabalhados conceitos capazes de mudar comportamentos e engajar os alunos e a população ribeirinha naquela luta. O projeto era detalhado e inovador, segundo Felix. Rugna, após tomar conhecimento de todo o trabalho desenvolvido pela CGU no combate e prevenção à corrupção, sugeriu mudar o foco da abordagem: em vez de reforçar o conceito, que é negativo, deveria se mostrar uma sociedade funcionando de forma ideal, na qual as pessoas busquem o bem comum e possam agir de maneira ética. E isso não seria possível com a utilização de um gibi apenas. Deveria ser algo maior, mais complexo: “um projeto de transformação, envolvendo professores, alunos, famílias e comunidades”.

Os principais objetivos do projeto seriam a formação ética e cidadã e, para que fossem de fato alcançados, a sugestão do IMS foi o desenvolvimento de materiais didáticos que auxiliassem os professores a trabalharem, primeiramente, os conceitos de autoestima e inclusão, com o intuito de fortalecer o indivíduo e suas relações. Somente após a aplicação deste conteúdo, seriam tratados temas efetivamente ligados aos valores e finalidades do programa.

Feita a apresentação do ‘Programa de Trabalho’ desenvolvido pelo Instituto Mauricio de Sousa e sua aceitação pela CGU, em 9 de dezembro de 2008 foi firmado o Termo de Parceria nº 20/200813 (modalidade de colaboração entre o Poder Público e Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público – OSCIP).

O Relatório de Atividades do Instituto fornecido por e-mail, e disponibilizado na rede14, aponta mais algumas das razões da criação do projeto ora em estudo.

13 Anexo I – Termo de Parceria 14 INSTITUTO MAURICIO DE SOUSA. RelatórioAtividades. Disponível em: . Acesso em: 10 fev.2018. 38 Objetivos propostos para o programa:

• “Ações educativas que levem à formação ética e moral de todos os membros que atuam nas instituições escolares; • Formar alunos para serem cidadãos conscientes, conhecedores de seus deveres e capazes de lutar por seus direitos; • Exercer a democracia e a convivência social nas escolas e nas comunidades; • Promover a autoestima, condição essencial para ser um cidadão pleno de suas capacidades; • Promover a valorização das diferenças e a igualdade de oportunidades para todas as pessoas; • Construir valores sociais permanentes, laços comunitários, responsabilidades sociais; • Desenvolver a consciência da própria condição humana, da cidadania universal voltada para a preservação do Planeta, da paz e da harmonia entre os povos”.

Inicialmente, o programa pretendia atender alunos de todo o Ensino Fundamental I, mas após avaliação do projeto piloto, o público foi redefinido para alunos do 3º, 4º e 5º anos do Ensino Fundamental, tendo como público paralelo educadores, profissionais da escola, família e comunidade. Todo o conteúdo do material didático e o planejamento estratégico foram elaborados pela equipe do Instituto Mauricio de Sousa, com a anuência e colaboração dos profissionais da CGU.

O Programa foi desenvolvido em três módulos, nos quais são explorados os temas autoestima, qualidade de vida, inclusão, meio ambiente, interesse público e bem comum, voluntariado e valores morais e éticos:

I Autoestima Capítulo Único – Autoestima

II Ser diferente é legal Capítulo I Somos Todos Diferentes Capítulo II Pessoas com Deficiência Física Capítulo III Brasil, Berço Esplêndido

III Brasil, meu Brasil Brasileiro Capítulo I Brasil, Pátria Amada

39 Capítulo II Brasil, uma República Capítulo III Democracia Capítulo IV Cidadania Capítulo V Voluntariado, Solidariedade e Bem Comum Capítulo VI Valores e Participação

Para que se introduzam conceitos que modificam hábitos, comportamentos e valores, segundo Rugna, é necessário que a informação seja aliada a experiências, emoções, discussão de ideias e que, por fim, todo o conhecimento adquirido seja aplicado na prática. O Programa possibilita que o aluno receba informações, participe de oficinas e atue com a família e a comunidade. Esse envolvimento facilita a transformação pretendida.

Os temas selecionados podem ser abordados em qualquer matéria ou disciplina escolar. A interdisciplinaridade favorece e amplia os conceitos a serem ministrados aos alunos, que, por sua vez, se tornarão multiplicadores desse conhecimento, repassando o aprendizado aos familiares e à comunidade.

O Programa prevê, portanto, o envolvimento de toda a comunidade escolar e da sociedade. Cardia afirma que a Turma da Mônica é importante aliada nesse processo, uma vez que os personagens fazem parte do imaginário de diversas gerações, facilitando o trabalho de aproximação das crianças com os temas a serem estudados. Para Mauricio de Sousa, os personagens têm aceitação em todas as faixas etárias, porque passam boas mensagens:

não podemos deixar de fazer nosso trabalho de informação, de criação... de chegar na criançada com uma mensagem, uma linguagem que seja compreendida facilmente, que não faça mal de jeito nenhum, que não tenha problema na condução de imagens. Fazemos isso há quase 60 anos! E o resultado está aí!(entrevista à autora. Apêndice 1).

“O projeto Um por todos e todos por um! Pela ética e cidadania pretende despertar o senso de cidadania, da ética, de união e responsabilidade entre todos os envolvidos no processo: educadores, educandos, família e comunidade.”15

Para a aplicação do Programa nas escolas, foram envolvidos diversos profissionais (pedagogos, psicólogos, roteiristas, desenhistas, revisores) que desenvolveram as peças a serem utilizadas.

15 Texto extraído do programa de apresentação do projeto, cedido pelo Instituto Mauricio de Sousa. 40 1 – Manual do Professor

Foi elaborado com informações sobre o uso do material destinado aos alunos e estabelece padrões de comportamento, além de apresentar conhecimentos científicos. O Manual orienta cada uma das etapas da aplicação do programa, com um criterioso planejamento das atividades. Assim, o educador saberá o que explorar em cada uma dessas ações e quais exercícios são pertinentes. Dispõe ainda de ferramentas que auxiliam a capacitação do professor, para que possa desenvolver atividades com as seguintes finalidades:

- “Promover a autoestima, a saúde física e mental, o bem-estar, a pluralidade cultural, bem como a valorização das relações familiares; - Transmitir às crianças, de forma clara e objetiva, informações relevantes sobre cidadania; - Sensibilizar a criança, por meio de elementos motivadores como histórias em quadrinhos, exercícios vivenciados, atividades lúdicas, artísticas e científicas; - Promover junto à escola a integração dos pais e da comunidade no contexto do tema em questão”.

Figura 14 - Capa do Manual do Professor

2 – Caderno do Aluno

Esta peça é uma importante ferramenta para a integração dos alunos no programa, pois a estratégia é fazer do aluno o protagonista de todas as ações. Convidá- lo a participar de

41 todas as atividades. Para tanto, o conteúdo é transmitido de forma lúdica, utilizando-se os personagens de Mauricio de Sousa. Contém exercícios, textos, questionários, pesquisas, atividades artísticas, esportivas, pesquisas, discussões de classe, feiras e gincanas.

Cada aluno possui seu Caderno de Atividades, com perguntas e espaços para desenhos, fotos e textos livres. Nele, a criança poderá falar de seus gostos, hábitos, histórias da família e situações vividas. O Caderno estimula a busca de informações, da forma mais variada possível. Além de matérias e pesquisas, contém ainda um espaço para ser dividido com os amigos para fazerem dedicatórias, poesias, etc.

Figura 15 Capa do Caderno do Aluno

3 – Histórias em Quadrinhos – Pela ética e cidadania

A revista traz informações sobre espaço público, destinação do dinheiro de impostos e controle social, abordando aspectos da cidadania, ética e transparência. Tudo de forma leve e, sobretudo, lúdica. Foram criadas quatro histórias:

- Brasil, o gigante – mostra a extensão territorial, a diversidade de paisagens e as diversas culturas que o Brasil abriga; - Cidadania começa cedo – o argumento retrata um mau prefeito e a insatisfação do povo com sua conduta; - História de uma vida – um administrador público, corrupto e mau caráter, recebe a visita de Dona Morte, que o faz ver o quanto prejudicou as pessoas;

42 - Uma nova postura – uma administração pública ruim e os prejuízos que isso causa para a população.

Figura 16 Capa da Revista Um por todos e todos por um contendo quatro histórias

4 – Histórias em Quadrinhos – O Estatuto da Criança e do Adolescente

Esta peça foi incorporada ao Programa por ter atingido grande sucesso entre as crianças, com alta tiragem de publicação, e por transmitir, em linguagem simples, os direitos da criança e do adolescente estabelecidos na Lei 8.069/90.

Figura 17 Capa da Revista O Estatuto da Criança e do Adolescente

43 5 – Revista de Atividades

É composta por diversos passatempos, com a finalidade de reforçar os assuntos abordados no Programa. São cruzadinhas, vamos colorir, caça-palavras, ligue os pontos, labirinto, entre outros.

Figura 18 Capa da Revista de Atividades

6 – Jogo de Ludo, Jogo da Memória, Avisos de porta, Cartazes e Volantes

Peças criadas com o objetivo de estimular e motivar as crianças.

7 – Carteirinha

Materializa a percepção, por parte do aluno, de que ele é o protagonista de toda a ação, portanto, de que sua participação é indispensável para que o Programa alcance seus objetivos.

8 – Folder do Programa

O folder do Programa tem por finalidade a divulgação do projeto. Descreve seu conceito, seus objetivos, público e estratégia didática a ser utilizada.

9 – Tutorial Eletrônico

Todo o conteúdo do material didático está disponível no site da CGU. Esta é uma

44 ferramenta desenvolvida a fim de dar suporte na capacitação dos professores.

Atividades, Ações e Exercícios Propostos:

Atividades lúdicas

As atividades lúdicas têm por finalidade ilustrar e reforçar os conceitos ensinados, além de divertir os alunos. Como exemplo, as brincadeiras populares, os passatempos ou os brinquedos confeccionados pelos alunos.

Exercícios vivenciados

Utilizando-se fotos, histórias em quadrinhos ou mesmo experiências são criados exercícios que levam o aluno a compreender o que lhe é ensinado por meio da vivência. É uma ferramenta que auxilia a incorporar valores, por meio de questionamentos, discussões, pesquisas e atividades lúdicas.

Atividades artísticas e jornalísticas

Técnicas de teatro, programas de rádio feitos pelas crianças, histórias em quadrinhos, jornal, livros cartonados, pintura comunitária, música e maquetes ajudam a assimilar e incorporar os mais diversos conceitos.

Atividades científicas

Por meio de experiências guiadas, é possível abordar e mostrar temas como o aquecimento global, o funcionamento de hidrelétricas, chuva ácida etc.

Ações com a comunidade

Podem ser utilizadas pesquisas com membros da comunidade e sua atuação.

Na comunidade escolar

Diversas atividades poderão ser criadas, envolvendo todos os profissionais, educadores e alunos, para que sejam incluídos pais e comunidade em inúmeros eventos, como feira cultural, torneios esportivos, feira científica, com apresentação de trabalhos artísticos e jornalísticos desenvolvidos tanto pelos alunos como pela comunidade.

45 Resultados 2008 a 2016:

O lançamento do projeto se deu durante as comemorações do Dia Internacional Contra a Corrupção, em 9 de dezembro de 200816, a fim de complementar as diversas ações que a CGU desenvolve sobre a prevenção e combate à corrupção.

No segundo semestre de 2009, foi implantado o projeto piloto, em 62 escolas públicas do País, abrangendo todos os estados brasileiros. Para tanto, 180 profissionais membros da CGU e coordenadores de ensino foram capacitados, para atuarem como multiplicadores, transmitindo aos professores das escolas participantes o conhecimento adquirido durante a capacitação. Esses professores, por sua vez, aplicaram o programa a aproximadamente 18.000 crianças.

A fim de verificar a eficácia do Programa foi realizada uma avaliação17 utilizando-se três questionários aplicados em todas as 62 escolas participantes. O primeiro traçou o perfil das escolas no que se refere aos recursos físicos, recursos humanos e envolvimento das famílias e da comunidade. Outro questionário verificou a aceitação do projeto pelos alunos e professores, bem como os níveis de motivação e compreensão dos conteúdos. O terceiro e último questionário verificou todos os aspectos do Programa: conteúdos aplicados, materiais utilizados, a participação dos familiares e da comunidade, assim como a influência dos personagens da Turma da Mônica na motivação das crianças participantes do Projeto.

O primeiro questionário foi respondido por 55 escolas e o segundo por 22. O terceiro teve apenas 16 respostas, o que prejudicou sua análise. O que se pôde verificar, da análise dos dois primeiros, segundo Evelyn Cardia, foi que o projeto teve excelente aceitação e ótimo nível de motivação. Quanto ao nível de compreensão e apreensão de conteúdos, atingiu um alto escore: 8,0 numa escala de 0 a 10. Os professores avaliaram como um ótimo instrumento de trabalho o material utilizado, bem como seu conteúdo.

Devido ao êxito do projeto piloto, em 2011 o programa foi aplicado em 500 escolas das redes pública e particular, com cerca de 290 mil pessoas participantes. Ao final do ano, nova avaliação foi realizada, observando-se a necessidade de ajustes, mas com o cumprimento

16 CONTROLADORIA-GERAL DA UNIÃO. Disponível em: . Acesso em: 15 jan. 2019. 17 Anexo 2 Relatório da CGU de avaliação do Termo de Parceira 20/2008 celebrado com o IMS.

46 de metas atingido.

Passados três anos, no segundo semestre de 2014, o projeto foi executado novamente18 e os resultados obtidos levaram o Instituto e a CGU a seguirem com a aplicação do Programa, com algumas reestruturações, porém com os objetivos e peças bases mantidos. Nesta fase, cerca de 90.000 estudantes e mais de 3.300 professores foram contemplados.

Houve nova capacitação de professores, desta vez por meio de tutorial eletrônico, com hospedagem na Escola Virtual da Controladoria-Geral da União: – https://escolavirtual.cgu.gov.br/ead/ e presencialmente, com professores da rede municipal de Cuiabá/MT, São Paulo/Capital, bem como com coordenadores pedagógicos das escolas do SESI.

Figura 19 Quadro Resumo da Abrangência do Programa, fornecido pela CGU (Apêndice 2)

Em vista dos resultados apresentados nas diversas aplicações do Programa, a CGU, o Ministério da Educação19 e o Instituto firmaram parceria, em dezembro de 2015, a fim de levá-lo a todas as cidades do Brasil, especialmente para as escolas situadas nos municípios com maior vulnerabilidade, obedecendo ao Pacto Nacional para Redução de Homicídios. O Programa conta também com a “Adesão” (Portaria nº 2.308/14)20 de diversas entidades e órgãos públicos, como o SESI, Governos do Estado do Rio de Janeiro, do Paraná e de Mato

18 CONTROLADORIA-GERAL DA UNIÃO. Disponível em: . Acesso em: 15 jan. 2019. 19 CONTROLADORIA GERAL DA UNIÃO. Disponível em: . Acesso em> 15 jan. 2019. 20Anexo 3 – Portaria nº 2.308 de 06/10/2014. Termo de Adesão.

47 Grosso, além do Tribunal de Contas do Rio de Janeiro e Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro.

Figura 20 Banner do UPT

48 2. AMBIENTES COMUNICACIONAIS E PRÁTICAS DE CIDADANIA

2.1. O projeto como prática de educação e cidadania.

Na raiz do Um por todos, todos por um! Pela ética e cidadania já estava presente o diálogo, a troca de ideias entre as duas instituições a fim de encontrarem a melhor maneira de realizar um objetivo, a formação ética e cidadã.

