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Diagnóstico Territorial da Economia Popular Solidária

Sisal e Piemonte Norte do /BA

Senhor do Bonfim, outubro de 2016 02 Diagnóstico Territorial da Economia Popular Solidária – Sisal e Piemonte Norte do Itapicuru/BA

Ficha Técnica

Realização e Apoio Grupo Regional de Economia Popular Solidária - GREPS Ministério de Trabalho – Secretaria Nacional de Economia Solidária – SENAES Convênio 791562/2013 Secretaria Estadual de Trabalho, Renda, Emprego e Esporte – SETRE/SESOL/BA Sebrae Nacional – Convênio 035/2014

Coordenação Associação Regional dos Grupos Solidários de Geração de Renda - ARESOL Fundação Grupo Esquel Brasil/Vencer Juntos

Equipe Rogério Guilhermino de Oliveira Elisandra Simões Ribeiro José Isanilton Araujo da Silva Caliane Moura Nunes Luís de Oliveira Costa

Coordenação Editorial/Redação Final Simaia dos Santos Barreto Luiz Augusto Bronzatto Barbara Schmidt Rahmer

Projeto Gráfico e Editorial Paulo Roberto de Oliveira

Fotos Fundação Grupo Esquel Brasil Márcio Donizeti Otávio Laura Dubois CESOL

Desenho da Capa Elisandra Simões Ribeiro 03

Realização e Apoio

Convênios 04 Diagnóstico Territorial da Economia Popular Solidária – Sisal e Piemonte Norte do Itapicuru/BA Sumário

1. APRESENTAÇÃO 5

2. CARACTERIZAÇÃO TERRITORIAL 6 2.1 Breve Apresentação do Território ...... 6 2.2 História ...... 8 2.3 Perfil Socioeconômico do Território e Identificação da População Alvo para Ações de Economia Solidária...... 10

3. A ECONOMIA POPULAR SOLIDÁRIA NO TERRITÓRIO 27 3.1 Histórico da Economia Popular Solidária no Território ...... 28 3.2 Distribuição Geográfica dos Empreendimentos...... 40 3.3 Perfil dos Empreendimentos...... 41 3.4 Meio –Ambiente...... 48 3.5 Comercialização...... 51 3.6 Crédito e Finanças Solidárias...... 57 3.7 Conhecimentos: Educação, Formação e Assessoramento...... 61 3.8 Ambiente Institucional: Legislação e Integração de Políticas Públicas...... 65

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS 68

5. BIBLIOGRAFIA 69

6. ANEXOS 71 05 1. APRESENTAÇÃO

Este documento retrata um dos importantes conjuntos de experiências de Economia Popular Soli- dária - ECOSOL, que nasceu e atua em parte dos municípios dos Territórios do Sisal e Piemonte Norte do Itapicuru: as experiências que fundaram e são filiadas ao Grupo Regional de Economia Popular e Solidá- ria – GREPS, com foco maior na Associação Regional dos Grupos Solidários de Geração de Renda – ARE- SOL, um dos membros fundadores. A ARESOL nasceu de um projeto da Pastoral da Criança, vinculada à Igreja Católica na Diocese Bonfim. Diocese é uma unidade geográfica de organização da Igreja que não coincide com os territórios administrativos do Estado. No decorrer da sua história, a atuação da ARESOL se extendeu para além do território da Diocese, para o município de Uauá.

Os municípios incluídos no presente diagnóstico são aqueles onde o trabalho da ARESOL e dos demais membros do GREPS ganhou sua maior expressão: , Antônio Gonçalves, Cansanção, , Filadélfia, Itiúba, Monte Santo, Pindobaçu, Queimadas, e Uauá.

Para efeito deste diagnóstico entende-se por Economia Popular Solidária um modo de produzir, comercializar, consumir e financiar empreendimentos e empreendedores norteados por valores como cooperativismo, associativismo, solidariedade, autogestão, busca pelo bem comum, centralidade no ser humano, e um modo de organização com propriedade coletiva dos bens e dos resultados da produção.

É importante esclarecer no início que este diagnóstico não representa um retrato completo da economia popular solidária nos dois Territórios de Identidade: acontece que o Território Sisal abriga vários polos e várias fortes redes de economia popular solidária, cada uma com sua própria história e dinâmica. Deve-se tratar de uma das regiões no Brasil com mais alta concentração de experiências bem sucedidas de economia popular solidária, e merece estudos mais aprofundados. Vale registrar aqui os demais polos de economia popular solidária presentes nos Territórios que não recebem um tratamento aprofundado neste diagnóstico: No Território do Sisal, a APAEB em Valente e a Arcosertão/Armazem da Economia Solidária em ; e em Uauá (município que fica no Território Sertão do São Francisco), a Coopercuc.

Este documento é resultado de um processo de mobilização e sensibilização dos atores locais vin- culados ao GREPS no intuito de realizar um balanço e sistematizar a trajetória do movimento, de retratar e analisar a situação atual e mapear as perspectivas futuras. Esse exercício faz parte da mobilização nacional em torno da III Conferência Nacional de Economia Solidária (III CONAES) que previu a constru- ção de planos territoriais, estaduais e nacional de Economia Solidária no período 2014-2015. Assim, o presente diagnóstico é o primeiro passo na construção do plano territorial.

Um plano de tal natureza tem como objetivo geral servir como instrumento orientador de uma plataforma de constituição de rede territorial de economia popular solidária enquanto estratégia re- novada de promoção do desenvolvimento no território. Os objetivos específicos do Plano Territorial de ECOSOL são: a) tornar visíveis e fortalecer EES ou iniciativas locais já existentes; b) ativar novos empre- endimentos e iniciativas; c) ativar mecanismos de articulação institucional; d) estabelecer vínculos e relações (de natureza tanto econômica quanto não econômica) entre os diferentes empreendimentos, iniciativas e instâncias institucionais (governamentais e da sociedade civil) no intuito de orientar a ação em rede dos mesmos e de reivindicar políticas públicas de apoio à Economia Popular Solidária que pro- movam o desenvolvimento territorial.

Em termos práticos, o intuito do Plano Territorial de Economia Popular Solidária é o estímulo ao planejamento adequado de ações que promovam à geração de trabalho e renda vinculada ao próprio desenvolvimento humano no território, por meio da constituição e/ou fortalecimento tanto de empre- endimentos sócio-produtivos voltados preferencialmente para produção, prestação de serviços e con- sumo locais, quanto da criação e fortalecimento de iniciativas de natureza sociocultural, sócio-política e/ou socioambiental dedicadas também à gestão de certos serviços públicos e comuns às localidades. 06 Diagnóstico Territorial da Economia Popular Solidária – Sisal e Piemonte Norte do Itapicuru/BA Para realizar o diagnóstico, as principais redes de empreendimentos da economia solidária (EES) e entidades de apoio e fomento (EAFs) filiadas ao GREPS se juntaram para promover uma série de en- contros e oficinas, assim como, uma pesquisa de campo. São elas: a Associação Regional dos Empreen- dimentos Solidários de Geração de Renda - ARESOL, Associação Regional da Escola Família Agrícola do Sertão - AREFASE, Associação Regional da Escola Família Agrícola de Itiúba - AREFAI, Central das Associa- ções Comunitárias de Ocupantes e Assentados do Semiárido Baiano - COASB, Central das Associações de Fundo e Fecho de Pasto - CAFFP, Coordenação Regional da Agricultura Familiar - CAF; Movimento dos Pequenos Agricultores – MPA, Pastoral da Juventude Rural - PJR, Comissão Pastoral da Terra -CPT, CACTUS e Comunidade Kolping.

Este documento está estruturado em três capítulos. O primeiro é esta apresentação, que tem como objetivos apresentar conceitualmente do que se trata um diagnóstico e plano territorial de Eco- nomia Popular Solidária, a concepção de unidade territorial adotada neste relatório, assim como a sua estrutura. O segundo capítulo, chamado “Caracterização do Território” busca apresentar de maneira transversal os territórios do Sisal e Piemonte Norte do Itapicuru com informações sobre a realidade geo- gráfica, demográfica, social, cultural, institucional e econômica do território. Este segundo capítulo tem como objetivo compreender as demandas, as potencialidades e fragilidades territoriais que guiarão o processo de definição de áreas estratégicas para criação dos Empreendimentos de Economia Solidária.

Por fim, no terceiro capítulo, chamado “A Economia Popular Solidária no Território” tem como ob- jetivos: 1) Mapear os diferentes atores (de ECOSOL ou não), políticas e instituições que podem contribuir com a criação, desenvolvimento e fortalecimento de Empreendimentos Econômicos Solidários; 2) Apro- fundar informações sobre os Empreendimentos Econômicos Solidários, Entidades de Apoio e Fomento e Redes de ECOSOL que possibilitem guiar as suas ações de intervenção e suporte. Com esse último objetivo, o que se busca é identificar pontos fracos e fortes nos EES (produção, comercialização, acesso ao crédito etc.), assim como no seu suporte técnico-institucional, que possibilitem criar estratégias de ação para fortalecê-los e dinamizá-los.

O diagnóstico exposto, objetiva nortear o planejamento estratégico da Economia Popular Solidária local, portanto, caberá neste documento destaque e análise acerca da estruturação da Economia Popu- lar Solidária nos municípios supramencionados. Dessa forma, estarão presentes: uma contextualização da realidade dos territórios, uma sistematização dos indicadores sociais locais (IDH, ocupação, renda, escolaridade), um retrato da dimensão econômica (trabalho, produção, comercialização) e por fim, uma apresentação e breve análise dos dados coletados acerca da Economia Popular Solidária, bem como, seus entrelaçamentos com algumas políticas públicas.

2. CARACTERIZAÇÃO TERRITORIAL

2.1 Breve Apresentação do Território

O Território de Identidade Piemonte Norte do Itapicuru insere-se no bioma Caatinga e compreende uma área de 14.123,0 km², equivalente a 2,4% do território do Estado, sendo composto por nove municí- pios: Andorinha, Antônio Gonçalves, Calderão Grande, Campo Formoso, Filadélfia, , Pindobaçu, e Senhor do Bomfim. A população total do Território foi de 261,9 mil em 2010, sendo que boa parte dessa população se concentra nas duas maiores cidades, Senhor do Bonfim, como 74,4 mil e Campo Formoso, com 66,6 mil habitantes, respectivamente. Existem no Território 11,1 mil estabeleci- mentos de agricultura familiar e 57 comunidades remanescentes de quilombo. O Território tem como principais arranjos produtivos rurais a caprinocultura/ovinocultura e o cultivo de sisal. A caprinocultura/ ovinocultura é incipiente nessa região. O arranjo é executado de forma extensiva e configura uma ativi- dade predominantemente familiar, se dividindo com outras atividades. O cultivo de sisal tem uma pro- 07 dução fundamentalmente familiar, apesar de alguns registros de unidades de produção com natureza empresarial. A maioria das unidades de produção é de pequeno porte, no entanto, a detém 87% da produção brasileira de sisal, concentrada em sua maior parte na região semiárida baiana. O Território também apresenta atividades de mineração, como a exploração do cobre em Jaguarari e a exploração das jazidas de Campo Formoso – esmeralda, mármore e cromita. As principais vias de transporte que passam pelo território são a BR-407 e a via férrea RFFSA. (Bahia: SDR, Perfil Sintético do Território)

O Território do Sisal abrange uma área de 20.454,29 km2 e é formado por vinte municípios: , , , , Cansanção, Conceição do Coité, , Itiúba, Lamarão, Monte Santo, Nor- destina, Queimadas, , Retirolândia, , São Domingos, Serrinha, Teofilândia, Tucano e Valente. Faz divisa com os municípios dos territórios do Semiárido Nordeste II, Sertão do São Francisco, Piemonte Norte do Itapicuru, Piemonte da Diamantina, Bacia do Jacuípe, Portal do Sertão, Agreste de / Litoral Norte. Localizada no semiárido, é uma região com baixa incidência de chuvas e afe- tada pelas secas. Há escassez de recursos hídricos, incluindo-se apenas a bacia do rio Itapicuru em seu território. A região é cortada pela BR-116 e a linha férrea RFSA que faz o percurso Alagoinhas a .

Na economia, destacam-se a agricultura (Sisal e Agave); o extrativismo de subsistência (licuri, man- gaba, umbu, castanha-de-caju, feijão, milho e mandioca); a pecuária (caprinos e ovinos); e a mineração (ouro, areia, arenoso, argila, cromo, pedra de revestimento e pedra ornamental). A população total do território é de 582.331 habitantes, dos quais 333.149 vivem na área rural, o que corresponde a 57,21% do total. Possui 58.238 agricultores familiares, 2.482 famílias assentadas, duas comunidades quilombo- las e um território indígena. Seu IDH médio é de 0,60. O Território do Sisal foi classificado pelo MDA como Território de Cidadania e inclui alguns dos municípios com IDH e PIB per capita mais baixo do Estado.

A análise mais profunda de dados e informações a seguir refere-se aos municípios de atuação do GREPS, conforme o quadro: 08 Diagnóstico Territorial da Economia Popular Solidária – Sisal e Piemonte Norte do Itapicuru/BA Para finalidade deste diagnóstico, chama-se de “Território de Economia Popular Solidária” o con- junto dos municípios estudados. O Mapa mostra a localização dos EES no Território:

2.2 História

A história da região está ligada à introdução da criação de gado e à busca de ouro e pedras precio- sas no sertão baiano. Como o governo proibia a criação de gado no litoral para não prejudicar o plantio da cana-de-açúcar, a opção foi a abertura de currais no sertão, próximo aos rios e riachos. A formação do seu povo se deu através da fusão entre índios e portugueses, tropeiros, vaqueiros, bandeirantes e desbravadores que ocuparam o território, dando inicio à construção de uma cultura local essencial para formação do povo brasileiro. (Ribeiro, 1995).

No Território da Economia Popular Solidária a cultura espiritual e material tem um grande signi- ficado. A religiosidade popular deve muito à relação com missionários que atuaram no final do século XIX e na primeira metade do século XX. A fé também é um elemento fundamental para o fortalecimento religioso e a resistência para enfrentar a dureza da vida e dominação politica da época. É neste contexto que surge o cangaço e a Guerra de , que até hoje representa a luta do povo por direitos iguais. 09 No final do século XIX surge a figura de Antônio Conselheiro que já peregrinava pelos sertões, a fazer e a arrastar fiéis por onde passava. Segundo Euclides da Cunha, “em toda a região, cidade ou povo- ado não havia onde ele aparecido não tivesse, e sua entrada seguido pela multidão contrita, em silêncio, alentando imagens, cruzes e bandeiras do Divino, era solene e impressionadora”.

Antônio Conselheiro fundara, em 1893, o arraial de Monte Belo, celebrizado como Canudos, em que agremiava não apenas baianos, senão caboclos oriundos de todos os Estados limítrofes, desde o ta- baréu crendeiro ao cangaceiro remido do crime pela religião de acordo com princípios igualitários muito próximos do comunismo dos primitivos cristãos.

Os grandes fazendeiros da região, unindo-se à Igreja, iniciaram um forte grupo de pressão junto à República recém-instaurada, pedindo que fossem tomadas providências contra Antônio Conselheiro e seus seguidores. Criaram-se rumores de que Canudos se armava para atacar cidades vizinhas e partir em direção à capital para depor o governo republicano e reinstalar a Monarquia.

