Francisco Mendes Pimentel: o intelectual, a política e a ideias jurídicas Jefferson de Almeida Pinto Professor do IFES, Ciência e Tecnologiado Sudeste de – Campus Doutorando em História – Universidade Federal Fluminense - UFF [email protected]

Resumo: Este artigo trabalha a circulação de ideias jurídico-penais em Minas Gerais tomando por referência a trajetória intelectual, política e jurídica de Francisco Mendes Pimentel. A partir dos seus posicionamentos em relação aos setores mais empobrecidos da população propomos uma discussão relativa à criminologia positivista, suas apropriações e usos no estado. Palavras-chaves: circulação de ideias, apropriação e usos, criminologia positivista.

Abstract: This article works the circulation of legal-criminal ideas in Minas Gerais taking for reference the intellectual trajectory, pol- itics and legal of Francisco Mendes Pimentel. From its positionings in relation to the sectors poor of the population we consider a rel- ative quarrel to the positivista criminology, its appropriations and uses in the state. Keywords: circulation of ideas, appropriation and uses, positivista criminology.

Introdução: procedendo ao que pode ser chamado de criminalização da pobreza. Seu referencial teórico ste artigo insere no plano dos estudos relativos seria, assim, sustentado por um grupo de Eà circulação e apropriação de ideias jurídico- intelectuais que, do século XIX, às primeiras penais no Brasil que temos realizado. Neste, décadas do século XX, estarão no centro das interessa-nos discutir como a inauguração de um discussões relativas às ideias jurídico-penais, paradigma legalista na passagem à modernidade quando então primava-se por uma modernização contribui para uma mudança na postura política dos das práticas penais como forma de se resolver, Estados em relação às formas de se punir e assistir, acreditava-se, muitos de nossos problemas sociais sobretudo as parcelas mais empobrecidas de sua e cujos reflexos (ou sintomas) podem ser população. A fundação desse paradigma legalista no percebidos, por exemplo, na presença do campo do Direito implicou em uma ação da lei e da evolucionismo, num primeiro momento darwinista, justiça oficial como instrumentos típicos de depois spenceriano e, por fim, refletidos na 1 Cf. HESPANHA, Antônio Manuel. Lei e justiça: história e pros-pectiva de controle do Estado liberal. Tem-se a ideia do que antropologia criminal do médico italiano Cesare um paradigma.______. Justiça e litigiosidade: história e prospectiva. Antonio Manuel Hespanha chama de a “fantasia da Lombroso (ou ainda de intelectuais como Enrico Lisboa: Fundação Ca-louste lei”, em que esta seria capaz de substituir todas as Ferri, Rafaelle Garofalo, Gabriel Tarde etc.) e Gulbenkian, s/d., p. 7-50. tecnologias de controle social presentes até então, presentes nos escritos acadêmicos e nos a exemplo da Igreja e da família e, no caso do Brasil, programas de curso das escolas de Direito 2 Os seguidores da Criminologia Positivista (ou ainda Escola Positivista poderíamos pensar no controle exercido sobre os influenciados, desse modo, pelo que ficou de Direito Penal) entendem que o crime está diretamente relacionado trabalhadores no interior da própria unidade conhecido como criminologia positivista. 2 aos fatores biológicos. Não haveria, produtiva quando do predomínio do sistema então, crimes e sim criminosos e o Em seus aspectos mais específicos interessa-nos direito penal passaria a adotar escravista.1 discutir como estas ideias circularam em Minas princípios em que a pena direcionar- se-ia para uma indeterminação e uma Tal situação levou, assim, a um novo Gerais, levando-se em consideração a atuação de individualização, isto é, tal como um médico, o penalista aplicaria um procedimento das autoridades de controle social intelectuais do campo jurídico nos fóruns e nas "remédio" diferente a cada um de seus para com os setores subalternos que, embora promotorias, autoridades de controle social como pacientes. Há, portanto, uma pré- disposição biológica para o pudessem alcançar, mesmo que de maneira delegados e subdelegados de polícia, políticos, crime/criminalidade diferente da postura de muitos juristas e estudiosos limitada, ganhos políticos e consequentemente entre outros. Certamente, as relações desses das ciências penais que defendem que cidadãos, em função de uma flexibilidade maior nas agentes com o campo de poder possibilitou que o crime seria uma questão de escolha, ou seja, seria uma questão de livre- relações sociais a partir das grandes revoluções fossem as mesmas estendidas, ou que de certo arbítrio. Pode-se dizer que os estudos de Cesare Lombroso (1835-1909) burguesas e sociais do longo século XIX, se viram, modo influenciassem, na formação e instalação de foram impulsionadores desta postura por outro lado, mais uma vez excluídos em função seu sistema jurídico-penal, isto é, de suas analítica tendo como um de seus grandes seguidores no continente de uma nova onda racionalista que contribuía para instituições jurídico-penais numa ótica moderna, americano o ítalo-argentino José Ingenieros (1877-1925). Cf. LIMA, a análise dos fenômenos sociais advindos com a tais como as prisões, penitenciárias e outros Oscar Negrão de. O crime e o Revolução Industrial, cientificizando-os com base estabelecimentos asilares que também faziam parte criminoso. In: Revista Forense. Doutrina, jurisprudência e legislação. em uma leitura biologista dos setores subalternos do escopo dessas concepções penais, uns com fins Vol. LXV. : Imprensa Oficial do Estado de Minas Gerais, e, por conseguinte, desqualificando-os, ou ainda, educativos e regeneradores e outros com fins 1935.

