ComCiência no.128 Campinas 2011 RESENHA

Excêntrica sabedoria

As ideias de um economista polêmico, premiado e requisitado estão no cerne deste documentário baseado em um best seller.

Por Rodrigo Cunha

Quando o jovem produtor independente de cinema Chad Troutwine leu o best-seller Freakonomics , lançado em 2005 pelo economista Steven Levitt, da Universidade de Chicago, e pelo jornalista Stephen Dubner, da The New York Times Magazine , pensou: “Isso daria um filme!”. Assim como já havia feito na produção de Paris, je t’aime , premiado no festival de Cannes de 2006, quando contou com vários diretores, como os irmãos Joel e Ethan Coel, o francês Gérard Depardieu e o brasileiro Walter Salles, decidiu reunir um time de documentaristas para as filmagens de Freakonomics, the movie . Convidou, entre outros, , indicado para o Oscar de melhor documentário de longa-metragem por Super size me (2004), e , premiado com a estatueta nessa categoria, em 2007, por Taxi to the dark side . O resultado, lançado em 2010, é um filme dinâmico, dividido em episódios curtos e longos, que flerta com as linguagens da publicidade, do jornalismo e da ficção e que busca manter o estilo atrativo que o jornalista Dubner deu às inusitadas ideias do economista Levitt.

O filme começa com o próprio Levitt falando sobre um tema que se tornou central na crise econômica de 2008, e que se alastrou dos Estados Unidos para todo o mundo: o mercado imobiliário. Mas sua abordagem não é sobre o estouro da bolha de créditos ou a falta de controle na cadeia de financiamentos dos grandes bancos. Ele trata dos interesses envolvidos na relação entre o vendedor de um imóvel e um corretor. Essa introdução do filme já dá uma ideia da dinâmica da narrativa, ao intercalar, com muita rapidez, a fala de Levitt – atropelada por irônicas intervenções de Dubner – animações sobre o que eles estão falando, com o recorte de suas cabeças e a colagem em um corpo em miniatura e o uso de balões com suas falas ou pensamentos, recurso muito usado em propagandas de bancos e automóveis, entre outras peças da publicidade. A introdução também sugere que o economista por trás dos episódios que virão a seguir não é daqueles que se debruça sobre temas como juros, câmbio, impostos ou inflação. Qual é a proposta de Levitt, então?

Suas pesquisas na Universidade de Chicago, sobre temas de interesse nacional – e não exclusivamente do campo econômico –, têm como eixo norteador a tentativa de desconstruir a “sabedoria convencional”, termo cunhado pelo economista John Kenneth Galbraith, para se referir às explicações convenientes e cômodas para o complexo comportamento econômico e social. Isso significa que Levitt coloca em xeque respostas relativamente bem aceitas para determinadas questões e constrói uma boa base de argumentação para justificar as respostas pouco convencionais que encontra em seus estudos. E faz isso com considerável sucesso e reconhecimento. Ele foi agraciado, no início da década passada, com o prêmio John Bates Clark, concedido a economistas norte-americanos de menos de quarenta anos que tenham dado contribuições notáveis ao seu campo de conhecimento. Levitt também recebeu (e recusou) a oferta de um cargo na equipe econômica do ex-presidente Bill Clinton e foi convidado, em 2000, a prestar consultoria ao então candidato à presidência George W. Bush na área criminal. Por que um economista seria consultado sobre questões criminais?

Levitt tem diversos estudos sobre o tema da criminalidade, pautados em questões que boa parte de seus pares não considerariam ser pertinentes à economia e poderiam até taxar de excêntricas. E ele próprio, ao escolher o título de seu livro em parceria com Dubner reconhece que são: Freakonomics é uma fusão de palavras que, em livre tradução, significa “economia excêntrica”. O livro também é dividido em tópicos, dos quais nem todos aparecem no filme, como, por exemplo, a busca de Levitt por respostas para a seguinte pergunta: “Por que os traficantes, mesmo ganhando tanto dinheiro, ainda moram com as mães?”. Mas o tema sobre o qual ele mais se debruçou e o que mais despertou polêmica não poderia ficar de fora do documentário: Levitt se propõe a investigar por que após a criminalidade crescer nos Estados Unidos até o início da década de 1990, ela caiu vertiginosamente. As respostas tradicionalmente aceitas, para ele, explicam apenas parcialmente essa queda.