Apesar de não haver nenhuma prova para estes rumores, o Exército foi mandado para Canudos. Três expedições militares contra Canudos saíram derrotadas, o que apavorou a opinião pública, que aca- bou exigindo a destruição do arraial, dando legitimidade ao massacre de até vinte mil sertanejos. Além disso, estima-se que cinco mil militares tenham morrido. A guerra terminou com a destruição total de Canudos, a degola de muitos prisioneiros de guerra, e o incêndio de todas as casas do arraial.

Canudos carrega algumas peculiaridades. Foi um Movimento que concentrou uma grande massa, teve uma forte e decisiva marca messiânica, transformou-se numa guerra civil e para a sua destruição foi mobilizada toda uma força militar nacional, tornando-o, assim, assunto de discussão em todo Brasil.

Museu histórico de Canudos com Escultura de Antônio Conselheiro 010 Diagnóstico Territorial da Economia Popular Solidária – Sisal e Piemonte Norte do Itapicuru/BA

Pintura retratando Canudos antes da guerra. Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Guerra_de_Canu

2.3 Perfil Socioeconômico do Território e Identificação da População Alvo para Ações de Economia Solidária

Para compreender a abrangência e importância do movimento de Economia Popular Solidária e seus atores principais nos municípios estudados, é essencial compreender o contexto ambiental, social e econômico onde o movimento se insere. Assim, nesse tópico são expostas informações acerca dos municípios de Andorinha, Antônio Gonçalves, Cansanção, Campo Formoso, , Filadélfia, Itiúba, Monte Santo, Uauá, Pindobaçu, Queimadas, Senhor do Bonfim. Sendo evidenciados dados, como a localização geográfica, seus respectivos climas, hidrografia, vegetação, bem como, índices econômicos, sociais, sociodemográficos, no intuito de contextualizar o ambiente estrutural no qual a Economia Popu- lar Solidária se desenvolve e prolifera. Assim, as exposições estão acompanhadas de breves análises dos dados aqui expostos, quando for possível.

2.3.1 Meio-Ambiente e Cultura

O Território de Economia Popular Solidária situa-se na área central do polígono da seca com clima semiárido, caracterizado pela escassez e irregularidade de chuvas, com duas estações chuvosas ao ano1. A vegetação predominante é a Caatinga, contudo o município de Senhor do Bonfim abriga algumas par- ticularidades como por exemplo, áreas de transição com florestas estacionais semidecíduas e vestígios de mata atlântica (denominados como grotas). De modo geral, as precipitações pluviométricas ocorrem entre os meses de novembro e abril, sendo março o mês com maior índice pluviométrico. As secas mais rigorosas ocorrem nos meses de agosto a outubro e a pluviosidade média anual varia entre 400 e 700 mm. A maioria dos municípios apresenta um subsolo com rocha de embasamento cristalino com pouca 1 Nos últimos anos a irregularidade pluviométrica foi reduzida drasticamente em virtude das secas que assolaram a região rever- berando na diminuição das atividades produtivas. 011 água e com alta concentração de sais, sendo imprópria para o consumo humano ou para pequenas ir- rigações. O rio Itapicuru com nascente em percorre boa parte da região, destacando-se como importante potencial hídrico, contudo parte dos municípios carece de riquezas hídricas perenes.

Os municípios estudados têm uma dinâmica de perdas constantes com as culturas tradicionais, como acontece na maior parte do Semiárido, devido às chuvas serem irregulares tanto em quantidade, quanto no tempo e na distribuição geográfica. Muitas culturas como o milho, voltado para o autoconsu- mo, a mandioca, a mamona, o feijão, o fumo, sisal e algodão, estão em crise crônica devido à escassez de água. No entanto, houve um aprendizado cultural e social no convívio com as adversidades impostas pelas condições do ambiente, a partir da atuação de diversas organizações sociais que incentivaram inúmeras práticas de valorização de culturas e práticas adequadas ao desenvolvimento econômico local. De forma que é notável o protagonismo político das mais diversas organizações e movimentos sociais, que constituem espaços de mobilização de trabalhadores e de trabalhadoras e vem desenvolvendo um importante papel na construção de alternativas ao desenvolvimento sustentável na região. Outro ele- mento significativo na região diz respeito ao número expressivo de comunidades remanescentes de qui- lombo. Também é importante ressaltar o protagonismo das comunidades tradicionais de fecho e fundos de pasto2 com expressiva atividade na produção agroextrativista e criação de caprinos e modo peculiar de organização e trabalho no campo e o uso comum da terra.

O Território abriga uma diversa e rica identidade e patrimônio cultural, bem como as potenciali- dades turísticas. No aspecto cultural, sobressai-se o reisado, o samba de lata, samba de pé, sanfoneiros, samba de roda, rituais da cultura afro como a roda de terreiro, congada, as festas populares dos santos: Antônio, Pedro e João. São algumas das manifestações culturais tradicionais que continuam resistindo, destacando-se como importante valor simbólico imaterial do território. No que se refere ao turismo é possível identificar um enorme e variado potencial turístico nos diversos municípios, por exemplo, o potencial turístico religioso em Monte Santo, os importantes sítios paleontológicos, cavernas, a maior gruta em extensão do Hemisfério Sul, a Toca da Boa Vista em Campo Formoso, belezas naturais próprias da caatinga, cachoeiras, entre outras potencialidades ecológicas, geológicas e culturais. No entanto, tal potencial é ainda muito pouco explorado. Neste contexto, destacamos o turismo como uma das possibi- lidades de inclusão socioprodutiva e sustentável, bastante latente no território, não obstante, carecendo de uma maior atenção e fomento.

2.3.2 Aspectos demográficos

A população total dos municípios estudados, segundo dados do IBGE de 2010, totalizava 400.157 habitantes. De modo geral, os municípios que compõem essa região têm em média, entre 20 e 70 mil habitantes. O perfil do território é mais rural - 53% da população vive no meio rural e 47% no meio urba- no - do que no Estado baiano onde 72% da população vive no meio urbano. A população rural é superior à população urbana nos municípios de Andorinha, Campo Formoso, Cansanção, Itiúba, Monte Santo e Uauá. Consequentemente, observa-se nesses municípios uma significativa presença de empreendimen- tos rurais, os quais se relacionam intrinsecamente com as atividades produtivas locais, principalmente, com as unidades de beneficiamento de várias culturas identificadas na região, bem como, com a econo- mia solidária. O município de Senhor do Bonfim é o maior, com 81.330 moradores(estimativo IBGE para 2015), seguido por Campo Formoso, com 72.271 pessoas. Já o menor é Antônio Gonçalves, com 12.187 pessoas, seguido por Andorinha, com 14.791. Apesar de ser o maior município, Senhor do Bonfim é o segundo mais urbano, sendo que o município de Capim Grosso se destaca em primeiro lugar, com 82% de moradores na cidade. O município mais rural é o de Monte Santo, com 83% de pessoas vivendo no campo, seguido de Itiúba, com 73%.

2 Modo de vida sertaneja que se baseia no uso comum da terra, na criação de animais de pequeno porte como caprinos e ovinos além agroextrativismo em áreas da caatinga e sem limites de cerca. 012 Diagnóstico Territorial da Economia Popular Solidária – Sisal e Piemonte Norte do Itapicuru/BA

2.3.3 Aspectos Socioeconômicos

O PIB do Território de Economia Popular Solidária foi de aproximadamente R$3 bilhões em 2014, de acordo com dados do IBGE. Três municípios – Senhor do Bonfim, Campo Formoso e Capim Grosso – produzem mais da metade do valor do PIB do Território. Em todos os municípios do Território o setor de serviços (incluindo serviços públicos, particulares e comércio) gera a maior parte do valor do PIB, gerando um total de R$2,3 bilhões em 2014, sendo que em todos menos os três citados, o setor da ad- ministração pública, saúde e educação pública gera o maior valor do PIB. Portanto, a economia do Ter- ritório sofre uma extrema dependência dos gastos públicos. Para o Território como um todo, a indústria representa o segundo maior setor em termos de valor do PIB, com um total de R$397,6 milhões. No en- tanto, mais de 79% desse valor é produzido em quatro municípios, Campo Formoso, Senhor do Bonfim, Andorinha e Capim Grosso. Em cinco municípios, o setor agropecuário é o segundo maior em termos de valor do PIB, e mais dois geram valores muito próximos com atividades industriais e agropecuárias. Em termos de empregos e ocupação para garantir a sobrevivência, a agricultura familiar é, de longe, o setor mais importante na economia do Território, como se verá mais adiante.

O PIB per capita ficou numa média de R$6,541 em 2014, representando 44% da média do Es- tado da Bahia. Os três municípios com maior PIB per capita são Capim Grosso (R$10.003), Andorinha (R$9.774) e Senhor do Bonfim (R$9.575), enquanto os municípios com menor PIB per capita são Antônio Gonçalves (R$4.672), Monte Santo (R$4.848) e Pindobaçu (R$5.202). A metade dos municípios tem um PIB per capita abaixo de R$6.000.

Todos os municípios estudados menos Uauá viram suas economias crescer a um ritmo maior que o da Bahia como um todo entre 2007 e 2014. O município com maior crescimento foi Capim Grosso, que praticamente triplicou o valor de sua economia no período (em preços correntes). Outros seis municí- pios também cresceram a um ritmo significativamente maior que o Estado, entre 112% e 130%, compa- rado com 104%. 013

No entanto, sabe-se que crescimento econômico não é suficiente para melhorar a vida do povo, já que, muitas vezes, os benefícios chegam na mão de poucos. Para entender a situação social do Território, foi utilizado o índice de desenvolvimento humano municipal – IDHM3 com recorte para os doze municí- pios em evidência no diagnóstico. Segundo o documento “Atlas do Desenvolvimento Humano”, o IDHM é uma medida que compõe informações oriundas de três dimensões, são elas: longevidade, educação e renda. A medida é realizada através da representação numérica entre 0 e 1, sendo que quanto mais próximo do numeral 1 melhor é o indicador, ou seja, maior desenvolvimento humano terá o município.

Dentre as medidas de IDHM dos 12 municípios elencados é oportuno destacar que apenas Senhor do Bonfim tinha, em 2000, o IDHM no patamar médio, enquanto os demais municípios apresentavam o IDHM no patamar baixo, como demonstra a tabela seguinte. Após uma década, ocorreram avanços significativos, de modo que, o IDHM (2010) de todos os municípios alcançou o patamar médio. Os muni- cípios de Senhor do Bonfim e Capim Grosso possuem os maiores IDHM, por outro lado, Monte Santo e Itiúba ainda estão bem abaixo da média nacional. Ao mencionar o desenvolvimento humano a partir da educação, renda e longevidade, necessário aludir também à população que se encontra em Extrema Po- breza4, nesse caso, constituem aquelas pessoas com renda mensal inferior a R$ 70,00 (setenta reais) por pessoa, segundo o último Censo (2010). A população em extrema pobreza de todo os municípios está predominantemente no meio rural, embora se perceba avanço como aponta a SEPLAN (2014) “todos os municípios baianos ao longo da última década vêm dando indicativos da superação da pobreza extrema 3 São três os parâmetros avaliados pelo IDHM; a saber: “a oportunidade de se levar uma vida longa e saudável – saúde –, ter acesso ao conhecimento – educação (avaliado pela taxa de alfabetização de adultos e pela taxa de matrícula no ensino fundamental e médio) – e poder desfrutar de um padrão de vida digno – renda. O IDH reúne três dos requisitos mais importantes para a expansão das liberdades das pessoas” (Atlas de Desenvolvimento Humano 2013). O IDHM varia de 0 a 1, sendo quando mais próximo de 1 mais elevado e melhores indicadores sociais tem o município. 4 A pobreza extrema é um fenômeno de múltiplas dimensões que se expressa no acesso precário aos serviços sociais básicos (água, energia elétrica, saúde, moradia etc.) na baixa escolaridade, na insegurança alimentar, nas formas precárias de inserção no mundo do trabalho, entre outras. A superação da pobreza extrema requer uma abordagem multidimensional em políticas intersetoriais. (SINGER, et, al, 2015 p.04 ). 014 Diagnóstico Territorial da Economia Popular Solidária – Sisal e Piemonte Norte do Itapicuru/BA e melhorias nas condições de vida”. Contudo, verifica-se que ainda são bastante manifestos os índices de pobreza extrema nestes municípios como mostra a tabela a seguir.

Dentre os municípios expostos na tabela, vê-se que nove dos doze municípios apresentam a taxa de extrema pobreza acima de 20%, ainda que a extrema pobreza tenha sido o mote de enfrentamento dos governos federais dos últimos anos, a mesma se mostra presente com força nas localidades pesqui- sadas. Cansanção, Itiúba e Monte Santo apresentam taxas acima de 30% nos mesmos lugares onde a população rural é maior que a urbana, como demonstrará os dados demográficos. Tal situação poderá indicar um maior esforço em ações que melhorem a vida das pessoas do campo. Percebe-se que os três municípios destacados também possuem os maiores índices de analfabetismo, sendo outro fator que pode coadunar para as altas taxas de extrema pobreza dessas localidades. A tabela seguinte expõe a porcentagem dos pobres e vulneráveis à pobreza distribuídos nos municípios. 015 Os dados elencados, até o momento, expõem fragilidades econômicas concretas nos municípios de atuação das entidades filiadas ao GREPS e justificam também a ação na promoção do trabalho e renda nessas localidades. Posto que, a população pobre é mais da metade da população dos municípios de Monte Santo e Cansanção, locais que também possuem maior quantidade de grupos produtivos financiados pelo Fundo Rotativo Solidário da Associação Regional dos Grupos Solidários de Geração de Renda – ARESOL e acompanhados por ela. O restante dos municípios possui taxas de pobreza acima do percentual de 30% da sua população. O cenário delineado prevê um ambiente que requer planejamento e atuação que provoque o enfrentamento da pobreza e extrema pobreza. Os dados demográficos expos- tos acima comprovam que o índice maior de pobreza e extrema pobreza continua nos municípios cuja maior parte da população vive no meio rural.

2.3.4 Agricultura Familiar e Reforma Agrária

Diante o perfil rural do Território, onde 210.898 pessoas, mais da metade da população, vivem em comunidades rurais, as políticas públicas de apoio à agricultura familiar e reforma agrária devem ocupar um papel central nas ferramentas aplicadas para reduzir a pobreza e promover o desenvolvimento sus- tentável dos municípios. A tabela seguinte demonstra o quantitativo de famílias envolvidas na agricultu- ra familiar e o número de famílias que foram assentadas. O município de Monte Santo é o que detém o maior número de famílias assentadas e o maior número de famílias agricultoras. Em tempos passados a agricultura familiar no sertão era sinônimo da monocultura, muitas vezes, com práticas não condizentes com o clima semiárido. A presença de organizações sociais que fomentaram atividades produtivas que permitem a convivência com o bioma predominante auxiliou no resgate das culturais tradicionais do sertão como os frutos da caatinga (maracujá do mato, umbu e licuri). 016 Diagnóstico Territorial da Economia Popular Solidária – Sisal e Piemonte Norte do Itapicuru/BA Apesar dos dados serem de 2006, apresentam o peso da agricultura familiar no perfil da popula- ção: como os dados são de unidades familiares (não de pessoas), fica evidente que a agricultura familiar ocupa uma importante parte da população, na maioria dos municípios. Daí a necessidade de compre- ender as políticas públicas destinadas a aumentar a capacidade de produção dos agricultores familiares. Nessa perspectiva, a próxima tabela demonstra os de pessoas físicas/agricultores que adquiriram a De- claração de Aptidão ao PRONAF – DAP que viabiliza o acesso dos agricultores ao crédito. Nessa política pública denominada de Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF) os agri- cultores podem receber recursos financeiros para melhorar sua produção seja na plantação de culturas, ou na criação de animais com uma taxa de juros específica. A tabela 7 demonstra que os municípios de Itiúba, Monte Santo e Campo Formoso detém o maior número de contratos do PRONAF. Curiosamente o município de Itiúba no censo de 2006 apresenta números modestos de agricultores familiares. Monte Santo lidera o número de DAP, e também o montante financeiro repassado pelos contratos do PRONAF.

