Francisco Mendes Pimentel: o intelectual, a política e a ideias jurídicas Jefferson de Almeida Pinto Professor do IFES, Ciência e Tecnologiado Sudeste de Minas Gerais – Campus Juiz de Fora Doutorando em História – Universidade Federal Fluminense - UFF [email protected] Resumo: Este artigo trabalha a circulação de ideias jurídico-penais em Minas Gerais tomando por referência a trajetória intelectual, política e jurídica de Francisco Mendes Pimentel. A partir dos seus posicionamentos em relação aos setores mais empobrecidos da população propomos uma discussão relativa à criminologia positivista, suas apropriações e usos no estado. Palavras-chaves: circulação de ideias, apropriação e usos, criminologia positivista. Abstract: This article works the circulation of legal-criminal ideas in Minas Gerais taking for reference the intellectual trajectory, pol- itics and legal of Francisco Mendes Pimentel. From its positionings in relation to the sectors poor of the population we consider a rel- ative quarrel to the positivista criminology, its appropriations and uses in the state. Keywords: circulation of ideas, appropriation and uses, positivista criminology. Introdução: procedendo ao que pode ser chamado de criminalização da pobreza. Seu referencial teórico ste artigo insere no plano dos estudos relativos seria, assim, sustentado por um grupo de Eà circulação e apropriação de ideias jurídico- intelectuais que, do século XIX, às primeiras penais no Brasil que temos realizado. Neste, décadas do século XX, estarão no centro das interessa-nos discutir como a inauguração de um discussões relativas às ideias jurídico-penais, paradigma legalista na passagem à modernidade quando então primava-se por uma modernização contribui para uma mudança na postura política dos das práticas penais como forma de se resolver, Estados em relação às formas de se punir e assistir, acreditava-se, muitos de nossos problemas sociais sobretudo as parcelas mais empobrecidas de sua e cujos reflexos (ou sintomas) podem ser população. A fundação desse paradigma legalista no percebidos, por exemplo, na presença do campo do Direito implicou em uma ação da lei e da evolucionismo, num primeiro momento darwinista, justiça oficial como instrumentos típicos de depois spenceriano e, por fim, refletidos na 1 Cf. HESPANHA, Antônio Manuel. Lei e justiça: história e pros-pectiva de controle do Estado liberal. Tem-se a ideia do que antropologia criminal do médico italiano Cesare um paradigma.___________. Justiça e litigiosidade: história e prospectiva. Antonio Manuel Hespanha chama de a “fantasia da Lombroso (ou ainda de intelectuais como Enrico Lisboa: Fundação Ca-louste lei”, em que esta seria capaz de substituir todas as Ferri, Rafaelle Garofalo, Gabriel Tarde etc.) e Gulbenkian, s/d., p. 7-50. tecnologias de controle social presentes até então, presentes nos escritos acadêmicos e nos a exemplo da Igreja e da família e, no caso do Brasil, programas de curso das escolas de Direito 2 Os seguidores da Criminologia Positivista (ou ainda Escola Positivista poderíamos pensar no controle exercido sobre os influenciados, desse modo, pelo que ficou de Direito Penal) entendem que o crime está diretamente relacionado trabalhadores no interior da própria unidade conhecido como criminologia positivista. 2 aos fatores biológicos. Não haveria, produtiva quando do predomínio do sistema então, crimes e sim criminosos e o Em seus aspectos mais específicos interessa-nos direito penal passaria a adotar escravista.1 discutir como estas ideias circularam em Minas princípios em que a pena direcionar- se-ia para uma indeterminação e uma Tal situação levou, assim, a um novo Gerais, levando-se em consideração a atuação de individualização, isto é, tal como um médico, o penalista aplicaria um procedimento das autoridades de controle social intelectuais do campo jurídico nos fóruns e nas "remédio" diferente a cada um de seus para com os setores subalternos que, embora promotorias, autoridades de controle social como pacientes. Há, portanto, uma pré- disposição biológica para o pudessem alcançar, mesmo que de maneira delegados e subdelegados de polícia, políticos, crime/criminalidade diferente da postura de muitos juristas e estudiosos limitada, ganhos políticos e consequentemente entre outros. Certamente, as relações desses das ciências penais que defendem que cidadãos, em função de uma flexibilidade maior nas agentes com o campo de poder possibilitou que o crime seria uma questão de escolha, ou seja, seria uma questão de livre- relações sociais a partir das grandes revoluções fossem as mesmas estendidas, ou que de certo arbítrio. Pode-se dizer que os estudos de Cesare Lombroso (1835-1909) burguesas e sociais do longo século XIX, se viram, modo influenciassem, na formação e instalação de foram impulsionadores desta