Como já apontamos, a intenção inicial da Controladoria-Geral da União era a produção de uma revista que falasse sobre prevenção à corrupção e a utilização da revista Estatuto da Criança e do Adolescente, já editada, com os personagens de Mauricio de Sousa, que poderiam ser acessadas em seu site.

Ao perceber a relevância do tema a ser desenvolvido e o alcance de sua aplicação, o Instituto argumentou tratar-se de algo que exigiria um projeto mais abrangente, envolvendo professores, pais, alunos e comunidade.

A partir deste entendimento, foram desenvolvidos materiais didáticos que auxiliam os professores a trabalhar os conceitos pertinentes, começando por autoestima e inclusão, consideradas pelos pedagogos do projeto como a base para toda a formação.

Acreditamos que ao pensar em histórias em quadrinhos (HQs) dificilmente as associamos, num primeiro momento, à aprendizagem e geração de conhecimento. Parece-nos que instintivamente somos remetidos ao universo infantil das brincadeiras, prazer, sonhos, fantasias e do “faz de conta”.

Entretanto, como dissemos anteriormente, HQs em sala de aula envolvem o aluno de tal maneira que é possível se utilizar desse recurso para desenvolver a aprendizagem em qualquer área do conhecimento. Ao utilizar as histórias em quadrinhos da Mauricio de Sousa neste processo comunicacional, uniu-se o lúdico à aprendizagem para estimular, também, a postura crítica e o debate.

As histórias em quadrinhos aumentam a motivação dos estudantes para o conteúdo das aulas, aguçando sua curiosidade e desafiando seu senso crítico. (VERGUEIRO, 2018, p. 21).

49 De acordo com o Dicionário Aurélio de Português Online21, a palavra lúdico remete a jogo ou divertimento, que serve para divertir ou dar prazer. Neste sentido, jogo, brinquedo e brincadeira são conceitos que se entrelaçam e se confundem, pois todos têm por princípio a diversão. A busca pelo prazer é inerente ao ser humano e o brincar é um dos meios para se atingir este objetivo.

Diante da inesgotável presença do jogo na vida do ser humano, utilizá-lo como recurso de aprendizagem e transmissão de conhecimento parece ser um caminho natural para a educação, especialmente tratando-se de crianças. A escola é o primeiro meio de socialização da criança e estar em um ambiente que proporcione o jogo auxilia seu desenvolvimento.

Ao ingressar na escola, a criança enfrenta um ambiente estranho a ela, diferente de seu cotidiano. Além de ter que se adaptar a esse novo ambiente, ainda tem que se submeter ao aprendizado do conteúdo curricular. Trazer o jogo, a brincadeira para esse processo de ensino-aprendizagem parece-nos o caminho mais lógico a seguir (Miranda, 2014). Como suporte pedagógico, além de possibilitar uma maior interação entre o professor e os alunos, facilita o desenvolvimento de novos saberes. De acordo com a Diretora de uma das escolas de Cuiabá por nós entrevistada

As historinhas despertam na criança a vontade de ler, a curiosidade, a vontade de saber mais, além do que, no UPT existem outros personagens além da Mônica, Cebolinha, Cascão e Magali, que ampliam mais a motivação destas crianças para o mundo da leitura. Ele pode ser trabalhado em várias disciplinas e séries.

Por meio das histórias em quadrinhos é possível levar o leitor a um mundo imaginário, de fantasia. Logo, ali está presente a brincadeira, o jogo, a ludicidade. O faz de conta, que leva a criança a outro mundo, lhe permite trabalhar aspectos de sua formação como indivíduo pela identificação com os personagens dos quadrinhos e com as situações criadas nas histórias. O que não significa que a criança não saiba diferenciar o real do imaginário. Ao contrário, ela entra e sai do mundo da imaginação com naturalidade. Como nos lembra Johan Huizinga: “A criança joga e brinca dentro da mais perfeita seriedade, que a justo título podemos considerar sagrada. Mas sabe perfeitamente que o que está fazendo é um jogo” (HUIZINGA, 2014, p. 21).

21 AURÉLIO. Disponível em: . Acesso em: 13 jun. 2018.

50 Essa identificação com os personagens de quadrinhos facilita a apreensão de conteúdos e favorece a socialização.

Em uma das conversas com assessoras da Secretaria Municipal de Educação de Cuiabá, especificamente sobre a relevância da Turma da Mônica no processo de aprendizagem, uma delas nos contou que uma das professoras, apaixonada pelo Universo Mauricio de Sousa e pela Turminha, cujos personagens fizeram parte de sua infância, após participar da capacitação para aplicar este projeto desenhou a Turma da Mônica nos muros da escola, por considerar “maravilhoso trabalhar com eles em sala de aula, pois vêm de gerações”. As assessoras também ponderaram que, quando os professores não acreditam no material “a escola não o aceita, os alunos não gostam”, entretanto, para elas não tem como não aceitar o UPT, pois além de contemplar um plano de aula direcionado “é multidisciplinar, permitindo trabalhar temas considerados tranversais”, com alunos e professores interagindo com a leveza da ludicidade propiciada pela Turma da Mônica, com a qual muitos deles partilharam a infância.

Desta e de muitas outras conversas e relatos, talvez possamos depreender que, ao utilizar histórias em quadrinhos da TM para ilustrar uma situação, os alunos se identificam, pois os personagens falam de um jeito próximo, apresentam conceitos de forma simples, como se fosse um amigo conversando normalmente sobre determinado assunto. As crianças se sentem integradas, participando daquele processo, e por vezes, até se veem em determinadas situações, superando, neste contexto, as dificuldades em se expressar sobre temas mais delicados e pessoais, dialogando e compartilhando informações e sentimentos com seus colegas e professores.

Essa identificação pode ser observada não somente durante as atividades presenciadas em sala de aula, mas também nos depoimentos dos alunos nas pesquisas realizadas pela CGU e CGM Cuiabá. Transcrevemos abaixo um deles, de uma aluna da 5ª série, a quem identificaremos como Maria:

Cada pequena ação que realizamos transforma nossas vidas e de outras pessoas. A cidadania é o gesto verdadeiro de querer melhorar, de querer o bem comum, não por exigência, mas por consciência. E isso faz bem pra gente e pra todo mundo. O mais legal é que a Turminha está nessa jornada, junto com a escola e os alunos. Então vamos todos nos unir e trabalhar para a construção de um futuro mais justo e feliz. Afinal, ele está em nossas mãos. UM POR TODOS E TODOS POR UM pela ética e

51 cidadania.

Ainda quanto à identificação de alunos com personagens

A forte identificação dos estudantes com os ícones da cultura de massa – entre os quais se destacam vários personagens de quadrinhos –, é também um elemento que reforça a utilização das histórias em quadrinhos no processo didático (VERGUEIRO, 2018, p. 21).

As histórias em quadrinhos atingem públicos de diferentes níveis sociais, econômicos e educacionais. Portanto, atingem diversas camadas da população, o que facilita a propagação de conteúdos diversos, pois possibilita a compreensão de mensagens de maneira rápida e fácil. Uma das razões do êxito na transmissão dessas mensagens é o mecanismo utilizado pelos quadrinhos, no qual texto e desenho se completam.

Para se produzir uma história em quadrinhos, diversos elementos são utilizados. O processo se inicia na criação do roteiro, na elaboração da trama que se quer desenvolver. Qualquer assunto, qualquer tema pode ser desenvolvido, é o que comumente se chama de enredo. Uma vez concluído o enredo, o fio condutor da história, inicia-se o segundo passo, que é transformá-lo em uma sequência lógica de quadrinhos. É preciso definir quais serão os personagens, os cenários, o diálogo (quando necessário), como será a transposição das cenas para o papel e em que sequências serão realizadas. Para isso, inúmeros recursos são utilizados.

Ao falarmos de desenho, não nos limitamos ao traço puro e simples de construções de objetos ou pessoas. Os desenhos apresentam uma variedade muito maior de recursos. Traços simples inseridos no quadrinho podem imprimir movimento à cena ou transmitir calor, mostrar velocidade ou dar a sensação de grandiosidade, movimentação corporal. As expressões dos personagens também são trabalhadas, para transmitir ao leitor todas as emoções que a história exige. São recursos como enquadramento dos personagens, sobrancelhas cerradas ou franzir de testa, gotinhas de suor, faces ruborizadas, enfim, uma gama imensa de traços que permitem ao autor passar ao leitor as emoções pretendidas. Há também o uso das onomatopeias, que substituem os sons nos quadrinhos. Aliados a esses e outros recursos, são inseridos os textos, normalmente em balões, que também apresentam formatos diferenciados, para que o leitor saiba se o personagem está falando ou sussurrando, por exemplo. Sem nos esquecermos dos cenários, que ambientam as cenas, e suas cores, que

52 darão à história o tom desejado, se de harmonia, suspense ou terror, entre outros.

Os quadrinhos de Mauricio de Sousa utilizam todos esses recursos, mas suas produções apresentam características marcantes, que tornam seus desenhos facilmente identificáveis. A começar pela universalidade de seus personagens: são crianças comuns, que poderiam ser ambientadas em qualquer país do mundo, pois seus problemas, assim como suas brincadeiras, são comuns às crianças do mundo inteiro. Elas brincam, brigam, fazem as pazes, têm animais de estimação, são solidárias, sonham, brincam de amarelinha, jogam futebol, enfim, representam a infância em qualquer nacionalidade.

As razões para o sucesso desse autor estão muito provavelmente relacionadas com as características de sua produção, em que os pontos fundamentais de identificação com a cultura brasileira foram sutilmente omitidos de forma a favorecer que os atributos e preocupações de caráter mais universal se tornassem predominantes nas histórias, tornando possível que esses personagens pudessem ser comparados a qualquer criança do mundo (VERGUEIRO, 2017, p. 72).

Graficamente, Mauricio também apresenta características bastante marcantes, diferenciadas. Seus cenários são claros, com cores em tons pastel, sem muitos objetos em cena, sempre destacando o personagem e suas emoções. Utiliza grafismos para demonstrar as emoções dos personagens e onomatopeias para destacar os sons, sempre com moderação, sem deixar de transmitir a mensagem com a força que ela necessita. Os textos dos balões são normalmente curtos, objetivos, ocupando um terço do quadrinho, no máximo, para dar destaque ao desenho. Em muitas de suas histórias, inclusive, não há texto (Mello, 2013). As imagens são as responsáveis pela transmissão da mensagem, de maneira leve e divertida. Recurso, aliás, utilizado em muitas das atividades do UPT, para que as crianças possam se expressar livremente, como por exemplo, no autorretrato (Módulo I, Autoestima). Por meio do desenho e o que ele deixa transparecer, situações epecíficas podem ser trabalhadas individualmente ou em grupo, estimulando mudanças em cada um dos que foram tocados, despertando a incorporação de valores e atitudes. Aqui nos lembramos do relato de uma das professoras sobre um aluno com Síndrome de Down, que não dominava a leitura e a escrita, mas tinha maior aproveitamento nas atividades lúdicas. O que, também, nos remete a ideia de inclusão e diversidade, temas abordados pelo UPT.

Em uma das escolas visitadas, que conta com estudantes autistas em algumas das turmas matutinas, o projeto também foi aplicado, com a participação de todos os alunos. De

53 acordo com a Diretora “o aluno reage às cores – o material é colorido, e com a ajuda de um outro professor”, que não exerce a função em sala de aula, mas que auxilia estas crianças durante as atividades, “o aluno se habilita a desenvolver o conteúdo estudado com a assistência deste auxiliar”. O UPT, por tratar de temas como ética, cidadania, inclusão, “da reflexão da criança sobre o respeito, colabora e muito no desenvolvimento do trabalho para aceitar as diferenças e aprender a compreender e a enxergar o outro”, melhorando a integração dos demais alunos com os que possuem necessidades especiais. Situações cotidianas são recriadas e temas delicados vivenciados de maneira natural.

Ainda de acordo com a mesma Diretora, a obra de Mauricio de Sousa criou um universo muito amplo. Suas histórias abarcam vários temas que permitem tratar assuntos tranversais e enriquecedores, e ter em mãos um material como o do UPT que trabalha a questão da ética e da cidadania “é muito bom, pois discutir a socialilização com os outros desde a educação infantil é extremamente relevante”, promovendo o debate e a vivência sobre estes temas na escola. As crianças se reconhecem nos personagens e também se reconhecem, veem que também elas são diferentes em alguns aspectos e, “esse diferente é que faz ela entender o outro”. Lembra-nos Paulo Freire, ao afirmar ser preciso trazer a realidade da criança para poder auxiliá-la, e para ela, isto é possível de forma simples, por meio das atividades propostas pelo UPT, “um programa que tem uma construção aparentemente simples, mas que é efetivo”, pois, entre outras coisas, permite identificar situações que requerem a atenção especial do professor, que poderá interagir para transformá-las e ou superá-las. A vivência de situações do dia a dia que traz o aprendizado, recria o que está sendo ensinado por meio do diálogo, respeito e autonomia, não apenas da criança, mas do próprio professor, que a cada vez que ensina reaprende alguma coisa.

Um relato marcante, feito não apenas pelas assesoras da Secretaria Municipal de Educação de Cuiabá, mas por professoras das escolas por nós visitadas naquela cidade, foi sobre determinada apresentação na Culminância (cerimônia de encerramento da aplicação do UPT), em 2018. Uma das turmas dançou, com a participação de um cadeirante, ao som de Ninguém é igual a ninguém, de Milton Karam, que fala sobre a riqueza das diferenças. Segundo elas, pôde-se perceber o cuidado e a delicadeza das outras crianças com o colega cadeirante e a emoção em seus olhos, a sua alegria por estar naquele palco com sua turma. O UPT auxilia a criança no processo de aceitação de si mesma e do outro. Ao dialogarem sobre

54 as diferenças, todos, professores e alunos participam da construção deste ambiente e do conhecimento. Por meio dos exercícios, ao interagirem com personagens, diferentes uns dos outros, mas que se respeitam, podem aprimorar a percepção dos conflitos, do ambiente em que se encontram e aprenderem mais sobre eles próprios e os demais, aprender a lidar melhor com o mundo e as diferenças.

Com estas considerações cremos ter apresentado o necessário, por enquanto, sobre a relação entre HQs, aprendizagem e geração de conhecimento e a prática educacional permeada pelo diálogo, para seguir adiante na abordagem do Um por todos, todos por um! Pela ética e cidadania

2.2. O projeto como ambiente comunicacional

O projeto foi pensado tendo o professor como imprescindível, o mediador, e os alunos como protagonistas. Segundo Félix e Larissa22, na conversa mantida com eles em Cuiabá, o primeiro a ser encantado com o Programa é o professor, “ele é o pivô do grande sucesso do programa”. O professor motivado participa do processo que o etólogo Boris Cyrulnik denomina encantamento pela sensorialidade do outro:

O encantamento do mundo é um produto da evolução: os animais são enfeitiçados quando percebem a sensorialidade de um outro, o odor, a cor, a postura que os governa servindo-se dos cinco sentidos. E os homens, única espécie que possui seis sentidos, vivem no duplo encantamento dos sentidos e do sentido que a historicidade cria. Nunca vemos o mundo dos outros, mas representamo-lo pelos sinais das palavras e dos seus gestos, que nos enfeitiçam ainda mais (CYRULNIK, 1997, p.8).