Os dados indicam uma cobertura quase universal da DAP, o que habilita quase todos os agriculto- res para participarem das políticas públicas como PRONAF e PNAE. Somente em Antônio Gonçalves, Pin- dobaçu e Queimadas faltaria cadastrar mais alguns agricultores para obterem a DAP. No entanto, a co- bertura do PRONAF pode ser considerada baixíssima: No Território, uma média de somente 14,7 % dos agricultores está com contratos PRONAF. Itiúba e Senhor do Bonfim apresentam a cobertura maior, com 39% e 36%, respectivamente. Quatro municípios apresentam cobertura abaixo de 10%, inclusive Monte Santo, município com maior número de agricultores. Portanto, aumentar o acesso dos produtores ao crédito deve ser uma das reivindicações dos movimentos sociais e prioridades dos gestores públicos.

Ainda tratando de políticas que fortalecem a agricultura familiar têm-se os dados de percentual contratado pelo Programa Nacional de Alimentação Escolar – PNAE que determina a compra de 30% da merenda escolar no município, exclusivamente, oriunda da agricultura familiar. A tabela abaixo demons- tra os percentuais de contratados de cada município. 017

O município que obteve maior contratação em 2015 foi Campo Formoso, contudo, nenhum dos doze municípios apresentou o percentual indicado na legislação que prevê a compra de, no mínimo, 30% dos produtos da merenda escolar diretamente da agricultura familiar. Esse dado pode indicar algumas situações, como a ausência de fiscalização no cumprimento do programa. Também podem ocorrer difi- culdades dos agricultores locais se organizarem e participarem das chamadas públicas, assim como, má condução de gestão no que tange às chamadas públicas do PNAE.

Além do PNAE e do PRONAF existem outras políticas públicas que disponibilizam equipamentos e outros benefícios aos agricultores de modo geral. O Programa Nacional de Documentação da Traba- lhadora Rural – PNDTR do Ministério do Desenvolvimento Agrário prevê a realização de mutirões para emissão de documentos das mulheres agricultoras, requisito muito importante para acesso à DAP. O Programa de apoio à Infraestrutura nos Territórios Rurais – PROINF disponibiliza máquinas e equipa- mentos aos territórios, tem-se também, o Brasil Sem Miséria Rural – BSM. Os dados dos doze municípios acerca desses programas estão descritos na tabela na tabela abaixo. 018 Diagnóstico Territorial da Economia Popular Solidária – Sisal e Piemonte Norte do Itapicuru/BA Apesar de adesão de grande parte dos agricultores ao Garantia Safra, apenas dois municípios apre- sentam pagamentos realizados de tal programa, segundo os dados expostos. Apenas quatro municípios foram contemplados pelo PNDTR, o que implica maior investigação que proporcione um planejamento para que os demais municípios possuam acesso. Por outro lado, os doze municípios possuem famílias agricultoras que acessam o BSM rural. Vê-se como é preponderante a participação da agricultura fami- liar para o desenvolvimento local.

2.3.5 Produção agrícola e criação de animais

A compreensão das dinâmicas de produção animal e vegetal perpassa pelo conhecimento das ca- pacidades do meio ambiente e das condições climáticas locais. A priori a população local realizava migra- ções constantes para o sudeste por não conseguir desenvolver atividades produtivas na aridez do solo, ausência de chuvas constantes distribuídas ao longo do ano e baixa inserção no mercado de trabalho formal. Posteriormente a ação das pastorais sociais, da igreja, ONG’s e sindicatos promoveu um processo de disseminação de tecnologias sociais voltadas para o conceito de Convivência com o Semiárido, que segundo o IRPAA é: “um modo de vida e produção que respeita os saberes e a cultura local, utilizando tecnologias e procedimentos apropriados ao contexto ambiental e climático, com o intuito de construir processos de vivência na diversidade e harmonia entre as comunidades, seus membros e o ambiente, possibilitando assim, uma ótima qualidade de vida e permanência na terra, apesar das variações climá- ticas”. Uma característica desse clima é a aridez, para Baptista e Campos (2013), alguns fatores favorecem isso como: os modos humanos de explorar a terra; o desmatamento; a prática predatória para com os rios e a terra; as queimadas; a contaminação dos solos com agrotóxicos, entre outras. Dentre os pro- blemas enfrentados, um se destaca em repercussão e enfrentamento como a escassez de chuvas. No entanto, as organizações que atuam no Nordeste, de modo geral, advogam que no “Nordeste não falta água, falta justiça”, já que há concentração de terra e água, além das chuvas se concentrarem em deter- minado período do ano, e ainda, na visão dos autores, ocorre um péssimo sistema de armazenamento da água que vem da chuva.

Nesse contexto que a agricultura de sequeiro irá predominar na maior parte dos municípios dos territórios se apresentando prioritariamente como agricultura de subsistência em roças dependentes das chuvas, cultivadas com milho, feijão, mandioca, sisal e em menores quantidades o sorgo, abóbora, melancia, mamona dentre outras, embora sempre haja a estratégia de se vender o excedente da pro- dução nos mercados locais. Esta prática é o que permite o sustento de muitas famílias e ao longo dos séculos evitou o aumento do índice de pobreza extrema na região. Contudo, a disseminação da tecno- logia social da cisterna de placa, largamente utilizada nos doze municípios impetrou uma nova forma de trabalhar na região, aliada à ação das organizações sociais locais com a valorização de atividades extra- tivistas de plantas nativas da caatinga como o umbu, licuri e o maracujá da caatinga despontaram como um grande potencial gerador de renda para as famílias do Semiárido.

Entretanto, esse extrativismo vem sendo prejudicado pelo desaparecimento gradativo do umbu- zeiro. Foram identificadas quatro causas de desaparecimento da vegetação nativa do Trópico Semiárido: formação de pastagens; implantação de projetos de irrigação; produção de energia para atividades di- versas como padarias, olarias e queimadas. Outro fator de pressão é a pecuária extensiva praticada na região, que tem dificultado a substituição natural das plantas velhas por novas plantas do umbuzeiro. Es- tas causas, em conjunto ou isoladamente, têm contribuído não só para a diminuição da coleta do umbu, como também para o desaparecimento da variabilidade genética da espécie. 019

Criação de Caprinos, Aroeira, Cansanção

Nessa perspectiva, é perceptível a mudança na produção agrícola com destaque para os cultivos de feijão, milho, mandioca, sisal e o extrativismo de frutos nativos como o maracujá do mato e o licuri, com um destaque para a mandioca que atingiu um volume significativo nas cidades de Cansanção com 19.000 toneladas, seguido pelo município de Monte Santo com 18.000 toneladas. A tabela a seguir demonstra o tamanho da força da economia no setor primário, especificamente na agropecuária. No entanto, o desenvolvimento do setor é bastante prejudicado devido à estiagem prolongada, que tem causado irregularidade nas safras agrícolas e redução dos rebanhos. O que implica o baixo rendimento da sua produção, isso diagnosticado graças à comparação dos dois períodos de tempo entre (2011 e 2013). Em conjunto, estes fatores limitam muito o aproveitamento do potencial agrícola e pecuário dos Municípios, que em condições climáticas mais favoráveis ocasionaria uma maior produção. 020 Diagnóstico Territorial da Economia Popular Solidária – Sisal e Piemonte Norte do Itapicuru/BA

Apesar das adversidades de natureza climática, as políticas sociais como o Programa de Aquisição de Alimentos - PAA e o Programa Nacional de Alimentação Escolar - PNAE, direcionadas para a agricul- tura familiar, vem movimentando valores expressivos referentes à compra de alimentos nos municípios. A comercialização é realizada com os produtos beneficiados das culturas de umbu, maracujá do mato, goiaba, mandioca, hortaliças e outros. Como no passado, a comercialização de seus produtos sempre era uma das principais dificuldades enfrentadas pelo agricultor familiar, a inserção desses agricultores nos programas PAA e PNAE tem se mostrado como um caminho eficaz para reduzir a pobreza extrema no Território. Além disso, o fortalecimento da organização e a gestão dos negócios dessa categoria através dos princípios do associativismo, cooperativismo e da economia solidária vêm fortalecendo a Agricultura Familiar nos municípios do Semiárido brasileiro.

A despeito dos avanços na sensibilização das comunidades com mudança de hábitos ao se relacio- nar com o meio ambiente e sua consequente contribuição para a melhoria da qualidade de vida das fa- mílias (possibilitando-as a enxergar e colocar em prática novas formas de garantirem o sustento das mes- mas e assim saírem de uma situação de pobreza extrema), vale ressaltar, que essa é também uma área em que tem aumentado o incentivo à bovinocultura e atividades agropastoris inadequadas à realidade da região. Além desta atividade, há ainda o grande assédio pelas mineradoras, o que tem causado sérios prejuízos à nascente do Rio Itapicurú, como também as demais fontes de água existentes na região.

No que tange a produção animal, muito embora os doze municípios sofram em razão das condi- ções climáticas, agravadas, sobretudo, pela estiagem que assola a região, há a presença de uma vege- tação que apresenta fatores de extrema relevância para produção de animais de pequeno porte, como caprinos e ovinos. Esta fato fica evidente ao visualizar os dados abarcados pela tabela 11. Uauá, Monte Santo e Campo Formoso são os três maiores produtores de caprinos e ovinos. O total de cabeças de ca- prinos e ovinos chegou a passar de 1 milhão em 2007, e mesmo em 2015 ainda tinha mais de 600.000 animais nos doze municípios. Isso reforça o grande potencial produtivo da região como fonte de renda dos agricultores e uma das bases da economia dos municípios, acompanhado das demais culturas, como por exemplo, a criação de galinhas que é uma prática considerável. Os dados mostram que a produção de animais sofreu bastante por conta da seca dos últimos anos, causando uma redução nos caprinos e ovinos em 52% e 37%, respectivamente, para os 12 municípios entre 2007 e 2015. 021

Por tal maneira urge a necessidade de fortalecimento das atividades de caprinocultura e demais criações de animais, pois os dados coletados apontam para possibilidades de polos de produção de ani- mais de pequeno porte nos municípios da região sertaneja em questão com potencial para alavancar o desenvolvimento econômico local. Um ponto que merece uma atenção maior é o fato de parte dessa produção animal ser financiada por Fundos Rotativos Locais em atuação na região como demonstra a -ta bela a seguir. Portanto, é mais que ideal a inserção dessa região em programas que envolvam a práticas desse tipo de cultura, como por exemplo, o Programa Sertão Produtivo que vem propiciando a realiza- ção de mais FRS de animais em algumas localidades. 022 Diagnóstico Territorial da Economia Popular Solidária – Sisal e Piemonte Norte do Itapicuru/BA 2.3.6 Educação

A educação é elemento fundamental em qualquer processo de desenvolvimento sustentável. A Ta- bela 4 acima mostra que a taxa de analfabetismo no Território caiu significativamente entre 2000 e 2010. No entanto, ainda continuou alta demais: Em seis dos doze municípios, havia 20% ou mais analfabetos em 2010. A taxa mais baixa estava em Senhor do Bonfim, com 14,8%.

Chama a atenção no Território a presença de educadores, militantes, sindicados, organizações e movimentos sociais que pautam uma educação contextualizada5. Esse conjunto de organizações atua na garantia da infraestrutura de escolas e centros de educação voltados para uma proposta de formação continuada que considere a gestão de recursos e tecnologias para a convivência com o Semiárido.

Nessa perspectiva, se destacam as Escolas Famílias Agrícolas (EFAs), como um importante espaço de formação e construção de conhecimento que contribui no fomento e desenvolvimento das poten- cialidades humanas, econômicas e sociais, como disserta Naidison Batista, coordenador da Articulação do Semiárido (ASA), que defende uma escola que produza conhecimento para modificar a realidade do Semiárido na perspectiva da Convivência e não incentivar a migração dos jovens para São Paulo e outras capitais. Vale, portanto, ressaltar que no Território de Economia Popular Solidária existem três Escolas Famílias Agrícolas: Escola Família Agrícola do Sertão – EFASE; Escola Família Agrícola de Itiúba – EFAI e Escola Família Agrícola de Antônio Gonçalves – EFAG que atendem de forma direta aproximadamente 515 famílias distribuídas em 38 municípios diferentes como demostra a tabela abaixo. Algumas outras EFAs em municípios vizinhos ao Território, como a de , também forma lideranças que atuam no Território (Capim Grosso). As escolas oferecem espaços de formação que aglutinam a família, as comunidades e a própria escola num regime de alternância incentivando o engajamento social de seus alunos: tal como a prática de experiências de convivência com o Semiárido; a preservação da natureza; o resgate cultural e a valorização da terra em que pisam, de modo a contemplar mais da metade dos municípios atendidos pelo CESOL. Constituem parceiras importantes nas ações de economia popular solidária e oferecem um espaço necessário de interlocução, principalmente no que tange a assistência de grupos produtivos de jovens fomentados pelas escolas.

5 Proposta da Conferência Nacional Temática sobre o Semiárido e o Desenvolvimento Rural Sustentável 2013. 023

Escola Família Agrícola do Sertão, Monte Santo 024 Diagnóstico Territorial da Economia Popular Solidária – Sisal e Piemonte Norte do Itapicuru/BA

A EFASE – Monte Santo constitui a única escola de ensino médio na região que oferece o curso técnico em agropecuária, na perspectiva da convivência com o semiárido, atendendo 415 alunos nessa modalidade. Fato que também contribui para profissionalização dos jovens locais, pois é incentivado o trabalho nas organizações sociais e comunitárias que oportunizam as primeiras experiências de trabalho formal desses jovens. No que tange ao ensino superior e técnico, temos dois campi da Universidade do Estado da Bahia, UNEB, em Senhor do Bonfim e Jacobina. Bonfim também conta com um campus da Universidade Federal do Vale do São Francisco (UNIVASF). São nestes dois municípios também que se localizam o Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia da Bahia (IFBA) e Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia Baiana (IF). Campo Formoso e Capim Grosso dispõem de universidades particulares, Faculdade Presbiteriana Augusto Galvão (FAPAG), Campo Formoso e Faculdade de Ciências Educacionais em (FACE) em Capim Grosso.

2.3.7 Ocupação, Emprego e Renda

Havendo retratado com mais detalhe o setor da agricultura familiar, que gera o sustento de uma boa parte das famílias no Território, está na hora de apresentar o perfil geral das ocupações e empregos no Território. A partir desse perfil, fica evidente o perfil e tamanho do público alvo das ações de econo- mia popular solidária.

Apresentam-se duas abordagens para retratar a situação dos empregos e outras formas de ocupa- ção econômica no Território: (1) análise por tipo de vínculo empregatício, utilizando dados do Atlas de Desenvolvimento e (2) análise por setor/ramos de atividade onde a população trabalha.

