Algarve

Barlavento Barão de São João Mexilhoeira Grande Figueira São Bartolomeu de Messines

Sotavento Alte Alportel

Jorge Pereira Padure Xana Mariana, a Miserável Susana Gaudêncio Menau Tiago Batista Roteiro • Projeto WATT? ARTE PÚBLICA • Algarve

Barlavento Vila do Bispo ...... 16 Barão de São João ...... 18 Mexilhoeira Grande ...... 22 Figueira ...... 26 São Bartolomeu de Messines . 32

Sotavento Alte ...... 40 Alportel ...... 50

Jorge Pereira Padure Xana Mariana, a Miserável Susana Gaudêncio Menau Tiago Batista ARTE PÚBLICA •

2 3 O PROGRAMA ARTE PÚBLICA •

Imaginemos que vamos a todas as localidades abrangidas pelo Arte Pública fundação edp e que pintamos as paredes de branco, desmontamos as instalações dos espaços, apagamos do mapa as obras de arte criadas nas várias povoações intervencionadas de norte a sul do País. Que efeito teria na vida destas pessoas?

O Arte Pública fundação edp é um mapa feito de um conjunto de obras de arte concebidas em espaços públicos de pequenas localidades de diversas regiões do País. Um programa desenhado pela fundação edp para proporcionar a comunidades rurais um maior contacto com a arte, provocando, simultaneamente, uma reflexão sobre a sua função na sociedade.

Sinais de trânsito transformados em figuras tradicionais como a da mulher de lenço na cabeça? Duas raízes de árvores entrelaçadas, com pernas e braços? Um moinho em cima de um burro? Um homem em cima de um escadote a apanhar estrelas? Obras “bonitas” e “boas para a terra”, como costumam dizer as pessoas destas comunidades, sem se alongarem a extrapolar significados para lá dos significantes que lhes são apresentados. É neste grau zero, é nesta marca de início, que reside a premência do programa Arte Pública fundação edp.

O Arte Pública fundação edp introduz um contacto concertado por parte das po- pulações com uma ideia contemporânea de cultura visual. Para muitos, o conceito de arte liga-se ainda à noção de artesanato ou a uma ideia de arte-verdade, em que o objeto artístico assume a função de replicação da realidade, numa mimética de embelezamento da mesma, como nos explica o artista plástico Xana, membro do movimento artístico dos anos 80 Homeostética e um dos artistas do projeto Arte Pública fundação edp que deixaram a sua marca nas localidades a barla- vento e a sotavento do Algarve. Assembleia comunitária, Alte, 2016. Alte, — P5: comunitária, 2016. Assembleia , Figueira, Em cada região, associações e artistas foram desafiados a apresentar propostas de intervenção pública, que iam da pintura à escultura ou à instalação em vídeo e/ou som. Os artistas partiram para o terreno com duas premissas. A primeira foi a de não se colocarem no papel de educador, mas sim de facilitador. O de pôr ferra- mentas à disposição de modo que as populações pudessem inteirar-se de como fun-

ciona todo o processo de criação artística, desde o brainstorming à definição de PP comunitário 2 e 3: Mural temáticas, ao uso de técnicas, à mão na massa, ao resultado. E a segunda foi a de desmistificar a arte enquanto prática elitista, inacessível. A arte tem, na sua premis- sa, uma matriz política: a de dar liberdade, a de proporcionar caminho e escolha.

Foram envolvidas as instituições locais para definir quais os espaços públicos dis- poníveis, a par dos equipamentos da rede da EDP Distribuição, empresa parceira da fundação edp neste projeto, a serem intervencionados. E, em cada localidade, a população foi convidada a participar em assembleias comunitárias. As pessoas conheceram os artistas e deram a conhecer-se. Expressaram as suas sugestões de temas a serem tratados em obras, contaram as histórias e as tradições da terra, falaram das atividades económicas predominantes e das figuras de relevo.

Aos artistas coube a tarefa de interiorizar as sugestões e integrarem os temas su- geridos no seu trabalho e na sua linha autoral. Foram feitas maquetes das “obras- -que-iriam-ser” que foram depois apresentadas à população.

4 5 O PROGRAMA ARTE PÚBLICA •

Seguiram-se os dias de trabalho, de feitura das obras. Na comunidade, cresce a curiosidade e a proximidade aos artistas. Precisam de alguma coisa? Água? Algo para comer? Momentos de pausa são passados na pastelaria da rua, no convívio com os locais.

O Arte Pública fundação edp é este ponto de encontro no qual se cruzam intencio- nalidade artística e intencionalidade social. É um programa que promove uma sen- sação de pertença, que já não se perde, independentemente de a tinta começar a cair, de a chuva vir a desbotar os tons. Neste caso, trata-se de uma sensação de pertença dupla. Este património artístico é das pessoas, da comunidade. Motivo por que são criadas, em cada região, visitas-percurso com guias locais, que são também elas uma forma de elo, de ligação das populações a quem as visita. E fá-las sentir-se 2016. Messines, de Bartolomeu São , Menau,

não isoladas do mundo, mas parte de uma ideia de contemporaneidade que vive a O Ser cultura visual a uma velocidade estonteante. Se por um lado a arte fixa, fixa a identi- dade de uma povoação, por outro fluidifica-se, permite-se novos usos e abordagens.

Minho Trás-os- Braga -Montes Crespos e Pousada Padim da Graça Alfândega da Fé Merelim (São Paio) Torre de Moncorvo Panoias e Miranda do Douro Parada de Tibães Mogadouro Palmeira Alto Ribatejo Alentejo Rio Maior Vila da Marmeleira Campo Maior Assentiz Degolados São João da Ribeira Ouguela Ribeira de São João

Médio Algarve Vila do Bispo Tejo Barão de São João Mexilhoeira Grande Vila Nova da Barquinha Figueira Atalaia S. Bartolomeu de Messines Praia do Ribatejo Alte Tancos Alportel

6 7 Roteiro ALGARVE • Projeto WATT? ARTE PÚBLICA •

Vila do Bispo

1 S/TÍTULO, Jorge Pereira Barão de São João

2 MIGRAÇÕES, Mariana, a Miserável

3 S/TÍTULO, Jorge Pereira Mexilhoeira Grande

4 WATCHING YOU, Xana Vila do Bispo Portimão Silves São Brás de Alportel Vila do Bispo Mexilhoeira São Bartolomeu Alportel 5 CRIATURAS DO MAR, Padure Grande de Messines Figueira

6 S/TÍTULO, Vários autores

7 MURAL COMUNITÁRIO, Comunidade/Xana

São Marcos da Serra E1 8 SENHORA DAS LARANJAS, Mariana, a Miserável IC1

10A 9A

a

in São Bartolomeu de Messines

t en 13A

c N2 i 14A V São Bartolomeu a 9 MURAL COMUNITÁRIO, Alunos/Xana t

s de Messines

o

C

e Alte N124 20A o N124 15A 10 O SER, Menau jan e 6A 15B ent l 20B A 4A Silves

e Alportel 11 MARTÍRIO, Tiago Batista

st 20C

e 2A A22 Figueira São Brás do

u Mexilhoeira e N270 de Alportel S d

a 12 r A22 Loulé ALS MESSINES, Xana Grande A o Barão A22 o d Portimão i de S. João R N125 N125 tural Armação a Barão N de Pera de S. Miguel N125 Almancil Alte Luz Lagos arque Vilamoura IC4 P 1A Quarteira Vila 13 INTERVENÇÃO COLETIVA, Vários autores do Bispo

a N268 Lagos Portimão Loulé os m 14 GENTES DA MINHA TERRA, Menau Pa or F rque Barão de Figueira Alte Ria

São João Natural da 15 O JOVEM DA ALDEIA, Menau 16 BALTAZAR, Padure

17 O CLARÃO, Susana Gaudêncio Alportel

18 O PORTAL, Susana Gaudêncio

19 NADA SE LAVA SOZINHO, Tiago Batista

20 OUTRA BABEL, Xana

img: Luis Forra, © 2007 LUSA - Agência de Notícias de , S.A. Roteiro ALGARVE • Projeto WATT? ARTE PÚBLICA •

de roupa portáteis na “O envolvimento das para a sua terra. É como Alte é uma pequena aldeia via pública, junto à soleira autarquias e juntas de se as suas ideias fossem no Sotavento algarvio, Algarve das portas, e gaiolas de foi bastante materializadas e devol- concelho de Loulé, cujo periquitos no chão, a apa- positivo”, refere Nuno vidas. “Projetos como es- silêncio das horas de almo- WATT? nhar o sol do meio-dia. Pereira. “Facilitaram te são muito importantes ço de domingo é recortado Barão de São João, 2016 João, São de Barão Na rua, apenas silêncio. comunitária, Assembleia a logística: transportes, do ponto de vista da de- apenas pelo barulho da Na parte lateral do posto montagem de equipa- mocratização da arte. água da ribeira a cair, à Parceiro: de transformação, está mento, lavagem de pare- As pessoas é que decidem.” parte debaixo da encosta, desenhado um homem, A primeira abordagem des, etc. E disponibiliza- ou pelo tagarelar de um LAC – Laboratório de de impermeável amarelo, passou por contactar as ram espaços para se rea- ajuntamento de homens Atividades Criativas dobrado, de arrilhada na instituições locais para lizarem as assembleias.” no terraço de um deles a mão, a apanhar percebes. proceder a um levanta- “O critério da escolha fazerem uma almoçarada. mento de paredes públi- das localidades de cada “O critério de seleção de Facebook: cas nas quais se pudesse núcleo passou por liga- Alte foi o facto de ser co- intervir. Depois, a promo- ções a parcerias já exis- nhecida como sendo a al- WATT? Um Projeto ção de assembleias com tentes. Foi assim em Vila deia mais típica algarvia”, , Menau, Artístico para a a população: uma primei- do Bispo, por exemplo. esclarece Nuno Pereira, Comunidade ra para apresentar os ar- Ou então por conhecer- do LAC. “Em Alportel, por O Ser

tistas selecionados e os 2016 João, São de Barão mos melhor os locais. exemplo, foi uma conse- Envolvimento comunitário, comunitário, Envolvimento seus trabalhos e ouvir Eu sou de Vila do Bispo. quência do processo, que- 2016. Messines, de Bartolomeu São a população – preocu- O critério relativamente ríamos que fosse em São Localidades: O modelo do desenho pações, lendas, histórias, a Barão de São João foi Brás de Alportel, mas não é Nuno Pereira, membro heróis sugeridos para o facto de existir lá uma foi possível. A câmara su- VILA DO BISPO da direção do LAC – serem tema das obras na grande comunidade artís- geriu que fosse criada es- Vila do Bispo Laboratório de Atividades sua terra; a segunda para tica. Já na Mexilhoeira ta dinâmica em Alportel.” Criativas, que, em coorde- os artistas apresentarem Grande, foi a própria jun- Sotavento algarvio Quanto a S. Bartolomeu BARÃO DE SÃO JOÃO nação com o artista plás- uma proposta da inter- ta que se chegou à frente, Localidades: de Messines foi uma ques- Lagos tico Xana, também mem- venção do que iriam fazer queria mesmo que a loca- tão de afinidade: uma das bro da direção e elemento e sujeitarem-na à apro- lidade participasse.” ALTE colaboradoras do projeto, MEXILHOEIRA GRANDE fundador do movimento vação popular. Seguiram- Loulé Carmo, nasceu na Portimão artístico Homeostética, -se os dias de criação, localidade. que existiu em Portugal rodeados de latas e tintas, ALPORTEL “Este projeto foi mesmo FIGUEIRA nos anos 80, escolheu por vezes em cima de an- São Brás de Alportel importante para construir Portimão o grupo de artistas que daimes. Por fim, depois de um público, trata-se de co- iriam intervir nas várias todas as obras terminadas, munidades que não têm um

SÃO BARTOLOMEU localidades do Algarve. incluindo as coletivas e as , laranjas das Senhora Há um senhor inglês que contacto continuado com a DE MESSINES Nuno Pereira também é que contaram com a par- quase todos os dias pas- arte. Há algum artesanato, Silves músico, pois o LAC é cons- ticipação dos próprios 2016. Figueira, Miserável, a Mariana, seia com ele. É o burro mas não têm ideia do que tituído por uma equipa locais, fez-se uma visita- Nuno Pereira salienta Baltazar, o burro da ter- é um artista, do que é uma multidisciplinar: vai da -circuito de dois dias pelas ainda que a essência ra. Em Alte, assim como carreira artística. Daí a im- O posto de transforma- música às artes plásticas sete localidades. do projeto Arte Pública em todas as localidades portância de, a repetir-se o ção da EDP Distribuição e da dança ao design. fundação edp reside do projeto Arte Pública projeto, os artistas poderem encontra-se à entrada, O LAC, sediado na antiga no carácter participativo, fundação edp, as assem- vir a ficar mais tempo nos junto à bifurcação, de cadeia de Lagos, agilizou e poder decisório, das bleias prévias ao início da locais”, conta Carmo Serpa. quem chega a Vila do toda a produção do pro- pessoas locais. São elas realização das obras de

Bispo pelo lado este. jeto do Arte Pública que dão – as ideias, os arte servem para isto: pa- Pela esquerda circunda- fundação edp a sul, cujos pareceres, as decisões; ra os artistas conversarem

mos a vila, pela direita núcleos – a barlavento Pereira, , Jorge são elas que recebem com as populações e se in- subimos uma rua de pe- e a sotavento – recebe- – o resultado do processo teirarem das personagens, S/Título Alte, 2016.Alte, quenas casas rurais, ge- ram o nome de “WATT? – 2016. João, São de Barão de envolvimento e debate acontecimentos ou histó-

minadas, de piso térreo, Um Projeto Artístico para traduzido em obras de rias que fazem a identi- comunitária, Assembleia com alguns estendais a Comunidade”. arte que ficam para elas, dade de cada povoação.