Temporalidades - Revista Discente do Programa de Pós-graduação em História da UFMG, vol. 2, n.º 1, Janeiro/Julho de 2010 - ISSN:1984-6150 - www.fafich.ufmg.br/temporalidades 138 assistenciais. Que discurso jurídico-penal pode ser controle no pós-abolição. Naquele tempo, tornava- 3 Cf. GINZBURG, Carlo. Nenhuma ilha é identificado em meio à elite bacharelesca mineira se constante o discurso em relação à segregação uma ilha. Quatro visões da literatura inglesa. São Paulo: Cia. das Letras, 2004. na passagem do Império à República? Seriam os dos pobres "válidos" dos "inválidos" para o trabalho mesmos existentes em São Paulo e Rio de Janeiro? a fim de que os primeiros pudessem tornar-se 4 Mendes Pimentel nasceu no bairro de Laranjeiras, cidade do Rio de Janeiro em Como aludiremos no transcorrer deste texto, visíveis aos olhos das autoridades policiais e, sendo 1869, e muito jovem veio para Minas Gerais. Formou-se em direito em 1889 em São entendemos que essa bandeira cientificista que se assim, reprimidos e inseridos nas unidades Paulo, exercendo o cargo de promotor em assiste no Brasil desde meados do oitocentos e que produtivas que, como destacavam, tanto Queluz, atual cidade de . Em 1894 foi candidato a deputado encontrou entre os positivistas um fértil meio de 7 estadual e relator da comissão de instrução necessitavam de trabalhadores. Para além do pública. Foi ainda o primeiro Reitor da propagação não reinou sem que algumas vozes lhe mercado de trabalho, a construção da sociedade Universidade de Minas Gerais que viria a ser fossem dissonantes e que, como vamos defender, fundada em 7 de setembro de 1927 em Belo republicana implicava uma discussão em relação ao Horizonte pelo então governador Antonio acabaram por impor-lhe alguns limites, no tocante, Carlos Ribeiro de Andrada. Por lá ficou até ideal de indivíduo e nação. Em relação ao indivíduo 1930, quando eclodiram os conflitos por exemplo, às perspectivas em relação ao ideal muito se destacava a necessidade de trazer relativos ao decreto federal nº 19.404 de 14 de nação. Partimos, assim, da concepção exposta de novembro daquele ano, que "resolvia imigrantes que pudessem contribuir com a fazer passar de ano e formar sem exames os por Carlo Ginzburg de que “nenhuma ilha é uma estudantes e concluintes de cursos de todo formação do futuro trabalhador nacional o território nacional"; provocando nos ilha” para entendermos as trocas e a circulação de disciplinado e higienizado. Desse modo, o discurso estudantes e professores a defesa da ideias e de pensadores discutindo os principais autonomia econômica, administrativa e cientificista e racial, presente nas ideias jurídicas em didática da instituição, o que levou o paradigmas políticos, jurídicos e sociais para além Conselho Universitário a não acatar a fins do século XIX e início do século XX fora decisão do governo. Além de professor de centros produtores do saber jurídico como identificado, por exemplo, em São Paulo, por Pimentel foi também jornalista, colaborando podem ser os casos de São Paulo, Pernambuco ou com muitos periódicos, jurídicos ou não, Marcos César Alvarez8 ao se basear na produção que circularam por Minas Gerais em fins do ainda o Rio de Janeiro bem como as suas século XIX e início do século XX, como A de textos acadêmicos da Faculdade de Direito Folha de , o Diário de Minas e respectivas apropriações e usos.3 Jornal do Povo de Belo Horizonte. Em daquela capital. Isto nos leva a uma discussão especial atuou como fundador e Para que possamos conduzir essas discussões levantada também por Lilia Schwarcz quanto a uma proprietário da Revista Forense (1904) e da revista Assistência (1912), esta vinculada a tomaremos por base a trajetória individual de maior flexibilidade dos mineiros em relação a um Assistência Judiciária Mendes Pimentel. 4 Sobre Mendes Pimentel cf. tb.: MACHADO, Francisco Mendes Pimentel (1869-1967) , figura possível contrato de trabalhadores chineses, Celso Cordeiro. Mendes Pimentel e a de destaque no cenário político e jurídico mineiro quando se discutia a importação deste tipo de mão- fundação da primeira Universidade do Estado de Minas Gerais. Revista do Instituto da primeira República. Sua atuação profissional vem de-obra para sua introdução em sua lavoura dos Advogados de Minas Gerais. 10 ed. Belo Horizonte: Editora Del Rei, 2003, sitio sendo estudada em trabalhos acadêmicos, cafeeira por volta de 1893.9 Assim também, nos www.iamg.org.br/site/revista10/18.htm sobretudo no campo da educação, enfocando-se acesso em 25 de dezembro de 2006; remetemos aos estudos de Célia Maria Marinho de PIMENTEL, Francisco Mendes. Francisco sua atuação como professor no interior de estado, Azevedo e de Maria Helena Machado ao Mendes Pimentel, jornalista, político, professor e jurista. Rio de Janeiro: Of. Graf. em instituições de ensino de Belo Horizonte, na enfocarem os "medos" existentes na província de do Jornal do Brasil, 1949. PIMENTEL, Faculdade de Direito de Minas Gerais ou ainda Francisco Mendes. Programma das Cadeiras São Paulo quanto ao fim do cativeiro e aos de Direito Criminal (3. anno). Belo como parlamentar logo no início do período movimentos sociais na década da abolição. Muito Horizonte: Imprensa Oficial do Estado de Minas, 1927 ?, 12 págs. republicano.5 Não encontramos trabalhos que embora o discurso em relação aos receios quanto 5 Cf. PORTES, Écio Antônio. Francisco buscassem enfocar a atuação de Pimentel como um ao fim do cativeiro e as limitações do mercado de Mendes Pimentel: “um homem de homem de saber jurídico nesta época. No entanto, trabalho existissem também em Minas Gerais, este compreensão, de visão e de saber”.IV Congresso de Pesquisa e Ensino de História da pelos dados apontados por Pedro Nava relativos à "pânico", conforme se podem identificar nestes Educação em Minas Gerais. Maio, Juiz de sua biografia, notamos que sua inserção no campo estudos, não é tão perceptível entre os Fora, 2007 - Conferência. jurídico não foi pequena no tempo da primeira proprietários mineiros da mesma época. 10 6 NAVA, Pedro. O círio perfeito. Memórias 6. República, pois além de professor da Faculdade de Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1983 apud Outro aspecto que nos é relevante seria quanto PORTES, Écio Antônio. Francisco Mendes Direito em Belo Horizonte, era professor honoris a montagem das instituições jurídico-penais no Pimentel: “um homem de compreensão, de visão e de saber”, p. 5-6. causa da Faculdade de Direito de São Paulo, estado. Embora o crime e a criminalidade - escrava presidente de honra do Clube dos Advogados de ou de homens livres - no período referido venha a 7 Cf. PINTO, Jefferson de Almeida. Controle social e pobreza (Juiz de Fora, c. Minas Gerais, membro do Tribunal de Ética ser um objeto relativamente recorrente nos 1876-c.1922). Juiz de Fora: Funalfa Edições, Profissional do Conselho dos Advogados do Brasil, estudos historiográficos, verificamos certa 2008. membro honorário do Instituto dos Advogados do dificuldade em encontrar estudos em que a 8 Cf. ALVAREZ, Marcos César. Bacharéis, Distrito Federal e árbitro brasileiro na Corte juristas e criminologistas: saber jurídico e a discussão em torno da montagem das instituições Nova Escola Penal no Brasil. São Paulo: Permanente de Arbitragem em Haia.6 jurídico-penais, assim como as ideias em torno de Método, 2003. sua sistematização, sejam a temática principal. Ao 9 SCHWARCZ, Lilia Moritz. O espetáculo das raças: cientistas, instituições e questão Por que estudar a questão jurídico-penal buscar sistematizar um conjunto de pesquisas racial no Brasil (1870-1930). São Paulo: Cia. em Minas Gerais? sobre a referida temática os organizadores de das Letras, p. 185. História das Prisões no Brasil11 identificam apenas 10 AZEVEDO, Célia Maria Marinho de. Onda negra, medo branco: o negro no Antes de aprofundar na atuação de Pimentel no dois estudos para o caso mineiro que, imaginário das elites - século XIX. Rio de tocante às discussões relativas às ideias jurídico- evidentemente, acreditamos não serem os únicos. Janeiro: Paz e Terra, 1987.; MACHADO, Maria Helena. O Plano e o Pânico: os penais em Minas Gerais, quais seriam as nossas Mesmo assim, estes estudos foram apenas citados movimentos sociais na década da abolição. razões para debruçarmo-nos ao estudo destas na introdução do volume I, não se convertendo em Rio de Janeiro: EdUFRJ/EdUSP, 1994. questões? Tal como paulistas e fluminenses, os um dos capítulos da referida obra. O primeiro 11 MAIA, Clarissa Nunes; SÁ NETO, Flávio de Sá; COSTA, Marcos e BRETAS, Marcos. mineiros se viram às voltas com a necessidade de trata-se de um estudo de Antonio Luís Paixão sobre História das prisões no Brasil. Vol. I e II. Rio de Janeiro: Rocco, 2009, 314 e 316 págs, intervir no mercado de trabalho para garantir seu as relações entre o Estado e o tratamento da respectivamente. Cf. Introdução, p. 24.