postura por outro lado, mais uma vez excluídos em função seu sistema jurídico-penal, isto é, de suas analítica tendo como um de seus grandes seguidores no continente de uma nova onda racionalista que contribuía para instituições jurídico-penais numa ótica moderna, americano o ítalo-argentino José Ingenieros (1877-1925). Cf. LIMA, a análise dos fenômenos sociais advindos com a tais como as prisões, penitenciárias e outros Oscar Negrão de. O crime e o Revolução Industrial, cientificizando-os com base estabelecimentos asilares que também faziam parte criminoso. In: Revista Forense. Doutrina, jurisprudência e legislação. em uma leitura biologista dos setores subalternos do escopo dessas concepções penais, uns com fins Vol. LXV. Belo Horizonte: Imprensa Oficial do Estado de Minas Gerais, e, por conseguinte, desqualificando-os, ou ainda, educativos e regeneradores e outros com fins 1935. Temporalidades - Revista Discente do Programa de Pós-graduação em História da UFMG, vol. 2, n.º 1, Janeiro/Julho de 2010 - ISSN:1984-6150 - www.fafich.ufmg.br/temporalidades 138 assistenciais. Que discurso jurídico-penal pode ser controle no pós-abolição. Naquele tempo, tornava- 3 Cf. GINZBURG, Carlo. Nenhuma ilha é identificado em meio à elite bacharelesca mineira se constante o discurso em relação à segregação uma ilha. Quatro visões da literatura inglesa. São Paulo: Cia. das Letras, 2004. na passagem do Império à República? Seriam os dos pobres "válidos" dos "inválidos" para o trabalho mesmos existentes em São Paulo e Rio de Janeiro? a fim de que os primeiros pudessem tornar-se 4 Mendes Pimentel nasceu no bairro de Laranjeiras, cidade do Rio de Janeiro em Como aludiremos no transcorrer deste texto, visíveis aos olhos das autoridades policiais e, sendo 1869, e muito jovem veio para Minas Gerais. Formou-se em direito em 1889 em São entendemos que essa bandeira cientificista que se assim, reprimidos e inseridos nas unidades Paulo, exercendo o cargo de promotor em assiste no Brasil desde meados do oitocentos e que produtivas que, como destacavam, tanto Queluz, atual cidade de Conselheiro Lafaiete. Em 1894 foi candidato a deputado encontrou entre os positivistas um fértil meio de 7 estadual e relator da comissão de instrução necessitavam de trabalhadores. Para além do pública. Foi ainda o primeiro Reitor da propagação não reinou sem que algumas vozes lhe mercado de trabalho, a construção da sociedade Universidade de Minas Gerais que viria a ser fossem dissonantes e que, como vamos defender, fundada em 7 de setembro de 1927 em Belo republicana implicava uma discussão em relação ao Horizonte pelo então governador Antonio acabaram por impor-lhe alguns limites, no tocante, Carlos Ribeiro de Andrada. Por lá ficou até ideal de indivíduo e nação. Em relação ao indivíduo 1930, quando eclodiram os conflitos por exemplo, às perspectivas em relação ao ideal muito se destacava a necessidade de trazer relativos ao decreto federal nº 19.404 de 14 de nação. Partimos, assim, da concepção exposta de novembro daquele ano, que "resolvia imigrantes que pudessem contribuir com a fazer passar de ano e formar sem exames os por Carlo Ginzburg de que “nenhuma ilha é uma estudantes e concluintes de cursos de todo formação do futuro trabalhador nacional o território nacional"; provocando nos ilha” para entendermos as trocas e a circulação de disciplinado e higienizado. Desse modo, o discurso estudantes e professores a defesa da ideias e de pensadores discutindo os principais autonomia econômica, administrativa e cientificista e racial, presente nas ideias jurídicas em didática da instituição, o que levou o paradigmas políticos, jurídicos e sociais para além Conselho Universitário a não acatar a fins do século XIX e início do século XX fora decisão do governo. Além de professor de centros produtores do saber jurídico como identificado, por exemplo, em São Paulo, por Pimentel foi também jornalista, colaborando podem ser os casos de São Paulo, Pernambuco ou com muitos periódicos, jurídicos ou não, Marcos César Alvarez8 ao se basear na produção que circularam por Minas Gerais em fins do ainda o Rio de Janeiro bem como as suas século XIX e início do século XX, como A de textos acadêmicos da Faculdade de Direito Folha de Barbacena, o Diário de Minas e respectivas apropriações e usos.3 Jornal do Povo de Belo Horizonte. Em daquela capital. Isto nos leva a uma discussão especial atuou como fundador e Para que possamos conduzir essas discussões levantada também por Lilia Schwarcz quanto a uma proprietário da Revista Forense (1904) e da revista Assistência (1912), esta vinculada a tomaremos por base a trajetória individual de maior flexibilidade dos mineiros em relação a um Assistência Judiciária Mendes Pimentel. 4 Sobre Mendes Pimentel cf. tb.: MACHADO,
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