10 11 ROTEIRO Núcleo ALGARVE WATT? Sotavento ARTE PÚBLICA •

“Também estou ligado

ao LAC, acabei por fazer a volta prévia pelo Algarve com as pessoas da produ- Alte, 2016.Alte, 2016.Alte,

Visita guiada, Visita ção”, conta Xana. guiada, Visita “Vivo em Lagos des- de 1984 e havia localida- des que não conhecia.” Em Alte, há um edifício Na opinião de Xana, as Podem descaracterizar com as paredes pinta- pessoas estão muito cola- o lugar e as pessoas das de onde sobressaem das à ideia de verdade. deixarem de ter espaço grandes cravos verme- “Não percebem de ime- para descansar – deixa- lhos e várias palavras de diato que a arte é uma rem de ter um espaço de ordem, uma delas um ex- comunicação poética e descanso visual”, refere certo do discurso do ca- acrescenta novos signifi- Xana, alertando para pitão Salgueiro Maia cados ao que já existe. a importância de se pen- aquando da revolução sar os projetos de uma de Abril. Tem escrito na forma concertada e apro- parede “Horta das Artes”. fundada. E considera que Trata-se da associação o Arte Pública fundação cultural de Alte, funda- edp/ “WATT? – Um Projeto da pelo artista Daniel Artístico para a Comuni- Vieira, que hoje em dia dade” foi feliz. se encontra a viver em “As pessoas gostam, Lisboa. Anexados, um sentem que a sua aldeia Vila do Bispo, 2016. pouco acima da escada- está a acompanhar as Envolvimento comunitário, Envolvimento ria pública que vai dar à novas ideias, um novo rua de cima, estão a sua tempo. Do género ‘isto casa e respetivo quintal aqui não se passa nada com vista para a paisa- e vocês vieram trazer gem desafogada que se qualquer coisa de novo’.” abre encosta abaixo. Têm a ideia de que a

Já Alportel é a locali- arte deve ser uma cópia dade que, das que foram da realidade”, conta alvo do projeto Arte Xana, um dos artistas Pública fundação edp, que integraram o “WATT?

se encontra mais a este – Um Projeto Artístico Alportel, 2016.

do Algarve, pertence ao para a Comunidade”, comunitária, Assembleia concelho de São Brás de e que é membro do LAC. Alportel. Alportel está co- “Este projeto é muito lada à estrada nacional interessante por provo- mais icónica de Portugal, car estes confrontos, a EN 2. O nome alude a por fazer as pessoas te- portal, porta – de entrada rem outras ideias, pen- ou de saída do Algarve. sarem noutras hipóteses. E é por isso local de para- Parece-me ser o mote gem de excursões, auto- principal deste projeto. carros ou grupos de pro- Provocar este diálogo.” prietários de carros clás- “Acho, no entanto, sicos, que se refrescam perigoso estas interven- com bebidas junto do ções serem muitas, café do largo da igreja. tornarem-se invasivas.

12 13 Roteiro ALGARVE • Projeto WATT? • SHORT BIOS ARTISTAS ARTE PÚBLICA •

Xana (1959) Susana Gaudêncio (1977) Mariana, a Miserável (1986) Padure (1985)

Conheceu-os estudava Belas-Artes Doutoranda pela Universidade de Vive entre Lisboa e o Porto mas é de Artista visual ligado às áreas da ilustra- na Universidade de Lisboa. Juntamente Lisboa com a tese O Impulso Utópico Leiria. “Miserável” personifica a “ilustra- ção, pintura e street art, Daniel Padure com nomes como Fernando Brito, Ivo, na Prática da Arte Contemporânea, dora não premiada que tem de sustentar mudou-se para Portugal em 2008, de- Manuel João Vieira, Pedro Portugal Susana Gaudêncio é professora de um gato com gostos caros”. Licenciada pois de terminar os estudos em Artes e Pedro Proença, Xana foi um dos mem- mestrado em Artes Plásticas na ESAD em Design Gráfico pela ESAD das Caldas em Timisoara, Roménia. O universo de bros fundadores do movimento artístico das Caldas da Rainha. Já expôs na da Rainha, Mariana Santos integra tanto Padure pauta-se por, nas palavras do de vanguarda dos anos 80 intitulado Fundação Calouste Gulbenkian, no o sentido de humor como a fantasia no próprio, “uma viagem de autodescober- Homeostética. Entre textos e manifestos Museu da Eletricidade ou na ISE seu trabalho e tem participado em expo- ta e fantasia gráfica”, em que o recurso teóricos, performances, produção Cultural Foundation, em Nova Iorque. sições coletivas e a solo. ao humor é recorrente. de filmes e de fotografias ou incursões no universo musical, este movimento, que teve direito a uma retrospectiva no Menau (1984) Tiago Batista (1967) Jorge Pereira (1974) Museu de Serralves em 2004, pautava- -se pela cisão, desconstrução e crítica do excesso de premissas intelectuali- zantes associadas aos objetos artísticos e ao mundo da arte em geral. Foi viver para Lagos em 1984, passou por Mafra, onde deu aulas, e por Sintra, e regres- sou à cidade algarvia onde, a propósito da Lisboa Capital Europeia de Cultura em 1994, em que necessitava de um ate-

lier de grandes dimensões para poder esquerda. à foto, na Batista, Tiago trabalhar as obras de grande escala que iria apresentar, a câmara lhe cedeu as instalações da antiga cadeia da cidade. Nascido e criado em Quarteira, É professor de Desenho, Tecnologia Concluiu o curso superior de Escultura E assim se deu início ao processo de fun- Élsio Menau é fundador do coletivo da Imagem Digital, Laboratório de pela ARCA, Coimbra, em 1998. Desen- dação do LAC - Laboratório de Ativida- de artistas Policromia, criado em Artes Visuais, Arte e Tecnologia na volve trabalhos cénicos para diversos des Criativas, o coletivo organizador 2001. Com formação profissional Universidade do Algarve. É doutorado grupos de teatro e dança. Entre 2003 do Arte Pública fundação edp no Algarve, em Design e Comunicação, Menau em Comunicação, Cultura e Artes, e 2007, colaborou com a Amalgama do qual é membro da direção. A convite é licenciado em Artes Visuais pela com uma tese em desenho por algorit- Companhia de Dança, na área do design da professora Miriam Tavares foi funda- Universidade do Algarve e o seu mos. Formou recentemente a associa- gráfico e vídeo. Em 2007, fez ilustrações dor e é coordenador do curso de Artes trabalho diversifica-se por formatos ção 289, o indicativo dos telefones no para o livro infantil Malaquias, em par- Visuais na Universidade do Algarve. como instalação, pintura, desenho Algarve, que se pretende um espaço ceria com a escritora Cristina Taquelim. e intervenção no espaço público. expositivo de artes visuais em Faro. Atualmente, é artista residente e mem- bro da direção do LAC – Laboratório de Atividades Criativas.

14 15 Roteiro ALGARVE • Projeto WATT? • VILA DO BISPO Vila do Bispo • S/TÍTULO Jorge Pereira • 2016 ARTE PÚBLICA •

na posição em que está base da economia local. 1 o marisqueiro, debruça- É muito bom as pessoas FREGUESIA Concelho: Localização: GPS: do, como se estivesse a manifestarem-se, a nível VILA DO BISPO Posto de transformação Latitude 37.082685 apanhar percebes. E essa local.” Foi uma assembleia Vila do Bispo da EDP Distribuição, Longitude -8.907644 S/Título fotografia foi depois pro- muito participada. Rua das Escadinhas jetada na parede através

de um retroprojetor, que Autoria: a ampliou. Jorge Pereira Quando chegamos a Vila do Bispo vindos de Jorge Pereira, , Jorge Lagos, a obra encontra- Vila do Bispo, 2016.

Fracking. Petições várias, -se logo à entrada, junto S/Título artigos na imprensa e re- a uma bifurcação. Há um portagens na televisão pequeno largo empedra- acerca do assunto, mobi- do em frente, que tem lização nas redes sociais. uma fonte de água, com Fracking ou fraturamento uns bancos de pedra à hidráulico é um método volta. À chegada, o con- que possibilita a extração traste entre o azul-céu de combustíveis líquidos intenso e o preto da parte e gasosos do subsolo. Se- inferior da imagem é mui- gundo as últimas notícias, to forte. O marisqueiro, a perfuração no mar que de impermeável amarelo- banha as costas algarvia -torrado, tem um instru- e vicentina vai mesmo mento na mão – uma arri- avançar, apesar da polé- lhada, usada para desco- mica e forte oposição por lar os crustáceos da ro- parte de ambientalistas cha. E encontra-se numa (detalhe), Jorge Pereira, Vila do Bispo, 2016. Bispo, do Vila Pereira, Jorge (detalhe), e das populações locais. posição vergada, a arran-

Na primeira assem- car percebes de rochas S/Título bleia em Vila do Bispo, cinzentas, inundadas pelo foi o tema aprovado para preto do petróleo. Encos- ser trabalhado em termos tada ao edifício está uma artísticos pelo Arte Pública caixa de eletricidade que fundação edp. As institui- tem colado o triângulo ções públicas não autori- amarelo de perigo. Esse zaram o uso de paredes triângulo amarelo de públicas, Jorge Pereira perigo acabou por acres- acabou por utilizar as do centar uma camada de posto de transformação interpretação à obra. da EDP Distribuição. “Em Vila do Bispo, Nuno Pereira, do LAC – falou-se sempre da polé- Laboratório de Atividades mica da exploração petro- Criativas, que fez a pro- lífera ao largo do Algarve dução do projeto no terre- e da Costa Vicentina, daí Eu acho que esta iniciativa é muito boa. Traz vantagens tanto para a comunidade no, serviu de modelo ao ter escolhido representar como, a nível turístico, é mais uma atração. Deviam criar até mais, de forma a valo- marisqueiro representado um mariscador”, conta rizar a cultura e as tradições de Vila do Bispo. E há que alertar sobretudo a popula- na imagem. o autor, Jorge Pereira. ção para os riscos da exploração de petróleo. É contraproducente. Agora que somos A técnica é stencil, que “E faz referência à tradi- Parque Natural e começámos a ter uma valorização turística da zona, vem o petró- toda ela tem um processo: ção local, uma vez que leo deitar esse sacrifício por água abaixo? Jorge Pereira tirou uma é uma das profissões que Fernando Gonçalves, 30 anos, gerente de turismo rural. fotografia a Nuno Pereira está em risco e que é a

16 17 Roteiro ALGARVE • Projeto WATT? • BARÃO DE SÃO JOÃO Lagos • MIGRAÇÕES Mariana, a Miserável • 2016 ARTE PÚBLICA •

Na primeira assembleia parar nas horas de maior 2 que o projeto Arte Pública calor e retomar mais pela FREGUESIA Concelho: Localização: GPS: fundação edp promoveu fresca até à noite. BARÃO DE SÃO JOÃO Largo da Rua 25 de Abril Latitude 37.138311 junto da população, as mi- “Durante os três dias Lagos Longitude -8.77698 Migrações grações eram um tema ób- em que estive a pintar, ha- vio de abordar, uma vez via sempre pessoas que que esta povoação do con- me levavam água, algumas Autoria: celho de Lagos – que não têm cafés na aldeia. Havia Mariana, a Miserável se assume tão ligada ao uma senhora que ia sentar- mar, mas mais à terra – -se todos os dias ao meu é um local muito peculiar lado. Não parece, mas é O silêncio das tardes de de passagem de pessoas a rua principal. E tem um sol de domingo no largo de diversas nacionalida- painel de azulejos com uns de uma pequena povoação des, que por ali param, poemas. Uma vez a senho- costuma ser apenas corta- ficam temporadas ou sim- ra virou-se para mim e dis- do pela passagem da bri- plesmente se mudaram pa- se ‘isto foi escrito por mim’”, sa pelas folhas das árvo- ra a aldeia. As esplanadas conta Mariana Santos. res e pelo ajuntamento de dos cafés estão repletas “Acabei por receber imen- duas ou três pessoas que de estrangeiros e parte sos elogios. E comecei a se sentam nos bancos pa- dos que ali vivem formam perceber o impacto que ra conversarem um pouco. uma comunidade artística aquilo ia ter na vida da- Em Barão de São João não com uma dinâmica pró- quelas pessoas. É muito é diferente. No Largo da pria. E convivem natural- importante ter uma visão Ceifeira, à Rua 25 de Abril, mente com os nativos, os de fora. Acho que o dese- algumas senhoras de mais portugueses, a maioria de nho se adaptou bem.” de 60 anos põem os assun- faixas etárias mais velhas. As árvores do Largo tos em dia, novidades da da Ceifeira são jacarandás. terra, notícias da televisão, Quando as flores azul-

ou distraem-se simples- -violeta brotam da rama- 2016. João, São de Barão Miserável, a Mariana, (detalhe), mente a passar o tempo. gem, percebemos a subti- É uma hora sagrada de leza inerente ao trabalho Migrações descanso, numa tarde de de Mariana, a Miserável