Temporalidades - Revista Discente do Programa de Pós-graduação em História da UFMG, vol. 2, n.º 1, Janeiro/Julho de 2010 - ISSN:1984-6150 - www.fafich.ufmg.br/temporalidades 139 criminalidade e principalmente do criminoso. Poderíamos citar intelectuais como Rui Barbosa, Apenas em uma de suas partes é que se dedica ao Clóvis Beviláqua, Cândido Mota, Evaristo de modelo prisional adotado em Minas Gerais a partir Moraes, Noé Azevedo, Esmeraldino Bandeira, de algumas notas sobre a instalação da Tobias Barreto, ou até mesmo o médico Penitenciária Agrícola de Neves. 12 maranhense e atuante da Faculdade de Medicina da Já recentemente, foi enfocado uma dissertação Bahia, Nina Rodrigues. Assim sendo, quem seriam de Karla Leal Luz de Souza e Silva em que a autora os intelectuais do campo jurídico em Minas Gerais? se propõe a estudar como as colônias correcionais Onde se formavam? Qual a sua filosofia jurídica? agrícolas em Minas Gerais fizeram parte de um Quais as suas relações com o campo de poder? discurso político e jurídico voltado para a regeneração daqueles que eram enquadrados sob a O ensino do direito em Minas Gerais 13 acusação de vadiagem. É preciso lembrar que Para buscarmos uma resposta para estas estes dois estudos não foram defendidos na área da perguntas precisamos fazer, a princípio, algumas história, muito embora a temática e a metodologia considerações relativas às filiações políticas e de ambos, de certo modo, venham a se atrelar à ideológicas das instituições de ensino jurídico pelas filosofia da história. Num primeiro momento, a quais se formavam os bacharéis do Brasil. Assim discussão proposta por Karla Leal nos é muito sendo, até a fundação das escolas de Direito no relevante no sentido em que a autora destaca as Primeiro Reinado (1822-1831), como todos tentativas de se instalar em Minas Gerais as ditas sabemos, as famílias mais ricas de Minas Gerais “colônias correcionais” seguindo as diretrizes buscavam guardar seus devidos pecúlios para propostas pelo Código Penal de 1890 quanto à 15 possibilidade de se regenerar pelo e para o formar seus filhos bacharéis em Coimbra. Com a trabalho, fato este que se concretizará em 1896 fundação da Faculdade de Direito de São Paulo com a Colônia Correcional do Bom Destino, mas que (1827) houve uma gradual busca pela formação em virtude dos diversos problemas administrativos jurídica naquela instituição, assim como as e financeiros, entre outros, levará o governo do províncias do nordeste tenderam a direcionar a estado a fechar essa instituição passando a se formação de seus bacharéis para a Faculdade do discutir outras formas de se combater a Olinda/Recife (1828).16 Ambas tiveram seus vadiagem.14 Mas que outras formas seriam essas estatutos inspirados nos estatutos de Faculdade de se, ainda em 1907, mesmo com a inauguração da Direito de Coimbra reformados pelo Marquês de Pombal com a publicação do Compêndio Histórico penitenciária de , que pelos relatos fora do Estado da Universidade de Coimbra, de 1771, em 12 Cf. PAIXÃO, Antônio Luiz. apenas uma reforma da antiga cadeia daquela Recuperar ou punir? Como o Estado que foi exposto, com toda a voracidade que cidade, muito ainda se falaria em relação à trata o criminoso. São Paulo: Cortez: interessaria o governo pombalino, as matrizes de Autores Associados, 1987. necessidade de construção, melhorias, todos os males por que passava o Estado português administração, enfim, das instituições jurídico- 13 Cf. SOUZA E SILVA, Karla Leal de. até aquele século, isto é, fundamentado nos seus A atuação da justiça e dos políticos penais no estado? 17 contra a prática da vadiagem: as Como podemos entender este panorama? Esta fortes vínculos com a Companhia de Jesus. colônias correcio-nais agrícolas em Minas Gerais (1890-1940). Viçosa, discussão nos direcionou, num primeiro momento, Neste sentido, pode-se dizer que o pragmatismo 2006. Dissertação (Mestrado em das reformas pombalinas estendeu-se à formação Extensão Rural). Universidade Federal para a necessidade de se entender como a ordem de Viçosa. Viçosa, 2006. jurídica da passagem do século XIX ao XX se jurídica no Brasil oitocentista, no sentido em que possibilitou usos do liberalismo – sobretudo em 14 SOUZA E SILVA, Karla Leal de. A instalou em Minas Gerais. Teriam ficado os juristas atuação da justiça e dos políticos contra mineiros à margem do discurso jurídico-penal São Paulo – voltados para os interesses das classes a prática da vadiagem: as colônias correcio-nais agrícolas em Minas calcado nas ideias que buscavam entender não mais dominantes àquele tempo. 18 Gerais (1890-1940), p. 38-64. o crime e sim o criminoso – defendidas por O quadro a seguir reflete uma considerável 15 Cf. ANTUNES, Álvaro Araújo. Fiat intelectuais do campo jurídico – naquele circulação de estudantes mineiros por aquelas Justitia: os advogados e a prática da justiça em Minas Gerais (1750-1808). momento? Em outras palavras como a criminologia paisagens paulistanas no século XIX. Construído a Campinas. 2005. Tese (Doutorado em História) - Instituto de Filosofia e positivista ou o que ainda pode ser chamada de partir de uma publicação encomendada pelo Ciências Humanas, Universidade de escola positivista de Direito Penal influenciou nas Governo do Estado de Minas Gerais datada de Campinas. 2005. concepções jurídico-penais no estado? 1925 e composta de uma secção intitulada 16 Cf. ESTUDANTES Brasileiros na Além desses argumentos iniciais, outra questão “Mineiros Ilustres”, mas que de todo modo passou Universidade de Coimbra (1772- 1872). Anais da Biblioteca Nacional. Rio também nos intriga. É possível identificar em pelo crivo de seu organizador, nele podemos de Janeiro: Impren-sa Nacional, vol. outros pontos da federação a formação de um identificar um pouco das tendências em relação à 62, 1942, p. 140-335. número considerável de intelectuais do campo formação dos bacharéis mineiros, ressaltando, 17 BEAL, Tarcísio. As raízes do regalismo brasileiro. Revista de Cultura jurídico, ou que de certa forma acabavam se contudo, que não retrata, em momento algum, sua Vozes, Petrópolis, Vozes, nº 3, vol. destacando no campo jurídico. Pensemos em um totalidade. LXXI, p. 245-6, 1977. jurista atuante na área jurídico-penal, “nutrindo-se” Dentre estes graduados podemos encontrar 18 NEDER, Gizlene. Iluminismo Jurídico-Penal Luso-Brasileiro: intelectualmente das teses criminológicas, ou ainda, políticos como Afonso de Mello Franco, obediência e submissão. Rio de atuante nas reformas jurídicas no plano do Affonso Penna, Antônio Carlos Ribeiro de Andrada, Janeiro: Freitas Bastos, 2000, p. 135- 46. Congresso Nacional, que possamos destacar aqui? Benedito Valadares, Delfin Moreira, Cesário Alvim,

Temporalidades - Revista Discente do Programa de Pós-graduação em História da UFMG, vol. 2, n.º 1, Janeiro/Julho de 2010 - ISSN:1984-6150 - www.fafich.ufmg.br/temporalidades 140 Perdigão Malheiros, entre outros. Em São Paulo, os Utilizando-se desta lei fundou-se em 4 de estudantes mineiros participaram de vários clubes e dezembro e instalou-se no dia 10 subsequente do associações entre as quais estão a “Sociedade ano de 1892 a Faculdade Livre de Direito de Minas Philomatica” (1834), a “Associação de Culto a Gerais possibilitando uma alternativa à graduação Sciencia” (1857), o “Instituto Acadêmico” (1859), a na área jurídica no Brasil até então nas mãos de “Sociedade Beneficente Mineira” (1879), o pernambucanos e paulistas e com algumas “Centro Acadêmico Mineiro” (1891-93), o “Club possibilidades já no Rio de Janeiro.21 Entre os Literário Bernardo Guimarães” ou “Club Scientifico fundadores dessa escola encontramos muitos que e Literário” (1896). João Pedro da Veiga Filho – cursaram o ensino jurídico da Faculdade de Direito lecionando “Sciencia das Finanças e Contabilidade de São Paulo. Entre eles Affonso Penna, Francisco de Estado” – e Pedro Augusto Carneiro Lessa – da Veiga, Virgílio de Mello Franco, Camilo Brito, lecionando Philosofia e História do Direito – ambos Levindo Lopes, Sabino Barroso, David Campista, ingressando por concurso público, são identificados Bernardo de Lima, Joaquim Ignácio de Mello e por Manoel Viotti, correspondente do Arquivo Souza, Donato Fonseca, Pádua Rezende e Público Mineiro, como os dois lentes mineiros que Theóphilo Ribeiro. Os cursos de Direito Penal e atuaram no ensino jurídico de São Paulo.19 Direito Criminal ficavam a cargo de Francisco de A.