Este encantamento talvez possa ser atribuído à utilização dos personagens da Turma da Mônica e seu lastro de seis décadas participando da vida da maioria dos envolvidos. Talvez, também, possamos inferir que, ao se depararem com a “turminha” eles resgatem suas experiências e as memórias afetivas se tornam presentes. Este encantamento também pôde ser percebido pela autora durante as conversas mantidas com professoras, em um evento educacional promovido pela Secretaria Municipal de Educação de Cuiabá, em novembro de 2018. Seus relatos, ainda a abordar nesta dissertação, foram reveladores.

De acordo com Félix, a CGU chegou a desenvolver seus próprios personagens e

22 ALVIM, Larissa de Souza. Coordenadora do Núcleo de Ações de Ouvidoria e Prevenção da Corrupção, Controladoria- Regional da União no Estado de Mato Grosso. Diálogo com a autora em Cuiabá, MT, 28/11/2018

55 HQs, entretanto, os resultados nem podem ser comparados aos atingidos com a TM, com toda a “sua bagagem, toda essa construção de décadas” refletidas na maneira como as crianças recebem o material, “é algo que faz sentido, pois faz parte do histórico de vida dos pais e professores”. Neste ponto, nos lembramos das ricas conversas com nosso orientador, que nos fala que a educação não se dá só na escola, levando-nos a pensar que Mauricio de Sousa contribuiu para a formação de gerações, mesmo não estando oficialmente nas salas de aula. Aliás, ao entrevistá-lo, perguntamos se ele se considerava um educador

Eu não me considerava antes, agora estão me chamando tanto de educador, que eu estou começando a entender, ou melhor, aceitar. Efetivamente, quem tem dez filhos, por natureza é meio educador, vai treinando com os filhos (...) e depois nasceram personagens fortes que são aceitos pelo leitor, então eles podem falar por mim (...) então nós temos, vamos dizer assim, o dever de comunicação (SOUSA, em entrevista à Autora. Apêndice 1).

As peças que compõem o UPT foram criadas para que aluno e professor vivenciem os conceitos apresentados por intermédio do lúdico, estimulando a criatividade e a interatividade. O lúdico e o diálogo permeiam todo o processo como ferramentas da prática educativa, propiciando uma maior aproximação professor/aluno, facilitando a assimilação de conceitos, conferindo-lhes mais sentido, possibilitando, inclusive, o desenvolvimento de habilidades motoras e cognitivas por meio de jogos e outras atividades específicas (pintura, teatro etc).

Cremos que aqui podemos ver as teorias de Paulo Freire, quando argumenta que a prática educativa deve embasar-se na troca entre educador e educando:

A educação é comunicação, é diálogo, na medida em que não é transferência de saber, mas um encontro de sujeitos interlocutores que buscam a significação dos significados (FREIRE, 1987, p. 66).

Na maioria das atividades propostas no UPT, o professor participa dos exercícios, seja dando ou buscando informações, simulando situações, contextualizando, questionando, problematizando e dialogando de várias maneiras sobre os temas e seus desdobramentos.

O papel do educador não é o de ‘encher o educando de “conhecimento”, de ordem técnica ou não, mas sim o de proporcionar, através da relação dialógica educador- educando educando-educador, a organização de um pensamento correto em ambos (FREIRE, 2017, p.6).

A esse respeito, o próprio Felix nos disse que ao assumir uma proposta voltada para a

56 área de educação, a CGU já contemplava uma metodologia que respeitasse a experiência trazida pelo outro, juntando a técnica à “vivência” da sua realidade, orientando-o, contribuindo, assim para mostrar como “ele pode colaborar para a melhoria desta realidade”.

Em Cuiabá presenciamos a prática de algumas dessas atividades, e obtivemos das crianças relatos sobre outras desenvolvidas anteriormente. Foram apontadas mudanças não apenas comportamentais, mas também nos espaços das escolas, tanto por professores quanto por alunos.

A grande maioria das crianças se apressa, demonstrando-se ansiosas para compartilharem suas experiências. Destacaram, principalmente, vivências relacionadas à autoestima (Módulo I), às diferenças (Módulo II), comentando também situações pertinentes ao meio ambiente, direitos e deveres, civismo (Módulo III).

Maria2, 8 anos, nos conta que ficou emocionada com as atividades sugeridas no Modulo I, Autoestima. Com algumas dessas atividades se pretende distinguir a singularidade de cada indivíduo. Numa delas, os amigos deveriam escrever mensagens nos cadernos uns dos outros, externando como os viam, o que sentiam por eles, “quando eu vi o que Maria3 escreveu sobre mim, fiquei muito emocionada”, prosseguiu lendo o depoimento “Maria2, você é a única amiga que eu tenho, você nunca me deixou na mão”.

Sua narrativa remete à importância do contato humano, dos vínculos entre as pessoas envolvidas, dos corpos envolvidos nas atividades.

Talvez possamos afirmar que ao escrevermos algo, de certa forma o eternizamos, e, ao mesmo tempo, temos a oportunidade de refletir sobre o que aprendemos com isso. Em todas as atividades os alunos são estimulados a compartilhar suas experiências com os demais.

Outros depoimentos nos contam da experiência de se ver privado de alguns sentidos e/ou movimentos, descender de determinada etnia. Estes são vivenciados no Módulo II, Ser diferente é legal, que ressalta a riqueza e a importância das diferenças, sua aceitação e realça que todos têm habilidades. Trata ainda sobre o preconceito e o respeito. Aqui as atividades permitiram aos alunos perceber as dificuldades enfrentadas por pessoas com necessidades

57 especiais e que precisam do auxílio de outros. Permitiram, ainda que alunos negros “trabalhassem” sua identidade cultural. Em conversa com as assessoras da Secretaria Municipal de Educação de Cuiabá, foi-nos dito que, na Culminância, meninas negras se apresentaram com o cabelo natural, “aceitando, não seguindo o padrão”, atribuindo esta postura ao trabalho desenvolvido no Primeiro e Segundo Módulos do UPT, no qual conversam e recriam situações sobre austoestima e diferenças.

Destacamos o relato de um dos alunos, a quem denominaremos José, de 9 anos, que diz ter gostado de ter trabalhado o ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente, pois por intermédio dele ficou sabendo que “temos direitos e deveres”, incluindo o direito à educação, “se a gente não soubesse, né, professora, hoje a gente não estaria aqui estudando”. A professora posteriormente nos esclareceu que o aluno tinha problemas de relacionamento em casa, e com o conhecimento do estatuto fez valer seu direito de ir à escola.

O ECA é abordado no módulo III, capítulo IV, Cidadania. Uma das atividades propostas é discutir em grupo os artigos e, depois, divididos em dois grupos, desenhar e explicar um desses direitos. Cada aluno também deve expressar, por meio de um desenho, a sua versão do Estatuto, no seu caderno. Além disso, é sugerido que criem leis para um bom convívio na escola e as comparem à Constituição que rege o nosso país. Este exercício foi comentado por uma das professoras: “eles viram a importância de obedecer a essas regras, porque as regras entram na questão do respeito pelo outro, por você, e na questão da diferença, tão mencionada por eles”. Citou, ainda, ocasiões nas quais se deparam com determinados acontecimentos e comparam suas atitudes e/ou a de seus colegas com os valores aprendidos a partir do UPT.

Observamos, na prática, mais de um exemplo de atividades cujos desdobramentos transbordam para além do espaço escolar. Percebemos que os gestos concretos de compartilhamento permitem a experiência prática de cidadania, a participação em ambientes de comunicação marcados por vínculos.

Cremos que podemos dizer que os depoimentos colhidos durante a pesquisa apontam o encantamento da descoberta de si mesmo, do outro, de como o outro o vê e de como o outro se vê. Segundo a Sra. Larissa Alvim, no mapeamento feito pela Controlodaria-Geral, em Cuiabá, constam relatos de professores sobre a “melhora” dos alunos em sala de aula, “os

58 próprios alunos vendo os colegas e se vendo de outra maneira”. A esse respeito trancrevemos o depoimento de uma das professoras, com a qual conversamos:

O que me marcou muito neste ano, é que tem um menino na minha sala que está acima do peso e que também tem dificuldade no aprendizado. Numa das atividades em que deveriam falar de suas próprias qualidades ele foi o único a dizer que não tinha qualidade nenhuma. Eu disse a ele não existir ninguém que não tenha uma qualidade, que ele também as possuía, que só tinha que descobrir quais eram, que passasse a observar. Ele foi para o recreio, brincou e ao retonar me falou: “professora, descobri, eu achei que nunca seria bom de bola, nunca teria condições de jogar bola porque eu era ruim demais... hoje descobri que eu posso e eu consigo, hoje eu fiz gol. Eu disse que ele tinha percebido que possuía qualidade, que tinha descoberto a primeira e que iria descobrir muitas outras. E, se no começo ele achava que não sabia, hoje ele não fala mais assim, ele fala eu sei, eu consigo, ou, não prestei atenção aqui, né, professora... então você vê que ele já mudou um pouco a questão da autoestima (pra ele foi bom, o efeito já foi observado). Ele, que antes falava que não sabia, começou a se perceber, a ter um olhar pra ele mesmo. Falava que era ‘burro’ e eu dizia para parar com isso porque eu não dou aula pra animal, eu não fui especializada pra isso, eu dou aula pra ser humano. Vamos voltar aqui e rever o exercício, pois aqui não é fazenda, não é sítio, então eu não dou aula pra animais e é bom prestar atenção. Talvez ficasse preocupado com o que as pessoas pensavam e falavam dele. Percebemos que ele começou a se preocupar mais com ele mesmo e a se valorizar. São situações assim que a gente vê que vale a pena e pensa: vamos continuar tentando.

Somos levados a deduzir, deste depoimento, que o acolhimento da professora propiciou o início da ‘quebra’ de um determinado comportamento, possibilitando ao aluno olhar-se sob outras perspectivas. Por meio das atividades são criados laços, cultivadas amizades. As vivências transvazam e se estendem para a compreensão de que estamos em um ambiente comum, maior, que vai além da sala de aula. Possibilitam, por meio do brincar, que potencialmente as crianças conheçam a si mesmas e se relacionem melhor com o mundo ao redor. A Sra. Larissa destacou, ainda, o relato de uma professora, com deficiência física, que “coloca que a transformação começou por ela, que ela precisava se aceitar para chegar bem na sala de aula e poder acolher os alunos”. Em uma das escolas que visitamos, uma das professoras, referindo-se à parte do UPT que aborda as diferenças, especificamente as deficiências físicas, considerou a “experiência muito rica, pois as crianças viveram aquilo com as brincadeiras,” puderam sentir as dificuldades e relataram “como é difícil, sentiram a dificuldade, e como é estranho, quando você não tem um dos seus órgãos ativo”. Ainda sobre as diferenças, a mesma professora destacou o depoimento de uma de suas alunas, abordando o respeito: “quando você respeita o outro, você deixa nascer uma amizade verdadeira”.

Se considerarmos que somos seres relacionais, tais comentários reforçam a percepção do quanto podemos ser afetados por nossas relações sociais e pessoais, o quanto

59 elas nos tocam.

Ao observamos a aplicação do Programa e seus relatos, lembramos-nos imediatamente dos processos de mediação em sintonia com as definições formuladas por Harry Pross de meios primário, secundário e terciário, que têm o corpo como referência e como um de seus princípios a cumulatividade. Eles não se anulam, mas se complementam. Há um programa de prevenção à corrupção sendo implantando, que tem entre seus objetivos a cidadania, marcado pela comunicação que acontece, principalmente, nas mediações primárias (o corpo e seus gestos) e secundárias (como os impressos).

A todo momento, seja observando a aplicação, os recursos utilizados pelo projeto, ouvindo depoimentos, pesquisando sua construção, notamos a presença marcante da comunicação primária, face a face, também chamada de “mídia primária”. Ela ressoa em nossos ouvidos, salta aos nossos olhos, permeando-se, alternando-se com os meios secundários ou impressos.

Na mídia primária juntam-se conhecimentos especiais em uma pessoa. O orador deve dominar gestualidade e mímica [...] (Pross, apud Baitello, 2005 p. 107).

Toda comunicação humana começa nos meios primários, com o qual os indivíduos se encontram cara a cara, corporalmente e imediatamente, e toda comunicação retorna para lá (PROSS, apud BAITELLO, 2018 p. 36).

Toda comunicação começa no corpo, é bem o que podemos observar no UPT, desde o seu processo de criação. Alguém dialoga com outro alguém sobre um meio secundário (revista ECA) que poderia ser usada pela CGU na prevenção à corrupção.

Os corpos e suas linguagens naturais – a voz e o gesto-, equipados com um artifício qualquer, se amplificam e perduram mais tempo. Tornam-se os media secundários (PROSS, apud BAITELLO, 2018 p. 36).

A mídia secundária é constituída, para Pross, por “aqueles meios de comunicação que transportam a mensagem ao receptor sem que este necessite um aparato para captar seu significado, portanto são mídia secundária a imagem, a escrita, o impresso, a gravura [...] (PROSS, 1972, p. 128, apud BAITELLO, 2014, p. 108).

Interlocutores da CGU e do IMS utilizam um meio terciário (elétrica/telefone) para um primeiro contato, marcando um encontro presencial para trocarem ideias e informações

60 sobre a elaboração de um meio secundário (revista).

Meios terciários são aqueles meios de comunicação que não podem funcionar sem aparelhos tanto do lado do emissor quanto do lado do receptor (PROSS 1972, p. 224, apud BAITELLO, 2018, p. 37).

A presença física, com toda a sua força de gestos e linguagens diversas, se fez necessária para que o processo fluísse e fosse gerado. Frisamos, porém, que se a comunicação começa e termina no corpo, convém destacar que não é só corpo físico, mas o corpo carregado de símbolos.

Quando observamos o corpo como mídia primária não estamos apenas nos referindo às suas funções biológicas. Percebemos que o corpo, além de ser um organismo vivo, uma expressão da natureza, também tem sua memória cultural (MENEZES, 2007, p.28).

Nas práticas sugeridas pelo UPT não é muito diferente. Professores e alunos ficam no mesmo espaço, dialogam num processo comunicativo prenhe de meios primários “produzidos pelas linguagens do corpo” (Baitello, 2018, 36), com suas histórias e memórias, mediados também por cadernos e revistas, meios secundários, que são folheados, lidos, tocados e que lhes apresentam situações a serem vivenciadas presencialmente, analisadas e compartilhadas. Salientamos que tanto os criadores do UPT, quanto os professores com os quais falamos, afirmaram que “acreditam na efetividade do projeto desde que haja esse contato direto entre os envolvidos”. A esse respeito, Baitello (2005), menciona um estudo de Eibl-Eibesfeldt sobre a interação entre animais, acerca da importância da comunicação primária para a construção de vínculos comunicativos.

Ainda conforme Baitello, toda comunicação é um vínculo, uma ponte entre o meu espaço e o do outro, sendo o corpo o primeiro meio de comunicação do homem e o primeiro instrumento de vinculação com outros seres humanos. Para o autor, “comunicar-se é criar ambientes de vínculos” (2008, p. 100) sendo que “o alimento dos vínculos pode ser genericamente denominado afeto” (2008, p.102).

Malena Contrera, no verbete “vínculo comunicativo – comunicação”, publicado no Dicionário de Comunicação organizado por Ciro Marcondes, também menciona a afirmação de Baitello ao propor a importância dos vínculos para a Comunicação. “Vincular’ significa ‘ter ou criar um elo simbólico ou material’, constituir um espaço (ou um território) comum, a

61 base primeira para a comunicação” (CONTRERA in MARCONDES, 2014, p. 459).