Barão de São João, 2016. João, São de Barão domingo soalheira. Num mas também a plenitude

, Mariana,Migrações a Miserável, banco ao lado, uma jovem da harmonia desta inter- estrangeira está a ler um venção neste local. Os tra- livro. Por trás dela, há um “Não pinto muito na rua. ços dos pássaros sonhado- muro branco, de uma casa Isto é um processo especi- res, que são azul-violeta, particular. Nesse muro, al”, refere Mariana Santos, foram roubados às flores estão pintados uns pássa- aka Mariana, a Miserável, dos jacarandás.

ros grandes, balofos, afá- enfatizando o facto de veis, que levam pessoas tratar-se de comunidades pequeninas no dorso, de que não têm uma cultura roupagens coloridas – visual. “Gosto muito de de- a contrastar com o branco senhar pessoas e ali ficou desses pássaros sonhado- claro que iria desenhar pes- A arte pública tem de fascinante o facto de não ser permanente. O ethos deste

res, que têm apenas al- soas em cima dos pássa- 2016. João, São de Barão tipo de trabalho artístico é: está lá para ser visto, mas se não for... Vivo em Portugal

guns traços pretos e azul- ros.” Esteve a pintar o mu- Miserável, a , Mariana, Migrações há 20 anos, nesta aldeia há quatro. Este projeto traz um interesse para a terra. -violeta a defini-los. ro em julho, de 2016, e as As migrações são muito relevantes aqui, vêm muitos estrangeiros, os locais partem A ideia de viagem temperaturas de verão são para procurarem trabalho, os filhos crescem e vão viver para outros pontos da nesta intervenção do Arte sempre elevadas na rua, Europa. O Arte Pública fundação edp é interessante porque cria redes. Pública de Mariana, a Mi- a ponto de se optar por tra- Nina Bradley, 64 anos, guia local. serável não é inocente. balhar logo pela manhã,

18 19 Roteiro ALGARVE • Projeto WATT? • BARÃO DE SÃO JOÃO Lagos • S/TÍTULO Jorge Pereira • 2016 ARTE PÚBLICA •

a viver na aldeia. E há Atrás da parede, o 3 inclusive uma comunidade polidesportivo inclui um FREGUESIA Concelho: Localização: GPS: artística que organiza um parque de skate, encon- BARÃO DE SÃO JOÃO Polidesportivo de Latitude 37.138553 festival anual de arte. tram-se lá alguns skates Lagos Barão de São João Longitude -8.772366 S/Título abandonados por instan- Estrada Municipal 535-1 tes, as crianças brincam e circulam livremente Autoria: por toda a área. “É muito Jorge Pereira importante que a comuni- dade se envolva, só assim Jorge Pereira, Pereira, , Jorge sentirá que a obra tam- S/Título

É o quarto domingo do bém lhe pertence”, refere 2016. João, São de Barão mês. No descampado de Jorge Pereira, acrescen- terra que existe junto ao Na parede do polidespor- tando que já voltou aos Polidesportivo de Barão tivo, está pintada a obra locais onde fez as suas de São João, começam a de Jorge Pereira, a fazer intervenções a solo – Ba- amontoar-se carrinhas e de cenário a todo este hap- rão de São João e Vila do autocaravanas, as pessoas pening. Sobre um amarelo- Bispo – e as obras “conti- montam bancadas em -tórrido – tórrido de sol de nuam intactas”. frente dos seus veículos, verão, tórrido de searas desdobram cadeiras, apa- de trigo no estio –, está nham um pouco de sol a desenhada uma autocara- beber uma cerveja com os vana vintage, vermelha e vizinhos antes de retoma- branca. Vai na direção de Jorge Pereira, Pereira, , Jorge rem os preparativos. Tra- umas tabuletas, que indi- S/Título

ta-se da Feira de Velharias cam os nomes de várias ci- 2016. João, São de Barão que ocorre mensalmente dades do mundo, de Viana no local e atrai nómadas, do Castelo a Quioto. Para 2016. João, São de Barão Pereira, Jorge (detalhe),

feirantes ou curiosos para enquadramento, uma bar- S/Título venderem os seus artefac- ra verde a toda a volta. tos, de comida a utensílios, No chão, junto à parede, a bijuteria. As matrículas crescem umas ervas da- dos carros são desde a ninhas da cor da barra Grã-Bretanha a França, e é como se a natureza Alemanha ou Espanha. viesse participar da obra, tornando-a mais autênti- ca, dando-lhe uma sensa- ção de pertença ao local. “Em Barão de São João, falou-se da afluên- Jorge Pereira, Pereira, , Jorge cia de viajantes que por S/Título

Barão de São João, 2016. João, São de Barão ali passam e vão deixando as suas marcas na terra”, Em 2012, um grupo de artistas de Barão de São João começou a realizar uma explica Jorge Pereira. exposição de rua. Todos os verões decorávamos a nossa aldeia com arte, sempre Barão de São João é um “Neste caso, a parede com uma grande festa de inauguração. Era também uma forma de atrair mais povoado muito peculiar, situa-se num descampado pessoas. Foi interessante ter havido artistas ligados ao Arte Pública fundação edp é um local por onde pas- onde habitam muitos des- a pintar em muros. Ainda chegámos a pensar fazer uma inauguração conjunta, sam muitos estrangeiros, tes nómadas. A comunida- mas, por uma questão de indisponibilidade de alguém, acabou por não ser possível. uns de passagem, outros de nómada caracteriza-se A street art é muito importante, as paredes passam a estar pintadas. E é um pouco ficam alojados durante pelo constante movimen- diferente da das grandes cidades. um período, outros ainda to, a autocaravana é um Eva Herre, 62 anos, artista. decidem mudar-se e ficar símbolo dessa atividade.”

20 21 Roteiro ALGARVE • Projeto WATT? • MEXILHOEIRA GRANDE Portimão • WATCHING YOU Xana • 2016 ARTE PÚBLICA •

há a tentação das popu- Se olharmos de frente 4 lações em pintar as plati- para a parede interven- FREGUESIA Concelho: Localização: GPS: bandas todas de branco, cionada por Xana, há uma MEXILHOEIRA GRANDE Bairro do Figueiral Latitude 37.161095 forrá-las a azulejo ou até árvore que no inverno Portimão Velho Longitude -8.614514 Watching mesmo rebocá-las, uma está descarnada de fo- vez que sai mais barato. lhas e os troncos nus têm You Xana quis que a popu- a dimensão certa, mais lação tivesse noção do passo à frente mais passo problema. atrás, para preencher Autoria: “Na segunda assem- o miolo branco formado Xana bleia, expliquei que tinha pela moldura da platiban- feito um levantamento das da. Os olhos – os círculos platibandas, das molduras negros – estão colados Platibanda: elemento das janelas e das faixas”, cada um às extremidades horizontal de remate da conta. das linhas geométricas. parte superior da casa, “Havia um edifício As linhas, que recortam cuja função principal que tinha uma moldura a fachada, estão adorna- é permitir o escoamento das janelas muito ori- das de quadrados, geo- da água das chuvas. ginal, edifício esse que metrias que são recorren- Platibandas algarvias: fazia parte da história tes no trabalho de Xana. ornamentadas, expressão de Mexilhoeira Grande. O azul-água é o azul usa- de embelezamento da Destacava-se. Decidi do na arquitetura algar- casa que, para lá da sua fazer na fachada lateral via. Os troncos das árvo- função, exibe as possibi- da junta de freguesia res vêm conferir densida- lidades económicas do uma reformulação da- de, plasticidade, ao “bo- seu proprietário; revelam quela moldura, com a neco”, como acontece 2016. Grande, Mexilhoeira , Xana, uma relação feliz entre introdução de duas bolas, com os bonecos de neve a forma, as cores – ama- para não ser só o elemen- quando lhes colocamos relo-ocre, azul-cobalto, to decorativo. São uma ramos nas mãos, cenouras You Watching almagre ou verde – e os espécie de dois olhos.” na cara e nozes no corpo motivos representados Mexilhoeira Grande a fazer de botões. – rendilhados, floreados, e Figueira foram anexa- “Sendo mais abstrato relevos, geométricos, fi- das. Os olhos estão cada e geométrico, cria-se afi- gurativos (in museusdoal- um a olhar para cada nidade. Vai para lá do dis- garve.wordpress.com). uma das localidades. curso verbal. As pessoas “As platibandas do “Ao mesmo tempo, são muito genuínas.” Barlavento algarvio são criou-se uma espécie mais austeras, as do So- de boneco, a cara de um

tavento têm mais arabes- ser estranho, como se es-

cos, são mais influencia- tivesse a mirar e a tomar , Xana, das pelo Norte da África conta daquela freguesia.” árabe”, refere Xana. Assim que Xana mostrou “Depois de dar uma e explicou a maquete do You Watching Mexilhoeira Grande, 2016. Grande, Mexilhoeira volta pelo Algarve, per- que iria fazer, as pessoas Aquilo que achei muito interessante foi o facto de trazer a arte para dentro cebi que na assembleia reagiram de imediato: das vilas e fazer uma ponte com as populações. É pela arte que conseguimos ia propor às pessoas uma “Disseram: ‘Isso é perfei- sensibilizar as pessoas e trazer outros valores. Por exemplo, nós aqui estamos ideia. Tinha-me aperce- to! O sítio que destacou muito ativos na luta contra a exploração do petróleo. E vimos uma oportunidade bido de que as platiban- para fazer a intervenção para alertar, para chegar a mais pessoas, e podermos mostrar o que pode estar das eram algo muito ri- era a sede da antiga junta em causa. Há uma geração nova que continua essa tradição de mariscador, co.” Xana percebeu tam- de freguesia!’ Foi quase não é só para ganhar dinheiro. bém que, perante a ne- um milagre, criou logo Ana Carla Cabrita, 44 anos, guia local. cessidade de restauro, empatia.”

22 23 Roteiro ALGARVE • Projeto WATT? • MEXILHOEIRA GRANDE Portimão • CRIATURAS DO MAR Padure • 2016 ARTE PÚBLICA •

não fazia sentido, que o 5 instrumento mais popular FREGUESIA Concelho: Localização: GPS: é o acordeão. À falta de MEXILHOEIRA GRANDE Posto de transformação Latitude 37.160486 entendimento, optou-se Portimão da EDP Distribuição, Longitude -8.613256 Criaturas pelo marisco. Mexilhoeira Rua Francisco Bívar Grande tem uma ligação do Mar forte com a ria do Alvor e com a pesca. “A minha linguagem Autoria: é muito cartoonish, Padure de desenhos animados. Na Mexilhoeira Grande Criaturas do Mar (detalhe), Padure, Mexilhoeira Grande, 2016. Grande, Mexilhoeira Padure, estava a tentar fazer algo Junto ao aglomerado de que a comunidade pudes- contentores do lixo na se entender. Por isso, rua onde fica situada a em espaços públicos, sede da antiga Junta de faço algo mais decorativo, Freguesia da Mexilhoeira que as pessoas possam Grande, onde há uma in- compreender”, diz Padure, Na rua, à semelhança de tervenção de Xana numa referindo que o seu tra- todas as outras localida- parede, o cheiro a deje- balho costuma ser mais des com intervenções do tos de marisco é intenso. estilizado, que aborda Arte Pública fundação Continuando pela estrada temáticas ligadas ao edp, vê-se pouca gente ou e virando à direita, che- questionamento da comu- ninguém. O silêncio é cor- ga-se à rua do cemitério. nicação que existe hoje tado pela brisa a pentear À esquerda, há um posto em dia. Normalmente, as ramagens das árvores. de transformação da EDP nem usa cor. “Este tipo Neste cenário, aquelas Distribuição; atrás, uma de expressão pode tirar duas criaturas do mar – rua da qual se destaca o um sorriso a quem está o polvo e o lagostim, em toldo de uma petisqueira, a passar.” O lagostim versão desenho animado A Oficina. Na parede late- e o polvo têm os olhos gigante – ganham uma ral do posto de transfor- grandes e redondos, dimensão ainda mais naïf, (detalhe), Padure, Mexilhoeira Grande, 2016. Grande, Criaturas Mexilhoeira Padure, do Mar (detalhe), mação, está pintado um denotam uma expressão como intrusos que chega- grande lagostim azul; na de felicidade. As patas ram a uma terra estran- frontal, um grande polvo de um e os tentáculos geira e se atreveram a azul. Azul? Azul de mar. do outro estão numa posi- ficar. E os locais, mesmo De cima do andaime, ção ao alto como se esti- sem entenderem nem Padure via o mar enquan- vessem a dançar, a suge- saberem explicar bem to pintava. Estava muito rir um convite à festa. porquê, acolhem aquelas calor e as pessoas passa- Do fundo da rua, duas criaturas do mar na vam a perguntar-lhe se aproxima-se um rapaz sua paisagem. precisava de alguma coi- pela casa dos 20, de bici- sa. Na assembleia prévia, cleta, de hoodie, aquelas a população estava mais sweaters de algodão com , inclinada para desenhos capuz, e calças de ganga. de símbolos tradicionais A aparência é a de um da zona, mas desenten- jovem ligado a uma tribo É novo para mim, não reparei quando estavam a pintar. É uma boa maneira de diam-se quanto à escolha. de arte urbana, que a Criaturas do Mar decorar algo, no caso o posto da EDP Distribuição. Desta maneira, a rua fica mais Uns queriam uma guitar- qualquer momento podia bonita. Os desenhos, um polvo e um lagostim? Têm que ver com a região, temos Padure, Mexilhoeira Grande, 2016. Grande, Mexilhoeira Padure, ra alusiva ao fado, uma sacar de uma lata de tinta muitos mariscos. fadista tinha nascido lá; em spray e começar André Pires, 21 anos. outros diziam que isso a pintar numa parede.