A primeira análise traz uma noção do grau de formalização da população acima de 18 anos de idade: 025

Os dados mostram que em todos os municípios estudados, as pessoas com empregos com cartei- ra assinada são uma minoria. No município que gera o maior número de empregos formais, Senhor de Bonfim, os empregados formalizados não passam de 31% da população com 18 anos ou mais (somando a taxa com carteira assinada e a taxa dos servidores públicos). Na maioria dos municípios, a soma dos empregados com carteira assinada e servidores públicos não passa de 20%. Ou seja, quatro de cada cinco adultos não têm acesso a um emprego com todos os direitos trabalhistas. Em todos os municípios estudados, a parte maior dos adultos, em torno de 30%, trabalha sem carteira assinada, indicando em- pregos altamente precários, sem estabilidade nem direitos previdenciários. Outra categoria significativa é das pessoas que trabalham por conta própria, que fica entre 16% e 30% no Território. O grau de forma- lização da população está em 21%, em média, sendo que em quatro municípios fica abaixo de 20% dos adultos. No municípios com a taxa mais alta, Senhor do Bonfim, 35% dos adultos estão trabalhando em condições formalizadas. Ou seja, entre 70% e mais de 80% da população adulta trabalha em condições precárias! A alta taxa de pobreza que persiste no Território se explica, em grande parte, com esse dado.

A segunda análise confirma o quadro anterior: 026 Diagnóstico Territorial da Economia Popular Solidária – Sisal e Piemonte Norte do Itapicuru/BA Primeiro, o quadro confirma a imensa importância do setor da agricultura familiar no Território: com quase 34% das pessoas em idade produtiva, é, de longe, o setor que sustenta mais famílias que qualquer outro. Segundo, somando os empregados de empresas, funcionários públicos e trabalhadores de ONGs, chega-se a um total de 52.732, pouco mais de 20% da população em idade ativa. Confirma-se portanto, a baixa taxa de formalização já vista no quadro anterior. O maior número, 111.348 pessoas, está nos “Não Classificados”, que são os trabalhadores sem carteira assinada e por conta própria fora da agricultura, e as pessoas que estudam, cuidam do lar ou não podem/querem trabalhar por outros motivos.

A Tabela 16 apresenta a distribuição das pessoas ocupadas por ramo de atividade. Confirma-se, mais uma vez a fundamental importância da agricultura familiar e pecuária, que representa a maioria das ocupações em quatro municípios, e 40% ou mais das ocupações em nove dos doze municípios ana- lisados.

Os dados apresentados apontam para uma demanda gritante no Território para programas e polí- ticas públicas de inclusão produtiva! O público em potencial para tais políticas é enorme, incluindo boa parte dos quase 80% que trabalham em condições informais, ou seja, acima de 150.000 pessoas, inclusi- ve aquelas 69.500 famílias atualmente inseridas no Programa Bolsa Família. Os programas e políticas de inclusão produtiva já existentes no Território são muito tímidos, atendendo, até então poucas pessoas, como mostra o quadro a seguir: 027

Boa parte dos programas e das políticas para promover a inclusão produtiva no Território já exis- tem, falta sua ampliação, que deve ser prioridade para as administrações municipais do Território, assim como para os Governos Estadual e Federal:

• Diante a forte vocação da região para a agricultura familiar, precisa-se ampliar o acesso aos programas já previstos nesse campo: PRONAF, PENAE, ATER e demais programas citados no Quadro 9 acima.

• É urgente a estruturação das cadeias produtivas que agregam valor aos produtos da agri- cultura familiar, através de investimentos em instalações geridas pelas comunidades locais (coope- rativas e associações), com atenção especial para abatedouros de caprino e ovino;

• Faz-se urgente a continuação e ampliação dos programas de apoio à economia popular solidária, principalmente o CESOL, retratados no Capítulo 3 a seguir, já que existe uma base muito bem organizada nesse campo no Território, já considerada referência no Brasil;

• Será fundamental os atores da economia solidária e outros promover oportunidades de trabalho para os integrantes da economia popular no meio urbano, visando a ampliação do MEI para trabalhadores individuais e a inserção em empreendimentos coletivos solidários nos ramos de comércio e serviços.

3. A ECONOMIA POPULAR SOLIDÁRIA NO TERRITÓRIO

As informações apresentadas neste capítulo são oriundas de uma extensa pesquisa documental, qualitativa e quantitativa realizada pelas principais redes de empreendimentos da economia solidária (EES) e entidades de apoio e fomento (EAFs) locais. Para realizar o diagnóstico, essas equipes se juntaram para promover uma série de encontros e oficinas, assim como, uma pesquisa de campo. Esse diagnóstico 028 Diagnóstico Territorial da Economia Popular Solidária – Sisal e Piemonte Norte do Itapicuru/BA contou basicamente com as seguintes estratégias metodológicas: Por um lado, foi aplicado um extenso questionário junto a 87 empreendimentos econômicos solidários (EES), os quais receberam tratamento quantitativo, sendo tabulados e tratados com software específico. De outro, buscou-se levantar dados em documentos, sites e outras fontes relevantes de informação sobre o território. Além destes, a equipe também realizou encontros e oficinas para discutir e aprofundar outras informações sobre o território. As informações dessas estratégias metodológicas resultaram em uma série de dados quantitativos e qualitativos organizados em oito seções que serão exploradas nas próximas páginas, quais sejam: 1) Histórico da Economia Popular Solidária no Território; 2) Distribuição geográfica dos empreendimentos, 3) Perfil dos empreendimentos; 4) Meio-Ambiente; 5) Comercialização, 6) Crédito e Finanças Solidárias; 7) Conhecimentos: educação, formação e assessoramento, e; 8) Ambiente institucional: legislação e in- tegração de políticas públicas.

3.1 Histórico da Economia Popular Solidária no Território

O Território de Economia Popular Solidária Sisal e Piemonte Norte do Itapicuru conhece desde cedo o sentido de grupo e a noção de pertencimento nas comunidades. Aconteceu alí a história de Canudos e sua bela experiência de trabalho coletivo e de resistência. Canudos era uma pequena aldeia que surgiu durante o século XIX nos arredores da Fazenda Canudos, às margens do rio Vaza-Barris, hoje submersa sob as águas do açude de Cocorobó e pertencente à região dos municípios de Uauá e Monte Santo. À época de Canudos, a situação na região já era muito precária e a comunidade de inspiração religiosa, sob a liderança de Antônio Conselheiro, visou reinventar o sertão, buscando novas formas de governo local, produção e distribuição coletiva da riqueza, a partir da integração do social e do espiritual no viver comunitário. A aldeia passou a crescer vertiginosamente, em poucos anos chegando a contar por volta de 25.000 habitantes. Sua prosperidade incomodou as autoridades políticas, religiosas e lati- fundiárias locais que, diante da possibilidade do uso coletivo da terra e de uma vida mais digna para ser- tanejos, pobres, ex-escravos e indígenas, foram afetados pela desorganização da sua produção agrícola e pela ameaça aos seus domínios na região. A comunidade foi massacrada por expedições militares, mas resistiu até o fim.

Como afirma Pollak (1992), os elementos que constituem a memória coletiva são os acontecimen- tos vividos pessoalmente e os acontecimentos “vividos por tabela”, ou seja, “acontecimentos vividos pelo grupo ou pela coletividade à qual a pessoa se sente per- tencer e que não se situam dentro de seu espaço-tempo” (p. 201). Segundo ele, “é per- feitamente possível que por meio da socialização política, ou da socialização histórica, ocorra um fenômeno de projeção ou de identificação com determinado passado, tão forte que podemos falar de uma memória quase que herdada. De fato, podem existir acontecimentos regionais que traumatizaram tanto, marcaram tanto uma região ou um grupo, que sua memória pode ser transmitida ao longo dos séculos com altíssimo grau de identificação”. (Id. Ibid.)

Neste sentido, pode-se afirmar que a região possui como bagagem uma forte memória em relação ao trabalho coletivo, ao protagonismo social e à resistência política. Essa história, de luta, resistência e organização coletiva, alimentou a cultura de trabalho coletivo que se mantem até hoje e possa ser con- siderada, talvez, a raiz da economia popular e solidária que vem se construindo na região a partir dos anos 1970.

As iniciativas de economia popular solidária, na Bahia como em outras partes da Região Nordeste, nascem justamente como resposta a um modelo de desenvolvimento que não estava conseguindo me- lhorar as condições de vida dos mais pobres. Os grandes projetos de desenvolvimento da SUDENE nos anos 1970 e 1980 privilegiaram a indústria e o grande agronegócio, gerando crescimento e emprego em 029 alguns polos, sem conseguir produzir um desenvolvimento equilibrado para todos. Os programas assis- tencialistas de distribuição de cestas básicas e de água nos períodos de seca não trouxeram melhorias duradoras e serviram para consolidar o poder político da elite.

A partir dos anos 1970, a Igreja Católica se destaca como uma força que se coloca ao lado dos ex- cluídos, organizando-os e conscientizando-os para se tornarem protagonistas de seu próprio destino. O movimento inspirado na teologia da libertação se espalha no Brasil e em outros países da América Lati- na. Organizadas nas comunidades eclesiais de base (CEBs), as famílias não somente começam participar ativamente das celebrações religiosas, mas analisam sua realidade econômica e social e procuram solu- ções coletivas de auto ajuda e superação, estimuladas por padres, freiras e missionários/agentes leigos.

Vários movimentos começam a lutar por outra economia baseada na cooperação e solidariedade, que se intensificam a partir da década de 1980, animados por organizações como a Cáritas Brasileira, o Movimento Sem Terra - MST, a Comissão Pastoral da Terra - CPT, o Movimento de Organização Co- munitária – MOC, entre outras, em busca de uma alternativa que pudesse contrapor ao modelo de desenvolvimento imposto pelas elites locais. Uma das ações é o apoio a pequenos projetos produtivos comunitários (PACs) visando a geração de renda e melhoria da segurança alimentar das famílias, tecno- logias alternativas para captação de água tais como a cisterna de placa para superar a dependência dos carros pipa, cursos de alfabetização e educação sobre práticas simples para promover a saúde, evitar a desnutrição e reduzir a mortalidade infantil. As igrejas da Europa se tornam uma fonte importante de financiamento dessas iniciativas.

No território da Diocese Bonfim há referências de fundos rotativos em algumas comunidades a partir dos anos 1980 para construção das primeiras cisternas de captação de água da chuva. Nesta mesma década, começam as ocupações de terras dos latifúndios improdutivos, praticadas por famílias de trabalhadores rurais sem terra em cerca de 25 municípios na macroregião de Senhor do Bonfim, apoiados pela Comissão Pastoral da Terra – CPT e o movimento de luta pela terra denominado hoje de Movimento CETA – Movimento de Trabalhadores(as) Acampados(as) e Assentados(as) da Bahia. Para garantir a sobrevivência das famílias acampadas, as entidades buscam recursos para financiar atividades produtivas coletivas, principalmente a criação de caprinos e ovinos, e desde o início, se promove a prá- tica de repassar as crias dos animais para outras famílias para multiplicar o benefício. Nasce assim nos anos 80 o Fundo Rotativo Solidário administrado pelas Obras Sociais da Diocese de Bonfim.

A Pastoral da Criança inicia na Diocese Senhor do Bonfim em 1987 com a missão de reduzir a mor- talidade infantil e promover o desenvolvimento saudável das gestantes e crianças com 0-6 anos através de uma metodologia de líderes comunitários capacitadas para acompanhar as gestantes e famílias com crianças nessa idade em visitas domiciliares, orientando as mães em práticas de nutrição, higiene e cui- dados para promover o desenvolvimento saudável. O foco principal das ações básicas de saúde promo- vidas pela Pastoral são o aleitamento materno, o monitoramento mensal do peso da criança, a vacinação e o uso do soro caseiro na prevenção da desidratação, causa principal da mortalidade infantil.

Reconhecendo que a pobreza da família em muitos casos impede que a mãe adote as simples medidas para garantir a boa alimentação dos filhos, a Pastoral da Criança busca recursos, a partir de 1989, para financiar pequenos projetos produtivos que ajudassem as famílias produzir seu alimento e gerar uma pequena renda complementar. A Diocese de Bonfim recebeu 26 projetos entre 1992 e 2002 (a maioria liberados em 1998 e 1999) beneficiando cerca de 1000 famílias nos municípios de Quixabeira, Queimadas, Monte Santo, Jacobina, São José de Jacuipe, Ourolândia, Jaguarari e Campo Formoso. A grande maioria dos projetos foi para criação de cabras, inclusive para oferecer o leite para as crianças. Também foram financiados fornos comunitários e cozinhas e farmácias comunitárias, incentivando as famílias para contribuir parte do lucro da atividade para um fundo rotativo. A maior parte das contribui- ções, na época foi em produtos ou crias de animais.

Em 1998 nasce a primeira Escola Família Agrícola no Território, a Escola Família Agrícola do Sertão 030 Diagnóstico Territorial da Economia Popular Solidária – Sisal e Piemonte Norte do Itapicuru/BA – EFASE, numa área de Fundo de Pasto localizada a vinte km da sede do município de Monte Santo. Or- ganizada pelos próprios agricultores do Município que se juntam na AREFASE, associação mantenedora da Escola, a EFASE começa com o ensino fundamental da 5ª até 8ª série e, no decorrer de sua história, se torna uma atora protagonista na educação para a convivência com o semiárido, na difusão de tecnolo- gias alternativas agroecológicas e sociais para o agricultor familiar, na formação de técnicos e lideranças e na promoção dos valores e das práticas da economia popular e solidária na região.

Também em 1998 nasce a CACTUS – Associação de Assistência Técnica e Assessoria aos Traba- lhadores Rurais e Movimentos Populares, com a missão de servir como ferramenta aos movimentos e aos trabalhadores rurais organizados. Inicialmente, a CACTUS tem em seu quadro social Engenheiros Agrônomos, Técnicos Agrícolas e Contábil, Advogados, Educadores e profissionais da área de saúde al- ternativa. Ao longo de sua existência a CACTUS vêm desempenhando um papel importante ao lado de outras entidades parceiras como STR’s - Sindicatos de Trabalhadores Rurais, Associações, Cooperativas, Comissão Pastoral da Terra e os Movimentos Sociais da região ligados à questão da fundiária: CETA, MPA e CAFFP contribuindo tanto no acompanhamento técnico (ATER) como na formação de lideranças rurais e urbanas e outros agentes multiplicadores no processo organizativo e técnico.

Em 2005, a CACTUS assume a gestão do FRS criado pela Associação das Obras Sociais da Diocese de Bonfim, que tinha como principal protagonista a CPT – Comissão Pastoral da Terra.

Antes do ano 2000 as iniciativas comunitárias de geração de renda no Brasil eram promovidas e financiadas por organizações da sociedade civil com apoio da cooperação internacional ou doações de cidadãos brasileiros, como da Campanha da Fraternidade da Conferência Nacional dos Bispos Brasilei- ros - CNBB. Nos primeiros anos do século XXI, as organizações começam se encontrar para organizar o movimento da economia solidária. O Fórum Social Mundial de 2001 em Porto Alegre marca o início do movimento nacional, que se consolida com a criação do Fórum Brasileiro de Economia Solidária – FBES em 2003.

Os primeiros Fóruns Estaduais nascem no mesmo ano, inclusive o Fórum Baiano. Com a eleição do Governo Lula o movimento conquista a criação da Secretaria Nacional de Economia Solidária – SENAES dentro do Ministério de Trabalho e Emprego. Começam então aparecer os primeiros programas finan- ciados com recursos públicos. A estratégia do novo governo é de envolver as redes da sociedade civil na construção das políticas públicas e de injetar recursos em projetos das organizações da sociedade civil.