Neste contexto lembramos que essas atividades, que envolvem os processos de comunicação denominados primários, secundários e terciários, são propostas dentro do ambiente escolar, carregado de símbolos, para então se esparramarem, muitas delas, além da sala de aula. Vínculos diversos são criados pela participação em um ambiente de comunicação.

Além disso, o corpo implica o território da proximidade e da sensibilidade, considerando o entendimento de Cyrulnik (1997) de que vincular-se também implica em estar com, pois “não pertencer a ninguém é não se tornar ninguém”. Quando uma criança ou adolescente folheia um impresso como um gibi da Turma da Mônica ela participa, ao lado de colegas ou familiares, do encantamento proporcionado pelas narrativas das histórias em quadrinhos. A imaginação e a representação envolvidas na sua leitura propiciam um vínculo entre o personagem e o leitor. Talvez seja legítimo pressupor este envolvimento entre leitor e personagens, considerando-se, ainda, a metáfora do foguete proposta por Cyrulnik, na qual, de acordo com Menezes (2007, p. 33) “o primeiro andar (do foguete) respeita as leis da natureza, e o segundo se projeta em direção ao planeta dos sinais”, tornando possível criar o mundo do símbolo, da representação.

A comunicação mediada pela cartilha chama para a mediação primária, para o diálogo sobre o que está sendo proposto, para o compartilhamento do material e de suas possíveis interpretações, chama para o desenvolvimento de vínculos. Talvez possamos inferir que essa comunicação em sala de aula, tratando de temas específicos no ambiente de aprendizado, num mesmo espaço, vincula as pessoas numa prática concreta de comunicação e de cidadania, pois, ao participarem juntas destas atividades, desenvolvem, continuamente, vínculos entre elas.

A partir das histórias e personagens da Turma da Mônica, os alunos simulam situações distintas, recortam, pintam, formam duplas, falam sobre si, escutam, compartilham informações e resultados. Usam todos os seus sentidos durante as vivências propostas. Expressam-se de variadas formas, com diferentes linguagens corporais, escrevendo, desenhando, dançando. Todos participam deste ambiente comunicacional com suas características específicas, criado por sua dinâmica lúdica, tendo a Turma de Mônica e sua

62 linguagem e cores próprias também como indutora do processo. São abordados diversos temas, por vezes mais complexos, de forma leve, acessível e inclusiva, num diálogo entre o brincar e o aprender, entre personagens e crianças com eles vinculadas. Há uma contextualização de acordo com suas experiências e com o cotidiano e a realidade social em que estão imersos. Não é demais lembrar que se estamos falando com crianças, devemos usar a linguagem mais adequada para sermos compreendidos.

Reportamos a experiência propiciada por uma das turmas, ao mostrar sua vivência de um dos exercícios do Módulo III do UPT, Brasil, Meu Brasil Brasileiro, capítulo III, Democracia. O UPT sugere que o texto Democracia, lido pelas crianças, seja enviado aos pais para que compreendam um pouco mais o assunto e se inteirem sobre o que seus filhos estão aprendendo. Para facilitar ainda mais a assimilação, os alunos devem refletir e discutir a respeito da história (HQ) Cidadania começa cedo, que mostra a encenação de uma peça pela Turma da Mõnica sobre um mau prefeito (Cascão) e sua relação com a comunidade. Foram simuladas eleições governamentais e presidenciais de 2018, com os alunos apresentando suas propostas:

Meu nome é Joana, eu sou candidata a Governadora. Eu prometo melhorar a segurança e vou fazer novas creches e escolas. Então eu peço seu voto, vote certo, vote em mim, vote 12 porque eu não quero ver o meu povo morrer.

O meu nome é Joana2, vote em mim tranquilamente. Como sua Governadora irei garantir a sua segurança e saúde em Mato Grosso. Para votar em mim, 13. Espero sua colaboração para ter um futuro bem mais garantido e brilhante.

João, disse Eu, Jair Bolsonaro (imita a fala) melhorarei as creches, criarei um parque para que as pessoas conheçam melhor a nossa cidade, o povo ganhará mais no bolsa família, abaixarei o gás, a gasolina que subiu neste mês... Nesse ano que agora de 2 tá 5 reais... Vote 17, Bolsonaro (Gritos de João, João).

Eu sou Joana3. O meu número é 929 e eu me candidatei para trazer o Brasil de Lula de volta e construir escolas e creches, aumentar o salário mínimo e também pra baixar o preço das coisas. Então, se quiser um Brasil melhor, vote em mim.

Todos falam sobre segurança, educação e saúde, assuntos que integram seus ambientes e fazem parte de seu cotidiano e certamente impactam suas vidas, a de seus familiares e comunidades. Algumas das atividades requerem, além do professor, o auxílio da comunidade, por vezes das famílias. É o que acontece, por exemplo, no Módulo I,

63 Autoestima, quando os alunos devem procurar saber a origem de seus nomes: um exercício aparentemente simples, mas que possibilita uma aproximação entre pais e filhos. Ou, no Módulo II, Ser diferente é legal, quando é solicitado aos alunos que pesquisem sobre seus ancestrais e montem sua árvore genealógica; que pesquisem com os moradores do bairro sobre a história de sua comunidade. Os resultados são compartilhados com cada turma, reportando experiências distintas, demonstrando como as diferenças podem ser enriquecedoras.

Conforme já apontamos, a escola e as salas de aula têm suas características específicas, suas próprias histórias, como todo corpo e texto culturais. Neste ponto, recorremos ainda a Baitello para entendermos melhor o que caracteriza um ambiente comunicacional

(...) um ambiente comunicacional constitui uma atmosfera saturada de possibilidades de vínculos de sentido e vínculos afetivos em distintos graus (...) estar em um ambiente significa estar integrado a ele, configurando-o e sendo configurado por ele. (...) portanto, não é apenas o pano de fundo para uma troca de informações, mas uma atmosfera gerada pela disponibilidade dos seres (pessoas ou coisas) por sua intencionalidade de estabelecer vínculos (BAITELLO, 2018, p. 77).

Parece-nos, assim, que o ambiente comunicacional pode ser compreendido não apenas como um simples espaço físico, mas como um ambiente gerado por tudo que ele contém, representa e indica, incluindo os afetos, como espaços de convivência capazes de gerar ressignificações.

As três escolas públicas que visitamos localizam-se em bairros de Cuiabá classificados como “área de vulnerabilidade” e atendem crianças do ensino fundamental público. As classes que nos receberam eram de alunos dos 2º, 3° e 4º anos, com crianças de 7 a 10 anos de idade. Duas dessas instituições atendem alunos portadores de necessidades especiais. São escolas bem conservadas, limpas, coloridas, bem iluminadas, com salas de informática, cozinha, bibliotecas, áreas de recreação e até hortas; duas delas contam com quadras esportivas. Chamou-nos a atenção serem bem cercadas, duas delas com grades e cadeados nos portões, sempre fechados, e, também, duas delas serem “escolas de lata”, e não de alvenaria ou madeira – uma dessas com uma piscina semiolímpica. Em todas essas escolas, as paredes das áreas comuns e das salas de aula estavam repletas de cartazes com colagens e trabalhos dos alunos, muitos deles com temas abordados pelo UPT, cujo conteúdo,

64 como diversos professores afirmaram, transita entre várias disciplinas, permitindo a reflexão sobre diferentes temas. Um deles, mencionando anteriormente, propõe a compreensão para a aceitação da diversidade, que é uma entre tantas das características do ambiente escolar e compõe sua riqueza. Uma dessas escolas tem recebido alunos que, por razões financeiras, não podem mais frequentar instituições particulares e, de acordo com um dos professores, isso gerou alguns conflitos

essas crianças de classe média vêm de outra realidade (tinham muita coisa e começaram a não ter mais), com outra postura e também estão com a autoestima abalada, se encontram num período de readaptação, de visão de mundo, de como olhar essa mudança social

os exercícios do Programa auxilaram na adaptação e acolhimento dessas crianças ao novo ambiente, demonstrando como a prática da cidadania é alimentada pelo exercício da acolhida e cultivo dos vínculos.

O compartilhamento dessas experiências propostas e vivenciadas de forma vinculadora nos leva a pensar em uma ecologia da comunicação, na perspectiva de Vicente Romano (2004), como uma comunicação que considere a vivência das relações humanas, o contato direto, a sociedade, o ambiente e a cultura, a responsabilidade perante o ambiente comunicacional.

A ecologia da comunicação pretende averiguar até que ponto a comunicação pode criar comunidades nas quais o mundo apareça como um meio adequado no qual o ser humano sinta-se à vontade (ROMANO, 2004, p. 149, apud MENEZES, 2016, p. 36).

Uma comunicação que envolve tantos aspectos, tantos “espaços”, remete-nos às capilaridades da comunicação proposta por Baitello (2010) considerando “os fenônemos da permeabilidade dos meios de comunicação nas porosidades do tecido sociocultural”

O que se pretende aqui é uma primeira reflexão a respeito dos espaços criados pelos diferentes tipos de capilaridade dos meios de comunicação. Cada tipo de capilaridade construirá um tipo de ambiente, como um tipo de irrigação cria uma lavoura ou uma vascularização cria um corpo (BAITELLO, 2010, p. 105).

Uma imagem que nos ocorre numa tentativa de ilustrar essas capilaridades, também mencionada durante as aulas do Mestrado, é a da água que, ao esparramar-se segue ocupando, acrescentando, preenchendo todas as porosidades, e envolvendo os espaços percorridos.

65 Desta forma, se cada capilaridade cria um ambiente comunicacional, parece-nos oportuno olhar como o UPT ocupa essas capilaridades, esses espaços comunicacionais. Para isso, nos voltamos para as descrições das quatro capilaridades apontadas por Baitello (2008), a saber: a presencial, a alfabética, a elétrica e a aeólica, destacando que para a nossa observação as duas primeiras, no momento, são mais relevantes.

A capilaridade presencial “plasmada pela força do gesto e sua densidade histórica e cultural”, a proximidade, a presença, nos remete à mediação primária (o corpo, seus gestos, suas linguagens...). A capilaridade alfabética, como “a capacidade de penetração do mundo e das percepções veiculadas pela escrita alfabética”, como em revistas, desenhos, nos evoca a mediação secundária. A capilaridade elétrica inaugurando uma nova relação de tempo e espaço, pois não necessita de um suporte físico para mensagem, “apenas o impulso elétrico é que se transporta”, sons e imagens, criando a ilusão de proximidade, nos relembra a mediação terciária. A capilaridade eólica, “torna as casas inabitáveis, por estarem esburacadas e permeáveis aos ventos da mídia”.

Olhando para a criação e para o que pudemos observar na vivência do UPT constatamos como a prática do Programa em sala de aula ocupa as capilaridades presenciais dos vínculos partilhados pelas crianças e as capilaridades alfabéticas dos impressos compartilhados. As experiências e noções de cidadania podem progressivamente se espalhar pelo tecido social. O desenvolvimento do programa nos parece favorecer os ambientes comunicacionais envolvidos (sala de aula, escola, família, bairro...), a criança leva algo do que aprendeu para casa, ampliando o diálogo e multiplicando o que está sendo ensinado. Novamente recorremos ao depoimento de um dos Diretores

o UPT vem justamente pra trabalhar questões que às vezes não estão no currículo da escola, que é aquele currículo tradicional, português, matemática, os conhecimentos ...essas questões de valores e a questão social acabam não ficando dentro deste currículo e esse projeto vem pra agregar esses valores, esses ensinamentos, que hoje a família não está assumindo tanto. Assim, isto está cabendo pra escola “entender questões de democracia, do respeito, de cooperação, enfim, todas essas questões”.

Conforme já mencionamos, o Programa coloca em diálogo as mediações primárias, secundárias e terciárias. De fato, acreditamos que ele não partiu do zero. Os personagens da Turma da Mônica já eram conhecidos, integravam uma memória cultural. O contato com a revista ECA reforçou as possibilidades vislumbradas pela CGU na adequação da utilização da

66 TM no seu programa de prevenção à corrupção, voltado ao público infantil. Foi na capilaridade elétrica o primeiro contato entre as duas instituições, para, a partir daí, o projeto ser estruturado. Certamente, durante o planejamento essa capilaridade teve lugar na aprovação de roteiros, suportes didáticos. Mas os espaços ocupados não se reduzem à capilaridade eletrônica. O Programa resultou, prioritariamente, de muitas conversas, reuniões presenciais e diálogos entre representantes da CGU, da MS e do IMS, desde pedagogos, roteiristas, administradores, envolvendo, praticamente, em todas as suas etapas, a mediação primária, ocupando a capilaridade presencial, a prática da comunicação face a face e todas as suas implicações, incluindo os vínculos criados entre os funcionários, que interagiram continuamente uns com os outros e com suas empresas para conceber o UPT e seus materiais. Neste ambiente, criado pela capilaridade presencial, o projeto foi pensado e estruturado, trazendo a história de cada um dos envolvidos, suas expectativas, anseios e experiências.

Este material é fruto de muito diálogo, participa de uma ecologia da comunicação pelo fato de penetrar progressivamente em vários lugares. Nesse contexto, o ambiente da capilaridade alfabética, na mediação secundária com o conjunto dos suportes, com várias características lúdicas, permite o contato e o cultivo de símbolos que implicam o exercício da cidadania.

Quando os kits do UPT, que foram concebidos presencialmente, chegam impressos nas escolas, na capilaridade alfabética, geram um novo ambiente comunicacional marcado pela retomada da mediação primária. Os alunos se reúnem em torno deles, manuseando-os, lendo, discutindo, vivenciando os exercícios propostos (desenhando, escrevevendo, ilustrando), trocando opiniões e percepções sobre os assuntos abordados. É a capilaridade alfabética, que se esparrama quando a criança abre a cartilha, ilustrando um processo comunicacional que vai recursivamente do tátil ao impresso. Recursos que aproximam os alunos dos conteúdos trabalhados e reforçam os vínculos entre eles e também com os professores. Em cada módulo os personagens auxiliam na apresentação dos temas abordados, atividades e exercícios propostos – o lúdico permeando todas as ações. Os participantes deste processo estão se vinculando, crescendo e se relacionando com quem o apresentou. Quando há pessoas vinculadas, há um ambiente aberto à prática da cidadania.

São as impressões transmitidas pelos depoimentos que ouvimos. Por exemplo, no

67 Módulo I, Autoestima, já citado, que tem por objetivo ajudar o aluno a se conhecer melhor, a se apropriar de sua identidade, o professor conduz as atividades. Para abordar o tema, conta com a ajuda do texto Autoestima, no seu manual. Após a leitura proposta aos alunos do texto Eu sou demais! eles são estimulados a responderem perguntas sobre si mesmos (A - falando de mim; B - do que gosto e do que não gosto; C - como eu sinto), a fazerem um autorretrato (Eu por mim mesmo), a colherem mensagens dos amigos e familiares (Eu e o mundo - eu na visão dos outros), entre outros exercícios.

Figura 21 Exercício autoconhecimento

68

Figura 22 Autoestima

Essas atividades possibilitam que todos os envolvidos se conheçam melhor. Uma das dinâmicas para incentivar a socialização entre eles é um jogo que consiste em reuní-los em um círculo e entregar aleatoriamente a cada aluno um papel com o nome de um dos colegas, que não deve ser revelado. Um deles escolhe um dos participantes e tenta adivinhar qual colega o outro tirou. Para isso, o dono do papel deverá citar uma das qualidades do amigo que consta no seu papel, até que descubra quem é.