24 25 Roteiro ALGARVE • Projeto WATT? • FIGUEIRA Portimão • S/TÍTULO Vários autores • 2016 ARTE PÚBLICA •

E havia abelhas”, conta com a própria energia”, 6 Padure. “Eles ajudaram- explana Jorge Pereira. FREGUESIA Concelho: Localização: GPS: -me imenso”, explica “Nesse sentido, e em coe- FIGUEIRA Portimão Posto de transformação Latitude 37.165716 Mariana, a Miserável. rência com a estética das da EDP Distribuição, Longitude -8.607439 S/Título “Eu sou uma florzi- minhas obras, representei Rua Principal nha de estufa, não estou uma crítica social: a oita- habituada a fugir à po- va fase da privatização Autoria coletiva: lícia, esse tipo de coisas. da EDP.” Jorge Pereira E odeio vespas!” A face Mariana, a Miserável da parede pintada por Padure Mariana Santos tem um Xana homem em cima de um escadote, ombros largos, a segurar uma lâmpada A intervenção coletiva na mão direita. Está a al- de Jorge Pereira, Mariana, cançar as estrelas. “A te- a Miserável, Padure e mática era a da energia, Xana começou por estar da EDP, da luz. Peguei no prevista para Vila do Bispo, tema não tanto como ele- mas acabou por se mudar tricidade, mas mais como para Figueira, concelho energia. O homem está 2016. Figueira, autores, vários (detalhe),

de Portimão. Aqui, tinham a olhar para as estrelas, S/Título um posto de transforma- está à procura de outro ção da EDP Distribuição à tipo de energia. Queria saída da aldeia para inter- algo mais metafórico, vir e escolheram o tema energia que vem de den- da energia para retratar. tro – outro tipo de luz.” Por cima do interruptor Os dias de calor que e nas quatro esquinas do

se fizeram sentir quando edifício, há bolas amare- 2016. Figueira, autores, vários (detalhe), pintavam também não las a darem homogenei- facilitaram a tarefa. dade a todo o projeto. S/Título Na face pintada por São traços do trabalho Padure, podemos ver um de Xana, que teve também grande gelado, de olhos uma das paredes a seu felizes e sorriso rasgado; cargo. “Usei um elemento mas, ao olharmos de forma de união, para criar dinâ- mais atenta, percebemos mica, a energia como mo- que o gelado não tem uma vimento das bolas. E aca- bola de creme, mas antes bei por fazer uma gara- (detalhe), vários autores, Figueira, 2016. Figueira, autores, vários (detalhe), um cato. “Não costumo tuja, meio oriental”, conta

S/Título usar cores no meu traba- Xana, explicando que, lho, mas junto ao posto para pintar a sua parede, de transformação era apenas conseguia fazê-lo tudo tão verde que usei usando uma escada. Teve cor”, refere ainda Padure. de desenhar tudo a partir O posto de transformação “A minha participação de um ponto. “Esta obra fica junto de um baldio, surge após uma pequena acaba por ser uma histó- duas das paredes são de reunião junto do posto de ria aos quadradinhos, Vivo em Figueira desde os 10 anos de idade. Gosto muito, já tinha reparado nas difícil acesso. “Não foi transformação em que os com umas bolas a unir.” pinturas. Um dos lados tem um senhor em cima de umas escadas e umas estrelas fácil montar os andaimes, artistas iriam intervir. Hou- – parece que as quer apanhar. Ali no outro lado parecem-me caracteres chineses. por causa dos cabos elé- ve unanimidade em repre- Maria das Dores, 73 anos, reformada. tricos e das silvas à volta. sentar algo relacionado

26 27 Roteiro ALGARVE • Projeto WATT? • FIGUEIRA Portimão • MURAL COMUNITÁRIO Comunidade/Xana • 2016 ARTE PÚBLICA •

em latas de tinta e dar melhor definição de arte, 7 asas à imaginação. Aca- para mim. A arte passa FREGUESIA Concelho: Localização: GPS: bámos por compor os par- a sua conceção de mundo. FIGUEIRA Portimão Rua Calçada da Fonte Latitude 37.160094 ticipantes com a comuni- Mesmo que utópica, é Longitude: -8.602441 Mural dade LAC – Laboratório um projeto de sociedade. de Atividades Criativas”, No meu caso, o meu tra- Comuni- a associação que fez balho é festivo. Apresen- a produção no terreno tar uma alternativa à tário do Arte Pública a sul do sociedade interessa-me País, refere Nuno Pereira. mais do que mostrar o O diretor do LAC conta seu lado negativo.” Autoria: que no fim apareceram Comunidade, alguns miúdos e fizeram (des)orientada uns quantos apontamen- , por Xana tos. “Penso que foi o re- ceio de errar que inibiu as pessoas. Por isso, vieram Quem passa à Estrada mais como espetadores.” Comunitário Mural

Nacional 125, que liga 2016. Figueira, comunidade/Xana, Mexilhoeira Grande a Figueira, vê, em grande Numa tarde de sábado, destaque, três palavras, adolescentes dão uns na faixa superior da pa- toques de bola no ringue rede: “arte”, “liberdade” do parque desportivo. e “livre”. É a parede do Na manhã da pintura do parque desportivo de mural comunitário, Xana Figueira, na qual se fez tinha dado um workshop

um mural comunitário. a explicar o processo do 2016. Figueira, comunidade/Xana, (detalhe), comunidade/Xana, Figueira, 2016. Figueira, , comunidade/Xana, Estas palavras são recor- stencil. “Houve um almoço rentes no trabalho de comunitário, com carne Xana. Escreveu duas de- na grelha, e à tarde dese-

las na sua intervenção, nhou-se a parede”, acres- Comunitário Mural Mural Comunitário Mural a solo, em São Bartolomeu centa Nuno Pereira. de Messines. Trouxe-as de lá. Assim como Jorge Pereira trouxe a sua auto- “Eu apenas criei o mote, caravana vintage do seu com a frase ‘arte liberda- mural em Barão de S. João de livre’”, conta Xana. e recriou-a, aqui, em tons “A arte como espaço de de azul. À frente da auto- liberdade, para as pes- caravana, como que a soas se sentirem à vonta- emergir do solo, há vários de. É uma adaptação de jacarés de boca aberta, um poema de um poeta só com a cabeça de fora. do Algarve, o Ramos Rosa: A toda a largura da pa- Poesia, liberdade livre. rede, há bolas vermelhas É uma espécie de mani- – outra das marcas de festo, define a sua poética Não me apercebi quando pintaram o mural. De repente, vi pintado. Se tivesse Xana. São filas e colunas como a liberdade livre, participado? Teria feito uns budas marados, com bué desenhos. Era bom que este de bolas vermelhas. não a dos políticos, mas tipo de iniciativas se abrissem mais, é importante dar uma corzinha às paredes “Fizemos o convite à a que não tem barreiras”, brancas. população, quem quisesse continua. “E eu faço essa Telmo, 18 anos, estudante. poderia participar, pegar transposição, que é a

28 29 Roteiro ALGARVE • Projeto WATT? • FIGUEIRA Portimão • SENHORA DAS LARANJAS Mariana, a Miserável • 2016 ARTE PÚBLICA •

se fazia, em tempos, 8 um mercado exclusivo FREGUESIA Concelho: Localização: GPS: de laranjas no edifício. FIGUEIRA Portimão Mercado da Figueira, Latitude 37.164136 E Mariana tinha a ideia Rua 25 de Abril Longitude -8.601677 Senhora de fazer algo com a la- ranja do Algarve, conside- , laranjas das Senhora rada a melhor laranja do

das 2016. Figueira, Miserável, a Mariana, País. O que provoca uma laranjas certa ironia, observando A delicadeza e a fantasia a carga das laranjas duas transversais ao trabalho vezes maiores do que a de Mariana, a Miserável Autoria: senhora, que se revelam revelam-se em pormeno- Mariana, a Miserável um fardo. Bem pesado. res como um adorno muito Uma espécie de homena- fino da meia da senhora- gem a todo o trabalho e -boneca rematado por um As folhas não são verdes, esforço inerentes a qual- pequeno berloque em for- mas azuis. Numa parede quer trabalho manual, a ma de flor, a perna carnu- do Mercado da Figueira, qualquer produto que dele da e grossa a contrastar lateral ao largo da igreja, resulte. com o pé muito pequenino. uma senhora forte, de À frente do mercado, A janela redonda que há lenço e saia azuis – da cor todo recuperado, pintado na parede está colada às das folhas – carrega nove de branco, estão uma sé- laranjas. Mariana Santos laranjas às costas que são rie de contentores de re- desenhou-as mesmo ao maiores do que ela. Muito ciclagem embutidos no lado, como se aquele cír- maiores. E houve pessoas chão. O largo da igreja es- culo fosse um buraco de da localidade a aborda- tá cuidado. Vista de longe, onde poderiam estar a rem Mariana, a Miserável por cima da pintura vê-se cair laranjas indefinida- a dizer-lhe isso mesmo: um poste de alta tensão e mente para cima do dorso as folhas são verdes. os respetivos fios, como se da mulher. Poderia ser Como se houvesse um en- fosse uma antena, a com- também um soprador de gano, uma falha de senti- pletar o enquadramento. bolas de sabão em for-

do naquela imagem. “As pessoas da ma de laranja. A senhora 2016. Figueira, Miserável, a , Mariana, laranjas das Senhora “Vou à procura de sím- Figueira aderiram de curvada pelo fardo dos bolos. Decidi fazer um de- imediato à ideia”, conta citrinos representa uma senho propositadamente Mariana. “O mercado alegoria ao mito de Sísifo, para ali, decidi logo que está muito cuidadinho. o que ficou condenado ia ser uma senhora do E fica perto de uma a subir a montanha com campo a carregar laran- igreja. No dia em que uma pedra às costas. jas”, explica Mariana estava a acabar o tra- Santos, aka Mariana, balho, havia um rancho a Miserável. Durante no largo e as roupas a assembleia comunitária eram muito parecidas promovida para debater com as da senhora que temáticas para as inter- pintei na parede. Fez

venções do Arte Pública tudo muito sentido.” , laranjas das Senhora a ocorrerem em Figueira, Quando começou a associação organiza- a pintar, começou pela 2016. Figueira, Miserável, a Mariana, dora LAC – Laboratório senhora, que estava em Reparámos quando estava feito, dá outra vista à terra, mostra uma vila mais de Atividades Criativas e posição estranha, aga- moderna. Estou dentro da cena do street art, temos um tag, mas não faço nada os artistas aperceberam- chada. “Não perceberam cá, porque toda a gente se conhece. -se de que em todas as logo, mas depois recebi Iuri, 18 anos, estudante. Quartas-Feiras de Cinzas muitos elogios.”