É nessa nova conjuntura que a Pastoral da Criança, em 2003, reorganiza suas ações de geração de renda criando o Projeto Vencer Juntos, que inicia na Diocese de Bonfim no mesmo ano. Em cada uma das dez dioceses onde atua, o Vencer Juntos chega com a meta de fomentar 100 EES com recursos não reembolsáveis captados de convênios e patrocínios e incentiva a criação de umfundo rotativo solidário alimentado com as contribuições dos primeiros grupos financiados que utilizam parte do retorno finan- ceiro da atividade para devolver o valor recebido, sem juros nem correção monetária. O Vencer Juntos disponibiliza uma equipe de dois ou três técnicos para oferecer assessoria e formações aos EES apoiados e incentiva a criação de uma associação dos mesmos que possa assumir a auto gestão do fundo rotativo e dar continuidade ao trabalho. Entre 2003 e 2016, o Vencer Juntos e a ARESOL (veja abaixo) fomentam 100 grupos produtivos solidários envolvendo 1090 famílias em doze municípios, investindo um total de R$653.306,00, entre recursos de convênios e do próprio fundo rotativo.

Em 2007, os primeiros 40 EES fomentados pelo Vencer Juntos se juntam para criar a Associação Regional dos Grupos Solidários de Geração de Renda – ARESOL. Nos anos seguintes, a ARESOL se torna uma das maiores redes de grupos produtivos solidários no Território com forte atuação no campo dos fundos solidários e da comercialização dos produtos da agricultura familiar.

No mesmo ano, nasce o Programa de Apoio a Projetos Produtivos Solidários, - PAPPS, primeiro pro- grama do Governo Federal para injetar recursos públicos no fomento dos Fundos Rotativos Solidários. 031

ARESOL: lideranças e membros da equipe técnica

O PAPPS é uma parceria entre a SENAES e o Banco do Nordeste – BNB, e sua criação e execução envolve as principais redes da sociedade civil com experiência no fomento de fundos solidários: a Articulação do Semiárido Brasileiro – ASA, a Conferência Nacional dos Bispos Brasileiros – CNBB/Mutirão para Supera- ção da Fome e da Miséria, o FBES, e o Fórum Brasileiro de Segurança Alimentar e Nutricional – FBSAN. O primeiro Edital do PAPPS é lançado em 2008, e três entidades do Território conseguem apoio para seus fundos rotativos solidários: a CACTUS, a AREFASE e a ARESOL. Com a injeção dos recursos do PAPPS, os fundos rotativos do Território se fortalecem e começam ganhar visibilidade para além do Território.

É a percepção de um polo emergente de fundos solidários no Território que leva o Comitê Gestor do PAPPS a realizar, em julho de 2009, uma de suas reuniões em Ponto Novo, aproveitando a realização de uma Feira Regional de Economia Solidária, para conhecer as experiências. A Feira e o Seminário de Fundos Solidários juntam mais de 100 agricultores e assentados e representantes de dezenas de sindi- catos, associações e outros movimentos. Além dos representantes do BNB, da SENAES e das redes que compõem o Comitê Gestor do PAPPS, conta-se com a presença de representantes do Governo Estadual, que, a partir da nova gestão do PT com Jacques Wagner, havia criado uma Superintendência de Econo- mia Solidária dentro da Secretaria de Trabalho, Emprego e Esporte – SETRE. Os movimentos do Território aproveitam o momento do Seminário para reivindicar a implantação de um Programa Estadual de Apoio aos Fundos Solidários na Bahia nos moldes do PAPPS e a criação de um Comitê Estadual de Fundos Soli- dários. Os representantes da SETRE/SESOL assumem o compromisso de estudar essa possibilidade.

Cria-se, então o Comitê Baiano dos Fundos Solidários com representantes do Grupo Regional de Economia Popular Solidária – GREPS, articulação dos movimentos do Território, da ASA Bahia, da Cáritas Regional NEIII e do Comitê Gestor do PAPPS. O Comitê Baiano participa ativamente no processo junto à SETRE/SESOL para desenhar a Primeira Chamada Pública Estadual de Apoio a Fundos Solidários que é lançada em 2011.

Os fundos rotativos solidários do Território se organizam em rede para encaminhar um Projeto conjunto para o Edital, com a ARESOL atuando como entidade proponente. A proposta está entre as 032 Diagnóstico Territorial da Economia Popular Solidária – Sisal e Piemonte Norte do Itapicuru/BA primeiras colocadas, captando R$ 500.000,00 para o Projeto Solidariedade e Cidadania Sertaneja que viabiliza o fomento de 25 grupos produtivos solidários distribuídos entre 07 entidades participantes. A devolução do recurso constitui um Fundo Rotativo Solidário Territorial, gestado por um Comitê Gestor, formado por representantes das 07 entidades. São elas: ARESOL, AREFASE, EFAI, CETA, MPA, CAFFP E CAF.

Seminário dos Fundos Solidários, Ponto Novo, 2009

A organização e o trabalho em rede é um dos elementos de destaque na economia popular so- lidária no Território. Desde 2004 as organizações e os movimentos locais reconhecem a importância de juntar forças, dando início ao Grupo Regional de Economia Popular Solidária – GREPS. O GREPS se constitui a partir de um encontro sobre economia popular solidária realizado na macrorregião de Senhor do Bonfim em parceria com a CÁRITAS Regional Ne III que junta cerca de 80 pessoas, representantes em sua grande maioria de Grupos Produtivos Solidários informais, que já realizavam atividades de Geração 033 de Renda. Na época, apenas a Pastoral da Criança, a Comissão Pastoral da Terra - CPT e a Associação Parceira das Crianças - APAC/AiBi se fazem presentes enquanto instituições formais. A primeira atividade realizada pelo Grupo é uma exposição dos Produtos da Economia Popular Solidária. Nascem a partir daí as Feiras Regionais de Economia Popular Solidária que se tornam um evento anual, cada ano num mu- nicípio diferente do Território. Nos últimos anos, a Feira já recebe apoio de recursos públicos do Estado e apoio logístico dos municípios, tornando-se um evento de grande visibilidade na região. Ao longo dos anos foram se incorporando outras entidades representativas dos Movimentos Sociais ao GREPS.

Hoje são componentes da REDE GREPS as seguintes Entidades e Movimentos Sociais:

ARESOL – Associação Regional dos Grupos Solidários de Geração de Renda; AREFASE - Associação Regional da Escola Família Agrícola do Sertão; AREFAI – Associação Regional da Escola Família Agrícola de Itiúba; CPT - Comissão Pastoral de Terra – Diocese de Bonfim; PJR - Pastoral da Juventude Rural; CAF - Coordenação Regional da Agricultura Familiar; MPA - Movimento dos Pequenos Agricultores; CACTUS - Associação de Assistência Técnica aos Trabalhadores Rurais e Movimentos Popu- lares; CAFFP – Central das Associações de Fundo e Fecho de Pasto; COASB – Central das Associações Comunitárias de Assentados e Acampados do Semiárido Baiano; CAAF– Central das Associações da Agricultura Familiar.

O GREPS se organiza com os seguintes objetivos:

1. Articular iniciativas e projetos de geração de trabalho e renda na região; 2. Realizar feiras regionais de Economia Popular e Solidaria. 3. Facilitar as trocas de experiências entre os grupos formais e informais associativos; 4. Estar em sintonia com os princípios e ações políticas dos Fóruns Baiano e Brasileiro de Economia Popular Solidária; 5. Contribuir para proposições de políticas públicas ao CONAES (Conselho Nacional de Eco- nomia Solidária) da SENAES (Secretaria Nacional de Economia Solidária) do Governo Federal; 6. Promover formação técnica e gerencial junto com os grupos formais e informais associa- tivos em suas atividades produtivas; e organizativas. 7. Gestão compartilhada de um Fundo Rotativo Solidário para apoio a projetos produtivos na região; 8. Lutar por políticas públicas de promoção da Economia Popular Solidária, notadamente no âmbito municipal em nossa região. 9. Beneficiamento da produção. 10. Comercialização dos produtos de Economia Solidaria, através de local fixo, além de barra- cas em feiras livres nos municípios da região.

A partir das Feiras Regionais de Economia Solidária organizadas pelo GREPS, a comercialização se torna o segundo grande campo de ação (os FRS sendo o primeiro) das entidades e dos grupos no Territó- rio, já que a geração de renda e as contribuições para os fundos rotativos solidários somente acontecem quando os grupos produtivos conseguem vender seus produtos.

A política pública do Governo Lula abre novas oportunidades com a introdução do Programa de Aquisição de Alimentos – PAA e Programa Nacional de Alimentação Escolar - PNAE. Em 2008, a ARESOL ajuda na preparação e execução do primeiro contrato de vendas de alimentos para o PAA por parte dos agricultores da comunidade Lagoa do Saco em Monte Santo. Nos anos seguintes, a ARESOL e demais entidades de apoio assumem um papel importante na organização das associações de agricultores fa- 034 Diagnóstico Territorial da Economia Popular Solidária – Sisal e Piemonte Norte do Itapicuru/BA miliares no Território para serem inseridas nos dois programas. A equipe técnica da ARESOL adquire conhecimento para elaboração das propostas e ajuda na execução e prestação de contas. Ao mesmo tempo, fomenta novos grupos produtivos, com destaque para os grupos de beneficiamento de frutas que produzem polpa congelada e pré-cozida, geléias e compotas e outros derivados das frutas nativas da Caatinga. Entre 2009 e 2016, a ARESOL e demais entidades parceiras ajudam na articulação e execu- ção de contratos num volume total acima de R$2 milhões para o PAA e PNAE, beneficiando mais de 20 comunidades nos municípios de Monte Santo, Cansanção, Itiúba, Senhor do Bonfim, Jaguarari, Antônio Gonçalves e Pindobaçu.

Para evitar uma excessiva dependência da comercialização para o poder público, a ARESOL ajuda criar, a partir de 2008, a Rede Monte Sabores de comercialização solidária dos produtos da agricultura familiar. Com apoio inicial do Programa Vencer Juntos, é implantado um primeiro ponto fixo de comer- cialização da Monte Sabores em Monte Santo. Com o passar do tempo, a Monte Sabores apoia feiras itinerantes nas comunidades e cria uma marca que está presente nas feiras da região. Em 2015, abre um segundo ponto fixo no município de Itiúba.

Na maneira que cresce a comercialização dos agricultores da economia popular solidária, perce- be-se a necessidade de uma padronização da qualidade e das embalagens da polpa de frutas, adesão às exigências da vigilância sanitária e obtenção dos selos para poder atender as expectativas de um merca- do cada vez mais exigente. Somente assim será possível manter o crescimento das vendas. Aproveitando a visibilidade e credibilidade conquistada junto ao Estado com o Convênio para o Convênio do Projeto Solidariedade e Cidadania Sertaneja e os contratos PAA e PNAE, a ARESOL embarca num projeto maior, a criação de um Entreposto de Comercialização, mini fábrica com equipamento industrial para fazer o processamento e acabamento da polpa de frutas entregada pelas comunidades. Comprado o terreno em Monte Santo, a ARESOL capta a maior parte do recurso da CAR e outra parte do Vencer Juntos e da CESE. A mão de obra para a construção é contribuição das comunidades filiadas, que organizam um grande mutirão. O Entreposto é inaugurado oficialmente em 2014. No mesmo ano, a Rede Monte Sabo- res e ARESOL constituem uma Cooperativa, a Coopersabor, para facilitar a comercialização para o poder público e outros mercados.

Um retrato da economia popular solidária do Território não seria completo sem o relato e reconhe- cimento de outras ações da sociedade civil e outras políticas públicas no campo da convivência com o Semiárido a partir de 2003. Foi a existência dessas outras ações e políticas que ajudou para as iniciativas de economia popular solidária e as políticas públicas de apoio às finanças solidárias e compras institu- cionais retratadas atingirem seu pleno potencial.

Primeiro, o Território é beneficiado pelo Programa Um Milhão de Cisternas – P1MC que disponibi- liza as cisternas de placa para captação da água da chuva num grande mutirão organizado pelas entida- des filiadas à ASA e com recursos do Ministério de Desenvolvimento Social – MDS. Em Monte Santo, a AREFASE é uma das entidades da sociedade civil que executa o P1MC no Território.

Segundo, a educação para a convivência com o Semiárido avança muito com a expansão e conso- lidação das Escolas Família Agrícola. A EFASE consegue se consolidar e expandir, implantando, em 2004, o Ensino Médio e Profissionalizante na área de agropecuária, procurando capacitar filhos (as) de agri- cultores para trabalharem a realidade local com fundamentos da participação e da agroecologia. Hoje a EFASE tem sua atuação junto a dezesseis municípios, todos na região semiárida da Bahia, atendendo diretamente 85 comunidades rurais destes municípios, onde existem alunos (as) da escola. A equipe de monitores é formada pôr treze profissionais, sendo: um engenheiro. agrônomo, um médico veterinário, cinco técnicos em agropecuária e seis pedagogos. A EFASE tem atualmente 253 alunos (as) que perma- necem quinze dias na escola e os outros quinze dias do mês na comunidade e família, proporcionando uma constante troca de experiências, que enriquece todo o processo de ensino-aprendizado. 035

Mutirão para aumentar Entreposto e sede da ARESOL, Monte Santo 036 Diagnóstico Territorial da Economia Popular Solidária – Sisal e Piemonte Norte do Itapicuru/BA Para proporcionar aos alunos a oportunidade da aplicação nas terras de suas famílias do conheci- mento e das práticas ensinadas, a AREFASE busca recursos públicos e da cooperação internacional para promover projetos produtivos nas comunidades onde residem seus alunos. É nessa linha que desenvol- ve conjuntamente com outras entidades programas como o P1MC (Programa Um Milhão de Cisternas) no município de Monte Santo, que tem como princípios metodológicos à devolução dos recursos desti- nados à construção como forma de criar o Fundo Rotativo da Água, que é composto por estes recursos somados aos recursos da devolução que as comunidades realizaram em função da perfuração e instala- ção de 16 (dezesseis) poços artesianos no município com apoio inicial da Manos Unidas.

Desenvolveu através de um convenio com o Ministério do Meio Ambiente (até 2010) o Projeto Coletivo de Educadores que envolvem diretamente vinte e uma comunidades de Fundo de Pasto e As- sentamentos Rurais planejando e executando em cada comunidade o Plano de Manejo Sustentável.

Desenvolve com 45 (quarenta e cinco) famílias de agricultores (as) o Programa de Auto Sustenta- ção da EFASE, que com o apoio da Manos Unidas possibilita a instalação de núcleos familiares de caprino ovinocultura composto por uma área de 0,5 hectares de forragem estratégica (palma, leucena, capim napier ou algaroba) a construção de um aprisco e a aquisição de matrizes caprinas ovinas e reprodutor. Após dois anos de carência estas famílias devolverão para a EFASE o valor investido em equivalente ani- mal, procurando manter os gastos com a alimentação e manutenção geral da EFASE.

Concluiu o convenio com o MDA - Ministério do Desenvolvimento Agrário que envolveu 40 co- munidades rurais em todos os municípios de abrangência da EFASE, que possibilitou a capacitação em práticas sustentáveis de convivência com o semiárido, o intercambio técnico de 40 agricultores familia- res e 80 estudantes em alternância com entidades que trabalham na perspectiva de desenvolvimento sustentável (IRPAA, APAEB, CENTRECAPRI, CNPMF, CPATSA e COOPERCUC)

Desenvolve com a Pastoral da Criança da Paróquia de Monte Santo o Programa Cabra Solidária, que começou com sete famílias que receberam em média de cinco matrizes (caprinos ou ovinos) e tem o compromisso de devolução da mesma quantidade de acordo com o nascimento das crias fêmeas para outras famílias da mesma ou de outras comunidades. Este programa começou com 36 (trinta e seis) ma- trizes e hoje já chega em 290 (duzentas e noventa) matrizes devido à partilha e devolução.