O Módulo II, Ser diferente é legal, tem por objetivo promover a reflexão e a prática da inclusão, estimulando a capacidade de reconhecer, valorizar e respeitar o outro do jeito que ele é, reconhecer as diferenças, prevenindo o preconceito, a discriminação e o bullying. Saber que podemos aprender e compartilhar conhecimentos.

Uma das professoras afirmou que depois que trabalharam com o “material do UPT”, puderam observar mudanças no comportamento das crianças inclusive quanto ao bullying, que está presente em muitas escolas. Um dos Diretores ponderou que

os problemas da sociedade estão dentro da escola, que é uma parte da sociedade. O que eles têm de problemas em casa não fica em casa, trazem pra escola, essa é a realidade. Então tem a questão do bullying, da violência, do autoritarismo e outras questões com as quais a gente convive e que são desafiadoras.

69

Figura 23 Somos todos diferentes

Figura 24 Apresentação de alunas na “Culminância” (encerramento do UPT)

Os alunos apontaram a importância do exercício de privação da visão, do capítulo II, Pessoas com deficiência física, também comentado por uma das professoras. Os exercícios conduzidos pelo professor são precedidos da leitura do Texto do professor, com informações sobre o tema, neste caso Uma nova visão, e, da Leitura de classe pelos alunos, ressaltando que os deficientes físicos têm habilidades especiais. A dinâmica consiste em vendar os olhos e andar numa trilha, orientado por um colega; vestir-se de olhos fechados (casacos, sapatos), identificar sons, dançar. Após as atividades, os alunos discutem as experiências, escrevendo- as, ou desenhando-as. Essas brincadeiras permitem o desenvolvimento de relações de confiança, a interação, sensibilizam para perceber a situação do outro.

70

Figura 25 Vivência privação da visão

Figura 26 Impressões sobre o exercício

Como já dissemos, os personagens da TM são crianças comuns, com características diferentes entre si, como todos nós. No UPT eles têm a tarefa de demonstrar a importância da autoestima, do respeito à diversidade, dos direitos e obrigações, as primeiras noções sobre ética e cidadania. Utilizando diferentes recursos, diferentes linguagens, as atividades vivenciadas facilitam a compreensão e a fixação dos valores abordados, sempre com a interação entre as crianças, professores e comunidade. As crianças têm a oportunidade de se

71 expressar verbalizando, escrevendo, desenhando, encenando, cantando, criando. A capilaridade presencial se espalhando por vários caminhos, possibilitando a geração de novos ambientes e gerando outras capilaridades.

Dos relatos generosamente conosco compartilhados quando estivemos em Cuiabá, pudemos perceber que as práticas propostas transformaram, de alguma forma, os envolvidos no processo comunicacional. Como dissemos à época, nos emocionamos com os relatos de professores e alunos sobre o impacto do Programa em suas vidas. Apesar de termos ficado apenas dois dias e visitado três entre tantas escolas, fomos tocados pelas reflexões e vivências reportadas. A alguns pode parecer tratar-se de coisas simples, óbvias até. Acreditamos, porém, tratar-se de temas e pequenas ações que são capazes de impulsionar mudanças significativas naqueles que foram tocados por essa vivência. Afinal, como escreveu Antonio Machado: Caminhante, são teus passos o caminho e nada mais; Caminhante, não há caminho, Faz-se caminho ao andar.23

Sabendo ser a escola um ambiente socializador no qual se agrupam pessoas plurais, de diversas origens, diferentes crenças, costumes e classes sócio-econonômica, a partir da autoestima, considerada a base para o desenvolvimento de todo o projeto, o UPT aborda com delicadeza temas esquecidos e por vezes mal-representados, valorizando a construção do conhecimento por meio do diálogo, propiciando a reflexão crítica sobre a realidade que nos cerca e o debate sobre valores essenciais à vida em sociedade e às relações humanas. Para colocar isso em prática, buscou valorizar a pesquisa, a investigação e as representações subjetivas sobre os conteúdos estudados, tornando-os menos descritivos e mais dinâmicos, criando os materiais ilustrados com a Turma da Mônica, que possibilitam o aprendizado, de forma lúdica, de valores que levam à formação ética e cidadã, ressaltando sua importância e levando ao fortalecimento do indivíduo e suas relações. O UPT, a partir da escola, pretende irradiar-se por toda a comunidade.

Às vezes uma palavra, um olhar, pode mudar todo um caminho.

23 (https://poesiaspreferidas.wordpress.com/2013/09/17/caminhante-antonio-machado/)

72 3. AVALIAÇÃO DO PROJETO

A Controladoria-Geral da União realiza, anualmente, uma avaliação de resultados do Projeto, por meio de questionários enviados às escolas participantes e também disponíveis em seu site. A aplicação do projeto é acompanhada de perto pelas Controladorias Estaduais e Municipais. Tivemos acesso ao relatório de 2017, denominado Consolidação do Monitoramento da Execução do Programa24, fornecido pelo Sr. Adenísio Souza, já citado, que esclarece que “esse monitoramento é realizado por auditores da CGU, de forma online e física”.

O objetivo dessa avaliação é averiguar a eficiência do projeto quanto às metas estabelecidas, se há necessidade de alterações e se sua aplicação deve ser continuada. Também é uma maneira de verificar se o investimento realizado pelo Governo é justificado. De acordo com Adenísio, por este último relatório,

os resultados justificam, sim, o investimento, cujo objetivo foi superado. No momento, estamos trabalhando a atualização do material, transformando-o em digital, para que alcance todos os alunos de escolas públicas e privadas do País. Essa atualização está alinhada às competências da Base Nacional Comum Curricular – BNCC, visando atingir todos os alunos do ensino fundamental.

Foi elaborado um questionário e aplicado em 285 escolas, distribuídas em 20 estados, obteve resposta de 575 professores e seu conteúdo foi dividido em seis blocos, com quesitos específicos sobre cada tema a ser avaliado.

Bloco I – Avaliação quanto ao alcance dos objetivos do Programa

O Bloco I é composto de 7 quesitos, com as seguintes possibilidades de respostas: 1) alcance insuficiente; 2) alcance mínimo 3) alcance moderado; 4) alcance satisfatório; 5) plenamente alcançado

Os resultados apontam que os objetivos foram plenamente alcançados ou alcançados de modo satisfatório.

24 Apêndice 2.

73 Bloco II – Avaliação do material pedagógico

Apresenta 9 quesitos, com as seguintes possibilidades de respostas: 1) mínimo interesse; 2) baixo interesse; 3) interesse moderado; 4) alto interesse; 5)máximo interesse

O material pedagógico despertou o máximo interesse dos alunos, de acordo com os resultados obtidos.

Bloco III – Nível de motivação em relação do Programa

São 3 quesitos, com as seguintes possibilidades de respostas:

1) mínima motivação; 2) baixa motivação; 3) motivação moderada; 4) alta satisfatória; 5)motivação máxima

De acordo com a análise das respostas, houve motivação máxima dos alunos a participarem do programa.

Bloco IV – Avaliação do impacto positivo do conteúdo abordado

Este bloco contém 9 quesitos, com as seguintes possibilidades de respostas:1) mínimo impacto; 2) baixo impacto; 3) impacto moderado; 4) alto impacto, 5) máximo impacto

Os resultados mostram que o conteúdo abordado teve impacto positivo máximo sobre os alunos.

Bloco V – Avaliação do grau de dificuldade dos temas trabalhados

São 10 quesitos, com as seguintes possibilidades de respostas: 1) muito fácil; 2) fácil; 3) moderado; 4) difícil; 5) muito difícil

O grau de dificuldade foi avaliado como fácil e muito fácil.

Bloco VI – Avaliação do material: apresentação e conteúdo

Apenas 2 quesitos, com as seguintes possibilidades de respostas: 1) muito ruim; 2) ruim; 3) regular; 4) bom; 5) excelente

74 O material foi considerado, de acordo com o relatório, como excelente pela maioria.

Bloco VII – Avaliação dos aspectos operacionais

O último bloco apresenta 9 quesitos, com as seguintes possibilidades de respostas: 1) sim; 2) não; 3) não se aplica

Os resultados apontam que não houve dificuldade na operacionalização doprojeto.

Assim, pela avaliação da CGU, podemos dizer que os objetivos do Programa em 2017 foram plenamente alcançados ou alcançados de modo satisfatório, o material pedagógico despertou o máximo interesse dos alunos, houve motivação máxima, que o conteúdo abordado teve impacto positivo máximo, o grau de dificuldade foi avaliado como fácil e muito fácil, o material foi considerado como excelente e que não houve dificuldade na operacionalização. Como os dados são muito positivos, apenas uma segunda avaliação externa, que ainda não foi feita, poderia questioná-los.

Adenísio Sousa nos encaminhou, por e-mail, algumas mensagens recebidas de professores envolvidos no projeto, que passamos a reproduzir e que podem ser consultadas em anexo:

“Gostaríamos de parabenizá-los pela iniciativa e cuidado com a elaboração do programa e com o material do kit. Nós o consideramos atraente e motivador para as crianças. Façamos votos que o programa UPT se torne uma ação permanente e que se desdobre.” Eldes Ferreira de Lima/MS

“Precisamos dar continuidade em programas como este, pois enriquece nosso trabalho e visa garantir que nossos educandos recebam noções de Ética e Cidadania para a vida, com um material riquíssimo”. Luciene de Souza Tosatti Leite/MT

A experiência foi ótima! Todos os alunos se envolveram no projeto que foi um sucesso. Deveria se tornar obrigatório na rede pública de ensino, pois faz as crianças pensarem num país melhor”. Briane Regina da Silva/PR

“Fiquei muito feliz. Os alunos gostaram muito e o programa nos traz uma responsabilidade como cidadãos em participar ativamente e refletir sempre acerca das nossas

75 decisões. Muito legal!”. Rose Paula Pinto dos Santos/BA.

Diante da seriedade do trabalho desenvolvido e da relevância dos objetivos propostos, bem como do comprometimento demonstrado pelas pessoas por nós ouvidas, consideramos tais avaliações extremamente significativas. Percebe-se de fato uma preocupação, com o acompanhamento da implantação do UPT e seus resultados. Após a capacitação on line (40 horas), os participantes são avaliados e também avaliam a eficácia da metodologia empregada por meio de questionários que abordam vários aspectos do curso e do Programa. Em Cuiabá, esta capacitação também é presencial. Segundo a Sra. Larissa da CGU/MT, é “uma oficina de sensibilização, nal qual um professor mostra ao outro o que fez em sala de aula e reporta o relato dos alunos”. Após a adesão das escolas, a CGU acompanha a entrega do material e também monitora sua aplicação por etapas, presencial e eletronicamente, afinal, além da relevância dos objetivos do Programa, trata-se de um recurso oriundo de dinheiro público. Se em alguma dessas etapas percebem que o Projeto não está sendo executado, o material é recolhido. Ao término de cada aplicação é feito um levantamento, não apenas dos dados numéricos, mas com depoimentos de alunos e professores sobre a efetividade e adequação do que foi apresentado/experienciado em sala de aula e seus possíveis desdobramentos. Esses dados são analisados pela CGU para nortear a continuidade do UPT.

Convem ressaltar que essas avaliações são as únicas de que dispomos. Entretanto, o Programa, para prevenir a corrupção por meio de ações educativas, foi idealizado pelo Instituto Mauricio de Sousa em parceira com a própria CGU, que desde a sua criação comprometeu-se a implantá-lo e monitorá-lo em todas as regiões. Além dessas informações oficiais, contamos com as impressões decorrentes das visitas realizadas em Cuiabá – entre tantas escolas no Brasil que o aplicam, quando pudemos observar e ouvir depoimentos, conversar com alunos, professores e funcionários da CGU, CGU/MT e CGM/Cuiabá e Secretaria Municipal de Educação.

Foram apontadas dificuldades iniciais para sua implantação, porém percebe-se na fala dos interlocutores até certo carinho, um cuidado mesmo, uma compreensão quanto a resistências de escolas e professores em aceitar um novo projeto. Essas dificuldades foram atribuídas principalmente aos muitos desafios enfrentados pelos professores cotidianamente,

76 e, entre estes, os vários projetos existentes e que devem ser executados – nem sempre efetivos e abertos ao diálogo, à interação e à criatividade.

Dos relatos que ouvimos, e pelo que presenciamos, o professor é fundamental para a condução do Projeto. Talvez a forma encontrada pela CGU tenha sido o apelo de ter a Turma da Mônica, com sua ludicidade, como mensageira e propiciar aos professores na capacitação a oportunidade de interagir e conhecer a potencialidade do Programa. Aqueles com os quais conversamos, além de, na sua grande maioria terem uma memória afetiva relacionada à Turminha e ao seu criador, consideram o material muito atrativo por permitir trabalhar diversos gêneros textuais, apresentar valores de cidadania, cooperação, autoestima, contar com HQs, jogos e atividades que estimulam e prendem a atenção dos alunos, convidando-os a participar da construção desses conceitos. Permite, também, até por sua interdisciplinaridade, a articulação com outros projetos da escola.

Os professores nos passam a ideia de que, apesar de apresentar vários temas geradores e propor diferentes atividades, o Programa propicia um exercício criativo, a partir do que é sugerido, de acordo com as ocorrências que vão surgindo. Foram várias as circunstâncias apontadas. Não identificaremos aqui, assim como o fizemos em todo este trabalho, os diretores/as professores/as e ou escolas, apenas mencionamos algumas dessas situações.

Por não ter o segundo ciclo, uma das escolas não contaria com o UPT, entretanto, isto foi possível, em 2017, resultanto “um trabalho muito bem desenvolvido”. Em 2018, uma das professoras que participou daquela capacitação auxiliou as novas professoras a utilizá-lo em uma situação de bullyng, com ótimos resultados: as crianças vivenciaram os exercícios propostos no Módulo II Ser diferente é legal para perceberem as dificuldades das que precisam usar óculos. Esta vivência propiciou a reflexão sobre a privação da visão e a mudança de comportamento.

Uma das diretoras pondera que, apesar do material ser pensado para ‘uma criança leitora’, pode ser adaptado para o 3º ano do primeiro ciclo, por entender que para ‘trazer’ a cidadania não é imprescindível que se explique exatamente sobre a República e seus poderes. Considera que é possível fazê-lo “falando para as crianças da primeira infância (alfabetização) sobre a escola e suas esferas, ou sobre a prefeitura, transmitindo-lhes, assim, noções de

77 gestão”.

Ao perguntarmos se o projeto poderia ser considerado bem-sucedido, ouvimos de um dos diretores que um sinal do seu êxito é o fato de em cinco anos “ter se tornado cultural dentro da escola por sua importância e benefícios que acarreta pra todo mundo”, pois a criança leva pra casa o que aprende “tornando-se multiplicadora”, cobrando dos pais e familiares algumas posturas diante de atitudes, como jogar lixo no chão, não usar cinto de segurança etc. Ele transpassa o ambiente da escola, indo para a vida familiar e a comunidade.

Os temas e conceitos geradores apresentados levam a outros que vão surgindo e que também são discutidos em sala de aula, pois o Programa favorece essas reflexões e debates. Os alunos, muitas vezes, acabam se emocionando, relatando questões pessoais que levam a situações familiares, facilitando a atuação da escola para ajudar na sua compreensão e superação. Ao abrir espaço para que as crianças se expressem, permite que os professores percebam que tais questões podem ser a causa de um eventual problema de aprendizagem ou de desenvolvimento. Esta é uma das belezas do projeto. Além de contar com a Turma da Mônica, e permitir perceber o aluno na transversalidade dos temas, tudo é muito vivenciado, sentido, experienciado. O toque, os sentimentos são trabalhados, gerando a reflexão e a apropriação dos conceitos construídos, que são levados para a vida, mudando o olhar para si, para o outro e para o mundo, abrindo caminho para a autonomia.