19 VIOTTI, Manoel. Acadêmicos mineiros na Faculdade de Direito de São Paulo. Revista do Arquivo Público Mineiro. Imprensa Oficial: Ouro Preto, p. 540-2, jul./set., 1897.

20 VENÂNCIO FILHO, Alberto.. Das Arcadas ao Bacharelismo. São Paulo: Muito embora o exclusivismo no ensino jurídico Brant e Mendes Pimentel, respectivamente e Perspectiva, 1977, p. 179. no Brasil já tivesse sido abolido pela Reforma Psiquiatria Forense teria como um de seus lentes 21 Registramos também da fundação Leôncio de Carvalho, ou “Reforma do Ensino Washington Ferreira Dias.22 Logo em seu primeiro de uma escola de direito no Instituto Livre”, expressa no Decreto nº 7.247 de 1879, uma Metodista Granbery em Juiz de Fora ano de atuação, muitos estudantes direcionaram em 1912. O Instituto Granbery fora instituição de ensino jurídico em Minas Gerais fundado em 1889 e já em 1890 tinha sua formação para aquela faculdade passando-se seu primeiro curso superior de somente veio a se estabelecer nos primeiros anos assim a formação jurídica a ser feita também no teologia em funcionamento. Tratava-se do regime republicano. Com o decreto n º 1232-H, de um projeto da Igreja Metodista de próprio estado, num primeiro momento em Ouro se fundar uma Universidade de 2 de janeiro de 1891, aprovando o Regulamento Protestante no Brasil contando para Preto e, posteriormente, em Belo Horizonte, com isto com as facilidades do advento da das Instituições de Ensino Jurídico dependentes do a transferência da faculdade em 1898, ganhando República positivista. Em 1911, foi Ministério da Instrução Pública, confirmou-se assim autorizada a fundação da escola sede própria em 1901. Atendendo às exigências de direito no Instituto que começou algumas mudanças no ensino jurídico brasileiro já suas atividades em janeiro de 1912. legais os acadêmicos concluiriam o curso em até 5 MAIA, Almir de Souza. O anunciadas pelo decreto n º 1030-A de novembro anos. No primeiro número da Revista da Faculdade descobrimento tardio: as raízes, o de 1890. Confirmava-se a supressão nos cursos nascimento e os atuais desafios da Livre de Direito de Minas Gerais Affonso Penna fazia universidade brasileira. In: Impulso: jurídicos do ensino do Direito Eclesiástico devido à Revista de Ciências Sociais e Humanas referência a esse momento de mudança na da Universidade Metodista de separação entre Estado e Igreja que se confirmara formação dos bacharéis em Minas Gerais. Piracicaba. Piracicaba. V. 12, n º 27, com a República. Criavam-se também os cursos de 2000, p. 27. Direito oferecidos pelas Faculdades em Ciências Estado extenso e populoso como o de Minas, 22 Cf. DERZI, Misabel de Abreu Machado; MIRANDA AFONSO, Elza Jurídicas, Ciências Sociais e Notariado, habilitando rico de tradições, onde é largo o campo para os Maria. Dados para uma História da o primeiro no exercício da advocacia, da cultores das lettras jurídicas, quer na elevada Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais. 2 v. Belo magistratura e da justiça, o segundo ao exercício de carreira da magistratura, quer na nobre carreira Horizonte: Imprensa Universitária da da advocacia ou da administração, tornava-se UFMG, 1976-7; ALVES, João Luís. cargos do corpo diplomático e consultor e aos mais Memória Histórica da Faculdade Livre de altos escalões da administração pública e o terceiro indeclinável a creação de uma Faculdade de Direito de Minas Gerais, do anno de Direito onde a mocidade pudesse instruir-se, 1901. Belo Horizonte: Imprensa o exercício dos ofícios de justiça.20 Essa reforma Oficial do Estado de Minas, 1902, 24 sem precisar transpor os limites de sua terra págs. facultava em seu artigo 217, a possibilidade de se natal.23 criar cursos superiores em estabelecimentos 23 PENNA, Affonso Augusto Moreira. Editorial - Fundação da “Revista da particulares, que receberiam a nomenclatura de Faculdade Livre de Direito”. Revista da A Faculdade de Direito de Belo Horizonte seria Faculdade Livre de Direito de Minas “Faculdades Livres”. palco ainda em 1915 da fundação do Instituto dos Gerais. Ano I, p. 3-8, 1894.

Temporalidades - Revista Discente do Programa de Pós-graduação em História da UFMG, vol. 2, n.º 1, Janeiro/Julho de 2010 - ISSN:1984-6150 - www.fafich.ufmg.br/temporalidades 141 Advogados de Minas Gerais (IAMG). Francisco pensado no conjunto das mudanças no sistema Mendes Pimentel, então diretor da Faculdade, por educacional que estavam ocorrendo em Minas proposta de Afonso Pena Júnior, fora aclamado seu Gerais e que tinham suas razões na fundação do presidente provisório em seção inaugural realizada próprio sistema republicano no Brasil. Assim, é em 7 de março daquele mesmo ano. Entre os 46 preciso pensar que a partir de 1906 quando João membros fundadores do IAMG destaca-se que Pinheiro havia sido eleito governador, deu-se início muitos eram professores da Faculdade Livre de a uma reforma educacional no estado cujo objetivo Direito. Raul Machado Horta, ao proferir seria implantar um sistema público de ensino e a conferência em comemoração aos 75 anos do edificação e implementação da educação em IAMG, destacou que em suas reuniões, Mendes grupos escolares que seriam as bases responsáveis Pimentel apontava para a necessidade de pela “irradiação” do perfil republicano e liberal que intervenção dos juristas mineiros nas discussões se queria fundar. Aos 22 dias de seu governo, João que se faziam naquela época, entre as quais Pinheiro veio a sancionar a Lei nº 439 de 28 de estavam a elaboração do Código Civil, do novo setembro de 1906 a qual, em seu artigo 1º Código Comercial e do novo Código Penal. expressava o tripé spenceriano para a educação: Destacava ainda que das leis recentes que haviam “(...) que a escola seja um instituto de educação sido votadas no Congresso Federal duas delas – a intelectual, moral e physica.” 26 Lei Cambial e a Lei da Extradição – eram devidas O Instituto João Pinheiro foi um dos grandes a professores da Faculdade Livre de Direito.24 projetos educacionais do estado de Minas Gerais, Entre os projetos discutidos pelos membros do no qual podemos identificar em sua estruturação IAMG destacou-se a elaboração de um novo aspectos pedagógicos e assistenciais inspirados nas Código de Processo Civil e Comercial para o ideias liberais e republicanas. Prova disso é a ideia estado, publicado na Revista Forense. Nas seções do de que o Instituto seria uma pequena organização IAMG seus membros levavam para debate entre republicana em que cada pavilhão – homenageando seus pares, teses relevantes no campo jurídico, tal republicanos mineiros ilustres tais como Bueno como o fizera Mendes Pimentel ao debater “Quais Brandão, Mendes Pimentel, , Artur os limites do poder penal dos Estados”. Bernardes, Cesário Alvim, Leon Renault e Olegário Maciel – teria as características de um self Educação e assistência como prevenção à governement, portanto, lembrando-nos da criminalidade para Mendes Pimentel organização da república norte-americana, isto é, o self governement de suas antigas 13 colônias Esta relativa circulação de Mendes Pimentel inglesas. O Instituto João Pinheiro seria um pelo campo jurídico mineiro, suas relações com o exemplo para que diversas outras instituições campo de poder, seu relativo prestígio nos meios congêneres viessem a se organizar em Minas educacionais, assim como sua atuação na área Gerais como os patronatos agrícolas, buscando penal, fez-nos tomá-lo como referencial para que educar uma geração capaz de regenerar a terra de pudéssemos discutir a circulação das ideais Minas e também o Brasil. Educar essa geração jurídico-penais fundamentadas na criminologia implicava não lhe fossem empregados castigos positivista em Minas Gerais. Da mesma forma, qual físicos e sem o recurso à vigilância e repressão dos teria sido suas apropriações tomando por feitores que, dizia-se, ainda àquela época, eram referência a atuação de Pimentel, uma vez que, figuras recorrentes em outras instituições estivera ele, sempre próximo as discussões sobre educacionais no Brasil.27 as instituições jurídico-penais no estado, a exemplo O aspecto educacional do Instituto, diz Luciano de seu exercício na presidência da comissão de Mendes, além de voltar-se para a construção da reformas do sistema penitenciário encampada pelo República do Brasil voltar-se-ia também para a governador Antônio Carlos a partir de 1927. prevenção a criminalidade. Serviria ainda o João Assim sendo, comecemos a pensar sua atuação 24www.iamg.org.br/site/historico.htm Pinheiro de modelo para outras instituições acesso em 25 de outubro de 2006. frente à formação do Instituto João Pinheiro congêneres que seriam fundadas em Itajubá, Ouro (1909). Quando da elaboração dos estudos para a 25 FARIA FILHO, Luciano Mendes de. Fino, , e Ouro Preto. A República, trabalho e educação: a construção dessa instituição em Belo Horizonte, o Escola Superior de Viçosa seria, no “ilustrado” experiência do Instituto João Pinheiro governador Bueno Brandão recebeu da comissão (1909-1934). Bragança Paulista: governo de Artur Bernardes, mais um reflexo EdUSF, 2001, p. 15. que nomeara para estudar sua organização alguns desses projetos educacionais. Havia, assim, em 26 ARAÚJO, José Carlos. Os grupos dados que justificavam a “intervenção do governo nosso entender, uma visão em que se verificava, a escolares em Minas Gerais: a reforma mineiro na questão da assistência social, mais João Pinheiro (1906). Disponível em princípio, não somente uma desqualificação das http://www.faced.ufu.br/colubhe06/an particularmente no ‘socorro à criança classes subalternas, mas uma possibilidade de que ais/arquivos/19JoseCarlosSousa.pdf , p. 215 e 218-9, acesso em 11 de agosto abandonada’”.25 as mesmas pudessem ser envolvidas em de 2009.