Mantém, desde 2005 com apoio do BNB, o Fundo Rotativo e Solidário para a estruturação dos PPJs – Projeto Profissional do Jovem. Este fundo oferece um capital para o jovem que estuda no ensino médio e profissionalizante para iniciar uma atividade produtiva. Iniciou apoiando 34 estudantes, que já devolveram 75% do valor inicial (R$ 50.000,00) que foi repassado para outros estudantes. Embora de significativa importância, este fundo se mostra insuficiente visto que temos hoje 196 estudantes de- en sino médio e profissionalizante.

Além da EFASE, surgiu, em 2009, a Escola Família Agrícola de Itiúba – EFAI. Localizada na zona rural de Itiúba, a 20 km da sede do município, junto ao distrito de Rômulo Campos, perímetro Irrigado do DNOCS, a EFAI atende os municípios de Itiuba, Cansanção e Queimadas, todos na região semiárida da Bahia, atuando diretamente em 25 comunidades rurais destes municípios, onde moram seus alunos (as). A EFAI tem hoje 73 alunos(as) do ensino médio da 5ª à 8ª série, que permanecem quinze dias na escola e os outros quinze dias do mês na comunidade e família, proporcionando uma constante troca de experiências, que enriquece todo o processo de ensino-aprendizado. A equipe de monitores é formada por seis (06) profissionais, sendo: dois (02) técnicos em agropecuária e quatro (04) pedagogos.

A AREFAI – Associação Regional da Escola Família Agrícola de Itiuba é a mantenedora da EFAI, e sua coordenação é toda formada por agricultores(as) envolvidos com a luta por uma educação voltada para a realidade do semiárido, e que tenha como princípio a agroecologia, a convivência com o semiári- do e a busca de um processo educativo que liberte o homem e a mulher Sertaneja. A Associação integra a comissão da Água de Itiúba, que desenvolve através da Construção de Cisterna, a metodologia de FRS 037 da Água que visa multiplicar as cisternas já apoiadas pelos programas P1MC.

As Escolas Família Agrícola têm um papel fundamental na construção de um modelo de desen- volvimento sustentável no Semiárido que incorpore os princípios e as práticas da economia popular solidária, já que proporcionam desde cedo para os jovens o conhecimento e a vivência dessas práticas, formam novas lideranças para as comunidades locais e suas associações e preparam um quadro de téc- nicos preparados para assumir o acompanhamento dos projetos e programas retratados.

Uma terceira ação que fortaleceu o trabalho das organizações do GREPS foi a implantação, a partir de 2005, do Projeto de Segurança Alimentar e Nutricional - PSAN nas áreas de pré assentamento e ocu- pação. Executado pela COASB com apoio de um convênio entre o Ministério de Desenvolvimento Social - MDS e a Cáritas Brasileira Regional NE III, o Projeto viabilizou atividades produtivas para famílias em estado de insegurança alimentar entre 2005 e 2009. As famílias beneficiadas resolveram devolver parte do retorno para um Fundo de Apoio a novos grupos que fossem surgindo. Como a maioria das iniciativas produtivas foi criatório de caprinos/ovinos se formou um FRS VIVO (Rebanho Coletivo) que hoje é -de senvolvido em 03 áreas de Assentamento/Ocupação, servindo de aporte para as mobilizações, doações para outros grupos em períodos de emergência e para os novos grupos de acampados.

Em 2012, a Fundação Grupo Esquel Brasil/Vencer Juntos, com recursos de um Convênio do Minis- tério de Trabalho e Emprego/SENAES, promove um mapeamento dos fundos solidários nos estados da Região Nordeste. Como já se esperava, o Território de Economia Popular Solidária Sisal e Piemonte Norte de Itapicuru se destaca como um polo de fundos solidários na Bahia. O mapeamento levantou os dados apresentados no Quadro:

Em 2013, a economia popular solidária no Território já é reconhecida como referência na Bahia. O Governo do Estado, que vem implantando, desde 2009, os primeiros Centros Públicos de Apoio à Eco- nomia Solidária – CESOL, resolve implantar um Centro no Território, reconhecendo a força da Economia Popular Solidária ali presente. As organizações do GREPS se juntam e selecionam a ARESOL para atuar como proponente na chamada pública aberta pela SETRE/SESOL

A proposta da ARESOL é selecionada e, em 2015, é assinado o contrato para abrir o CESOL, com escritórios em Senhor do Bonfim e Monte Santo. O CESOL atende os territórios Piemonte Norte do Ita- picuru, Piemonte de Diamantina e os municípios de Monte Santo, Itiúba e Cansanção.

O objetivo geral do CESOL consiste em ofertar Assistência Técnica aos Empreendimentos Associa- tivos Populares e Solidários e a Redes de Economia Solidária e Comércio Justo e Solidário, contribuindo para a inclusão socioprodutiva, através do trabalho decente, pessoas com capacidade laboral nos terri- tórios atendidos. 038 Diagnóstico Territorial da Economia Popular Solidária – Sisal e Piemonte Norte do Itapicuru/BA

Dentre outros objetivos estão:

• Estimular o diálogo e a integração das políticas de economia solidária com outras políticas que possam ser complementares a esta; • Abrigar nas suas dependências as várias iniciativas e projetos voltados ao fortalecimento da economia solidária seja elas governamentais ou não governamentais, promovendo a sua inte- gração; • Apoiar projetos voltados à geração de trabalho e renda, por meio de iniciativas de econo- mia solidária; • Promover ações voltadas ao desenvolvimento local sustentável; • Disponibilizar espaço físico e infraestrutura para o desenvolvimento de atividades que promovam a formação e organização de trabalhadores dos empreendimentos de economia soli- dária; • Disponibilizar espaço físico e infraestrutura para o desenvolvimento de atividades que promovam a comercialização e divulgação da produção dos empreendimentos de economia soli- dária; • Disponibilizar espaço físico e infraestrutura para a realização de reuniões, oficinas, semi- nários e outras atividades culturais que objetivem o desenvolvimento da economia solidária; • Disponibilizar espaço físico e infraestrutura para o desenvolvimento de atividades volta- das ao mapeamento e divulgação da economia solidária.

Como primeiras ações, o CESOL implanta sua estrutura e conduz um diagnóstico do contexto só- cio produtivo, identificando a situação de cada empreendimento de economia solidária dos diferentes municípios na sua área de atendimento. É produzido um estudo com as informações relevantes sobre as relações sociais, políticas e econômicas que envolvem o território como um todo e também sobre as particularidades de cada microregião onde atua o Centro Público. Em seguido, é feito um levantamen- to para cadastrar os EES presentes no Território e assessorar cada um na elaboração de um Estudo de Viabilidade Econômica (EVE), aplicando a metodologia proposta pelo Professor Kraychete, adotada em todos os CESOL na Bahia. Com base nas demandas para assessoria e capacitação identificadas nos EVEs, o CESOL elabora seu plano de ação. Em 2016, o CESOL atende 108 EES localizados em 14 municípios com serviços de assessoria técnica, formações em gestão e tecnologias produtivas, promoção do associativis- mo e ações de apoio à comercialização.

A tabela mostra a relação das entidades que trabalham no Território e EES por elas financiados e/ ou acompanhados: 039

Continua na próxima página... ⁹ Secretaria do Trabalho, Emprego, Renda e Esporte – SETRE/ Superintendência de Economia Solidária – SESOL/ Secretaria de Desen- volvimento Social e Combate à Pobreza – SEDES/ Secretaria de Desenvolvimento e Integração Regional – SEDIR/ Companhia de Desen- volvimento e Ação Regional –CAR/ Superintendência da Agricultura Familiar – SUAF/ Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural – EMATER/ Empresa Baiana de Desenvolvimento Agrícola AS – EBDA/ Centro Público de Economia Solidária –CESOL. 040 Diagnóstico Territorial da Economia Popular Solidária – Sisal e Piemonte Norte do Itapicuru/BA

3.2 Distribuição Geográfica dos Empreendimentos

As principais entidades articuladoras de fundos rotativos solidários no Território são a Fundação Grupo Esquel Brasil/ Projeto Vencer Juntos, a Pastoral da Criança, a ARESOL e a EFASE que buscam, em conjunto com as demais entidades do Grupo Regional Economia Popular e Solidária (GREPS), incentivar a criação de Fundos Solidários a cada atividade desenvolvida nas comunidades. Três entidades supraci- tadas possuem sede no município de Senhor do Bonfim (município que ocupa o quarto em números de experiências que participaram do diagnóstico) e uma (EFASE) em Monte Santo.

A tabela abaixo apresenta a distribuição de empreendimentos por município, assim como o núme- ro de empreendimentos mapeados pelo Sistema Nacional de Informações em Economia Solidária - SIES: 041 Participaram do diagnóstico 88 empreendimentos acompanhados por 15 entidades, sendo que 87 responderam todo o questionário. A maior concentração de EES está nos municípios de Monte Santo com 33, em segundo Itiúba com 20, seguido de Cansanção com 11, Senhor do Bonfim com 8 e Uauá com 4. Os outros 12 empreendimentos estão divididos entre demais municípios: Andorinha, Filadélfia, Cam- po Formoso, , Queimadas, Jaguarari, Antônio Gonçalves e Pindobaçu. Os menores números de experiências estão nos municípios de Pindobaçu, Antônio Gonçalves, Jaguarari e Queimadas com 01 EES. Observa-se que 79,5% dos empreendimentos encontram-se no território do Sisal, enquanto apenas 20,5% localizam-se no território de Piemonte. Os municípios com maior número de empreendimentos são aqueles que possuem menores IDHs.

3.3 Perfil dos Empreendimentos

3.3.1 Atividades produtivas

Uma análise do perfil dos empreendimentos revela três ramos da atividade produtiva: (1) a agri- cultura familiar (principalmente na criação de cabras, bodes, ovelhas e carneiros, com poucas ocorrên- cias de boi e frango); (2) a produção de alimentos, inclusive beneficiamento de produtos da agricultura familiar e do extrativismo (polpa de frutas, beiju e outros derivados da tapioca, derivados do Lucuri - palmeira sertaneja da caatinga, pães e bolos, doces, geleias, compotas, temperos, hortaliças, mel); e (3) a produção de artesanato, com um empreendimento.

O quadro a seguir apresenta o número de empreendimentos por atividade e o número de famílias envolvidas:

Produção de alimentos. A produção de alimentos se divide em duas categorias conforme o que foi diagnosticado junto aos grupos: Alimentos in natura e alimentos processados. No caso dos alimentos in natura, são produtos advindos dos quintais produtivos e de cultivos nas áreas de assentamentos desen- volvidos com o auxílio de cisternas de placa e das barragens subterrâneas. Os produtos são: mandioca para produção de farinha, hortaliças, legumes e frutas, produzidos de forma orgânica (sem agrotóxico), garantindo uma melhor qualidade de vida aos consumidores. Já os alimentos processados são produtos de valor agregado, beneficiando a produção primária da família, como o queijo, no caso dos produtores de vaca leiteira, a polpa e doces desenvolvidos por meio do beneficiamento das frutas, e bolos e bis- coitos produzidos a partir dos itens plantados nos quintais produtivos. Com esses produtos, as famílias eliminam o desperdício e conseguem ter uma variação na produção familiar gerando uma renda com- plementar. A produção de polpa de frutas ocupa 17 empreendimentos, localizados em Monte Santo, Cansanção, Itiúba, Uauá e Pindobaçu. Enquanto que o beneficiamento do Licuri, palmeira sertaneja da caatinga, ocupa 8 empreendimentos em Queimadas, Cansanção, Monte Santo e Nordestina. Outras atividades dos empreendimentos é a horticultura, com 6 grupos em Antônio Gonçalves, Uauá, Monte Santo e Cansanção

Agricultura familiar. Os agricultores da economia popular solidária atuam na criação de ovinos (23 grupos) em Senhor do Bonfim, Cansanção, Monte Santo, Uauá, Itiúba, Filadélfia e Campo Formo- so. Também criam caprinos (26 grupos) em Senhor do Bonfim, Cansanção, Monte Santo, Uauá, Itiúba, Filadélfia, Campo Formoso, Andorinha e Jaguarari. A criação de bovinos (5 grupos) ocorre em Senhor do Bonfim, Itiúba e Filadélfia. E a criação de aves (1 grupo) ocorre em Monte Santo. As atividades da agricultura familiar desenvolvidas pelos EES analisados têm, na sua grande maioria, centralidade na vida familiar, mas seu processo produtivo, apesar de demandar grande esforço e cuidado, não exige acentua- do grau de transformação (ou seja, de complexidade do processo produtivo), como nas atividades micro 042 Diagnóstico Territorial da Economia Popular Solidária – Sisal e Piemonte Norte do Itapicuru/BA

Horta Comunitária, Assentamento Serra Verde, Senhor do Bonfim 043 industriais. Este fato comprova que a partir dos poucos recursos para financiar esses projetos, muitas fa- mílias têm conseguido superar os problemas da falta de renda e garantido o alimento saudável na mesa. Por isso, é essencial a existência de políticas públicas de apoio às iniciativas de fundos solidários. A cria- ção de ovinos e caprinos é frequente nos territórios, pois os animais se adaptam melhor ao clima, à ve- getação e não precisam de grande extensão de terras, nem de muita água. Além disso, a atividade pode ser desenvolvida em consórcio com outras culturas. A criação bovina ajuda no alimento das famílias garantindo a segurança alimentar, através do leite e da produção do queijo, os dois produtos também são comercializados, gerando renda. A falta de infraestrutura para abate dos animais é um problema que os EES enfrentam. Sem essa infraestrutura, a maior parte dos animais é vendida para atravessadores, fazendo com que os produtores deixem de receber preços justos pelos produtos.

Artesanato. O artesanato foi verificado em Itiúba, realizado com a palha do ariri, que se encontra em extinção. Itiúba fabrica chapéus de fibra, artigos de palha de Ouricuri ou Ariri e bolsas de Sisal.

A pesquisa procurou levantar os principais produtos, quantidades/volumes produzidos e capaci- dade de produção para ter uma ideia da dimensão da economia popular solidária no Território. A tabela abaixo apresenta um resumo: 044 Diagnóstico Territorial da Economia Popular Solidária – Sisal e Piemonte Norte do Itapicuru/BA A grande maioria dos empreendimentos, segundo os dados acima descritos, produz aquém de sua capacidade informada de produção. Nas atividades agropecuárias, a maior produção é de ovinos e caprinos. Dentre os alimentos in natura destaca-se a grande quantidade produzida de casca, polpa seca e amêndoa de Licuri. Destaca-se também a produção de maracujá e mandioca. Para os alimentos pro- cessados, destaca-se a fabricação de polpa, beiju, Licuri beneficiado e farinha.

3.3.2 Formalização

De acordo com os dados levantados constata-se, inicialmente, que a grande maioria dos empreen- dimentos (95,4%) não se encontra formalizada. É possível que os entrevistados tenham constatado na informalidade uma oportunidade de sobrevivência própria e da família. A ideia da existência de custos e de burocracia para se formalizar são alguns pontos que podem dificultar a formalização dos empreende- dores informais. Neste aspecto, a informalidade é a opção que muitas pessoas enxergam por encontrar mais flexibilidade, autonomia, liberdade e facilidade de entrada.