Seu estudo se insere no campo da economia justamente por desconstruir a simples associação do crescimento econômico e da queda do desemprego à diminuição da criminalidade. Ele menciona pesquisas segundo as quais a queda de 1% no desemprego corresponderia à queda de 1% em crimes não-violentos, como assaltos a residências e roubos de carros, mas contra- argumenta com dados concretos: enquanto o desemprego caiu 2% nos anos 1990, os crimes não-violentos caíram 40%. E acrescenta: as pesquisas mais confiáveis não fazem vínculo algum entre a economia e os crimes violentos, como homicídio, agressão e estupro. Levitt defende a polêmica tese de que a legalização do aborto nos Estados Unidos, na década de 1970, evitou muitos nascimentos de crianças indesejadas, as quais, se tivessem nascido, viveriam em estado de vulnerabilidade e estariam propensas a estar, 20 anos depois, entre as estatísticas de criminalidade.

Mesmo alegando que essa tese não é uma defesa do aborto, a excentricidade da explicação pode levar os mais desavisados a taxá-lo de “picareta”. E não são os mais de quatro milhões de exemplares vendidos de Freakonomics que sinalizam o contrário. Tudo o que aparece no livro, com o tratamento jornalístico dado por Dubner, para tornar a leitura mais atrativa, e no filme, com o toque pessoal de cada um dos seis diretores, é baseado em estudos publicados em periódicos acadêmicos especializados, como o Quarterly Journal of Economics , a American Economic Review , o Journal of Political Economy , o Journal of Economic Perspectives e o Journal of Public Economics , todos com sistema de revisão por pares, que podem aceitar ou rejeitar a publicação de artigos. Alguns desses trabalhos foram feitos em parceria com outros pesquisadores, como o economista Roland Fryer, da Universidade de Harvard, que estudou com Levitt diferenças culturais entre brancos e negros e suas consequências socioeconômicas. Fryer também aparece no documentário em depoimento bem-humorado intercalado por alternadas e rapidamente concatenadas falas de pessoas brancas e negras nas ruas.

Outro pesquisador que aparece no filme é Sendhil Mullainathan, do Departamento de Economia da Universidade de Harvard. Ao estudar diferenças entre negros e brancos no mercado de trabalho, Mullainathan concluiu que currículos idênticos com nomes associados a pessoas brancas têm mais chance de levar o candidato à etapa de entrevista do que aqueles com nomes associados a pessoas negras. Essa desigualdade entre brancos e negros no mercado de trabalho também é estudada por economistas no Brasil, como Marcelo Paixão, professor do Instituto de Economia da UFRJ e coordenador do Observatório Afrobrasileiro (leia artigo dele na ComCiência ).

Entre os temas tratados no documentário, um dos episódios retrata uma questão relativamente universal no jogo de poder e de acordos entre pais ou professores e crianças e adolescentes, mas com um viés próprio da cultura norte-americana. É comum, por exemplo, pais que condicionam prêmios ao cumprimento de obrigações – como o direito a um chocolate de sobremesa para quem come tudo no almoço, inclusive alface – ou escolas que concedem algum benefício aos alunos de melhor desempenho. Mas o filme apresenta uma pesquisa sobre a evolução no desempenho escolar de alunos para os quais é oferecida uma recompensa de US$ 50 a cada cumprimento de meta e a chance de concorrer a US$ 500 em um sorteio. Uma ideia típica de Tio Sam. Outro tema estudado por Levitt e abordado no filme é o da trapaça, tanto a que fazem professores do ensino médio para mascarar estatísticas de desempenho das escolas quanto a de lutadores de sumô para manipular resultados. O episódio sobre sumô, um dos mais longos, parece ser o único que não tem um ritmo tão frenético, ao estilo Corra, Lola, corra – talvez por tratar de um tema da cultura oriental. Mas o filme, como um todo, entretém por sua dinâmica e, independentemente da concordância ou discordância do espectador em relação às abordagens de Levitt, vale pela singularidade desse olhar sobre a economia.

Freakonomics – the movie Direção: Alex Gibney, Morgan Spurlock , Rachel Grady, Heidi Ewing, Eugene Jarecki e Ano: 2010