30 31 Roteiro ALGARVE • Projeto WATT? • S. B. MESSINES Silves • MURAL COMUNITÁRIO Alunos/Xana • 2016 ARTE PÚBLICA •

“Tratou-se de um contac- o Barlavento destacado, 9 to direto com os miúdos um na horizontal e outro FREGUESIA Concelho: Localização: GPS: da escola de Messines na vertical. Há ainda uns SÃO BARTOLOMEU Posto de transformação Latitude 37.256772 que foi muito interessante. motivos geométricos – in- DE MESSINES Silves da EDP Distribuição, Longitude -8.289134 Mural Foram dois dias. No pri- fluência de Xana? – e uma Esc. EB 2, 3 João de Deus meiro, fizemos uns dese- borboleta azul e verde. Comuni- nhos, no segundo, fomos E as letras “m”, “a”, “r”, executar”, conta Xana, para formarem a palavra tário artista com uma interven- “mar”. As preocupações ção em nome próprio num ambientais que se têm outro posto de transfor- manifestado na zona por Autoria: mação de energia, junto causa da prospeção de Alunos da Escola à sede da Sociedade petróleo na costa algarvia EB 2, 3 João de Deus, Columbófila de Messines. e vicentina também não orientados por Xana Na aula de sexta-feira, foram esquecidas: foram foi explicada às crian- representadas através de ças a técnica do stencil, um stencil de uma chami- “Não gastem a tinta! Não um método usado para né que faz poluição. desperdicem!”, tínhamos aplicar um desenho, uma de dizer aos miúdos, tal ilustração ou um símbolo era o entusiasmo deles. através de um molde re- Deliraram com os sprays cortado que se encosta à e os stencils”, conta Carmo parede e se pulveriza com (detalhe), alunos da Escola Escola da alunos (detalhe), Serpa, do LAC – Labora- tinta, normalmente em tório de Atividades Cria- spray. Os alunos testaram tivas. Na Escola EB 2, 3 os resultados da aula nas João de Deus, em São paredes da escola. No dia Bartolomeu de Messines, seguinte, iriam fazer o mu- Comunitário Mural as crianças procederam ral, deixar a sua marca no 2016. Messines, de Bartolomeu São Xana, / Deus de João à pintura da parede do projeto artístico do circui- posto de transformação to “WATT? – Um Projeto

da EDP Distribuição que Artístico para a Comu- 2016. Messines, de Bartolomeu São Xana, / Deus de João Escola da alunos (detalhe), fica ao lado da escola, nidade” / Arte Pública num sábado de manhã. fundação edp. Na sexta-feira anterior, “Eles sentiam que es-

houve uma aula de dese- tavam a participar numa Comunitário Mural nho especial. coisa espetacular. Vieram até outros miúdos invejar e perguntavam: ‘Onde é que podemos comprar la- tas?’”, conta Xana. “Acho que esta vertente deve ser explorada.” Por cima da porta cinzento-clara do

alunos da Escola Escola da , alunos posto de transformação, foram feitos a stencil dois chapéus de chuva, sem A empresa Teófilo começou a crescer, a gerar emprego, e Messines começou cabo, um verde e um cor- a crescer também, na primeira metade do século passado. Por causa da Teófilo

Mural Comunitário Mural -de-rosa, como se dotas- e dos caminhos de ferro. O presidente da junta, o João Carlos Correia, é muito sem a porta de resguardo. recetivo a qualquer iniciativa.

João de Deus / Xana, São Bartolomeu de Messines, 2016. Messines, de Bartolomeu São Xana, / Deus de João Pintaram duas vezes Carmo Serpa, 39 anos, produção LAC, nascida em São Bartolomeu de Messines. o mapa do Algarve com

32 33 Roteiro ALGARVE • Projeto WATT? • S. B. MESSINES Silves • O SER Menau • 2016 ARTE PÚBLICA •

é o segundo mais prati- uma mancha colorida de 10 cado em Portugal –, não verdes, roxos, laranjas, FREGUESIA Concelho: Localização: GPS: batiam certo. E, por isso, faz lembrar os chama- SÃO BARTOLOMEU Soc. Columbófila de São Latitude 37.257945 a associação vetou a pro- dos azulejos hidráulicos, DE MESSINES Silves Bartolomeu de Messines, Longitude -8.291534 O Ser posta e sugeriu algo que típicos da azulejaria R. José Francisco Viseu tivesse que ver com paz e portuguesa, mas numa liberdade. tonalidade pop. A parede Autoria: “O Ser é a representa- serve também para fazer Menau ção da alegria, da paz, do escalada, tem pequenos amor e da felicidade, tudo suportes cravados a toda o que nós humanos devía- a altura. Esses suportes Em São Bartolomeu de mos ter”, explica Menau. servem a história. São Messines, há uma figura “Mais do que palavras, como estrelas que ajudam icónica chamada o Reme- necessitamos de energia, ao imaginário de “alegria, xido, cujo nome saltou de sentimentos, de cor, de paz, amor e felicidade” de imediato na primeira arte. No fundo, está tudo veiculado por Menau. assembleia promovida na frase: ‘A felicidade Os braços do astronauta- na vila. Menau gostou multiplica-se quando se -sonhador estão em posi- da ideia de retratar José divide.’” ção de voo. À frente, um de Sousa Reis, um capi- pequeno pombo preto. tão que casou em São O astronauta-sonhador Bartolomeu de Messines segue-o. Este é o Principe- e, aquando das guerras zinho de Menau que, liberais entre miguelistas à semelhança de Saint- e pedristas, no século -Exupéry, criou a sua XVIII, defendeu a causa própria personagem de absolutista, que depois de inocência, icónica, bem- derrotada o fez tornar-se -apessoada. Como se diz

num foragido, escondendo- no livro, “o verdadeiro amor 2016. Messines, de Bartolomeu São , Menau, -se na serra algarvia nunca se desgasta. Quanto O Ser e procedendo a saques mais se dá mais se tem.” Menau, São Bartolomeu de Messines, 2016. Messines, de Bartolomeu São , Menau, e a matanças em diversas A sede da Sociedade

O Ser povoações. Acabou fuzila- Columbófila de São Bar- do em Faro em 1838. tolomeu de Messines fica Menau tinha como no mesmo quarteirão que parede para intervir a Casa do Povo, que tem a empena do edifício “Nas assembleias, mais uma creche/ jardim de que alberga a Socieda- do que ideias, o que ten- infância, um pavilhão e até ­de Columbófila de São tei apanhar foi energias, um hostel, que albergou os Bartolomeu de Messines sentimentos que a comu- artistas durante o tempo e propôs à direção o nidade de alguma forma em que estiveram a traba- retrato do Remexido. me passava. Foi isso que lhar nas suas obras na vila. Mas figuras com armas representei nas minhas Nas palavras de Menau, e associações que se obras.” Na empena, vemos “estas obras vêm trazer centram na arte de desenhado um boneco, novos diálogos a estas co- treinar pombos-correio, que podia ser um astro- munidades mais rurais, Aqui na sede da Sociedade Columbófila de São Bartolomeu de Messines tínhamos que aos fins de semana nauta, com um capacete novos olhares sobre o esta empena e colocámo-la à disposição para se fazer uma pintura. Queriam fazer juntam os associados transparente colocado mundo, novos questiona- o Remexido, com uma pistola, mas não gostámos da ideia. Queríamos qualquer coi- para participarem com os na cabeça, a cara cor-de- mentos. E, acima de tudo, sa a ver com liberdade, com pombos à solta, com alegria. Queríamos passar uma seus pombos em corridas -rosa. Trata-se de uma trazem uma abertura a mensagem de paz. – não sabíamos, mas o alusão à nossa condição novos públicos.” Vasco Luz, 49 anos, presidente da Sociedade Columbófila de São Bartolomeu de Messines. desporto da columbofilia de sonhadores. O fato,

34 35 Roteiro ALGARVE • Projeto WATT? • S. B. MESSINES Silves • MARTÍRIO Tiago Batista • 2016 ARTE PÚBLICA •

uma faca. Defende-se “O quadriculado também 11 que Michelangelo se esta- faz sentido para as pes- FREGUESIA Concelho: Localização: GPS: va a autorretratar.” Tiago soas de São Bartolomeu, SÃO BARTOLOMEU Rua António Cabrita Latitude 37.256403 Batista sempre gostou porque passaram a ter DE MESSINES Silves Pires Longitude -8.287972 Martírio do conceito de “esfolado”. pior receção. Estavas a “Há inclusive o esfolado, ver o Jornal da Noite com uma figura humana sem a Judite de Sousa e tudo Autoria: pele, que se usava para o que estava atrás dela Tiago Batista as pessoas aprenderem estava focado, menos a a desenhar os músculos, jornalista. Estava tudo no século XIX.” pixelizado.” Mas como é que se per- As cabeças de Tiago Contemporaneidade cebe que é um santo? também não têm pele, é também o que propor- Perguntou uma senhora mostram os músculos, ciona uma diversidade de na assembleia em que os mas são atravessadas interpretações. A auréola, artistas apresentaram as por elementos de contem- laranja, por cima do es- ideias que iam colocar em poraneidade – uns bistu- calpe da figura do santo prática nas diversas pa- ris e uma grelha de qua- pode ser também enca- redes de São Bartolomeu driculado transparente. rada como um penteado de Messines. A questão foi “Na assembleia, muito moicano, que lhe confere tão pertinente que Tiago participada, a senhora um ar indígena, nativo, Batista acrescentou uma que levantou a questão do numa referência à per- auréola a uma das figu- santo não queria bisturis, tinência do regresso às ras. A sua obra do Arte queria facas de talhante”, origens, por contraste ao Pública ia ser pintada na conta o artista. “Eu disse excesso de globalização empena de um prédio no que isso assim ia parecer que possamos estar centro da vila e acabou um filme de terror. E ex- a viver nos dias de hoje. por colocar em confronto pliquei que hoje em dia se Num dos dias em as cabeças, esfoladas, de fala muito de saúde, está que Tiago Batista estava

um santo e de um homem, na ordem do dia. Quando a pintar na empena do 2016. Messines, de Bartolomeu São Batista, Tiago (detalhe), cabeças essas que apre- era miúdo nunca se falava prédio, passaram dois ho-

sentam as suas próprias de saúde.” Daí a insistên- mens que iam para o mer- Martírio metástases: o homem cia nos bisturis, uma cha- cado e fizeram o seguinte com uma cabeça dúplice, mada de atenção à im- comentário: “Mas quem em espelho, e o santo com portância que a cirurgia é que encomenda um uma pequena replicação estética ganhou no mundo serviço destes?!” Ao que a emergir atrás de si no de hoje, uma necessidade Tiago Batista lhes respon- canto inferior esquerdo de intervir no corpo e con- deu: “É ‘um serviço destes’ da parede, a indiciar o trariar o curso e a ordem só para os velhos.”

homem que o santo come- natural das coisas que é çou por ser. aqui desmascarada pela “São Bartolomeu é um não existência de pele – mártir que foi esfolado, a primeira a mostrar si- toda a gente na terra co- nais de envelhecimento. nhece a história. Segundo A grelha de quadricu- (detalhe), Tiago Batista, Tiago (detalhe), li, nas terras da Rússia”, lado tem também a sua Recebemos a equipa e os artistas no nosso espaço para divulgação do projeto,

refere Tiago Batista. “Apa- ligação às histórias do dia Martírio de forma a envolver o público. Cada um tem uma visão própria do que é a arte, São Bartolomeu de Messines, 2016. Messines, de Bartolomeu São rece na Capela Sistina, a dia desta comunidade. mas é sempre uma mais-valia – é importante promover o contacto do público pintado por Michelangelo, Com o surgimento da com este tipo de realidade. Onde antes existia uma estrutura cúbica, existe hoje e está sentado numa nu- Televisão Digital Terres- um suporte para arte. vem, a segurar numa mão tre, o sinal da televisão Jorge Correia, 48 anos, Sociedade de Instrução e Recreio Messinense. a própria pele e na outra tornou-se pior na zona.

36 37 Roteiro ALGARVE • Projeto WATT? • S. B. MESSINES Silves • ALS MESSINES Xana • 2016 ARTE PÚBLICA •

Columbófila de S. B. de

12 Messines, que na empena FREGUESIA Concelho: Localização: GPS:

tem uma obra de Menau. , Xana, SÃO BARTOLOMEU Posto de transformação Latitude 37.257742 Do outro lado da rua, nos DE MESSINES Silves da EDP Distribuição, Longitude -8.291749 ALS degraus que dão acesso R. José Francisco Viseu a um quarteirão residen- Messines ALS cial, há também umas ma- Messines 2016. Messines, de Bartolomeu São nifestações de arte urbana mais antigas: são flores. é uma das pedras típicas Autoria: “Como se tratava de de Silves, o grés. É uma Xana um posto de transforma- pedra vermelha muito ção de eletricidade, característica da zona, senti-me mais livre, por- de origem argilosa. “Amo r”, “liber dade”, que não havia uma rela- O Castelo de Silves é feito “sabe dor ia”. Estão escri- ção com a especificidade dessa pedra.” O uso do tas assim. Xana pegou em arquitetónica da zona. vermelho tornou-se evi- palavras que expressam Por isso, levei alguns dente, há vários edifícios preocupações artísticas valores, coisas que me da vila e da zona em que recorrentes no seu traba- preocupam, que me têm as molduras das janelas lho inspirado na técnica preocupado nos últimos são pintadas de vermelho, da Cartilha Maternal de anos, e que alimentam a imitar esta pedra. João de Deus. Isto porque a relação entre a minha “Juntei o movimento da João de Deus de Nogueira atividade artística e os ondulação porque percebi Ramos nasceu em São valores presentes em que na igreja há umas for- Bartolomeu de Messines, mim enquanto artista mas onduladas.” As formas em 1830, e há inclusive e enquanto ser humano.” onduladas são um dos tra- uma Casa-Museu, na Rua Visto de longe, o posto ços do trabalho de Xana. 2016. Messines, de Bartolomeu São , Xana, Dr. Francisco Neto Cabrita. de transformação da EDP “Quando chego a uma é um cubo colorido, como terra e vejo que as minhas aqueles objetos ou brin- formas estão lá, é fantás- Messines ALS

quedos que manuseamos tico. Vou usar as minhas

, Xana, – que temos ao dispor. formas porque vão reco- Assim são os conceitos nhecê-las, identificar- ligados à liberdade – -se com elas.” Cria-se, ALS Messines ALS amor, sabedoria. junto da população, uma Numa tarde de sol empatia, uma ligação es- São Bartolomeu de Messines, 2016. Messines, de Bartolomeu São de inverno, as cores serão pontânea com o trabalho “O meu irmão, oito anos menos intensas à vista que se está a fazer. Quan- mais novo, andou na Escola do que numa tarde de do Xana estava a pintar as João de Deus, na Estefânia, verão. O amarelo terá suas quatro paredes, uns em Lisboa. E eu lembrava- a intensidade da cor do miúdos aproximaram-se -me disso, dele a estudar Sol consoante a estação. e perguntaram: “Em que é a Cartilha. Pesquisei na O método de João de Deus que podemos ajudar?” Internet, vi as construções usa diferentes cores para Tentámos receber o projeto da melhor maneira, agrada-nos bastante. É uma mais- e decidi jogar com isso”, identificar os fonemas -valia, traz uma valorização aos edifícios, às fachadas. A arte em si atrai outros

conta Xana. A sua interven- de uma dada palavra ou públicos, que normalmente não temos cá. E não queremos que fique por aqui, que-