Entretanto, a fim de ampliar a análise sobre esta questão, deve-se considerar que quase a tota- lidade dos membros dos empreendimentos possui a DAP, sendo que esta declaração, destinada aos agricultores familiares, possibilita o acesso ao crédito (PRONAF, por exemplo) e à venda para programas governamentais (PAA e PNAE) e a outros consumidores. Assim, esta declaração substitui a necessidade de formalização dos empreendimentos da agricultura familiar. Portanto, ao levar em conta este dado, conclui-se que o grau de informalidade no Território é baixo.

É importante que os EES e as EAF conheçam no detalhe essas diferentes formas de formalização e saibam os impactos (positivos e negativos) que eles podem gerar. Por exemplo, quais os efeitos que poderiam surgir caso uma artesã portadora de DAP se legalizasse também como MEI? 045

Beneficiamento de frutas 046 Diagnóstico Territorial da Economia Popular Solidária – Sisal e Piemonte Norte do Itapicuru/BA Em relação ao enquadramento formal do empreendimento houve seis respostas advindas de gru- pos que são organizados em associação. Foi ressaltada no grupo focal a necessidade de reconhecimento pelo Estado das especificidades do trabalho associado, que em tese deveria ser atendida pela Lei do Cooperativismo, mas que não ocorre na realidade, o que obriga os empreendimentos a recorrerem a outros tipos de legalização, como o MEI. Há, assim, a urgência na construção de um estatuto da Econo- mia Solidária que reconheça e formalize o trabalho associado de forma desburocratizada e lhe conceda incentivos de diferentes naturezas (fiscais, creditícias, etc.).

3.3.3 Gestão da Produção

O diagnóstico aborda uma série de perguntas sobre as ferramentas e práticas de gestão dos em- preendimentos. A grande maioria dos empreendimentos entrevistados (85%) faz algum tipo de plane- jamento de sua produção. Um pouco mais da metade do total de empreendimentos (46) faz um plane- jamento parcial de sua produção. E um pouco menos (28) faz um planejamento de forma sistemática. Apenas 15% do total de empreendimentos (equivalente a 13) não realizam o planejamento da produção.

Do total de 87 empreendimentos, 38 (43,18%) registram controles financeiros de forma sistemá- tica, outros 31 empreendimentos (35,28%) fazem um controle parcial e apenas 18 empreendimentos (20,45%) não fazem controle financeiro. Os empreendimentos que possuem algum cadastro de seus fre- gueses representam 89,8% do total, sendo que 71,6% utilizam o caderno para esse controle, enquanto que 14,8% usam o livro de registro e apenas 3,4% usam planilhas eletrônicas.

Esses dados revelam a possibilidade de haver uma demanda latente por melhorias de gestão. Al- gumas destas demandas já se materializam na percepção dos grupos como um problema de fato. Como sinaliza o gráfico abaixo, 24,1% dos entrevistados apontam a gestão como uma das maiores dificuldades que o empreendimento possui. Outros problemas apontados possuem relativa associação com a gestão, como o baixo preço das mercadorias, dificuldade no armazenamento, vendas e custos de insumos. 047 Para dar conta dessa melhoria há que se pensar em grandes desafios. Por um lado, é preciso supe- rar a divisão entre trabalho manual e intelectual, entre os que produzem e os que coordenam e geren- ciam o empreendimento. Esta superação requer um cuidadoso trabalho de envolvimento, capacitação e aprendizagem. Envolvimento dos cooperantes com as atividades específicas de gestão, capacitação técnica para o exercício dessas atividades e aprendizagem de todos no que se refere a um processo co- letivo de tomada de decisões que seja, ao mesmo tempo, ágil para garantir os resultados econômicos e a sustentabilidade do empreendimento. Por outro lado, é preciso realizar a produção num processo de comercialização que dê o retorno necessário à satisfação das necessidades materiais das pessoas e famílias que estão envolvidas e, ao mesmo tempo, fomente a lógica da cooperação entre os empreen- dimentos. Um caminho parece ser o fortalecimento de “mercados cativos” através das redes de sócio economia solidária, desde o nível local, passando pelo regional, até o nacional e o global. O Estado pode apoiar tal processo fomentando empreendimentos e redes, situando-se, inclusive, como cliente de pro- dutos e serviços.

Outro desafio vislumbrado é a adaptação de instrumentos de gestão, geralmente criados sob a óti- ca da grande empresa capitalista, para organizações que possuem como essência a gestão e apropriação coletivas do fruto do trabalho. Neste sentido, essas organizações necessitam de novos instrumentos -re ferentes no tocante ao marketing, a administração financeira, a gestão de pessoal, entre outros âmbitos da gestão de organizações (Moura e Meira, 2002). Também é preciso atentar para a singularidade de cada empreendimento analisado envolvendo a sua complexidade produtiva e gerencial.

Um resultado da pesquisa que chamou a atenção é o intenso uso do “caderninho” pelos empre- endimentos no amplo processo de gestão. Se ele, por um lado, pode ser interpretado como um instru- mento utilizado por uma gestão frágil, por outro lado ele pode ser compreendido como um instrumento simplificado e, portanto, adequado para a gestão de micro empreendimento. A sua facilidade de manu- seio e grande aceitação nos faz sugerir que as EAFs do território pensem na elaboração de um “caderno” especial, que seja utilizado no controle financeiro, de estoques, da produção e mesmo dos clientes. Es- ses “caderninhos” poderiam ser fornecidos por essas entidades e acompanhados pelos técnicos nos EES.

Em relação às dificuldades apontadas pelos empreendimentos salienta-se a falta de infraestrutura e equipamentos adequados, bem como o alto custo da matéria prima, como as principais angustias dos entrevistados. Acompanhada da questão climática que também se revela problemática e um grande desafio para o desenvolvimento dos empreendimentos. Trata-se, portanto, de fatores que poderiam ser superados com uma maior oferta de crédito ou injeção de recursos não reembolsáveis para investimen- to e capital de giro. 048 Diagnóstico Territorial da Economia Popular Solidária – Sisal e Piemonte Norte do Itapicuru/BA 3.4 Meio –Ambiente

Conforme observado nos gráficos apresentados, as atividades desenvolvidas pelos empreendi- mentos têm, no geral, um baixo impacto sobre o meio ambiente. Ainda assim, foram observadas nos EES preocupações com a questão ambiental, apesar disso não se constituir numa preocupação central para eles. Nesse sentido, há um entendimento que as ações ambientais dos EES poderiam ser mais ativas.

A grande maioria dos estabelecimentos possui algum tipo de conhecimento sobre a agroecologia (89,7%). Quase a metade (49,4%) dos respondentes fez treinamento no assunto. Os demais ficaram sabendo por meio de multiplicadores. Apenas 8% dos casos não tiveram nenhum contato com esse co- nhecimento.

Dos quase 90% dos empreendimentos que conhecem a agroecologia, 83,9% a aplicam ao menos de forma parcial. Do total de entrevistados, 67,8% afirmaram utilizar completamente o conhecimento, enquanto 16,1% a aplicam parcialmente. Um total de 14,9% não aplicam. Destes, 8% não conhecem a agroecologia o que justifica o fato de não aplicarem. Estes dados indicam que a produção da agricultura familiar pode ter um grau de agregação por meio de certificações comunitárias dos produtos agroeco- lógicos, atraindo mercados que prezam o consumo de alimentos naturais, sem agrotóxicos ou outros insumos artificiais. 049

Criação de Caprinos e Ovinos, São Paulinho, Uauá 050 Diagnóstico Territorial da Economia Popular Solidária – Sisal e Piemonte Norte do Itapicuru/BA Os recursos naturais citados para utilização na produção foram: forragens naturais da Caatinga; pastagem, água, frutas nativas, lenha; rações alternativas, leite de pinhão; iodo natural; Licurizeiro; pa- lha para o artesanato; flores da caatinga; fertilizantes, palma e fundo de pasto; luz do sol, raiz da -man dioca e aipim; cactos, plantação de forragens e área de reserva estratégica; resto de matéria prima, solo, vassoura de fogo e capim de corte. Segundo 84,5% dos empreendimentos entrevistados, há reposição natural destes recursos. Para 7,1% há reposição induzida pelo grupo. E para 6 empreendimentos essa reposição não é feita.

A extração dos produtos naturais é realizada de forma artesanal em 78,8% dos empreendimentos, conforme revela a figura abaixo.

Quanto à destinação do lixo, 55,4% fazem incineração própria, 32,5% fazem reciclagem e em 10,8% dos casos esse lixo é destinado à coleta pública. A incineração caseira é uma prática antiga para elimi- nação do lixo, principalmente em áreas rurais e traz ao meio ambiente mais prejuízos que benefícios. A queima do lixo libera CO2 (gás carbônico) na atmosfera, gás tóxico em grandes quantidades (o que já acontece devido à emissão por fábricas e carros). Além deste, outros gases, também altamente tóxicos, são liberados na atmosfera quando o lixo é queimado a céu aberto. Entretanto, observa-se também que em alguns casos são realizadas práticas ambientalmente esperadas, tendo motivações diversas, como ambientais, sociais e econômicas. Um exemplo é o aproveitamento de resíduos orgânicos para produção de fertilizantes naturais e ração animal. 051 3.5 Comercialização

3.5.1 Canais de comercialização

A pesquisa revela que os quatro canais de comercialização mais importantes são feiras livres (52,9%), atravessadores (44,8%), exposições (42,5%), vendas para o poder público (33,3%) e a venda no próprio empreendimento (33,3%). A loja de economia solidária fica em quinto lugar (31%) nas estraté- gias de venda, seguida pela venda de porta em porta (27,6%).

Apesar da variedade nos canais de comercialização, os EES ainda enfrentam dificuldades: no caso dos grupos da agricultura familiar/agropecuária uma das dificuldades é cumprir com as exigências da legislação sanitária, principalmente pela falta de recursos para adaptar a infraestrutura de manejo dos produtos às exigências da legislação.

Outra dificuldade de comercialização é o domínio dos complexos conhecimentos que envolvem o processo de comercialização, os quais com frequência não são de posse dos EES e mesmo das EAFs. Nesse sentido, as entidades do Território já avançaram bastante com a criação da Rede Monte Sabores, da COOPERSABOR e da inserção dos produtores nos Programas PNAE e PAA (ver 3.5.3 abaixo).

Buscou-se distinguir os tipos de feiras existentes. A primeira delas é a feira de maior porte, que ocorre eventualmente ou pouco frequente e reúne produtores, revendedores e consumidores de loca- lidades diversas (muitas vezes distantes), como uma exposição ou feira anual que tem como objetivo expor produtos e encontrar clientes. A segunda é a feira local, de menor porte e que ocorre rotineira- mente e com maior frequência, como uma feira de hortifrutigranjeiros que ocorre aos domingos pela manhã. Esta última possui importância fundamental e estratégica para a comercialização dos EES, já que asseguram um canal de vendas direto ao consumidor final.

3.5.2 Atravessadores

Uma dificuldade que é colocada à comercialização de diversos empreendimentos é a ação de atravessadores. O atravessador ainda tem uma presença forte na região principalmente na compra de caprinos e ovinos, já que a grande maioria dos produtores não tem acesso a um local apropriado para abater seus animais para vender a carne. 052 Diagnóstico Territorial da Economia Popular Solidária – Sisal e Piemonte Norte do Itapicuru/BA

Feira Regional de Economia Solidária, Cansanção, 2015 053 É verdade que, em alguns poucos casos, os atravessadores são considerados bons pagadores e viabilizadores da venda da produção. Entretanto, como via de regra, os atravessadores pagam valores irrisórios pela produção e utilizam técnicas antiéticas para capturar os produtores, como, por exemplo, lhe ofertam crédito (agiotagem) e lhe oferecem produtos de necessidade básica (remédios, comida, etc.) antecipadamente por sua produção, aproveitando-se de uma situação de miséria ou pobreza extrema. A solução para isso é a criação de novos canais de venda e o acompanhamento e formação dos EES.

3.5.3 Vendas para o poder público

A venda para órgãos públicos (como por meio do PNAE e do PAA) é tida pelos técnicos do Vencer Juntos como o mais importante canal de comercialização dos EES, e boa parte dos EES entrevistados já está inserida. O Território se destaca pelo alto índice de empreendimentos que vendem para o Poder Público. É um dos aspectos mais fortes do trabalho da ARESOL e das equipes técnicas do Vencer Juntos e das demais entidades. Mesmo assim, ainda é menos da metade que está inserida nesse canal.

Visando também facilitar o processo de vendas para o setor público, atendendo alguns dos seus requisitos, foi promovida a organização de produtores diversos da localidade em cooperativa com a cria- ção da COOPERSBAR em 2015.

Outra estratégia de comercialização a se avaliar é a da articulação junto aos poderes públicos municipais da região para a construção de um abatedouro público ou comunitário, já que muitos pro- dutores, conforme abordado anteriormente, colocam que a falta de tal equipamento faz com que eles vendam os seus animais a preços mais baixos.

3.5.4 Comércio Justo e Solidário

Verifica-se que dos 87 EES do território pesquisado, apenas 10,3% não conhecem os critérios de comércio justo e solidário. Contudo, dos 80,7% empreendimentos restantes, apenas 23 (26,4%) conhe- cem plenamente esses critérios. Observa-se que para 62,1% destes estabelecimentos o conhecimento é parcial, revelando que há um grande déficit de conhecimento neste aspecto. 054 Diagnóstico Territorial da Economia Popular Solidária – Sisal e Piemonte Norte do Itapicuru/BA

Monte Sabores: Loja em Monte Santo e Marca 055 A maior parte dos estabelecimentos (86,20%) atende, plenamente ou parcialmente, os critérios do mercado justo e solidário na produção e comercialização de bens. Apenas 11,5% afirmaram não atender os critérios. Entretanto, faltam aos estabelecimentos informações sobre canais de comercialização que reconheçam ou exijam certificação do comércio justo.

Em sua maioria, os estabelecimentos acreditam que as relações de trabalho são, ao menos parcial- mente, justas para quem produz. Apenas 7,1% do total de empreendimentos acreditam que as relações de trabalho não são justas para quem produz.

Em 2016, um empreendimento conseguiu a certificação de produtos orgânicos. Este fato repre- senta uma oportunidade de agregação de valor aos produtos, como os agropecuários produzidos de forma mais natural (agroecológicos). A certificação comunitária da produção orgânica é uma realidade em vários territórios e podem se configurar exemplos a serem mais bem compreendidos e adaptados à realidade local. 056 Diagnóstico Territorial da Economia Popular Solidária – Sisal e Piemonte Norte do Itapicuru/BA Sobre a temática do comércio justo e solidário, foi apontado o Instituto Marista de Solidariedade (IMS) como uma organização que vem desenvolvendo inciativas nesse sentido. Assim, poderia escolher um articulador do território para tratar do tema com o IMS, assim como com outras organizações e redes de comércio justo. As EAFs devem tratar esse tema de maneira articulada, vislumbrando o médio e longo prazo, dado os rigorosos processos das entidades certificadoras. A criação da Rede Monte Sabores já foi um grande passo dado na direção da introdução do Comércio Justo e Solidário no Território.

A maioria dos EES acredita que seus produtos são realmente necessários para o consumo de seus clientes. Talvez isso explique a falta de ações para garantir a fidelização de seus produtos.