É nesse ponto que podemos aprofundar um alternativas que evitassem-nas de se incorporar no 27 MINAS Geraes. A assistência à pouco mais as discussões que aqui estamos nos mundo da criminalidade. infância desvalida em Minas Gerais. Belo Horizonte: Imprensa Oficial do Estado propondo. O Instituto João Pinheiro pode ser de Minas Gerais, 1930, p. 75.

Temporalidades - Revista Discente do Programa de Pós-graduação em História da UFMG, vol. 2, n.º 1, Janeiro/Julho de 2010 - ISSN:1984-6150 - www.fafich.ufmg.br/temporalidades 142 Se a assistência pública não se apoderar da criança sugestão do meio ambiente que condena e despreza desamparada ela crescerá como planta daninha, os atos cruéis, o desejo de ganhar a amizade e a cujos frutos serão a ociosidade, a embriaguez, a estima, a família, entre outros. Lombroso entendia prostituição, o crime; na melhor hipótese, que o sucesso alcançado pelos pais ao adestrarem representará ela peso morto ou quantidade (ele reforça que é esta a palavra correta) seus filhos inexpressiva na dinâmica social; as mias das vezes, porém, constituirá o fermento da anarquia, filho contra os maus instintos, para a honra, o amor ao da ignorância e da impotência para a luta pela trabalho de um filho que era preguiçoso, pode vida, irá povoar os cárceres ou acabar nos alcançar a sociedade para com estes “criminalóides”. hospitais (Apud Regulamento, 1910, p.8).28 Porém, isso somente pode ocorrer quando se tratar do indivíduo desde a mais tenra idade para que as Em relação à assistência, Cesare Lombroso “tendências do mal” não venham a se enraizar em emitiu sua opinião em entrevista datada em sua alma e no seu espírito, tornando-se, assim, difícil dezembro de 1904 e reproduzida no jornal O a sua extirpação. Por isso, quando perguntado qual o Pharol em janeiro de 1905. Perguntado se meio mais eficaz para de lutar contra a criminalidade acreditava haver meios ou medidas no campo da diz que é a filantropia, mas sobretudo, aquela obra filantropia que poderiam ter êxito ou que cuida das crianças órfãs, pobres ou apresentassem uma vantagem real para corrigir ou abandonadas. Toda instituição filantrópica que diminuir a criminalidade, levantar o nível moral e recolhe crianças, as guarda, protege e acostuma-as social de um país, melhorar e enobrecer a raça ao trabalho representava para Lombroso, a forma humana e entre os meios que tem inventado a mais eficaz contra o crime.30 filantropia moderna, tais como escolas, salas de Embora não se possa afirmar que as ideias de trabalho, asilos, hospitais, propaganda contra o Lombroso fossem frequentes nas páginas da alcoolismo, qual julgava ser o mais eficaz e mais a imprensa o certo é que circulavam e traziam propósito para afastar da sociedade os elementos discussões importantes para a situação social ou 31 nocivos, transformando-os, em elementos úteis, ainda jurídico-penal naquele contexto. Em outro artigo, de agosto do mesmo ano, Lombroso Lombroso lembrou que, 28 FARIA FILHO, Luciano Mendes de. chamava a atenção para as mudanças nas práticas República, trabalho e educação: a assistenciais e filantrópicas e que viessem a permitir experiência do Instituto João Pinheiro Vou tratar de responder ao que me ao homem conquistar os seus devidos meios de (1909-1934), p. 18. perguntam, advertindo, porém, que as sobrevivência e subsistência. Contando a história 29 SMBMMM. O Pharol, 25 de janeiro minhas idéias e opiniões a respeito da de uma senhora francesa, madame Hervien, de 1905, p. 1, col. 1 e 2. philanthropia procedem estricta-mente das Lombroso destaca como a mesma conseguiu 30 SMBMMM. O Pharol, 25 de janeiro minhas doutrinas e dos meus estudos de através do incentivo a famílias operárias pobres, de 1905, p. 1, col. 1 e 2. anthropologia criminal. que estes se dispusessem a utilizar da terra para 31 SMBMMM. O Pharol, 21 de Enquanto houver homens no mundo haverá que viessem a prover o seu próprio sustento sem outubro de 1909. A morte do médico criminoso, do mesmo modo que sempre há de depender das ajudas mensais em dinheiro que a italiano também veio a ser noticiada na edição de O Pharol de 21 de outubro haver pretos-brancos, homens com seis dedos e mesma havia se cansado de atribuir aos que ela de 1909. Diz a nota que Lombroso gagos; há criminosos natos nos quaes dolorosa veio a falecer repentinamente em sua protegia. A ideia de madame Hervien é exaltada residência, à rua Monte Carlo, na fatalidade lançou os germens d’uma perversidade porque ocorreria uma espécie de pacto entre cidade de Turim. Judeu, Lombroso havia nascido em novembro de 1836. e d’uma insensibilidade irremediáveis, destinados aqueles operários que se dispusessem a trabalhar Estudara medicina em Turim e, e impulsados ao crime. Por ter tido occasião de com o sistema de hortas comunitárias, recebendo o grau de doutor, foi médico do exército, em início de observar e estudar muitos criminosos, estou possibilitando-lhes que parte dos ganhos auferidos carreira, professor de moléstias persuadido de que devemos fazer uma distincção com o plantio das hortaliças viessem a ser mentais em Pavia, diretor do Hospício de Pesara e professor de Psychiatria e entre as differentes classes de criminosos como a depositados na caixa econômica e quando medicina legal de Turim. Esteve fazemos entre os cegos de nascença, para os houvesse necessidade, poderia ser utilizado para o também às voltas com o romance e a 32 poesia nos primeiros tempos. Entre as quaes não ha remédio e os atacados de hepatites, socorro de algum associado. obras que escrevera, foram destacadas que se podem curar quase completamente A loucura na China e no Egypto; Estudos clínicos das molestias do cérebro (1865); recorrendo aos remédios convenientes.29 Diz Jacques Donzelot, que o crescimento das Diagnoses psychiatro-legaes ações filantrópicas e assistenciais pode ser experimental (1867); A loucura pellagrosa e seu tratamento (1868); O Lombroso entendia, assim, que entre os entendido como mais uma etapa da politização da homem branco e o homem de cor (1871); A loucura criminal na Itália criminosos natos e os de ocasião, a que chamava de questão social no ocidente. Segundo ele, a (1872); A microcephalia e o cretinismo “criminalóides”, e que constituem a maioria da repressão policial vai pouco a pouco sendo (1873); A medicina legal da alienação estudada pelo methodo experimental população carcerária, havia possibilidade de se fazer substituída por ações em que o objetivo final é (1873); O homem deliquente, estudo anthropologico e medico-legal (1875) – algo para que, principalmente estes, viessem a se dominar, pacificar e integrar o corpo social, esta sendo considerada sua obra constituir em indivíduos úteis à sociedade. Destaca desonerando o Estado liberal dessa obrigação capital, na qual veio a expor a teoria do deliquente nato – O homem gênio que, enquanto criança e adolescente, o homem se direta. Entre estas ações, podemos identificar o (1888); além da Anthropologia criminal e seus recentes progressos (1890). Nos diverte atormentando animais, inventando mentiras, incentivo à formação de poupanças familiares; a últimos anos de vida destaca-se que prioridade no tratamento da criança sobre o idoso, Lombroso estava se dedicando ao roubando frutas, enfim, uma série de atividades que estudo das “sciencias espíritas”, não necessariamente podem levá-lo a uma vida da mulher sobre o homem; a ação sobre as acompanhando o trabalho dos médiuns e revelando casos como o de adulta voltada para o crime. Entre os inúmeros habitações, a fim de se evitar a dissolução da Eusapia Paladino – médium italiana. fatores que levam-no à mudança em seu estilo de família, a ação sobre a escola para que se pudesse 32 SMBMMM. O Pharol, 17 de agosto vida, Lombroso destacava o cuidado da educação, a no futuro evitar a vagabundagem, a decadência de 1905, p. 1, col. 4 e 5.