ção artística a solo em São frase escritas na Cartilha , Xana, remos que continue. Para ser sincero, tenho sentido mais impacto junto das cama- Bartolomeu de Messines ou no quadro da sala de das mais velhas de pessoas, a pedirem intervenções nas caixas da EDP Distribuição está situada nas quatro aula. Mas o vermelho aqui das suas ruas. Pode pensar-se que as pessoas estão pouco viradas para este tipo paredes do posto de trans- vem de outra referência. Messines ALS de arte, mas não. Perguntam quando é que chega à rua delas. formação da EDP, junto “Usei a cor vermelha pelo João Carlos Correia, 45 anos, presidente da Junta de Freguesia de São Bartolomeu de Messines. São Bartolomeu de Messines, 2016. Messines, de Bartolomeu São à sede da Sociedade impacto visual e porque

38 39 Roteiro ALGARVE • Projeto WATT? • ALTE Loulé • INTERVENÇÃO COLETIVA Vários autores • 2016 ARTE PÚBLICA •

como património arqui- “Ele tinha fotocópias 13 tetónico algarvio a ser de ranchos folclóricos FREGUESIA Concelho: Localização: GPS: preservado. Acrescentou e gostava de colocá-las ALTE Loulé Rua Nova do Ribeiro Latitude 37.235679 ainda as letras que for- nas caixas de eletricida- Longitude -8.177128 Inter- mam a palavra “amor”, de. Percebemos logo mas de cabeça para baixo. que ficavam bem.” venção À esquerda, Tiago Batista “Fiz uma representa- pintou uns círculos feitos ção figurativa e juvenil Coletiva de riscas finas na diago- da mulher do campo com nal, à semelhança da in- traços gráficos, num am- tervenção que fez no lava- biente relaxado e sem Autoria: douro público de Alportel. compromisso, de forma Menau Já Susana Gaudêncio a encaixar harmoniosa- Susana Gaudêncio transpôs o título do seu mente nas técnicas e con- Tiago Batista jornal de parede – a inter- ceitos dos outros artistas”, Xana c/ Daniel Vieira venção artística que fez elucida Menau. a solo em Alte, na parede Fizeram uma espécie da Horta das Artes – para de “cadáver esquisito”, Estavam 42 graus. Não se este muro, fazendo ligação em que cada um pegava conseguia trabalhar mais com a palavra “amor” na contribuição feita pelo do que quinze minutos se- pintada por Xana; pode outro e acrescentava algo. guidos. “Foi algo que se ler-se “um Clarão de... Acabou num poema visual. começou a fazer de forma amor”. Menau trouxe o “Foi importante a opor- ad hoc. O Xana já tinha nariz vermelho cor de es- tunidade de ter tido estes pintado grande parte, um caldão, os lábios e um dos momentos de conversa rebordo vermelho e umas olhos da mulher do campo e de aprendizagem com (detalhe), vários autores, Alte, 2016. letras. Eu pintei a parte da que retratou numa arreca- estas pessoas, de lhes ter esquerda, só com linhas, dação junto à Estrada da trazido alguma atenção. achei que devia ficar assim Ponte, também em Alte. Até porque houve interes-

abstrato.” Tiago Batista se por parte da imprensa, Intervenção Coletiva está a falar sobre o muro foi feita uma reportagem que existe na Rua Nova do pela RTP”, conta Susana (detalhe), Ribeiro, em Alte, uma inter- Gaudêncio, referindo- venção coletiva de artistas -se à importância de pro- na qual participou, junta- jetos como o Arte Pública mente com Xana, Susana fundação edp, que pro- vários autores, Alte, 2016.

Intervenção Coletiva Gaudêncio e Menau. Daniel movem um contacto dos Vieira, artista com casa meios rurais com a arte. na terra – e que fundou a Ao olhar para o painel, “Para ser efetivo, tem é de Horta das Artes –, acabou Daniel Vieira achou que ser algo mais continuado. por se juntar ao coletivo o seu trabalho poderia Daí que a ideia de criar um e colaborar na obra. fazer ali sentido e propôs itinerário seja positiva, rea- Cada artista contribuiu colocar gravuras, técnica viva aquilo que aconteceu.” com traços que são trans- em fotocópia recorrente versais ao seu trabalho. na sua obra, na reentrân- Achei interessante a vivência com os artistas. Gostei de ter falado com eles. , Xana colocou uma mol- cia da parede onde estão Estou a fazer uma tese sobre uma dança, que é feita com desenhos feitos dura à volta de uma reen- colocadas caixas de ele- no computador. Fiz umas fotocópias grandes, sou amante da máquina foto- trância da parede e uma tricidade. “Acabei o curso copiadora. Gostei muito do jornal que fizeram na parede da minha casa. barra no topo superior do de Belas-Artes [FBAUL] em Está a sumir-se, gosto mais de o ver assim, parece que ficou um jornal velho.

muro, ambas vermelhas, 1984 e o Daniel lembrava- Intervenção Coletiva Gostei que tivesse ficado com aquela cor desbotada, achei piada. vários autores, Alte, 2016. ambas onduladas, numa -se de mim. Criámos logo Daniel Vieira, 79 anos, fundador da associação cultural Horta das Artes. alusão às platibandas empatia”, conta Xana.

40 41 Roteiro ALGARVE • Projeto WATT? • ALTE Loulé • GENTES DA MINHA TERRA Menau • 2016 ARTE PÚBLICA •

da fruta, da vila de Alte”, das obras e inteirar-me 14 explica Menau. “Junta-se de como a comunidade FREGUESIA Concelho: Localização: GPS: assim, nesta obra, o pas- reage à obra com o pas- ALTE Loulé Estrada da Ponte Latitude 37.234079 sado e o futuro, visando sar do tempo.” Longitude -8.174683 Gentes novos tempos, mais prós- “A mim dá-me a ideia peros.” de ser uma mulher do cam- da minha A arrecadação tem po, trabalhadora. Parece dois andares, baixos de ter uma enxada. E depois terra altura, a parede é branca há ali um lenço, que pare- e as portas e as janelas, ce fazer dela uma mulher feitas de chapa, são ver- um pouco vaidosa. Fiquei Autoria: melho-alaranjado, cor com uma parede maravi- Menau de trabalho de sacrifício lhosa”, continua Ana Maria nos campos, sob tempera- Dias. E referiu-se a outra turas impossíveis do obra de Menau em Alte, “Tinha ido tomar café sol de verão. A campone- no posto de transforma- com uns amigos que vi- sa, no desenho de Menau, ção da EDP Distribuição vem no Barreiro e que tem um chapéu de palha junto ao mercado: “Tam- me vieram visitar e, na estilizado, riscas azuis bém gostei muito da do pastelaria, soube da as- suaves, lenço à cabeça menino. Aquela torre é sembleia. Decidimos ir”, e uma camisa também ótima para ele.” conta Ana Maria Dias, azul matizada por peque- 65 anos, que saiu de nas rosas brancas. O azul

Alte ainda a revolução é uma das cores do Algar- 2016. Alte, , Menau, de Abril não tinha acon- ve, azul do mar, azul das tecido. Saiu em 1972 platibandas das casas, rumo a Lisboa, onde fez azul do céu a proporcio-

toda a sua vida, a traba- nar temperaturas amenas 2016. Alte, guiada, Visita

lhar na Caixa Geral de durante o inverno. Já a tez Gentes da minha terra Depósitos. Hoje é refor- da camponesa é pálida, mada e divide o seu tem- o seu olhar é triste e can- po entre Lisboa e Alte, sado. O nariz está pintado por causa da mãe. Parti- a vermelho-escuro, ver- cipou na segunda assem- melho cor de escaldão. bleia, em que se deparou

, com o problema da falta de murais para acolherem as obras de arte do Arte Pública fundação edp. Propôs de imediato a pa- Menau, Alte, 2016. Alte, Menau,

Gentes da minha terra rede da arrecadação da sua casa, que fica à beira da estrada que atravessa Alte, a Estrada da Ponte. Menau já regressou aos “Gostei do projeto, ofereci locais onde fez interven- a parede. E correu muito ções artísticas. E Alte não Estive na segunda assembleia, diziam não haver paredes. E eu disse: bem.” foi exceção. “Sim, algu- “Não há paredes?! Há a minha.” Fizeram uma intervenção no anexo da minha “Gentes da minha mas vezes, quando tenho casa, foi muito giro. Gostei imenso, adoro estas coisas novas. Há aí tantas terra é o retrato gráfico possibilidade ou quando paredes para se fazerem coisas. Esta terra precisa de coisas destas, – decorado de elementos passo por perto. Dou sem- está a morrer. Chega às quatro e meia da tarde e não há ninguém na rua. geométricos – das esque- pre um saltinho para ver Ana Maria Dias, 65 anos, dona da parede com Gentes da minha terra, de Menau. cidas senhoras da apanha o estado de preservação

42 43 Roteiro ALGARVE • Projeto WATT? • ALTE Loulé • O JOVEM DA ALDEIA Menau • 2016 ARTE PÚBLICA •

rurais. “Refere-se à forma um projeto como este, 15 como com esse conheci- o papel principal da arte FREGUESIA Concelho: Localização: GPS: mento, energia e novos é comunicar com as pes- ALTE Loulé Posto de transformação Latitude 37.235349 ideais tão característicos soas locais, em que se da EDP Distribuição, Longitude -8.177811 O jovem dos jovens se cria um mun- consegue fomentar a sua Estr. de Sta Margarida do novo, um mundo dife- união de forma antecipa- da aldeia rente. Um mundo puro.” da, para debater ideias O céu pintado por trás e necessidades.” do jovem desenhado por Autoria: Menau é de azul-inocên- Menau cia. Por cima da cabeça do boneco, está uma jane- la gradeada que serve de Os jovens vão embora. respiradouro ao edifício Não há jovens. Esta foi da EDP e acaba por ser uma das preocupações um elemento cénico a mais prementes nas as- integrar a obra. O jovem sembleias que decorre- está com um livro aberto ram em Alte, e Menau pe- nas mãos e está a devol- gou nesse enunciado para ver o olhar a quem olha trabalhar sobre o posto de para ele. De sorriso nos transformação de energia lábios. As pernas, essas, 2016. Alte, , Menau,

da EDP Distribuição jun- são fininhas e muito lon- 2016. Alte, , Menau, to ao mercado da terra. gas, tão longas como a Quando chegamos a Alte capacidade de os jovens pela estrada principal, viajarem e conhecerem O jovem da aldeia

cortamos na rua da asso- lugares novos, ganharem O jovem da aldeia ciação cultural Horta das mundo. Essa sensação Artes, subimos as escadas de mundo ganho fá-los e viramos à esquerda. muitas vezes querer re- Aí encontramos a Paste- gressar às origens, à terra laria Água Mel, que tem onde nasceram ou à terra uma vista desafogada, onde nasceram os pais, com direito a terraço, numa maior consciência sobre pequenas várzeas e apego às tradições e à e alguns montes, ao longe. responsabilidade de pre- “O jovem da aldeia servar o património cultu- representa esperança ral e histórico. e juventude. Representa As pernas podem fun- esperança na renovação, cionar também como um na existência de mais um convite. São tão compri- ciclo na prosperidade das, quase a alcançar o As pessoas que se envolveram ficaram muito motivadas, envolveram-se mesmo. de uma aldeia. Trata-se solo, que parecem umas Algumas pessoas gostaram tanto que queriam que fossem intervencionadas as de um novo guardião de cordas, que nos permitem suas paredes. O projeto em si é muito interessante, acho que é uma ideia muito um conhecimento quase trepá-las e sentarmo-nos bem conseguida, apesar de algumas falhas. Mas o conceito é excelente, o efeito esquecido, crescendo e ao lado do rapaz e usu- foi excelente, os artistas são de grande valor, fizeram obras muito bonitas. aprendendo de uma for- fruir de um lugar privile- As pessoas aqui em Alte aceitaram muito bem, não ouvi um comentário negativo. ma natural e diferente da giado sobre a rua e admi- A obra de que gostei mais foi a do Menau, no posto de transformação. Está num que se vive nas grandes rar a paisagem. sítio estratégico, está muito bem conseguido, naquela estrutura. É a aquela de cidades”, explica Menau, “A comunidade é tudo, que as pessoas mais falam. referindo-se à importância quando se trata do Arte Sílvia Martins, 43 anos, presidente da Junta de Freguesia de Alte. das tradições e costumes Pública. Quando se cria