3.5.5 Divulgação dos produtos, logística e formação de preços

Dos 87 estabelecimentos, 37,9% não fazem divulgação nenhuma de seus produtos. As seis prin- cipais estratégias de divulgação são: feiras locais (50,6%), boca a boca (36,8%), eventos de exposição (19,5%), locais de venda (17,2%), festas locais (14,9%) e por meio de parceiros (12,6%). Poucos empreen- dimentos utilizam material de comunicação como cartões de visita (2,3%), panfletos e folders (6,9%) ou banners (8%). Observa-se a oportunidade de realizar ações de propaganda e divulgação, podendo gerar um aumento significativo no volume de vendas.

Quanto à logística de entrega do produto na venda para locais distantes, 22 empreendimentos (25,6%) não vendem seus produtos fora da comunidade local. A grande maioria dos empreendimentos vende seus produtos fora da comunidade, utilizando-se para isso o frete de carro (57%), ônibus de linha (20,9%) e apenas 3,5% deles utilizam veículo próprio. Apenas um empreendimento utiliza transportado- ra para entregar seus produtos. 057

Como a maior parte dos empreendimentos utilizam canais de comercialização de maior comple- xidade, é relevante a preocupação com uma logística (transporte) adequada, assim como canais de di- vulgação que efetivamente alcance uma área maior. Isso significa que estratégias de comunicação e logística devem ser pensadas quanto à sua adequação e efetividade.

Na formação de preço, os grupos entrevistados levam em consideração principalmente os preços dos concorrentes (60,9%), seguido pelos gastos com a produção (51,7%), gastos no transporte (40,2%) e gastos na comercialização (35,6%). A utilização das estimativas de rendimento para formação de preço é feita por apenas 2,3% dos EES. Este item pode explicar a dificuldade relatada com os baixos preços das mercadorias, reforçando mais uma vez a importância de trabalhar formas mais efetivas de comerciali- zação com vistas a interferir no preço final do produto, sem afetar a sua competitividade no mercado e melhorando o rendimento do empreendedor.

3.6 Crédito e Finanças Solidárias

A pesquisa revelou que tanto os empreendimentos (74,7%) como seus participantes (69%) tiveram ou têm acesso ao crédito. 058 Diagnóstico Territorial da Economia Popular Solidária – Sisal e Piemonte Norte do Itapicuru/BA

Conforme foi observado, os programas de financiamento mais relevantes e presentes no território são: o Fundo Rotativo Solidário (FRS) do Vencer Juntos (Pastoral da Criança e Fundação Esquel), o progra- ma Crediamigo (Banco do Nordeste) e o PRONAF (governo federal). Dos 88 EES, 66 acessam essas fontes de financiamento, ou seja, 76,8% dos empreendimentos pesquisados no território. Neste aspecto, a Fundação Grupo Esquel Brasil e o Banco do Nordeste são percebidos como as principais entidades de fornecimento do crédito.

Nas outras respostas, as fontes mais mencionadas foram a EFASE (8), ARESOL (7), Convênio da SETRE (5), CAFFP (5), e Convênio SEDES (5). 059 Dos 87 EES entrevistados, 54% recebem acompanhamento técnico por parte das suas fontes de crédito. Entretanto, 20,7% não recebem ou recebem de forma parcial (14,9%).

Dos EES que acessaram o recurso do Vencer Juntos, a maioria avalia que não houve dificuldade no acesso (82,4%) e na devolução (72%) dos recursos. As dificuldades de acesso ao recurso, relatadas por dois empreendimentos, foram devidas aos valores mais baixos que os desejados e à burocracia. Dos 44 empreendimentos que responderam à questão sobre dificuldade da devolução dos recursos do Vencer Juntos, 12 deles (ou 27,3%) disseram que sentiram dificuldade. Na maior parte dos casos que sentiu difi- culdades em devolver o recurso (9 empreendimentos), o motivo alegado foi a falta de retorno financeiro dos recursos aplicados, decorrente da produção ou vendas insuficientes. 060 Diagnóstico Territorial da Economia Popular Solidária – Sisal e Piemonte Norte do Itapicuru/BA Em relação ao acesso dos créditos/ financiamentos dos demais financiadores, uma parte maior dos empreendimentos (37,1%) relatou dificuldades. No que se refere à devolução do recurso, entretan- to, apenas 11% dos empreendimentos sentiram dificuldades, em sua maioria, pelo mesmo motivo: -ven das insuficientes para pagar o financiamento. Os dados informam que há maior dificuldade no acesso dos demais financiamentos, porém a dificuldade em devolver os recursos foi menos sentida.

Observam-se indícios de que as dificuldades de pagamento aos FRS (e também aos bancos) estão atreladas aos problemas de planejamento e gestão observados nos empreendimentos, de acordo com a avaliação da equipe técnica.

Uma avaliação mais estruturada na análise dos empreendimentos que receberão recursos e um acompanhamento deles mais próximo poderia diminuir a taxa de inadimplência ao FRS. Contudo, essa mesma análise inicial mais aprofundada poderia acabar por excluir EES atualmente apoiados, que pos- suem efeitos não econômicos importantes, mas que não são viáveis financeiramente. Assim, mais do que detalhar e aprofundar a avaliação e acompanhamento dos EES, é necessária à adoção de uma nova concepção de avaliação, substituindo a ideia de uma mera viabilidade econômica, por uma que abranja a ideia de utilidade social, ou seja, uma análise da sustentabilidade em sentido ampliado do empreendi- mento. Nesse sentido, é também necessário demonstrar (ou mesmo convencer) os financiadores do FRS para a adoção dessa diferente concepção de avaliação.

A ideia apresentada no ponto anterior indica a necessidade que possuem alguns EES de incentivos (subsídios) às suas atividades desenvolvidas. Os subsídios não são uma novidade, sendo adotados em diferentes casos, como no incentivo para a produção de gêneros alimentícios e outros bens considera- dos essenciais. Da mesma forma, certos EES podem não demonstrar capacidade superavitária suficiente para se autofinanciar, mas seus produtos e serviços possuem uma utilidade social tão relevante que a ajuda financeira a esses empreendimentos de maneira cíclica se justifique. 061 Entretanto, os recursos que possuem os FRS do território são limitados. Isso, por sua vez, resulta em insuficiência de recursos para atender a todos aqueles que precisariam de empréstimos, assim como créditos com valores abaixo das reais necessidades dos empreendimentos.

Assim, é necessária a criação de políticas públicas nas três esferas de governo que fortaleçam os Fundos Rotativos Solidários, como, por exemplo, por meio da destinação de um orçamento para tal fi- nalidade. É necessário, entretanto, que o plano territorial trace as estratégias concretas para que essas políticas existam ou se fortaleçam.

Outra ação importante a ser feita é o mapeamento de todas as possibilidades de financiamento aos EES do território, abarcando tanto iniciativas estatais (nas três esferas), privadas, não governamen- tais e internacionais.

No que se refere ao Estado, deve-se buscar compreender os diferentes programas de financiamen- to nos mais diferentes órgãos.

É necessário conferir o nível de conhecimento do PRONAF pelos técnicos, o qual pode se constituir num importante programa de financiamento da agricultura familiar. Também é importante conhecer com maior grau de detalhamento os programas e linhas de créditos oferecidos pelos bancos públicos e de capital misto, como Banco do Brasil, Caixa Econômica e Banco do Nordeste. Mesmo financiamentos concedidos por bancos privados devem ser compreendidos e mapeados.

No que tange às finanças solidárias, poderia-se buscar o fortalecimento das parcerias com as Coo- perativas de Crédito Solidário presentes no Território.

3.7 Conhecimentos: Educação, Formação e Assessoramento

A grande maioria dos EES do território participou de processos formativos. Do total, 88,6% rece- beram formação para melhoria da produção. Em cooperativismo e associativismo foram 65,8% que se capacitaram. Em economia solidária foram formados 57% dos empreendimentos. Em comercialização foram formados 53,2% e em Gestão 39,2%. Outras formações foram: Finanças (15,2%) e como vender para o setor público (15,2%). Observa-se que apesar das formações oferecidas, detectaram-se dificulda- des ainda existentes nos temas de formação. Ou seja, é possível que ainda haja necessidade de reforçar ou avançar em algumas formações como em gestão e finanças por exemplo. Seria interessante realizar novos levantamentos de necessidades de capacitação e formação nos territórios, bem como construir participativamente um plano de formação e desenvolvimento de pessoas, mantendo uma coerência e uma constância no processo formativo até quando não for mais necessário. 062 Diagnóstico Territorial da Economia Popular Solidária – Sisal e Piemonte Norte do Itapicuru/BA

As principais entidades realizadoras desse processo de formação foram: Fundação Esquel (62,3%), a AREFASE (39,0%%) , a ARESOL (31,2%), o SEBRAE (16,9%) e a Central das Associações de Fundo e Fecho de Pasto – CAFFP (13,0%) com dez ou mais respostas. A tabela apresenta o resumo das respostas.

A avaliação destes processos formativos se dividiu basicamente em Muito Bom (54,4%) e Bom (38%). Porém, deve-se atentar que 7,6% dos empreendimentos avaliaram como razoável.

A maioria dos EES (72,4%) não participou de nenhuma atividade do Centro de Formação e Apoio à Assessoria Técnica em Economia Solidária (CFES). Apenas 20 estabelecimentos, representando 23% do universo da pesquisa, participaram de algum tipo de atividade no Centro. Para avaliar esse resultado 063

Oficina sobre Finanças Solidárias, Cansanção, 2015 064 Diagnóstico Territorial da Economia Popular Solidária – Sisal e Piemonte Norte do Itapicuru/BA é importante lembrar que a função do CFES é de formar formadores/multiplicadores, não o público da Economia Popular Solidária.

Os EES afirmaram existir, ao menos parcialmente, 85,7% de casos de acompanhamento sistemá- tico aos empreendimentos para conferir o aproveitamento dos processos formativos, as questões que ainda necessitam ser trabalhadas e os avanços obtidos. Apenas 12 empreendimentos afirmaram não ter tido acompanhamento sistemático ao grupo. A grande maioria dos acompanhamentos foi realizada pela Fundação Esquel (74,7%). As outras entidades mais citadas foram a AREFASE/EFASE, ARESOL, CAFFP, Movimento CETA, IRPAA e COASB.

O acompanhamento consiste em visitas técnicas (97,4% dos casos), acompanhamento de proces- sos formativos (65,8%) e acompanhamento do manejo (42,1%). Em 73,3% dos casos o acompanhamen- to técnico era mensal e bimestral. Apenas em um estabelecimento esse acompanhamento era diário. 065

Deve-se tomar cuidado com o excesso de formações e acompanhamentos oferecidos aos EES. Sabe-se que os EES já possuem um grande trabalho em suas atividades produtivas. O trabalho pouco articulado das entidades de formação e capacitação pode acabar gerando um “excesso” de acompanha- mento, muitas vezes repetido e não complementar. A ausência de um plano de formação e capacitação, envolvendo as entidades que atuam no território, pode acarretar pouca efetividade das ações.

3.8 Ambiente Institucional: Legislação e Integração de Políticas Públicas

A maioria (81,2%) não participa do Grupo Regional de Economia Popular Solidária - GREPS, sendo que apenas 16 empreendimentos atuam no Grupo. Entretanto, todos os empreendimentos participam de movimentos sociais no território, seja em associações comunitárias (70,1%), em sindicatos rurais (55,2%), Agricultura Familiar (54%), Programa Um Milhão de Cisternas (39,1%), Programa de Convivên- cia com o Semiárido – ASA (35,6%), lutas pela terra (31%), associação de produtores (26,4%), agroecolo- gia (11,5%), associações religiosas (4,6%) e outros.

Apesar de afirmarem que participam de movimentos sociais e de outras formas de organização da sociedade civil do território, os EES possuem baixo grau de participação em ambientes de articulação política da Economia Solidária. Uma maior articulação entre o Fórum territorial, o CFES e os movimentos sociais no território poderia ser uma ação interessante no sentido de fortalecimento político dos EES.

Todos os 87 empreendimentos entrevistados afirmam participar em outras organizações ou movi- mentos sociais. 066 Diagnóstico Territorial da Economia Popular Solidária – Sisal e Piemonte Norte do Itapicuru/BA

O diagnóstico evidencia a importância fundamental das políticas sociais do governo federal para a melhoria da qualidade de vida das famílias que compõem os EES, como, por exemplo, Bolsa Família, Luz para Todos, PAA, PNAE, dentre outros. Cerca da metade dos EES são beneficiários de políticas públicas nas áreas de comercialização, produção e finanças. Entre os beneficiados, a política pública que mais se destaca entre os EES é o PAA, com 66,7% de beneficiários. Em seguida o PNAE, com 61,9% e as feiras públicas com 33,3% de beneficiários. 067 Todos os 87 empreendimentos entrevistados afirmam ter membros cadastrados em algum progra- ma do Governo Federal, sendo o Programa Bolsa Família o mais citado (99%), seguido pelo Minha Casa Minha Vida (20%). 068 Diagnóstico Territorial da Economia Popular Solidária – Sisal e Piemonte Norte do Itapicuru/BA 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com este relatório pretende-se sistematizar e apresentar o retrato da economia popular solidária em doze municípios nos Territórios Sisal e Piemonte Norte do Itapicuru, Bahia com toda sua diversidade e riqueza, nascida dos movimentos sociais que vêm se articulando, desde 2004, no GREPS. A realidade que se apresenta é de um Território que conquistou grandes avanços no campo da economia popular solidária desde 2003 graças a um conjunto de forças e elementos favoráveis: (1) uma forte cultura local que pratica e valoriza o trabalho coletivo (uso coletivo da terra nos fundos de pasto, mutirões, fundos rotativos); (2) fortes movimentos sociais dispostos para serem protagonistas no desenvolvimento local que souberam aproveitar uma conjuntura política favorável para conquistar políticas públicas; (3) a pre- sença e participação das Escolas Famílias Agrícolas, entidades de ensino que proporcionam ao jovem e sua família, a aprendizagem e vivência dos valores comunitários casados às tecnologias adequadas para a realidade do semiárido, formando novas lideranças assim como os quadros técnicos para os movimen- tos sociais; (4) a vontade e capacidade dos movimentos e entidades da sociedade civil para trabalhar de forma articulada, organizando-se coletivamente no GREPS e (5) Governos estadual e federal (até 2016) que valorizavam o protagonismo da sociedade civil e optaram por criar políticas públicas para apoiar e fortalecer as iniciativas dos movimentos e das organizações comunitárias no Território ao invés de im- plantar estruturas paralelas.

Esse conjunto de forças permitiu a evolução de uma economia popular solidária no Território que já chegou a ser reconhecida como referência na Bahia e no Brasil.

Por outro lado, a pesquisa entre os EES revela que ainda existem muitas fragilidades a serem su- peradas. Também chama atenção o apoio ainda muito tímido e limitado à economia popular solidária e agricultura familiar por parte do poder público municipal: políticas públicas como ATER, PNAE, PRONAF estão longe de atingir a cobertura desejável, e a estruturação e consolidação das principais cadeias pro- dutivas da agricultura familiar está muito incipiente ainda, precisando de mais investimentos.

Espera-se que o Diagnóstico e Plano Territorial de Economia Popular Solidária possam contribuir para mobilizar os gestores públicos e outros parceiros para continuar investindo neste importante Proje- to de um desenvolvimento local sustentável promovido pelo protagonismo do povo organizado. 069 5. BIBLIOGRAFIA

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