Temporalidades - Revista Discente do Programa de Pós-graduação em História da UFMG, vol. 2, n.º 1, Janeiro/Julho de 2010 - ISSN:1984-6150 - www.fafich.ufmg.br/temporalidades 143 física, o roubo, a corrupção sexual e econômica e outro republicano envolvido com o Instituto João causada pela exploração dos pais; e também a Pinheiro – declarou ter meditado sobre a obra de atuação através de instituições tutelares, como Enrico Ferri37 (1856-1929) – assim como de João foram os chamados patronatos.33 Estas foram Pinheiro – outro intelectual que, como Lombroso, estratégias muito bem articuladas para que, sobre inseria-se nas discussões da criminologia positivista uma população que crescia vertiginosamente naqueles tempos. Enrico Ferri nasceu na durante todo o século da industrialização e que não Lombardia e além de jurista atuou também como tinha boas perspectivas de solução para seus professor na área de Direito Penal. Foi um problemas, despertasse o sentimento defensor do entendimento da sociedade por suas previdenciário nos pobres e se formatasse uma bases científicas deslisando, diferentemente de “paz social”. muitos de seus contemporêneos, para o campo das Écio Antônio Portes diz que ideias sociais. Foi autor de Sociologia Criminal em 1884 e trabalhou também como editor do (...) Mendes Pimentel tinha uma maneira periódico socialista Avanti!. Embora também viesse particular, para a época, de encarar a pobreza e a ser um estudioso das teorias do médico Cesare as conseqüências sociais do abandono das Lombroso, entendia que, ao contrário da busca por camadas populares à própria sorte, fatores de ordem fisiológica, os criminosos principalmente no que se refere à sua instrução e deveriam ser estudados ponderando-se fatores 34 formação moral para o trabalho. econômicos e sociais. Em uma de suas conferências proferidas no Brasil em 1908, Ferri dizia que: Destaca também que o poder público deveria dar maior atenção ao problema nacional por E quando os homens se resolverem a deixar de, excelência, qual seja, a educação, pois nada dizia simplesmente, ler os livros, para irem ou vir nos respeito tão de perto aos interesses da nação do cárceres as palpitações e as dores do deliquente, que a cultura que se difundiria para si e para seu 35 nesse momento será fácil de se verificar que elle povo a partir desta. Uma análise da trajetória é apenas um doente, para o qual é precizo, envez intelectual de Mendes Pimentel nos leva a perceber da pena, a clinica humana, irradiada pela caridade como o mesmo já tinha preocupações com um e a sciencia. Mas do que isso: não basta conhecer modelo educacional republicano e voltado para os o deliquente apenas. Alem das suas condições setores populares de longa data. De acordo com orgânicas, anômalas, é precizo examinar o Luciano Mendes, em 1896, o então deputado ambiente em que elle vive. Tão errado era a Mendes Pimentel propôs à Câmara dos Deputados affirmação primitiva de Lombroso – de que só as o estabelecimento do ensino técnico primário, condições orgânicas do criminoso o levam ao defendendo que a república deveria cumprir crime – como os de alguns criminalistas franceses imediatamente um de seus principais deveres: a como Tarde e Lacassagne, que procuram ver as educação popular. Mendes Pimentel acreditava que causas do crime só no ambiente social, como a se o povo não fosse educado tornar-se-ia mais miséria. suscetível a outras propostas políticas que não a Ambos peccam por unilateralismo. O criminoso dos republicanos e, neste caso, destacamos suas é um doente que delinqüe em conseqüência das restrições evidentes às ideias socialistas. suas condições orgânicas como em virtude do Entretanto, fica evidente que essa visão ambiente social. (...) Contra a moléstia do crime, republicana e liberal sobre as instituições públicas só existe um remédio efficaz verdadeiro e útil, o 33 DONZELOT, Jacques. A polícia das educacionais e assistenciais deveria afastá-las da qual conssiste na prevenção dos casos de famílias. 2 ed. Rio de Janeiro: Graal, presidência de um espírito em que estivesse criminalidade, que dizer que a sciencia fez nos 1986, 54-80 passim. esta advertência e dá nos esta lição: para os males predominando a caridade. 34 PORTES, Écio Antônio. Francisco sociaes são necessários remédios sociaes..38 Mendes Pimentel: “um homem de compreensão, de visão e de saber”, p. É preciso que nós, homens públicos e portanto 6. grifo nosso. previdentes, procuremos desde já incorporar o A trajetória de vida de Mendes Pimentel nos 35 PORTES, Écio Antônio. Francisco proletariado à nação, imprescindível que desde já chama a atenção, assim, por fugir à postura de Mendes Pimentel: “um homem de envidemos todo o esforço patriótico para educar muitos juristas brasileiros, contemporâneos seus, compreensão, de visão e de saber”, p. 7. o operário na escola do cumprimento dos defensores do discurso criminalista repressor e deveres cívicos, para quando o vagalhão do 36 desqualificante em termos raciais, ao que ele teria PIMENTEL, Francisco Mendes. socialismo atravessar de lado a lado o Atlântico e Francisco Mendes Pimentel, jornalista, vier quebrar-se estuarte às praias brasileiras, o conhecimento, levando-se em consideração os político, professor e jurista, p. 33. nosso proletariado esteja amparado para exercer programas da disciplina de Direito Criminal que 37 MINAS Geraes. A assistência à seus direitos e cumprir os seus deveres e não se 39 infância desvalida em Minas Gerais, p. lecionava na Faculdade Livre de Direito. Em 107 e 151. subverta, não pareça nos vórtices da anarquia, carta a Bueno Brandão em 20 de maio de 1909, 36 38 SMBMMM. O Pharol, 25 de arrastando consigo talvez a própria Pátria. dizia Pimentel: novembro de 1908, p. 2, col. 1 a 4, grifo nosso. Acabo de chegar do Instituto João Pinheiro que, Embora tenhamos identificado ressalvas de de propósito , não visitava há um mês, para 39 Cf. BN. PIMENTEL, Francisco Mendes Pimentel à criminologia positivista, em Mendes. Programa da Cadeira de Direito melhor poder ajuizar o modo por que ia sendo Criminal (3º ano). Belo Horizonte: correspondência que estabeleceria tempos depois praticada a bela criação de seu govêrno. Voltei Imprensa Oficial do Estado de Minas Gerais, 1922 (?). com Leon Renault, – intelectual do campo jurídico perfeitamente seguro de que é completo o êxito