44 45 Roteiro ALGARVE • Projeto WATT? • ALTE Loulé • BALTAZAR Daniel Padure • 2016 ARTE PÚBLICA •

O Baltazar pintado por A relação dos locais com 16 Padure é o espelho alegre a arte é ainda associada FREGUESIA Concelho: Localização: GPS: do Balthazar filmado por à ideia de bonito. Padure ALTE Loulé Estrada da Ponte Latitude 37.235096 Bresson; a preto e branco não pintou a parede de Longitude -8.176703 Baltazar mas alegre, sorridente. branco antes de fazer a in- E também leva a sua tervenção porque conside- carga. Padure colocou um rou que o aspeto descas- Autoria: moinho no dorso do animal cado conferia uma maior Daniel Padure numa alusão às muitas sa- verosimilhança à ideia de cas de farinha que os bur- trabalho árduo destes ani- ros costumam transportar. mais e da vida no campo. O Baltazar é um burro que O desenho está feito num Mas houve contestações, vive em Alte, no Sotaven- muro com a altura equi- houve quem considerasse to algarvio. O Balthazar valente a uma casa de que não ficou tão “bonito” é um burro que vive – e dois andares. Só por cima o facto de Baltazar não ter morre – numa pequena dessa parede que ampara sido inscrito numa superfí- comunidade rural em do desnível da encosta é cie nova, pintada de fres- França e é a personagem que está construída a casa co, limpa. Há uma pureza, principal de um filme de do proprietário, Marco uma inocência, na ligação culto da história do cine- Guerreiro. ao objeto artístico, sem ma, da autoria do francês “Reparei que havia filtros cognitivos. Apenas Robert Bresson, estrea- burros na zona”, conta uma relação para com do em 1966, Au Hasard Padure. “E os burros trans- o que começou por ser a Balthazar. Chegamos e portavam a farinha. Foi função primeira da arte: vemos a vida e a arte a uma forma de preservar a de embelezar, a de “tor- replicarem-se, como efei- a identidade da aldeia.” nar mais bonito”.

to de borboleta. É o que Ao Baltazar, revela que Nos dias de verão, de , Padure, Alte, 2016. acontece a quem conhece foi fazer-lhe “festinhas”. muito calor em terras no

o filme de Bresson, che- “Uma vez, estava a tirar interior da serra algarvia Baltazar ga a Alte e ouve contar a fotografias à intervenção a sotavento, Padure era história do burro da terra que fiz na parede e o interpelado pelas pessoas, que toda a gente conhece. Baltazar passou à frente. não apenas com a per- No filme de Bresson, Foi muito engraçado.” gunta costumeira “quer Balthazar é um burro que A parede encontra-se um pouco de água?”, mas vive uma vida de sacrífico. na estrada principal que com uma solicitação, uma A história é comovente, atravessa Alte, de um lado que lhe comprovava que o retrata a existência difícil as casas, do outro um ter- seu trabalho estava, como à qual o animal foi votado, reno acidentado, bonito, desejava, a integrar-se passando pelas mãos de com uma ribeira a descer na vida da comunidade. donos sucessivos, uns a pelas pedras. O barulho da “Perguntavam-me: ‘Tenho tratarem-no bem, outros água a descer o seu curso lá uma parede na minha nem tanto. Na sua entrega natural é dos poucos sons casa, não quer ir lá tam- sempre igual à tarefa que permanentes que se ouve. bém fazer uma pintura?’”. lhe é imposta, dia após dia, “Quando trabalhas em não consegue perceber espaços públicos, é muito porque é umas vezes aca- importante não ofender nin- rinhado e outras, açoitado. guém. Normalmente, es- Mas continua sempre tou sempre a tentar fazer a fazer o seu trabalho, coisas relacionadas com Acho que é diferente. Sempre mudou um bocadinho isto aqui, dá uma vida diferente

aceitando o destino sem o espaço, com as pessoas, 2016. Alte, guiada, Visita à terra. E tem que ver com a região. qualquer questionamento para não ser fora do con- Daniela Gomes, 28 anos, empresária. ou rebeldia. texto”, continua Padure.

46 47 Roteiro ALGARVE • Projeto WATT? • ALTE Loulé • O CLARÃO Susana Gaudêncio • 2016 ARTE PÚBLICA •

desenho com a seguinte de sensibilização da arte. 17 legenda: “Figura 5. A ser- É uma boa forma, atra- FREGUESIA Concelho: Localização: GPS: ra de pedra, que podia vés de uma ação pública, ALTE Loulé Horta das Artes, Latitude 37.235399 ser uma ilha, esconde de as pessoas poderem R. Nova do Ribeiro, nº4 Longitude -8.17705 O Clarão todos os mistérios.” Faz comentar, participar.” parte de um poema se- quencial de pequenos Autoria: desenhos e frases. A ins- Susana Gaudêncio piração veio-lhe de uma , vez em que Daniel Vieira levou os artistas às fontes O Clarão “O que me surpreendeu de água que existem em

mais foi, pelo facto de ter Alte e, entre histórias de 2016. Alte, Gaudêncio, Susana andado a espreitar perió- estrelas, lhes contou que dicos do início do século à meia-noite a água para O mesmo se aplica à sua XX, até aos anos 30, 40, de correr por momentos. obra. “A ideia é um perió- perceber que estas terras Já no canto inferior dico ir-se atualizando. eram superautónomas”, direito, sob fundo azul, O meu, nesse sentido, conta Susana Gaudêncio. diz-se, sob o título “Falta é antiperiódico. Mas se “Já foram bastante ativas. de Espaço”: “Por este mo- calhar vou atualizá-lo E esses periódicos eram tivo somos forçados a re- daqui a uns anos.” Em mais do que jornais, ti- tirar deste número alguns Alte, ainda se encontram nham um papel social artigos e notícias do que em uma ou outra parede e cultural muito forte. pedimos desculpa aos resquícios de palavras de Davam conta do senhor nossos presados [sic] co- ordem pintadas aquando Susana Gaudêncio, Alte, 2016. Alte, Gaudêncio, , Susana que ia a Faro comprar laboradores.” das primeiras eleições bolota para os animais; “Em Alte, a assembleia pós-25 de Abril. Nas pa- O Clarão noticiavam, por exemplo, foi muito concorrida. Es- redes da Horta das Artes, a visita de António Ferro tava a presidente da jun- está pintado um excerto ao rancho folclórico da ta, uma representante do de Salgueiro Maia, ao terra.” António Ferro foi município, a coordenado- lado de dois cravos ver- o diretor do Secretariado ra do núcleo museológico, melhos enormes. “Trata- de Propaganda Nacional vários curiosos”, descreve -se de um palimpsesto, do Estado Novo que, em a artista. “Percebi que que vai vivendo novas 1938, promoveu o concur- as pessoas viram este vidas por cima, sem gran- so “A Aldeia Mais Portu- momento como uma pos- de memória do que se guesa de Portugal”. Alte sibilidade de exprimirem passou antes. Este jornal perdeu para Monsanto alguns dos seus gostos de parede não me importa e ficou em segundo lugar. ou preocupações, a nível que daqui a uns anos só A intervenção de cultural, social, religioso descubram parte dele e Susana Gaudêncio para e até político. A falta de faça cada um o seu pró- Alte, assim como para oportunidades para os prio puzzle da história que Alportel, traduziu-se num mais jovens, por exemplo. passou por ali.” Alte tem muita história a nível cultural. A igreja, por exemplo, tem uma lenda as- jornal de parede, pinta- Mas todas tinham muito sociada: havia uma morgada, a morgada da Quinta do Freixo, que vinha à missa do numa das paredes da orgulho na sua terra, a uma igreja a Vila Verde do Vale [hoje, Santa Margarida]. A missa nunca começa- Horta das Artes, uma as- nas suas tradições.” va sem ela chegar; ela um dia atrasou-se e encontrou os fiéis já de volta, pelo que sociação cultural fundada E refere, acerca da im- , disse “Alto! Que se construa aqui uma igreja, que será sede de freguesia.” Ações pelo artista Daniel Vieira, portância de projetos como esta são importantes, atraem novos públicos. Sou estudante no âmbito da nascido na terra. Chama- como o Arte Pública O Clarão intervenção comunitária e, como futura educadora social, vou querer ter projetos -se O Clarão e, no canto fundação edp: “Este tipo que passem por esta área, por este tipo de intervenções.

inferior esquerdo, sob de projetos faz sentido a 2016. Alte, Gaudêncio, Susana Sónia Silva, 41 anos, Polo Museológico Cândido Guerreiro e Condes de Alte. fundo amarelo, tem um longo prazo, num contexto

48 49 Roteiro ALGARVE • Projeto WATT? • ALPORTEL São Brás de Alportel • O PORTAL Susana Gaudêncio • 2016 ARTE PÚBLICA •

para as intervenções ar- eram duras, eram da 18 tísticas do Arte Pública ordem das ameaças, FREGUESIA Concelho: Localização: GPS: fundação edp, decorriam e outras eram de amor, ALPORTEL Largo da Rua 25 de Abril Latitude 37.175383 à hora do chá. eram poemas escritos São Brás de Alportel Longitude -7.909295 O Portal Ao centro, em cima, às escondidas. Mas toda está a mancha de desta- a gente sabia quem as que do jornal de parede escrevia.” Com o jornal Autoria: pintado por Susana de parede, Susana Susana Gaudêncio Gaudêncio no Parque Gaudêncio acabou por do Alportel, um pequeno fazer uma ode a essa largo empedrado inaugu- tradição. “Fui a duas assembleias, rado em abril de 2005 e A barra onde está uma em Alte e outra em que fica defronte da igre- desenhado o título do Alportel. Em Alportel, de- ja. Mesmo ao lado desta, jornal a preto tem partes correu no Núcleo Museo- encontra-se o posto de da tinta, azul, já a cair; lógico e foi participada transformação da EDP o jornal está a começar pelas senhoras que o Distribuição que serviu a descamar. O mesmo gerem e pelo diretor do de tela a Xana, outro dos está a acontecer com Museu da Santa Casa da artistas do “WATT? – o de Alte. As tintas usadas Misericórdia em São Brás Um Projeto Artístico para não se deram bem com de Alportel”, conta Susana a Comunidade”. O jornal as condições climáticas Gaudêncio. Alportel não de parede chama-se e estão a desbotar, do- é sequer uma aldeia, é um O Portal e esse destaque, tando os tons de um pas- lugar, no concelho de São a amarelo, dá pelo título tel que confere um encan- Brás de Alportel. “O meu de Coisas que nos Interes- to especial ao projeto. projeto era site-specific. sam. No corpo desse arti- Como se fossem agua- Susana Gaudêncio, Alportel, 2016. Gaudêncio, , Susana Passei mais tempo nos go, ilustrado com figuras relas em papel, com um

locais.” Tal como em Alte, de animais, lê-se: “Fig. 1 tempo de duração limi- O Portal a intervenção artística de Coisas da Serra. A caça, tado. “Foi um lapso com Susana Gaudêncio para os pastores, o mel, as as tintas. Tinha pedido Alportel foi um jornal de papas de milho, a lingui- têmperas plásticas, im- parede. Consultou arqui- ça, os tomates fritos com permeáveis, mas na loja vos, visitou museus, con- ovos. Terrenos de xisto e enganaram-se e manda- versou com os locais; grauvaque com fósseis ram não impermeáveis. no caso de Alportel, falou marinhos. Sobreiro, azi- Só percebemos no final. com as senhoras do Nú- nheira, águia, grifo, coe- Tentámos fazer a fixação cleo Museológico do lho, lobo, esteva (…).” com verniz mas este não Museu do Traje de São “Eu é que fui a editora resiste a grandes chuva- Brás de Alportel e com do jornal. Partilhei com das. De alguma maneira, alguns transeuntes. Fez os populares a investiga- vai ao encontro da ideia também a Rota da Cor- ção que fiz, mas a edição do formato que escolhi, tiça. Alportel, palavra foi feita por mim”, refere o do jornal.” que vem de “portal”, é a Susana Gaudêncio. En- porta de acesso para a quanto fazia investigação, Esta é uma época em que, como todos nós, os artistas estão a perder o pé. serra. Aproveitou e fez descobriu um hábito anti- A tessitura da arte perde complexidade, a sua natureza de resistir e de fazer um percurso por algumas go muito curioso, que veio frente está a esboroar-se perante o ímpeto da mercadorização, que invade todas aldeias de beira de estra- na perfeição ao encontro as instâncias da vida. Apesar de tudo, a inteligência, a sensibilidade, o carinho e o Susana Gaudêncio, Gaudêncio, , Susana

da. As visitas de Susana do seu projeto artístico: Alportel, 2016. rigor que pariram estas obras conferiu-lhes a capacidade de convocar o espírito Gaudêncio às senhoras do “Em Alportel, os vizinhos do lugar. Há agora ali um chão para fazer outros caminhos. Cabe-nos agora a Núcleo Museológico, que deixavam recados nas O Portal nós, cidadãos e instituições locais, decidir se queremos, ou não, percorrê-los. ficaram encarregadas paredes. As paredes fa- Graça Passos, 58 anos, guia local. de serem as guias locais lavam. Umas mensagens

50 51 Roteiro ALGARVE • Projeto WATT? • ALPORTEL São Brás de Alportel • NADA SE LAVA SOZINHO Tiago Batista • 2016 ARTE PÚBLICA •

“Quando lá cheguei é que energético, muito dinâmi- 19 foram elas. Pensei ‘não co. Quando lhe expliquei FREGUESIA Concelho: Localização: GPS: posso pôr cor aqui, está que ia aplicar tons de cin- ALPORTEL Estrada Municipal 1202, Latitude 37.175554 tudo pintadinho de bran- zento, ele disse ‘muito obri- São Brás de Alportel Lavadouro Longitude -7.907723 Nada co, seria agressivo para gado pelo cuidado, ainda a paisagem’. Não fazia bem! Amanhã está cá um se lava sentido”, refere o artista. homem às nove da manhã “A frase é a de uma cu- e tem isso tudo pintado de sozinho nhada minha, dita numa branco para poder traba- qualquer reunião de Natal, lhar’.” O edifício estava a que achei imensa piada.” com a tinta descarnada. Autoria: Ao centro, um torso Tiago Batista humano sem pele, traço , característico do trabalho do artista. “Não queria “É um gesto de amor ir que se identificasse o gé- lavar a roupa de alguém.” nero, daí estar esfolado.