Dos depoimentos dos professores também fomos levados a considerar que, após conhecerem o UPT, mesmo durante a capacitação, muitos deles o associam a alunos com os quais convivem cotidianamente. Mesmo que não o estejam executando em sala de aula, percebem que se aplica em outros contextos por atender crianças em diferentes situações. Ele dá ao professor um caminho a mais para trabalhar com alunos que tenham dificuldades de socialização, de respeito pelo outro e em aceitar as diferenças.

Alguns ponderaram que por seu contéudo abrangente e positivo, deveria ser incluído mais cedo, desde o primeiro ciclo, mesmo que não trabalhe todos os módulos, pois permitiria uma continuidade e uma melhor integração, “quanto mais cedo a criança trabalhar certos valores, será mais fácil pra ela compreender e seguir adiante”. Apesar dessas poderações, de acordo com Rugna, ele não foi pensado para uma aplicação continuada, e sim, para uma série e/ou semestre, pois, a partir desta base, espera-se que a escola e o professor tenham liberdade

78 e condições de criar situações pedagógicas nas quais os conceitos e metodologia propostos pelo UPT, visto como norteador, poderiam ser observados. Outros apontaram que a alta rotatividade dos professores dificulta uma eventual aplicação continuada, sendo mais efetivo fazê-lo em um semestre e/ou ano letivo.

Provavelmente por ter como base a relação professor, aluno, família e comunidade, e apresentar, por meio da TM, situações que possibilitam o diálogo a partir do cotidiano, o tempo de resposta seja singular, pois o diálogo requer seu próprio tempo, requer esperar o tempo do outro. Não raro, as situações precisam ser retomadas para um olhar mais atento e compreensivo. Porém, parece-nos que o aluno é constantemente estimulado a construir conceitos e valores por meio do diálogo como caminho para a transformação e autonomia.

Quanto mais avançava a pesquisa, maior a percepção da amplitude do UPT, com a riqueza e alcance da forte presença da Turma da Mônica e de Mauricio de Sousa e o que simbolizam. A Mauricio de Sousa Produções cedeu ao Instituto Mauricio de Sousa os direitos de imagem para utilização no UPT, idealizado com a CGU, favorecendo a perenidade de seus personagens, que se tornam cada vez mais conhecidos, eternizando-se ao passar por várias gerações.

Mesmo que a criação deste universo e personagens resulte de uma atividade empresarial, parece-nos que a sensação propiciada é de encantamento por poder participar de um ambiente mágico povoado por essas ‘criaturas’ que nos convidam a integrá-lo e a interagir com eles e uns com os outros, descobrindo novos caminhos e, também, uns aos outros. Um universo que facilita a relação entre sujeitos, que permite a professores e alunos uma prática educacional dialógica na construção do conhecimento. Uma abordagem lúdica, que torna possível a construção de conceitos mais complexos, tendo professor e aluno como sujeitos deste processo.

Seria interessante poder avaliar, depois de algum tempo, qual o impacto do Programa na vida dos que o vivenciaram. Se de fato ocorreu alguma transformação, mesmo nas situações mais simples, se este conhecimento foi levado para o dia a dia desses alunos e familiares. Ou, ainda, comparar os desdodobramentos em contextos distintos, como entre cidades de diferentes regiões, grandes centros e cidades menores, classes sociais distintas etc. Ética e cidadania não precisam ser vivenciadas e ensinadas apenas em áreas consideradas de

79 vulnerabilidade. São valores que precisam estar presentes em toda a sociedade.

Como vimos, as pessoas que contatamos mostram-se entusiastas com o projeto. A CGU, com seus critérios internos, o avalia muito positivamente. Assim, fica para pesquisas futuras o desafio de analisar os dados com maior distanciamento crítico.

80 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O estudo do projeto Um por todos e todos por um! Pela ética e Cidadania, uma parceria entre a Controladoria-Geral da União e o Instituto Mauricio de Sousa, implicou, no primeiro capítulo, o contato com a história de Mauricio de Sousa, a percepção da trajetória da Mauricio de Sousa Produções e, em seguida, a descrição do projeto Um por todos e todos por um! Pela ética e Cidadania.

No segundo capítulo, apresentamos o projeto enquanto uma prática de educação e cidadania desenvolvida em um ambiente comunicacional. Finalmente, no terceiro capítulo, destacamos a avaliação do projeto por parte da CGU – Controladoria-Geral da União. Apontamos, ainda, as impressões relatadas pelos envolvidos na aplicação diária do UPT, bem como nossas observações.

Além de apresentar a avaliação interna positiva, sugerimos que pesquisas como a que desenvolvemos devam ser também empreendidas, no futuro, por avaliadores de instituições independentes.

As várias entrevistas, com destaque para a realizada com Mauricio de Sousa, os diálogos pessoais com os protagonistas do processo de criação do projeto, os e-mails trocados com os responsáveis do projeto na CGU e especialmente a visita às escolas permitiram um contato afetuoso e crítico com o projeto Um por todos e todos por um! Pela ética e Cidadania.

Um dos seus diferenciais, além da utilização dos personagens da Turma da Mônica, que por si só geram toda uma curiosidade e encantamento, levam o lúdico à sala de aula, é o fato de contar com o apoio e acompanhamento rigoroso de um ente público, a Controladoria- Geral da União, uma de suas idealizadoras, que se declara comprometida com a educação como um dos meios para prevenir a corrupção.

Ao introduzir de forma lúdica os conceitos, permitir aos alunos que os vivenciem por meio dos exercícios propostos, o UPT propicia a reflexão e a crítica sobre temas por vezes muito áridos. O professor, como articulador de todas as ações, tem um papel relevante, pois

81 convida o aluno, protagonista de todas as ações, a participar da construção do conceito, servindo-se da Turma da Mônica como facilitadora do processo. A importância do professor mediando a relação, a mídia impressa (cartilha) com o aluno. O professor que conhece aquele aluno, sua vida, os vínculos que vão se criando, a afetividade que vai envolvendo, se espalhando e transbordando.

O contato fundamental do professor com o aluno, colocando situações cotidianas, fazendo com que se sintam pertencentes a uma comunidade, sabendo que são pessoas especiais e que devem aceitar o outro como o outro é, que podem interagir e construir caminhos melhores, modificá-los, serem donos de suas vidas e decisões, sempre com respeito e dignidade.

Nas conversas com os professores e com os idealizadores do projeto não foi explicitada nenhuma corrente pedagógica ou comunicacional, porém há indícios de que sua prática contempla as teorias freirianas, afinal, o diálogo professor/aluno, aluno/professor acerca de suas realidades se faz presente durante todo o projeto. Vai além da decifração das letras, propicia a reflexão, partindo do lúdico, sobre o que foi proposto, induzindo à apropriação do conteúdo e sua aplicação no dia a dia, dentro e fora da sala de aula, que pode ser levado para a vida inteira. Permitir à criança o prazer da descoberta, não do conhecimento pronto, mas construído, o prazer de aprender.

Novamente, percebemos que a metodologia empregada com a Turma da Mônica como apoiadora desse processo comunicacional remete-nos a Paulo Freire: a vivência no dia a dia que traz o aprendizado e o interioriza, que leva a recriar aquilo que está sendo ensinado, a criar situações novas no cotidiano das pessoas, ao diálogo, ao respeito e autonomia, não só do aluno, mas do próprio professor.

O que observamos em Cuiabá realmente nos emocionou. As atividades propostas podem parecer simples para os adultos, ou para os que vivem em grandes centros e sempre tiveram acesso a boas escolas e ambientes considerados saudáveis, mas ouvir de uma criança, após ter vivenciado uma situação que a levou a refletir a respeito, trocar opiniões, colocar-se na situação do outro, que ‘ela é maravilhosa e que agora tem uma amiga”, é tocante. Ou, ainda, saber que muitos desses alunos não saem de seus bairros e por meio do UPT podem fazê-lo ao visitar a Assembleia, ou, quando se deslocam até o local em que acontecerá a

82 Culminância, podendo, com isso, conhecer locais e situações distintos dos seus cotidianos. E o que dizer dos alunos que visitam regularmente um asilo de idosos e interagem com eles, voluntária e calorosamente? A troca de afeto, os vínculos que vão se formando e propagando.

De fato, repetimos, nos emocionamos em muitos momentos com os relatos obtidos, pois, como o próprio Sr. Mauricio falou em sua entrevista, algumas coisas parecem ser óbvias, mas mesmo o óbvio precisa ser dito. Muitas vezes, por nos distanciarmos dessas realidades, deixamos de percebê-las. Precisamos ver de perto quais são as situações em que essas pessoas vivem e como isso as afeta, para então pensar em algumas ações, por menores que pareçam, que possam contribuir para a transformação pretendida.

Possibilitar que a criança vá para a escola com vontade, sabendo que encontrará um ambiente agradável proporcionado por uma prática que a ajudou a superar o medo, que a aproximou do outro, que lhe permitiu um melhor relacionamento familiar. Uma prática que abra para a criança a possibilidade de enxergar o que não via, como ela é vista pelos outros, as capacidades que possui. Uma prática que potencializa isso e dá à criança condições de levar isso adiante e, em longo prazo, ter uma sociedade integrada por cidadãos que, inclusive, mas não somente, se relacionem melhor. A descoberta do outro e a percepção de que ele está lá.

Parece-nos, assim, ser possível um ambiente comunicacional favorável ao desenvolvimento da educação com a perspectiva de valorização da cidadania, neste caso, especificamente, levando os personagens e as histórias em quadrinhos de Mauricio de Sousa ao ambiente escolar com toda a magia e repercussão de sua obra. São mais de duzentas campanhas realizadas com a iniciativa privada, ministérios ou secretarias que despertam nas crianças o amor pela leitura, ajudando a criar condições para que possam desenvolver seu potencial como pessoas e cidadãs.

Por vezes, a sensação é a de trabalhar com algo que transcende aquele ambiente, pois Mauricio de Sousa é um símbolo, seu corpo é um corpo repleto de símbolos e, ao mesmo tempo, todos, de alguma forma participam desse processo. Quando o criador surge no meio das crianças, tem-se a impressão de que todo o universo criado, desenhado, imaginado por ele, existe no mundo real. É um aconchego. Lemos o relato de uma criança em uma de suas palestras no Japão, que tocou seu rosto e falou “ele existe”. É como se o contato com o corpo físico nos remetesse espontaneamente à magia e tudo o que ele representa, dando concretude à

83 sua obra.

Ficamos com a impressão de que, no UPT, o contato humano é primordial. Pode-se ter o material em mãos, ou eletronicamente, mas ele sempre leva ao contato com as outras pessoas, mostrando que é permitido viver sonhos e compartilhá-los. Abre caminho para que a comunidade também participe da vida dentro da escola, integrando-se a este ambiente, como em uma ecologia da comunicação, se espalhando por todas as capilaridades, trabalhando a representatividade, as diferenças e as conquistas.

Com a parceria firmada entre o Instituto Mauricio de Sousa, a CGU, o Ministério da Educação (MEC) e o Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (SENAR)25 o conteúdo do UPT foi atualizado e adaptado para uma versão digital e interativa, incluindo animações e games. A fim de alcançar alunos do 1º ao 5º ano do ensino fundamental, foram desenvolvidos materiais didáticos para todo o primeiro ciclo. Nesta adequação, os temas serão apresentados gradativamente nos primeiros anos, para consolidação no 5°. A expectativa é alcançar 15,3 milhões de crianças do primeiro ciclo do fundamental. De acordo com o SENAR, o formato digital possibilitará a “aplicação universalizada” do Programa em instituições públicas e particulares. Lembramos, porém, que o impresso não será eliminado, pois a idéia é chegar a todas as escolas, expandindo o programa para 48 milhões de alunos e 200 mil escolas, devendo, portanto, estar em todos os suportes para poder ser acessado em diferentes contextos.

Admitimos nosso encantamento com o Projeto e suas possibilidades. As informações obtidas foram muito ricas, e ainda estão sendo por nós processadas. As crianças podem perceber que uma das riquezas do mundo é sua diversidade, que cada uma delas faz a diferença e têm seu lugar e podem contribuir para a construção de um mundo melhor. Mesmo que a reformulação e ampliação do Programa, com o intuito de atingir 48 milhões de crianças nos próximos anos, contemple maior utilização da mediação terciária, capilaridade elétrica, com o material adaptado ao cenário digital, disponibilizado em plataformas digitais, e, quando necessário, em modo offline por meio de pen drives (ou outro suporte adequado), acreditamos que a força da mediação primária, do ambiente gerado pela capilaridade presencial e seus vínculos não se perderá. Crianças, professores, pais e comunidade continuarão juntos, no

25 https://educacaocidada.cgu.gov.br/noticias/2019/04/cgu-avanca-em-programa-de-educacao-cidada-para- escolas-publicas-e-privadas

84 “corpo a corpo”, dialogando, se percebendo, aprendendo, compartilhando e se encantando.

Figura 27 Entrega dos diplomas aos alunos pela participação no UPT

Figura 28 diplomas dos alunos pela participação Figura 29 certificados dos professores

Neste momento da trajetória de pesquisa, no qual devemos interromper para apresentar esta dissertação, temos a consciência que recolhemos muitas informações que ainda devem ser exploradas. Ao estudo das observações empíricas dos materiais oferecidos pelos protagonistas somamos os referenciais teóricos que nos acompanharam e nos preparamos para um contato pessoal com os protagonistas em uma das cidades nas quais a parceria com as instituições locais permitiu um efetivo desenvolvimento do projeto em termos municipais, a cidade de Cuiabá. Assim, pudemos perceber pessoalmente, mesmo cientes de tantos limites próprios de um projeto tão ousado, o ambiente educativo do projeto Um por todos e todos por um! Pela ética e Cidadania como um ambiente comunicacional gerador tanto de diálogos a respeito da cidadania como de experiências concretas de práticas de comunicação como cidadania.

85 Nunca tivemos o propósito de investigar os valores financeiros envolvidos na construção e implantação do UPT. Sabemos que a MSP cede os direitos autorais e de imagens à CGU, mas um dos aspectos que de fato nos instigou foi, simplesmente, saber se a adoção desse projeto por uma escola mudava esse ambiente e de alguma forma criava novos conhecimentos, sucitava novos relacionamentos. Se mudaria a atitude dessas crianças em relação a si, às outras e ao mundo, e, se tinha o potencial de modificar a forma como imaginam o mundo dali em diante, mesmo em pequenos ambientes. Talvez possamos dizer que a prática que mostrou a pesquisa foi que, ao criar o ambiente comunicacional permeado por potencialidades de cidadania, com toda uma dinâmica dos seres envolvidos, professores e alunos, ao passarem por esse ambiente, saem dali modificados.

Procuramos observar o que está sendo feito, levantando indícios da prática de um trabalho relevante ao permitir o cultivo de vínculos, a geração de ambientes de comunicação e pequenas práticas cotidianas de cidadania. Outras pesquisas poderão avaliar o trabalho dos entes públicos, do Instituto Cultural Mauricio de Sousa na elaboração e implantação do UPT, analisar criticamente os investimentos, métodos e resultados.