Temporalidades - Revista Discente do Programa de Pós-graduação em História da UFMG, vol. 2, n.º 1, Janeiro/Julho de 2010 - ISSN:1984-6150 - www.fafich.ufmg.br/temporalidades 144 da obra de construção republicana e de Pimentel entende que exageros em relação à solidariedade humana que, não tendo sido o traço apropriação das mesmas foram feitos pelos único de sua fecunda administração, vinculou seu estudiosos do campo jurídico, isto já em 1912, nome ao coração mineiro, por ser largo gesto de época em que funda a revista A Assistência. amor e de bondade. Mesmo assim, em um de seus discursos na E apresso-me em lhe comunicar a minha impressão, porque V. me disse uma vez, e com Assembleia Legislativa de Minas Gerais, podemos tôda a razão, que tudo dependia do diretor, que perceber um “fio” que talvez nos direcione para a devia reunir tão várias e tão raras qualidades que o necessidade de alguns cuidados em relação ao Leon Renault está se revelando capaz da missão “embarque” no discurso dos intelectuais. Assim altíssima que V. lhe confiou: é amado e respeitado sendo, ao mesmo tempo em que nos parece uma dos meninos; desperta-lhes e cultiva-lhes os bons pessoa extremamente voltada para as questões sentimentos; ensina-os a amar o Instituto e a sociais emergentes no Brasil e em Minas Gerais no querer bem ao seu criador. O pavilhão já está início do século passado, Mendes Pimentel revela cercado de jardins, de hortas e do começo de um pomar, tudo plantado, cercado e trabalhado um perfil muito crítico em relação às teorias sociais exclusivamente pelos alunos. Diariamente emergentes naquele tempo, ou seja, ao socialismo trabalham 3 a 4 horas, na fazenda da Gameleira, marxista e ao anarquismo.43 Os projetos e as onde, atualmente, estão capinando alfafa, reformas sociais por ele defendidos e, em nosso colhendo algodão e chique-chique e fazendo entender, afastados da noção caritativa, ainda outros serviços. Já tem alguns trabalhos incipientes perceptíveis no imaginário político brasileiro até os na oficina de trabalhos manuais; taramelas, traçados de arame, fôrmas de latas para doces, dias de hoje, são vistos como uma forma de sufocar etc. Diariamente vão à aula primária. A boa o avanço destas ideias e de salvaguardar a ordem alimentação, a vida regular, o trabalho ao ar livre já política vigente, o mercado de trabalho e produziram seus resultados: todos os meninos consequentemente o capitalismo. Exemplo disso, estão fortes, corados e alegres; ainda não houve seria sua exaltação à postura alemã em relação aos um caso de enfermidade ligeira. A tôdas as seus estudantes pobres e ao seu proletariado, onde ocupações êles preferem a lavoura; o castigo é ser o ensino técnico foi muito bem organizado, de esperança de que o Instituto não minta a um de resultando na revolução industrial daquele país. seus fins econômicos – a formação de agricultores 40 Certamente isto não desqualifica a ação intelectual preparados e apaixonados pela lavoura.(...). de Pimentel. Trata-se de destacar os cuidados Outro exemplo de ressalvas ao excessivo necessários ao se analisar seu pensamento, assim racionalismo na área penal pode ser percebido como de outros intelectuais. No entender de quando Pimentel discursara em Belo Horizonte Pierre Bourdieu44, os intelectuais devem ser para os membros do VII Congresso de Medicina e entendidos na medida em que se inserem em um Cirurgia. Naquela ocasião, destacou a importância determinado contexto e ideologia, evitando-se da medicina para o saber jurídico, enfatizando o julgamentos de valor que acabem por torná-lo próprio Lombroso e Lacassagne como herói ou vilão no concernente a sua produção impulsionadores das correntes renovadoras do intelectual. Direito Criminal, assim como de Nina Rodrigues Da mesma forma pode ser discutida a ação de cujo trabalho sobre o Alienado no Direito Civil outros intelectuais do campo jurídico, Brasileiro, na concepção de Pimentel, seria uma das contemporâneos a Pimentel, tal como Evaristo de mais brilhantes colaborações nos trabalhos para a Moraes, Noé Azevedo, Brás de Souza Arruda e elaboração do futuro Código Civil Brasileiro.41 De Ataulfo de Pádua. Estes entendiam que as todo modo, Pimentel deixa claro na introdução de condições sociais – perigosas para a difusão das 40 CASASANTA, Guerino. Cor- teorias anarquistas e comunistas – deveriam ser respondência de Bueno Brandão. Belo seu pronunciamento que Horizonte, 1958, p. 149. melhoradas a partir da montagem de um círculo de proteção social que fosse capaz de desviar os que 41 BN. Setor de Periódicos. Com a theoria organicista puzemo-nos a fazer Assistência: órgão da assistência anatomia social e physiologia social, e não houve eram moral e materialmente abandonados do judiciária “Mendes Pimentel”, da membro, órgão, fibra na cellula do organismo Faculdade de Direito de Minas Gerais. mundo do crime.45 Oriundo de um grupo social Belo Horizonte, maio, 1912, p. 20. individual, que não encontrasse correspondente diferente daqueles que comumente atuavam no 42 no corpo social; só se lhe fallava, então, do BN. Setor de Periódicos. campo do Direito, defensor desde cedo do Assistência: órgão da assistência direito em estado hygido e em estado morbido, judiciária “Mendes Pimentel”, da na embriologia jurídica, na pathologia jurídica, na abolicionismo, adepto das ideias republicanas e Faculdade de Direito de Minas Gerais, p. 20. therapeutica jurídica (...). dotado de conhecimentos da criminologia, Evaristo Foi um exagero que passou; mas o exagero é a de Moraes atuou na defesa dos grupos sociais 43 BN. Setor de Periódicos. Assistência: órgão da assistência amplificação deformada da verdade, como a marginalizados, como as prostitutas e os judiciária “Mendes Pimentel”, da 42 trabalhadores das indústrias e de demais setores Faculdade de Direito de Minas Gerais, caricatura é o exagero da realidade. p. 34. urbanos, o que podia ser reflexo de suas próprias 44 BOURDIEU, Pierre. Campo de Ou seja, mesmo fazendo referências simpáticas origens sociais. No entender de Evaristo, a defesa poder, campo intelectual e habitus de às “ciências naturais”, inspiradoras do paradigma seria um direito destes grupos, entretanto, classe. A economia das trocas simbólicas. 6 ed. São Paulo: jurídico-penal vigente, isto é, a escola positivista, identifica-se em seu pensamento algumas posturas Perspectiva, 2007, p. 183-202.