Chega-se a Alportel pela Tenho alguma obsessão Nada se lava sozinho rua que dá acesso ao lar- com esfolados”, continua, 2016. Alportel, Batista, Tiago go da igreja, continua-se numa alusão à outra inter-

em frente e, no entronca- venção artística que fez a “É um gesto de amor ir 2016. Alportel, Batista, , Tiago mento, vira-se à direita. solo para o Arte Pública lavar a roupa de alguém”, Nessa rua há umas quan- fundação edp em São refere Tiago. Na terra, tas casas, uma em azulejo Bartolomeu de Messines. há ainda uma senhora que a destoar de todas as ou- Na parede que fica nas utiliza o lavadouro público, tras, brancas, com plati- costas dos tanques, há é provável encontrar-se Nada se lava sozinho bandas, mas logo a rua se duas manchas de linhas um tapete lavado a secar torna mais descampada, cinzentas na diagonal, em cima da pedra de um uma seara do lado direito, que convergem para um dos tanques. O desenho protegida por um muro ponto de fuga ao centro. do dorso do corpo humano branco baixo. O passeio “São linhas que criei para não tem coração. “Preci- alarga e há um poço, com conferir algum conforto samos de ajuda para tudo, ar de desuso. Logo a seguir, visual. Quando fiz as li- até para lavar a alma.” um lavadouro público, nhas inclinadas em ma- a pintura branca recente. quete, no computador, Perante o cenário que se apercebi-me: era um depara a quem chega, anjo, as asas de um anjo.” O Algarve tem esta situação curiosa que parece que tudo é turismo. Mas há outro, a intervenção de Tiago As linhas em simetria, que ocupa mais de 50% do território. Nestas pequenas localidades como o sítio de Batista no lavadouro só como aliás toda a inter- Alportel, onde a faixa etária é bastante elevada, existe pouco turismo, há a sensa- , podia ser subtil, servir a venção, fazem também ção de abandono e marginalização, as pessoas sentem-se esquecidas. Projetos co- harmonia do momento e uma ligação gráfica com mo este vêm recuperar um pouco dessa autoestima, vêm abrir algumas janelas às da paisagem. Na murada as pedras onduladas dos pessoas. Agitou a terra. Houve uma sensação inicial estranha. É sempre um desafio da estrutura de cimento tanques, onde se esfrega muito grande, as pessoas são de origens muito humildes, e chegam aqui projetos

que protege a série de seis a roupa ensaboada. Nada se lava sozinho conceptuais, abstratos – é quase um laboratório estudar estes comportamentos. tanques do sol e da chuva, As linhas, as duas expres- 2016. Alportel, Batista, Tiago A atitude dos artistas foi bastante humilde. Acompanhei a sua chegada e ajudei na Tiago escreveu, de forma sões escritas e o dorso – logística. Costumo ir uma a duas vezes ao Núcleo Museológico de Alportel e percebi discreta, como se fosse sem género, só músculos que houve uma ligação afetiva e amistosa das pessoas do museu com os artistas. uma marca d’água, “nada – são feitos a cinzento- E este projeto teve essa preocupação: a de estabelecer previamente esses laços se lava sozinho” à direita -claro, um tom não intru- com as pessoas, que todas as tardes estão a abrir o núcleo. Trata-se de uma visão e, à esquerda, a mesma sivo. “Fui abordado pelo muito social da museologia, é espontâneo, é a população que o abre. expressão mas invertida, presidente da junta de fre- Emanuel Sancho, 51 anos, Museu do Traje de São Brás de Alportel. como se fosse um espelho. guesia, um senhor muito

52 53 Roteiro ALGARVE • Projeto WATT? • ALPORTEL São Brás de Alportel • OUTRA BABEL Xana • 2016 ARTE PÚBLICA •

da igreja. Sendo um lo- A ideia é deixar as pessoas 20 cal sagrado, teria de ter viajar nos novos signos FREGUESIA Concelho: Localização: GPS: algum cuidado. Não que- que propõe. “E, a partir ALPORTEL Largo da Igreja Latitude 37.175305 ria entrar em choque, daí, cada um constrói as São Brás de Alportel Longitude -7.908833 Outra queria dar um comple- suas próprias histórias.” mento ao lado sacramen- À semelhança do Babel tal, mas uma coisa mais Alentejo, as pessoas vêm ateia. O meu templo não muito para a rua, deixam- tem um relógio, mas um -se estar à sombra a apa- Autoria: buraco negro.” nhar a aragem que passa. Xana A bola preta, o “bura- Alportel, de portal, tem a co negro”, faz uma analo- Estrada Nacional 2 a pas- gia ao círculo do relógio sar mesmo ao lado, clas- É como se fosse um duplo. da igreja, com ponteiros sificada em 2003 como Mas um duplo laico, mun- e números a fazer com Estrada Património, e que dano. Ao lado da igreja de que não esqueçamos as era a via principal a ligar Alportel, há um posto de horas. O buraco negro Lisboa-Algarve. “Hoje, transformação de eletrici- tira o tempo ao tempo. é vítima de uma falsa ani- dade em forma de torre. É como se fosse a sombra mação de turistas”, conta A parede frontal está pin- do relógio da parede da Xana. Há autocarros reple- tada de azul, um azul que igreja, uma borracha que tos de excursionistas que se confunde com o azul do passou por cima e deixou fazem do lugar um ponto céu num dia sem nuvens. tudo a negro. As cores em de paragem antes de se- Um olhar mais aproximado azul-céu, ou riscas de ade- guirem caminho. E fazem-

vê tratar-se de dois tons reços de veraneio, fazem -no junto ao Parque do , Xana, Alportel, 2016. que, na verdade, fazem também contraste ao Alportel, mesmo em frente riscas verticais. Por cima, branco e às faixas cin- ao largo da igreja, onde estão pintadas umas bo- zentas da igreja, a suge- há um café. Os diferentes Babel Outra las, brancas. Riscas e bolas rir uma inversão, em que tempos cruzam-se ali, os são elementos recorrentes é no dúplice, na sombra, dos locais, os dos visitan- no trabalho de Xana. E no que reside o colorido. tes, tudo converge naque- meio, ao cimo, há uma bo- Referindo-se de novo la artéria principal que vai la preta. à casa forrada de azule- dar à igreja, ao seu relógio “A relação foi feita jos, Xana explica que e à sua sombra – colorida. a partir da observação dos “o círculo repete, de for- elementos decorativos das ma padronizada – por casas. Acabei por me ins- relação com os azulejos pirar não tanto nas casas –, um lado quase pop.

mais tradicionais, mas nu- Apesar de querer dar , Xana, ma que é forrada a azu- uma dimensão mais trans-

lejos, um bocado fora de cendental através daque- Alportel, 2016. contexto, uma adaptação le buraco negro, quis dar, Babel Outra atípica feita provavelmen- ao mesmo tempo, uma di- te nos anos cinquenta”, mensão terrena. São ques- refere Xana. “Achei que ti- tões que me interessam, Participei nas duas assembleias. Isto é da terra. E acho que deve continuar, isto é, nha o seu encanto, apesar misturar áreas diferentes, das pessoas. Fica deixada a semente. Gosto de ver o trabalho que as pessoas ima- de ser um pouco kitsch.” cruzá-las, numa estraté- ginam e fazem. Tenho simplesmente a quarta classe, mas sei apreciar. E sei o calor E continua a explicação: gia barroca. Tenho vindo que passaram aqui, a pintar, em cima dos andaimes. Desde que isto foi feito aqui em “Tinha à disposição a pa- a fazer uma certa limpe- Alportel, passei a reparar nas reportagens na televisão sobre este tipo de trabalhos. rede de um posto de trans- za e a construir o meu Helena Neves, 68 anos, voluntária do núcleo museológico. formação vertical que se alfabeto, é como que um encontrava mesmo ao lado processo de depuração.”

54 55 Arte Pública fundação edp Agradecimentos:

Roteiro ALGARVE Daniel Vieira (artista que colaborou na Projeto WATT? intervenção coletiva, em Alte). Às câmaras municipais de: Lagos, Loulé, Portimão, São Brás de Alportel e Silves. Às juntas de freguesia de: Alte, Mexilhoeira Grande, São Bartolomeu de Messines, São Brás de Alportel, Vila do Bispo, Bensafrim e Barão de São João. Curadoria Arte Pública fundação edp: Escola EB 2,3 João de Deus de São João Pinharanda Bartolomeu de Messines. Associação Humanitária dos Bombeiros Coordenação Arte Pública fundação edp: Voluntários de Vila do Bispo, Casa Branca, Sandra Santos Casa do Povo de Alte, Casa do Povo de S.B. Messines, Centro Museológico do Alportel, Comunicação Arte Pública fundação edp: Clube de Instrução e Recreio da Mexilhoeira, Bárbara Vaz Pereira Horta das Artes, Polo Museológico Cândido Guerreiro e Condes de Alte, Sociedade Textos: Columbófila de Messines, Sociedade de Cláudia Marques Santos Instrução e Recreio Messinense, Sociedade Recreativa Alportelense, Sociedade Recreativa Conceção gráfica: Figueirense, Museu do Traje, Teatro Cláudia Baeta e Paula Dona Experimental de Lagos. A toda a comunidade participante nas Edição: assembleias locais e aos guias locais, dos quais fundação edp destacamos: Ana Rosa Sousa, Anabela Melo, Lisboa, junho 2017 Sr. Alberto (Mexilhoeira Grande), Belinha, Carla Cabrita, Custódia Reis, Carminda Fiadeiro, Impressão e acabamento: Clarisse Conduto, Duarte Rio,Emanuel Sancho, Indústria Portuguesa de Tipografia, Nina Bradley, João Carlos Correia, Jorge Correia, Lisboa José Vitorino, Helena Neves, Graça Passos, Paula Bravo, Raquel Boto, Sílvia Martins, Nº Depósito legal: 425916/17 Sónia Silva, Vitalina Serpa, Vítor Damas. ISBN: 978-972-8909-35-2 Apoio aos artistas: Ana Duarte, Mariana Nunes e Plasa One. Comunidade LAC. Parceria:

Com o apoio: “Com este programa, a fundação edp contribui para levar a comunidades rurais um maior contacto com a arte, provocando, simultaneamente, uma reflexão sobre a sua função na nossa sociedade. Tem, ainda, outro mérito: o de conciliar no mesmo programa as duas principais áreas de intervenção da fundação, onde tem um percurso reconhe- cido e consistente: a inovação social e a cultura. Este é um projeto que mobiliza artis- tas e comunidades rurais num diálogo inovador que resultará num roteiro inesperado de arte pública e num motivo de orgulho para todas as partes envolvidas.” Miguel Coutinho Diretor-geral e administrador executivo da fundação edp

Minho Ribatejo Alto Braga Rio Maior Alentejo Crespos e Pousada Vila da Marmeleira Padim da Graça Assentiz Campo Maior Merelim (São Paio) São João da Ribeira Degolados Panoias Ribeira de São João Ouguela e Parada de Tibães Palmeira

Trás-os- Médio Algarve -Montes Tejo Vila do Bispo Barão de São João Alfândega da Fé Vila Nova da Barquinha Mexilhoeira Grande Torre de Moncorvo Atalaia Figueira Miranda do Douro Praia do Ribatejo S. Bartolomeu de Messines Mogadouro Tancos Alte Alportel

ARTE PÚBLICA •