Repetimos, nossa proposta nunca foi a de analisar o rigor no desenvolvimento do Programa, os números atingidos, mas as práticas por ele criadas ao redor dos ambientes comunicacionais cultivados na leitura dos materiais da Turma da Mônica. Permanecemos encantados com a possibilidade de mais crianças serem alcançadas por ele, o que lhes permitirá ter outro olhar sobre os seus cotidianos, sobre o mundo e as práticas necessárias para transformá-lo.

Um passo por vez, numa longa caminhada compartilhada com muitos outros.

86 REFERÊNCIAS

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Mafalda vai à escola. São Paulo: Iglu, 1996.

HUIZINGA, Johan. Homo ludens: o jogo como elemento da cultura. 5ª. ed. São Paulo: Perspectiva, 2005.

87 KUNSCH, Margarida Maria; KUNSCH, Waldemar Luiz (Org.). Relações públicas comunitárias: a comunicação em uma perspectiva dialógica e transformadora. São Paulo: Summus, 2007.

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VERGUEIRO, Waldomiro et all. Como usar as histórias em na sala de aula. 4ª. ed. São Paulo: Contexto, 2018.

88 APÊNDICES

Apêndice 1: Entrevista com Mauricio de Sousa

Concedida à autora em 19 de dezembro de 2018.

O senhor imaginou, quando da criação do projeto, que Um por todos e todos por um! tocaria tão profundamente as pessoas envolvidas e que transformaria a vida de algumas delas?

Você não é a primeira pessoa que me fala isso. Nós mexemos muito com escolas, com crianças, inclusive em outros países. No Japão, nós estamos fazendo uma cartilha comportamental dirigida aos filhos dos imigrantes brasileiros que chegam lá e ficam perdidos. Não sabem as diferenças que existem entre a escola no Brasil e a escola no Japão. Desconhecem os hábitos, as obrigações. Principalmente, e muitas vezes até o idioma. Alguns são tratados até como autistas, o que é um desastre. Sobre esse projeto nosso e da CGU... eu tenho conversado com professores, com as crianças e eu vejo os resultados e fico muito satisfeito.

Nós refizemos o contrato com o Ministério da Educação agora, para atingir 48 milhões de crianças. Mesmo com troca de governo e tudo mais, já está programado para continuar nos próximos anos. Eu tenho tomado conhecimento dos resultados, de alguns fatos que ocorrem, mas a cada fato que eu tomo conhecimento, para mim é como se fosse uma novidade, porque são casos diferentes... tem nuances... Mas de qualquer maneira, nós organizamos o projeto, lógico que não sozinhos, especialistas ajudando, professores, pedagogos e eu acho que vai perdurar e ajudar muitas crianças ainda.

O senhor se considera também um educador?

Eu não me considerava antes, mas agora estão me chamando tanto de educador, que eu estou

89 começando a entender, ou melhor, a aceitar. Efetivamente, quem tem dez filhos, por natureza é meio educador, vai treinando com os filhos. E depois, nasceram personagens fortes, que são aceitos pelo leitor, então eles podem falar por mim. O que nós devemos fazer pelo bom comportamento, dando orientação. Então nós temos, vamos dizer assim, o dever de comunicação, e temos que continuar fazendo projetos dessa natureza. Você conhece algumas das tiras especiais que nós fazemos?

Há uma que vocês fizeram para a companhia elétrica, outra que fala de reciclagem. Eu conheço algumas, não todas. Especificamente sobre educação, quando o senhor fala que vai tocando as pessoas, eu acho que é isso mesmo, é o desdobramento. Além disso, a linguagem utilizada em suas histórias é fácil entendimento.

A gente tem usado o coloquial sempre, senão fica fora da compreensão do leitor, principalmente da criançadinha de agora.

E esse projeto também ajuda a dar um pouco de esperança e condição de vida melhor para as pessoas. Não estou falando em termos financeiros, estou falando de felicidade.

Esse é o nosso objetivo. Não sei o quanto e como a gente consegue, mas esse é o grande objetivo nosso.

Nas escolas que eu visitei, pude ver que isso é um fato, é uma realidade.

Onde?

Eu fui a quatro escolas de ensino fundamental em Cuiabá. Alguns relatos que ouvi demonstraram que o projeto fez toda a diferença para eles, em aceitação, em conviver melhor, em não se sentir sozinho. Ver as crianças conversando sobre aqueles temas, elegendo representante de sala e discutindo o que tinha que ser feito ou não, dentro daquela linguagem deles, que eles conhecem, isso é fantástico.

Estamos lutando para isso mesmo, não só com esse projeto, mas com muitos outros. Você tem o projeto todo?

Sim, tenho inclusive o certificado de participante da qualificação, que fiz pela internet. Mas emocionante mesmo foi ver a aplicação do projeto em sala de aula. Um dos alunos,

90 inclusive, falou “esse foi o livro mais importante da minha vida, foi o melhor livro que eu já li.”

O senhor está de parabéns, porque o projeto realmente faz a diferença. Não é um projeto só para quem é de comunidade, de lugar carente não. É para qualquer criança de qualquer classe social, de qualquer lugar do mundo. E eu espero que realmente continue, porque acredito que isso vai se espalhando. É o senhor quem usa a expressão “bolinha de carinho” que vai aumentando e aumentando?

Vai aumentando igual a uma bola de neve. Qual é o objetivo da sua pesquisa?

Comentar como a comunicação pode contribuir para a cidadania por meio das histórias em quadrinhos de Mauricio de Sousa, no projeto Um por todos e todos por um. Como isso pode levar a transformações nos ambientes, sejam familiares, escolares, no entorno das pessoas, nos desdobramentos, porque esse projeto gerou outros, não?

Ele não parou, deu origem a outros. Nós fizemos a cartilha japonesa. Foi uma iniciativa do Japão nas escolas e os resultados têm sido muito bons. Tanto que estamos pensando em outros países, estamos estudando fazer cartilhas em 15 idiomas.

Nesse momento da entrevista, Mauricio chama funcionárias do Instituto para participarem: Carolina Bragio (Coordenadora de Projetos) e Vânia Pinheiro (Assessora Executiva), que apresentaram o novo material para 2019.

Vânia: Agora o material estará bem mais completo. Teremos versões online, e off-line, para as escolas que não têm internet, na versão pendrive. É uma universalização do projeto, para que alcancemos todas as escolas, tanto públicas quanto privadas.

E vai fazer parte do currículo das escolas ou é opcional?

Carolina: A nova versão a ser lançada em 2019 já está toda adaptada à BNCC – base nacional comum curricular. Estamos fazendo um material complementar, em parceria com o MEC – para atingir do 1º ao 5º ano. Então, realmente, vai ser obrigatório no currículo escolar. Vamos ter um gibi desenvolvido para cada ano escolar específico. Além de manual do aluno e um modelo de aplicação para o professor desenvolver as tarefas em sala de aula.

91

E quem são os patrocinadores?

Carolina: Hoje, quem patrocina a universalização do UPT são o SENAR e o CNA. O do MEC é o próprio MEC.

Quais são as expectativas com relação ao futuro do projeto, aos desdobramentos?

Mauricio: As melhores possíveis. Formar cidadãos mais conscientes. A meta é chegar a 48 milhões.

Eu li uma reportagem sobre o interesse de alguns países árabes.

Carolina: Eles querem fazer a tradução para levar às escolas de lá. Essa primeira adaptação que nós fizemos é para poder chegar a todas as escolas do Brasil. Mas nosso objetivo é fazer um projeto universal, via ONU. Seria uma nova adaptação, mas precisamos definir quais são os países que a gente quer alcançar, para poder criar atividades que fazem sentido nesses lugares, porque o projeto atual tem muita coisa referente à cultura brasileira.

Vânia: Inclusive, ano passado, a CGU esteve no em um congresso na Áustria e eles ficaram muito interessados no material para fazer uma tradução.

Quando a gente fala em universalização e digitalização, mesmo que seja em pendrive, há lugares que não se consegue atingir.

Carolina: Temos a versão em três formatos: versão impressa, a versão online e a versão off- line, que é o pendrive. A versão impressa vai continuar. Mas é um material que tem um custo alto de impressão, então vai ficar à escolha e critério da própria escola. Se você quer a versão impressa, o pendrive ou, se a escola tiver recursos e internet boa, vai ficar só com o digital.

Porque até a interação professor-aluno, mediada por gibi, é diferente da mediação por uma tela de computador.

Carolina: Para a versão digital temos alguns mecanismos, vídeos, joguinhos que são da versão impressa e foram todos adaptados. Então, querendo ou não, vão ser duas versões atrativas, a gente pensou também nisso.

92 Vânia: Tem animação, então vai ser bem mais atrativo... Tem vários atrativos para o professor também se motivar.

Pelo que eu vi, o sucesso desse projeto depende mesmo é do ser humano, desse cara a cara, desse estar um ao lado do outro interagindo, trazendo cada um a sua história.

Vânia: Mesmo no impresso, já tem essa dificuldade do professor estudando aquele tutorial, se empenhando para aplicar. Uma das nossas preocupações foi motivar o professor, por isso que no digital não é só digitalizar o material, tem toda essa interatividade também.

Porque é um programa interdisciplinar, pode ser aplicado em aulas de português, geografia. Uma das professoras com as quais conversei, disse que usava na aula de religião. Porque está tudo no projeto: África, origens, religião, candomblé. Quando vai falar de geografia, também fala até de horta.

Sem o professor, o projeto não iria adiante. O que eu quero falar é isso, é a capacidade da comunicação, educar para a cidadania, contribuir para a construção da cidadania.

Mauricio: No projeto do Japão, no início, eu banquei tudo. Depois os empresários descobriram. Eu fui ao Japão recentemente. Estamos fazendo a cartilha e os carimbos, numa comunicação direta e instantânea dos professores com os pais dos alunos. Eles usam muito carimbo por lá. Então, já que é assim, joguei mensagens nos carimbos. Quando sai um produto nosso ligado à parte social, em escolas e tudo mais, está nas primeiras páginas dos principais jornais.

Eu acho que as crianças também se sentem meio que acarinhadas. Elas saem daqui, não falam a língua, não falam nada e quando veem a Mônica, sentem-se acolhidas.

Mauricio: Elas sentem que têm uma amiga, uma coleguinha. E agora tem uma onda de imigrantes. O governo japonês autorizou os consulados japoneses a distribuírem a nossa cartilha pra quem for imigrar para o Japão, a cartilha da Mônica.

Já vão mais preparados para não sentir um choque cultural tão grande, isso não tem preço. O senhor imaginou quando começou sua carreira lá com o Franjinha, com o Bidu, que ia chegar...

93 Mauricio interrompendo: Lógico que não!

Hoje a gente tem essa pluralidade de imigrantes, pessoas com deficiência, e percebe que o trabalho de vocês vai se atualizando. Vocês têm personagens com deficiência, cadeirante, tem a Dorinha... Como é essa atualização, porque a gente nota desde a Tina e o Rolo, da época dos anos 70, hippie, e hoje a gente vê outra abordagem, até a questão de gêneros também.

Mauricio: Eu lido pouco com a questão de gênero, que está pegando fogo. Tem muitas dúvidas no ar, uma briga do povo, então eu sugiro ao meu estúdio, ao pessoal que escreve, que use os nossos personagens de uma maneira cuidadosa para não ter o embaraço e nem dúvidas quanto ao público. Eu não quero que os personagens levantem uma bandeira. Temos que ficar atentos. Quando uma bandeira for aceita pela maioria da sociedade, aí nós podemos entrar, porque não vamos provocar nenhuma complicação de entendimento nos nossos leitores. Senão, a Mônica chega com algum tipo de mensagem que ainda não foi aceita no geral, vai haver boicote, crítica, vai haver uma porção de problema que pode prejudicar inclusive o estúdio. Então, tem que ir com muito cuidado. Nunca, jamais eu permiti, por exemplo, os personagens testemunharem um produto. Nunca, em nenhuma história nossa, nos quase 60 anos, os personagens falam: Coma isso, use aquilo. Nós temos os produtos, a agência que faz o anúncio também não pode colocar os personagens nem em história em quadrinhos, nem em outdoor, nem nos anúncios. Isso é uma traição para criança, que pega a revista desarmada totalmente e depois vai ficar confusa porque o personagem do coração dela fica falando uma coisa que, de repente o pai dela não gosta, a mãe detesta, a família não quer saber daquilo, então nós temos muito cuidado.

Ter essa ética, esse cuidado, o tempo todo, é algo difícil?

Mauricio: Nós temos alguns cuidados, temos três revisores em casa que cuidam só de revisar tudo que nós escrevemos para não passar nada disso, a sua irmã é uma delas, nossa vigilante. Não podemos deixar cair essa aura que a Turma da Mônica tem, de crianças desarmadas, honestas que sentem e usam ética naturalmente, que passam boas mensagens, de amizade... De vez em quando tem uma briguinha, porque criança briga um pouquinho, mas eles nunca deixaram a briga se manter, aí passa, no dia seguinte é outra coisa. Na família devia ser assim, eu faço assim na minha família. Eu não me lembro de ter tido inimigo, devo ter alguém que se

94 julga inimigo meu, eu não tenho.

Mas essa história de provocar, lembro que há pouco tempo o estúdio produziu uma cartilha das Forças Armadas. Vi umas críticas que me chocaram. Por isso entendo bem esse posicionamento. O exército existe, a marinha existe, não é uma posição ideológica, a cartilha só explica como funcionam. Hoje são tempos difíceis.

Mauricio: Nós não podemos deixar de falar, de fazer nosso trabalho de informação, de criação, de chegar na criançada com uma mensagem, uma linguagem que seja compreendida facilmente, que não faça mal de jeito nenhum, que não tenha problema na condução de imagens. Fazemos isso há quase 60 anos! E o resultado está aí! Então, com esse cuidado todo, o estúdio de criação vai fazer 60 anos no ano que vem, é um dos estúdios mais antigos do mundo.

É um dos fatores que leva à longevidade, perenidade e boa aceitação, porque sempre tem uma imagem positiva.

Mauricio: Boa aceitação. Hoje, nossas revistas têm 87% do mercado brasileiro, é um arraso. Disney ficou lá longe, lá pra baixo.

Hoje, as bancas viraram minilojas, há revistas, mas muitos outros produtos também, aí fico pensando nessa questão do futuro das bancas.

Mauricio: Quando as bancas sumirem, nós teremos outros meios. Já temos a Banca da Mônica na internet. O pessoal pode entrar no aplicativo e comprar as revistas pela internet e, daqui a algum tempo, teremos em outras línguas também. Já temos espanhol, inglês. O brasileiro que mora fora se queixa que não consegue as revistas, agora não precisa pedir para o Brasil mandar, para a madrinha mandar, para a tia mandar. Abrimos também esse canal para ele poder ver pela internet. E hoje temos também alguns produtos nossos que estão no mundo inteiro, aos bilhões. Um deles é o chamado Mônica Toy. De 15 em 15 dias nós lançamos um filminho no YouTube, que não tem idioma, só sons, igual ao cinema mudo, que você entende perfeitamente.

A linguagem universal.

95 Nós temos mais de 10 bilhões de visualizações, é um negócio impressionante e para a empresa é bom também, porque como temos boa visualização, o YouTube consegue colocar anúncio junto com os nossos pequenos desenhos. Eu recebo um roaltizinho, pequenininho, uma pulguinha só. Só que em 10 bilhões, a pulguinha virou um pulgão. É um negócio bom para o nosso caixa também. Fizemos agora um que chama Biduzidos, só com pets. Animal tem a linguagem universal, late do mesmo jeito no mundo inteiro, mia, cacareja, ronca do mesmo jeito, então é mais um filme que todo mundo vai entender, porque entende a linguagem dos animais também. E temos o outro lado para manter o estúdio, muito grande, pagar salário e, ao mesmo tempo, ir em frente com os nossos objetivos sociais ou educacionais. Embora alguns políticos de Brasília queiram nos proibir de tudo isso, querem nos proibir de fazer licenciamento de personagem, de brinquedo, não podemos passar revista assim assim assado. Está lá em Brasília, correndo entre os senadores e deputados, porque eles acham que é um desaforo ter tanto público assim e não estar com uma linha ideológica.