Temporalidades - Revista Discente do Programa de Pós-graduação em História da UFMG, vol. 2, n.º 1, Janeiro/Julho de 2010 - ISSN:1984-6150 - www.fafich.ufmg.br/temporalidades 145 relativamente conservadoras em relação aos seus Gerais chegou, desse modo, a ter sua política clientes.46 assistencial comparada com aquela organizada por paulistas e fluminenses, chegando a dizer que a Considerações finais montagem do Asylo de Menores Abandonados no Rio de Janeiro convertia-se em um viveiro de Assim sendo, é possível perceber distinções em “malandrins”, uma vez que ao saírem dessa relação ao uso da criminologia positivista na instituição nada sabiam fazer. Assim também, seria trajetória intelectual, política e jurídica de Mendes quase idêntica, diz, a situação dos menores que Pimentel? Vejamos. Pelo que identificamos nos saíam da Escola Premonitória XV de Novembro e do estudos relativos à criminologia em estados como Instituto Profissional João Alfredo, também na capital, São Paulo e Rio de Janeiro percebe-se já há aos quais dizia acostumar os menores ao far bastante tempo um discurso político e jurídico que niente.49 A questão que colocamos ao final deste empreendia muitas campanhas em prol da artigo volta-se para pensar quais teriam sido as construção de instituições voltadas para “tratar” o apropriações e usos da criminologia positivista para criminoso. Em São Paulo, o Senador Paulo Egidio a montagem do sistema jurídico-penal em Minas foi um dos grandes defensores dessa bandeira no Gerais se tomarmos por consideração, por Senado estadual, propondo, com base nas posições exemplo, o período em que Mendes Pimentel tomadas no Congresso Penitenciário Internacional assumiu a coordenação do Conselho Penitenciário de 1872, a reforma das instituições paulistas, mas do estado, quando, ao que nos parece, pode com a reforma da legislação penal brasileira, instrumentalizar um pouco das questões que estabelecendo-se uma rede de instituições cujo buscava implantar no campo assistencial e objetivo estaria em combater o crime e tratar os educacional para com a população carcerária. criminosos. Entre estas instituições Fernando Salla destaca: estabelecimentos de asilos e casas de Neste período, adotou-se ‘o regime penitenciário trabalho para os vadios e mendigos, sociedades de misto, industrial-agrícola, dada a grande educação para as crianças abandonadas, asilos percentagem da criminalidade rural, agrícolas, asilos industriais, orfanatos, asilos e proporcionando à maioria dos detentos o habitual teor da vida em condições de semiliberdade; o estabelecimentos de educação para meninos trabalho mediante salário e a constituição de viciosos de um e de outro sexo, além de casas de pecúlio na Caixa Econômica; a aquisição de terras detenção e de prisão preventiva, estabelecimentos pelo egresso, facilitada pelo Estado; um sistema de industriais para a prisão disciplinar de delinquentes prisões regionais, providas de escolas e oficinas, menores, penitenciárias propriamente ditas, selecionando e encaminhando os presos ao órgão colônias agrícolas para os liberados coletor central.’ 50 condicionalmente e sociedades de proteção para os menores e para os adultos criminosos que Em um artigo publicado em 1951 na Revista da tiverem cumprido a condenação, caixas de seguro, Faculdade de Direito de Minas Gerais diz-se que 47 estabelecimentos para os inválidos do trabalho. Até 1927, os detentos em Minas Gerais se Por sua vez, ao se instalar o Instituto Disciplinar, derramavam pelas centenas de cadeias dos vários em 1903, por um projeto do mesmo Senador, municípios do Estado, tôdas em péssimas pode-se perceber claramente a filosofia jurídica sob condições de higiene. Nessas cadeias, sem a qual pensava Paulo Egídio. Assim, este projeto, qualquer regime de trabalho, numa ociosa promiscuiade, as sentenças eram cumpridas, mas 45 ALVAREZ, Marcos César. Bacharéis, baseado nas ideias da criminologia lombrosiana, juristas e crimino-logistas: saber jurídico previa o recolhimento de vadios, abandonados e o homem restituído à sociedade, em vício, e a Nova Escola Penal no Brasil, p. 181 cinismo e maus propósitos, era dez vêzes pior do e 188-9. pequenos criminosos além daqueles que entre uma que o criminoso no momento da prisão. 46 SILVA, Ana Paula Barcelos Ribeiro faixa etária de 9 a 14 anos tivessem agido com As Penitenciárias de Ouro Preto e Uberaba não da. Discurso jurídico e (des)qualificação discernimento. São nas críticas ao projeto de Paulo passavam de cadeias maiores, onde o moral e ideoló-gica das classes subalternas na passagem à Egídio, que nos inserimos para entender como se sentenciado podia encontrar trabalho em oficinas modernidade: Evaristo de Moraes. de sapateiro e carpintaria. (1871-1939). Niterói, 2007. deu o percurso das ideias e das instituições Dissertação (Mestrado em História). jurídico-penais em Minas Gerais. Assim sendo, o Mas, além da pobreza completa de higiene, a Instituto de Filosofia e Ciências promiscuidade tirava à pena qualquer função Humanas – Universida-de Federal Senador paulista Duarte de Azevedo chamava a Fluminense. Niterói. 2007, p. 48-53. atenção para o caráter amplamente repressor no educativa. Organizando o Conselho Penitenciário em 1927, o Presidente Antônio Carlos convidou 47 SALLA, Fernando. As prisões em São qual se baseava a proposta de seu colega e, Paulo (1822-1940). 2 ed. São Paulo: o grande jurista professor Mendes Pimentel para portanto, defendia uma postura mais educativa em Annablume/Fapesp, 2006, p. 155. Ver seu primeiro Presidente, encarregando-o de projeto do senador Paulo Egidio, 1896. relação àquele que estava se propondo com a estudar os planos para a inauguração, no Estado, 48 SALLA, Fernando. As prisões em São Paulo (1822-1940), p. 168-9. criação do Instituto Disciplinar, sendo mais de um sistema mais humano de corrigir os importante a difusão de escolas pelo estado.48 desajustados sociais. 49 MINAS Geraes. A assistência à Mendes Pimentel, com os professores Alexandre infância desvalida em Minas Gerais, p. Pensemos, assim, nos aspectos punitivos que 100. podem ser identificados na montagem de outras Drumond, Estêvão Pinto e Magalhães Drumond, lançou as bases de uma grande obra destinada a 50 PIMENTEL, Francisco Mendes. instituições a exemplo do Rio de Janeiro. Minas Francisco Mendes Pimen-tel, jornalista, remover as graves falhas das prisões em Minas político, professor e jurista, p. 9.

Temporalidades - Revista Discente do Programa de Pós-graduação em História da UFMG, vol. 2, n.º 1, Janeiro/Julho de 2010 - ISSN:1984-6150 - www.fafich.ufmg.br/temporalidades 146 Gerais, onde definhava a saúde do detento, cujo caráter apodrecia rolando num plano inclinado, até a mais baixa degradação (...).51

Evidentemente, compete-nos todo um cuidado em relação às fontes e, principalmente, em relação àqueles que detêm o poder da legitimação da violência, mas, pelo expresso nessa citação, qual seria o perfil evidenciado por Sette Câmara em relação à postura assumida pelo Conselho Penitenciário e por seus diretores no que tange às prisões e aos presos? 4. Por este quadro acreditamos ter sido possível problematizar a questão das instituições jurídico- penais em Minas Gerais nessa passagem do século XIX ao XX. Longe de procurar negar a existência de ideias da criminologia em Minas Gerais entendemos que a apropriação da mesma teve suas diferenças em relação a outras regiões brasileiras, levando-se em consideração a formação de seu campo jurídico, assim como as possibilidades de se entender o pragmatismo da cultura política e jurídica naqueles tempos. Neste processo, entendemos que a ação assistencial e filantrópica, pública ou privada, tiveram importante papel no tratamento de um setor da população que estava sendo criminalizado na passagem à modernidade. Atreladas à postura intelectuais de Pimentel, isto é, defensor de projetos capazes de prevenir as tensões sociais a partir, por exemplo, de projetos educacionais voltados para a qualificação profissional, levamo-nos a defender esse ponto de vista numa tentativa de caracterizar o sistema jurídico-penal em Minas Gerais.

51 BN. Setor de Periódicos. SETTE CÂMARA, José R. Sistema Penitenciário em Minas Gerais. Revista da Faculdade de Direito de Minas Gerais

Temporalidades - Revista Discente do Programa de Pós-graduação em História da UFMG, vol. 2, n.º 1, Janeiro/Julho de 2010 - ISSN:1984-6150 - www.fafich.ufmg.br/temporalidades 147