Não está posicionado como eles gostariam que o senhor estivesse. Mas por quantos governos o senhor passou de 1959 para cá, não é mesmo?

Mauricio: Governos e crises. No tempo da ditadura, entrei para uma lista negra, que não me permitia vender meu material para nenhum veículo de comunicação em São Paulo. Porque eu tinha feito uma campanha de apoio aos desenhistas nacionais, para termos uma cota para a história nacional, porque tinha só material americano. Então eu fiz um movimento para ter uma cota nacional. Para quê? Comunista, comunista, comunista! Proibido de trabalhar.

Mas quem tem talento e dignidade segue adiante sempre.

Sim! Estamos no México, vamos entrar agora nos Estados Unidos, Canadá... Estamos em alguns países europeus também. E estive na China, com um projeto de alfabetização. Era um sucesso. Aí mudou o governo e é proibido, não só eu, qualquer estrangeiro publicar lá.

O senhor tem algum projeto de um museu itinerante?

Não. Está nascendo o projeto de um museu muito pesado, muito bonito, um museu do livro, um museu que tenha coisas acontecendo, não só com coisa velha. Estamos começando esse projeto, com museus que possam atender ao público daqui, com inclusive entrada gratuita. Eu tenho um acervo de tudo que nós fizemos até hoje que não cabe nesse prédio, tem três galpões

96 guardando esse acervo que estão diretamente direcionados para o futuro museu. Quero um museu em movimento, eu quero vivo, não quero um museu de coisa antiga.

Aquele projeto dos Quadrões é incrível.

Os nossos quadros originais estão há três anos visitando os museus da Coreia. Precisei brigar com o pessoal de lá para eles me devolverem, pararem com a ciranda que estavam fazendo nos principais museus. As exposições deles são lindas, montam maravilhosamente, tenho até pena de tirar de lá. Mas agora eu quero devolver, quero mostrar um pouquinho aqui e depois ir para os outros países.

A Mônica morou 18 anos na Indonésia, todo mundo conhece ela. As mulheres de lá transformaram a Mônica num símbolo de liberdade, porque é o maior país muçulmano e daí vem a Mônica e dá aquela liberdade toda então as moças: ah, eu quero ser a Mônica! O mundo é grande!

Muitíssimo obrigada! O senhor criou um universo. O senhor propiciou a visão desse universo.

Isso é bom. Obrigado!

97 Apêndice 2

E-mail do Dr. Adenisio Alvaro Oliveira de Souza

Coordenador-Geral de Cooperação Federativa e Controle Social Diretoria de Transparência e Controle Social Secretaria de Transparência e Prevenção da Corrupção

De: Adenisio Alvaro Oliveira de Souza [mailto:[email protected]] Enviada em: terça-feira, 23 de outubro de 2018 17h08min. Para: Ivone Mello Assunto: RE: Programa Um por todos e todos por um - Solicitação de entrevista -

Prezada Ivone, Seguem as respostas:

1. Qual o contexto do surgimento do Programa na CGU?

R – A CGU começou a idealizar uma metodologia de trabalho que levasse o tema para o ambiente escolar, já tínhamos o Concurso de Desenho e Redação, mas necessitávamos de algo que trabalhasse o tema de ética e cidadania junto ao público da primeira fase do ensino fundamental, logo, surgiu a ideia de trabalhar com as personagens da Turma da Mônica.

2. Porque a Turma da Mônica foi escolhida? Porque adotaram e como chegaram a esta metodologia? A essa forma de curso.

R – Enquanto embaixadora da UNICEF e extremamente conhecida das crianças a Mônica e sua turma se mostrou como um atrativo a mais para o Programa. A metodologia foi trabalhada com pedagogos e profissionais do Instituto Mauricio de Sousa e da CGU, os quais chegaram ao formato do Programa como está hoje. O formato atual é de trabalhar as atividades constantes do kit do aluno no prazo de seis meses, passando por todos os módulos do programa.

3. Quando começou, quais as fases?

R – O Programa iniciou em 2008 com a aplicação de um piloto em 2009 e outro em 2010, quando se definiu para qual turma seria aplicado.

4. Como pensaram a adequação da linguagem e conteúdo as várias regiões e faixas etárias?

98 R – A adequação da linguagem e o conteúdo a ser trabalhado foram definidos pelos profissionais do Instituto Mauricio de Sousa e da CGU.

5. O que estas escolas e crianças têm em comum? Qual o perfil socioeconômico das diferentes regiões e escolas atendidas?

R – Não há definição de perfil de escolas e crianças para participar do Programa. Hoje temos vários perfis trabalhados, mas todos com uma ótima aceitação.

6. Quais os critérios de escolha das escolas e dos patrocinadores? São escolas parceiras da CGU? Os patrocínios são sempre de empresas/órgãos governamentais? Quais foram feitas até agora?

R – Até o momento, como recurso de impressão do material é oriundo do MEC, atendemos às escolas públicas que se sensibilizem em aplicar o material. Como há uma dificuldade em as escolas quererem aplicar o material, estamos desenvolvendo os trabalhos com aquelas que já aplicaram em 2016 e 2017.

7. Por tratar-se de um programa que não integra o currículo formal das escolas, como é inserido na grade curricular, como é a sua aceitação pelas escolas e alunos?

R – Há uma definição por parte das escolas em qual momento é mais oportuno para aplicar o material. Geralmente o material é aplicado no contraturnos das escolas de tempo integral.

8. O Tutorial e a capacitação continuam abertos? Podem ser acessados por quem quer que seja que tenha interesse, a qualquer momento? Alguns links do IMS e o blog estão inacessíveis.

R – O curso EAD fica disponível na plataforma EAD da ENAP e da ESAF para quaisquer interessados.

9. Quantas escolas aderiram, quantos professores foram capacitados e como? Quais regiões? Quantos alunos e respectivas faixas etárias

99 10. Quais avalições foram realizadas para mensurar os resultados/dados do Programa? Qual a margem de crescimento das adesões? Qual o índice de desistência?

R – Vide documento em anexo.

11. Os resultados justificam todos os esforços e investimentos realizados? A proposta do Programa foi alcançada pela CGU? Foram necessárias mudanças/adequações no decorrer de sua aplicação considerando-se as diversas regiões e diferentes faixas etárias abrangidas? Como são feitas as avaliações e monitoramentos para gestão do Programa?

R – Os resultados justificam sim o investimento, cujo objetivo foi superado e no momento estamos trabalhando nua atualização do material, transformando-o em digital para alcançar todos os alunos de escolas públicas e privadas do País. O monitoramento é realizado por meio de auditores da CGU, de forma física e online.

12. Dentre os levantamentos efetuados, algum deles avaliou a mudança no comportamento, da compreensão das crianças em relação à cidadania? Quais alterações puderam ser observadas nos diferentes públicos e nos ambientes envolvidos pelo programa.

“Gostaria de parabeniza-los pela iniciativa e cuidado com a elaboração do programa e com o material do kit. Nós o consideramos muito atraente e motivador para as crianças. Façamos votos que o Programa UPT se torne uma ação permanente e que se desdobre para os outros anos do Ensino Fundamental”.

Eldes Ferrreira de Lima/MS

100 “Precisamos dar continuidade em programas como este, pois enriquece nosso trabalho e visa garantir que nossos educandos recebam noções de Ética e Cidadania para a vida, com um material riquíssimo”.

Lucinei de Souza Tosatti Leite/MT

“A experiência foi ótima! Todos os alunos se envolveram no projeto que foi um sucesso. Deveria se tornar obrigatório na rede pública de ensino, pois fazem as crianças pensarem num país melhor”.

Briane Regina da Silva/PR

“Fiquei muito feliz. Os alunos gostaram muito e o programa nos traz uma responsabilidade como cidadãos em participar ativamente e refletir sempre acerca das nossas decisões. Muito legal!”

Rose Paula Pinto dos Santos/BA

101 13. Qual o perfil atual do programa, as perspectivas para sua continuidade e em quais bases?

R - O programa está atualização, sendo transformado para o meio digital, com toda interatividade requerida, alinhado às competências da Base Nacional Comum Curricular – BNCC, visando atingir todos os alunos do ensino fundamental I de escolas públicas e privadas do Brasil.

Atenciosamente,

Adenisio Alvaro Oliveira de Souza Coordenador-Geral de Cooperação Federativa e Controle Social Diretoria de Transparência e Controle Social Secretaria de Transparência e Prevenção da Corrupção

102 ANEXOS

Anexo 1

CONTROLADORIA-GERAL DA UNIÃO EXTRATO DE PARCERIA Espécie: Termo de Parceria nº 20/2008 - CGU Nº do Processo: 00190.036826/2008-82 Partes: Controladoria-Geral da União, com sede no Setor de Autarquias Sul - SAS, Quadra nº 1, Bloco A, 9º andar, Brasília/DF, inscrita no CNPJ sob o nº 05.914.685/0001-03 e o Instituto Cultural Mauricio de Sousa, qualificada como Organização da Sociedade Civil de Interesse Público - OSCIP, nos termos da Lei nº 9.790/99, registrada no Ministério da Justiça sob o nº 08071.000896/2005-18, conforme despacho da Secretaria Nacional de Justiça, de 24 de maio de 2005, publicado no Diário Oficial de 31 de maio de 2005, com sede na Rua do Curtume, nº 745, Bloco F, 5º andar, Lapa, São Paulo/SP, CEP 05.065-001, inscrita no CNPJ/MF nº 01.987.656/000102. Objeto: A concepção do projeto "Um por todos e todos por um!", que visa a disseminar valores e padrões éticos de conduta na comunidade escolar e na sociedade na qual está inserida, de modo que os conceitos de transparência, controle social e cidadania sejam divulgados por intermédio do universo lúdico das personagens da Turma da Mônica. Recursos: Valor global de R$ 206.300,00 (duzentos e seis mil e trezentos reais), a ser repassado ao Instituto Cultural Mauricio de Sousa, em duas parcelas iguais: a primeira, de R$ 103.150,00 (cento e três mil e cento e cinquenta reais), cinco dias após a assinatura do Termo de Parceria; e a segunda parcela, também de R$ 103.150,00 (cento e três mil e cento e cinquenta reais), em 1º de julho de 2009, desde que as metas da 1ª parcela tenham sido alcançadas, conforme a subcláusula sexta, da cláusula quarta do Termo de Parceria. Vigência: 02 (dois) anos a partir da data de sua assinatura, podendo ser prorrogado caso haja interesse das partes. Data de Assinatura: 9 de dezembro de 2008. Signatários: Pela Controladoria-Geral da União, o Ministro de Estado do Controle e da Transparência, Doutor Jorge Hage Sobrinho; e pelo Instituto Cultural Mauricio de Sousa, o Presidente do Conselho Diretor da entidade, Mauricio Araujo de Sousa.

Fonte: DIÁRIO OFICIAL. Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/diarios/924102/pg-3-secao-3-diario-oficial- da- uniao-dou-de-19-12-2008. Acesso em: 20 dez. 2018.

103 Anexo 2

104

105

106

107

108

109 Anexo 3

110

111

112 Anexo 4

PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA CONTROLADORIA-GERAL DA UNIÃO

ANEXO

Termo de Adesão ao Programa “Um por Todos e Todos por Um! Pela ética e cidadania”

(Nome do Órgão ou Instituição) neste ato representado(a) pelo Senhor(a)

(Nome do responsável) Portador(a) do CPF nº Carteira de Identidade (nº - órgão expedidor – UF) do(a) (cargo ocupado) (órgão ou instituição parceira) do localizado(a) na (órgão superior - no caso de parceiro público - Município e UF)

(endereço completo) oficializa, junto à União, por meio da Controladoria-Geral da União (CGU), a adesão ao Programa “Um por Todos e Todos por Um! Pela ética e cidadania”. Nos termos do Programa “Um por Todos e Todos por Um! Pela ética e cidadania”, instituído pela Portaria CGU nº de 2014, o ente parceiro se responsabiliza em garantir condições necessárias para a sua implementação, conforme descrição abaixo: a) executar, conforme orientações emanadas da CGU, o projeto “Um por Todos e Todos por Um!” nas escolas integrantes de sua rede de ensino, de acordo com seu planejamento, assegurando a boa qualidade técnica das ações e dos serviços prestados e buscando alcançar eficiência, eficácia, efetividade e economicidade em suas atividades; b) observar, no transcorrer da execução de suas atividades, as orientações elaboradas pela CGU com base no acompanhamento e na supervisão; c) responsabilizar-se integralmente pela contratação e pagamento do pessoal que vier a ser necessário e se encontrar em efetivo exercício nas atividades inerentes à execução do Programa, inclusive pelos encargos sociais e obrigações trabalhistas decorrentes; d) prestar as informações requeridas pela CGU, sobretudo aquelas necessárias à avaliação do projeto, nos prazos demandados;

113 e) apresentar à CGU relatório de avaliação do Programa bem como os questionários de monitoramento e avaliação aplicados; f) ubmeter, formalmente, à CGU qualquer alteração, inclusão ou modificação que se faça necessária ao conteúdo do projeto, sendo que o silêncio da parte em nenhuma hipótese implicará em aceitação tácita; g) comprometer-se, inclusive financeiramente, pela reprodução e distribuição das peças que compõem o projeto, também pela produção das provas de impressão; h) comprometer-se de que toda a impressão das peças deverá passar por aprovação da CGU, para que seja mantido o padrão de qualidade. i) comprometer-se a não alterar quaisquer características dos personagens ou das demais criações artísticas. Também não poderá fazer qualquer modificação ou inclusão no conteúdo das peças, cuja propriedade patrimonial e intelectual é exclusiva do Instituto Maurício de Sousa - IMS por cessão de Direitos Autorais previamente cedidos pelo autor Mauricio Araujo de Sousa, em instrumento próprio. j) manter as logomarcas da CGU e Instituto Maurício de Sousa - IMS em todas as peças do projeto; k) caso haja interesse do parceiro de incluir nas peças sua logomarca, esta deverá ter a aprovação da CGU e do IMS. Em caso positivo, caberá ao IMS a aplicação da logomarca do parceiro nas peças. Fica vedada a inclusão de qualquer logomarca que não seja a do parceiro. l) os custos inerentes à aplicação das logomarcas tratadas no item anterior serão de única e inteira responsabilidade do parceiro e serão tratados diretamente com o IMS. m) enviar ao IMS, 2% (dois por cento) dos exemplares impressos das peças do projeto para que façam parte do seu acervo. n) distribuir gratuitamente os kits didáticos para os participantes do Programa, ficando desde já acordado que os mesmos só poderão ser utilizados como parte integrante deste Programa, não podendo ser utilizados com quaisquer fins lucrativos, religiosos, bem como político-partidários. O Foro para solucionar os litígios que decorrerem da execução deste Termo de Adesão será o da Justiça Federal, Seção Judiciária do Distrito Federal.

, / _/ Local Data

(Assinatura do Secretário da STPC)

(Assinatura do Responsável Legal do Parceiro)

114 Anexo 5

115